A Trajetória de Um Intelectual Africano. Entrevista Com Toyin Falola

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  Disponível em: http://www.redalyc.org/ articulo.oa?id=167013396010  Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Marcelo Bittencourt, Roquinaldo Ferreira A trajetória de um intelectual africano. Entrevista com Toyin Falola Tempo, vol. 10, núm. 20, enero, 2006, pp. 164-173, Universidade Federal Fluminense Brasil  Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Tempo, ISSN (Versão impressa): 1413-7704 [email protected] Universidade Federal Fluminense Brasil www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y PortugalSistema de Informacin Cientfica

    Marcelo Bittencourt, Roquinaldo FerreiraA trajetria de um intelectual africano. Entrevista com Toyin Falola

    Tempo, vol. 10, nm. 20, enero, 2006, pp. 164-173,Universidade Federal Fluminense

    Brasil

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    A trajetria de um intelectualafricanoEntrevista com Toyin Falola *

    * Professor catedrtico na University of Texas, Austin, Estados Unidos.* Determinao do governo federal americano, que dispe sobre os centros de pesquisa quedependem de recursos do governo. Este subsdio governamental viabilizou a emergncia deestudos africanos, latinos americanos e tambm de gnero.

    1- O senhor nasceu na Nigria e obte-ve o ttulo de doutor em 1981, na Uni-versidade de If. Pode contar-noscomo ser um historiador na Nigria?

    TF- Na Nigria e em quase toda a fri-ca, as universidades iniciam suas trajet-rias muito bem e adquirem reputao ra-pidamente, s vezes durante os seus pri-meiros vinte anos de funcionamento. Paraentender minha trajetria no contexto afri-cano, preciso considerar a mudana dopapel dos professores universitrios nasociedade. Na poca de ouro da acade-mia, em meados do sculo XX, professo-res universitrios eram geralmente mui-to respeitados. Eram poucos, a nata daelite educada maneira ocidental. Seusttulos significavam muito: no apenas

    possuam experincia e conhecimento,mas sua sabedoria era reverenciada. Adignidade era parte de seu trabalho. Seupapel, segundo a expectativa de muitosna sociedade, era de orientar o governo,conversar sinceramente com o poder,mostrando como gerar desenvolvimentoeconmico e estabilidade poltica, disse-minar conhecimento e formar profissio-nais. Professores universitrios tinhampoder, derivado do conhecimento adqui-rido. A primeira gerao de professoresuniversitrios no questionou as expec-tativas da sociedade sobre eles. Estes pro-fessores no apenas aproveitavam seustatus, mas tambm vendiam a idia deque precisavam ser vistos com admirao,dignidade e respeito.

    Entrevistadores: Marcelo Bittencourt e Roquinaldo Ferreira

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    A trajetria de um intelectual africano

    Eu no era professor universitrio du-rante esta poca de ouro. Iniciei minhacarreira quando a academia africana come-ou a entrar em declnio. Testemunhei adecadncia dos professores universitriosnos tempos em que era estudante de gra-duao quando, no outono de 1973, o re-gime militar do General Yakubu Gowonafirmou, em um pronunciamento na rdio,que todos os professores universitrios quedesobedecessem s instrues do gover-no seriam obrigados a deixar suas residn-cias oficiais. Parte das vantagens do traba-lho era acomodao gratuita, uma heranados tempos coloniais. A torre de marfimfoi destruda por um simples pronuncia-mento de rdio. Muitos se mudaram, ou-tros aceitaram as condies para manter oemprego. O governo interferiu mais emais, exercendo seu poder para nomear osmembros do conselho, os pr-reitores e osvice-reitores. Centralizava contrataes,determinava a cota de cada universidadee a proporo de estudantes a serem admi-tidos em cada curso. As profisses liberaispadeceram, porque o governo acreditavaque o pas precisava de pessoas graduadasem profisses nas quais poderiam criarseus prprios empregos. A educao nafrica se tornou um negcio e os profes-sores universitrios foram convidados aplantar inhame e quiabo para vender!

    Outra grande crise se seguiu: subita-mente, nos anos 1970, a Nigria ficou ricacom o dinheiro do petrleo. Durante edepois dos anos de boom do petrleo, osque possuam ligaes com os governosestaduais e federal se tornaram prsperose poderosos da noite para o dia. A socieda-de passou a definir o status no em termosde conhecimento e educao nos moldesocidentais, mas em termos de riqueza ematerialismo. A influncia da elite ociden-

    talizada que vinha desde meados do scu-lo XIX, entrou em rpido declnio na d-cada de 1970. Os militares dominaram opoder e perdeu-se muito do respeito pe-los professores universitrios. A profissocomeou a perder seu brilho. Professoresuniversitrios na Nigria, e na maior parteda frica, responderam da mesma manei-ra: se voc no pode venc-los, junte-sea eles. Para participar do poder e do enri-quecimento muitos entraram para a pol-tica ou para o ramo dos negcios. Os pro-fessores universitrios, a partir de ento,precisavam prover a si mesmos, criandooportunidades para dispor de dinheiro epoder economizar para sua aposentadoria.A pesquisa se tornou gradualmente umaocupao secundria e o compromissocom o ensino declinou.

    Eu mantive o compromisso com a pro-duo de conhecimento e o ensino. Ape-sar dos obstculos, consegui publicarmuitos ensaios e livros e contribu para otreinamento de centenas de estudantesde graduao e ps-graduao. Encontreimaneiras de conduzir pesquisas que re-queriam poucos recursos; elaborei inme-ros projetos com trabalho de campo; fizuso extensivo dos recursos do NationalArchives da Nigria, em Ibadan, distantemenos de duas horas de onde eu vivia;gastei a maior parte do meu salrio empesquisa. As lies que aprendi ainda meso teis: posso superar desafios e fazer omeu trabalho, como indiquei no meu li-vro The Power of African Cultures que des-taca a cultura como resultado de uma aodeliberada.

    2- Como o senhor descreveria a con-tribuio da Ibadan School of Historypara o desenvolvimento da historio-grafia nigeriana?

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    TF- A Ibadan School (Escola de Ibadan)se baseia na escrita da histria africana deuma perspectiva afrocntrica, cujos deta-lhes so apresentados no meu livroNationalism and African Intellectuals. Amelhor maneira de apreciar a contribui-o da Escola de Ibadan para o desenvol-vimento da moderna historiografia africa-na considerando, de incio, a naturezada reflexo sobre a frica e o tipo de his-tria africana ensinada antes do surgi-mento da nova disciplina acadmica, nosanos 1940. A histria africana era ensina-da e tratada como a histria dos comerci-antes, dos missionrios e dos explorado-res europeus na frica. Devido ausn-cia de documentos escritos os europeusviam a frica e seus povos como destitu-dos de histria. As sociedades sem umatradio de escrita eram vistas como so-ciedades de povos sem histria. O degra-dante e desumano trfico transatlnticode escravos e as noes no cientficassobre raa e civilizao, popularizadas naspalavras de David Hume, F. Georg Hegele Charles G. Seligman foram rapidamen-te incorporadas e orquestradas por nume-rosos pesquisadores europeus e pelosconstrutores e administradores do imp-rio colonial. Noes no cientficas dehistria e mudana deram a justificativaintelectual para a colonizao e o dom-nio da frica pela Europa.

    A histria do surgimento da Escola deIbadan est estreitamente relacionada aKenneth Onwuka Dike que planejou suafundao. Significativamente, a nova his-tria africana, da qual Dike foi pioneiro,foi importante devido necessidade dedemonstrar aos colonialistas que a fricatinha uma histria antes do domnio eu-ropeu. A Escola de Ibadan forneceu aarma intelectual para a luta nacionalista,

    j que, como foi dito, parte da justificati-va para a dominao colonial era o fatodos africanos no terem uma histria pr-pria. As mudanas comearam nos anos1950, atravs de uma reformulaocurricular que fez com que a histria afri-cana passasse a ser ensinada nas escolas eviabilizou a produo de livros que per-mitiram este ensino e resultaram em no-vas formas de pesquisa. Na Nigria, oscursos ministrados antes da poca deDike contavam a histria do Imprio Bri-tnico e das atividades dos europeus nafrica. Por isto ele enfrentou problemaspara desenvolver um novo currculo queatendesse nova histria: a escassez detextos e monografias. Para solucionar esteproblema Dike organizou inmeros con-gressos, reunindo historiadores, arquelo-gos, antroplogos e lingistas. O estudodas populaes africanas ganhou uma di-menso multidisciplinar. Ele facilitou afundao do National Archives, em 1953;e criou a Historical Society of Nigeria, em1955, fazendo com que a historiografiaafricana emergisse com toda fora. Estu-dantes de ps-graduao foram encoraja-dos a se especializar em diferentes aspec-tos da histria da frica pr-colonial ecolonial. O uso das tradies orais se tor-nou aceito como mtodo legtimo de re-construo histrica. A coleo IbadanHistory Series editada pela Longman, foiformada a partir de verses revistas daprimeira leva de teses de doutorado, cons-tituindo uma nova histria acadmica dafrica. O Journal of the Historical Societyof Nigeria e o Tarikh, uma publicaodedicada a diferentes temas, forneceramos instrumentos para a consolidao danova disciplina. O Groundwork of NigeriaHistory, editado por Obaro Ikime, foi umprojeto encomendado pela Historical

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    A trajetria de um intelectual africano

    Society of Nigeria, visando a elaborao deum compndio de fcil manuseio e lin-guagem simples, com a histria dos diver-sos povos da rea geogrfica da Nigria,desde antes do estabelecimento do colo-nialismo at os dias atuais. A disperso dadisciplina aconteceu e ganhou uma novacolorao. Igualmente dinmica era aAhmadu Bello School of History, basica-mente uma escola marxista, liderada porAbdullah Smith. Enquanto o nmero deuniversidades crescia nos anos 1960, de-partamentos de histria eram criados e apropagao da disciplina se acelerava.Ibadan forneceu mo-de-obra intelectu-al para novas universidades que surgiramexatamente nos anos 1960. Os principaisensaios produzidos pela Escola de Ibadanso agora parte da srie que edito, ClassicAuthors and Texts on Africa.

    3- Como o senhor descreveria suacontribuio pessoal para a historio-grafia nigeriana?

    TF- Em reconhecimento minha contri-buio para a disciplina, meus alunos,amigos e colegas apresentaram trs cole-tneas de ensaios em minha homenagem,denominadas The Transformation of Nigeria:Essays in Honor of Toyin Falola (2002), or-ganizada por Adebayo Oyebade; TheFoundations of Nigeria: Essays in Honor ofToyin Falola (2003), organizada porAdebayo Oyebade; e Precolonial Nigeria:Essays in Honor of Toyin Falola (2005), or-ganizada por Akim Ogundiran. Os captu-los introdutrios destes trs livros enfocamminhas contribuies para a historiografianigeriana. Dentre elas, encontram-se mi-nhas reflexes sobre a histria dos iorubsno sculo XIX; as melhores anlises sobreas reformas econmicas e polticas na

    Nigria durante o colonialismo tardio,juntamente com suas polticas modernas;uma srie de livros que investiga aNigria, como uma nacionalidade desdeos primrdios atualidade; a anlise sobretradies e modernidade; a ligao entrepassado e presente, em busca da compre-enso do nacionalismo e da construo danao. Apontam ainda para o sucesso dosmeus estudos empricos sobre a cidade-estado de Ibadan, em dois livros, que co-brem o perodo de 1830 a 1939, com aten-o especial para a economia poltica ecom a aplicao de vrios conceitos e teo-rias na anlise da economia e da poltica.

    Os trs livros afirmam que eu toqueiem todos os grandes temas, sugeri mui-tos tpicos que outros desenvolveram etreinei estudantes de ps-graduao.Concordo com eles em todas as questesfundamentais. Atravs de pesquisas epublicaes, expandi a fronteira do co-nhecimento sobre a Nigria dos sculosXIX e XX. Em muitos trabalhos pionei-ros, produzi um grande corpo de novaspesquisas empricas que tm sido usadaspara cobrir grandes lacunas da literatura,como a compreenso das relaes de po-der, status, gnero, classe e ideologia en-tre os iorubs; o desenvolvimento de eco-nomias indgenas no contexto de expan-so global; a criao de novas culturas luz da penetrao do Cristianismo, doIslamismo e das influncias ocidentais; ea possibilidade de aproveitar as idiasafricanas para formular modelos impor-tantes no apenas para se entender a fri-ca, mas tambm a prpria disciplina his-trica. Analisei a histria da Nigria mo-derna durante o sculo XX, cobrindo todoo espectro da sociedade. De um lado,importantes questes da histria nacional

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    foram discutidas em vrias publicaessobre poltica e economia. De outro, asinteraes entre as camadas mais baixasda populao e a histria nacional tmsido igualmente examinadas. Editandojornais e organizando trs coletneas paradiferentes editoras, identifiquei jovenstalentos e novas idias. Esta uma posi-o de liderana que encoraja e habilitaoutros acadmicos a revisarem e publica-rem seus trabalhos. Alm disto, colaboropara uma dzia de peridicos, o que mepossibilita influenciar positivamente aagenda da academia. De tempos emtempos, organizo workshops, simpsios econgressos para reunir historiadores emdebates sobre assuntos diversos. Tambmcontribu para associaes profissionais,inclusive como Secretrio Geral daHistorical Society of Nigeria. Facilitei a cir-culao de novos conhecimentos nas sa-las de aula, atravs da publicao de li-vros, da formulao de novos cursos e daparticipao na reviso de currculos. Emvrios trabalhos publicados, colaboreicom a expanso do conhecimento sobrea frica, criando com sucesso elos de li-gao entre o grande pblico e a torrede marfim. Treinei um grande nmerode estudantes de graduao e ps-gradu-ao, muitos dos quais se distinguiramem suas variadas trajetrias. Uma refle-xo sobre os primeiros anos da minhavida profissional est em minhas mem-rias, A Mouth Sweeter Than Salt.

    4- At os anos 1970, a historiografiasobre o perodo colonial focalizou otema da resistncia, em oposio aocolaboracionismo. Embora esta pers-pectiva deixe de fora inmeras estra-tgias dos africanos frente ao coloni-alismo, esta dicotomia ainda usada,

    embora associada a uma nova polti-ca, que combina questes tnicas eregionais. Como o senhor encara apersistncia desta perspectiva?

    TF- A base sobre a qual se erigiu esta cul-tura ps-colonial frgil, e isto afetou ainterpretao do passado colonial. Um trau-ma acompanhou o encontro colonial, euma profunda crise se seguiu ao seu colap-so. Os africanos tiveram que sair de umaposio de inferioridade cultural e se es-foraram para alcanar uma paridade cul-tural frente propagao da cultura ociden-tal, autodenominada cultura universal,apresentada em oposio s culturas. Foidifcil delinear cada fase deste embatecultural; e a psicologia da opresso dificul-ta ainda mais a superao dos obstculos.Acadmicos e lideranas africanas nocompartilhavam a mesma opinio a respei-to da soluo para a crise ps-colonial nacultura e o papel dos africanos como agen-tes de transformao do seu continente. Acultura pr-colonial devia ser romantiza-da e usada na poca contempornea? possvel transcender a cultura colonial?Existem elementos do perodo colonialque podem ser recuperados? Todas as su-gestes revelam o profundo impacto docolonialismo na frica e o legado daquelapoca, que afeta a historicizao dos em-preendimentos em termos de resistnciae colaborao. A frica tem tentado ultra-passar muitos dos problemas relacionados raa e cultura, nem sempre com suces-so. O fim do domnio colonial reafirmou opoder dos negros, mas no necessariamen-te construes hegemnicas baseadas naidia da frica e dos africanos como agen-tes no contexto colonial. A luta pela inde-pendncia derrubou a crena na inferio-ridade negra. Culturas africanas foram

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    A trajetria de um intelectual africano

    fortalecidas no ps-independncia: o sis-tema educacional assegurou que a fricase tornaria o centro da produo de conhe-cimento; escritores, artistas, cantores, po-etas e outros apresentaram o gnio criati-vo de seus povos e instituies. Contudo,tem sido difcil manter os ganhos da inde-pendncia e algumas crises ps-coloniaistm-se prolongado mais que as crises co-loniais. Neste contexto, d-se a retomadade velhas idias, que, mesmo quando de-sacreditadas, reaparecem como novas.

    5- O senhor organizou uma coleode livros na Universidade deRochester, intitulada Africa andAfrican Diaspora, e lanou recente-mente uma coletnea de textos sobrea dispora iorub, juntamente comMatt Childs. Como o senhor encarao papel de africanistas no africanos como Paul Lovejoy, Robin Law,Kristen Mann e outros que tm pro-curado estabelecer uma ponte entrea histria da frica e os estudos dadispora africana?

    TF- O lugar dos africanistas no africanosno preenchimento das lacunas que sepa-ram a histria da frica dos estudos sobrea dispora africana no pode ser superes-timado. Entretanto, alguns deles - comoos citados Robin Law, Paul Lovejoy eKristen Mann - desempenharam impor-tante papel no desenvolvimento da his-toriografia africana. Robin Law, foi assis-tente de pesquisa do falecido ProfessorSaburi Oladeni Biobaku, um dos pais-fun-dadores da Ibadan School of History, pu-blicou sua tese de doutorado sobre o an-tigo imprio de Oi em 1977; PaulLovejoy comeou sua carreira como his-toriador econmico, com uma tese sobre

    o comrcio de noz-de-cola, apresentada Universidade de Wisconsin-Madison,em 1973. O mesmo se aplica a KristenMann, cujo estudo sobre casamento emulheres em Lagos, no sculo XIX, tevesignificativo impacto na emergncia deestudos de gnero. Estes acadmicos vi-veram na Nigria e voltaram para casa,aps muitos anos de trabalho de campona frica, para criar novos cursos e reasde especializao. Eles contriburammuito, abrindo caminho para outrosafricanistas ocidentais que se interessa-ram pela frica a partir de seus exemplos.Ao lado de sua pesquisa sobre os iorubs,Robin Law publicou estudos sobre a es-cravido. Paul Lovejoy, depois de doisanos de ps-doutoramento, atuando comoprofessor na Ahmadu Bello University, emZaria, tornou-se a mais celebrada autorida-de em estudos sobre trfico de escravos eescravido na frica. Ele juntou esforoscom outros acadmicos, como J.D. Fage,Philip D. Curtin e J.E. Inikori para desen-volver e divulgar a histria da dispora afri-cana. Com suas pesquisas estes acadmi-cos forneceram uma consistente energiaintelectual que trouxe a histria da fricae do hemisfrio ocidental para mais pr-ximo da realidade contempornea.

    6- Um crescente nmero de africa-nos est se doutorando e ocupandoposies importantes fora da frica.O senhor considera que eles estomudando o entendimento do Ociden-te (aqui entendido como Estados Uni-dos, Canad e Europa ocidental) acer-ca da frica em geral e da histriaafricana em particular?

    TF- Existem duas categorias diferentesde acadmicos africanos no Ocidente. A

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    primeira produto da fuga de talentos,resultante da recesso econmica, da pro-cura por melhores condies de trabalhonesses pases. A segunda compreendeacadmicos que saram da frica para fa-zer seus cursos de ps-graduao e porvrias razes se recusam a voltar. H ain-da um pequeno nmero de exilados deseus pases de origem por razes polti-cas. A presena de acadmicos africanosnas universidades do Ocidente tem con-tribudo para mudar a percepo que osno-africanos possuem acerca da frica ede seus diferentes povos e culturas. Defato, se os africanos no fossem tidoscomo importante smbolo intelectual ecultural, no seriam contratados comoprofessores. Eles apresentam temas rela-tivos frica de uma perspectiva de den-tro. Ensinam a histria e as culturas nasquais eles cresceram, com um entendi-mento mais completo, que parte de den-tro delas. A maneira pela qual discutem eentendem as culturas e as instituies afri-canas incomparvel. O nmero crescen-te de acadmicos africanos ajuda a preen-cher a lacuna entre o conhecimento so-bre as populaes africanas e o processode transformao destes conhecimentosem produtos acadmicos prontos para oconsumo. Eles gozam da reputao deespecialistas porque seu conhecimentoacadmico e suas bases culturais se com-pletam, produzindo uma aura de exceln-cia intelectual. Alm disto, desempe-nham papis importantes na conduodos centros e programas de estudos afri-canos. O presente xito em termos denmeros e qualidade das pesquisas leva-das a cabo por acadmicos africanos e seupapel na mudana da imagem do conti-nente explicada pela globalizao da

    histria africana. Como podemos ver,quanto maior o nmero de africanistasnum departamento de Histria, maioressero as chances de se criar um formid-vel programa de ps-graduao em hist-ria e maior o nmero de pessoas queprovavelmente se tornaro especialistasem frica e Dispora Africana. Acadmi-cos africanos, juntamente com seus cole-gas ocidentais, tm transformado o Oci-dente no melhor lugar para se estudar ahistria da frica. Este um xitoinacreditvel, embora em detrimento docontinente africano. O fato de os maiorescentros de produo acadmica sobre africa se localizarem no Ocidente de-monstra o sucesso da presena e, maisimportante, da produtividade acadmicatanto de africanos quanto de seus colegasocidentais.

    7- Na sua opinio, quais so os prin-cipais debates que tm mobilizado ospesquisadores africanos?

    TF- A definio do que vale a penaser estudado varia de acordo com as pre-ferncias intelectuais e os sentimentos decada pesquisador, e suas convices pes-soais influenciam claramente suas agen-das. Esta a principal razo pela qual apesquisa histrica no continente tem va-riado muito de uma gerao para outra.Vale lembrar, neste sentido, o provrbioiorub, a comida de um homem o ve-neno do outro. Alm dos interesses e dasorientaes individuais, outro fator pre-ponderante a disponibilidade das fon-tes e a acessibilidade s mesmas. O pon-to a enfatizar : o nmero de especialis-tas trabalhando com o perodo colonial maior do que o nmero de especialistastrabalhando com o perodo pr-colonial.

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    A trajetria de um intelectual africano

    Isso ocorre porque os pases africanospossuem arquivos onde se pode encon-trar grande quantidade de documentos doperodo colonial. Por outro lado, por mo-tivos de segurana, expressos em leis,documentos sobre o perodo ps-inde-pendncia - que podem ser usados paraescrever a histria recente - geralmenteno esto disponveis para os pesquisado-res. Com isto, em parte devido ausn-cia de documentos acessveis, a pesqui-sa sobre a frica ps-independncia notem recebido a ateno adequada. Istogerou algumas mudanas, envolvendonovas metodologias e fontes e a prima-zia de fontes arquivsticas tem-se torna-do impopular entre alguns pesquisadores.Alm disto, existe um outro grupo inte-lectual que reprova o interesse pela his-tria contempornea por causa da sua flui-dez. A dicotomia entre velha e novahistria ainda gera grandes debates.

    Outro importante fator que influenciao tipo de histria produzida pelos histori-adores o que pode ser consideradocomo corrente intelectual predominante,que determinado pelas ofertas e de-mandas do meio acadmico. O ponto adestacar aqui que houve poca em quea histria nacionalista foi predominante.As pessoas estavam interessadas em es-crever a histria de grandes imprios emonarquias existentes antes que a Euro-pa estendesse seus tentculos e suahegemonia sobre a frica. Como menci-onado anteriormente, este tipo de hist-ria ganhou espao porque forneceu umaarma intelectual para a descolonizao, apoltica do ps-independncia e a cons-truo de identidades sociais. Africanose no-africanos responderam adequada-mente a esta onda e, no incio da dcada

    de 1980, a historiografia nacionalista setornou saturada e anacrnica. Novas for-mas de pensar acarretam novas discipli-nas e novas disciplinas acarretam novasdemandas; novas demandas precisam viracompanhadas de novas ofertas. A deman-da determinada predominantementepor diferentes universidades ou agnciasde fomento, que desenvolvem seus cur-rculos a seu modo. Esta dinmica se apli-ca emergncia de reas de especializa-o, como os estudos de gneros ou a his-tria das mulheres na frica. Quando osestudos de gnero emergiram na frica,muitos logo comearam a explorar a his-tria das mulheres na frica pr-coloniale colonial. Estudos de gnero e histriadas mulheres ganharam espao, e muitaspesquisadoras africanas como Nina Mba,Oniagwu Ogbomo, Gloria Chukwu, IfiAmadiume e Oyeronke Oyewumi emer-giram com excelentes trabalhos nestecampo. Como a fronteira do conhecimen-to varivel, historiadores oferecem ahistria requerida, a cada momento. Emparte, isto explica o fenmeno da nova eda velha histria que formam o fluxo con-tnuo da produo acadmica. Novas te-orias e reflexes sempre abrem novoscaminhos para a expanso das fronteirasdo conhecimento.

    Independente do contexto e das mu-danas tericas, questes como subdesen-volvimento econmico e poltico aindaconsumiro muito do nosso tempo en-quanto historiadores. Um homem famin-to um homem furioso, diz um ditadodo meu povo. Face pobreza, os intelec-tuais devem se juntar e encontrar solu-es para que milhes de homens furio-sos pela fome no usem da violncia paradestruir os intelectuais e suas bibliotecas.

  • EntrevistaToyin Falola

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    8- O senhor viveu na Inglaterra, noCanad e, atualmente, vive nos Esta-dos Unidos. Considerando sua expe-rincia pessoal, o que o senhor diriasobre multiculturalismo e conflitosculturais?

    TF- A globalizao possui seus crticose inimigos. Existem os que lamentam oexcesso de estrangeirizao da Euro-pa; existem sentimentos e movimentoscontra os imigrantes nos Estados Unidos.Algumas personalidades importantes dadireita americana pretendem preservar osEstados Unidos como um pas cristo,baseado no uso da lngua inglesa e em umadiviso tnica do trabalho, com imi-grantes fazendo o que os cidados ameri-canos rejeitam. Esta a contradio dadireita, que quer uma Amrica branca(sem o trabalho barato dos imigrantes),mas que precisa desta mo-de-obra bara-ta; conseqentemente, a tendncia im-portar mo-de-obra estrangeira sem osdireitos dos cidados ou dos imigrantestradicionais. Ao invs de abordar proble-mas individuais, permitam-me enfocar arelao entre naes em um mundo plu-ral em contexto de paz. Para a comunida-de global, abandonar a frica ignorar osdanos causados pelo trfico de escravos,pelo colonialismo, pela guerra fria e porum sistema de trocas internacionais injus-to. Pedir reparao para os problemas cau-sados pelo trfico de escravos e pelo co-lonialismo em parte uma estratgia paragerar um fluxo de riqueza em direo frica na forma de mo-de-obra qualifi-cada, tecnologia, dinheiro, mquinas eidias. A percia e o talento dos africanos,independente de onde eles vivem, pre-cisa ser usada para libertar o continente,para derrubar a opresso e a injustia, para

    atacar o racismo e para dar incio a refor-mas polticas e econmicas. Reparaesprecisam incluir cancelamento de dvi-das. Para um continente em crise, usaruma grande porcentagem das receitasanuais para o pagamento da dvida exter-na perpetuar uma outra forma de escra-vido. Os bancos estrangeiros precisamparar de receber dinheiro roubado dostesouros do continente africano para de-senvolver economias ocidentais. Os quevociferam crticas a dirigentes africanoscorruptos devem vociferar mais alto con-denando seus bancos e suas empresas querecebem dinheiro roubado. Os que em-prestam dinheiro aos lderes, sabendoque eles so corruptos, que desviam eroubam uma parte dos emprstimos edepositam o dinheiro em contas bancriasde pases estrangeiros, no deveriam pre-judicar milhes de pessoas pobres e ino-centes que no participam destas transa-es duvidosas. Os que, nos pases oci-dentais, criticam a imigrao, em parte porcausa do racismo, e querem parar os fluxosmigratrios e limitar as oportunidades paraos imigrantes que j esto entre eles, de-veriam parar de desperdiar seu tempocriticando os imigrantes. Ao invs disto,deveriam pressionar seus governantes paracombaterem a pobreza na frica. As pes-soas pobres migram, mesmo correndo gran-de risco de vida. Todos os afro-pessimis-tas devem lembrar uma coisa: se a fricasobreviveu ao trfico de escravos e ao sis-tema colonial, ela tambm sobreviver atual fase de declnio e desordem.

    O multiculturalismo tem vrios con-textos e dimenses, incluindo o mundoempresarial, a composio do trabalho, aproduo e o consumo cultural, assimcomo a chegada de uma gerao de inte-lectuais negros que conquistou a educa-

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    A trajetria de um intelectual africano

    o superior depois das lutas pelos direi-tos civis. Todavia, no devemos confun-dir o multiculturalismo liberal, que trazconsigo um ideal de incluso, com justi-a racial, que exigiria a considerao defatores variados, incluindo oportunidadesiguais de acesso educao, fundos paradesenvolvimento de infra-estrutura, fimda violncia racial levada a cabo peloEstado e participao poltica substanti-va. A recente catstrofe em Nova Orleans,resultante do furaco Katrina, exps a durarealidade de raa, classe social e sua inter-relao nos Estados Unidos, porquanto osdiscursos em torno do furaco demonstra-ram a profunda responsabilidade da hos-tilidade racial e da agenda venal de algunssegmentos da elite poltica.

    Na educao superior, testemunha-mos as guerras culturais das dcadas de1980 e 1990, que incluram uma reaocontra o aumento no nmero de profes-sores e estudantes negros, assim como acrescente autoridade moral de gruposque articulavam anlises e estratgias dedesenvolvimento educacional em buscada justia social. Vale ressaltar que as lu-tas culturais incluam ataques contra aesafirmativas e programas de estudos tni-cos. De um lado, podemos ver que o ide-al liberal de diversidade mais aceito naacademia, com crescentes esforos nosnveis administrativos, de servios dirigi-dos aos estudantes e entre professorespara tornar a diversidade um valor vital nasprticas institucionais e de formulao depolticas. De outro lado, a educao su-perior a chave para um ajuste estrutu-ral, o que significa que as regras de finan-ciamento esto sendo redefinidas, o aces-so s instituies de elite est sendo res-trito e a instituio da estabilidade para

    professores universitrios (denominadatenure) est sendo atacada.

    Ademais, a realidade presente e asperspectivas futuras da academia devemser entendidas no contexto da expansodo neo-imperialismo. A ligao entre aspopulaes negras dos Estados Unidos,despossudas de seus direitos polticos, eas vtimas das aventuras americanas noexterior podem no ser facilmenteidentificveis em instituies de elitecomo universidades, mas esta ligao inegvel e determinar o acesso, o supor-te, a promoo, assim como as agendas deensino e pesquisa. A tentativa do gover-no americano de intervir na autonomia dasreas de estudos referidas no Title VI* re-presenta uma agresso direta s lutas e sconquistas dos movimentos em prol dadiversidade cultural. De fato, a comple-xa relao entre educao superior, mer-cado de trabalho e lideranas polticas esociais sugere que a luta pela justia ra-cial e pela equidade cultural est longedo fim; ns no podemos ter uma posiootimista e acreditar que as coisas estomelhorando.