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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JOSÉ AUGUSTO MARTINI BOECKMANN A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: uma análise à luz dos princípios processuais penais, da Lei. 9.099/95 e demais dispositivos legais aplicáveis à espécie no Brasil. Tijucas 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JOSÉ AUGUSTO MARTINI BOECKMANN

A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS:

uma análise à luz dos princípios processuais penais, da Lei. 9.099/95 e demais

dispositivos legais aplicáveis à espécie no Brasil.

Tijucas2008

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JOSÉ AUGUSTO MARTINI BOECKMANN

A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS:

uma análise à luz dos princípios processuais penais, da Lei. 9.099/95 e demais

dispositivos legais aplicáveis à espécie no Brasil.

Monografia apresentada como requisito parcial para aobtenção do título de Bacharel em Direito, pelaUniversidade do Vale do Itajaí, Centro de CiênciasSociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Orientador: Prof. Esp. Adilor Antônio Borges

Tijucas

2008

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JOSÉ AUGUSTO MARTINI BOECKMANN

A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS:

uma análise à luz dos princípios processuais penais, da Lei. 9.099/95 e demais

dispositivos legais aplicáveis à espécie no Brasil.

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Processual Penal

Tijucas, 17 de novembro de 2008.

Prof. MSc. Adilor Antônio BorgesOrientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de FreitasResponsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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Este é o resultado da compreensão, carinho e respeito de Fernanda

Doralícia de Sant’ana, minha esposa e companheira. A você, dedico

este trabalho.

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À minha família, que aguarda com carinho a chegada de Eduarda.

Ao Professor Orientador, Adilor Antonio Borges, norte seguro na orientação deste trabalho.

Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que

muito contribuíram para a minha formação jurídica.

À Dona Balnei do Fórum de Tijucas e à Sara do Fórum de Porto Belo que me transmitiram

muito mais que apenas conhecimento.

Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.

Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas.

Aos funcionários desta instituição que trabalham arduamente, contribuindo para o

crescimento da qualidade dos serviços oferecidos.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

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Nunca ore suplicando cargas mais leves e sim ombros mais fortesPhillips Brooks

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 17 de novembro de 2008.

José Augusto Martini Boeckmann

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RESUMO

O presente trabalho monográfico tem como objetivo geral apontar as principais

particularidades do instituto Transação Penal, através de pesquisa bibliográfica com base na

legislação (em especial na Lei 9.099/95 a qual institui os Juizados Especiais Estaduais) e

doutrina pátria. O tema é enfocado a partir do aporte histórico e contemporâneo dos princípios

processuais que regem as relações do Estado-Juiz e do indivíduo no âmbito do Direito Penal.

O estudo está centrado, sobretudo, no evidenciar as principais particularidades da Transação

Penal como forma de resolução das Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo, bem como

na verificação do enquadramento deste instituto jurídico frente aos Princípios Processuais

Penais.

Palavra-chave: Transação Penal. Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo.

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ABSTRACT

The present monographic work has as objective generality to point the main particularitities of

the institute Criminal Transaction, through bibliographical research on the basis of the

legislation (in special in Law 9.099/95 which institutes the State Special Courts) and native

doctrine. The subject is focused from it arrives in port historical and contemporary of the

procedural principles that conduct the relations of State-Judge and the individual in the scope

of the criminal law. The study it is centered, over all, in evidencing the main particularitities

of the Criminal Transaction as form of resolution of the Misdemeanors of Offensive Potential

Minor, as well as in the verification of the framing of this legal institute front to the Criminal

Procedural Principles.

Keyword: Criminal Transaction. Misdemeanors of Offensive Potential Minor.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. ArtigoIPMPO Infração Penal de Menor Potencial OfensivoIPMPO’s Infrações Penais de Menor Potencial OfensivoJE’s Juizados EspeciaisTC Termo CircunstanciadoTC’s Termos Circunstanciados

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LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho,

com seus respectivos conceitos operacionais2.

ConstituiçãoLei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação doEstado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar,distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos3.

Direito PenalUm conjunto de normas jurídicas, mediante as quais o Estado coíbe, pela via do jus puniendi,certas condutas tidas por típicas, que podem ser positivas ou negativas [ação ou omissão],sempre através do uso da ameaça característica da sanção penal, que é prerrogativa doEstado4.

Direito Processual PenalAquela parte do Direito que regula a atividade tutelar do Direito Penal.5

Infrações Penais de Menor Potencial OfensivoConsideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, ascontravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)anos, cumulada ou não com multa6.

Transação PenalÉ instituto jurídico novo, que abriu ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penalpública, a faculdade de dela dispor, desde que atendidas as condições previstas na Lei,propondo ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação, sem denúncia einstauração de processo, de pena não privativa de liberdade7.

1 Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf.PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31.2 Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, como desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do trabalho. Cf. PASOLD,Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43.3 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 36.4 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3ª. ed. , ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.24.5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.26.6 Conforme o artigo 61 da Lei n°. 9.099/1995, BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 20087 O doutrinador traz em sua obra o conceito colhido das Conclusões da Escola Paulista do Ministério PúblicoC.f. MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p. 125

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 8

ABSTRACT .............................................................................................................................. 9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................... 10

SUMÁRIO............................................................................................................................... 12

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

2 DIREITO PENAL E Juizados Especiais Criminais......................................................... 152.1 HISTÓRIA, GENERALIDADES E AFINS ...................................................................... 152.1.1 Brevíssimo Escorço Histórico do Direito........................................................................ 152.1.2 Generalidades e afins, sobre o surgimento dos Juizados Especiais Criminais................ 23

3 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DE DIREITO PENAL E DOS Juizados EspeciaisCriminais ................................................................................................................................. 313.1 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DE DIREITO PENAL ..................................................... 313.1.1 Princípio da Verdade Real............................................................................................... 323.1.2 Princípio da Imparcialidade do Juiz ................................................................................ 343.1.3 Princípio da Igualdade das Partes.................................................................................... 343.1.4 Princípio da Persuasão Racional ou do Livre Convencimento........................................ 353.1.5 Princípio da Publicidade.................................................................................................. 363.1.6 Princípio do Contraditório ............................................................................................... 383.1.7 Princípio da Iniciativa das Partes..................................................................................... 413.1.8 "Ne eat judex ultra petita partium" .................................................................................. 423.1.9 Princípio da Identidade Física do Juiz............................................................................. 453.1.10 Princípio do Devido Processo Legal ............................................................................. 463.1.11 Princípio da Inadmissibilidade das Provas Obtidas por Meios Ilícitos. ........................ 483.2 PRINCÍPIOS PROCEDIMENTAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS........... 503.2.1 Princípio da Oralidade ..................................................................................................... 503.2.2 Princípio da Simplicidade................................................................................................ 523.2.3 Princípio da Informalidade .............................................................................................. 533.2.4 Princípio da Economia Processual .................................................................................. 553.2.5 Princípio da Celeridade ................................................................................................... 573.2.6 Princípio da Busca Incessante da Conciliação ou da Transação ..................................... 57

4 TRANSAÇÃO PENAL ....................................................................................................... 604.1 IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO....................................................................................... 604.2 FORMAS DE EXECUÇÃO............................................................................................... 65

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 66

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 67

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo estudar, de forma genérica, o instituto da

Transação Penal à luz da Lei 9.099/958 (a qual institui os Juizados Especiais Estaduais).

Como objetivo institucional almeja a produção de uma monografia para obtenção do

grau de bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Objetiva

também, evidenciar os aspectos legais e doutrinários que se relacionam, de forma direta, com

a Transação Penal.

Esta pesquisa busca como objetivos específicos: 1) Relatar motivos relevantes do

surgimento dos Juizados Especiais Criminais, em conseqüência, da Transação Penal; 2)

Identificar a previsão legal da Transação Penal e sua interação com os princípios de Direito

Penal; 3) Identificar o ramo do direito a que pertence o instituto da Transação Penal.

Como problemas propostos para este trabalho identificam-se: a) existe

incompatibilidade ou não afinidade dos princípios que regem o procedimento utilizado para

obtenção da Transação Penal frente o Processo Penal Brasileiro; b) fica dúbio o ramo do

direito a que pertence a Transação Penal.

As hipóteses versam sobre a existência de descriminalização ou disponibilização de

Direito Penal indisponível.

Quanto à Metodologia9 empregada, registra-se que na fase de investigação foi

utilizado o método dedutivo10, bem como, na materialização dos objetivos, expresso na

presente Monografia, utilizou-se igualmente o Método dedutivo. Nas diversas fases da

8 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 20089 “Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de investigação etécnica” C.f. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador doDireito. 8. ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 87.10 Referido método se consubstancia em “[...] estabelecer uma formulação geral e, em seguida, busca as partes dofenômeno de modo a sustentar a formulação geral” C.f. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica:idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 104.

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Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente11, da Categoria12, dos Conceitos

Operacionais13 e como técnica de pesquisa, essencialmente a Bibliográfica14.

Optou-se por listar, em rol próprio, as categorias e seus respectivos conceitos

operacionais.

A técnica utilizada para suporte do tema será a pesquisa bibliográfica de documentos

como leis, livros e artigos que versem sobre a matéria proposta.

A área de concentração desta monografia é o Direito Público. A linha de pesquisa é

Direito Penal, Juizados Especiais Criminais.

Para seu desenvolvimento lógico, o presente trabalho apresenta-se dividido em três

capítulos.

No primeiro capítulo é apresentado um apanhado histórico simplificado do Direito,

seguido da apresentação dos motivos relevantes do surgimento dos JE’s.

No segundo capítulo é realizada a apresentação dos principais princípios que regem os

institutos a serem comparados, no caso, o Processo Penal brasileiro e os Juizados Especiais

Criminais, objetivando servir de fundamento para as assertivas realizadas no terceiro capítulo,

que trata especificamente da Transação Penal nos Juizados Especiais Criminais.

Ao final são apresentadas as considerações finais.

11“Explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem

para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” C.f. PASOLD, Cesar Luiz. Prática dapesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed. Florianópolis:OAB Editora, 2003, p. 62.12

“Palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” C.f. PASOLD, Cesar Luiz.Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31.13

“Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja

aceita para os efeitos das idéias expostas” C.f. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica:idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003,p. 56.14

“Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” C.f. PASOLD, CesarLuiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8.ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 67.

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2 DIREITO PENAL E Juizados Especiais Criminais

A história do direito é objeto de estudo para muitos. A sua origem e os motivos do seu

surgimento acompanham os da humanidade.

Misteriosa e surpreendente é a transformação de algo tão elementar em um sistema

todo ordenado, codificado e muito complexo que hoje se vê.

Existe sempre a preocupação da ciência em identificar todas estas peculiaridades.

Toda vez que se estuda algo, não se deve perder esta referência, ou seja, esta ligação

que existe entre o que se apresenta na atualidade e os elementos naturais de sua origem.

O Direito respeita métodos e formas próprias para exposição de seus fundamentos e

características. Sendo assim, o presente estudo, que não pretende se afastar destes

procedimentos, tem por exórdio a exposição de um apanhado histórico do Direito.

Como passo seguinte apresenta alguns motivos relevantes para o surgimento dos JE’s,

arrolando alguns princípios de Direito Processual Penal e procedimental dos Juizados

Especiais Criminais. Por fim, concentrar-se no assunto específico da Transação Penal a fim de

poder inferir assertivas relevantes para construção do saber.

2.1 HISTÓRIA, GENERALIDADES E AFINS

Estes tópicos serão inteiramente destinados à exposição de uma série de informações,

retiradas na íntegra de suas fontes bibliográficas, no intuito de não serem deixadas lacunas

quanto ao entendimento da(s) idéia(s) à qual, ou às quais, versem e que tenha sido pretendido

pelo autor referenciado.

2.1.1 Brevíssimo Escorço Histórico do Direito

Antes de adentrar propriamente no assunto central deste trabalho, vale fazer um breve

apanhado histórico aproveitando-se das palavras de Ronaldo Leite Pedrosa, Juiz de Direito e

professor, que veio escrever diversos artigos na área de Direito Penal, e que, a partir de agora

lhe será feita referência somente como “Pedrosa”. Assim, Pedrosa:

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Até o fim da segunda guerra mundial acreditava-se que o chamado Código deHAMMURABI fosse o documento legislativo mais antigo da humanidade.Todavia, em 1945 e 1947, durante escavações arqueológicas, próximo à atualcidade de Bagdá, foram encontradas duas pequenas tábuas de argila, as quais,decifradas em 1948 por ALBRECHT GOETZE, revelaram ao mundo asfabulosas LEIS DE ESHNUNNA (reino situado à margem direita do rio Diyala,afluente do Tigre, na Mesopotâmia), escritas entre os anos de 1850 e 1787 a.C,em linguagem acádica.

Contém 96 parágrafos (sistema de divisão adotada pelo decifrador). Dataçãoaproximada, ainda discutem os historiadores sobre a autoria dessas regras,creditando-a ou a NARAMSIM, ou a seu irmão DADUSHA, filhos de IPIQ-ADAD H O reino de ESHNUNNA teve seu período de predomínio na regiãoentre os rios Tigre e Eufrates, até ser conquistado, definitivamente, em 1753a.C, por HAMMURABI, da Babilônia.

As LEIS DE ESHNUNNA encontram-se no Museu do Iraque, sendo interessantereferir que a forma de indenização por danos causados a outrem era,essencialmente, pecuniária, e o seu parágrafo 48, que está assim redigido:

"Além disso: em uma causa que implique a aplicação de uma compensação de 1/3 demina até uma mina de prata, os juizes julgarão a causa... mas um processo de vidapertence ao Rei."

Essa era uma regra de competência, dividindo as questões que seriam julgadaspor juizes comuns, e aquelas causas que, por terem previsão de pena de morte,somente seriam da alçada do próprio Rei 15.

Vê-se que a compensação pecuniária já era presente naquela época para a resolução de

conflitos, sendo diferenciado o procedimento conforme a importância da lide, assim os casos

de morte eram de responsabilidade do Rei.

Pode-se constatar também que Pedrosa, ao referir-se a fatos históricos, concentrou-se

mais na positivação das normas, remetendo principalmente as “Leis de Eshnunna”, o que

difere um pouco de Romeu Falconi, Mestre e Doutor em Direito das Relações sociais, que a

partir de então faremos referência a sua pessoa tão somente como Falconi. Observe-se então o

que segue, Falconi:

Desde o amanhecer da Humanidade, o homem tende a reagir contra qualquerforma de agressão. Essa reação de defesa é coisa nata da pessoa humana. Setentarmos colocar o dedo nos olhos de uma criança de 30 dias, ela sedefenderá fechando-os instintivamente, e assim por diante. Logo no início dostempos, havia a reação do indivíduo agredido contra a atitude do indivíduoagressor. A seguir, o ingresso do grupo de iguais nas relações inamistosas

15 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.26.

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entre particulares de grupos diferentes. Não havia, ainda, a figura do Estadotutelando as relações sociais16.

Aqui se vê Falconi afirmar que a figura do Estado não era presente ainda, porém se

comparado ao período anterior referido por Pedrosa, o qual observa um fato concreto, como a

presença de uma tentativa de direito positivado, percebe-se que certa representação de um

proto-estado já existia, ficando para este, parte da lide que possivelmente detivesse mais

interesse social.

Apesar da diferente forma de apresentar fatos históricos que construam uma idéia de

nascimento do Direito, não há contradição entre os doutrinadores referidos, uma vez que,

dentro do âmbito estudado, o que fora inferido por ambos, corresponde ao ângulo que se

observou o objeto. Tanto uma forma quanto a outra de criar uma linha de raciocínio é válida

para o estudo que se desenvolve. Ambas referem-se a compensações, um pouco impróprias,

porém nítidas no que tange a necessidade do indivíduo sentir certa segurança pessoal ou

social. Desta maneira existe a possibilidade de reagir a um dano causado por outrem.

Seguindo com Pedrosa:

Vencida a idéia primeira de ser o Código desse último o mais antigo do mundo,após outras pesquisas arqueológicas, encontraram-se dois fragmentos de umatábua de argila, contendo parte do "Código de UR-NAMMU", escrito emsumério, relativo à conhecida UR III (terceira dinastia de UR), datado de 2050a.C. Portanto, cientificamente, está provado que esse é o documento maisremoto, até hoje, que se tem notícia, e comprovado concretamente.

Outras expedições revelaram, posteriormente, o "Código" de BILALAMA(filho de KIRIKIRI, rei de ESHNUNNA), de 1970 a.C, bem como diversostabletes de argila, com as leis do Rei LIPIT-ISTAR, de Isin, escrito emsumério, de 1900 a.C.

Somente em 1750 a.C. (datação mais aceita entre os historiadores), foielaborado o Código de HAMMURABI, em uma esteia de diorito negro, de2,25m de altura, que se encontra no Museu do Louvre. Nele se conseguem ler282 artigos, revelando decisões proferidas pelo rei HAMMURABI, em casosconcretos, e que passaram a servir de regras impostas a todos. Apesar de nãoser a mais antiga, é ainda considerada a mais importante obra legislativa daantigüidade, pelo seu esplendor e pela vibrante preocupação com a Justiça(apesar desse conceito, axiologicamente tratando, ser bem diverso do que hojeé comum em nossa sociedade). Pela primeira vez está previsto, no Direitocodificado, o talião (par. 196 a 214), pois, as leis anteriores, fixavamcompensação financeira para os danos causados (p.e., Ur-Nammu, 19-20;Eshnunna, 42 a 47).

16 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3ª. ed. , ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.33.

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[...]

Após a Civilização da Mesopotâmia, buscamos conhecer o Direito no Egitoantigo, mas somente possuímos um fragmento, incompleto, de certa regrainsculpida em uma pedra, pelo primeiro faraó da 19ª Dinastia, HOREMHEB,relativa à penalização aos funcionários que estavam abusando nos métodos decobrança dos impostos (ver História Universal, CARL GRIMBERG, vol. 2, págs.28/30).

Igualmente é conhecido o DEUTERONÔMIO, último dos cinco Livros de quese compõe o Pentateuco, atribuído a MOISÉS, em cerca de 1400 a.C. São as leisdo povo hebreu, e se propagaram para muito além de sua época.

Também deve ser feita referência histórica ao Código de MANU, na índia, de1000 a.C, apesar das divergências quanto à sua verdadeira data. Escrito emversos, é composto de 746 artigos, e tem caráter eminentemente religioso,contendo, contudo, disposições sobre adoção, legítima defesa, talião, adultério,etc.

Na seqüência cronológica, entramos na Grécia, devendo, desde logo, trazer àmente a obra de LICURGO (Esparta, 1000 a.C). Na outra polis grega, temosDRÁCON (Atenas, 620 a.C), e SÓLON (550 a.C, aproximadamente). Berço dademocracia, seguiram-se, na civilização helênica, os governos de PSÍSTRATO eseus filhos HIPARCO e HÍPIAS (de 560 a 510 a.C), CLÍSTENES e o legendárioPÉRICLES. Impossível deixar de fazer alusão ao fundamental papel exercidopelos filósofos, que formaram a gênese do pensamento humanístico universal,desde os chamados "pré-socráticos" até chegar ao insuperável mestre dos mestres,SÓCRATES (470 — 399 a.C), seu discípulo PLATÃO (429 — 347 a.C), eARISTÓTELES (384 — 322 a.C, que, por ordem de Felipe da Macedônia, educouALEXANDRE MAGNO) 17.

Pedrosa faz referência ao talião, mostrando a compensação quase que física, senão

propriamente física, como uma evolução do direito, embora seja sabido que o Direito

atualmente rume para outro sentido, como a preocupação da reabilitação do criminoso e

compensações pecuniárias quando for o caso.

Vale lembrar também que o referido DEUTORONÔMIO18 (do grego “segunda lei” ou

“repetição da lei”), quinto livro da Bíblia, compreendendo junto os quatro anteriores livros o

PENTATEUCO19 (do grego “os cinco rolos”) que são a base do TORÁ20 (do hebraico

17 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.2718 WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponívelem: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Deuteron%C3%B4mio&oldid=12251678>. Acesso em: 29 Set200819 WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponívelem: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pentateuco&oldid=12446916>. Acesso em: 29 Set 200820 WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponívelem: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Tor%C3%A1&oldid=12184401>. Acesso em: 29 Set 2008

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“instrução, apontamento, lei”) e neles, especificamente no DEUTORONÔMIO estão

dispostas de forma não muito ordenadas, um conjunto de “mandamentos” ou formas de

proceder.

Pedrosa conclui esta fase ou parte de seu raciocínio direcionando as próximas linhas

de sua obra para o Direito Romano. Pedrosa:

Já no Direito Romano, berço da cultura jurídica do Ocidente, lembramo-nos dafase primitiva, até a LEI DAS XII TÁBUAS (resultante da luta entre patríciose plebeus, que, por sua maioria, conseguiram, apesar da injustiça existente emgrande parte de suas disposições, impor a expedição de um documento ondeconstassem as regras do jogo...), em 450 a.C, aproximadamente. Daí, segue-seo imenso trabalho dos pretores e jurisconsultos (PAULO, PAPINIANO,ULPIANO, GAIO e MODESTINO), até JUSTINIANO, Imperador do Oriente(527-565 d.C. — autor do Codex, Digesto, Institutas e Novelas, obras estasque GODOFREDO, em 1583, nominou Corpus Iuris Civilis).

O Direito Romano, como se sabe, sobreviveu até o fim do século XIX,valendo citar a Alemanha, que dele se utilizava, e mesmo o Brasil, onde a Leida Boa Razão (de 18.08.1769) determinava fossem utilizadas quando houvesselacuna na legislação vigorante, as Ordenações. E estas somente foramrevogadas, formalmente, quando do aparecimento do Código Civil, de 1916(art. 1.807) 21.

Outra etapa encerrada e em breves linhas somos remetidos à atualidade, porém, antes

algumas referências importantes sobre fatos históricos, estudiosos e filósofos que elaboraram

conceitos e idéias úteis ao desenvolvimento do Direito, seguindo então, Pedrosa:

Em seguida ao Direito Romano, é indispensável fazer referência aoALCORÃO, aproximadamente do ano 620 de nossa era. E a base do direitomuçulmano ou islâmico. Livro sagrado de MAOME. Escrito em árabe, tem114 Capítulos, e é utilizado paralelamente ao direito positivo de cada nação quesegue essa linha, valendo citar a Síria, o Iraque, a Turquia, a Albânia, oPaquistão, a própria Arábia, o Marrocos, entre outros22.

Sobre o ALCORÃO, mencionado pelo autor acima, se pode acrescentar que de certa

forma tem sua origem ou raiz em comunhão com outras religiões como o Mosaísmo, o

Cristianismo e o Islamismo23, não sendo de estranhar se houverem entre elas semelhanças

21 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.29.22 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.29.23 Observação retirada do entendimento da leitura apreendida da pag. XV, da obra: CHALLITA, Mansur. OAlcorão: Tradução. Rio de Janeiro: ACIGI – Associação Cultural Internacional Gibran, ano não informado naobra.

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quanto à algumas matérias, principalmente quanto à sanções destinadas a infrações cometidas.

Continuamos então, Pedrosa:

Por fim, tanto na Idade Média quanto na Moderna, é indispensável lembrar 1— a MAGNA CARTA, de 15.06.1215, imposta ao Rei JOHN LACKLAND(João Sem Terra), quarto filho de HENRIQUE H, irmão de RICARDOCORAÇÃO DE LEÃO, na Inglaterra. Escrita em latim, contém 67 artigos; 2— BILL OF RIGHTS, de 13.02.1689, com 13 artigos, creditada aGUILHERME III; 3 — a monumental obra de CESARE BONESANA,Marquês de BECCARIA (Dei delliti i delle pene — 174 — 6), publicada, emprincípio, anonimamente, pelo temor da reação das classes dominantes, ante acrítica severa e irretrucável; e, por fim, 4 — a Revolução Francesa(14.07.1789), precedida das obras dos mais famosos pensadores franceses:CHARLES DE SECONDAT, barão de MONTESQUIEU (1689/1755)"Lettres Persannes" e "De l'esprit des lois", esta de 1748, VOLTAIRE(1694/1778), filósofo e escritor por excelência, JEAN-JACQUESROUSSEAU (1712/1778), com "Le contrat social", e DENIS DIDEROT(1713/1784), que, juntamente com ROUSSEAU, D'ALEMBERT (JEAN LEROUD — 1717/1783) e CONDORCET (ANTOINE NICOLA du), formaramo grupo conhecido como "Enciclopedistas". Esses são fatos marcantes daevolução histórico-social da humanidade, até o século XIX, onde a Ciência doDireito logrou encontrar campo fértil de desenvolvimento e criação24.

Acompanhando o desenrolar do raciocínio pretendido pelo autor acima citado, parte-se

para alguns apontamentos sobre o nascimento do Direito Penal Brasileiro, e, não sendo

possível encontrar o texto original apontado pelo doutrinador, aproveita-se o texto contido na

obra em referência, sendo assim, Pedrosa:

Dentro desse panorama histórico, vale fazer um pequeno intervalo, para relataro nascimento do Direito Penal no Brasil, segundo as palavras do EminenteMinistro ASSIS TOLEDO (pág. 56):

"Estas últimas, as Filipinas, em cujo livro V se encontra a codificação penaldo Reino, é que foram aplicadas, com toda a sua dureza, durante o Brasilcolonial e, depois disso, até a edição e início de vigência do Código Criminaldo Império, de 1830. Note-se que, mesmo depois da Independência (7.9.1822),continuou o país a reger-se por aquelas ordenações até se dar a suasubstituição pelo ordenamento jurídico editado pelo Estado recém-criado." 25.

Retornando ao aspecto geral, ou seja, uma visão mais abrangente da história do Direito

Penal, acompanha-se o desenrolar do raciocínio do doutrinador, quando redireciona a atenção

ao Século XX, Pedrosa:

24 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.29.25 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.30.

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Mas, voltando ao espectro geral, temos, já no Século XX, gerações marcadasindelevelmente por duas Grandes Guerras Mundiais, e, após a última, aDeclaração dos Direitos da ONU (1948), começando a virar a página dos diasde terror, até a completa alteração dos costumes e conceitos de moral e depolítica, passando pela chamada "revolução hippie", e até a queda do Muro deBerlim.

Daí para adiante, acrescentado a esse caldo borbulhante de mudanças, veio oincremento da informática, encurtando o tempo, mas distanciando, ainda mais,as diferenças sociais. Desde priscas eras, os detentores do saber eram, ipso factu,os detentores do poder. Parece que estamos voltando rapidamente a essestempos26.

Salienta-se que na obra de Falconi, anteriormente referida, é elaborada uma divisão

um tanto maior e mais complexa e generalizada, detalhando outros fatos históricos e

características do Direito Penal que, no intuito de exemplificar, expostos ficam os tópicos da

obra: “VINGANÇA PRIVADA”, “VINGANÇA DIVINA”, “VINGANÇA PÚBLICA”,

“TALIÃO”, “CÓDIGO DE HAMURABI”, “A COMPOSIÇÃO” (será exposta adiante, neste

trabalho, pois os comentários serão de grande importância por se referir ao tema), “GRÉCIA

ANTIGA”, “DIREITO PENAL ROMANO”, “DIREITO GERMÂNICO”, “DIREITO

CANÔNICO”, “ORDÁLIAS”, “ERA PRÉ-COLOMBIANA”.

Sobre a Composição introduz-se o seguinte texto, Falconi:

Com o advento da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a composiçãoressurge das cinzas da história com roupagem nova. A isso tratam detransação, que consiste, em poucas palavras, em o realizador do fato, aindanão tido por típico, reconhecer uma culpa não devidamente apurada, e o pólopassivo, aquele que seria, em tese, a vítima, receber certa indenização. Umaoutra hipótese, é o magistrado impor ao realizador do fato, durante a realizaçãoda audiência preliminar, que pague certo valor, de regra estão impondo "cestasbásicas", e o caso está encerrado27.

As observações elaboradas pelo doutrinador demonstram a preocupação tida por ele

em relação a Transação Penal, demonstrando não tratar-se de um instituto novo, mas sim o

ressurgimento de uma prática já conhecida em épocas remotas. Tal solução (esta ressurgida)

encontrada em virtude da crescente demanda que forçou e força o judiciário a respostas

rápidas, representou uma regressão no desenvolvimento do direito e uma busca por algo que

fora abandonado no passado. Este instituto conteria vícios processuais que o doutrinador

identifica como: o reconhecimento por parte do Suposto Autor Dos Fatos de uma culpa,

26 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.30.27 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3ª. ed. , ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.36.

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oriunda de um fato não tido ainda como típico. Porém, em seguida o próprio autor acrescenta

algo breve sobre um ponto positivo da transação, assim, Falconi:

De bom nisso tudo é a manutenção da primariedade e a não inserção do nomedo envolvido no nefasto cadastro de antecedentes criminais. Isto se nãocriarem um mecanismo qualquer nesse sentido, o que duvido muito que não sefaça. De mau, a não apuração da culpabilidade. É possível mesmo que uminocente venha a pagar pelo que não deve, o que não constitui boa prática parao Direito Penal tal como concebo e procuro transmitir28.

Surge adiante o termo “humanização”, no contexto pretendido pelo autor em menção,

quando se refere ao Direito Penal e à utilização da composição. Importante frisar isto, pois

esta característica está ligada à compensação pecuniária em face de pena aflitiva contra a

integridade física do condenado. Na história isto representou um avanço, pois o condenado

poderia pagar sem ser com seu próprio sangue. Porém quanto aos dias de hoje se infere que o

autor está indo além em seu raciocínio, comparando o resultado das práticas de ambas as

medidas, ou seja, pressupondo que o Suposto Autor Dos Fatos é culpado e comparando o

resultado obtido com a composição civil dos danos em face do resultado de um Processo

Penal comum que resulte em pena privativa de liberdade. Mas como o próprio doutrinador

afirma anteriormente, no caso da composição civil atual ou da transação, não se identificou a

culpa do agente tampouco a tipicidade do fato, assim não há de se falar em comparações em

mesmas medidas. Hoje para que haja a composição ou a transação não há de fato um Processo

Penal, mas sim um procedimento para evitá-lo. Inexiste de certa forma a humanização,

identificando sim uma possível forma de não identificação de crime sob certas circunstâncias.

Contudo segue-se os dizeres de Falconi:

Foi, inegavelmente, através da composição que o Direito Penal prosseguiu natrilha da humanização; basta ver os exemplos já expostos. Mas, afinal, no queconsistia a "composição"? Iniciava-se a substituição da pena aflitiva contra aintegridade física do condenado por uma forma qualquer de indenização. Essaindenização poderia ser uma retribuição pecuniária ou mesmo a prestação deserviços pelo criminoso à família do ofendido. Modernamente, falamos empena pecuniária. Indenização pelo dano causado ou, ainda, a mais recenteinovação do atual diploma repressivo, que é o artigo 43 inciso I "prestação deserviços à comunidade". Há, ainda, muito chão a palmilhar até que o DireitoPenal alcance o patamar pretendido nos ensinamentos de DORADOMONTERO, mas haveremos de chegar a essa perfeição um dia29.

28 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3ª. ed. , ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.36.29 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3ª. ed. , ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.37.

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Observado o escorço histórico acima, salienta-se que a idéia de Estado a que se

referem os autores, em algumas passagens históricas, difere significativamente da atualmente

reconhecida.

Em relação ao Direito Processual Penal isto não é diferente, sendo assim, serão

apontados seus princípios oportunamente. Passa-se agora a direcionar o conteúdo mais

especificamente para o objeto do presente estudo.

2.1.2 Generalidades e afins, sobre o surgimento dos Juizados Especiais Criminais

Foi apresentado, até o instante, um escorço histórico do Direito Penal, bem como,

discorrido poucas linhas sobre a composição civil dos danos e a Transação Penal. Para que se

dê seqüência ao estudo, necessário se faz ter informações sobre o surgimento dos Juizados

Especiais Criminais. Sendo assim, passa-se a introduzir, de Pedrosa, o texto que segue:

Desde muito se vem reclamando um instrumento processual penal ágil, capazde atingir aos reclamos sociais de resposta judicial mais rápida aos delitos queafligem o cidadão em seu dia-a-dia.

Critica-se o nosso velho Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.931, de11.12.1941), vigorando desde a primeira metade deste século, rotulando-o deexcessivamente formalista, cheio de cerimônias inúteis, defasado com relaçãoàs três Constituições que lhe sobrevieram, enfim, um Código antiquado edesatualizado30.

Um dos primeiros apontamentos de Pedrosa foi sobre a desatualização do Código de

Processo Penal, afirmando que lhe sobrevieram diversas Leis, bem como três Constituições.

Faz-se uma ressalva aqui, pois algumas modificações foram efetivadas no próprio Código de

Processo Penal (como o próprio autor as menciona), não vindo a ser pertinente ressaltá-las,

pois poderia fazer parte de um estudo próprio. O que importa é que seja entendido que o

Código de Processo Penal, assim como a maioria dos textos legais, vem sendo atualizado

conforme certos reclamos sociais. O argumento de desatualização acaba por tornar-se pouco

lógico, uma vez que a Lei 9099/95 que institui os JE’s fez ressurgir na Matéria Penal algo

muito mais antigo que o próprio Código em questão, ou seja, a composição (conforme visto

anteriormente). Contudo o argumento de antiquado persiste.

Observando a mesma fonte doutrinária segue-se com Pedrosa:

30 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.23.

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No caminhar da história diversas leis foram editadas, ora no sentido de criarritos especiais, ora alterando o próprio texto do Código Penal, bastandoenunciar, exemplificativamente, a Lei 1.079/50, que regulamentou o processode julgamento dos crimes de responsabilidade; a Lei 1.508/51, que tratou dorito para o processo das contravenções penais definidas nos arts. 58 e 60 da leirespectiva; a Lei 3.396/58, alterando os arts. 864 e 865 do CPC de 1939,aplicável à época pela subsidiariedade expressa no CPP; a Lei 4.611/65, quetratava do processo dos delitos culposos de trânsito, basicamente; a Lei5.250/67, cuidando da manifestação do pensamento; a Lei 5.256/67, sobreprisão especial; a Lei 6.368/76, regulando, na parte processual, os delitos detóxico; a Lei 8.038/90, falando sobre procedimentos junto ao SuperiorTribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, dentre vários outrosdiplomas31.

A especialização do direito é uma tendência normal quando se pensa em um sistema

jurídico como o brasileiro. Por isto existem os princípios de cada ramo do direito que

auxiliam na determinação de suas características, a fim de evitar equívocos que prejudiquem a

aplicação do Direito.

O que se pode esperar com a especialização do direito é que a efetivação do mesmo se

dê de forma mais acertada, mais eficaz. Os estudiosos do direito e os legisladores, por

motivos sociais e ou morais, procurando atender a uma demanda e tentando manter ou

desenvolver uma imagem mais favorável do direito, elaboram raciocínios e leis que atendam

as necessidades criando canais para a solução de demandas. Contudo a criação de institutos

jurídicos pode, algumas vezes, aproveitar-se de idéias abandonadas no passado para, com uma

roupagem nova, entrar em ação. Dando seqüência observam-se os dizeres de Pedrosa:

Nas últimas décadas se verificou, tanto a nível nacional quanto internacional, apreocupação com os conceitos de efetividade do processo, acesso à Justiça,acesso à ordem jurídica justa. Diversas obras foram (e estão sendo) escritaspara explicitar esses conceitos. A modernização, o incremento do progressomundial não mais podiam conviver com uma Justiça que se utilizava depadrões oriundos da Idade Média. O "procedimentalismo europeu", no qual seinspiraram os legisladores pátrios, trazia pontos de estrangulamento que erammuito mais perniciosos que os fatores positivos encontrados no ordenamentolegal32.

Lembra, adiante, o autor que em se tratando de uma “teoria geral” há que se

considerarem certas formalidades. Esta observação tornar-se-á relevante e passível de

posteriores observações neste estudo, uma vez que os procedimentos adotados pela Lei

31 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.23.32 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.24.

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9.099/9533 dirigem ou modificam radicalmente, principalmente no que tange a Tutela

Jurisdicional Penal, os caminhos do Processo Penal em geral. Continua Pedrosa o texto que

segue:

Não devemos nos esquecer que estamos tratando de processo, enquantociência, sendo inegável a existência de uma "teoria geral" que vincula todos osramos dessa especialidade, mormente os dois mais importantes, o civil e openal.

Por isso, discussões teóricas sobre a natureza jurídica do direito de ação, oconceito de lide, o de partes, a teoria dos atos processuais, o capítulo dasentença, os recursos, enfim, sempre trouxeram à baila, ainda quesubliminarmente, os reclamos de que essa estrutura deveria ser útil para atingira finalidade primordial: a Justiça, pacificando o corpo social34.

Na presente construção racional do doutrinador é apresentada uma preocupação

quanto ao formalismo e a desvirtualização do Direito, demonstrando vontade de aproximar as

práticas judiciárias da vontade social. Aparentemente isto, de certa forma, norteou o direito

por tempo significativo, caso contrário o Direito não teria a expressão que tem hoje.

Existem vontades reprimidas em uma sociedade que levam ao cometimento de atos

bárbaros contra indivíduos que nem sequer foram condenados. Isto pelo simples fato de dar

vazão ao repúdio pelo crime imaginado. Um exemplo simples de vontade funesta é perguntar

o que uma pessoa, vítima de um seqüestro, gostaria que acontecesse com o seqüestrador. Mas

nem por isto sua vontade pode ser atendida. O processo existe para garantir-se segurança para

as partes envolvidas. Se as decisões dependessem do ânimo do julgador, independente do

processo, se iria voltar aos primórdios onde tudo se resolvia instantaneamente com uma

morte. Há de se prestar atenção aos erros, para desviá-los e desfazê-los, mas não utilizá-los

como meio de se atingir algo aparentemente correto. O Processo Penal existe também para

evitar a nítida vantagem que existe entre a imagem do Estado punitivo e a pessoa do acusado.

Continua-se com o raciocínio de Pedrosa:

Ocorre que entre o discurso e a prática as distâncias foram se alongando cadavez mais. Diversos os fatores que, somados, levavam ao descrédito do povo nosistema judiciário. Podemos citar alguns de ordem externa, outros de ordeminterna do próprio Poder Judiciário.

33 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 200834 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.24.

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Assim, como exemplos daqueles, lembramos as leis casuísticas,privilegiadoras de certas classes, em detrimento da maioria da população (leisde falência de instituições financeiras, v.g.); a intromissão — e a omissão —do poder público na vida diária do cidadão, ocasionando uma sensação dedesprestígio da cidadania (diversas leis do inquilinato, abandono da saúdepública, ineficiência da segurança pública, v.g.); ausência de uma política deeducação séria, ocasionando um vácuo nos mais comezinhos princípios desolidariedade e honestidade; a famigerada propagação da "lei Gerson"; ainexistência da independência do Poder Judiciário, eis que sempre sujeito àpouca vontade do Legislativo em aprovar orçamentos dignos da importânciados serviços forenses, e do Executivo, em liberar os parcos valores destinadosàquele Poder, sob os mais diversos (e nem sempre verdadeiros) argumentos.

Como exemplos dos últimos fatores, internos do Judiciário, referimos acriação, nos regimentos, de mais recursos além dos existentes, prolongando asdisputas forenses; o despreparo dos serviços auxiliares; a linguagemexcessivamente técnica, pouco compreensível para a imensa maioria dapopulação; a falta de investimento no setor de comunicação social, para que secriasse um canal mais direto, através da mídia, com o jurisdicionado,encurtando a distância existente; a ausência da informatização integral eefetiva. Como disse, esses são apenas alguns fatores que angustiam a relaçãoPoder Judiciário/jurisdicionado e este, consciente ou não deles, vem a cada diademonstrando sua insatisfação35.

A raiz do problema aparentemente não é exatamente o que parece transparecer das

explicações bem arquitetadas do doutrinador, que adiante afirma que não adianta deixar na

mão da justiça os problemas. Quando se trata de Direito Penal se trata da existência uma

conduta considerada crime que está prevista na legislação penal como tal. Dependendo da

forma como é classificada a ação (pública incondicionada, pública condicionada e privada) a

figura do Estado é invocada de maneiras diferentes. Quando o Estado fica autorizado a agir

como se lesado fosse seus direitos (pública incondicionada e pública condicionada) entra em

ação todo o poder que ele possui contra um indivíduo, que muitas vezes conta com recursos

parcos para se defender. O Estado-Juiz tem de garantir a imparcialidade e não se eximir das

responsabilidades, para isto é necessário que sejam respeitados todos os princípios presentes

num processo, assegurando os direitos de todos os envolvidos. Se o sistema judiciário não dá

conta da demanda, não é lhe dando mais poder de deliberar o certo e o errado, sem existir

processo, que se chegará a uma solução. Tem-se que capacitá-lo para que o mesmo possa ser

eficaz respeitando os princípios processuais. Observe-se a seqüência do raciocínio de Pedrosa:

Mas é evidente que não se pode debitar à conta do processo toda essaproblemática, como se fosse um doente terminal. Em absoluto. O processoestá embutido em ciência específica, com fundamentos e princípios

35 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.24.

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consagrados pela história e, na verdade, por ser instrumento da jurisdição,torna-se indispensável seu aprimoramento no sentido de criar um caminhocélere, justo, econômico, eficaz, a todos acessível, para que o Estado, peloPoder Judiciário, possa resolver os conflitos. E, mais do que isso, a médio elongo prazo, tem esse processo ideal um papel educativo, porquanto, à medidaem que sua utilização se traduzir na mais rápida resposta, com ascaracterísticas acima, as próprias partes perceberão que de nada adiantará"jogar para a Justiça" a sorte de seu sucesso ou infortúnio. Exatamente porque,com um Judiciário atuante e eficaz, o recurso de tentar aventuras forenses seráde pouca valia.

Também é bom lembrar que, por ser um fenômeno humano, o processo deconscientização do todo social e sua consolidação em norma demanda algumtempo.

Tratando-se do desempenho de um Poder do Estado, é evidente que não sepode sacar, alienar ou destacar suas atividades e desvinculá-las das demaisocorrências do País, como se fosse um solitário, um eremita.

O Estado existe como meio para que o cidadão atinja seus fins desobrevivência, de desenvolvimento, de segurança, de livre concorrência, desaúde, de educação, de paz e prosperidade. O Estado moderno, na execução deseu desiderato contém três pontos de apoio: Executivo — Legislativo —Judiciário. As funções exercidas pelos entes acima saem do papel para seconcretizar em atividade através dos Agentes Públicos, em sentido amplo, eatingir, na outra extremidade, o cidadão. Portanto, é incontornável que toda aatividade estatal se dirija para atender os interesses de seu consumidor final. OEstado existe como manifestação da organização social, e ao povo deve servirde instrumento. Nunca um fim em si mesmo36.

Estas últimas linhas apresentam o cerne da discussão, sempre presente, que é a busca

da justiça num sentido filosófico e a forma de materializá-la. No procedimento de Natureza

Penal, a justiça se fará quando, encontrando-se o verdadeiro agente se lhe imponha a sanção

cabível. Na Transação Penal inexistem os procedimentos de obtenção da realidade material

dos fatos em sua plenitude, bem como inexiste também um processo propriamente dito,

implicando por conseqüência na falta de “autorização” para o Estado-Juiz elaborar uma

sanção de Natureza Penal. O que se obtém então, por dedução, é um acordo prenhe de

natureza civil, que regulará uma conduta ou um pagamento, entre o Suposto Autor Dos Fatos

e o Estado. Isto advindo de um fato supostamente antijurídico. Cria-se uma realidade jurídica

nova para a solução de uma demanda penal.

36 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.25.

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Retomando o raciocínio, e no intuito de se ter uma idéia mais específica, quanto ao

surgimento da Lei 9.099/9537, lembrando de seu processo de elaboração e construção

legislativa, aproveita-se aqui os dizeres de Damásio E. de Jesus, Criminalista consagrado,

advogado, professor e parecerista que, no presente trabalho, far-se-á referência como “De

Jesus”. Assim, De Jesus:

Foi inicialmente apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1.480-A, de 1989, pelo Deputado Federal Michel Temer, cujo objeto versava sobre ojulgamento e a execução referentes às infrações penais de menor potencialofensivo. Composto de 36 artigos, o Projeto dividia-se em três Títulos, a saber:I — Das Disposições Gerais (arts. I2 ao 3e); II — Do Processo perante osJuizados Especiais (composto de cinco Capítulos, do art. 42 ao 28); e III —Das Disposições Finais e Transitórias (arts. 29 a 36). Além desse Projeto,foram apresentados outros cinco: n. 1.129/88, pelo Deputado Jorge Arbage;1.708/89, do Deputado Manoel Moreira; 2.959/ 89, do Deputado DasoCoimbra; 3.883/89, do Deputado Gonzaga Patriota; e, finalmente, o de n.3.698/89, de autoria do então Deputado, e hoje Ministro do STF, NelsonJobim. De acordo com o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e deRedação, somente os Projetos de n. 1.480/89 e 3.698/89 mereciam aprovação,diante da exatidão de seus dispositivos e da eficácia do sistema adotado. Oprimeiro, denominado Projeto Temer, tratava exclusivamente da organizaçãodos Juizados Especiais de natureza criminal, enquanto o Projeto Jobimcuidava, ao mesmo tempo, dos Juizados Cíveis e Criminais. Diante disso, aComissão, com a finalidade de aproveitar ambos os trabalhos, opinou pelaapresentação de Substitutivo, que englobou o Projeto Jobim, na parte alusivaaos Juizados Cíveis, bem como o Projeto Temer, relativo aos JuizadosCriminais. Foi, então, apresentado ao Congresso Nacional, para discussão eaprovação, o Projeto Substitutivo. O Projeto de Lei nos foi submetido noConselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em longo parecercomo relator da matéria, sugerimos diversas modificações que não foramconsideradas. Na verdade, o Projeto, resultado da fusão, foi aprovadointeiramente de acordo com as redações originais. Tanto é que a Lei apresentaDisposições Finais no meio dos artigos (vide o nomen júris do art. 56). E, noprocesso sumaríssimo, verifica-se que um erro de grafia que já existia noProjeto original persistiu até final (DO PROCESSO SUMARIÍSSIMO —grifo nosso) 38.

Acrescentam-se aqui as palavras do procurador de Justiça - MP/RJ, mestre e doutor

pela UFMG, professor universitário Marcellus Polastri Lima, que a partir deste momento faz-

se menção como Lima (2005, p. 01):

Dentro de quadro em que começava imperar um sistema paleorepressivo, soba égide da Lei e da Ordem, com um sistema penal voltado para a políticacriminal repressiva, com leis duras, agravamento das penas e sua execução,

37 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 200838 JESUS, Damásio E. de. Leis dos juizados especiais criminais anotada. 8ª. ed. ver. e atual. São Paulo:Saraiva, 2003, p.01.

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como é exemplo marcante a Lei dos Crimes Hediondos, surge a Lei n°9.099/95 que, a par de dispor sobre os Juizados Especiais Cíveis, vem tambémdispor sobre os Juizados Especiais Criminais.

Se não se pode falar em surpresa, já que a Constituição Federal, em seu art.98,I, desde 1988 já determinava a criação dos chamados Juizados EspeciaisCriminais, onde seriam admitidas a transação e a conciliação, é verdade que aLei n° 9.099/95 acabou por resultar em maior inovação do que se previa, poistrouxe um modelo de processo consensual e, além da transação e conciliação,elenca outras medidas despenalizadoras, como a suspensão condicional doprocesso e a representação para o delito de lesões corporais leves e culposas39.

Como é possível perceber com o que fora apresentado, bem como também o é com a

leitura do texto original da nossa CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988,

existe a previsão constitucional para a transação, como também para outros institutos, porém

não se encontra ali a forma e o momento em que isto deve ocorrer (a transação), ficando esta

matéria para ser complementada em Lei. Continua-se com Lima:

Na verdade, trata-se de um novo rito, que foge completamente do ProcessoPenal Comum, sem formalidades, célere, oral e objetivamente finalístico.Justiça consensual, pois possibilita o acordo entre a vítima e autor,prestigiando a reparação do dano, ou entre Estado e autor, no caso de se tratarde ação penal pública incondicionada ou, se condicionada, estiver presente arepresentação.

Tratava-se de tendência mundial, de há muito existente no sistema anglo-saxão(com o plean bargaining), na reforma processual italiana (com opattegiamento) e ainda na reforma processual portuguesa. Porém, como sedemonstrará, o Brasil adota um modelo próprio, que difere dos modelosalienígenas40.

Não são objeto do presente estudo as formas estrangeiras encontradas, porém é

interessante notar a observação de ser, a forma brasileira, um modelo próprio. Isto propicia ou

indica que ao se inovar correm-se mais riscos. As inconsistências existentes no sistema

brasileiro estão sendo e serão identificadas ao longo do presente estudo. A fim de enriquecer o

conteúdo continua-se com Lima:

Conforme se vê do disposto no art. 2º. da Lei, devem imperar no processo asimplicidade, a economia processual, a oralidade e a celeridade, buscandosempre ou dando-se prioridade para a conciliação ou a transação. Diga-se:

39 LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: na forma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.01.40 LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: na forma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.01.

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evitando-se sempre que possível a continuidade do processo e a aplicação dapena privativa de liberdade.

Mas não se trata aqui de apenas "abreviar" o processo, como ocorre em paísescomo a Alemanha, Espanha e Itália, nem de se prestigiar o princípio daoportunidade, deixando para o Estado a discricionariedade em processar,como temos exemplo na Alemanha, França, Holanda e Estados Unidos, e,mais recentemente, embora timidamente, em Portugal (v.g., quando é previstaisenção de pena, pode ser o feito arquivado).

Em Portugal, temos ainda o procedimento sumaríssimo, que, como o próprionome indica, somente é abreviado, mas que, apesar do consenso para tal,resulta em condenação. Na Itália, temos o pattegiamento (acordo entre aspartes) no juízo abreviado, onde não há alegações por debate, o juízoimediato, onde se pode eliminar a produção de provas, a aplicação diretade pena até dois anos, onde haverá redução da mesma, e, quando o MinistérioPúblico por decreto aplica a pena sem prévio consenso do acusado, mas estasó terá validade se, posteriormente, este vier a consentir com a mesma, sendo,neste caso, homologada pelo juiz41.

No Brasil ocorrem situações que não deixam saídas simples para o aplicador do

direito. Um desses exemplos é o caso que ocorre na transação, pois como não existe ainda a

peça acusatória, ou ainda não fora recebida, não está o Suposto Autor Dos Fatos formalmente

acusado. O Suposto Autor Dos Fatos só será formalmente acusado caso não aceite a

transação. Outro fato interessante é que com a aceitação da transação o Suposto Autor Dos

Fatos não assumiu crime algum, e se ele não fez isto e não foi formalmente acusado, como lhe

pode ser-lhe imputada uma pena? Mesmo que alternativa. Continua-se com Lima:

No Brasil, como dito, temos um procedimento singular, já que poderá haverextinção de punibilidade, no caso de ação penal privada ou condicionada comconciliação, ou com cumprimento de pena acordada, mediante transação entreMinistério Público e autor, sem as conseqüências de uma condenaçãotradicional ou, ainda, a suspensão do processo, mediante acordo, composterior extinção da punibilidade42.

Deixadas as generalidades, adentrar-se-á agora, mais propriamente, nas

particularidades que constituem a base dos principais aspectos do objeto do presente trabalho.

41 LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: na forma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.02.42 LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: na forma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.02.

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3 PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL E DOS

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Neste capítulo serão apresentados os princípios que regem o Processo Penal Brasileiro,

bem como os princípios que regem os procedimentos nos Juizados Especiais Criminais. Serão

relatadas, posteriormente, potenciais inconsistências de sua aplicação em conjunto (princípios

dos juizados e processual penal), identificando a Transação Penal como um instituto que não

coaduna com o ramo do Direito Processual Penal Brasileiro, bem como inferir possíveis

soluções para este fato.

3.1 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DE DIREITO PENAL

As características do Processo Penal são determinadas pelos princípios político-

processuais penais de cada Estado. Atentando-se às regras mais gerais, no intuito de apanhar

algo de imutável, ou pelo menos mais constante, direcionar-se-á a atenção aos princípios que

regem o Processo Penal brasileiro. Para isto será considerado, como forma de introdução a

este item, o que consta na obra de Tourinho Filho:

O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisanão representam senão postulados fundamentais da política processual penalde um Estado. Quanto mais democrático for o regime, o processo penal maisse apresenta como um notável instrumento a serviço da liberdade individual.Sendo o processo penal, como já se disse, uma expressão de cultura, decivilização, e que reflete determinado momento político, evidente que os seusprincípios oscilam à medida que os regimes políticos se alteram. Num Estadototalitário, consideram-se as razões do Estado. Num democrático, como bem odisse Bettiol, aqui já citado, a liberdade individual, como expressão de umvalor absoluto, deve ser tida como inviolável pela Constituição (Instituições dedireito penal e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, CoimbraEd., 1974, p. 251). Tanto é assim que da data da promulgação do nosso Códigode Processo Penal, início de 1942, quando vivíamos sob a égide de um arremedode Constituição, até hoje, houve várias mudanças no nosso Processo Penal,sempre procurando, de maneira capenga, mas sempre procurando, buscar atutela dos direitos e interesses do acusado, amparando-lhe e salvaguardando-lhe as legítimas expectativas. Causaria espanto em 1942 afirmar que a única

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prisão provisória que se justifica é a preventiva e, assim mesmo, parapreservar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal43.

O presente doutrinador reforça a idéia já apresentada anteriormente de que o Processo

Penal brasileiro vem sendo atualizado conforme a necessidade, podendo ser antigo Código de

Processo Penal, mas não que isto represente motivo para o surgimento dos Juizados Especiais

Criminais. Continua-se Tourinho Filho:

Dentre os princípios que regem o nosso Processo Penal destacam-se o daverdade real, o da imparcialidade do Juiz, o da igualdade das partes, o do livreconvencimento, o da publicidade, o do contraditório, o da iniciativa das partes,o ne eatjudex ultra petita partium e outros mais [...]44

Por se tratar de matéria complementar à formulação deste estudo, far-se-á uso das

citações e assertivas da obra acima referida. Em outras palavras, cada um dos princípios de

Direito Processual Penal, aqui expostos, tem por objetivo fundamentar os recursos cognitivos

que venham a fazer referência ao tema em análise. Porém, tais princípios não constituem o

núcleo do presente trabalho. Por isso opta-se por não acrescentar mais que um doutrinador, a

fim de não incorrer no erro de estender-se demasiadamente e fugir ao que se destina a

presente argumentação.

3.1.1 Princípio da Verdade Real

Este princípio talvez seja o mais referenciado neste trabalho, tanto direta como

indiretamente, por se tratar de um elemento pouco consistente no procedimento dos Juizados

Especiais Criminais. Até a elaboração da audiência de transação, não é conhecida a real

verdade dos fatos.

A questão da falta de um pilar fundamental que sustente a natureza jurídica da

Transação Penal impediria o Estado-Juiz de cobrar, posteriormente, a efetivação de um

acordo como se de Matéria Penal tratasse. Observe-se o que segue com Tourinho Filho:

A função punitiva do Estado, preleciona Fenech, só pode fazer-se valer em facedaquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto o ProcessoPenal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdadematerial, como fundamento da sentença.

43 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.36.44 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.36.

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Por outro lado, com bastante acerto, ensina Manzini que a declaração decerteza da verdade real, em princípio, é, sem dúvida, de todo ordenamentoprocessual, seja penal, seja civil etc, mas, quando os particulares podem disporlivremente de seus interesses, um acordo direto ou indireto entre eles podeexcluir, no todo ou em parte, necessária ou eventualmente, a verdade real doProcesso Civil, sem dano, antes, com vantagem para a ordem das relaçõespatrimoniais.

De fato, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ouconvencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a suaindagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no ProcessoPenal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como osfatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração e em quecondições a perpetrou, para dar base certa à justiça.

A natureza pública do interesse repressivo exclui limites artificiais que sebaseiam em atos ou omissões das partes. A força incontrastável desse interesseconsagra a necessidade de um sistema que assegure o império da verdade,mesmo contra a vontade das partes.

É certo que, no Processo Civil, o Juiz, também, não é um mero espectadorinerte da produção de provas. Pela leitura do art. 130 do CPC chega-se, comfacilidade, a essa conclusão. Ninguém duvida. Entretanto, porque o conteúdo darelação jurídico-material que informa a res in judicio deducta, em regra, versasobre interesse disponível, muitas vezes se transige com a verdade real.Excepcionalmente o Juiz não penal procura, realmente, investigar a verdadematerial.

No Processo Penal, cremos, o fenômeno é inverso: excepcionalmente, o Juizpenal se curva à verdade formal, não dispondo de meios para assegurar oimpério da verdade.

No Processo Civil vigoram as presunções, as ficções, as transações, elementostodos contrários "à declaração de certeza da verdade material".

Florian, estudando a prova civil e a prova penal, estabeleceu suas diferenças: a)quanto aos poderes do Juiz e às faculdades dispositivas das partes; b) quantoao diferente sentido da verdade (no Processo Penal se investiga a verdade de fatono interesse público, que vence todo obstáculo); c) no Processo Penal os meios deprova são mais extensos; d) pela diversidade do conteúdo de cada um dos institutosprobatórios; e) pela diversidade do procedimento correspondente a cada um dosmeios de prova45.

Completa o doutrinador, o raciocínio acima, afirmando que: “Mostra assim, Florian,

em linhas gerais, vigorar no Processo Penal, o princípio da verdade real”46.

45 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.36.46 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.38.

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Observa-se agora que o doutrinador, acima, irá adentrar no assunto que se aborda,

tecendo comentário sobre a “verdade real”, não especificando que nos Juizados Especiais

Criminais trata-se de procedimentos e não de processo, fragilizando mais ainda a sustentação

da Natureza Penal da Transação quando da execução do acordo, por descumprimento de parte

do Suposto Autor Dos Fatos. Assim, “É certo que, no Processo Penal, tais transações são

admitidas em caráter excepcional e se restringem às infrações de pequeno potencial

ofensivo.”47.

3.1.2 Princípio da Imparcialidade do Juiz

Far-se-á breves comentários sobre este princípio, porém sem deixar de comentá-lo e,

como dantes, aproveitam-se os dizeres de Tourinho Filho:

Não se pode admitir Juiz parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar acada um o que é seu, essa missão não seria cumprida se, no processo, quercivil, quer penal, não houvesse imparcialidade do Juiz.

E a imparcialidade exige, antes de mais nada, independência. Nenhum Juizpoderia ser efetivamente imparcial se não estivesse livre de coações, deinfluências constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer aperda do cargo. Daí as garantias conferidas à Magistratura pela Lei Maior:vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos48.

Lembra-se aqui que o Juiz deve ser imparcial inclusive quando se tratar de interesses

extra parte, como é o caso de se forçar a existência da Transação Penal para se evitar

processos que sobrecarreguem o judiciário. Agindo assim o Juiz está sendo parcial em favor

do Estado-Juiz e de si mesmo. Desta feita, passa-se para o próximo princípio, já que

observado as garantias no intuito de sustentar a existência do Princípio da imparcialidade do

Juiz.

3.1.3 Princípio da Igualdade das Partes

Aqui se tem que observar quanto ao equilíbrio entre as partes, pois não constituindo os

fatos verdade material pela falta de averiguação profunda elaborada por órgãos competentes,

até a audiência Preliminar ou de Transação, não há argumento que sustente a existência

47 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.38.48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.39.

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verossímil do ocorrido, não dispondo, o Estado, forma de concretizar um Processo Penal,

acarretando como já mencionado uma natureza dúbia dos efeitos dos acordos resultantes de

uma transação. Observa-se Tourinho Filho:

No processo, as partes, embora figurem em pólos opostos, situam-se nomesmo plano, com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades. É umaconseqüência do princípio do contraditório. E o legislador procurou manteresse equilíbrio diante do Juiz. Note-se, por exemplo, que o réu não podedefender-se a si mesmo, salvo se tiver habilitação técnica. É como soa o art.263 do CPP. Se fosse possível, o princípio da igualdade ficaria desequilibrado.

Se há essa igualdade, por que apenas o réu pode protestar por novo Júri? Porque somente ele pode opor embargos infringentes ou de nulidade? Por que arevisão criminal só pode ser postulada em face de uma sentença condenatória?Por que o princípio proibitivo da reformatio in pejus? É que nesses casos há oprincípio do favor rei ou favor libertatis, princípio eminentemente ético, para,de certa forma, contrabalançar a posição da parte que acusa. Na verdade, se oréu é a pessoa que suporta uma "limitação na própria esfera de liberdadejurídica", ficando, assim, numa situação de desvantagem perante o titular dojus persequendi, deve ser favorecido pelo Direito. Como bem afirmou Bettiol,no conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis doréu, por outro, a balança deve inclinar-se em favor deste último se se querassistir ao triunfo da liberdade (G. Bettiol, Instituições de direito e de processopenal, trad. Manuel da Costa Andrade. Coimbra, Coimbra Ed.. 1974. p. 295)49.

Ao final deste acima apanhado, percebe-se que o doutrinador irá sustentar a idéia

construída neste estudo, pois afirma imperar o jus libertatis sobre o jus puniendi deixando-se

a idéia análoga de primazia da liberdade ou do impedimento do Estado em constituir algo que

cause gravame ao réu sem respeitar a existência precípua de um impedimento reconhecido.

Porém, esta idéia que se refere não está relacionada ao direito do acusado em ser beneficiado

com a Transação Penal, mas sim de a Transação Penal não constituir direito do Estado em

punir pela Via Penal50.

3.1.4 Princípio da Persuasão Racional ou do Livre Convencimento

Tourinho Filho contribui afirmando que “esse princípio, consagrado no art. 157 do

CPP, impede que o Juiz possa julgar com o conhecimento que eventualmente tenha extra-autos.

Quod non est in actis non est in hoc mundo. O que não constar no processo é como se não

existisse. E, nesse caso, o processo é o mundo para o Juiz. Trata-se de excelente garantia para

49 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.41.50 Via Penal significa neste caso específico os métodos utilizados e a forma de cobrar a execução de umaobrigação.

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impedir julgamentos parciais. A sentença, dizia Florian, não é um ato de fé, mas a exteriorização do

convencimento do Juiz em face das provas produzidas” 51.

Através do conceito deste princípio se pode verificar o que vem sendo construído no

presente trabalho, no que tange a Transação Penal e os efeitos de seu descumprimento, pois o

parco material que é ofertado nos autos, que denominam-se Termos Circunstanciados, não

constituem fonte precisa para que o juiz possa elaborar e reconhecer os fatos ocorridos com a

precisão necessária a garantir segurança jurídica, a não ser que o mesmo homologue acordo

havido entre as partes (Ministério Público e o Suposto Autor Dos Fatos) e que deste surta

efeitos meramente cíveis e que, também, as partes abram mão de continuar com o feito de

natureza penal. Este argumento será visto mais adiante.

O Ministério Público neste caso representa a vontade social, mas a ele não pode ser

dado o poder de punir. O Poder de Punir fora passado ao Estado. Por isto também os acordos

havidos nas transações são trocas de interesses, não punições.

3.1.5 Princípio da Publicidade

No momento não há, neste princípio, algo que possa contribuir para salientar

diferenças significativas entre o procedimento dos Juizados Especiais Criminais e o Processo

Penal em geral. Porém, apesar disto, importante é salientar que tanto na audiência preliminar

como na de Transação, o resultado de ambas não constitui essencialmente o reconhecimento

da culpa ou da inocência do SUPOSTO AUTOR DOS FATOS52. Tendo publicidade estas

audiências preliminares e de transação que resultem em acordo, pode se pensar que muitas das

acusações ficariam sem respostas, levando o observador a crer que, possivelmente, constituam

verdades. O Suposto Autor Dos Fatos pode ter concordado em transacionar para não ter que

se incomodar com um Processo Penal demorado, ou quem sabe não ter certeza de conseguir

provas de sua inocência. Porém como não ser tendenciosos a encontrar culpa numa pessoa

cumprindo serviços a comunidade, ou pagando multas oriundas de processos?

Sobre este princípio discorre Tourinho Filho:

51 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.42.52 Efeitos penais C.f. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2004, p.161.

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Outro princípio importantíssimo do Processo Penal, e que também vige noProcesso Civil, é o da publicidade, segundo o qual os atos processuais sãopúblicos.

Tal princípio é próprio do processo de tipo acusatório. Explica EberhardSchmidt que a significação da Justiça Penal é tão grande, o interesse dacomunidade no seu manejo e em seu espírito é tão importante, a situação daJustiça, na totalidade da vida pública, é tão problemática, que seriasimplesmente impossível eliminar a publicidade dos debates judiciais. Earremata: se isto ocorresse, só poderia significar o temor da Justiça à críticado povo, e a chamada "crise de confiança" na Justiça seria algo permanente(Derecho, cit., p. 102).

Beling fala em "publicidade popular" e "publicidade para as partes" (Derecho,cit., p. 27). Quando ocorre a publicidade popular ou geral, como a chama Pontes deMiranda, ou plena, como quer Frederico Marques, os atos estão ao alcance dopúblico em geral. Diz-se "publicidade para as partes", ou restrita, como querFrederico Marques, ou especial, como a denomina Pontes de Miranda, oumediata, como diz Asenjo, quando um número reduzido de pessoas pode estarpresente: os sujeitos da relação processual e, às vezes, os sujeitos da relação"jurídico-material".

É certo que a publicidade absoluta ou geral acarreta, às vezes, quer no ProcessoPenal, quer no Civil, inconvenientes de toda ordem. Pontes de Miranda apontao sensacionalismo, forte impressão no público, desprestígio do réu. Há outrosainda. Por isso os evitáveis e desnecessários prejuízos que resultam do princípioda publicidade geral são conjurados por limitações impostas pelas legislações.Aí, como pondera Pontes de Miranda, a técnica legislativa encontra problema aque tem de dar solução e o faz segundo sugestões da experiência e dos costumespolíticos (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1, p. 29).

No Direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, como regra. Asaudiências, as sessões e a realização de outros atos processuais sãofranqueados ao público em geral. Qualquer pessoa pode ir ao Fórum, sede dojuízo, assistir à audição de testemunhas, ao interrogatório do réu, aos debates.Em se tratando de processo da competência do Júri, são impostas algumaslimitações (v. CPP, arts. 476, 481 e 486).

Tal princípio da publicidade absoluta ou geral vem consagrado como regra noart. 792 do CPP: "As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra,públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dosescrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia ehora certos, ou previamente designados".

A despeito de viger tal princípio, o legislador pátrio admite, também, apublicidade especial ou restrita. Di-lo o § 1.° do art. 792: "Se da publicidade daaudiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo,inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o Juiz, ou o Tribunal,Câmara, ou Turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou doMinistério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas,limitando o número de pessoas que possam estar presentes". Muito apropósito, também, o inc. LX do art. 5.° da Magna Carta.

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Por outro lado, a publicidade não atinge, grosso modo, os atos que se realizamdurante a feitura do inquérito policial, não só pela própria natureza inquisitivadessa peça informativa, como também porque o próprio art. 20 do CPP dispõeque a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário... Trata-se, deconseguinte, de lex specialis. Nem se invoque a Constituição. Nela se fala empublicidade dos atos processuais... e os do inquérito não o são

53.

Em suas seis últimas linhas, o autor observa outra importante implicação da

publicidade, uma vez que, durante o inquérito não há de se falar em tal princípio, pois não

constitui ato processual o inquérito.

3.1.6 Princípio do Contraditório

Quem sabe seja um dos pontos mais delicados que, respeitado no Processo Penal, não

parece ser no procedimento dos Juizados Especiais Criminais. Como será visto no próximo

apanhado, tal princípio a que se refere este item integra parte de direitos constitucionais

garantidos ao indivíduo, os quais o Estado não pode desrespeitar sob pena de se retroceder a

tempos em que, vítimas do maior dos opressores, um único ser, que ditava leis, julgava e

executava o povo sem considerar a vontade deste, e sim a sua própria. “Resulta da natureza do

poder despótico que o único homem que o exerce o faça também exercer por um só” 54.

Aplica-se no pequeno campo do direito a que se restringem os Juizados Especiais Criminais.

Lembra-se também que não se deve deixar levar somente pelos reclamos da sociedade que,

indignada pelas injustiças tão presentes e, em seu afã imediatista de solucioná-las, escolhe um

indivíduo de duvidosa índole para direcionar suas vontades sinistras. Para por fim condená-lo,

de forma exemplar, sem que lhe seja dada a oportunidade de provar sua inocência. Decidindo

mais pela emoção do que pela razão. Tourinho Filho:

A Constituição de 1988 é bem clara: "Aos litigantes, em processo judicial ouadministrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório eampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5.°, LV).

E, como se não bastasse tanta clareza, acentuou: "Ninguém será privado daliberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (CF, art. 5.°, LIV). Claroque nesta expressão — due process oflaw — estão todas as garantiasprocessuais.

Aliás, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esseprincípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação a quem se

53 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.42.54 SECONDAT. Charles-Louis de. Do Espírito das Leis: tradução de Jean Melville.São Paulo: Martin Claret,2002, p.32.

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propõe a ação penal, goza do direito "primário e absoluto" da defesa. O réudeve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitandoassim possa ser condenado sem ser ouvido.

Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars — aparte contrária deve também ser ouvida. Assim, a defesa não pode sofrerrestrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusaçãoe defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade decondições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão "superpartes",para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar asprovas, "dar a cada um o que é seu"55.

Vê-se, no acima disposto, que de extrema importância é tal princípio, sendo

obrigatório que à parte, a qual é imputada uma IPMPO, seja concedida a oportunidade de

argumentar, expondo suas razões. Podendo até ser encerrado o procedimento caso nada possa

ser provado, conforme se subtrai da leitura de Mirabete56. Porém isto não parece existir, ou

seja, o Suposto Autor Dos Fatos, quase sempre, é forçado a entender que, de qualquer maneira

terá que transacionar, pois é a melhor saída, uma vez que se trata de um benefício.

Deveria ser-lhe esclarecido principalmente, antes da composição cível, que em sendo

inocentado, o Suposto Autor Dos Fatos, e ficando provada a vontade da suposta vítima em

prejudicá-lo, aquele lograria êxito em obter espécie de ressarcimento advindo de danos

morais. Uma vez que existindo a litigância de má-fé e a comprovação da vantagem da vítima

em promover aquelas falsas acusações, existe um ilícito e uma possibilidade de ressarcimento.

Quanto à aceitação da Transação Penal por parte do Suposto Autor Dos Fatos, sem a

presença de advogado, estando ela transitada em julgado e não sendo cumprida pelo réu, e, se

entendendo tal benefício como de natureza penal em sua execução, dever-se-ia ter isto como

uma impossibilidade jurídica, uma vez que em momento algum se respeitou o equilíbrio entre

as partes. De um lado a figura do interesse público munido de todos os artifícios e

conhecimentos práticos. Enquanto de outro o indivíduo despreparado que em momento algum

pode fomentar argumentos concisos ou provas, pois é estranho ao seu viver, pleitear

judicialmente. Nesta realidade, jamais será possível falar em acordo, nem em processo, muito

menos em estar o Estado legitimado a executar pena a tal indivíduo. Observe-se o dizer de

Tourinho Filho:

55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.44.56 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.123,

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O nosso CPP consigna regras realçando essas garantias constitucionais. Porexemplo, dispõe o art. 261 que "nenhum acusado, ainda que ausente ouforagido, será processado ou julgado sem defensor". O art. 263 dispõe que, se oacusado não tiver defensor, o Juiz será obrigado a nomear-lhe um, ressalvandoseu direito de, a todo o tempo, nomear outro de sua confiança ou a si mesmodefender-se, caso tenha habilitação técnica. Aqui se vê, também, o cuidado dolegislador para impedir a quebra do princípio: o acusado poderá defender-se asi mesmo, caso tenha habilitação técnica. Se o acusado quiser defender-se a simesmo, não poderá fazê-lo se não tiver habilitação técnica, vale dizer, se nãofor advogado, provisionado ou solicitador. E Massari explica que o defensortécnico produz a garantia da contestação e do contraditório. E arremata: "nonpotendosi concepire vero contraddittorio senza una contrapposizione dei organiomogenei" (Il processo penale; nella nuova legislazione italiana, livro I, p. 105).Na verdade, não haveria contraditório se os órgãos contrapostos fossemheterogêneos. O acusador tem habilitação técnica, e, assim, se o acusado não ativesse, haveria uma luta desigual entre ambos, e o princípio do contraditórioseria provavelmente burlado57.

Observado o acima disposto, dirige-se a atenção para como complementa nas linhas

abaixo da sua obra Tourinho Filho:

Não obstante a Magna Carta disponha no art. 5.°, LV, que "Aos litigantes, emprocesso judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são asseguradoso contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", ocerto é que a expressão "processo administrativo" não se refere à fase doinquérito policial, e sim ao processo instaurado pela Administração Públicapara a apuração de ilícitos administrativos ou quando se tratar de procedimentosadministrativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade daaplicação de uma sanção: punição administrativa, decretação de perdimento debens, multas por infração de trânsito, por exemplo. Em face da possibilidade deinflição de uma "pena", é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa,porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa58.

Neste ponto, na última linha, encontra-se uma preocupação do doutrinador quanto à

inflição de pena sem haver o contraditório, preocupação pertinente ao tema do presente

trabalho também, que tenta demonstrar justamente a impossibilidade de considerar-se

“pena”59 o resultado do acordo realizado em uma Transação Penal. Tampouco “acordo” é o

que existe junto ao Ministério Público, visto a diferença entre as partes, mais acima relatada.

Finalizando este princípio “Observe-se que no Direito brasileiro apenas no inquérito é

que não existe a igualdade processual. Se houvesse tal regra no inquérito, a Polícia

57 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.45.58 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.45.59 O entendimento de Mirabete parecer ser contrário C.f. MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados EspeciaisCriminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.152.

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encontraria obstáculos maiores ainda na colheita de provas, por razões que nos parecem

óbvias” 60.

3.1.7 Princípio da Iniciativa das Partes

Encontra-se disposto logo abaixo, quando discorre Tourinho Filho, que, devido à

existência deste princípio, não se pode pensar em processo sem a existência das partes, sendo

assim, jamais poderia se pensar em elaborar uma Transação Penal na qual, no momento da

audiência, não estivesse presente o Representante do Ministério Público, bem como não

poderia o Juiz61 propor acordo para que posteriormente seja levado à apreciação daquele. Se

se defende a idéia de que não se trata de processo e sim de procedimento o que ocorre nos

Juizados Especiais Criminais, se reforça a idéia de que jamais poderia ser chamada pena as

restrições ou os serviços à comunidade que é imposto ao Suposto Autor Dos Fatos. Assim

observa-se Tourinho Filho:

Segundo esse princípio, cabe à parte provocar a prestação jurisdicional. Talprincípio vem cristalizado no velho aforismo nemo judex sine actore ou neprocedat judex ex officio: não há Juiz sem autor, ou: o Juiz não pode proceder, nãopode dar início ao processo, sem a provocação da parte.

Se a ação penal é o direito de se invocar a tutela jurisdicional-penal do Estado,não se concebe, por incongruente, que o próprio Estado-Juiz invoque a si mesmoa tutela em apreço. O próprio Juiz estaria solicitando uma providência a si mesmo.Haveria, como muito bem diz Carnelutti, jurisdição sem ação, como se tem noprocesso de tipo inquisitório. E acrescenta: por não admitir esta verdade, simplese óbvia, o Código (italiano) enredou-se na absurda concepção de uma ação quecompete ao Juiz, em lugar da parte, ou seja, de uma ação que se identifica com ajurisdição, ou, ao menos, que se transforma em jurisdição, o que é um verdadeiromonstro de lógica processual (Lecciones sobre el proceso penal, trad. Santiago S.Melendo, v. 2, p. 14).

Desse modo, ocorrendo um crime de ação pública, cabe ao Estado-Administração, representado pelo Ministério Público, levar o fato aoconhecimento do Estado-Juiz e pedir-lhe a aplicação da sanctio júris àquele queviolou a lei penal. Se se trata de crime de alçada privada, cabe ao ofendido oua quem legalmente o represente idêntico direito. É, portanto, o próprio titulardo direito à ação quem deve ou quem pode provocar a função jurisdicional.Nisto, pois, consiste o princípio da "iniciativa das partes".

Assim, nos termos do art. 24 do CPP, é o órgão do Ministério Público quempromove a ação penal (início do processo) nos crimes de ação pública, por

60 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.48.61 Quanto a isto Mirabete concorda em parte, C.f. MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais:comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.131.

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meio daquela petição que se chama denúncia. Nos termos do art. 30 do mesmoestatuto, é o ofendido ou seu representante legal quem a promove nos crimes dealçada privada. Tal princípio no nosso Direito constitui regra, e nem por viaoblíqua pode ser desnaturado. E o que se dessume do art. 28 do CPP. Quando oPromotor requer o arquivamento de um inquérito, por entender, por exemplo,que o fato não constitui crime sequer em tese, o Juiz, não acolhendo suasponderações, o máximo que poderá fazer é remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, Chefe do Ministério Público, para que diga a última palavrasobre o assunto. O Juiz não pode obrigar o Promotor a oferecer denúncia; casocontrário, estaria, por via oblíqua, quebrando o princípio do ne procedat judexex officio.

Até antes do advento da Carta Política de 1988, permitia-se ao Juiz oexercício da ação penal condenatória: quando se tratasse de contravenção oude homicídio e lesões culposos. Hoje, dispondo o art. 129,I, da Constituição,ser privativo do Ministério Público o exercício da ação penal pública (enaqueles casos a ação penal é pública), desapareceu o denominadoprocedimento ex officio, cujo ato de iniciativa cabia à Autoridade Policial eao Juiz. Observe-se, contudo, ter ficado extinto o poder que se conferia aoJuiz de dar início à ação penal condenatória naqueles casos. Todavia, como onosso Processo Penal não é um Processo Acusatório ortodoxo, isto é, fiel aosseus princípios, o procedimento ex officio não se extinguiu de todo... Tanto éverdade que o Juiz pode conceder habeas corpus de ofício (e o habeas corpusé uma verdadeira ação penal popular), decretar, sem provocação de quem querque seja, prisão preventiva (e a prisão preventiva é ação cautelar), requisitarinquérito, ser destinatário da representação e determinar a produção deprovas, na dicção do art. 156 do CPP62.

Ao observar o transcrito acima se percebe que é imprescindível a presença do

Representante do Ministério Público às audiências de Transação Penal se se quiser respeitar o

princípio disposto. Outra implicação do que fora acima exposto recai sobre a não existência

de fato de um Processo Penal, pois, como já salientado, com a realização do acordo

(transação), não é apresentada a peça acusatória pelo Ministério Público, ou seja, a denúncia.

Sendo assim o Estado-Juiz não fora provocado para uma ação penal. Observado isto se passa

adiante.

3.1.8 "Ne eat judex ultra petita partium"

É possível entender-se tal princípio como se, em existindo um contorno ou limite do

que está sob Juízo, o Juiz não poderia ultrapassar. Existem algumas exceções que não serão

tratadas aqui por referir-se a processos da competência do Júri.

62 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.49.

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A primeira vista, contendo o TC, elementos que constituam a descrição de fato

reconhecido como IPMPO, sendo nominado de forma equivocada pelo representante do

Ministério Público, não haveria impedimento para o Juiz, detentor de conhecimento jurídico,

ajustar a definição mais própria ao caso específico (conforma a leitura da citação de Tourinho

Filho). Porém se observar-se cautelosamente uma audiência na qual aconteça a Transação

Penal, percebe-se que tal ajuste elaborado pelo Juiz poderá ser entendido como um ultrapassar

de limites, porque os elementos constitutivos da “infração” estão presentes no TC, que é de

fato pertencente ao Ministério Público, o qual elaborará outra peça acusatória caso o

SUPOSTO AUTOR DOS FATOS não concorde em transacionar. O Suposto Autor Dos Fatos

transaciona pela possibilidade de ter existido uma IPMPO e não por ter existido de fato esta

infração, pois nenhuma peça acusatória fora recebida pelo juiz e processada ao ponto de se ter

esta certeza real. Mesmo porque o Suposto Autor Dos Fatos ao transacionar não aceita ter

cometido o que lhe é imputado63. A transação, como já exposto, não gera este efeito.

Embora possa ser usado subsidiariamente o disposto no Código de Processo Penal

para fins dos Juizados Especiais Criminais, este princípio somente terá utilidade quando no

procedimento sumaríssimo64.

Tourinho Filho:

Iniciada a ação, quer no cível, quer no penal, fixam-se os contornos da res injudicio deducta, de sorte que o Juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhefoi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Daí "se segue que ao Juiz nãose permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autore sobre as exceções e nos limites das exceções deduzidas pelo réu". Quer dizerentão que, do princípio do ne procedat judex ex officio, ou, como dizem osalemães, do princípio do Wo kein Anklãger ist, Da ist auch kein Richter (ondenão há acusador não há Juiz), decorre uma regra muito importante, de aplicaçãotanto no cível como no penal: ne eat judex ultra petita partium, isto é, o Juiznão pode dar mais do que foi pedido, não pode decidir sobre o que não foisolicitado.

Assim, se o Promotor, na denúncia, imputa ao réu um crime de furto, e, afinal,apura-se que ele cometeu outro crime completamente diverso (estupro, p. ex.), enão o de furto, não pode o Juiz proferir condenação pelo estupro, que não foipedida, e muito menos quanto ao furto que não ocorreu. Todavia, se oPromotor, na denúncia, descreve um crime de estupro (que efetivamenteocorreu), mas, ao nominar a infração, tal como exige o art. 41 do CPP,classifica-a como sedução (CP, art. 217), ou furto (CP, art. 155), o Juiz, aoproferir sentença, poderá condenar o réu nas penas do art. 213 (estupro), sem

63 Efeitos da transação, MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência,legislação. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.16164 Matéria não pertinente a este estudo.

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necessidade de qualquer providência, como permitido pelo art. 383 do CPP.Diz-se até que, nesse caso, nem existe a mutatio libelli (modificação,alteração da peça acusatória), mas sim uma verdadeira emendatio libelli,porquanto o fato continuou o mesmo, deu-se, apenas, definição jurídicadiversa. Aí, evidentemente, não há julgamento ultra petitum. O Juiz deu aosfatos, tão-somente, a correta classificação. É o jura novit cúria, livre dicçãodo direito objetivo, porque o Juiz conhece o Direito. O acusado defendeu-se dofato que lhe foi imputado. E o Juiz, condenando-o por aquele fato, estásimplesmente obedecendo ao princípio da correlação entre fato contestado esentença.

Se, por acaso, o Promotor denuncia alguém como incurso nas penas do art. 155,caput, do CP, correspondendo a classificação ao narrado na peça vestibular daação penal, e, no curso da instrução criminal, apura-se que o réu tinha aprecedente posse ou detenção da res, cumpre ao Juiz tomar aquela providênciaapontada no caput do art. 384 do CPP e, depois, proferir sentença, mesmoporque o réu se defendeu da imputação de um furto e não de uma apropriaçãoindébita. Não se atentando para a regra do art. 384, caput, ante eventualcondenação, não haveria uma correlação entre fato contestado e sentença.Observando-se, a apropriação indébita seria objeto de manifestação da defesae, na hipótese de condenação, haveria correlação entre a sentença e a acusaçãocontestada.

Se o Promotor oferece denúncia contra X, imputando-lhe um crime de sedução,e, na instrução criminal, apura-se ter havido um verdadeiro estupro (nainstrução é que se descobriu ter havido violência), nesse caso, cumpre ao Juizobservar o disposto no parágrafo único do art. 384 do CPP, porquanto, nahipótese, em virtude daquela circunstância elementar encontrada nos autos, apena será majorada. Não tomando a providência apontada no art. 384 ou noparágrafo único nas duas últimas hipóteses, haverá um julgamento ultrapetitum. Do contrário, não. A propósito, o ensinamento de Giovanni Leone:"O que efetivamente vincula o Juiz, isto é, o que delimita o campo do seupoder de decisão, não é a demanda ou o requerimento de condenação e, sim, adeterminação do fato submetido à indagação do Juiz" (Trattato, cit., p. 129).Realmente, o princípio do ne eatjudex ultra petita partium, também conhecidocomo sententia debet esse conformis libello, vale, no Processo Penal, "paraassinalar os limites da correlação entre fato controvertido e fato decidido" (cf.Leone, Trattato, cit., p. 129). Quer dizer então que o nosso CPP não "repudioua proibição de sentença condenatória ultra petitum", conforme assinalou oMinistro Francisco Campos, na Exposição de Motivos que acompanha o CPP.Manteve-a; e tanto é exato que adotou as providências apontadas no art. 384 eseu respectivo parágrafo (nesse sentido, Frederico Marques, Elementos, cit., p.192).

As hipóteses previstas nos arts. 383 e 384, caput, do CPP não são, em rigor, decondenação in pejus, mas, como diz Frederico Marques, de consagração doprincípio do jura novit cúria (Elementos, cit., p. 192), não tendo, assim, razãoo Ministro Francisco Campos, ao salientar, na Exposição de Motivos queacompanha o CPP, que este repudia a proibição de sentença condenatória ultrapetitum ou "condenação in pejus". O que o Código repudiou foi a proibição doprincípio da livre dicção do direito objetivo (jura novit cúria) em toda equalquer hipótese. Sim, antes do atual Código de Processo, como o Promotornão podia retificar a classificação feita na denúncia para impor ao réu sançãomais grave, então o Juiz era obrigado a julgar nulo o processo ou

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improcedente a ação penal, conforme o caso. E o Promotor deveria apresentarnova denúncia, se ainda não estivesse extinta a punibilidade pela prescrição ououtra qualquer causa. Atualmente, vigendo o princípio da livre dicção dodireito, dispõe o art. 383 que "o Juiz poderá dar ao fato definição jurídicadiversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência,tenha de aplicar pena mais grave". E Frederico Marques explica: "Aqualificação a ser dada aos fatos constitui juízo de valor que pertence,preponderantemente, ao órgão jurisdicional — narra mihi factum dabotibijus" (Elementos, cit., p. 192). Aliás, nesse caso, o réu não estaria sendocondenado por fato diverso, e sim pelo mesmo fato que lhe foi imputado.Houve, apenas, equívoco na sua qualificação jurídico-penal. Mas, como já sedisse, o Juiz conhece o Direito (jura novit cúria)65.

Referência a este princípio poder-se-ia apontar um exemplo: os casos em que o

ofendido, ao dar elementos para confeccionar a sua queixa, refira-se como difamação o crime

de injúria. O que, por ventura, venha se aperceber o juiz e, de forma acertada, corrigindo a

tipificação da conduta, conduza o entendimento para o correto viés. Mas isto só terá

implicações no procedimento sumaríssimo, que não é objeto do presente estudo.

Ciente quanto ao princípio acima referido, lembrando que se transcreveu aqui

meramente o que é pertinente ao estudo, passe-se ao próximo princípio.

3.1.9 Princípio da Identidade Física do Juiz

Este princípio, assim como os demais, tem de ser observado com extrema atenção,

uma vez que nos Juizados Especiais Criminais ele se torna imprescindível. Em um

procedimento célere, simplificado e informal, as informações chegam muito rapidamente à

apreciação do juiz, o qual deve ser detentor de conhecimento acurado para não se cometerem

erros crassos. Impossível é de se imaginar uma solução à altura da demanda se se altera o

magistrado até findo o procedimento no qual a maioria das informações é colhida oralmente.

Observa-se o que disciplina Tourinho Filho:

Vigora no Processo Penal o princípio da identidade física do Juiz? No ProcessoCivil, o art. 120 do Código ab-rogado admitia a vinculação do Juiz aosprocessos cuja instrução houvesse iniciado. E a tal ponto chegou aqueleprincípio no Código anterior que o Juiz, mesmo aposentado, transferido oupromovido, continuava vinculado ao processo cuja instrução iniciara. O atualCPC manteve o mesmo princípio, sem os exageros da legislação passada. Apropósito, o art. 132: "O Juiz, titular ou substituto, que concluir a audiênciajulgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquermotivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu

65 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.50.

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sucessor. Em qualquer hipótese, o Juiz que proferir a sentença, se entendernecessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas".

No nosso CPP, ou até mesmo em qualquer lei processual penal extravagante,não há nenhuma regra que estabeleça esse princípio. Pelo contrário. É muitocomum um Juiz receber a denúncia, outro interrogar o réu, as testemunhasserem ouvidas por outro e por outro ser ele sentenciado. É possível que, com asreformas setoriais que o Processo Penal está sofrendo, venha o princípio aressurgir66.

Embora não se tenha referência legal para o Processo Penal obedecer ao princípio

acima descrito, nos Juizados Especiais Criminais é imprescindível que ele ocorra, pelos

motivos já apontados acima, e por interferir na correta materialização dos princípios dos

Juizados Especiais Criminais, os quais serão abordados mais adiante.67

Este princípio, para efeito deste trabalho, não é de grande relevância, uma vez que, se

materializando a Transação Penal, o pouco contato com que o transacionado terá com o juiz

será uma audiência.

3.1.10 Princípio do Devido Processo Legal

Este princípio, embora extremamente simples e fácil de entender, torna-se um

verdadeiro labirinto quando se quer levá-lo aos Juizados Especiais Criminais, em específico

às Transações Penais. De início percebe-se que, existindo Lei que discipline os Juizados

Especiais Criminais e seu procedimento, deu-se o devido processo legal ao materializá-lo.

Porém tem de se pensar que em se tratando de um procedimento para evitar um Processo

Penal, quando da transação, tudo se complica. Não é possível afirmar que fora ofertado todas

as oportunidades e ferramentas necessárias para o Suposto Autor Dos Fatos se defender, ou

mesmo expor seus motivos e/ou as circunstâncias que o levaram a agir desta ou daquela

maneira. Principalmente no âmbito Penal.

O procedimento no qual se beneficia o Suposto Autor Dos Fatos não lhe garante

oportunidades de provar sua inocência, sendo prejudicial em muitos casos, pois o agente

detém o direito à Tutela Jurisdicional para isto. A Transação Penal, quando o Agente é

inocente, torna-se um procedimento no qual quem mais lucra é o Estado. A vantagem do

inocente seria um sistema mais eficiente e que ofertasse as oportunidades necessárias. Sabe-se

66 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.56.67 Modificações foram realizadas, posteriormente a este estudo, no código de processo penal que resultaram,dentre outras coisas, na inclusão do §20 do art. 399.

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que a demora em um Processo Penal não é devido os prazos dados às partes, bem como a

quantidade de instrumentos fornecidos para garantir a obtenção do procedimento mais justo, é

sim pela demora do Estado-Juiz em apreciá-los. Seria, inclusive, de se pensar que ele (o

Estado) não “se preocupa” em favorecer os cidadãos, mas sim a “si mesmo”. Como se o

Estado não fosse e representasse da vontade do povo. Isto contrariaria todos os princípios

fundamentais a ele inerentes.

Atenta-se agora para o que disciplina Tourinho Filho:

Entre nós, embora sem expressa disposição legal, sempre se observou oprincípio do due process oflaw. Hoje, contudo, foi ele erigido à categoria dedogma constitucional. Assim dispõe o art. 5.°, LIV, da Constituição de outubrode 1988: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devidoprocesso legal". Já se passaram os tempos dos bills of attainder. Como bem dizRedenti, em síntese magnífica, o princípio se resume em se assegurar à pessoaa defesa em juízo, ou "em não ser privado da vida, liberdade ou propriedade,sem a garantia que pressupõe a tramitação de um processo, segundo a formaestabelecida em lei" (Diritto processuale civile, v.l, p. 31). Já houve quempensasse que, em face do princípio, haveria dificuldade para a decretação daprisão preventiva. Sem razão, contudo. As prisões preventivas continuarão,dês que observadas as prescrições legais.

Couture dá a mesma lição: "Em última análise, o due process of law consisteno direito de não ser privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia quesupõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei"(Fundamentos dei derecho procesal civil, 1951, p. 45). A Emenda V daConstituição norte-americana já proclamava que "no person shall be...deprived of life, liberty or property without due process of law..."68.

Até o momento observou-se principalmente a possibilidade da inocência do Suposto

Autor Dos Fatos, motivo pelo qual aparenta demonstrar não ser benéfico o uso da Transação

Penal, coisa que não é de todo verdade.

Observa-se que quando o agente realizou uma IPMPO, a materialização da Transação

Penal torna-se benéfica, pois as implicações ao Suposto Autor Dos Fatos são menores, ou

pelo menos mais brandas e visam desenvolver o civismo. Porém, não está, o Estado,

autorizado a “entender” que pode “chamar” de pena o que se impõe ao autor dos fatos,

justamente pela inexistência de um processo legal em seus termos próprios em virtude do que

preconiza a nossa Constituição Federal Brasileira De 1988 art. 5.°, LIV.

68 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.57.

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Só depois de todo um procedimento que evita um processo realmente dito, é que a

própria Lei 9099/95 dispõe de uma seção específica para o Procedimento Sumariíssimo

(art.77 e seguintes), que é de fato um processo simplificado, mas que terá as caracteristicas

necessárias de um processo.

O processo nos Juizados Especiais Criminais ocorre realmente após a não aceitação da

Transação Penal ou da não composição cível dos danos, pois até então se trata de

procedimentos. Isto se percebe, pois, seguindo o procedimento sem a aceitação da Transação

Penal, ao Suposto Autor Dos Fatos será dado novo benefício, que é a suspensão condicional

do processo, conforme art.78 e seguintes da Lei 9099/95, ocorrida quando o Ministério

Público, por intermédio do promotor, oferece representação que será reduzida a termo, e, na

audiência que será marcada, oportunizada a suspensão condicional do processo. O processo só

existirá definitivamente com a aceitação por parte do magistrado, da peça elaborada pelo

Ministério Público. Assim como da não aceitação da composição cível.

No caso de composição cível, não existe Processo Penal, pois o que se realizou fora

um acordo cível como o próprio nome diz69.

O fato mais interessante é que o Estado-Juiz não abre mão de suas obrigações quanto à

existência de um crime ao se realizar a composição cível (figura da descriminalização). Na

realidade a queixa-crime, até então, não fora recebida pelo juiz. A Tutela Jurisdicional Penal

ainda não foi provocada. Este efeito ocorre com a transação também, mais um motivo para

aproximar-se do ramo cível a Transação Penal e os efeitos de sua execução.

Para encerrar este princípio, observa-se que: não pode o agente ser privado de seus

bens, muito menos de sua liberdade, sem o devido processo legal. Caso entenda o magistrado

que, não sendo cumprido o acordo formulado numa transação, possa vir a converter a pena

imposta, em pena restritiva de liberdade, age erroneamente por ferir o princípio acima, uma

vez que inexistiu o processo que autorizaria esta medida.

Feitas estas observações passa-se ao próximo princípio.

3.1.11 Princípio da Inadmissibilidade das Provas Obtidas por Meios Ilícitos.

Segue o entendimento demonstrado na obra de 69 LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: naforma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.92.

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Este princípio por não implicar substancialmente no centro do estudo presente será

sucintamente disposto. Assim, aproveitando as palavras de Tourinho Filho:

Até o advento da Constituição de 1988 não havia, em nosso país, qualquerregra impeditiva de se produzir em juízo "prova obtida através detransgressões a normas de direito material". Apenas o art. 233 do CPP. Agora,contudo, toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos não será admitida emjuízo. É como soa o inc. LVI do art. 5.° da Constituição de outubro de 1988.Assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversaprivada por interferência mecânica de telefone, microgravadores dissimulados,uma interceptação telefônica, uma gravação de conversa, uma fotografia depessoa ou pessoas em seu círculo íntimo, uma confissão obtida por meioscondenáveis, como o famoso "pau-de-arara", o "lie detector" e, enfim, toda equalquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Constituição, seja emdesrespeito ao direito material ou processual, não será admitida em juízo.Trata-se de uma demonstração de respeito não só à dignidade humana, como,também, à seriedade da Justiça e ao ordenamento jurídico. O n. 2 do art. 5 do Pactode São José da Costa Rica, ao qual o Brasil depositou sua Carta de Adesão, dispõeque "ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,desumanos e degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratadacom o respeito devido à dignidade da pessoa humana". Ainda que nãotivéssemos no texto constitucional tais garantias, elas seriam válidas, à dicçãodo § 2.° do seu art. 5.°. É bem verdade que no direito comparado vamosencontrar duas posições diametralmente opostas: a da admissibilidade e a dainadmissibilidade. Mesmo nas legislações que admitem a primeira posição, nãohá nenhuma inflexibilidade. É o que se dá, por exemplo, no Direito belga,em que "a inadmissibilidade da prova ilícita está condicionada ao sistema denulidades previstas pela lei processual". Em Portugal, a inadmissibilidade "estácondicionada ao que dispuser a lei processual". Em outras legislações, ainadmissibilidade tem sido proclamada, em maior ou menor intensidade. NosEstados Unidos, a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas nos Estadosvem sendo observada desde 1961 e na Justiça Federal, desde 1914 (AlejandroD. Carrio, Garantias costitucionales en el proceso penal, Ed. Hammurabi,1997, p. 155).

Nenhuma legislação, exceto a brasileira, proclama, de maneira absoluta eperemptória, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meiosilícitos. Passamos à frente de todas as outras. Nenhum texto constitucionalproíbe, taxativamente, as provas obtidas por meios ilícitos. Só o brasileiro70.

Provas existentes num procedimento como dos Juizados Especiais Criminais, mais

precisamente até a fase na qual se realizará uma transação, são meras afirmações que, quando

vem ao caso, encontram-se acompanhadas de um laudo pericial. A prova material referente à

substância encontrada com o agente (tóxico), bem como o exame do corpo da vítima não

revelam naquele o destino de uso ou comércio e neste o agente humano causador, inexistindo

assim fundamentos precisos de acusação. Existem sim as provas testemunhais, mas na fase

70 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,2004, p.57.

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que se realiza a transação, não são utilizadas. Com isto encerra-se as assertivas sobre este

princípio e entra-se em um novo tópico.

3.2 PRINCÍPIOS PROCEDIMENTAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Dá-se continuidade no presente estudo, observando-se a partir de agora os princípios

procedimentais dos Juizados Especiais Criminais, fazendo sempre que necessário uma

observação pertinente a linha de raciocínio proposta.

Expõem-se então os princípios que regem os procedimentos e o processo sumaríssimo

nos Juizados Especiais Criminais. Para isto se colhem os dizeres de De Jesus:

[...] ressaltamos a importância do art. 2º consagrando como princípios básicosdo procedimento os da oralidade, simplicidade, informalidade, economiaprocessual e celeridade, bem como o da busca incessante da conciliação ou datransação. Para uma Lei que busca estabelecer linhas gerais de processo noâmbito da competência legislativa concorrente, esses princípios já sãosuficientes para delinear a forma e os objetivos do procedimento especial. Soboutro aspecto, a oralidade, a informalidade e a possibilidade de transaçãoatendem ao desejo do constituinte de agilização da máquina judiciária, nosentido da pronta repressão das infrações penais menos graves71.

O doutrinador acima mencionado alude ao texto de Lei 9.099/9572: “Art. 2º O processo

orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e

celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”.

Observa-se em essência seis princípios aos quais dedicam-se os tópicos que seguem.

3.2.1 Princípio da Oralidade

Julio Fabbrini Mirabete, ex-Procurador da Justiça do Estado de São Paulo, consultor,

professor de Direito Penal e membro da Academia Paulista de Direito e do Instituto Manoel

Pedro Pimentel, do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo, que, a

partir deste momento, lhe será feita menção somente como Mirabete, discorre que, quanto à

lei, a mesma faz referência “ao princípio da oralidade, que preconiza a adoção da forma oral

no tratamento da causa, ou seja, a afirmação de que as declarações perante os juizes e

tribunais possuem mais eficácia quando formuladas oralmente, sem que se exclua por

71 JESUS, Damásio E. de. Leis dos juizados especiais criminais anotada. 8ª. ed. ver. e atual. São Paulo:Saraiva, 2003, p.3.72 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 2008

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completo, evidentemente, a utilização da escrita, imprescindível na documentação de todo o

processado”73, logo após complementa “Ao impor esse critério, quis o legislador aludir não à

exclusão do procedimento escrito, mas à superioridade da forma oral à escrita na condução do

processo”74.

Quanto à experiência, complementa Mirabete:

[...] tem demonstrado que o processo oral é o melhor e o mais de acordo com anatureza da vida moderna, como garantia de melhor decisão, fornecida commais economia, presteza e simplicidade. De qualquer forma, não é excluída,nem poderia ser, a forma escrita, dispondo-se no art. 64, § 3º, que "serãoobjeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais" e que"os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão sergravados em fita magnética ou equivalente". Na verdade, pelo princípio daoralidade, o que se vê é o predomínio da palavra falada sobre a escrita, semque esta seja excluída75.

Fazendo referência agora ao objeto do presente estudo, continua Mirabete:

Quanto aos Juizados Especiais Criminais prevê a lei a elaboração pelaautoridade policial de termo circunstanciado que deverá conter breve resumodos fatos (art. 69, caput), e esse relato evidentemente será fundado nasinformações orais do apontado como autor do fato, da vítima, dastestemunhas, dos agentes policiais etc. Serão orais também os esclarecimentosque o juiz, na audiência preliminar, deve fazer às partes sobre a possibilidadede composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata depena não privativa de liberdade (art. 72), as propostas e a aceitação ou não dacomposição,reduzindo-se a termo seu resultado (art. 74), a proposta peloMinistério Público da transação e sua aceitação ou não (art. 76), ooferecimento da denúncia (art. 77), o oferecimento da queixa (art. 77, § 3º), adefesa prévia (art. 81, caput), a oitiva da vítima e testemunhas, o interrogatóriodo acusado e os debates (art. 81, caput e parágrafos)76.

Fazendo uma analogia, o princípio da oralidade como uma luz que atravessa um

prisma. A luz se decompõe dando origem a novas cores, o princípio origina ou aporta novos

princípios, conforme discorre abaixo Mirabete:

Da obediência ao princípio da oralidade seguem-se outros princípioscomplementares dele desmembrados como os princípios da concentração, do

73 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.33.74 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.3375 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.33.76 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.33

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imediatismo, da identidade física do juiz e da irrecorribilidade das decisões,embora não sejam estes inseparáveis do norteamento obrigatório inicial.

Pelo princípio da concentração estabelece-se que os atos processuais sejamreunidos, os mais concentrados possível e que sejam realizados numa únicaetapa ou ao menos em um número mínimo de audiências. Quanto maispróximas estas da decisão, menor é o perigo do esquecimento pelo juiz e pelaspartes das impressões pessoais e dos fatos que a memória registra, bem comomaior a probabilidade de se obter a verdade real.

Pelo princípio do imediatismo, o juiz deve proceder diretamente à colheita detodas as provas, em contato imediato com as partes, propondo a conciliação,expondo as questões controvertidas da lide etc. Com isso, o magistrado recebe,sem intermediários, o material de que se servirá para julgar, obtéminformações e toma conhecimento de características e motivação das partesetc.

O princípio da identidade física do juiz, ou da imutabilidade do juiz, corolárioe complemento do princípio do imediatismo do julgar, preconiza que omagistrado deve seguir pessoalmente o procedimento desde o início até seutérmino, com a prolação da sentença. Evita-se, assim, que o feito seja julgadopor juiz que não teve contato direto com os atos processuais. Embora nãoadotado tal princípio no Código de Processo Penal, diante da necessidade detranscrição integral de depoimentos e das alegações finais, impõe-se suaaplicação no rito sumaríssimo do Juizado Especial Criminal, em quepredomina, nesse campo, o critério da oralidade, aplicando-se, por analogia, oart. 132 do Código de Processo Civil77.

Encerram-se as disposições sobre o princípio da oralidade e se passa ao próximo

princípio.

3.2.2 Princípio da Simplicidade

A procura elaborada no presente trabalho é, em parte, observar os princípios que

regem o procedimento dos Juizados Especiais Criminais, contrapondo-os aos do Processo

Penal. Com isto verificar se em alguns casos de IPMPO’s, pode-se levar em conta, em sua

mais alta expressão, unicamente os princípios dos Juizados Especiais Criminais. O que não

parece ser sensato.

O Princípio da simplicidade, por exemplo, no intuito de facilitar e acelerar o

andamento do processo (procedimento), quer queira ou não, implica também na possibilidade

da não apreciação dos fatos ocorridos com o rigor necessário (a busca pela verdade real). Os

motivos e as particularidades, enfim, os detalhes, são subtraídos para a identificação dos tipos

77 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.34.

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penais. Ao fazer isto se padronizam mais ainda os ilícitos e se desconsideram a

individualidade do agente e seus motivos. A verdade material fica comprometida em busca de

uma solução mais concordante com os reclamos sociais, os quais se direcionam à rápida

solução do problema. Fica na mão do Estado-Juiz o poder de constituir a “verdade”, isto pela

simples observação do juiz em uma audiência.

Mirabete direciona o entendimento preocupado com este último sentido:

Pela adoção do princípio da simplicidade ou simplificação, pretende-sediminuir tanto quanto possível a massa dos materiais que são juntados aosautos do processo sem que se prejudique o resultado da prestaçãojurisdicional, reunindo apenas os essenciais num todo harmônico. Tem-se atarefa de simplificar a aplicação do direito abstrato aos casos concretos, querna quantidade, quer na qualidade dos meios empregados para a solução dalide, sem burocracia. Valora-se a liberdade do juiz na determinação das provasa serem produzidas, bem como em sua apreciação, podendo valer-se dosindícios e presunções legais, calcando-se na razão e na ética para sanarpossíveis imperfeições da lei, ou abrandar seu rigor. Assim, prevê a lei adispensa do inquérito policial (art. 69) e do exame de corpo de delito para ooferecimento da denúncia com a admissão da prova da materialidade do crimepor boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § l9) etc. Por isso, a leiafasta do Juizado as causas complexas ou que exijam maiores investigações(art. 77, § 2a), como remete ao Juízo comum as peças existentes quando nãofor encontrado o denunciado para a citação pessoal (art. 78, § 1B, c. c. o art.66, parágrafo único) etc. Em conseqüência do princípio, também se declaraque "não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo"(art. 65, § le); que, na sentença, é "dispensado o relatório" (art. 81, § 3e) etc78.

Não é que se defenda neste presente trabalho a burocracia, como faz menção o

doutrinador acima referido, porém tem de se pensar que a escolha adotada para solução dos

ilícitos abrangidos acabou por diminuir-lhes a importância, tanto na sua verificação material

quanto no resultado para quem o produz o ato ilícito.

3.2.3 Princípio da Informalidade

Expõe-se a citação a seguir no intuito de ser colhido de seu conteúdo o que fizer

referência ao princípio particularizado neste tópico e também no identificado pelo nº 2.3.1.

Pedrosa:

Mas a nossa Lei 9.099/95 já deu um largo salto para, ao menos, reduzir ovolume desses "autos". Os arts. 65 § 3º e 81 § 2º refletem que o princípio daoralidade e também o da informalidade se conjugam, para deixar claro que

78 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.35.

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somente o que for indispensável, essencial para a compreensão, seja registradopor escrito.

Adeus aos carimbos de "conclusão", "data", "vista", e outros. Havendo prazosa respeitar, sem dúvida, o servidor encarregado do feito terá o cuidado deanotar as datas, apenas para se conferir a observância dos lapsos temporais(v.g., o prazo de interposição de apelação).

Já poderão os depoimentos ser gravados em fita magnética, evitando otranstorno da praxe usual de a parte formular sua pergunta, o Juiz refazê-la àtestemunha, essa responder, o Juiz ditar para o Escrivão e este transcrever.Nessa cerimônia, além do tempo que se perde, poder-se-á deturpar o sentidoda fala da testemunha, o que é mais importante evitar. [...] Assim, o ideal, paraevitar toda essa carga de subjetividade que antecede e coincide com a colheitada prova oral, é o aparelhamento do Judiciário que possibilite sejam asaudiências gravadas em fitas de vídeo, para que exista a perfeita demonstraçãodo testemunho. Mesmo porque, não raro, as expressões faciais, os incômodos,as reticências das testemunhas são de suma importância para o julgamento, ecolocar essas situações no papel, não raro, é dificílimo, quando nãoimpossível.

Qualquer que seja o método de gravação, não poderá haver sua destruição,pois será cabível, em caso de condenação, a revisão criminal79.

Após a observação pertinente acima, complementa-se agora com o raciocínio de

Mirabete:

Decorrência do princípio da instrumentalidade das formas, hoje reinante noProcesso Civil (art. 154, do CPC), o princípio da informalidade revela adesnecessidade da adoção no processo de formas sacramentais, do rigorismoformal do processo. Embora os atos processuais devam realizar-se conforme alei, em obediência ao fundamental princípio do devido processo legal, deve-secombater o excessivo formalismo em que prevalece a prática de atos solenesestéreis e sem sentido sobre o objetivo maior da realização da justiça. Há umalibertação do formalismo, substituído pela finalidade do processo.

Não se deve esquecer, porém, que não se pode, a pretexto de obediência aocitado princípio, afastar regras gerais do processo quanto a atos que possamferir interesses da defesa ou da acusação ou causar tumulto processual,dispondo aliás a lei que devem ser aplicadas subsidiariamente nos Juizados asdisposições do Código de Processo Penal no que não forem incompatíveiscom ela (art. 92).

Sem dúvida, o Juiz não está isento de observar um mínimo de formalidadesessenciais para a prática de determinados atos processuais. Não se trata,portanto, de excluir atos processuais, mas da possibilidade de praticá-los deforma livre, de modo plausível, desde que sejam aptos a atingir sua finalidade.Essa liberdade, porém, não existe quando a própria lei determina forma

79 PEDROSA, Ronaldo Leite. Juizado Criminal: Teoria e Prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997,p.57.

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procedimental exclusiva, como ocorre com relação à citação do acusado, queserá sempre pessoal, no Juizado ou por mandado (art. 66).

Atendendo ao princípio da informalidade, há determinação na lei de que osatos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para asquais foram realizados, atendidos os critérios estabelecidos na lei (art. 65); quea prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada porqualquer meio hábil de comunicação (art. 65, § 2a); que a intimação poderá serfeita por correspondência com aviso de recebimento ou ainda por qualquermeio idôneo de comunicação (art. 67); e, finalmente, que não se pronunciaráqualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo, o que, a contrario sensu im-põe a decretação da eiva no caso de efetivo prejuízo à parte. Dispõe-se aindaque "serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos poressenciais" (art. 65, § 3a); que é dispensado o relatório da sentença (art. 81, §3a) e que, se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmulado julgamento servirá de acórdão (art. 81, § 5a). Predomina também ainformalidade da audiência preliminar, quando se tenta a conciliação, em quese reúnem o autor do fato, a vítima, o representante do Ministério Público e oresponsável civil (art. 72), bem como nos atos de proposta da transação (art.76, caput) e sua apreciação pela defesa (art. 77, §§ 3a e 4a)80.

O doutrinador adota aqui, assim como antes, a postura de que se devem utilizar as

formas procedimentais simples, informais, quando não prejudicarem as partes, porém em sua

referência pouco acima se subtrai que “devem ser aplicadas subsidiariamente nos Juizados as

disposições do Código de Processo Penal no que não forem incompatíveis com ela (art.

92)”81, assim o entendimento mais próprio disto é que em vez de dispor da possibilidade de

usar ou não o procedimentalismo dos Juizados Especiais Criminais, usa-se ou não o

Procedimento Penal quando este não ferir o outro.

3.2.4 Princípio da Economia Processual

Pelo princípio da economia processual, entende-se que se deve escolher, entre duas

alternativas, a menos onerosa às partes e ao próprio Estado. Procura-se sempre buscar o

máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atos processuais ou

despachos de ordenamento, desprezando-se os inúteis. Não significa isto que se suprimam

atos previstos no rito processual estabelecido na lei, mas a possibilidade de se escolher a

forma que causa menos encargos. Sendo evitada a repetição inconseqüente e inútil de atos

procedimentais, a concentração de atos em uma mesma oportunidade é critério de economia

processual. Exemplos dessa orientação são a abolição do inquérito policial e a disposição que

80 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.36.81 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.36.

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prevê a realização de toda a instrução e o julgamento em uma única audiência, evitando-se

tanto quanto possível sua multiplicidade. Além disso, preconiza-se o aproveitamento dos atos

processuais, tanto quanto possível, poupando-se tempo precioso, tão escasso nas lides

forenses diante da pletora de ações propostas. Dispõe a lei, aliás, que os serviços de cartório

poderão ser prestados e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou

cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos (art. 94). Nada impede,

ao contrário, é recomendável que, para a documentação dos atos processuais, sejam utilizados

formulários impressos com espaços para serem preenchidos pelos auxiliares da justiça,

poupando-se o tempo de redação integral desses documentos.

Optar-se pela alternativa processual menos onerosa e concentrar os atos, bem como

subtrair os desnecessários, assim descreve mais diretamente o doutrinador acima, vê-se agora,

aproveitando para ao final adentrar no próximo princípio, o que afirma Grinover:

O princípio da economia processual informa praticamente todos os critériosaqui analisados, estando presente em todo o Juizado, desde a fase preliminaraté o encerramento da causa: evita-se o inquérito; busca-se que o autor do fatoe a vítima sejam desde logo encaminhados ao Juizado; pretende-se que,através de acordos civis ou penais, não seja formado o processo; para aacusação, prescinde-se do exame de corpo de delito; as intimações devem serfeitas desde logo; o procedimento sumaríssimo resume-se a uma só audiência.

Todos esses aspectos apontados tendem a imprimir grande celeridade aoJuizado Especial.

Fez questão o legislador, entretanto, de ressaltar, no capítulo sobre oprocedimento sumaríssimo, que "nenhum ato será adiado" (art. 80).

Por isso, o que faça prevalecer a celeridade deve ser admitido. Assim, apossibilidade de a vítima e o autor do fato irem diretamente ao Juizado, ou aele serem encaminhados por policiais militares. Melhor seria, todavia, que nosJuizados permanecesse sempre uma autoridade policial, a qual poderia, deimediato, atender os envolvidos, dirigindo-os para a audiência de conciliação,ou, não sendo possível, agendando desde logo a data da audiência82.

Aproveita-se o relato do autor quanto à celeridade para adentrar-se no próximo item,

sem antes deixar de inferir que, mais exemplificativos foram os doutrinadores desta última

citação que, comentando sobre fatos mais comuns, dão exemplos da economia processual.

82GRINOVER, Ada Pelegrini. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9,099, de 26.09.1995. 3ª. ed.

rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.75.

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3.2.5 Princípio da Celeridade

Já iniciado pouco antes tal princípio, verifica-se o que discorre Mirabete:

A referência ao princípio da celeridade diz respeito à necessidade de rapidez eagilidade no processo, com o fim de buscar a prestação jurisdicional no menortempo possível. No caso dos Juizados Especiais Criminais, buscando-sereduzir o tempo entre a prática da infração penal e a solução jurisdicional,evita-se a impunidade pela porta da prescrição e dá-se uma resposta rápida àsociedade na realização da Justiça Penal. O interesse social reclama soluçõesimediatas para resolver os conflitos de interesses e é uma exigência datranqüilidade coletiva.

Aliando-se esse princípio da celeridade aos da oralidade, concentração esimplicidade, agiliza-se o procedimento e possibilita-se que se alcance maisfacilmente tal desideratum. Por isso, prevê a lei que a autoridade policial,tomando conhecimento da ocorrência, deve lavrar o termo circunstanciado,remetendo-o com o autor do fato e a vítima, quando possível, ao Juizado.Estando presentes esses no Juizado, já se pode realizar a audiência preliminar,propondo-se a composição e, em, seguida, a transação, que, obtidas, serãohomologadas pelo juiz. Permite-se, ainda, em termos gerais, que os atosprocessuais sejam realizados em horário noturno e em qualquer dia da semana(art. 64). Nesse mesmo sentido de celeridade, dispõe a lei que a citação podeser feita no próprio Juizado, que nenhum ato será adiado, determinando o Juiz,quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer (art.80) etc83.

Conforme será empenhado estudo para trazer à discussão o assunto da coerção, senão

diretamente pelo menos indiretamente, referente à condução de quem deva comparecer (final

da citação acima) ou a imposição da necessidade de tal procedimento processual (realização

da transação) fundado na prestação da Tutela Jurisdicional Penal, será visto que tal

procedimento é direito do Suposto Autor Dos Fatos e não propriamente um dever

(comparecer a audiência e realizar a transação), vez que se trata de espécie de benefício,

porquanto ameniza os efeitos decorrentes dos ritos normais do Processo Penal. Levando a crer

que não há necessidade de coerção senão pela “fome” que tem o Estado-Juiz de evitar

Processos Penais. Por fim se verificará que não é mais benéfica a Transação Penal para o

agente em determinados casos, devido à existência da figura da prescrição punitiva.

3.2.6 Princípio da Busca Incessante da Conciliação ou da Transação

83 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.37.

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Tal princípio demonstra claramente a dubiedade de interesse da criação ou existência

da Lei 9.099/9584 no caso da transação, uma vez que buscar a conciliação é possível de se

entender, pois tanto a vítima quanto o Suposto Autor Dos Fatos ganhariam tal fim, porém,

quanto à busca incessante da transação é de se pensar, pois em todos os casos parece ser mais

benéfica para o sistema judiciário e para o Suposto Autor Dos Fatos só quando realmente é

culpado, ou tem grande possibilidade de não conseguir provas do contrário.

Precisa-se imaginar que até o momento procedimental quando ocorre a possibilidade

de transação, pouco o sistema judiciário fora movido e poucas provas existem na maioria das

vezes.

Até então nenhum processo jurídico penal ocorreu ou está ocorrendo com condições

suficientes de se comprovar nada além de possibilidades.

Como já comentado neste trabalho, a existência de uma pena neste instante é somente

possível pela nomenclatura dada aos efeitos da Transação Penal, ou seja, os dizeres do art. 76

da Lei 9.099/9585. Fora esta previsão legal, o entendimento possível seria somente de

“cumprimento de acordo”, não “pena”.

A sentença decorrente de um processo de natureza penal constitui direito do Estado de

executá-la, tolhendo certos direitos e por vezes a própria liberdade do apenado. Mas neste

caso todas as oportunidades foram oferecidas para o Réu provar sua inocência.

Porém a sentença homologatória de Transação Penal implica meramente em um

acordo que não deveria gerar implicações quanto à execução penais e suas formas de

efetivação (não há o devido processo legal penal em uma transação). A forma de garantir a

execução de uma Transação Penal poderia ser diversa. Da maneira em que se apresenta

atualmente se observa a criação de um meio termo nos Ramos do Direito, que nasce dividindo

o Penal e o Cível.

Uma alternativa, quem sabe, respeitando o que ocorre na Conciliação que tem

implicações meramente cíveis, seria a autorização para, o Estado, exigir o cumprimento de

uma Transação Penal descumprida, pela via de Execução Fiscal, que é a forma na qual o

84 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 200885 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 2008

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Estado cobra civilmente um crédito. Só que para isto deveria a sentença ser líquida e certa ao

final. Deixando de lado os devaneios, observamos o que disciplina Mirabete:

Sem abandonar a finalidade do processo, segundo o Código de ProcessoPenal, que é o de descobrir a verdade real, dispõe-se na Lei no. 9.099/95 quese deve buscar, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Assim, seuobjetivo primordial é, com um mínimo de formalidades, buscar a paz social,relativamente a pratica das infrações de menor gravidade. Para isso se procuracompor o dano social resultante do fato, prevendo-se a reparação imediata dodano, ao menos em parte, com a composição, ou a transação, na lei tida comoa aceitação pelo autor do fato de penas não privativas de liberdade, como,aliás, preconizado na doutrina moderna, que as tem como suficientes para aresponsabilidade penal do autor dessas infrações menores quando nãoindiquem estas periculosidade do agente. Tais medidas, antes vedadas na áreacriminal quanto às ações penais públicas, passaram a ser admitidas pelaConstituição Federal nas causas de competência dos Juizados Especiais (art.98, I). Com isso, mitiga-se o princípio da obrigatoriedade, que era de aplicaçãoabsoluta nas ações penais públicas. Possibilitam elas, no bojo doprocedimento, rápida solução do conflito de interesses, com a aquiescência daspartes envolvidas86.

Encerra-se esta parte na qual se abordou os princípios e adentra-se na seguinte que se

abordará o tema mais diretamente.

86 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed.São Paulo: Atlas, 2002, p.39.

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4 TRANSAÇÃO PENAL

Apesar de serem elaborados apontamentos durante toda a exposição dos tópicos

anteriores em relação à Transação Penal, este capítulo foi dedicado especialmente a ela, com a

apresentação de algumas de suas particularidades.

Tendo em vista que o presente trabalho não almeja esgotar o assunto, mas sim

apresentar particularidades sobre a Transação Penal, é sugerido que se tenha prévio

conhecimento sobre os Juizados Especiais Criminais. Sendo assim é aconselhável a leitura

dos títulos bibliográficos presentes no rol de referências, indicados ao final desta monografia.

4.1 IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO

Iniciando a exposição traz-se o que está disposto na Lei 9.099/95 fazendo referência a

Transação Penal:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal públicaincondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderápropor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a serespecificada na proposta. § 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a únicaaplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade. § 2º Não se admitirá a propostase ficar comprovado: I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática decrime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;II - ter sido oagente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação depena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem osantecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como osmotivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. §3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida àapreciação do Juiz. § 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceitapelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa,que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedirnovamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. § 5º Da sentençaprevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei. §6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará decertidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmodispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor açãocabível no juízo cível87.

87 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 2008

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Este dispositivo legal descreve a Transação Penal no âmbito dos Juizados Especiais

Criminais. Um instituto criado pela Lei 9.099/9588, através de uma previsão constitucional

surgida em 1988, em específico no art. 98, inciso I:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis demenor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, medianteos procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas emlei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeirograu89.

Um instituto simples, mas que implica em modificações consideráveis no que se

entendia por Processo Penal90.

Nesta Lei91 se descrevem separadamente os procedimentos cíveis e criminais, não

sendo feita referência aos princípios processuais do rito comum92, demarcando nitidamente

princípios próprios. Sendo assim, necessário é de se observar que existiu a vontade no

legislador de criar uma maneira procedimento especial, no qual não existisse a rigidez até

então encontrada nos processos, tentando evitá-los na realidade quando se trata da Transação

Penal.

Para continuar a desenvolver este tópico é preciso recordar que em itens anteriores

fora apresentado um escorço histórico, no qual se reconheceu a existência no passado, da

figura da composição no Direito Penal. Que também fora relatada uma gama de princípios

que regem o Processo Penal, bem como os que regem os Juizados Especiais Criminais e em

alguns momentos fora inferido a presença de conflitos entre os eles.

Feita esta observação, continua-se com a construção de um raciocínio no qual também

se faz necessário lembrar-se de elementos mais básicos.

88 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 200889 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 04 Set 2008.90 LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: na forma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.02.91 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 200892 Os princípios penais relatados anteriormente, bem como os princípios existentes no Processo Civil.

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O Estado é uma construção racional baseada em princípios e partes elementares. Este

ente não se move por si, sendo necessária a existência de pessoas que cumpram papéis e

realize ações. Estas pessoas podem ser pessoas humanas (físicas) ou jurídicas, sendo que estas

últimas obedecem à mesma lógica de autorizações para que, em fim, uma pessoa humana,

física, ao final haja e aja. A forma atualmente utilizada para a solução de ocorrências de fatos

considerados nitidamente nocivos à paz social é: 1) arrolá-los (Código Penal), 2) dar-lhes

nomes específicos (Crimes, Atos Infracionais, IPMPO, etc), descrevendo-os (tipos penais); 3)

descrever-se uma forma como devem ser processados, seguindo-se princípios (códigos de

processos afins); 4) obrigar o Estado a realizar o que planejamos sem poder desistir do intento

até se atingir um fim previsto.

Ou seja, de forma simplificada. Criou-se o Estado e as leis. O Estado passou a ter o

dever de solucionar os crimes de acordo com as leis, sem poder desistir deste dever até atingir

um fim previsto nestas mesmas leis. Para que consiga realizar suas obrigações, o Estado

dispõe da Polícia, do Ministério Público e Juízes, sendo que, cada um destes dispõe de

pessoas humanas pelo intermédio das quais se realizam atos93.

Com o Surgimento dos Juizados Especiais Criminais uma nova realidade surgiu nesta

história. Especificamente com o objeto do presente estudo, a criação da Transação Penal.

Agora o Ministério Público e o agente de determinados tipos penais podem elaborar um

acordo em que se evita dar início à provocação da tutela jurisdicional Penal. Ou seja, naquela

corrente demonstrada acima, se criou mais um elo. O Estado, em determinados casos,

constitui obrigações ou dívida para um Suposto Autor Dos Fatos em troca de não cumprir

algumas de suas funções, que é prestar a tutela jurisdicional penal.

Muita discussão pode surgir destes fatos, mas não se pode fugir desta realidade. A

Transação Penal é prevista na CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, mas

disciplinada em Lei Ordinária, de modo que não pode contrariar princípios constitucionais

como o do devido processo legal. O Processo Penal inicia-se com o recebimento da queixa-

crime ou da denúncia, ou seja, existindo uma peça acusatória. Só no Processo Penal é que se

93 Forma extremamente simplista decorrente da exposição rica e detalhada encontrada na obra de TOURINHOFILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: volume 1. 26ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p.01-18.

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podem obter penas. Com a Transação Penal não se faz a representação, não constituindo a

provocação da tutela jurisdicional penal94.

A Transação Penal é um acordo feito entre o Suposto Autor Dos Fatos e o Ministério

Público95, sendo que este promove a defesa de direitos complexos, pois dizem respeito à

sociedade como um todo, bem como a indivíduos singulares.

O Ministério Público, agora com a Transação Penal, está autorizado (ou tem o dever) a

reconhecer casos em que o Estado-Juiz pode abrir mão da ação penal. Desta maneira fica para

o Estado-Juiz uma “expectativa de Direito Penal violado” ou “uma não constituída

provocação da tutela jurisdicional penal”, que se desfaz com a Transação Penal, pois esta

impede a apresentação da denúncia ou da representação96.

Com isto tudo, um grande desafio surgiu para identificar o ramo do Direito a que

pertence o acordo decorrente da Transação Penal. Uma coisa pode-se perceber, que o acordo é

completamente estranho ao ramo do Direito Penal, tendo características marcantes de acordo

civil, semelhantes ao ocorrido na composição civil disciplinada por esta mesma Lei97, e

executadas via civil.

A Transação, levando-se em conta o até agora relatado, deveria ser líquida e certa, ou

seja, em havendo o descumprimento por parte do Suposto Autor Dos Fatos de sua obrigação

de fazer, o mesmo responsabilizava-se pelo pagamento do valor substituto. Não havendo, de

maneira alguma, forma de retorno a um processo crime. Constituir-se-ia uma dívida98.

Outra forma alternativa completamente diferente, porém não concordante com a

doutrina e a jurisprudência, contrariando inclusive texto legal99, mas que respeita os princípios

94 O próprio conceito trazido como na obra de Mirabete contém estes termos denotando esta realidade C.f.MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5ª. ed. SãoPaulo: Atlas, 2002, p.125.95 Entendimento que coaduna com LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: na forma das Leisnº 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.88.96 O raciocínio acompanha entendimento C.f. LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais: naforma das Leis nº 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.104.97 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 2008.98 No que se refere ao descumprimento da pena de multa, tal assunto já se encontra pacificado tanto na doutrinaquanto na jurisprudência. Com efeito, em face da Lei 9.268/96, que deu nova redação ao art. 51 do Código Penale, como conseqüência, revogou, implicitamente, o art 85 da Lei 9.099/95: a pena de multa é considerada dívidade valor, sendo executada nos moldes da dívida ativa da Fazenda Pública. Assim, imposta, e não paga, o autor dainfração será executado no Juízo Cível, nos termo da Lei 6.830/80, ficando, por sorte, impedida a conversão dapena de multa em privativa de liberdade.99 Fazendo referencia a Lei 9099/95.

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processuais, é a que possibilitaria o Suposto Autor Dos Fatos realizar acordo com o Ministério

Público após a apresentação da peça acusatória100.

Nesta possibilidade, o Suposto Autor Dos Fatos, acompanhado pelo seu advogado,

realizaria um acordo com o Representante do Ministério Público, o qual estaria munido das

provas e indícios até então coletados, bem como da peça acusatória recebida pelo juiz. A

diferença crucial da forma atualmente utilizada seria o reconhecimento da prática de um crime

por parte do Suposto Autor Dos Fatos nos limites do que o Ministério Público pudesse

sustentar com as provas e indícios até então colhidas, e as condições que o Suposto Autor Dos

Fatos apresentasse em sua defesa elaborada com seu procurador. Transitado em julgado, este

acordo geraria os efeitos penais necessários para o reconhecimento de uma pena propriamente

dita. O Suposto Autor Dos Fatos reconhecidamente seria o agente de uma IPMPO,

concordando em pagar por isto.

Caso não se realizasse este acordo acima descrito, o SUPOSTO AUTOR DOS FATOS

ficaria ciente de que a sanção é mais grave ao se confirmarem todas as acusações feitas pelo

Ministério Público. Mas que em contrapartida poderá, quem sabe, provar sua inocência. Desta

maneira o Estado não abriria mão da provocação da tutela jurisdicional Penal. Porém isto é

mera hipótese.

100 Existe uma forma aproximada a esta proposta pelo autor da presente monografia, que é a SuspensãoCondicional do Processo, nos moldes do artigo 89 da Lei 9099/95, só que está não gera antecedentes criminais.

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4.2 FORMAS DE EXECUÇÃO

Não existe previsão legal sobre os efeitos do descumprimento da Transação Penal, a

não ser que na Lei 9.099/95101 seja nomeada como Pena. Levando a crer que deva ser cobrada

por intermédio do procedimento do Direito Penal.

Como já fora visto, o resultado deste descumprimento é controverso. Muitas são as

maneiras que se devem estar processando estas execuções por todo o território nacional.

Por mais que se procure na jurisprudência, bem como nas decisões tomadas pelos

magistrados se é incapaz de encontrar uma forma de proceder juridicamente correta nestes

casos. O legislador se omitindo de apresentar esta solução, criou uma dúvida sobre este

instituto, que, no presente trabalho, é apresentada uma forma alternativa de atingir-se o

efetivo cumprimento.

Intuindo-se seguir o raciocínio proposto no presente trabalho, no qual fora identificado

o ramo do Direito Civil como o mais provável a dirigir as execuções referentes aos acordos

havidos nas Transações Penais, acredita-se que a chamada Pena Alternativa Não Privativa de

Liberdade deva ser entendida como uma Obrigação de Fazer, sendo cobrada como tal.

Quando do descumprimento por parte do Suposto Autor Dos Fatos, a ele cabe fazer ou pagar.

101 BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 2008

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho possibilitou o estudo de forma genérica do Instituto Jurídico

denominado Transação Penal.

Como objetivo institucional produziu-se uma monografia para obtenção do grau de

bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Como também, fora

possível evidenciar os aspectos legais e doutrinários que se relacionam, de forma direta, com

a Transação Penal

Os objetivos específicos alcançados foram: 1) O Relato de motivos relevantes do

surgimento dos Juizados Especiais Criminais, em conseqüência, da Transação Penal; 2) A

identificação da previsão legal da Transação Penal, bem como modificações que surgiram

com o decorrer do tempo; 3) A possível identificação do ramo do direito a que pertence o

instituto da Transação Penal.

Identificaram-se: a) incompatibilidade ou não afinidade dos princípios que regem o

procedimento utilizado para obtenção da Transação Penal frente o Processo Penal Brasileiro;

b) a incerteza do ramo do Direito a que pertence a Transação Penal, podendo imaginar-se que

os efeitos de sua execução ferem garantias constitucionais caso sejam executadas por via do

Direito Penal, mas que o Instituto se encaixa perfeitamente quando entendido pertencer ao

ramo do Direito Civil.

Não há de se falar em descriminalização102 ou disponibilização de Direito Penal

indisponível, uma vez que não é provocada a tutela jurisdicional penal ao se realizarem as

Transações Penais, surgindo um novo entendimento que versa sobre princípio da

oportunidade.

102 Fazer com que a ocorrência de um tipo penal não resulte em ato reprovável pelo Direito.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n°9.099 de setembro de 1995. Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em 04 Set 2008

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