A Tragetória Arquivística No Brasil

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    A TRAJETRIA DA ARQUIVSTICA NO BRASIL: MARCOS TEMPORAIS EDEBATES INICIAIS

    Angelica Alves da Cunha [email protected] em Cincia da Informao Programa dePs-graduao em Cincia da Informao

    Universidade de Braslia

    Prof Dr Georgete Medleg [email protected] do Curso de Arquivologia e do Programa dePs-graduao em Cincia da Informao Universidade de Braslia

    1. Introduo

    Qual a trajetria da formao da Arquivstica como disciplina cientfica

    no Brasil? Como ela se configura no campo cientfico? Quais so as suas

    relaes com outras disciplinas nesse processo?

    luz dessas questes, a dissertao defendida no Programa de Ps

    graduao em Cincia da Informao da Universidade de Braslia em 2007,

    buscou, dentre outros aspectos, no estudo histrico da criao dos cursos de

    graduao em Arquivologia do Brasil, a compreenso dos espaos e dos

    dilogos da formao e configurao dessa disciplina (MARQUES, 2007).

    Nessa perspectiva, o referencial terico da pesquisa apoiou-se, principalmente,

    no conceito de campo cientfico, proposto por Bourdieu (1983).

    A fim de compreender os debates iniciais e alguns marcos temporais

    para o desenvolvimento da disciplina no Pas, esta comunicao apresenta os

    resultados da pesquisa referentes ao mapeamento de documentos inditos de

    arquivo, realizado no Arquivo Nacional (AN), na cidade do Rio de Janeiro, em

    abril de 2006 e complementado com pesquisa bibliogrfica.

    Nesse sentido, apoiamo-nos nas informaes encontradas na nossa

    pesquisa documental, alertando que essa anlise no foi exaustiva em todos

    os perodos pesquisados, em razo da ausncia/escassez de documentos e/ou

    mesmo das condies em que os encontramos: muitas vezes sem datas,

    incompletos e at deteriorados.

    Para complementarmos a pesquisa documental e bibliogrfica,

    realizamos, ainda, entrevistas (pessoalmente e por correspondncia) com

    pessoas que participaram do processo de criao e implantao do curso de

    Arquivologia da Universidade de Braslia (UnB), a partir de um roteiro semi

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    estruturado de perguntas. Como veremos adiante, essas pessoas nos

    ajudaram a compreender a trajetria da Arquivstica no Brasil como um todo.

    2. O cam po ci entfic o: consideraes tericas

    Segundo Bourdieu,

    O campo cientfico, enquanto sistema de relaes objetivas entre posiesadquiridas (em lutas anteriores), o lugar, o espao de jogo de uma lutaconcorrencial. O que est em jogo especificamente nessa luta o monoplioda autoridade cientficadefinida, de maneira inseparvel, como capacidadetcnica e poder social; ou, se quisermos, o monoplio da competnciacientfica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agirlegitimamente (isto , de maneira autorizada e com autoridade), que socialmente outorgada a um agente determinado (BOURDIEU, 1983, p. 122123).

    Esse autor pontua, assim, a existncia, num dado campo cientfico, de

    uma dinmica concorrencial entre os membros (pares) que o compem, onde

    entra em cena um verdadeiro jogo de interesses e de valores que lhes confere

    credibilidade, definido pelo monoplio da autoridade e da competncia

    cientfica.

    Portanto,

    O campo cientfico sempre o lugar de uma luta, mais ou menos desigual,entre agentes desigualmente dotados de capital especfico e, portanto,desigualmente capazes de se apropriarem do produto do trabalho cientfico

    que o conjunto dos concorrentes produz pela sua colaborao objetiva aocolocarem em ao o conjunto dos meios de produo cientfica disponveis(BOURDIEU, 1983, p. 136).

    Ainda em relao a esse conceito, importante destacar que os

    conflitos, ou seja, a luta concorrencial a que o autor se refere faz parte de

    uma lgica interna de funcionamento ao prprio campo cientfico. Dessa forma,

    A estrutura do campo cientfico se define, a cada momento, pelo estado dasrelaes de fora entre os protagonistas em luta, agentes ou instituies, isto, pela estrutura da distribuio do capital especfico, resultado das lutasanteriores que se encontra objetivado nas instituies e nas disposies eque comanda as estratgias e as chances objetivas dos diferentes agentesou instituies (BOURDIEU, 1983, p. 133).

    A partir dos documentos pesquisados, observamos uma convergncia

    de esforos (do Estado, das associaes e das instituies) para levar a

    Arquivstica para a Universidade. Evidentemente, como efetuamos um recorte

    no universo da pesquisa, bem possvel a existncia de outros discursos

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    contrrios a essa conquista de espao, mas, considerando os resultados a

    implantao dos cursos de graduao nas universidades pblicas brasileiras

    estes parecem no ter sido hegemnicos.

    Nesse sentido, A estrutura da distribuio do capital cientfico est na

    base das transformaes do campo cientfico e se manifesta por intermdiodas estratgias de conservao ou de subverso da estrutura que ela

    reproduz (BOURDIEU, 1983, p. 134).

    A partir desse conceito, buscamos realar as questes relacionadas

    lgica de funcionamento prpria da Arquivstica, ou seja, sua busca de

    autonomia no seu processo de formao e configurao como disciplina

    cientfica, destacando a sua trajetria histrica, como veremos a seguir.

    3. Debates iniciais para a concepo de um curso para a formao dearquivistas

    Embora o recorte temporal da pesquisa tenha se limitado ao perodo

    compreendido entre a dcada de 1960 e 2006, julgamos essencial iniciar nosso

    estudo sobre a formao da Arquivstica como disciplina no Brasil, a partir do

    incio do sculo XX.

    Mediante a pesquisa documental realizada no fundo Arquivo Nacional,

    observamos que j em 1911 havia uma preocupao, por parte dessa

    instituio, quanto formao especializada dos seus funcionrios, tendo em

    vista o tratamento adequado dos documentos por ela custodiados. institudo,

    por meio do Decreto n. 9.197, de 9 de dezembro de 1911, o Curso de

    Diplomtica, com o fim de proporcionar cultura prtica e theorica [sic], aos que

    se destinarem s funes especficas dos cargos desse estabelecimento1.

    Em 1923, a Biblioteca Nacional (BN) e o Museu Histrico Nacional

    (MHN) abrem inscries para o Curso Tcnico, criado pelo Decreto n. 15.596,

    de 2 de agosto de 1922, comum a essas duas instituies e ao AN2. Assim,

    esse curso, a exemplo dos cursos tcnicos dos arquivos europeus da poca,

    1Conforme o documento Instruces para o curso de Diplomtica no Archivo Nacional, s/d, eoutros documentos relacionados a esse curso: Minuta n. 245, de 6 de outubro de 1912, doArchivo Publico Nacional; Minuta n. 276, de 9 de dezembro de 1913, do Archivo Nacional;documento n. 82, de 14 de janeiro de 1914, do Ministrio da Justia e Negcios Interiores; eMinuta n. 198, de 29 de agosto de 1919, do Archivo Nacional.

    Referenciado na Minuta n. 381, de 7 de dezembro de 1926, doArchivo Nacional.

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    exigia dos candidatos uma preparao para trabalhar, ao mesmo tempo, em

    bibliotecas, museus e arquivos. O ensino das matrias era dividido entre

    aqueles estabelecimentos a que era comum, cabendo ao Arquivo Nacional o

    de histria poltica e administrativa do Brasil e de cronologia e diplomtica 3.

    De acordo com o Projeto 141de 19264

    , que cria, no quadro funcional doAN, o cargo de amanuense, em substituio ao de auxiliar, esse curso deveria

    habilitar os candidatos ao novo cargo. Apesar de regulamentado5, esse curso,

    por razes diversas, no chega a funcionar6.. Ento,

    Em 1930, em face do projeto de criao da Universidade do Rio de Janeiro,o ento diretor do Arquivo Nacional [...], demonstrando sensibilidade quanto importncia da formao do profissional de arquivo e sua vinculao formao superior, pleiteia a incluso do curso de arquivo ao novo sistemade organizao do ensino superior, ou seja, Universidade (BOTTINO,1994, p. 13).

    Nilza Teixeira lembra, na sua entrevista7, que no havia especialistas

    em arquivo. Em Biblioteconomia havia muita gente j se especializando, se

    destacando. Inclusive o Curso da Biblioteca Nacional progrediu e o Arquivo

    Nacional ficou bastante parado, muito tempo sem apresentar resultados.

    Diante da necessria habilitao dos funcionrios do AN para o cargo de

    amanuense, o diretor daquela instituio solicita, ao ento Ministro da Justia e

    Negcios Interiores, providncias para a formao desse pessoal.

    Criticamente, o diretor argumenta que a proposta de organizao do CursoTcnico no atendia s necessidades do Arquivo quanto s especificidades

    dos documentos custodiados8.

    , ento, realada

    a necessidade de uma disciplina de conjunto sobre Arquivos, na qual seestude a histria dos Arquivos, os mtodos de sua organizao, os

    3Segundo Minuta n. 222, de 22 de maro de 1932, doArchivo Nacional, remetida pelo Diretordessa instituio ao Ministro da Justia e Negcios Interiores da poca.4

    Conforme Minuta n. 381, de 7 de dezembro de 1926, doArchivo Nacional.5Conforme Decreto (s. n.), de maro de 1932, que Modifica, no Arquivo Nacional, o cursotcnico destinado a habilitar os candidatos ao cargo de amanuense e d outras providncias.6Minuta n. 381, de 7 de dezembro de 1926; Minuta n. 222, de 22 de maro de 1932, doArchivoNacionale documento (s/d.), manuscrito ao Ministro da Justia e Negcios Interiores.7

    Bibliotecria que contribuiu de forma relevante para a criao e manuteno do Ncleo daAssociao dos Arquivistas Brasileiros (AAB) de Braslia. Entrevista concedida a AnglicaAlves da Cunha Marques no dia 13 de dezembro de 2005.8Segundo Minuta n. 222, de 22 de maro de 1932, doArchivo Nacional, remetida pelo Diretordessa instituio ao Ministro da Justia e Negcios Interiores da poca e Exposio de Motivos(s/d.).

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    problemas de classificao dos documentos, os cuidados para a ba [sic]conservao destes, a arte de restaur-los, de estrata-los [sic], enfim o modode consider-los como parte de um todo orgnico, que o Arquivo. Essadisciplina a Arquivstica, matria que pode deixar de figurar num CursoTcnico destinado formao terico-prtica de funcionrios de Arquivo9.

    Mas a necessidade de habilitao dos amanuenses continuava ainda

    sem soluo prtica10. Ento, para se formarem, restava, aos funcionrios do

    AN, aproveitarem os cursos eventualmente promovidos pelo Departamento

    Administrativo do Servio Pblico (DASP), pela Pontifcia Universidade Catlica

    (PUC/RJ), pelo Instituto de Desenvolvimento e Organizao Racional do

    Trabalho (IDORT-SP) e pela Fundao Getlio Vargas (FGV)11, como lembra

    Esposel (1994, p. 39):

    Visam sses [sic] Cursos a formao de especialistas, preparando-os para odesempenho das atribuies relacionadas moderna tcnica de arquivos,administrao de documentos e Arquivologia, incluindo esta ltima, parte deum estudo sbre [sic] o arquivo pblico e sua funo em face da Histria eda administrao do pas12.

    No final da dcada de 1950, ainda na ausncia de um curso especfico

    para a formao dos funcionrios da principal instituio pblica do Pas

    custodiadora de documentos arquivsticos, o ento Diretor do AN escreve uma

    carta Embaixada da Frana, solicitando a colaborao de um arquivista

    francs para conferncias sobre a organizao dos arquivos franceses, que

    eram modelo poca. Assim,

    O professor francs nos ajudaria a formar o pessoal tcnico de quenecessitamos para nossas tarefas inicias. Nosso curso de preparao deverser iniciado em maro de 1959, mas seria prefervel contarmos com oProfessor Arquivista francs de junho a novembro. O envio de pessoalbrasileiro para cursar o Stage International seria feito posteriormente e comoaperfeioamento13.

    9Exposio de Motivos (s/d.), que aparentemente acompanhava a Minuta n. 222, de 22 de

    maro de 1932.10De acordo com Minuta n. 498, de 25 de junho de 1934, do Arquivo Nacional.11 Como, por exemplo, o Curso Avulso de Preparao de Pessoal para Organizaes deServios, promovido pelo DASP, conforme Circular 1943/2, de 20 de julho de 1943, doMinistrio da Justia e Negcios Interiores, bem como os Cursos de Administrao deDocumentos e Arquivologia, promovidos pela FGV, segundo DE 433, de 10 de fevereiro de1947, daquela instituio.12

    Cursos de Administrao de Documentos e Arquivologia, promovidos pela Fundao GetlioVargas, segundo DE 433, de 10 de fevereiro de 1947.13Carta de Jos Honrio Rodrigues, ento Diretor do AN, a Gabrielle Mineur, adida cultural daEmbaixada da Frana [1958?].

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    Haveria, portanto, um Curso de aperfeioamento de arquivistas,

    basicamente quanto s doutrinas, tcnicas e mtodos e histria e

    organizao dos arquivos na Frana e na Europa. Esse curso teria a durao

    de quatro meses e meio e o restante do tempo seria aproveitado para o estudo

    da situao do Arquivo Nacional e elaborao de sugestes para suasoluo14.

    Pouco tempo depois, os jornais noticiam que:

    O Arquivo Nacional, com o apoio da Diviso de Cursos do D.A.S.P, inicia a24 de agosto [sic] o 2 Curso de Arquivos, destinado a aperfeioararquivistas e revelar dirigentes. O 2 Curso ter a colaborao do Prof.Boullier de Branche, diretor dos Arquivos de la Sarthe (Frana), obtidaatravs da ajuda da Embaixada da Frana. O Curso, que contar com acolaborao de professores brasileiros, constar da classificao deArquivos, Organizao e Administrao de Arquivos, Histria Administrativado Brasil, Paleografia e Diplomtica, Pesquisa Histrica e Noes deHistoriografia15.

    Ento, com a colaborao do DASP, os cursos do AN comeam a

    funcionar em abril de 1959, com o Curso de Preparao do Pessoal Auxiliar de

    Arquivo, o qual tem uma durao de quatro meses e volta-se para o pessoal

    das reparties pblicas dos institutos educacionais da poca. Em setembro do

    mesmo ano, j com a presena do professor francs Henri Boullier de Branche,

    acontece o Curso de Aperfeioamento de Arquivo, destinado no s aos

    servidores do Arquivo Nacional, como aos que terminaram o curso anterior e a

    todos os servidores lotados em setores de Documentao. Aproveitando a

    presena desse professor, o AN ainda realiza dois cursos: um de treinamento

    intensivo, no primeiro semestre de 1960 e outro, no segundo semestre daquele

    mesmo ano, nos moldes do primeiro curso de 195916.

    Nesse nterim, Branche prepara um Relatrio sobre o Arquivo Nacional

    do Brasil primeira edio de 1960 e segunda de 197517 no qual examina os

    principais problemas dessa instituio. Em relao ao seu pessoal, o professor

    descreve a situao do AN:

    14 Documento solto, incompleto e sem data, aparentemente relacionado Carta de JosHonrio Rodrigues a Gabrielle Mineur, adida cultural da Embaixada da Frana.15Documento identificado como Notcia p/ jornal[1959?].16De acordo com o Projeto do Elenco das Disciplinas do Concurso Oficial de Arquivologia[1960?].17Tivemos acesso somente segunda edio desse relatrio (BRANCHE, 1975).

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    O pessoal cientfico e tcnico do Arquivo est em fase de formao e, sobeste aspecto, as perspectivas so excelentes. Elementos jovens edinmicos, recrutados recentemente, esto prontos a colaborar sob oimpulso de seu Diretor na renovao dos Arquivos. Apesar da formaoespecializada que vem sendo ministrada ao pessoal, h um ano, falta-lhetambm, na maioria das vezes [sic], uma formao geral de base nascincias anexas e conhecimentos indispensveis ao trabalho do arquivista:

    histria, geografia histrica, histria do direito e das instituies brasileiras eportuguesas, organizao administrativa do Brasil, bibliografia (BRANCHE,1975, p. 5).

    4. Marcos temporais para a conquista de espao na Universidade

    Esses debates e esforos culminam com o Curso Permanente de

    Arquivos (CPA), que comea a funcionar, em 1960, no Arquivo Nacional18:

    J dispondo de um Curso Permanente de Arquivos, de nvel universitrio,

    reconhecido pelo MEC e funcionando regularmente dede 1960 no ArquivoNacional, com grande procura de candidatos oriundos dos mais diversossetores sociais do Pas, a formao de pessoal especializado emArquivologia, capaz de aplicar as modernas tcnicas aos arquivos brasileiros,chegou ao primeiro semestre deste ano com as condies bsicas julgadasessenciais execuo do projeto de criao de uma Escola Superior,segundo parecer aprovado pelo Conselho Federal de Educao (ARQUIVONACIONAL, 1974a, p. 13).

    Quanto s expectativas de cursos para a dcada de 1960, o AN

    planejava duas modalidades: uma de curso permanente e outra de curso

    extraordinrio. O primeiro tinha por finalidade especializar pessoal na tcnica

    de arquivo, no s servidores pblicos como auxiliares de empresas e de

    organizaes que desejarem melhorar as suas condies e teria a durao de

    dois anos, com aulas semanais. J os cursos extraordinrios seriam

    ministrados conforme as convenincias da instituio19.

    Em 1970, percebe-se ser premente a preocupao quanto preparao

    de arquivistas, tendo-se em vista a preservao das fontes histricas:

    Os Cursos do Arquivo Nacional tm por f inalidade preparar no s os futurosArquivistas brasileiros, mas tambm os futuros pesquisadores da Histria,

    introduzindo-os nas Fontes Histricas. So Cursos auxiliares de Histriadados nas Universidades. Podem, com grande proveito, ser freqentados poralunos das Faculdades de Histria e Filosofia (ARQUIVO NACIONAL, 1970a,p. 6).

    Nilza Teixeira, na entrevista, afirmou ter participado do CPA e, em seguida, ter feito umestgio de trs meses no Arquivo Nacional da Frana.19De acordo com o Projeto do Elenco das Disciplinas do Concurso Oficial de Arquivologia[1960?].

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    Nesse contexto, com os militares no poder, tnhamos um Estado

    centralizador, mas preocupado com polticas de planejamento. Dreifuss20(1986

    apud CARVALHDO, 2003) aponta que Na localizao, acesso e uso dos

    arquivos havia problemas polticos. No entanto, a dcada de 1970 pode ser

    considerada um divisor de guas na rea, quando so criadas instituies,lanados peridicos especializados e realizados eventos importantes para o

    fortalecimento da instituio arquivo pblico no Brasil (CARVALHDO, 2003).

    Por outro lado, ainda nessa dcada, o Curso de Arquivologia do AN,

    criado em 1911, no tinha sido oficializado (ARQUIVO NACIONAL, 1970a, p.

    6). Permanecia, portanto, uma notvel inquietao quanto necessria

    formao em Arquivstica no Brasil, como assinala Raul Lima:

    O ensino da Arquivstica e da Arquivologia dever passar por uma sensveltransformao. De imediato vamos procurar obter o reconhecimento desteprprio Curso de modo a podermos conceder diplomas suscetveis deregistro no Ministrio da Educao e Cultura e no apenas certificados defreqncia e concluso (LIMA apud ARQUIVO NACIONAL, 1970b, p. 19)21.

    Raul Lima ainda menciona a existncia de um projeto de Decreto, em

    tramitao no Ministrio da Justia, que previa, na nova estrutura do AN, a

    Escola de Arquivstica e Pesquisa Histrica, alm de uma recomendao

    constante do Compromisso de Braslia22, quanto formao de

    arquivologistas, em nvel superior, sob a orientao deste rgo, justificada

    pelo problema da formao de especialistas necessrios aos arquivos [que]

    est relacionado intimamente com o tratamento aviltante que lhes dispensado

    20DREIFUSS, Ren Armand. A conquista do Estado: ao poltica, poder e golpe de classe.Petrpolis: Vozes, 1981.21Palavras de Raul Lima, Diretor do Arquivo Nacional, na aula inaugural do CPA, no dia 6 deabril de 1970, para as quatro turmas matriculadas naquele ano (ARQUIVO NACIONAL, 1970c,p. 19).22 Segundo Caldeira, o Compromisso de Braslia o documento resultante do "Primeiro

    Encontro dos Governadores de Estado, Secretrios Estaduais da rea Cultural, Prefeitos deMunicpios Interessados, Presidentes e Representantes de Instituies Culturais,representando um dos esforos empreendidos para a conservao preventiva dos bensculturais, em abril de 1970. Esse documento enfatiza que o acervo arquivstico e o acervobibliogrfico merecem cuidados especiais segundo as suas peculiaridades e conforme asregulamentaes tcnicas dos rgos federais especializados na utilizao e na proteo edesse patrimnio. Nesse sentido, destaca-se, entre as concluses desse Encontro a orientaodada quanto criao de cursos superiores segundo orientaes do Departamento HistricoArtstico Nacional (DPHAN) e do Arquivo Nacional para a formao de arquitetosrestauradores, conservadores de pintura, escultura e documentos, arquivologistas emuseologos (CALDEIRA, 2006).

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    na sistemtica das carreiras do servio pblico (ARQUIVO NACIONAL, 1970c,

    p. 19-20).

    Na cerimnia de formatura da turma de 1971 do CPA (16 de maro de

    1971), o ento Diretor do AN, Raul Lima, lembra o pronunciamento do

    Departamento de Ensino Superior, reconhecendo, nesse Curso, as mesmascaractersticas dos cursos de Biblioteconomia e de Museologia todos

    oriundos do Decreto n 15.596, de 2 de agosto de 1922. Recorda, tambm, o

    parecer do Conselho Federal de Educao (CFE), o qual inclui a formao de

    arquivistas no sistema universitrio (ARQUIVO NACIONAL, 1972a, p. 9).

    No possuindo a estrutura escolar necessria nem podendo atender a todo opas, o Arquivo Nacional deseja inspirar a sede [sic] educacional mdia esuperior para formao de pessoal destinado aos arquivos correntes, noprimeiro caso, e para, no segundo caso, que no desapaream os

    profissionais de alto nvel necessrios aos arquivos de custdia,indispensveis pesquisa histrica nas fontes. De modo que se rompa ocrculo vicioso da falta de atrativo salarial por inexistncia de formaouniversitria desses profissionais e a ausncia dessa formao por nohaver aquele atrativo (LIMA apud ARQUIVO NACIONAL, 1972a, p. 9).

    Aqui interessante abrir um parntese quanto concepo do contedo desseParecer, pela arquivista Astra de Moraes e Castro:

    E como surgiu a idia de um curso superior de arquivo, conforme asdatas, eis o histrico de sua realizao e implantao, mil novecentose sessenta e sete. Como Chefe do Arquivo histrico da Cmara dosDeputados em Braslia, ao organizar o acervo surgiu-me a idia deobter para o Brasil um curso superior de arquivo. Como poderamos

    organizar os arquivos brasileiros sem profissionais competentes?Conhecamos o caos das administraes brasileiras, em matria dedocumentao arquivstica. [...] Mil novecentos e setenta, apresentei oprojeto de curso superior de arquivo no encontro do senhor Ministro daEducao e Cultura com os Governadores sobre o PatrimnioHistrico e Arquivstico Nacional, a convite do professor VicenteSobrio Porto, [...] [que] me orientou no sentido de apresentar omesmo projeto ao Conselho Federal de Educao. [...] Foi escolhidocomo relator do projeto [...]. Para elaborar seu parecer, fornecisubsdios dos mtodos da Arquivologia mundial e de todo apoiofalando dos nossos anseios e da causa cvica que defendia. Sempreachei que o arquivo causa cvica. uma coisa de patriotismo, salvara histria do Brasil. Mil novecentos e setenta e dois. Na sesso devinte e quatro de janeiro de mil novecentos e setenta e dois, a Cmara

    de Ensino Superior aprovou unanimemente o parecer, documentonmero cento e trinta e seis, publicao do MEC, maro de milnovecentos e setenta e dois, ano onze. Estava criado o Curso de nvelsuperior de arquivo no Brasil. [...] Eles fizeram e autorizaram ocurrculo mnimo que eu tinha feito. Mas foi o Doutor Raul Lima queconseguiu23.

    23Conforme entrevista concedida em 7 de dezembro de 2005.

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    Ratificando o interesse nacional pelos arquivos, em 1972, o CFE

    autoriza a criao de cursos de Arquivologia em nvel superior. Cumprindo a

    recomendao do I Congresso Brasileiro de Arquivologia (CBA), quanto

    definio de um currculo mnimo para esses cursos, a Associao de

    Arquivistas Brasileiros (AAB) encaminha, ao CFE, um projeto de currculo Cmara de Ensino Superior, Processo n. 1845/72 (BOTTINO, 1994, p. 14).

    No mesmo ano, o Parecer n. 249/72da Cmara de Ensino de 1 e 2

    graus, que reconhece a Arquivstica como habilitao profissional no Ensino de

    2 grau, aprovado (08 de maro de 1972). Esse Parecer aponta a demanda

    pelos cursos ministrados pelo AN e o

    interesse pelas tcnicas de arquivo como qualificao profissional para empregosde empresa privada. [...] Acresce que, alm do mercado de trabalho empresarial,

    h tambm, para profissionais de Arquivstica, um campo bastante atraente e emampliao, que o dos Museus, das Bibliotecas e dos Arquivos Pblicos que, coma mudana dos mtodos educacionais, repartem cada vez mais com a escola astarefas do ensino, recebendo multides de alunos, cujas pesquisas exigemmonitores e assessores capazes de manusear documentos e peas os maisvariados. Seriam eles, esses profissionais de nvel mdio, os tcnicos auxiliaresdos Historigrafos, Arquivologista, dos Muselogos e dos Documentaristas(ARQUIVO NACIONAL, 1972b, p. 4).

    No ano seguinte, firmado um acordo regulando o mandato

    universitrio, concedido pelo Conselho da Universidade Federal do Rio de

    Janeiro (UFRJ), ao CPA (28 de setembro de 1973)24.

    No incio de 1974, firmado um convnio entre a Universidade Federal

    Fluminense (UFF) e o AN, para cooperao conjunta das duas entidades em

    matria arquivstica e de pesquisa histrica, com a divulgao, por ambas, dos

    resultados obtidos nesses campos (ARQUIVO NACIONAL, 1974a, p. 4-5).

    No entanto, em termos prticos, a Arquivstica ainda no era

    reconhecida como habilitao para o 2 grau, tampouco como habilitao para

    o ensino superior.

    Desde algum tempo empenha-se a direo desta Casa em conseguir aelevao do Curso Permanente de Arquivo a nvel superior e a implantaoda Arquivstica como habilitao profissional no ensino do 2 grau. Comrespeito a esta ltima pretenso, continuam ainda os entendimentos. [...] adireo do Arquivo Nacional solicitou Universidade Federal do Rio deJaneiro, a concesso de mandato universitrio ao Curso Permanente deArquivos, conforme a legislao vigente.

    ARQUIVO NACIONAL, 1973, p. 3-5.

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    A aquiescncia da UFRJ a esta pretenso foi comunicada em fins de janeiropassado, datando, entretanto, de 29 de setembro de 1973 a assinatura doconvnio estabelecido.[...] Aguarda agora, o Arquivo Nacional um pronunciamento daquelaUniversidade sobre as condies que envolvem esta concesso, para fixarao Curso as demais caractersticas pertinentes a [sic] sua situao atual(ARQUIVO NACIONAL, 1974a, p. 56-57).

    Havia, portanto, uma mobilizao quanto ao funcionamento de uma

    escola superior de arquivo, como pode ser observado no texto Pessoal

    especializado em arquivos ter passo decisivo com funcionamento de Escola

    Superior (ARQUIVO NACIONAL, 1974b). Nessa perspectiva, Esposel lembra

    que o CPA era a primeira e nica manifestao regular do ensino arquivstico

    no Brasil (1994, p. 61)25.

    importante salientar que, nessa poca, em Braslia, Astra de Moraes

    e Castro esteve frente de um projeto de implantao do Curso de

    Arquivologia na Associao de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF),

    que no teve xito (AAB, 1974, p. 8-9) 26.

    Alm dessa iniciativa, existiu outra no Centro Universitrio de Braslia

    (UniCEUB), a qual, segundo Castro, foi recusada e outra iniciativa, na

    Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para a implantao do Curso

    de Arquivologia na sua Escola de Biblioteconomia (AAB, 1975). No entanto,

    esse curso tambm no chegou a ser implantado.

    O cenrio das instituies de arquivo do Brasil, na dcada de 1970,ratificava a necessidade de institucionalizao acadmica da disciplina. De

    acordo com os dados coletados pelo Servio de Registro e Assistncia do AN,

    criado em 1958, existiam, no Pas, em meados dessa dcada, 3.800 arquivos

    cadastrados, distribudos da seguinte forma: 1.554 arquivos pblicos, 380

    arquivos institucionais (instituies de educao, corporaes bancrias,

    sociedades e associaes, etc.), 13 eclesisticos, 13 comerciais e 1 particular.

    Verificamos que, naquele total de arquivos cadastrados (3.800), somente

    2.136 responderam aos questionrios enviados, mas, mesmo assim, do[sic] para visualizar a importncia e possibilidades desse setor do mercadode trabalho, desde que considerada a funo do arquivista, como de resto namaioria dos pases do mundo, dentro de sua importncia e papel prioritrio(ABRANTES, 1976, p. 25).

    25Conforme discurso de paraninfo da turma de 1973 do CPA, no dia 26 de abril de 1974.26Conforme a entrevista que nos foi concedida em dez/2005.

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    Diante dessa situao, o professor Henri Boullier de Branche alertava

    que:

    A formao de pessoal qualif icado, de um corpo de funcionr iosespecializados nos problemas de arquivos, essencial para o futuro dosarquivos brasileiros. Mas este trabalho, para dar resultados satisfatrios,dever prosseguir sem interrupo e conduzir normalmente criao de umaescola de arquivistas da qual o Brasil tem necessidade premente, ou pelomenos de uma srie de cursos permanentes, nos quais sero ensinadas asdiferentes matrias indispensveis. S deste modo poder o Brasil recrutaros arquivistas qualificados que lhe sero cada vez mais indispensveis(BRANCHE, 197527, apud ABRANTES, 1976, p. 17).

    Ao refletir sobre essas palavras, Abrantes destaca a importncia da

    formao dos recursos humanos, seus problemas e solues, num campo

    considerado vital para o progresso de todas as naes o estudo da

    arquivologia e sua aplicao administrao pblica e s empresas industriais

    e comerciais (ABRANTES, 1976, p. 17-18). Ainda segundo ele,

    Com o desenvolvimento scio-econmico-cultural do pas, obviamente [...]criam-se novas empresas e ampliam-se outras. Como decorrncia, cresce deimportncia o trabalho arquivstico, j agora de melhor nvel, onde aimprovisao comea a ceder lugar qualificao. E no mercado detrabalho, a mo-de-obra qualificada insignificante em termos relativos demanda j recrutada atravs da imprensa diria ou por intermdio daassociao de classe. Isto equivale dizer, oferta de maiores vantagens,nunca antes lembradas, em sinal evidente da conscientizao das atividadesde arquivo pela classe empresarial (ABRANTES, 1976, p. 24).

    Assim, em termos prticos, as demandas dessa formao podem serobservadas nas palavras da ento presidente da AAB, Professora Helena

    Correia Machado:

    Na rea governamental tambm, o interesse por arquivos vem avultando,haja vista os inmeros rgos federais interessados na implantao oureestruturao de suas unidades especficas. Como conquista para equilibraro atendimento demanda, tem-se em mira a criao dos cursos, tanto deformao como profissionalizantes. J temos o curso pioneiro de graduaode arquivistas no Arquivo Nacional e planos adiantados para outros similaresna Universidade Federal Fluminense e na Federao das Escolas FederaisIsoladas do Rio de Janeiro. Outro marco a conseguir, tambm o daregulamentao da profisso certamente no tardar, pois as autoridadesque estudam o processo, em curso no Ministrio do Trabalho, mostram-sesensibilizadas pela evidncia do valor da Arquivologia no mundocontemporneo, quando somente agora ele projeta toda a sua realidade nomercado de trabalho (MACHADO, apud ABRANTES, 1976, p. 24).

    Felizmente, os esforos do AN no so em vo:

    BRANCHE, Henri Boullier de. Relatrio sobre o Arquivo Nacional do Brasil. Rio de Janeiro:Ministrio da Justia; Arquivo Nacional, 1975.

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    A resoluo n. 23, de 13 de maio de 1974, do Conselho Federal deEducao, que fixou o currculo mnimo e durao para o curso de arquivoem nvel superior, permitiu a adoo de novo currculo para o CPA aprovado(Portaria n. 37 de 6 de setembro de 1974) e j implantado apenas para o 1semestre do ano letivo (ARQUIVO NACIONAL, 1975, p. 53).

    A repercusso do CPA significativa, conforme descreve Abrantes:

    No Curso Permanente de Arquivos, que vem sendo objeto de estudos oficiaispara transformao em Escola de Arquivologia, integrada estruturauniversitria na rea da FEFIERJ inclusive j com mandato universitrioconcedido pela UFRJ e currculo corresponde aprovado pelo ConselhoFederal de Educao o nmero de alunos que o procuram e se candidatams suas vagas, num total de 50 apenas, pelas restries ainda existentes derecursos financeiros e didticos, aumenta a cada ano. De 1960 a 1969, 445alunos assistiram as suas aulas e, de 1971 a 1975, perodo em que passou avigorar a exigncia de exame vestibular, com maiores dificuldades portanto,de acesso, em relao ao perodo anterior, 197 alunos. Afluncia idnticateve o Curso de Tcnica de Arquivo, destinado a formar arquivistas de nvel

    mdio: de 1970 a 1975, 412 alunos assistiram s suas aulas. No conjunto dedois cursos, mais de mil pessoas se lanaram conquista da profisso dearquivista, sem falar nos diferentes cursos avulsos proporcionados peloArquivo, na assistncia tcnica que procura dar, nacionalmente, ajudandoarquivos pblicos e instituies e empresas privadas a organizarem oureorganizarem seus arquivos em bases modernas (ABRANTES, 1976, p. 23).

    importante ressaltar ainda que, em 1975, havia um anteprojeto da

    Escola de Biblioteconomia e Documentao da Federao das Escolas

    Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro (FEFIERJ), com a finalidade de

    desenvolver os estudos para a criao do Centro de Cincias da Informao

    (MACHADO, 1975, p. 27).

    Quanto ao acordo entre o AN e a UFRJ28,

    Em decorrncia de convnio firmado entre o rgo e a referida Universidade,o currculo cumprido pelo portador do certificado de concluso do curso,anteriormente a 23 de setembro de 1973, foi declarado equivalente ao doCPA, ao qual foi conferido mandato universitrio (ARQUIVO NACIONAL,1976a, p. 15).

    Assim, formada uma comisso composta por representantes do AN,

    do Ministrio da Justia, do Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e da

    Federao das Escolas Federais Isoladas da Guanabara (FEFIEG) visando a

    transferir o CPA para o mbito do MEC, como unidade filiada FEFIEG

    (ARQUIVO NACIONAL, 1976b, p. 55).

    Segundo Esposel (1994, p. 84-85), em 1976, a nica universidade brasileira que estavavinculada aos cursos de arquivo era a UFRJ (antiga Universidade do Brasil), de acordo com omandato universitrio conferido ao AN, para a realizao do CPA Dirio Oficial da Unio(DOU), de 25 de outubro de 1973.

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    Em seguida, por meio da Portaria n. 5, de 15 de maro de 1976, o AN

    aprova o quadro de professores do seu Curso Permanente e dos seus Cursos

    Avulsos (ARQUIVO NACIONAL, 1976c, p. 27). Depois de tanto tempo e de

    tantos esforos, portanto, como nos lembra Abrantes, a Arquivstica conquista,

    pelo menos no mbito da legislao, seu espao na Universidade:

    Uma das recomendaes formuladas, por exemplo, a criao de uma escolaou de uma srie de cursos regulares para formao de arquivistas, j em1960 comeava a ser posta em prtica, com a criao de um CursoPermanente de Arquivos, de dois anos de durao. [...] Nesses primeirosanos, porm deve-se ressaltar, segundo esclarecimentos da prof Myrthesda Silva Ferreira, ento na Chefia de Seo de Cursos sem que elefuncionasse com regularidade, devido falta absoluta de condiesfinanceiras, levando a que algumas matrias do currculo, por no seremministradas anualmente, assumissem na realidade caractersticas deverdadeiros cursos avulsos. O fundamental, no entanto, que vencendouma estagnao que resistiu algumas dcadas, mesmo a um espantoso

    hiato, aps a criao em 1922, do 1 Curso Tcnico destinado habilitaode candidatos aos cargos de amanuense e 3 Oficial, respectivamente doArquivo e Biblioteca Nacional e do Museu Histrico Nacional, a secularinstituio iniciava uma nova poca em sua histria. Mas no somente essainiciativa, de carter pioneiro no Brasil, que abriu caminho apoiada emreduzidssimo ncleo de professores e tcnicos, sem recursos financeiros edidticos altura de suas necessidades e objetivos at que venhamultimar-se os estudos oficiais que se processam, visando [sic] transform-laem Escola de Arquivologia, integrada estrutura universitria marca osesforos empreendidos para a formao de pessoal especializado, capaz deatender, pelo menos a mdio prazo, crescente demanda do mercadobrasileiro (ABRANTES, 1976, p. 18-19).

    Essas preocupaes quanto formao de arquivistas no Brasil

    pareciam alinhar-se s preocupaes mundiais da poca. Internacionalmente,

    tambm havia uma preocupao geral em relao formao de profissionais

    especializados nos servios de arquivo. Dentre as vrias sugestes do

    Conselho Internacional de Arquivos (CIA) quanto ao Projeto de Programa e de

    Oramento da Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e

    a Cultura (UNESCO), aquela relacionada formao de auxiliares de arquivo

    preconizava que Programas-padres de cursos de formao intensiva de

    auxiliares de arquivos deveriam ser elaborados com urgncia, a fim de facilitar

    a organizao dos mesmos nos Estados-membros (ARQUIVO NACIONAL,

    1974b, p. 7-8).

    Ainda importante lembrar que, em outubro de 1979, acontece a I

    Semana Internacional de Arquivo, promovida pela UNESCO e pelo CIA, em

    parceria com o AN e a AAB Ncleo Braslia (AAB, 1979a).

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    Voltando ao Brasil, os estudos de transferncia do CPA para a FEFIERJ

    abrem perspectivas para a realizao de outros cursos:

    Paralelamente ao CPA, que logrou algumas conquistas, como o mandatouniversitrio conferido pela UFRJ, em 1973, e aprovao do currculocorrespondente a curso de nvel superior, semelhana dos de Museologiae Biblioteconomia, em funcionamento h longos anos e integrados estrutura universitria, numerosos cursos avulsos, para formao dearquivistas de nvel mdio, devem ainda ser lembrados. Alm destes ltimose o de Pesquisa em Histria, dirigido diretamente a um nvel cultural maisavanado e restrito a um reduzido segmento de especialistas, constituitambm importante contribuio formao e funcionamento de um sistemanacional de arquivos, a execuo de um programa anual de assistnciatcnica a arquivos pblicos e de instituies e empresas privadas,interessadas em organizar ou reorganizar seus arquivos em bases modernas(ABRANTES, 1976, p. 19).

    No entanto, na prtica essa transferncia ainda no ocorrera.

    Embora no ano em foco no tenham sido os mais animadores os contatosexternos mantidos, merecem referncia especial, em virtude do altosignificativo de que se revestem, os trabalhos desenvolvidos,simultaneamente pelo AN, junto ao Ministrio da Educao e Cultura e aoConselho Federal de Educao especificamente, visando [sic] integrar o CPAcomo unidade vinculada Federao das Escolas Federais Isoladas do Riode Janeiro (FEFIERJ), e conseguir o reconhecimento do mesmo curso emnvel superior.Com relao ao primeiro objetivo, cabe explicar que no obstante o empenhodemonstrado pelos diretamente interessados, e contrariando a expectativageral, no foi possvel concretizar neste exerccio a transferncia do CPApara a FEFIERJ. Lamentavelmente as ltimas informaes recebidas atravsdas Secretarias-Gerais dos Ministrios da Justia e da Educao e Culturaesclarecem que o processo, em fase final de tramitao, carece de estudosmais demorados que possibilitem avaliar sua viabilidade (ARQUIVONACIONAL, 1977a, p. 74-75).

    Somente em maro de 1977 o CPA transferido para a FEFIERJ (atual

    UNIRIO), com a denominao de Curso de Arquivologia, de acordo com o

    Decreto n. 79.329, de 02 de maro de 197729e termo de convnio assinado

    pelo diretor do AN, pelo presidente da FEFIERJ e pelos decanos do Centro de

    Cincias da Sade e do Centro de Cincias Humanas, dessa Universidade

    (ARQUIVO NACIONAL, 1977c, p. 29-31)30. A integrao do CPA ao Centro de

    Cincias Humanas da FEFIERJ, com a nomeao de professores, pelo seu

    presidente, d-se pela Portaria n. 141, de 31 de maro de 1977, a qual se

    refere ao artigo 41 do Estatuto aprovado pelo Parecer n. 4.529, de 1975, do

    29 Conforme telex do Ministro de Estado da Justia ao Diretor Geral do Arquivo Nacionalagradecendo a cooperao no processo de transferncia do curso de Arquivologia para aFEFIERJ (ARQUIVO NACIONAL, 1977b, p. 33).30

    (ARQUIVO NACIONAL, 1977d, p. 29-31).

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    CFE, homologado pelo MEC, conforme despacho publicado no DOUde 06 de

    maro de 1976(ARQUIVO NACIONAL, 1977d, p. 37-38).

    Com essa transferncia, o CPA, que funcionava no AN desde 1960 e j

    reconhecido como curso superior31, passa, oficialmente, a funcionar no espao

    universitrio, ainda no mesmo ano, ou seja, em 1977.

    5. Consideraes finais: a configurao da Arquivstica no Brasil a partir

    do CPA

    A transferncia do CPA para a universidade um dos marcos decisivos

    na trajetria da Arquivstica no Brasil, representando a sua conquista de

    espao no meio acadmico. Afinal, esse o primeiro de dez cursos de

    graduao em Arquivologia que passariam a existir no Pas.Na dcada de 1980 no criado qualquer outro curso, mas, inserido no

    processo de redemocratizao do Pas (Constituio Federal de 1988)32, h um

    movimento silencioso que culmina na promulgao da Lei 8.159, de 08 de

    janeiro de 1991 a Lei de Arquivos33 e na criao de mais cinco Cursos de

    Arquivologia na dcada de 1990, nas seguintes universidades: Universidade de

    Braslia (UnB), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Federal

    da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e

    Universidade Federal do Esprito Santo (UFES). No seria exagero afirmar que

    essa lei marca e tem papel fundamental na formao da identidade da

    Arquivstica no Pas, chamando a sociedade reflexo e discusso sobre o

    papel dos arquivos.

    31Quanto ao reconhecimento do Curso de Arquivologia da FEFIERJ, o Parecer n. 46/79 doCFE, de 25 de janeiro de 1979 dizia que Os cursos criados em estabelecimentos do governo eque deram incio a suas atividades em poca anterior quela em que se passou a exigir aformalidade de oficializao, [sic] no esto a ela sujeitos. Insere-se neste caso o Curso de

    Arquivologia da FEFIERJ que fica portanto, [sic] isento do ato formal de reconhecimento (AAB,1979, p. 21).32A Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988) defende questes relacionadas aosdocumentos de forma geral, como o direito ao acesso, a proteo da intimidade e apreservao da memria, que so citados em vrios dos seus artigos (5, XIV, XXXIII, XXXIV,LX, LXXII; 19; 23; 215; 216, IV; 216, 1, 2; 220). Embora essas questes no se restrinjamaos documentos de arquivo, elas os tangenciam direta ou indiretamente. Informaesdisponveis em: . Acesso em: 13/dez/2006.33Disponvel em: . Acesso em18 jan. 2007.

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    Em 2002, criado o Curso de Arquivologia da Universidade Estadual

    Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP/Marlia) e, mais recentemente, em

    2006, o Curso da Universidade Estadual da Paraba (UEPB). Portanto,

    atualmente os dez cursos de graduao em Arquivologia esto distribudos nas

    regies sul, sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil.Assim, concordamos com Raul Lima34 (apud ARQUIVO NACIONAL,

    1970b, p. 19-20) e com a questo central da pesquisa de Fonseca (2004, p. 15)

    quanto ao fato de a formao e da auto-afirmao da Arquivstica como

    disciplina no Brasil parecerem ter sido conseqncias diretas e imediatas da

    necessidade prtica de habilitao de profissionais especializados para o

    tratamento e organizao dos arquivos do Pas. Podemos observar, portanto, a

    relevncia da atuao do AN nessa trajetria, com a promoo de cursos

    tcnicos, que contriburam para a criao do CPA e, conseqentemente, dosdemais cursos de graduao da rea.

    6. Referncias

    6.1. Bibliogrficas

    BOTTINO, Mariza. Panorama dos cursos de Arquivologia no Brasil: graduao

    e ps-graduao. Arquivo & Administrao, v. 15, n. 23, 1994, p. 12-18.

    BOURDIEU, Pierre. O campo cientfico. In: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu:

    sociologia. So Paulo: tica, 1983, p. 122-155.

    BRASIL. Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Lei de arquivos. Disponvel em:

    . Acesso em: 18

    jan. 2007.

    CALDEIRA, Cristina Cleide. Conservao preventiva: histrico. Histria e-

    histria, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2007.

    Diretor do Arquivo Nacional no incio da dcada de 1970.

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    CARVALHDO, Shirley do Prado. O Arquivo Pblico do Distrito Federal:

    contextos, concepes e prticas informacionais na trajetria de uma instituio

    arquivstica. 2003. 189 f. Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao)

    Universidade de Braslia, Braslia, 2003.

    ESPOSEL, Jos Pedro. Arquivos:uma questo de ordem. Niteri: Muiriquit,

    1994.

    FONSECA, Maria Odila. Arquivologia e Cincia da Informao: (re)definio

    de marcos interdisciplinares. 1997. 181 f. Tese (Doutorado em Cincia da

    Informao) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

    MARQUES, Angelica Alves da Cunha. Os espaos e os dilogos da

    formao e configurao da Arquivstica como disciplina no Brasil. 2007.

    298 f. Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao) Universidade de

    Braslia, Braslia, 2007.

    6.2. Fontes primrias

    ABRANTES, Nicolau. Arquivos: sua importncia para o progresso brasileiro

    Contribuio do Arquivo Nacional para a formao de recursos humanos. In:

    ARQUIVO NACIONAL. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VII, v. 11, Rio de

    Janeiro, nov./1976.

    ARQUIVO NACIONAL. Mensrio do Arquivo Nacional, ano I, v. 3, Rio de

    Janeiro, mar/1970a.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano I, v. 5, Rio de

    Janeiro, maio/1970b.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano III, v. 4, Rio de

    Janeiro, abr/1972a.

    18

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    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano III, v. 7, Rio de

    Janeiro, jul/1972b.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano IV, v. 10, Rio de

    Janeiro, out/1973.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano V, v. 3, Rio de

    Janeiro, mar/1974a.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano V, v. 7, Rio de

    Janeiro, jul/1974b.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VI, v. 3, Rio deJaneiro, mar/1975.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VII, v. 1, Rio de

    Janeiro, jan/1976a.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VII, v. 2, Rio de

    Janeiro, fev/1976b.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VII, v. 5, Rio de

    Janeiro, maio/1976c.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VIII, v. 5, Rio de

    Janeiro, maio/1977a.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VIII, v. 2, Rio de

    Janeiro, fev/1977b.

    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VIII, v. 11, Rio

    de Janeiro, nov/1977c.

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    ___________________. Mensrio do Arquivo Nacional, ano VIII, v. 6, Rio de

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    ASSOCIAO DOS ARQUIVISTAS BRASILEIROS. Arquivo &

    Administrao, v. 2, n. 2, Rio de Janeiro, dez. 1974.

    _________________________________________________. Arquivo &

    Administrao, v. 3, n. 1, Rio de Janeiro, ago. 1975.

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    BRANCHE, Henri Boullier de. Relatrio sobre o Arquivo Nacional do Brasil.Rio de Janeiro: Ministrio da Justia; Arquivo Nacional, 1975.

    CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA, I. Associao dos

    Arquivistas Brasileiros. 1972, Rio de Janeiro, RJ. Anais...Braslia, 1979.

    MACHADO, Helena Corra. Arquivologistas, bibliotecrios e muselogos de

    mos dadas. Arquivo & Administrao, v. 3, n. 2, ago./1975, p. 26-27.