A UHE Tijuco Alto no contexto dos conflitos gerados pelas...
Transcript of A UHE Tijuco Alto no contexto dos conflitos gerados pelas...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
SETOR DE CIÊNCIAS DA TERRA
LAURA DOS SANTOS ROUGEMONT
A UHE Tijuco Alto no contexto dos conflitos gerados pelas
barragens
Curitiba
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
SETOR DE CIÊNCIAS DA TERRA
LAURA DOS SANTOS ROUGEMONT
A UHE Tijuco Alto no contexto dos conflitos gerados pelas
barragens
Monografia apresentada como requisito parcial
para a conclusão do curso de Bacharelado em
Geografia, Setor de Ciências da Terra, da
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Jorge R. Montenegro Gómez
Curitiba
2011
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 3
1 UHE TIJUCO ALTO, CBA E CERRO AZUL: O PANORAMA DO CONFLITO ................................. 7
1.1 A UHE DE TIJUCO ALTO NO CONTEXTO DO VALE DO RIBEIRA ............................................... 8
1.1.1 O município de Cerro Azul (PR): um pedaço do Vale Do Ribeira ameaçado pela UHE Tijuco Alto
............................................................................................................................................................... 11
1.2 O EMPREENDEDOR: A COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMÍNIO............................................ 13
1.3 O PROJETO: UMA HISTÓRIA MARCADA POR RESISTÊNCIAS ................................................ 19
1.4 OS AMEAÇADOS: OS IMPACTOS SOBRE O MUNICÍPIO DE CERRO AZUL (PR) .................... 25
2 ANALISANDO O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E O RELATÓRIO DE IMPACTO
AMBIENTAL DA UHE TIJUCO ALTO: ENTRE “O DITO E O FEITO” ............................................... 29
2.1 O RESERVATÓRIO: UM ELEMENTO IMPORTANTE PARA O ENTENDIMENTO DOS
IMPACTOS ............................................................................................................................................ 31
2.1.1 Impactos sobre o meio físico........................................................................................................ 33
2.1.2 Impactos sobre o meio socioeconômico ...................................................................................... 39
2.2 COMPENSANDO OS IMPACTOS? ................................................................................................ 45
3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O SETOR ENERGÉTICO ................................................................... 48
3.1 MUDANÇA DE PARADIGMAS NO SETOR ................................................................................... 48
3.2 OS RECENTES INVESTIMENTOS NO SETOR ENERGÉTICO: O EXEMPLO DO PAC ............ 53
3.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O BNDES, AS PPPS E O MAB ..................................... 58
4 DESDOBRAMENTOS DA IMPLANTAÇÃO DE BARRAGENS: ENTRE O DESENVOLVIMENTO E
O CONFLITO ........................................................................................................................................ 68
4.1 PROCESSOS GERAIS DECORRENTES DA CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS ........................ 69
4.2 O CHOQUE DE LÓGICAS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO: REFLETINDO SOBRE
ALGUNS CONCEITOS ......................................................................................................................... 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................................... 84
3
INTRODUÇÃO
A construção de barragens sempre se constituiu em ícone a respeito do
papel do Estado na sociedade. Um Estado forte é aquele que investe massivamente
em obras de infraestrutura. Logo, construir barragens é sinônimo de
desenvolvimento, de impulso à economia do país, de melhoria na qualidade de vida
da população. Nos últimos anos, a ampliação do consumo de energia elétrica com a
ampliação do parque industrial (inclusive em campos altamente consumidores como
a transformação de metais) e do consumo doméstico mantém a construção de
barragens como um referente indiscutível de investimento, com o objetivo de atender
as demandas por progresso e por bem-estar. A partir desta premissa a proliferação
do número de barragens vem sendo justificada.
Este, portanto, não é um fato novo, mas a sua análise no contexto atual se
faz pertinente, visto que as barragens se relacionam com uma série de iniciativas
voltadas para o desenvolvimento da economia, a partir da ampliação da quantidade
de infraestruturas hidrelétricas construídas, e, por sua vez, do aumento da oferta de
energia. Um dos projetos economicamente ambiciosos dos últimos anos, o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo federal em
2007, contempla a construção de barragens por todo o país. No que se refere à
geração de energia, o PAC possui uma pasta própria de investimentos para o setor,
denominada “PAC Energia”. A eletricidade, portanto, vem se constituindo como um
dos eixos prioritários para o crescimento econômico, o desenvolvimento nacional e o
posicionamento internacional como país chave na região latinoamericana.
Ao mesmo tempo em que se multiplicam obras deste porte, multiplicam-se
também denúncias de violações de direitos humanos na concepção das barragens,
relacionadas aos conflitos gerados desde as fases de preparação para as obras até
a fase de operação. Sobre hidrelétricas em vias de licenciamento, o caso atual mais
exemplar é a Hidrelétrica de Belo Monte, projetada para o Rio Xingu, no estado do
Pará. A proposta de maximizar o aproveitamento hidráulico da região Amazônica
tem permeado debates que apontam para duas direções principais: ora vê-se a
exaltação da sua importância para a geração de energia e, portanto, para o
incremento da economia do país; ora se relatam os impasses socioambientais e
4
culturais que um projeto deste porte tem encontrado, evidenciados principalmente
pelas constantes manifestações de indígenas e/ou órgãos ambientalistas contra a
instalação da usina. Belo Monte é um caso exemplar para o entendimento da
conjuntura atual na qual está envolta a temática das barragens. No entanto, não é
único.
Embora o contexto de aproveitamento dos recursos hídricos no Sul e
Sudeste do país seja outro, já que estas regiões são as que concentram maior
número de usinas, os conflitos encontrados na construção destes empreendimentos
são bastante semelhantes. Com a finalidade de debater a complexidade dos
conflitos gerados pela construção de barragens, este estudo visa apontar os
principais desdobramentos e transformações que marcaram o delicado e longo
processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto (UHE Tijuco Alto),
projetada para ser construída no Rio Ribeira de Iguape, o único rio ainda não
barrado no estado de São Paulo e responsável pela conformação da singular região
do Vale do Ribeira.
A UHE Tijuco Alto é resultado de um estudo de inventário da Eletrobrás,
que previu, desde a década de 80, a construção de quatro barragens ao longo do
Rio Ribeira. Planejada para ser a primeira da sequência de quatro usinas, Tijuco Alto
se localizaria num trecho do Rio Ribeira que faz divisa entre os estados do Paraná e
São Paulo, na altura dos municípios de Adrianópolis (PR) e Ribeira (SP). O projeto
ainda não chegou a se concretizar, no entanto, ao longo de mais de duas décadas,
promoveu transformações substanciais na dinâmica das populações e dos
municípios ameaçados pela construção da barragem, os quais foram alvos de
medidas preliminares que visavam “preparar o terreno” para a instalação do canteiro
de obras.
A hipotética usina é detentora de uma série de particularidades, a começar
pelo fato de ser uma hidrelétrica planejada e empreendida por uma empresa
privada, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), integrante do Grupo Votorantim.
A energia produzida em Tijuco Alto, por esta razão, já teria um destino certo: a
unidade fabril da CBA sediada no município de Alumínio (SP). Outro ponto está
relacionado aos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) apresentados pela CBA. Tais
estudos foram inúmeras vezes questionados quanto à suficiência de informações,
seja em relação à viabilidade do projeto de engenharia, seja por questões físicas e
ambientais ou em relação à abrangência dos impactos nas áreas afetadas, não
5
considerados em sua totalidade. Em função desses aspectos e devido aos passivos
sociais que já incidiram na região, Tijuco Alto é um projeto que desde o seu anúncio
vem sendo marcado por forte resistência da sociedade – por parte, por exemplo, de
agricultores, comunidades quilombolas ou pesqueiras, entidades ambientalistas e
organizações sociais, que receiam que os prejuízos já percebidos localmente
possam se estender regionalmente caso a construção da usina se efetive.
Entende-se que o advento destes projetos de infraestrutura carrega em si
propostas racionalizadoras e uníssonas a respeito do conceito de desenvolvimento.
Neste caso, o desenvolvimento é visto apenas como crescimento econômico (PEET,
2007; ESTEVA, 2000; SOUZA; 1995) e o meio social é interpretado muitas vezes
como mero acessório, senão como obstáculo ou entrave para este desenvolvimento
(SEVÁ FILHO, 2008; ZHOURI, 2010). A concepção de tais infraestruturas gera uma
série de impactos sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que os
empreendedores, na grande maioria dos casos, procuram invisibilizar as populações
afetadas, num esforço de diminuir os custos despendidos na resolução de conflitos
socioambientais, resultantes da construção destes empreendimentos (BERMANN,
2008; ACSELRAD, 2010).
Diante deste contexto, o objetivo desta pesquisa é observar quais são as
repercussões da implantação da UHE Tijuco alto, bem como os impactos sociais,
econômicos e ambientais desta hidrelétrica, entendida enquanto projeto de
desenvolvimento cujos desdobramentos sobre o território e sobre as populações
afetadas se dá dialeticamente.
No intuito de discutir a UHE Tijuco Alto, metodologicamente, buscou-se uma
aproximação do tema “barragens” a partir de revisão bibliográfica de autores
oriundos de diversas áreas do conhecimento – Engenharia, Economia, Geografia,
Ciências Sociais e outras. Também se optou por uma revisão documental,
utilizando-se de registros como notas, cartas, relatórios e resumos relacionados às
ações e à história em torno de Tijuco Alto, bem como a análise dos últimos estudos
técnicos – Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) do empreendimento. Todos estes documentos foram cedidos pelo
CEDEA – Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental, entidade que vem
atuando em defesa das populações afetadas e contra as Usinas no Ribeira. No
decorrer da pesquisa também foram realizadas duas visitas de campo ao município
de Cerro Azul (PR) onde se estabeleceram contatos com integrantes de duas
6
entidades voltadas para a assistência aos agricultores, a CRESOL (Cooperativa de
Crédito Rural com Interação Solidária) e a ASSTRAF (Associação Sindical dos
Trabalhadores na Agricultura Familiar), tendo sido esta última uma das importantes
agentes de mobilização e resistência no município. Durante as saídas, também
foram realizadas visitas à comunidade ribeirinha do Mato Preto, uma das mais
afetadas pela UHE Tijuco Alto, onde foi possível conversar com moradores que lá
residem.
É importante ressaltar que, para os fins deste estudo, foi necessário definir
um recorte territorial e metodológico que serviu de base para a coleta e organização
das informações: o município de Cerro Azul, o qual teria a maior proporção de terras
alagadas. Portanto, não é objetivo deste estudo discutir a totalidade dos processos
referentes à Tijuco Alto nem das populações atingidas em outras áreas e municípios.
Longe de esgotar o tema e as questões relacionadas à usina, prioriza-se aqui
trabalhar com alguns pontos concernentes ao recorte estabelecido, como forma de
estabelecer conexões entre o campo e o referencial teórico e documental.
Desta maneira, priorizando-se uma relação dialética entre a realidade e a
teoria, o trabalho que é apresentado se organiza da seguinte maneira: o capítulo 1
busca localizar e descrever o projeto e seus desmembramentos, bem como
caracterizar os atores envolvidos na sua concepção, aí incluídos o empreendedor (a
CBA) e os atingidos (o município de Cerro Azul); o capítulo 2 tem a função de
apresentar uma análise crítica de alguns aspectos relevantes sobre o conteúdo dos
mais recentes Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) de Tijuco Alto. Adiante, no capítulo 3, o objetivo é caracterizar o contexto
do setor energético brasileiro na atualidade, fazendo um breve apanhado histórico e
trazendo elementos importantes para a compreensão da conjuntura que caracteriza
o setor, como a atuação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), o
significado das PPPs (Parcerias Público-Privadas) e a resistência a todo esse
quadro por parte do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens). Por fim, no
capítulo 4, procurou-se fazer um diálogo de autores, tanto entre os que se dedicam
ao tema das barragens quanto entre aqueles que contribuem conceitualmente para
o entendimento das lógicas destes empreendimentos.
7
1 UHE TIJUCO ALTO, CBA E CERRO AZUL: O PANORAMA DO CONFLITO
Com o propósito de entender alguns dos principais desdobramentos
socioambientais e dos impactos que decorreram das tentativas de licenciamento e
precederam a instalação da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, projetada para os
limites entre o município de Adrianópolis, localizado na porção paranaense do Vale
do Ribeira, e o município de Ribeira, na porção paulista, faz-se necessário, em
primeiro lugar, caracterizar alguns aspectos do projeto. Estes aspectos se
fundamentam no conhecimento tanto da localização do empreendimento quanto dos
“atores” envolvidos, autores estes entendidos tanto na figura do empreendedor desta
hidrelétrica, quanto do município de Cerro Azul (PR), um dos mais ameaçados pela
barragem, recorte desta pesquisa.
Neste sentido, propondo uma melhor organização, este capítulo foi dividido
em quatro subitens: o item 1.1 tem por objetivo caracterizar o local onde se prevê a
instalação de quatro usinas hidrelétricas (ver figura 1), que está inserido, do ponto
de vista regional, no Vale do Ribeira. Destes quatro projetos, todos previstos para o
rio Ribeira do Iguape, nos ateremos ao projeto da UHE de Tijuco Alto, que é o
barramento projetado para se instalar acima dos outros três. Previsto para ser
sitiado mais à montante do curso do rio, ainda nos limites do estado do Paraná, no
município de Adrianópolis (PR), quase divisa com Ribeira (SP), ocuparia uma faixa
do Rio Ribeira de caráter interestadual. Os outros três se localizariam abaixo deste
local, já no Estado de São Paulo.
Dando prosseguimento, o item 1.2 faz a apresentação da Companhia
Brasileira de Alumínio (CBA), enquanto empreendedora e principal interessada na
instalação desta hidrelétrica. A CBA consiste numa empresa privada, pertencente ao
Grupo Votorantim, o qual, além de outras atividades, se dedica à geração de
energia. Já no item 1.3, são retomados alguns aspectos que marcaram o decorrer
dos fatos acerca de Tijuco Alto, remontando ao histórico do processo de
licenciamento da obra, que já vem se desenrolando há mais de 20 anos.
Por fim, no subitem 1.4, será feito um breve relato sobre os impactos da
hidrelétrica sobre o município de Cerro Azul (PR), o qual seria o mais inundado com
a possível criação do reservatório e, portanto, um dos mais ameaçados pelo
empreendimento.
8
1.1 A UHE DE TIJUCO ALTO NO CONTEXTO DO VALE DO RIBEIRA
Em fins da década de 80, um estudo de inventário da Eletrobrás previu a
viabilidade de se construírem quatro Usinas Hidrelétricas ao longo do Rio Ribeira de
Iguape, único rio ainda não barrado no Estado de São Paulo, no Vale do Ribeira.
Estas quatro usinas seriam: UHE Tijuco Alto, UHE Funil, UHE Itaoca e UHE Batatal.
Figura 1 – Os quatro projetos previstos para o Rio Ribeira do Iguape. Fonte: Instituto
Socioambiental (2002)
O Rio Ribeira de Iguape é o rio principal pertencente à bacia hidrográfica
homônima, com extensão total de 470 km. Tendo a sua bacia subdividida entre a
região nordeste do estado do Paraná e sudoeste do estado de São Paulo, ela
abrange vinte e três (23) municípios paulistas e sete (7) municípios paranaenses.
9
Figura 2 - Bacia do Rio Ribeira de Iguape, Vale do Ribeira. Fonte: Instituto
Socioambiental, 2011
A região do Vale do Ribeira abrange trinta e um municípios, sendo nove no
estado do Paraná e vinte e dois em São Paulo. Estende-se ao longo de 28.306
quilômetros quadrados, sendo a sua maior porção no estado de São Paulo. É a
maior área brasileira de Mata Atlântica contínua e foi considerada patrimônio natural,
socioambiental e cultural da humanidade pela UNESCO, em 1999. É uma região
caracterizada pelo alto grau de preservação das matas e florestas, exibindo grande
diversidade ecológica. Nela se encontra aproximadamente 21% dos remanescentes
da Mata Atlântica existentes no país, além de comportar também cerca de 150 mil
hectares de restinga e 17 mil hectares de manguezais.
Tal diversidade de áreas preservadas não é encontrada apenas em parques,
estações ecológicas, reservas ou unidades de conservação, mas decorrem,
principalmente, do manejo de populações tradicionais, tais como quilombolas,
caiçaras e indígenas ou de pequenos agricultores de subsistência. Outra
característica marcante são as cavernas e os vestígios pré-históricos, que compõem
o patrimônio arqueológico, além de numerosos sítios tombados. Abrange a bacia do
Rio Ribeira do Iguape e o Complexo Estuário Lagunar de Iguape-Cananéia-
Paranaguá (CNEC, 2004; ISA, 2011).
10
De acordo com o IPARDES (2007), na região há evidente predominância do
tipo de estabelecimento agropecuário familiar, com unidades produtivas que utilizam
exclusivamente mão-de-obra doméstica, seguida por estabelecimento empregador e
estabelecimento não-familiar, menos frequente. Na porção paranaense, a mão de
obra familiar em encontrada em 77,8% das propriedades. A agricultura familiar, em
especial, se constitui como principal atividade econômica e fonte de renda da
população do Vale do Ribeira, embora a pesca também exerça papel fundamental
para as comunidades ocupantes da faixa litorânea. Sua população é composta
basicamente por agricultores familiares que trabalham em pequenas unidades
produtivas que desenvolvem atividades agrícolas de subsistência em áreas
montanhosas da mata atlântica (DIEGUES 2007 apud BERNARDELLI;
ORZECHOWSKI, 2011)
Em alguns lugares do Vale do Ribeira, a pesca artesanal é uma das
atividades econômicas mais importantes. Com base em entrevistas realizadas por
Ramires (et. al 2002) em municípios como Peruíbe, Iguape e Cananéia, a
importância da pesca é total na renda familiar. Tendo suas atividades econômicas
condicionadas pelas características do meio físico, como pelo relevo íngreme e
dissecado, topografia acidentada e altas declividades, a região se caracteriza por
baixa mecanização agrícola, o que proporciona a formação de propriedades rurais
de pequeno e médio porte (IPARDES, 2007). Algumas culturas que mais se
destacam é a da banana. Segundo dados do IBGE (2001), a produção dos
municípios que formam o Vale do Ribeira, citado anteriormente, representou 11% da
produção nacional de banana desse ano. Dentre as regiões pesquisadas, o Vale do
Ribeira é a maior área produtora, com mais de 30 mil hectares de banana, 6% da
área plantada de banana no Brasil (MATTHIESEN; BOTEO, s/d; CNEC, 2005; ).
Apesar da riqueza natural e cultural existente e da proximidade em relação a
dois grandes centros urbanos e industriais, São Paulo e Curitiba, o Vale do Ribeira é
marcado por baixos indicadores sociais, como baixos índices de desenvolvimento
humano (IDH) e altos índices de mortalidade e analfabetismo. Um dos problemas da
região se deve a regularização fundiária, onde a maior parte da população possui
apenas a posse da terra, e não a propriedade (GIACOMINI, 2010).
O relevo acidentado predominante da região é uma das características que
dificultam a integração econômica efetiva. No entanto, não se pode cair no risco de
se ater a um determinismo natural como consequência dos problemas que ali se
11
encontram. Para além das questões naturais, soma-se, principalmente, a
desatenção do poder público para a região, que, não promove investimentos que
visem valorizar as potencialidades naturais e sociais, isolando-a economicamente.
Uma destas evidências está na precariedade de acessos à região. A PR 092 é via
que liga os municípios de Rio Branco do Sul (PR) e Cerro Azul (PR) e só foi
asfaltada no ano de 2005.
1.1.1 O município de Cerro Azul (PR): um pedaço do Vale do Ribeira
ameaçado pela UHE Tijuco Alto
O município de Cerro Azul localiza-se a 87 km da capital paranaense e
também pertence à Região Metropolitana de Curitiba. Sua origem remonta ao ano
de 1860, logo após a emancipação da província do Paraná. Cerro Azul é sede de
comarca e de microrregião, sua área é de 1.341 km². Possui dois distritos (Cerro
Azul e São Sebastião). A distribuição populacional pode ser vista na tabela abaixo,
que representa distribuição populacional do município, onde 28,11% da população é
urbana e 71,89% é rural (IBGE, 2010).
Figura 3 - Localização de Cerro Azul: recorte no Paraná e na Região Metropolitana de
Curitiba. Fonte: Polícia Civil do Paraná (2011 - com edição da autora)
12
População residente 16.938
População urbana 4.808
População rural 12.130
Tabela 1 – População de Cerro Azul (2010). Fonte: IBGE – Cidades@, 2010
A partir de informações recolhidas junto à CRESOL (Sistemas de
Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária) e à ASSTRAF (Associação
Sindical dos Trabalhadores na Agricultura Familiar), ambas sitiadas em Cerro Azul,
os 7 municípios que compõem a porção paranaense do Vale do Ribeira somam, no
total, aproximadamente 7.500 agricultores familiares. Cerro Azul se destaca neste
meio, pois atinge a marca de 3.500 agricultores somente no seu limite, sendo, por
isso, o município com maior número de agricultores familiares do Vale paranaense.
Estas duas instituições são, juntas, representativas para este cenário de
agricultores familiares da região. O CRESOL busca diferenciar agricultura familiar,
agricultura rural e agricultura patronal enquanto três categorias diferentes, já que
considera que para o Estado, elas são tratadas como “uma coisa só”. Neste sentido,
o CRESOL atua junto aos agricultores familiares como um banco cooperativista, cujo
patrimônio é coletivo, composto pelo patrimônio dos próprios agricultores
associados. Funciona facilitando o acesso ao crédito por parte dos agricultores e
organizando a questão da regularização fundiária na região, que possui mais
meeiros, arrendatários e posseiros do que proprietários rurais. A ASSTRAF surgiu
em 2004 buscando ampliar o contato com os agricultores, reconhecendo-os como
agricultores funcionais ou economicamente ativos, ao contrário de outros sindicatos,
que vinham tratando estes trabalhadores como “falidos”, resultando em poucas
iniciativas visando participação e incremento da atividade. As duas organizações
foram e vem sendo responsáveis por fazer oposição à UHE de Tijuco Alto na região,
resistindo, mobilizando e informando a população sobre as consequências
previsíveis para a agricultura familiar, caso a usina viesse a se concretizar.
Os usos das terras predominantes em Cerro Azul são a fruticultura e a
pecuária mista com gado de corte e de leite. A cultura de cítricos é bastante
13
expressiva, em especial de laranja e tangerina ponkan, sendo uma das cidades com
maior produção nacional desta. De acordo com o IBGE, em 2010, em relação a
lavoura permanente, destaca-se a produção de tangerina, alcançando a marca de
161.107 toneladas no ano e a de laranja, atingindo 13.175 toneladas. A pecuária
mista de corte e leite também consiste em importante atividade, possuindo maior
rebanho de galináceos, seguido de bovinos e suínos. Entre as lavouras temporárias
destaca-se o milho e a mandioca, havendo ainda a produção expressiva de arroz,
batata-doce, feijão, melancia e tomate. Foram verificadas, ainda, áreas com
reflorestamento de pinheiro (Pinus sp) (IBGE,2010).
Segundo o CRESOL, o PIB do município está parcelado em 5% para a
indústria, 40% para os serviços e 55% para a agricultura, sendo esta atividade
essencial para a economia do município. Os dados reforçam aquilo que a ASSTRAF
e o CRESOL percebem enquanto potencialidade econômica, que é a grande
vocação na produção agrícola familiar, afirmando que “tudo que se planta em Cerro
Azul, dá”.
No seu território está localizado o Parque Estadual de Campinhos, criado em
1960 através de Decreto Estadual. Unidade de Proteção Integral que possui área de
337 ha e estende-se também pelo município de Tunas do Paraná. Apresenta bioma
de Floresta de Araucária e rico patrimônio espeleológico. Cerro Azul cumpre posição
de sub-centro regional por apresentar mais variedade de serviços e comércio em
relação aos municípios mais próximos Algumas atividades identificadas na área
periurbana da cidade são: laminadoras de madeira, chácaras, estabelecimentos
comerciais e edificações residenciais esparsas. No centro da cidade, apresenta uma
praça e edifícios históricos (CNEC, 2004).
1.2 O EMPREENDEDOR: A COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMÍNIO
A Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), responsável por empreender o
projeto Tijuco Alto é integrante do grupo Votorantim, diversificado conglomerado
industrial e financeiro nacional.
14
Empresa 100% brasileira, com atuação em mais de 20 países, o Grupo
Votorantim concentra operações em setores de base da economia que
demandam capital intensivo e alta escala de produção, como cimento,
mineração e metalurgia (alumínio, zinco e níquel), siderurgia, celulose e
papel, suco concentrado de laranja e autogeração de energia. No mercado
financeiro, atua por intermédio da Votorantim Finanças, e, em Novos
Negócios, investe em empresas e projetos de biotecnologia, pesquisas
minerais e especialidades químicas (CBA, 2011).
A CBA foi fundada em 1941 e apresenta ao longo de mais de 50 anos de
existência, um crescimento médio anual de 10% na sua produção. De acordo com
dados da Associação Brasileira de Alumínio (ABAL) de 2004, a unidade da CBA
localizada no município de Alumínio (SP) é a terceira maior produtora de alumínio no
país, ficando atrás apenas da ALBRAS, em Barcarena (PA) e da ALUMAR, em São
Luis do Maranhão (MA); no entanto é a segunda maior exportadora brasileira do
metal, exportando 118.789 toneladas/ ano, perdendo somente para a ALBRAS
(JERONYMO, 2007). Esta unidade é também a maior indústria integrada de
alumínio do mundo, responsável pelo processamento da bauxita e fabricação de
produtos derivados, voltados tanto para o mercado interno nos segmentos de
construção civil, transmissão de energia, bens de consumo, transportes e outros,
quanto para o mercado externo, tendo 40% de sua produção exportada, em especial
para a América do Norte (CBA, 2011).
Dados recentes da Associação Brasileira de Alumínio demonstram que só
até setembro do corrente ano, a CBA produziu aproximadamente 297,9 toneladas de
alumínio primário, reforçando a sua condição de grande produtora do metal no
Brasil, conforme podemos ver na tabela 2.
15
Tabela 2 – Produção Brasileira de Alumínio. Fonte: ABAL, 2011 – com edição da autora
Dentre os diferenciais considerados pela própria empresa, está a sua
qualidade de autogeração de energia elétrica, sendo produtora de aproximadamente
60% da energia que consome na fabricação de alumínio. A condição de
autoprodução energética da CBA está assegurada pelo Decreto nº 2003 de 10 de
setembro de 1996, que “Regulamenta a Produção de Energia Elétrica por Produtor
Independente e por Autoprodutor e dá outras providências”, do qual se dispõe:
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto considera-se: I - Produtor Independente de Energia Elétrica, a pessoa jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco; II - Autoprodutor de Energia Elétrica, a pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo. (BRASIL, 1996)
A partir dos dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, 2011),
a CBA possui no total 18 empreendimentos (tabela 3) de geração energética em
operação sob sua tutela, que, no total, representam uma capacidade de geração de
1, 7469% do total do país.
16
Tabela 3 – Estados onde há presença de usinas hidrelétricas da CBA. Fonte: Banco de Informações de Geração – ANEEL, 2011
A classificação dos agentes de geração de energia pelos empreendimentos
de propriedade da CBA se dá nas categorias “PIE” (Produção Independente de
Energia), “APE” (Autoprodução de Energia) ou “APE-COM” (Autoprodução com
Comercialização de Excedente), o que indica que quando a energia não é produzida
para o consumo exclusivo da CBA, ela é ou comercializada pela própria CBA para
outras companhias do ramo energético ou para indústrias eletrointensivas. Conforme
pode ser visto na tabela a seguir:
Usina Potência
(kW)
Destino
da
Energia
Tipo de
Geração
Proprietário Município
Alecrim 72.000 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Miracatu - SP
Barra 40.400 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Tapiraí - SP
Canoas I 80.085 APE
e PIE
UHE 50,3% para Companhia Brasileira de
Alumínio
e 49,7% para Duke Energy
International, Geração
Paranapanema S/A.
Cândido Mota - SP
e Itambaracá - PR
Canoas II 72.000 APE
e PIE
UHE 50,3% para Companhia Brasileira de
Alumínio
e 49,7% para Duke Energy
International, Geração
Paranapanema S/A.
Andirá - PR
e Palmital - SP
França 29.520 APE- UHE 100% para Companhia Brasileira de Juquitiba - SP
17
COM Alumínio
Fumaça 36.400 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Ibiúna - SP
Itupararanga 56.170 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Votorantim - SP
Jurupará 7.200 APE UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Ibiúna - SP
e Piedade - SP
Machadinho 1.140.000 APE-
COM
e SP
UHE 25,74% para Alcoa Alumínio S/A
e 27,52% para Companhia Brasileira
de Alumínio
e 5,53% para Companhia Estadual
de Geração e Transmissão de
Energia Elétrica
e 2,73% para Departamento
Municipal de Eletricidade de Poços
de Caldas
e 5,27% para InterCement Brasil S.A
e 19,28% para Tractebel Energia S/A
e 8,29% para Valesul Alumínio S/A
e 5,62% para Votorantim Cimentos
Brasil Ltda.
Maximiliano de
Almeida - RS
e Piratuba - SC
Ourinhos 44.400 PIE UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Jacarezinho - PR
e Ourinhos - SP
Pirajú 81.000 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Piraju - SP
Porto Raso 28.400 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Tapiraí - SP
Salto do
Iporanga
36.870 APE UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Juquiá - SP
Salto do Rio
Verdinho
93.000 PIE UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Caçu - GO
e Itarumã - GO
Salto Pilão 182.340 PIE UHE 60% para Companhia Brasileira de
Alumínio
e 20% para Companhia Geração de
Energia Pilão
e 20% para DME Energética S.A
Apiúna - SC
e Ibirama - SC
e Lontras - SC
Santa
Helena
2.240 APE PCH 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Votorantim - SP
18
Serraria 24.000 APE-
COM
UHE 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Juquiá - SP
Votorantim 3.000 APE PCH 100% para Companhia Brasileira de
Alumínio
Votorantim - SP
Total: 18 Usina(s) Potência Total: 2.029.025 kW
Tabela 4 – Usinas da CBA em operação. Fonte: Banco de Informações de Geração – ANEEL, 2011 (com edição da autora)
Na tabela acima, destacamos em vermelho as usinas hidrelétricas sob
propriedade exclusiva da CBA, voltada majoritariamente para a autoprodução de
energia e também comercialização de excedente. Ou seja: a CBA é 100% detentora
dos direitos de uso de catorze (14) usinas hidrelétricas, das quais ela consome
energia para uso próprio. Neste conjunto, de um total de dezoito (18) hidrelétricas
sob sua tutela, a empresa também possui direito de uso parcial de outras quatro (4).
Observa-se que sob a ótica da instalação destes grandes projetos, como a
UHE Tijuco Alto, está a intenção de uma empresa privada, como a CBA, em produzir
energia para abastecer seu complexo industrial no município de Alumínio (SP),
intencionalidade abertamente apontada na seção “Justificativas do empreendimento”
nos Estudos de Impacto Ambiental, buscando ampliar ainda mais a autogeração de
energia e, por consequência, a produção do alumínio e derivados. Neste sentido a
instalação de mais uma usina, desta vez sobre o Rio Ribeira de Iguape, cumpriria
apenas a demanda de energia para consumo próprio e exclusivo, objetivando a
alcançar altos níveis de suficiência energética na produção, deixando para as
populações atingidas apenas os passivos sociais e ambientais de um
empreendimento deste porte.
A respeito do que se propõe com a implantação da usina fica evidente que a
escolha da localização espacial de Tijuco Alto represente para a CBA certa garantia
monopolista, na medida em que acrescenta mais um empreendimento ao seu já
substancial conjunto de geradoras particulares. Como aponta Harvey (2005), esta
prática só pode ter como produto final a formação de monopólios ou oligopólios –
neste caso, de energia – sendo essenciais para as empresas do ramo terem estas
estruturas sob seu controle, já que dependem estrategicamente delas para a
continuidade dos seus processos produtivos, inseridos numa lógica capitalista.
19
1.3 O PROJETO: UMA HISTÓRIA MARCADA POR RESISTÊNCIAS
O projeto de instalação da UHE Tijuco Alto gerou, desde o início, muitas
polêmicas em torno dos seus objetivos e das suas consequências. A história de
Tijuco Alto já tem desdobramentos há cerca de 24 anos e, no vai-e-vem das várias
tentativas de instalação, ainda não conseguiu ser concretizada, embora já tenha
produzido uma série de transformações sociais e territoriais ao longo destes anos.
A pretensão de instalação de Tijuco Alto se esboçou, em primeiro lugar, a
partir da formalização de um Protocolo de Intenções, assinado em 1987 o então
Governador do Estado do Paraná, Álvaro Dias e o Grupo Votorantim (que engloba a
CBA), representado por Antonio Ermírio de Morais, o empreendedor e principal
interessado no projeto. Desde o momento do anúncio, foram geradas mobilizações e
questionamentos a respeito do empreendimento, em especial nos municípios de
Cerro Azul, Adrianópolis e Doutor Ulysses (à época, “Distrito do Varzeão”), o que
estimulou a criação, em 1988, da Comissão de Mobilização do Vale do Ribeira, junto
ao Sindicato Rural de Cerro Azul. Esta entidade foi responsável por pressionar o
poder público em nível local, regional e nacional para que se posicionasse em
relação à barragem; pela divulgação das principais inquietações e dúvidas advindas
do projeto; pela conscientização da população e tomada de conhecimento do
mesmo, dando os primeiros passos na divulgação da luta popular que se instaurava
em torno de Tijuco Alto (COSTA, 2006).
Aos poucos, entidades ambientalistas, sindicais e sociedade civil foram se
posicionando em relação a Tijuco Alto, utilizando-se de variadas estratégias de
mobilização: denúncia aos meios de comunicação, elaboração de dossiês com
informações contra a barragem, realização de audiências com representantes do
Estado, assembléias populares, moções de repúdio, protestos, cartas abertas e
abaixo-assinados. A Comissão contava com o apoio massivo da população.
Porém, foi a partir do Decreto Federal nº 96.746, de 21 de setembro de
1988, assinado pelo então presidente José Sarney, que a Companhia Brasileira de
Alumínio garantiu o direito de outorga da área, iniciando as primeiras tentativas de
licenciamento, ao mesmo tempo em que respondia às mobilizações populares.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição, nos termos dos artigos 140, letra a, e 150 do Decreto n° 24.643, de 10 de julho de 1934, e tendo em vista o que consta do Processo MME n° 700.909/83-2,
20
DECRETA: Art. 1º. É outorgada à Companhia Brasileira de Alumínio CBA concessão para o aproveitamento da energia hidráulica de um trecho do Rio Ribeira do Iguape, no local denominado Tijuco Alto, de coordenadas latitude 24°38'57" e longitude 49°02'16", com potência a ser instalada entre 120.000 a 150.000 Kw, nos Municípios de Cerro Azul e Adrianópolis, Estado do Paraná, e Ribeira, Estado de São Paulo, não conferindo o presente título delegação de Poder Público à concessionária. Art. 2º. O aproveitamento destina-se à produção de energia elétrica para uso exclusivo da concessionária, que não poderá fazer cessão a terceiros, mesmo a título gratuito. (...) Art. 6º. A concessão a que se refere o artigo 1° vigorará pelo prazo de 30 (trinta) anos, contados da data da publicação deste Decreto. (BRASIL, 1988)
Posteriormente ao decreto outorgado à CBA, as movimentações contrárias à
barragem não cessaram. Costa (2006) ressalta uma mudança de postura da
Comissão de Mobilização do Vale do Ribeira Paranaense, que “partiu da
sensibilização para a organização da sociedade civil rural”. Neste sentido, passou a
articular e organizar as comunidades ribeirinhas, o que resultou ainda no ano de
1988, na criação de vinte Associações de Moradores ao longo do Rio Ribeira em
Cerro Azul e Doutor Ulysses, que simbolizavam a forte resistência popular ao projeto
de Tijuco Alto e reivindicavam melhorias nas comunidades.
No entanto, após dois anos e meio, a outorga à CBA foi suspendida pelo
Decreto Federal de 15 de fevereiro de 1991 (s/n), assinada pelo então presidente
Fernando Collor. No seu artigo 2º dispunha que “O Ministro de Estado da Infra-
Estrutura declarará, mediante portaria, as concessões, permissões e autorizações
ou demais títulos de que trata o artigo anterior.” Desta forma, a tarefa de concessão
de novas outorgas para exploração de serviços de energia elétrica foi transferida
para o Ministério de Infraestrutura. No mês de novembro deste mesmo ano foi
assinada por João Santana – interino no cargo de ministro da infraestrutura - a
portaria nº 306, dando validade novamente todas as concessões que haviam sido
revogadas no último decreto. Neste momento a CBA retomou a concessão de
exploração de serviços de energia elétrica, por meio de Tijuco Alto.
Os anos de 1990, 1991 e 1992, foram marcados por intensa resistência dos
moradores à venda das terras para CBA. Enquanto isso, a empresa lançou mão de
algumas estratégias que visaram “mascarar” a falta de participação popular nos
processos de tomada de decisão, com o intuito de mostrar que, do contrário, a
empresa estava trazendo a população para o debate. O caso mais curioso foi no ano
21
de 1993, quando a CBA realizou uma audiência pública no município Cerro Azul:
fretou em torno de 22 ônibus, cuja maioria dos passageiros era proveniente do
estado de São Paulo, e, portanto, a parcela menos atingida e menos interessada
pela barragem de Tijuco Alto. Desta forma, forjou a participação popular de forma
“fraudulenta e repudiável”, na medida em que se eximiu da responsabilidade de
aproximar dos debates públicos aqueles que eram os verdadeiros afetados pelo
empreendimento (COSTA, 2006).
Como afirma Bermann (2007), ao parafrasear Leroy (2002, p. 9) quando se
refere aos grupos ameaçados por barragens, “para o governo, os bancos
multilaterais, as empresas construtoras e os consultores que elaboram Estudos de
Impacto Ambiental, eles não existem”, ficando constantemente alijados e
desconsiderados de todo processo.
Com o passar de alguns anos, já em 1999, em decorrência da instauração
de uma ação civil pública, foi questionada a viabilidade da usina e apontadas falhas
nos seus estudos técnicos, paralisando mais uma vez o processo de licenciamento.
Nesta época, o fato mais marcante foi a transferência do licenciamento para o
IBAMA. Nas palavras de Jeronymo (2007):
Posteriormente o licenciamento foi anulado por meio de ação civil pública amparada por uma mobilização envolvendo parlamentares, entidades ambientalistas, lideranças de comunidades do Vale do Ribeira e advogados. No despacho judicial de 10/12/1999 o Ministério Público julga que o licenciamento não poderia ser estadual, definindo a competência para o licenciamento para o âmbito federal, para o IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis. (JERONYMO, 2007, p. 45)
Isto se deveu ao caráter interestadual do empreendimento, que seria
instalado num trecho do Rio Ribeira que faz divisa com dois municípios, sendo um
em cada estado – Adrianópolis (PR) e Ribeira (SP). Desta maneira o próprio IBAMA
foi o encarregado de realizar um novo pedido de licenciamento no ano de 1997.
Novamente sem sucesso, a emissão da licença prévia foi indeferida em
2003, devido principalmente a dois fatores: um deles era a alta concentração de
chumbo nas águas do Rio Ribeira que inviabilizavam o uso da mesma; o outro se
devia a um desvio de 10 km previsto para o curso do rio. O projeto inicial, portanto,
foi completamente rejeitado. No ano de 2004, o IBAMA emitiu um Termo de
Referência,
22
o qual tem por finalidade fornecer subsídios técnicos capazes de nortear o desenvolvimento de estudos que diagnostiquem a qualidade ambiental atual da área de implantação do empreendimento e sua área de inserção, na bacia hidrográfica do rio Ribeira do Iguape (TERMO, p. 2, 2004).
Este documento autorizou o recomeço dos estudos para a elaboração do
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da
UHE Tijuco Alto, e a partir disso, a CBA contratou o Consórcio Nacional de
Engenheiros Consultores – CNEC. Esta empresa de consultoria foi responsável pela
realização dos novos estudos técnicos do empreendimento, e já em 2005 havia sido
realizado novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA). Em julho de 2007 foram realizadas audiências públicas em três municípios
de SP (Registro, Eldorado e Ribeira) e dois municípios do Paraná (Adrianópolis e
Cerro Azul), momento nos quais foram constatadas, por meio de relatório das
audiências elaborado pelo CEDEA (2007), inúmeras manifestações contrárias à
obra. Também foi protocolado Ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério do
Meio Ambiente, documento manifestando repúdio à Tijuco Alto por parte da
população presente nas audiências. Ainda em 2007, o Ministério Público Federal
recomendou que o EIA fosse refeito, exigindo que ele fosse realizado do ponto de
vista de uma análise integrada de toda a bacia do rio Ribeira do Iguape.
Em fevereiro de 2008, quando o IBAMA emitiu o parecer técnico no 07/2008
– COHID/CGENE/DILIC/IBAMA, avaliando os estudos ambientais de Tijuco Alto e
concluiu pela “viabilidade ambiental” do empreendimento, abriu-se novo precedente
para a implantação da usina (COSTA, 2006; CARTA, 2008). Tal decisão gerou
repentinamente uma reação: em março de 2008, através do documento intitulado
“Carta aberta ao povo brasileiro”, 13 organizações, dentre elas sindicatos, entidades
ambientalistas e coletivos de comunidades tradicionais manifestaram seu repúdio à
instalação de Tijuco Alto, deixando claros os seus anseios.
Queremos que seja negada a licença ambiental para a UHE Tijuco Alto. Queremos que seja revisto o estudo que prevê a construção das quatro barragens no rio Ribeira de Iguape. Queremos que ele continue correndo livre e alimentando o povo da região. Como já dissemos anteriormente ao Governo Federal, não precisamos de grandes obras, mas de oportunidades para todos. Queremos outro tipo de desenvolvimento: um desenvolvimento que realmente dê oportunidades de melhoria e qualidade de vida para toda população. Tijuco Alto representa a MORTE e nós queremos VIDA (CARTA ABERTA AO POVO BRASILEIRO, 2008, p.2).
23
Este trecho nos remete ao trabalho de Zhouri e Oliveira (2010) a respeito
das barragens no Vale do Jequitinhonha, em MG. Ao trabalhar com a desconstrução
do discurso dos atingidos e dos empreendedores da UHE Murta, através de falas em
audiências públicas, as autoras abordam a perspectiva de resistência ao avanço do
capital no espaço, expressada constantemente na fala dos atingidos pela barragem.
Assim, da perspectiva que orienta esta reflexão, o global não impediria o sentimento de enraizamento, o desejo de permanecer no lugar, com a salvaguarda da memória, da identidade e da vontade de se fixar, de criar raízes. Esses sentimentos não seriam paroquiais e reacionários por excelência. Eles também apontam para a resistência ao avanço do espaço – quer dizer, do capital – nos lugares – lócus de vivência e da história (...) (ZHOURI; OLIVEIRA, 2010, p. 444)
Outra ponte possível a partir deste trabalho é a exaltação, por parte das
populações atingidas, de um território da “vida”, em oposição a um território da
“morte”, notável em alguns discursos da UHE de Murta, mas que poderiam ser
facilmente transpostos para o caso de Tijuco Alto.
Além destes elementos, há o recurso metafórico empregado na identificação da terra com a figura materna, fonte de vida, em contraste à construção da barragem metaforizada como “morte”. Nota-se ainda a ideia de que, embora a localidade esteja sendo pleiteada pela empresa, as terras pertencem legitimamente aos trabalhadores; nas palavras do morador, trata-se do “nosso lugar”. Ora, o ideal do projeto como promotor de desenvolvimento para a região e como benéfico aos moradores é recusado, na medida em que o locutor afirma (...) que o interesse dos moradores é outro, qual seja, permanecer nas terras em que trabalham. (ZHOURI; OLIVEIRA, 2010, p.453)
No decorrer destes mais de vinte anos desde as primeiras ações em prol da
construção da UHE de Tijuco Alto - sem, no entanto, a obtenção definitiva do
licenciamento ambiental necessário - muitos processos foram se desenrolando na
região do Vale do Ribeira, relacionados diretamente à expectativa de instalação
deste empreendimento. Ainda que não tenha havido a sua implantação definitiva,
uma série de alterações foi inevitavelmente se dando nas áreas do entorno, como
forma de preparar a área para a criação do reservatório e instalação da barragem.
Uma das principais transformações decorreu da aquisição e da compra de terras de
proprietários nestas regiões e o consequente deslocamento de inúmeras famílias, de
moradores, trabalhadores, fomentando em muitos casos a perda dos meios de
24
trabalho e das práticas de subsistência. De acordo com informações do sítio Instituto
Socioambiental (ISA),
O RIMA [de Tijuco Alto] afirma que 689 famílias terão suas vidas afetadas pela criação da barragem. É importante lembrar que nos últimos 15 anos outras centenas de famílias de ribeirinhos e pequenos agricultores já foram prejudicados no processo de compra de terras pela CBA na região em que a empresa planeja fazer o reservatório de Tijuco Alto. Naquele período, a empresa adquiriu 379 imóveis rurais - que hoje representam 60% da área do reservatório projetado. A compra dos imóveis provocou a queda na renda e o aumento do desemprego de ex-proprietários e ex-moradores, alterou o perfil sócio-econômico de toda a região do Alto Vale do Ribeira e prejudicou a vida dos atuais habitantes. Aproximadamente 228 famílias de meeiros, arrendatários, parceiros ou posseiros foram largadas à própria sorte, ao serem expulsas das terras onde viviam sem nenhum tipo de recompensa (ISA, 2011).
É importante ressaltar a noção de “recompensa” da qual lançamos mão,
bem como evidenciar a forma pela qual se entende a definição de “deslocamento
compulsório”. Fundamentando-se nas atribuições de Sevá Filho (2008) e Heloísa
Costa (2008) sobre ser extremamente delicado atribuir um valor de mercado à
natureza, também entendemos que é delicado atribuir um valor que seja realmente
capaz de recompensar a perda de uma propriedade, na qual não apenas se “habita”,
mas onde se vive, onde se planta, onde se estabelecem relações com a vizinhança
que se perdem a um “preço de mercado”. Aqueles que Sevá Filho (2008) se refere
como sendo atingidos pela “remoção hidráulica”, na definição de Jeronymo (2007),
são os deslocados compulsórios, afetados por estas lógicas.
Será deslocado compulsório aquele que for forçado a sair, ter que negociar a propriedade forçosamente. Fazer a negociação a contragosto. É deslocado compulsório quem é constrangido a fazer algo que não é do próprio interesse. No caso de apropriações de propriedades para a construção de infra-estrutura hidrelétrica, o fato comum, é a pressão que sofrem os proprietários de terras para efetivar a negociação da propriedade. Desta forma, um deslocamento tendo por base e essência a pressão, passará a ser um deslocamento compulsório. (p. 69 e 70)
As potenciais transformações não se dão apenas no meio socioeconômico,
mas também no meio socioambiental. Como prevê o último EIA, elaborado em 2005,
a instalação definitiva da UHE Tijuco Alto também ocasionaria sérias interferências
na fauna, vegetação, microclima, água, solos, relevo e uma série de outras
implicações. Pela série de impactos negativos, o projeto sempre teve ao longo dos
anos forte resistência da sociedade do Vale do Ribeira (ISA, 2011).
25
1.3 OS AMEAÇADOS: OS IMPACTOS SOBRE O MUNICÍPIO DE CERRO AZUL
(PR)
Para se compreender a complexidade e os embates sociais e jurídicos que
tem impedido a emissão da licença prévia para o empreendimento, é de importância
o entendimento do contexto de interferência no qual se insere o projeto da UHE
Tijuco Alto. O projeto prevê que o reservatório da referida usina atinja os municípios
de Cerro Azul (PR), Adrianópolis (PR), Doutor Ulysses (PR), Itapirapuã Paulista (PR)
e Ribeira (SP). No entanto, para fins deste estudo, dar-se-á atenção exclusiva às no
meio físico e socioeconômico, bem como às resistências existentes apenas no
município de Cerro Azul, pertencente à porção do Vale do Ribeira paranaense, um
dos mais afetados pelo projeto.
Um primeiro aspecto de influência para Cerro Azul é a localização da usina e
o tamanho do reservatório: uma barragem de concreto de potência instalada de 144
MW seria construída a 10 km das cidades de Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR), com
altura aproximada de 142 m e que, por conseqüência do barramento do rio, formaria
um reservatório à montante, com 71,5 km de extensão, inundando uma área
equivalente a 43,8 km. Isto significaria uma imensa área atingida e com profundas
alterações sócio-ambientais. Mesmo que a barragem não se instale em Cerro Azul
(PR), este seria um dos municípios mais afetados pelo reservatório
26
Figura 4 – Local da barragem e extensão do reservatório, com ênfase na localização de Tijuco Alto e nas áreas inundadas em Cerro Azul (PR). Fonte: CNEC, 2005, com edição da autora.
A figura acima mostra o local da barragem e a abrangência do reservatório à
montante, com ênfase na área do município de Cerro Azul que será inundado,
gerando impactos sobre o meio sócio-econômico, e por sua vez, para as populações
urbanas e rurais residentes às margens do Rio Ribeira do Iguape. Cerca de 600 a
1000 famílias de agricultores familiares estão sujeitas a realocação ou indenização
pelo alagamento de suas terras. Grande parcela destas pessoas inclusive já deixou
suas terras ao longo destes anos, passando a exercer outras atividades em outros
municípios do Paraná.
Somente a notícia da construção da usina já provocou, na década de 90,
êxodo rural e enfraquecimento da economia ribeirinha (Rio Ribeira). Muitos
trabalhadores que eram meeiros ou pequenos produtores são hoje “bóias-frias” em
Cerro Azul, ou “operários” da CBA em Rio Branco do Sul, Itaperuçu ou Almirante
Tamandaré (CEDEA, 2004, p.1).
Outro aspecto interessante é o fato da concessão do direito de exploração
dos recursos hídricos ter sido dada a uma empresa privada, a Companhia Brasileira
de Alumínio (CBA), de forma que “o aproveitamento destina-se à produção de
energia elétrica de uso exclusivo da concessionária, que não pode fazer cessão a
terceiros, mesmo a título gratuito” (CNEC, 2005, p.1). O propósito de geração desta
energia, como já apresentado, seria o abastecimento de uma fábrica de fundição de
alumínio da CBA, localizada no município de Alumínio (SP), a 250 km do
empreendimento, na região se Sorocaba, tendo como único fim ampliar a produção
da empresa.
Acrescentado ao fato de ser “autoprodutora” – produz para consumo próprio-
a CBA se isenta do pagamento de royalties pela produção de energia em Tijuco Alto
para os municípios atingidos que se localizem na mesma unidade federativa da
usina. Visto que a sua unidade produtora de energia estaria localizada no PR,
somente os municípios afetados neste Estado receberiam os royalties. No entanto,
esta questão é um tanto quanto confusa, em se tratando de um empreendimento
efetivamente localizado num trecho do Rio que é interestadual. Conforme a Lei
7.990/1989:
27
É isenta do pagamento de compensação financeira a energia elétrica: I - produzida pelas instalações geradoras com capacidade nominal igual ou inferior a 10.000 kW (dez mil quilowatts); II - gerada e consumida para uso privativo de produtor (autoprodutor), no montante correspondente ao seu consumo próprio no processo de transformação industrial; quando suas instalações industriais estiverem em outro Estado da Federação, a compensação será devida ao Estado em que se localizarem as instalações de geração hidrelétrica; III - gerada e consumida para uso privativo de produtor, quando a instalação consumidora se localizar no Município afetado. (BRASIL, Lei 7.990/1989, art. 4º, de 28 de dezembro de 1989)
Esta condição de produção exime o empreendedor de qualquer obrigação
em indenizar e repassar financiamento para as prefeituras dos municípios afetados
em decorrência da instalação do empreendimento, o que reduz as possibilidades de
geração de renda direta para a região devido à presença de UHE Tijuco Alto.
A previsão de inundação permanente de aproximadamente 11mil hectares
no médio e alto curso do rio de diversas áreas, inclusive terras agricultáveis, para
criação do reservatório da usina; o deslocamento de uma série de agricultores
familiares e moradores das áreas rurais e urbanas de Cerro Azul; a destruição de
áreas ambientalmente protegidas; ou a condição de “autoprodutor” de energia
elétrica, garantida pela CBA e sua não obrigatoriedade de repasse de royalties para
o município foram e são alguns dos motivos discutidos entre a população de Cerro
Azul, marcando o seu posicionamento contrário à construção de Tijuco Alto.
Primeiras indagações levantadas pela população de Cerro Azul contra a
UHE Tijuco Alto (1988)
a) Alagamento de uma área povoada por cerca de 1000 (mil) famílias,
aproximadamente 10.000 (dez mil) pessoas, quando o total populacional do Município era
de 22.000 pessoas;
b) Alagamento das terras mais férteis do Município: Vale do Rio Ribeira;
c) Tensão social gerada pela instabilidade sócio-econômica que o projeto
provoca ao povo local;
d) Aumento do desequilíbrio ecológico, gerado, principalmente, pela inundação
e corte de árvores. Destaca-se, aqui, que a área de influência da barragem atingirá,
inclusive, o Parque das Lauráceas, área de preservação entre os Municípios de
Bocaiúva do Sul, Adrianópolis e Cerro Azul;
e) Isolamento total da região norte do Município de Cerro Azul, pois o Rio
Ribeira corre de Oeste a Leste, dividindo-o em duas partes: Norte e Sul;
28
Tabela 5 – Algumas questões apontadas pela população de Cerro Azul durante reuniões comunitárias na sede do Sindicato Rural de Cerro Azul e na Escola Municipal Rural da Região do Mato Preto. Fonte: Tabela elaborada com base em COSTA, 2006
A tabela 5 apresenta alguns dos principais questionamentos levantados à
época em que o empreendimento foi anunciado à população. Embora, de lá para cá
o projeto inicial tenha sido rejeitado, alguns impactos e conseqüências
permaneceram vigentes. Todos os aspectos mencionados dizem respeito às
numerosas perdas que o município de Cerro Azul teria com a implantação da obra.
Devido aos limites deste trabalho, pretende-se aqui dar enfoque, no capítulo que
segue, a apenas algumas destas questões apontadas desde o início como
ameaçadoras aos bens naturais e à população de Cerro Azul, analisadas a partir do
último EIA/RIMA do empreendimento, apresentados em 2005 pela CBA e pela
consultora CNEC.
f) O fato de que esta obra não trará qualquer benefício ao Município, nem ao
Estado do Paraná;
g) Favorecimento particular apenas a um grande grupo econômico: Votorantim
(Companhia Brasileira de Alumínio);
h) Submersão de grande quantidade de minérios, com boas perspectivas de
exploração (por 20 anos);
i) Autoritarismo, falta de informações e desrespeito à autonomia da população
local diretamente atingida.
29
2 ANALISANDO O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E O RELATÓRIO DE
IMPACTO AMBIENTAL DA UHE TIJUCO ALTO: ENTRE “O DITO E O FEITO”
Tendo como base a apresentação do contexto geográfico em que se insere
Tijuco Alto, realizada no capítulo anterior, onde se buscou partir do apontamento dos
principais fatos que marcaram a concepção deste projeto desde a origem, neste
momento dedicamo-nos a apresentar uma análise de alguns aspectos que
consideramos relevantes sobre o conteúdo dos mais recentes Estudos de Impacto
Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
Antes da análise dos documentos em questão, é importante registrar que,
desde 1989, ano em que o projeto Tijuco Alto foi apresentado às populações do Vale
do Ribeira, a CBA vem tentando obter o licenciamento ambiental necessário para
pôr em andamento a construção desta hidrelétrica. Para isso, já naquele ano foi
entregue aos órgãos estaduais ambientais do estado do Paraná e São Paulo
(SUREHMA e SMA, respectivamente) os Estudos de Impacto Ambiental para a
obtenção de licença prévia. Tais estudos são exigidos pela Lei Federal nº 6.938/81,
para os empreendimentos com significativo grau de poluição, degradação ou
transformação do meio ambiente. O Decreto 88.351 de 1983, que regulamenta esta
lei, diz o seguinte:
Art. 18. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimento de atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. § 1º Caberá ao CONAMA fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento, contendo, entre outras, os seguintes itens: a) diagnóstico ambiental da área; b) descrição da ação proposta e suas alternativas; c) identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos. § 2º O estudo de impacto ambiental será realizado por técnicos habilitados, e constituirá Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), correndo as despesas por conta do proponente do projeto. (BRASIL, 1983 – grifo nosso)
Sabe-se que este mesmo decreto dispõe sobre as etapas de licenciamento
pelas quais estes empreendimentos têm que ser submetidos, até que se chegue a
30
sua fase efetivamente de operação. A apresentação e aprovação dos Estudos de
Impacto Ambiental servem como instrumento para a aquisição apenas da primeira
etapa de três licenças requeridas para o licenciamento ambiental.
Art. 20. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle,
expedirá as seguintes licenças: I - Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento da atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo; II - Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado; III - Licença de Operação (LO) autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas licenças Prévia e de Instalação. (BRASIL, 1983)
A CBA submeteu tais estudos para análise, tendo obtido a licença prévia
(LP) do empreendimento no ano de 1994, pela SEMA (SP) e pelo IAP (PR) – órgão
que sucedeu a SUREHMA. Além de uma série de questionamentos a respeito de
carência de informações nos estudos que resultaram na emissão desta LP e da
sucessão de principais fatos em torno da polêmica hidrelétrica, já apresentados no
capítulo anterior, houve também uma ação movida pelo Ministério Público Federal.
Esta ação consistiu na transferência ao IBAMA da responsabilidade de emitir os
licenciamentos. Por isso, estas licenças prévias de 1994 foram invalidadas e
reiniciou-se o processo de licenciamento no ano de 1997 junto a este órgão. O
IBAMA, desde então, solicitou algumas complementações nos estudos, que foram
reformulados algumas vezes, até que em 2003, foi indeferida a emissão da Licença
Prévia em definitivo, em decorrência do não atendimento a algumas condicionantes
delegadas pelo IBAMA, que são apontadas abaixo, e que invalidaram o EIA/RIMA e
os documentos complementares a estes estudos. Já era a segunda tentativa de
obtenção das licenças.
- a inexistência de diagnósticos fundamentais para avaliação dos impactos potenciais do empreendimento, como o levantamento da vegetação a ser suprimida, das macrófitas aquáticas, da ictiofauna, o grau de risco de contaminação de chumbo, entre outros. - os levantamentos e relatórios apresentados, posteriormente ao EIA/RIMA, constituem documentos independentes, não tendo sido realizada uma avaliação integrada dos impactos ambientais, o que impossibilita a análise da viabilidade do empreendimento (CNEC, 2005).
31
Foi só a partir da emissão de um novo termo de referência1, em junho de
2004, que foram dadas condições para se iniciar outro processo de licenciamento,
caso ainda fosse de interesse da CBA. Foi também neste momento que o
empreendedor solicitou os serviços da CNEC, o novo consórcio que passou a ser
responsável pela elaboração dos Estudos e do Relatório de Impacto Ambiental.
Além de uma nova consultoria e um novo processo de licenciamento, havia também
um novo projeto de engenharia, evitando-se, por exemplo, um desvio de dez
quilômetros do leito original do Rio Ribeira.
Entre tantas “idas e vindas”, marcadas fortemente por resistências dos mais
diversos tipos, tanto da sociedade civil em geral, dos movimentos de populações
tradicionais como os quilombolas, das organizações de agricultores, de ONGs
ambientalistas, dentre outros, o processo de licenciamento da UHE Tijuco Alto vem
sendo construído de maneira atípica, já que se encontra em sua terceira tentativa de
aprovação ao longo destes anos. É em cima dos últimos estudos, elaborados pelo
CNEC, que faremos algumas breves colocações com o intuito de se refletir sobre o
uso e a validade deste instrumento – cuja obrigatoriedade para o licenciamento
ambiental é assegurada por lei. Para tal, analisaremos alguns dos impactos
abordados, tanto àqueles relativos ao meio físico quanto ao meio sócio-econômico
afetados, que sofreram/sofrerão alterações caso a usina venha a ser concretizada.
2.1 O RESERVATÓRIO: UM ELEMENTO IMPORTANTE PARA O ENTENDIMENTO
DOS IMPACTOS
Um dos principais fatores que interferem nos impactos abordados pelos
Estudos de Impacto Ambiental de grandes empreendimentos hidrelétricos é a
formação de um reservatório, que se enche à montante do local de instalação da
barragem de concreto, constituindo a porção do que se intitula “Área Diretamente
afetada2” (ADA) do empreendimento. No caso da UHE Tijuco Alto, este reservatório
inundaria, em nível d’água máximo normal, uma área de aproximadamente 43,8 km².
1 Como já apontado no capítulo 1, este documento teve a finalidade de fornecer subsídios técnicos
2 É constituída pela área do reservatório e mais uma faixa de 100 metros ao redor do mesmo (CNEC,
2005).
32
Já para o nível máximo excepcional, usado para controle de cheias, a área inundada
seria de aproximadamente 56,59 km², atingindo grande parte do município de Cerro
Azul (PR), bem como os municípios de Adrianópolis (PR), Doutor Ulysses (PR),
Itapirapuã Paulista (PR) e Ribeira (SP), em menores proporções (CNEC, 2005).
A formação deste reservatório em si, não é enumerada enquanto impacto,
mas sim, apontada como um “fator gerador de impacto”, visto que um reservatório
constitui parte estrutural de uma obra hidrelétrica. Desta forma, além dos impactos
gerados pela mobilização da obra, muitos impactos acabam tendo interconexão
direta com a criação deste grande lago. Em relação a Tijuco Alto, a hipotética
criação do reservatório resultaria – e já resultou em algumas situações, como
aquelas relacionadas com a movimentação dos empreendedores na aquisição de
terrenos a serem inundados, que veremos mais adiante – em conseqüências sociais
e ambientais.
A respeito das consequências mais gerais que a instalação de uma usina
hidrelétrica pode ter, tanto de grande quanto pequeno porte, estão àquelas
associadas com a inundação de grandes áreas, que afetam não só o patrimônio
natural e paisagístico (flora), mas também modificam a fauna local, os modos de
produção e de subsistência de algumas populações, o patrimônio arquitetônico, as
benfeitorias construídas (escolas, postos de saúde, igrejas), o patrimônio
espeleológico (cavernas), a hidrologia, a geomorfologia. Estes e inúmeros outros
aspectos foram encontrados de maneira recorrente em alguns dos Estudos de
Impacto Ambiental de empreendimentos hidrelétricos no estado do Paraná,
analisados durante o período de execução desta pesquisa. Em função desta enorme
gama de transformações, é obrigação de o empreendedor apontar em seus estudos
quais as consequências específicas, ou seja, quais impactos a obra proporcionará,
analisados sobre três eixos: meio físico, meio biótico e meio socioeconômico. E a
partir disso propor medidas que visem mitigar ou compensar os efeitos destes
impactos, através de programas ambientais.
No entanto, cabe aqui fazer uma ressalva: é importante complementar que a
idéia de “atingidos” pela construção de uma barragem não se resume àqueles que
são afetados pelo reservatório. Vainer (2008) observa que o conceito de atingido é
mais amplo do que se supõe e faz esta distinção entre “atingido” e “inundado”.
33
A concepção hídrica foi fortalecida pela legislação referente a compensações financeiras, uma vez que esta considera que os municípios a serem compensados são aqueles que têm parte de seus territórios inundados. Ora, em muitas ocasiões tem ficado evidente que municípios sem qualquer área inundada podem sofrer mais severamente as conseqüências da implantação de uma hidrelétrica que municípios com áreas tomadas pelas águas do reservatório, mas isso não é contemplado pela legislação, em virtude da concepção hídrica (VAINER 2008, p.6 - grifo no original).
O autor ainda ressalta que, dentro do grupo dos “inundados”, só são
considerados passíveis de compensação pelos empreendedores aqueles que
possuem o domínio e a propriedade da terra, afirmando que no Brasil prevalece a
lógica de compensação que fundamentada numa estratégia “territorial-
patrimonialista”.
Na prática, a conseqüência da concepção hídrica tem sido a sistemática omissão diante dos efeitos do empreendimento na vida de populações não atingidas pelas águas, efeitos que podem ser, e em muitos casos têm sido, dramáticos. Na verdade, a concepção hídrica não é senão uma reformulação da concepção territorial-patrimonialista, uma vez que continua prevalecendo a estratégia exclusiva de assumir o domínio da área a ser ocupada pelo projeto, e não a responsabilidade social e ambiental do empreendedor (VAINER 2008, p.6).
Porém, para fins desta pesquisa, nos ateremos apenas a analisar impactos
que tenham relação com a formação do reservatório de Tijuco Alto. Diante do
exposto, o que se tentará a seguir é esboçar uma breve análise crítica de alguns
destes impactos e, para isso, abordaremos impactos referentes a dois eixos
prioritários: o meio físico e o meio socioeconômico. De cada um desses eixos serão
abordados dois impactos, sendo um de caráter positivo e outro de caráter negativo.
2.1.1 Impactos sobre o meio físico
Neste subitem pretendemos analisar de que maneira foram apresentados,
definidos e exemplificados alguns dos componentes ambientais incidentes sobre o
meio físico das referidas àreas onde haverá interferência da usina hidrelétrica,
atentando-se para alguns mecanismos discursivos utilizados pelo empreendedor.
34
Perda e Alterações no Patrimônio Espeleológico Existente (negativo)
Na chamada Área de Influência Direta (AID)3 do empreendimento foram
identificados alguns aspectos do Patrimônio Espeleológico regional: 450 dolinas, 52
cavidades naturais subterrâneas, 59 feições secundárias, 4 sumidouros e 8
ressurgências. O reservatório de Tijuco Alto irá afetar, especialmente, duas
cavernas: Gruta do Rocha e Gruta da Mina do Rocha; além disso, outras feições
secundárias também sofrerão interferências, tais como os buracos da Figueira, da
Porteira Preta, Quente e Frio; paredões das Dolinas e da Serra da Balança, Pedra
do Morcego e tocas da Ilha Rasa e do Mamed II.
Com o intuito de valorar o patrimônio espeleológico impactado, a CNEC,
consultora ambiental responsável pelos estudos, caracterizou os elementos afetados
da maneira que se segue. Em relação ao que se observa na Gruta da Mina do
Rocha, é dito que “a gruta já está muito degradada, apresentando pichações,
espeleotemas quebrados e muita fuligem decorrente das detonações e de outras
operações da antiga mina.” (CNEC, 2005, p. 27 [seção P-14]). Complementa, a
respeito da biodiversidade encontrada, que “apresenta uma baixa diversidade,
composta por apenas 13 táxons registrados, e nenhuma espécie exclusiva do
ambiente subterrâneo foi registrada.” (ibidem, grifo nosso).
Sobre a Gruta do Rocha, afirma-se que ela detém:
A maior diversidade da AID com 40 espécies, destacando-se das demais cavernas por apresentar uma fauna aquática de grupos comumente registrados no ambiente subterrâneo. Esta diversidade contempla três espécies restritas ao ambiente cavernícola, de interesse biológico, mas também encontradas em outras cavernas da região do Vale do Ribeira. (ibidem, grifo nosso)
Em relação às outras nove feições secundárias situadas na região, já citadas
anteriormente, o corpo técnico garante que são constituídas por “buracos, tocas e
paredões/pedra com pouco significado em termos de patrimônio espeleológico”
(p.26).
3 Área sujeita aos impactos diretos da implantação e operação do empreendimento. A delimitação
dessa área considerou as características sociais, econômicas, físicas e biológicas dos sistemas estudados e das particularidades do empreendimento. Compreende os municípios de Ribeira e Itapirapuã Paulista, no estado de São Paulo, e Adrianópolis, Cerro Azul e Doutor Ulysses, no Paraná para o meio socioeconômico e parte desses municípios (a parte da bacia hidrográfica cujos rios correm para o reservatório) para os meios físico e biótico (parte dos componentes da natureza que não têm vida e os que têm vida). (CNEC, 2005)
35
Com um olhar atento sobre o que está sendo colocado, percebe-se que o
impacto sobre estas estruturas, apontado como negativo e irreversível para a AID,
devido a sua localização no montante compreendido para inundação pelo
reservatório é, sensivelmente, considerado “menos impactante”, pela forma como
está descrito. O que se supõe é que o intuito do consultor é amenizar a perda
irrecuperável destas cavernas e feições e, para isso procura demonstrar a pequena
importância destes elementos, tanto em relação à diversidade encontrada
(considerada baixa); quanto à não exclusividade das “poucas espécies encontradas”
e/ou ao seu estado de conservação. O reducionismo quanto à relevância destas
grutas se reafirma quando, no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), se esboça a
afirmação de que “as únicas grutas que serão inundadas com a construção da UHE
Tijuco Alto são a Gruta do Rocha e a Gruta da Mina do Rocha. Nenhuma dessas
grutas apresenta potencial turístico.” (CNEC, 2004, p. 74 – [seção P-14])
Figura 5 – No RIMA4, o personagem “Tio Juco”
5 dá o seu parecer sobre este
impacto. Fonte: CNEC, 2005
4 O RIMA tem caráter informativo e divulgativo, já que é o documento pelo qual a população geral
conhece um empreendimento, ao contrário do EIA, que por ser o registro encaminhado para avaliação de profissionais e especialistas, possui linguagem mais técnica e rebuscada, além de apresentar conteúdo mais detalhado. Por esta razão, o RIMA possui uma linguagem mais acessível, já que consiste numa adequação do EIA. 5 No caso do empreendimento em questão, o recurso de linguagem utilizado foi uma história em
quadrinhos intitulada “Adriana e o Ribeirinho em: conhecendo o projeto Tijuco Alto”, onde o personagem “Tio Juco” é uma espécie de super-heroi da informação – a personificação da usina, “super-heroína do desenvolvimento” - que chega à região para apresentar Tijuco Alto aos jovens “Adriana” e “Ribeirinho”. Tio Juco vai, ao longo do documento, tecendo comentários e pontuando informações a respeito da hidrelétrica, criando um enredo que vai se desenrolando ao longo do RIMA.
36
Efeitos sobre as cheias no rio Ribeira a jusante do reservatório (positivo)
Outro impacto apontado pelo EIA, desta vez de caráter positivo, seria a
possibilidade de o reservatório atuar na contenção de cheias na região. O Vale do
Ribeira está localizado em área de transição entre os climas tropical e semi-tropical,
portanto, com temperaturas médias variando em torno dos 17º aos 25º ao longo de
todo o ano, tendo a média em janeiro – o mês mais quente – próxima da marca dos
28º. Tais características delegam a região alto padrão de umidade e frequência de
chuvas. Seu trimestre mais úmido corresponde aos meses de dezembro, janeiro e
fevereiro (verão) e o trimestre mais seco, aos meses de junho, julho e agosto
(inverno) (CNEC, 2005).
Ao mesmo tempo em que se esboça este panorama climático, a falta de
estrutura adequada para o volume de chuvas, a ausência de políticas públicas
efetivas focadas neste problema, o desmatamento das margens do Ribeira, são
alguns dos fatores que fazem a região ser altamente suscetível às enchentes. Neste
cenário, o estudo aponta como seria a altura da lâmina de água caso existisse a
UHE Tijuco Alto em janeiro de 1997, época em que se registrou a maior cheia da
região (CNEC, 2005, p. 48 [RIMA]). Afirma-se, pois, que “as análises efetuadas
sobre o controle de cheias assinalam expressivo benefício em consequência da
implantação da UHE Tijuco Alto, com abatimentos das ondas de cheias observadas
até a localidade de Sete Barras.” (ibidem).
Nesse discurso, a barragem não é geradora de uma vulnerabilidade, mas aquilo mesmo que retira a localidade de sua vulnerabilidade prévia em relação às formas alocativas dos mananciais, vistas como formas de manejo atrasadas. Na lineraridade em que este discurso opera, aquilo que retira uma localidade da vunlerabilidade não pode, dialeticamente, produzir um outro tipo de vulnerabilidade. Apenas produz o progresso infenso de riscos (VALENCIO; GONÇALVES; MARCHEZINI, 2009, p.5).
No entanto, os benefícios de tal contenção estariam limitados
geograficamente a algumas porções do rio Ribeira, em específico, às porções à
montante da instalação da barragem.
Aspecto a ser ressaltado quanto ao controle de cheias refere-se à localização das precipitações, pois os maiores benefícios promovidos pelo aproveitamento ocorrem quando as chuvas ocorrem na parcela da bacia situada a montante do eixo de Tijuco Alto. Em condições meteorológicas inversas, quando o núcleo chuvoso se posiciona nas porções médias e
37
baixas da bacia, os efeitos de amortecimento das ondas de cheias serão atenuados ou mesmo anulados, já que a principal parcela das vazões contribuintes deverá provir das porções a jusante do eixo, portanto fora da influencia do controle operacional de Tijuco Alto (CNEC, 2005, p.48– [seção P-14]).
Logo, como é possível tratar este aspecto como positivo, visto que não
chove somente próximo ao eixo da barragem, mas sim, há um padrão de chuvas em
toda a região? Sevá Filho, Rick e Minello (2007) haviam afirmado que, desde os
primeiros estudos apresentados pela CBA, os argumentos que apontavam a
positividade deste impacto já haviam sido desconstruídos por Bermann (1993), que
analisou criteriosamente os estudos elaborados pela Intertechne (primeira consultora
contratada pela CBA) e acrescenta:
A represa Tijuco Alto iria receber águas de rio em época de chuvas, em períodos de chuva bem intensa por poucas horas ou poucos dias; portanto, uma bela proporção de barro, de areia, seixos e pedras roladas, de restos de árvores, tranqueiras. Assim, quanto mais vezes atuar nessa função, ao longo do tempo, a represa tem que acumular sólidos, vai se entupindo, não tem como não se entupir. Vai perdendo justamente sua habilitação em dispor de “volumes de espera”. Todos sabem: entupindo, acumula mais sólido e menos líquido. Pela lógica, pode ser que a operação da usina Tijuco Alto realmente favoreça o amortecimento da onde de cheia do rio Ribeira... Mas pode igualmente acontecer das cheias no corpo da represa e rio abaixo serem ainda piores e menos controláveis que as atuais. (SEVÁ FILHO, RICK E MINELLO, 2007, p.15- grifo no original)
O que se observa na região é uma fraquíssima adequação para qualquer
elevação do nível do rio, o que, com a formação de um reservatório de tamanha
extensão, seria inevitável. Um dos exemplos mais recentes, e que reafirmam quão
inadequada é a ideia de um reservatório na região, foi a queda da ponte
intermunicipal, que liga Dr. Ulysses a Cerro Azul, em 1º de agosto de 20116. O único
acesso entre as duas cidades, que servia como via de transporte dos moradores,
mas, especialmente, da escoação da produção agrícola para comercialização, foi
destruído pelos elevados volumes d’água decorrentes das chuvas que caíram sobre
o Vale do Ribeira naquele mês.
Em visita à região, o que podemos observar é um precário sistema de
transporte para os moradores, que passaram a exercer suas atividades diárias
6 Ver mais em MARQUES (2011) e ANTONELLI (2011)
38
através de pequenos barcos ou balsas, os quais são carregados na margem
esquerda do rio e descarregados após a travessia. São enormes quantidades de
caixas com produtos agrícolas – em destaque para a tangerina ponkan. Além deste
problema enfrentado, a simples travessia diária para os moradores foi dificultada, e
nas poucas barcas e balsas existentes, o que se vê é a formação de enormes filas,
que muitas vezes duram até duas horas para realizar uma simples travessia.
A situação de alta intensidade de chuvas que caem em regiões com muita
umidade como é o Vale do Ribeira, provocando estragos ao longo das margens do
rio, evidencia a fragilidade ambiental natural daquela região. Somando esta situação
à presença de populações ribeirinhas e/ou habitantes próximos dos rios e a falta de
investimentos em infraestruturas adequadas às circunstâncias físicas, fica claro que
com a presença de uma barragem, a situação das cheias só tenderia a piorar,
expondo os moradores a uma maior suscetibilidade socioambiental. Este fato por si
só serve para invalidar todo o argumento de que a UHE Tijuco Alto cumpriria a
função de contenção de cheias na região.
Aprofundando-se nesta questão, em que se evidencia um ambiente de
suscetibilidade para as populações residentes próximas aos rios, Acselrad, em
exposição durante o I Seminário Ecossocialismo e Sustentabilidade7, traz a noção
dos riscos ambientais que certos grupos assumem de acordo com o local onde
habitam. Neste debate, o autor incute a idéia de que os riscos ambientais são
diferenciados e diferentemente distribuídos entre os diversos sujeitos sociais.
Aqueles que se predispõem a assumir os riscos dos conflitos ambientais são
geralmente as comunidades pobres, de baixa renda, que se submetem, por falta de
opção, a habitar locais degradados. Este fato promove aquilo que se denomina de
“injustiça ambiental”, fator que está intimamente ligado à desigualdade social, pois
há o lado dos que promovem o progresso e o lado dos que arcam com as
conseqüências e com as responsabilidades dos problemas ambientais gerados por
este mesmo progresso. Destinam-se aos mais fracos os prejuízos da
desorganização da sociedade, gerando “racismo ambiental”.
Retomando o foco das cheias, além de desconstruir os argumentos de
contenção da água, Sevá Filho et al. (2007) também discutem mais um problema.
7 Notas pessoais da exposição de Henri Acselrad no dia 8 de julho de 2011 na mesa intitulada “Meio
Ambiente e Justiça Socioambiental”, durante o I Seminário Ecossocialismo e Sustentabilidade, realizado pela APP-Sindicato, em Curitiba (PR).
39
Ao invés de conter as cheias, a barragem acabaria contendo estes sólidos que vêm
carregados pelo fluxo do rio (galhos, seixos, etc.). Isto diminuiria a massa de
nutrientes naturais e orgânicos, prejudicando as atividades à jusante, como a
agricultura de várzea e influindo sobre a diminuição do volume dos pescados por
inexistência de matéria suficiente para alimentação, promovendo uma “degradação
cumulativa de ecossistemas” (ibidem). Neste sentido, a única efetividade deste
argumento seria entendida somente com a construção das outras três hidrelétricas
previstas rio abaixo- UHE Itaoca, UHE Funil e UHE Batatal - já que, conjuntamente,
poderiam atuar como um sistema de contenção de cheias. Enfim, trazer este ponto
como afirmativo junto aos impactos do empreendimento só serve como mais um
precedente e incentivo para a liberação posterior da construção destas outras
barragens. Ainda assim, é sempre importante ressaltar que a função de uma
barragem é a produção de energia – e não a contenção de cheias - e, para isso, é
preciso que a água atravesse as comportas, ou seja, esteja sempre em movimento.
Portanto, não liberar água significa não produzir energia e este não é, claramente, o
objetivo do empreendedor. (ISA, 2002)
2.1.2 Impactos sobre o meio socioeconômico
Neste subitem pretendemos dar continuidade na análise dos componentes
apresentados, definidos e exemplificados, mas, neste momento, focaremos nossa
análise naqueles incidentes sobre o meio socioeconômico; também utilizar-se-á da
observância de mecanismos discursivos utilizados pelo empreendedor.
Impactos relacionados ao processo de aquisição de terras efetuadas pela
CBA, no período 1988/99 (negativo)
40
Figura 6 – Adriana, personagem doRIMA, demonstra qual é a base econômica da
população atingida. Fonte: CNEC, 2005
O recente EIA também traz um impacto que teve seus efeitos já nos
primeiros anos de ações visando a implantação de Tijuco Alto. A não consolidação
da obra não impediu, no entanto, que algumas transformações prévias fossem
ocorrendo e uma das principais está relacionada à venda de propriedades nas áreas
que viriam a ser diretamente afetadas pelo empreendimento.
O empreendedor já vinha conduzindo ações que determinaram impacto principalmente no tocante à aquisição de terras (cerca de 90% das áreas necessárias, sem ter a licença ambiental para tal). A aquisição desencadeou impactos adversos, criando passivos: evasão rural, desarticulação da produção agrícola, urbanização da população rural, afetação das relações sócio-econômicas regionais, efetivação de negociações sem o acompanhamento do poder público competente para garantir o cumprimento de direitos básicos dos atingidos, que propiciou um cenário desfavorável aos mesmos sem que pudessem contar com canal de interlocução e intermediação dos direitos feridos; criação de falsa noção de poder consumado e impotência do atingido diante da crença de que o poder do dono do projeto era inquestionável. (CNEC, p. xli – [seção B])
A partir de relatos de moradores e agricultores da região, o período em que
houve a maior parte das vendas de terras foi entre os anos 1989 e 1991, quando
muitos agricultores familiares deixaram suas propriedades. No entanto, a existência
de um grande número de não-proprietários, ou seja, de meeiros, posseiros e
arrendatários, foi um fator que deu origem a uma série de problemas, visto que a
CBA declarou que arcaria apenas com os custos de indenização para os
proprietários diretos. Neste ínterim, muitos dos não-proprietários que queriam
permanecer na terra, foram obrigados a sair por vontade do proprietário, aos quais
eram dirigidas as negociações, formando, por sua vez, um grupo de deslocados
compulsoriamente pelo empreendimento. De acordo com a CNEC (2005), foram
adquiridos, ao todo, 377 imóveis, relativos a 286 proprietários.
Outro aspecto a se ressaltar é que o processo de negociação levado à época voltava-se exclusivamente aos proprietários dos imóveis, sendo que os mesmos deveriam se responsabilizar pelos meeiros, arrendatários e empregados que moravam ou trabalhavam em suas terras. Por conseguinte, este segmento que não foi objeto de preocupação nem do
41
empreendedor e nem dos proprietários acabou por ter que deixar as propriedades sem qualquer perspectiva de trabalho ou local de moradia (...) sem nenhum benefício social com o intuito de apoiar a recomposição do cotidiano dessas famílias. (CNEC, 2005, p.65 [P-14])
O que houve, de acordo com moradores da comunidade do Mato Preto, em
Cerro Azul, e com base em levantamentos concretos realizados com esta
população, foi a dispersão de muitos destas pessoas, que se direcionaram a outras
cidades ou a outros bairros, perdendo seus laços de trabalho e convivência.
Jeronymo (2007) em levantamento a respeito dos destinos desses ex-moradores
localizou 17 não-proprietários que residiam em algumas comunidades inseridas na
AID do empreendimento, a maior parte formada por posseiros. A partir de
informações coletadas, o autor traçou os destinos destas pessoas após serem
deslocadas da comunidade, algumas tendo até 3 deslocamentos distintos.
Apenas para se ter uma noção dos itinerários de algumas destas pessoas,
destaca-se na tabela abaixo a situação de alguns ex-moradores da comunidade de
Mato Preto. A maior parte foi morar em outras sedes municipais, fora da AID, mas
dentro da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), como por exemplo, nos
municípios de Almirante Tamandaré ou Rio Branco do Sul. Visto que este grupo
ficou sem receber nenhum dos benefícios previstos com o empreendimento – nem
indenização, nem empregos, contribuíram para ampliar processos de marginalização
desencadeados com a pré-concepção de Tijuco Alto.
Os laços de sociabilidades, as relações comerciais, o escambo e a criação de animais, as produções agrícolas, as propriedades distantes umas das outras e dos estabelecimentos comerciais comunitários, são vítimas do processos de desorganização orquestrado pelo empreendedor (JERONYMO, 2007, p.21)
A nota do CEDEA- Centro Estudos, Defesa e Educação Ambiental sobre
Tijuco Alto ratifica esta situação:
Embora seja citada Adrianópolis como local da barragem, a área a ser inundada fica em Cerro Azul, onde o impacto sócio-econômico já é grande, pois somente a notícia da construção da usina já provocou, na década de 90, êxodo rural e enfraquecimento da economia ribeirinha (Rio Ribeira). Muitos trabalhadores que eram meeiros ou pequenos produtores são hoje “bóias-frias” em Cerro Azul ou “operários” da CBA em Rio Branco do Sul, Itaperuçu ou Almirante Tamandaré. Portanto, a CBA JÁ TEM UMA DÍVIDA SÓCIO-ECONÔMICA BASTANTE SIGNIFICATIVA COM O MUNICÍPIO DE CERRO AZUL (CEDEA, 2004, p.1 – caixa alta no original)
42
Tabela 6 – Destinos de moradores da comunidade de Mato Preto, em Cerro Azul (PR). FONTE: Tabela elaborada pela autora com base em JERONYMO (2007) – pesquisa de campo (outubro de 2006)
Ainda sobre os processos de aquisição destas propriedades, em conversa
com moradores e/ou parentes de moradores da comunidade do Mato Preto, foi
afirmado que, desde o início da década de 90, quando a CBA passou a adquirir os
imóveis que seriam inundados pela barragem, os representantes da empresa se
utilizaram de estratégias que ameaçavam os direitos e impediam que os processos
de compra fossem efetuados sob trâmites legais. Alegam que foi feita muita
“pressão psicológica” durante os processos de negociação, pois eram dados prazos
apertados para a negociação dos imóveis; logo, quem não saísse teria sua casa e
benfeitorias inundadas. Outra forma de pressão foi em relação aos preços dos
imóveis que, se negociados com a CBA, seriam comprados a um “preço de
mercado” e que depois, para aqueles que não haviam vendido, a única solução seria
negociar com o governo, com valores muito inferiores aos do empreendedor.
Ainda a partir de informações recolhidas em campo, os interlocutores
disseram que os responsáveis pelas negociações, inclusive, se propuseram a
adquirir as propriedades de maneira alternada espacialmente, ou seja, em série de
aquisições, que funcionava da seguinte forma: num grupo de três propriedades, era
feita a negociação com o primeiro e o terceiro dono; ao segundo, que residia na
interseção dos imóveis já adquiridos, não restava alternativa a não ser também
vender a sua terra, afinal, todos os proprietários vizinhos já haviam vendido. Por
vezes a CBA também anunciava que já tinha a posse de toda a terra a ser inundada,
Categoria/AID Deslocamento 1 Deslocamento 2 Deslocamento 3
1. Meeiro – Mato Preto Três Barras – Cerro Azul (PR)
2. Meeiro – Mato Preto Poço Negro – Colombo (PR)
Bocaiuva do Sul (PR)
Jardim Eliane – Cerro Azul (PR)
3. Meeiro – Mato Preto Colombo (PR)
4. Meeiro – Mato Preto Colombo (PR)
5. Meeiro – Mato Preto Abacaetava – Colombo (PR)
6. Meeiro – Mato Preto Sem deslocamento, proprietário não negociou
7. Meeiro – Mato Preto Poço Negro – Colombo (PR)
8. Traballhador diarista– Mato Preto
Poço Negro – Colombo (PR)
Vila Macieira – Rio Branco do Sul (PR)
9. Traballhador diarista– Mato Preto
Boqueirão – Curitiba (PR)
Poço Negro – Colombo (PR)
43
mesmo que isto fosse um argumento falacioso. Foram estratégias de pressão
amplamente utilizadas pela empresa, responsável por gerar um quadro ainda maior
de instabilidade social para os moradores na região.
Formação de locais de interesse turístico (positivo)
Um segundo impacto sobre o meio sócio-econômico apontado como sendo
positivo, é a influência que a instalação da UHE Tijuco Alto teria sobre o turismo na
região. De acordo com os consultores, a formação do lago do reservatório da
barragem se tornaria um atrativo para visitantes na região, compondo assim, mais
um ganho financeiro para os municípios com terras inundadas.
A alteração que irá ocorrer na fase final da implantação da UHE Tijuco Alto,
quando do enchimento do reservatório, tem aspectos positivos se considerarmos que o lago terá uma grande potencialidade paisagística, podendo atrair atividades de recreação e lazer, potencial este reforçado pela proximidade da área em estudo à Região Metropolitana de Curitiba. O reservatório de Tijuco Alto, no rio Ribeira, pode ser aproveitado para atividades turísticas e de lazer, propiciando novas oportunidades de desenvolvimento do turismo em toda a área de influência do empreendimento. (CNEC, 2005, p. 83 [seção P-14])
Ao mesmo tempo em que afirma que há esta possibilidade, o EIA caracteriza
alguns dos principais atrativos naturais que existem na região, em especial, em
Cerro Azul, local onde nos aproximamos nesta pesquisa. É ressaltado o próprio
apelo do Rio Ribeira para atividades de lazer e turismo, pois possui “leves
corredeiras que poderiam ser usadas para a prática do rafting, e que deverão ser
submersas pela implantação da UHE Tijuco Alto.” (CNEC, 2005, p.82, [seção P-14]).
Outro atrativo seria a Gruta do Bom Sucesso, existente em localidade rural chamada
Bom Sucesso, distante em dez quilômetros do centro da cidade e que possui dois
salões com espeleotemas e um pequeno lago em seu interior. Outros aspectos
referem-se, inclusive, ao próprio patrimônio arquitetônico, encontrados
especialmente nas casas da vila do Rocha e da comunidade do Mato Preto, com
forte influência europeia e da imigração estrangeira, bem como da arquitetura do
Segundo Império e que, de acordo com os estudos “desaparecerão com o
reservatório”.
Uma das formas de desvalorizar a importância destes elementos de apelo
turístico é justamente afirmar que eles já não possuem nenhuma importância e,
44
portanto, não “farão muita falta”. Os consultores reiteram ao precário estado de
conservação e de infraestrutura destes elementos, fatos que não permitem o
aproveitamento destas características para estimular o turismo regional. O que
opõem com os argumentos sobre as inúmeras possibilidades geradas pelo
hipotético reservatório.
Com a implantação do reservatório cria-se um novo espaço de beleza no cenário local, que será apropriado pela população para entretenimento, criando-se oportunidades de navegação, esportes náuticos e outras práticas de lazer. O Plano de Uso e Conservação do Entorno do Reservatório que é proposto cuida desses aspectos constatados, entre outros. (CNEC, 2005, p.99 [RIMA])
Moradores da região e organizações ambientalistas, como o CEDEA –
Centro Estudos, Defesa e Educação Ambiental já vêm destacando, ao longo dos
anos, que o município de Cerro Azul possui outras potencialidades turísticas – o que
se diagnostica no próprio estudo da CNEC – que não são aproveitadas. Eles
acreditam que o turismo rural se faz em conjunção com aquilo que as cidades
possuem de natural e com as tradições locais, de forma a promover uma atividade
participativa, que envolva os moradores da região, e na qual haja efetiva distribuição
de benefícios. Em “Nota do CEDEA sobre a Hidrelétrica de Tijuco Alto”, essa
perspectiva é apontada.
Existem propostas de incentivo ao eco-turismo rural, como forma de buscar alternativas para a auto-sustentabilidade local e a construção dessa usina ali inviabiliza esta proposta. ECO-TURISMO RURAL SE FAZ APROVEITANDO E VALORIZANDO A CULTURA, OS COSTUMES E AS TRADIÇÕES LOCAIS E NÃO DESTRUINDO ISSO TUDO E BUSCANDO IMPLANTAR OUTROS ATRATIVOS NÃO CONDIZENTES COM A REALIDADE DO MUNICÍPIO (CEDEA, 2004, p. 2 – caixa alta no original).
Diante destas proposições, questiona-se o seguinte: como pode, por
exemplo, a construção de uma barragem e de seu reservatório atrair mais turistas do
que o aproveitamento do próprio patrimônio natural proporcionado pelo Rio Ribeira?
Afirmar, do contrário, que a formação de um reservatório é mais importante do ponto
de vista turístico é simplificar/banalizar/afrontar/negar a diversidade social, natural e
cultural de uma região. Deste ponto de vista, abdicam-se de projetos que integrem
efetivamente as comunidades locais residentes, que permitam redistribuição de
45
renda e aproveitamento das potencialidades. É mais “simples” transformar tudo em
um grande reservatório e daí se inventarem formas de “fazer turismo”, que se
resumem a um turismo de “natureza morta”.
Em conversa com moradores da região, percebe-se a consciência de que a
atividade turística seria uma grande estratégia para o Vale do Ribeira, pela
possibilidade de aproveitamento das corredeiras do rio para a atividade do rafting;
pela gastronomia regional; pelas belas paisagens vegetadas e preservadas de Mata
Atlântica. No entanto, o que eles apontam é um profundo descaso do poder público
em incentivar tais atividades, ao mesmo tempo em que, ao permitir a instalação da
UHE Tijuco Alto, estaria proporcionando não a valorização, mas a destruição de todo
este cenário, que seria aproveitado utilitariamente e de forma degradante.
2.2 COMPENSANDO OS IMPACTOS?
Apesar das constatações a respeito dos impactos analisados acima - ainda
que alguns sejam apontados como de caráter positivo - eles possuem uma série de
equívocos não considerados nos Estudos de Impacto Ambiental. Observa-se, nestes
documentos uma tendência a afirmar que sem a instalação da UHE Tijuco Alto o
cenário seria ainda pior ou se manteria tal como está. Os impactos considerados
negativos são sempre passíveis de compensação através dos programas
ambientais; já os impactos positivos, passíveis de potencialização, tornando o
cenário ainda melhor.
Trabalha-se, ao longo dos estudos, com a proposta de “responsabilidade
ambiental e social” da empresa. Um exemplo: embora o enchimento do reservatório
impacte sobre áreas de vegetação nativa, a CBA se propõe a realizar
reflorestamento no entorno do reservatório ou a criar unidades de conservação.
Lembra-se também sobre a quantidade de geração de empregos e de repasse de
royalties para os municípios afetados – ainda que nem todos tenham o acesso a
essa recompensa financeira, conforme isenção prevista na Lei nº 9.990/89.
Ratificando os benefícios oriundos desta obra, o prognóstico, de Tijuco Alto, resulta
na conclusão de que “pior que está não pode ficar”. Afinal se o ambiente já é
“antropizado”, “degradado”, o que pode acontecer será sempre de “ordem superior”,
“melhor” do que o que acontece hoje. Há, no discurso do empreendedor e da
46
consultora responsável a exaltação de melhores condições no momento posterior à
obra.
Em relação à exaltação dos aspectos positivos e ao apagamento das
contradições geradas com a instalação de um projeto deste porte, as contribuições
de Acselrad e Bezerra (2010) se fazem pertinentes, pois colocam um cenário de
“resolução negociada dos conflitos ambientais”, caracterizada pela influência de
experts na apreciação dos litígios ambientais e na predominância de soluções
amparadas em medidas compensatórias, muitas com atribuição de valor aos
impactos.
Os discursos que evocam a possibilidade de resolução dos conflitos pela via da compensação econômica enfatizam, em geral, duas “virtudes”: a possibilidade de que todos os entes do conflito vençam (ter algum tipo de compensação) e a oportunidade de se evitar que os litígios cheguem à esfera judicial (prática tida como intrinsecamente indesejável). A compensação econômica equacionaria o conflito no próprio âmbito dos atores envolvidos, esvaziando a possibilidade de evidenciar o confronto entre diferentes modelos de relação entre meio ambiente e sociedade. (ACSELRAD; BEZERRA, 2010, p. 50)
Heloisa Costa (2008) também retrata o funcionamento dos processos de
licenciamento ambiental, nos quais, segundo ela, é atribuída, na maior parte dos
casos, uma racionalidade econômica à natureza. Para a autora, a regulação
ambiental calcada sobre o princípio do “poluidor-pagador”, do ressarcimento e das
medidas compensatórias serve para legitimar o empreendedor com um falso direito
adquirido: o de apropriação da natureza. No entanto, acrescenta que este direito
consiste em permitir não somente o seu uso, mas eventualmente a sua degradação.
O licenciamento ambiental, inserido nesta lógica, apenas cumpre um papel
burocrático para a implantação destes empreendimentos, mas, no fim, os impactos
são sempre interpretados como mitigáveis, recompensáveis, solucionáveis. Costa
(2008) questiona: “se tudo está reduzido a um preço, trata-se então de discuti-lo?”
(p. 90). Como mensurar, então, a perda de vidas, cidades inundadas ou outras
perdas materiais?
Neste sentido, o licenciamento da UHE Tijuco Alto não foge à lógica de
outros empreendimentos. Ao mesmo tempo em que os documentos EIA/RIMA
estipulam uma série de aspectos positivos que podem ser associados à sua
implantação, paradoxalmente, trazem uma série de contradições. Como quantificar
em dinheiro determinados impactos desta grande obra? Qual o valor monetário se
47
faz justo e está à altura de compensar as perdas, muitas delas irreversíveis? Seriam
os impactos efetivamente mitigáveis? Estas e outras questões servem de reflexão
para se pensar na possibilidade e na viabilidade deste empreendimento.
Uma série de problemas podem ser apontados desde a elaboração dos
estudos de impacto, passando pelas estratégias discursivas de coerção – e muitas
vezes omissivas dos reais desdobramentos destas obras - até a prática em si, ou
seja, as reais repercussões de uma hidrelétrica na conformação e na produção do
espaço geográfico e de novas relações econômicas, sociais e físicas. Apesar de
tantas contradições atravessadas no encaminhamento que tem sido dado a estes
megaprojetos de infraestrutura, eles permanecem ocupando um grande espaço na
agenda e nos financiamentos governamentais e permanecem inseridos em
projeções de longo prazo para o fortalecimento da matriz energética brasileira.
Sobre estes aspectos, trataremos com mais detalhes no capítulo seguinte.
48
3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O SETOR ENERGÉTICO
Este capítulo tem o objetivo de relatar alguns aspectos que caracterizam o
contexto do setor energético brasileiro na atualidade. Para tal, nos proporemos a
fazer um breve histórico das mudanças que ocorreram na administração do setor
nos últimos 40 anos, quando houve a passagem do papel preponderante do Estado
para a iniciativa privada, entendendo a UHE Tijuco Alto como expressão destas
transformações. Adiante, a ideia é trazer elementos que subsidiem a afirmativa de
que a matriz de energia hidrelétrica é e será ainda por muito tempo, alvo de pesados
investimentos, se reafirmando como uma das principais fontes de geração de
energia nacionalmente. Para isso, trataremos de alguns investimentos do Programa
de Aceleração do Crescimento, o PAC, para o setor, avaliando também o caso do
Paraná.
Num momento posterior, apresentaremos qual é o papel do Banco Nacional
do Desenvolvimento - BNDES na viabilização de investimentos infraestruturais, os
quais compreendem obras voltadas para geração, transmissão e distribuição de
energia, analisando a ampliação das formas de negociação a partir de Parcerias
Público-Privadas, também conhecidas como PPPs, na expansão do setor. Ainda
neste item, nos propomos a trazer um contraponto a respeito dos efeitos que a
privatização da energia tem repercutido na sociedade, apontado brevemente as
atuações do Movimento dos Atingidos por Barragens como ator que se opõe ao
modelo energético predominante.
3.1 MUDANÇA DE PARADIGMAS NO SETOR
Quando se trata especificamente de investimentos no setor energético
brasileiro, nota-se que o período após 2ª guerra mundial, até aproximadamente a
década de 70, o país passou a investir de forma massiva em infraestruturas para a
geração de energia. O que se teve de lá pra cá foi a adoção e o predomínio do
modelo de barragens no setor hidrelétrico brasileiro, que vem ganhando
expressividade principalmente em função da demanda imposta pelos projetos
49
industriais propostos no II Plano Nacional de Desenvolvimento, datado do período
de 1975 a 1979 (IGPLAN, 2010).
De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (2011), nesta
época,
Projetos “faraônicos” são levados adiante com o objetivo principal de gerar eletricidade para as indústrias que consomem muita energia - chamadas de eletrointensivas - e para a crescente economia nacional, que passava pelo chamado “milagre econômico”, durante a Ditadura Militar. (grifo nosso)
Na década de 80, houve uma estagnação do setor, que “culminou na
desestruturação dos fluxos financeiros e na desorganização da estrutura
institucional” (MMA, 2006, p.23). A necessidade de cada vez mais investimentos no
setor, paralelamente ao endividamento das empresas estatais, tendo como
representante nacional a Eletrobrás foram responsáveis por esta crise. Foschiera
(2009) relata que:
Nos anos de 1980, o setor elétrico será afetado pela crise financeira que se instaura em escala mundial e sofrerá as consequências econômicas gerais da denominada “década perdida”. A política energética brasileira tinha nos financiamentos externos um importante pilar de sustentação. As crises do petróleo (1973 e 1979) levaram o governo a investir mais em hidrelétricas e termoelétricas, num momento em que os juros internacionais se ampliavam. As tarifas foram utilizadas como arma inflacionária, mantendo os reajustes dos preços abaixo da inflação, fazendo com que as receitas de algumas empresas estatais não cobrissem seus investimentos, necessitando recorrer a novos empréstimos, que com a Moratória do México, em 1982, tornou-se mais difícil sua obtenção e com juros maiores (p.108).
Apesar da crise que afetava o setor, Foschiera (2009) afirma que “continuou-
se investindo em infraestrutura e modernização tecnológica, embora o Estado
apresentasse sua capacidade financeira praticamente esgotada” (p.109). Exemplo
disso é que muitas barragens foram construídas e postas em funcionamento durante
este período. Alguns exemplos são as barragens de Itaparica, no Rio São Francisco
(PE/BA), inaugurada em 1988; a usina de Itaipu (PR) no Rio Paraná e a UHE
Tucuruí (PA), no Rio Tocantins, ambas inauguradas em 1984.
A partir da situação que estava sendo traçada e diante da crise instaurada
no setor elétrico, “a passagem do modelo energético existente para um modelo
privado passa a ser justificado como uma ação natural, já que o primeiro havia se
configurado em um momento histórico já esgotado” (FOSCHIERA, p.109). Em
50
consonância ao movimento neoliberal na década de 90, o setor elétrico foi alvo de
uma reestruturação de investimentos, desta vez, comandada pela iniciativa privada.
No Brasil, um dos fatores que impulsionaram esta transformação no setor foi a foi a
Lei Nº 8.031, de 12 de abril de 1990, que, em seu Art. 1°, instituía o Programa
Nacional de Desestatização (PND), assinada pelo presidente Fernando Collor e que
tinha objetivos claros sobre o que se previa para o papel do Estado. Aqui,
destacamos apenas três objetivos do Programa:
I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada (BRASIL, 1990).
Porém, neste ínterim, PINHEIRO (2007) aponta que os investimentos em
infraestrutura de geração de energia por parte da iniciativa privada, foram
insuficientes e não o crescimento da demanda do setor elétrico no período que se
deu entre os anos de 1995 e 2001, culminando com a crise energética, chamada
também de “apagão”.
Durante seis anos de adiamento dos investimentos em nova capacidade de geração e transmissão, em 2001 a situação de crise e a ameaça de racionamento se concretizaram. Dessa maneira, a crise de racionamento de energia ocorrida no ano de 2001, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso (1999 – 2002), acabou por revelar falhas e limites do novo modelo, como a falta de investimentos em geração e em transmissão de energia elétrica, fato que levou à reformulação do modelo. Tal crise permanece sendo utilizada como argumento favorável à expansão do sistema elétrico. (PINHEIRO, 2007, p.18)
Apesar deste panorama, é da década de 90 que surgem os marcos jurídico
e regulatório que amparavam dois novos agentes de geração de energia: a Lei
9.074, de 1995, que cria a figura do “Autoprodutor” e do “Produtor Independente” de
energia e o Decreto nº 2003 de 10 de setembro de 19968, que regulamenta a
produção destes, o que deu abertura para que várias empresas atuassem na
produção, geração e transmissão de energia, tanto para uso exclusivo quanto
comercializável. Em suma, uma efetiva apropriação do setor por grupos privados
passou a ganhar destaque, resultando na substituição paulatina de um modelo
8 Art 2º, parágrafo II, do Decreto nº 2003 de 10 de setembro de 1996, que “Regulamenta a Produção
de Energia Elétrica por Produtor Independente e por Autoprodutor e dá outras providências”.
51
estatal para um modelo empresarial. Tais empresas se figuram não somente entre
as que consomem elevadas cotas de energia, mas também se apropriam dos meios
de produção dessa energia, isto é, das infraestruturas propriamente ditas, além de
fundirem investimentos internacionais com capital nacional para a construção de
hidrelétricas. Este modelo é o que prevalece na atualidade.
Dentre as principais indústrias eletrointensivas com capital internacional que investem na construção de hidrelétricas podemos destacar Alcoa Alumínio (EUA), CVRD (EUA), BHP Billiton (Reino Unido), e Alcan Alumínio (Canadá). Já entre as empresas que têm capital nacional podemos destacar: Votorantin Cimento, Camargo Corrêa Metais, Camargo Corrêa Cimentos, Companhia Brasileira de Alumínio. Essas empresas têm se utilizado da estratégia de se unirem em consórcios para participar das licitações, agregando-se com outras empresas que não necessariamente estejam ligadas ao setor industrial eletrointensivo, mas que desempenham uma importante função na construção ou financiamento das barragens, na exploração de água ou do consumo da energia produzida (FOSCHIERA, 2009, p.128 – grifo nosso)
Elas são responsáveis por todas as fases de concepção de
empreendimentos energéticos: atuam desde a contratação de empresas de
consultoria9 para a realização dos estudos técnicos de viabilidade e para a
elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, até
a administração destes empreendimentos, sendo proprietárias de muitas PCHs10 –
Pequenas Centrais Hidrelétricas – e CGHs11 – Centrais Geradoras Hidrelétricas ou
UHEs. No entanto, nem sempre são as que atuam sozinhas no financiamento das
obras, como veremos mais adiante.
No modelo anterior, a geração, a transmissão e a distribuição eram consideradas monopólios naturais. O novo sistema tinha como finalidade promover a competição onde fosse possível, ou seja, na geração e na comercialização (...). O setor elétrico brasileiro passou de um contexto de predomínio estatal, ambiente regulado e áreas de concessão, onde o
9 Um dos exemplos que evidenciam que as consultoras ambientais - responsáveis pelos estudos
técnicos de empreendimentos hidrelétricos - têm relação com as próprias empresas proponentes dos projetos, é o fato da consultora CNEC, responsável pelo EIA/RIMA de Tijuco Alto, já ter pertencido ao grupo “Camargo Corrêa”, uma das eletrointensivas apontadas por FOSCHIERA (2009). Porém, recentemente a CNEC foi vendida a um outro grupo estrangeiro do ramo, a empresa australiana WorleyParsons. Ver mais em: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/nprint/74328.html 10
Entende-se por Pequena Central Hidrelétrica uma central hidrelétrica com potência entre 1 MW e 30 MW, cuja extensão do seu reservatório não ultrapasse 3km² ( ou 300ha) de área alagada. Opera a “fio d’água”, o que significa que seu reservatório não altera substancialmente o fluxo de água do rio (ANEEL, 2011). 11
Centrais Geradoras Hidrelétricas são usinas com potência instalada de até 1000kw (1MW) que necessitam apenas de um simples registro para funcionar (ANEEL, 2011)
52
estado tinha propriedade dos ativos, controlava a operação, regulava os preços e serviços e o planejamento era determinativo, para um contexto baseado na livre iniciativa; na competição, na geração e na comercialização e na regulação dos preços para a transmissão e para a distribuição (MMA, 2006, p.24).
Se antes a geração e o controle das fontes de energia eram
majoritariamente de tutela do poder público, atualmente, a elevada demanda de
energia destes segmentos industriais e a regulamentação específica da modalidade
autoprodutora, permitem que o setor privado se aproprie da geração e do consumo
de parte da energia hidrelétrica, interferindo não só na transferência de
responsabilidades do poder público para o poder privado, mas também favorecendo
substancialmente a monopolização e privatização do setor hidrelétrico no país,
constituindo o Gilberto Cervinski, membro da Coordenação Nacional do MAB,
denomina de “latifúndios energéticos”.
Grupos que na época trabalhavam como empreiteiras, como a Camargo Corrêa e a Votorantim, são agora donos de barragens. Mas, quando o setor elétrico foi privatizado, a situação piorou porque todos os avanços que havíamos conquistado foram sendo desrespeitados pelas empresas (CERVINSKI, 2007).
Estes aspectos característicos de um modelo de geração de energia cada
vez mais privatizado demonstram que por trás de um discurso de geração de
empregos, de progresso e de desenvolvimento local que viriam “naturalmente”
acompanhados da instalação destes grandes projetos, está a intenção mais direta
da construção das UHE’s: a geração de energia para o abastecimento de indústrias
eletrointensivas. Tal constatação se evidencia devido à presença na região da CBA.
Como já apontamos, a CBA possui um complexo metalúrgico no município de
Alumínio (SP) e grande parte da sua produção é voltada para a exportação (ver
capítulo 1). Como o processo de produção do alumínio carece de alto consumo de
energia, fica clara a intencionalidade da CBA na construção da barragem de Tijuco
Alto, que busca a sua suficiência energética (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL,
2011). No jogo entre discursos e reais interesses, revelam-se os conflitos.
A opinião pública por sua vez é manipulada através de polpudas somas investidas na propaganda do governo e das obras, a nível federal, estadual e regional, ocupando rádios, jornais e televisão. Na propaganda as usinas são vendidas como sinônimo de desenvolvimento. Oculta-se que grande parte dos agricultores que tem suas terras desapropriadas para a
53
construção das usinas não tinha acesso a energia elétrica antes da obra e não o terá depois (SCALABRIN, 2006).
Carlos Vainer é incisivo ao afirmar que estes projetos
são empreendimentos que consolidam o processo de apropriação de recursos naturais e humanos em determinados pontos do território, sob lógica estritamente econômica, respondendo a decisões e definições configuradas em espaços relacionais exógenos aos das populações/regiões das proximidades dos empreendimentos(VAINER [1992, p. 34] apud PINHEIRO [2007, p.31]).
Diante do panorama exposto, nota-se que analisando a prática para além do
discurso do desenvolvimento e crescimento econômico, os benefícios sociais destes
empreendimentos são questionáveis. O que se apresenta é o anseio de uma
empresa privada pela sua soberania energética, a despeito dos interesses das
comunidades locais diretamente afetadas pela construção destas barragens e da
diversidade de usos e formas de apropriação dos territórios por estas mesmas
comunidades. Ana Esther Ceceña (2009) acredita que atualmente o cenário é de
conversão da natureza em elementos de disputa hegemônica, transformando os
territórios em peças-chave do mercado internacional de bens primários e onde
muitas vezes as comunidades locais são confrontadas com uma dinâmica
econômica que não corresponde aos seus modos de vida.
3.2 OS RECENTES INVESTIMENTOS NO SETOR ENERGÉTICO: O EXEMPLO
DO PAC
Atualmente, muito se fala de modelos alternativos para geração de energia,
tais como fontes de energia eólica e biomassa, por exemplo, consideradas mais
limpas do que outras matrizes energéticas, como a termoelétrica. No entanto, o
modelo de geração de energia hidrelétrica ainda é o predominante, possuindo
aproximadamente 82.073MW de potência instalada, com aproveitamento de 70,80%
desta capacidade disponível, de acordo com dados do Ministério de Minas e
Energia, de setembro de 2011. Ainda que se fale em alternativas e modelos
energéticos mais “limpos” e menos impactantes, num contexto de fortes restrições
socioeconômicas e ambientais, mas também de incremento da tecnologia para a
exploração de outras fontes, a realidade aponta que o modelo hidrelétrico ainda é o
54
prevalecente. Ao que indicam os planos para o setor, a produção de energia
hidrelétrica continuará sendo por muitos anos a principal fonte de geração de
eletricidade no país. Estima-se que aproximadamente 50% da necessidade de
expansão da capacidade de geração será de origem hídrica. (ANEEL, 2002)
O Brasil faz parte do grupo de países em que a produção de eletricidade é maciçamente proveniente de usinas hidrelétricas. Essas usinas correspondem a 75% da potência instalada no país e geraram, em 2005, 93% da energia elétrica requerida no Sistema Interligado Nacional – SIN. Cumpre notar ainda que apenas cerca de 30% do potencial hidrelétrico nacional se encontra explorado, proporção bem menor do que a observada nos países industrializados. (MME, 2007, p. 28)
Figura 7 – Matriz de energia elétrica brasileira – capacidade instalada. Fonte: MME, 2011
O que no passado marcou a expansão econômica é visto hoje como um
condicionante da velocidade do crescimento, ou seja: não basta apenas buscar cada
vez mais o crescimento econômico, é necessário que esse crescimento seja também
cada vez mais rápido. Impulsionado por uma forte parceria entre poder público e
privado, através das chamadas PPPs (Parcerias Público-Privadas) bem como entre
governos federais, estaduais e municipais, a construção de empreendimentos
hidrelétricos continua em crescente expansão, ampliando sua importância para a
economia do país. A disseminação destes projetos inclusive faz parte de pacotes de
investimentos contidos no PAC12, do governo federal. No que concerne à geração de
12
Consiste num programa voltado para a aceleração no crescimento econômico do Brasil, com investimentos públicos, privados e estatais, voltados para infraestruturas nas áreas de logística
55
energia hidrelétrica, o pacote contempla o financiamento de Usinas Hidrelétricas
(UHEs) em todas as regiões do país, bem como de Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs).
Independente do porte destes empreendimentos, obras impactantes de
infraestrutura energética já fazem parte dos planos de desenvolvimento, tanto nas
fases do PAC1 (2007- 2010) quanto no PAC2 (2011 – 2014). As figuras a seguir
apresentam os investimentos em energia previstos na 2ª etapa do programa e as
diferenças no direcionamento das verbas por matriz energética.
Figura 8 – Investimentos em fontes de energia hídrica. Fonte: Relatório PAC 2 – Energia, 2010
Figura 9 - Investimentos em fontes de energia alternativas.Fonte: Relatório PAC 2 –
Energia, 2010
Em termos comparativos, observa-se uma expressiva diferença nos
investimentos para as duas categorias de fontes de energia. Enquanto o
(transporte: ferrovia, hidrovia, rodovia), energia, cidades, habitação, energia, entre outras. Mais informações, consultar: http://www.brasil.gov.br/pac
56
investimento total para as fontes hídricas é de R$116,2 bilhões de reais, os
investimentos em fontes alternativas são de R$ 9,7 bilhões, o equivalente a uma
verba 12 vezes menor. São dados que reforçam a continuidade e prevalência do
modelo de geração hidrelétrico. Informações do relatório nº 5 do PAC2 (Energia)
demonstram que somente na Região Sul, foram contemplados 20 (vinte) projetos de
construção de usinas hidrelétricas, sendo 8 (oito) delas no estado do Paraná, como
se vê na figura a seguir.
Figura 10 – UHEs previstas pelo PAC – Região Sul. Fonte: Relatório PAC 2 – Energia,
2010
Dentre os empreendimentos hidrelétricos previstos para o PAC na região
Sul, observa-se que a UHE Tijuco Alto, representada em cor roxa, estava nos planos
desde o PAC1, mas tem sua conclusão prevista para além do ano de 2010, ou seja,
após o período inicial, que valia de 2007 a 2010. Além desta, outras três UHEs -
Salto Grande, Telêmaco Borba e Baixo Iguaçu - são projetos na mesma condição.
Destaca-se, neste meio, a UHE Mauá, também contida nos investimentos do PAC1
e que, apesar de grande avanço nas obras, teve seu processo interrompido pelo
MPF, devido às denúncias direcionadas ao ex-presidente Rasca Rodrigues, do
Instituto Ambiental do Paraná (órgão responsável pelo licenciamento ambiental no
estado). Ele é acusado de conceder licença prévia para a UHE Mauá em
57
desconformidade com a legislação vigente, sendo também apontado como
beneficiado pela sua dupla atuação, tanto no IAP quanto como conselheiro fiscal da
Companhia Paranaense de Energia (Copel), o que indica favorecimento da sua
empresa pela concessão da licença. Outras irregularidades foram apontadas
também nos Estudos de Impacto Ambiental desta hidrelétrica, que não previam a
ocupação e as compensações ambientais dos impactos em terras indígenas kaigang
e guarani. 13 A propósito, a empresa responsável pela consultoria ambiental e
elaboração dos estudos é o Consórcio CNEC, o mesmo que realizou os últimos
estudos de Tijuco Alto.
Apesar disso, para o PAC 2, previsto entre os anos de 2011 à 2014, já estão
contempladas as UHE São João, Cachoeirinha e Paranhos, no Paraná. A tabela
abaixo, retirada do relatório intitulado “Balanço de 4 anos: 2007 – 2010” no Paraná
indica a continuidade dos investimentos do PAC no estado, com ênfase em obras do
eixo energético.
Tabela 7 - Investimentos do PAC no Paraná (em milhões de reais). Fonte: Relatório PAC Paraná – Balanço de 4 anos: 2007-2010. Dezembro de 2010
13
Maiores informações podem ser encontradas nas notícias “Justiça cassa deputado por liberar obra de hidrelétrica” e “Índios terão de ser compensados pela construção da Usina Mauá”, ambas do jornal A Gazeta do Povo; também em “Bacia do Rio Tibagi é declarada território indígena kaigang e guarani”, da assessoria de comunicação do MPF, todas datadas de outubro de 2011 (links disponíveis em “sites consultados”)
58
Por ser um empreendimento de propriedade e interesse exclusivo da CBA,
surpreende o fato da UHE Tijuco Alto estar contemplada nos projetos previstos para
o PAC – do governo federal - no estado do Paraná. Para Kureda (2008):
É difícil afastar a impressão de que estamos diante de uma decisão tomada. Uma decisão política, diga-se de passagem, de construir uma UHE para favorecer uma única empresa – eletrointensiva – pagando o preço da devastaçao ambiental e do sofrimento de milhares de pessoas que fazem parte das comunidades do Vale do Ribeira, como quilombolas, pescadores e ribeirinhos.
Isto demonstra que do montante dos 500 milhões de reais previstos nos
custos totais para concretização do projeto, grande parte provém de dinheiro
público, apesar de não haver benefícios diretos para a população no geral, que
apenas arca com as inseguranças e as consequências negativas, caso efetivamente
Tijuco Alto saia do papel.
3.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O BNDES, AS PPPS E O MAB
Um dos maiores reflexos de que há maciça transferência de dinheiro público
a empreendimentos privados, é representado pela atuação do BNDES, o Banco
Nacional de Desenvolvimento, empresa pública federal, que “é hoje o principal
instrumento de financiamento de longo prazo para a realização de investimentos em
todos os segmentos da economia, em uma política que inclui as dimensões social,
regional e ambiental”. De acordo com o seu site institucional, o BNDES destina
apoio financeiro a uma diversidade de áreas: Agropecuária, Comércio, Serviços e
Turismo, Cultura, Desenvolvimento Social e Urbano, Exportação e Inserção
Internacional, Indústria, Infraestrutura, Inovação, Meio Ambiente e Mercado de
Capitais.
No entanto, não é de hoje que o BNDES financia e apóia projetos da
iniciativa privada.
No processo de privatização, desencadeado pelo PND, o BNDES vai ter papel fundamental, sendo designado como gestor do Fundo Nacional de Desestatização (FND). Cabe-lhe, assim, licitar e contratar os prestadores de serviços que atuariam no PND e supervisionar e acompanhar suas ações; recomendar ao Conselho Nacional de Desestatização (CND) as condições gerais de venda; executar as decisões do CND; divulgar ao público todas as etapas e os resultados do processo, entre outras. Para tanto, criou três
59
áreas exclusivas para atuar nas privatizações: Área de Desestatização (AD), Secretaria Geral de Apoio à Desestatização (SD) e Áreas de Serviços de Privatização (ASP). Também coube ao BNDES, junto com outras instituições, a função de agente financiador das privatizações (ABREU, 1999 apud FOSCHIERA, 2009, p.114).
Atualmente, na área de infraestrutura destaca-se a responsabilidade em
promover o PAC, cujo andamento das obras e ações, o banco destaca como
prioridade, servindo, portanto, como indutor do desenvolvimento econômico e social
do Brasil e promovendo não só o estímulo ao investimento privado em infraestrutura,
mas também ampliando os investimentos públicos. Dentro dos investimentos deste
porte, incluem-se aí os três segmentos do setor elétrico: geração, transmissão e
distribuição de eletricidade, tendo como empreendimentos passíveis de apoio as
hidrelétricas, termoelétricas (incluindo nuclear) e cogeração a gás ou a óleo. Busca,
desta forma, ampliar o apoio na modernização do setor elétrico visando garantir
suprimento energético com “qualidade, segurança e tarifas justas” para a economia
e para a sociedade, de forma geral (BNDES, 2011).
Uma ferramenta utilitária para saber alguns dos projetos de infraestrutura –
não apenas os de energia, mas de outros ramos - que vem sendo financiados pelo
BNDES é o “Mapa interativo de projetos apoiados pelo BNDES”, inserido num
projeto de monitoramento intitulado “Plataforma BNDES” 14
. Neste site é possível
gerar mapas que localizam onde estão e quais são os empreendimentos que o
BNDES financia. Isso é feito através da filtragem de informações, como tipo de
projeto, localização, valor de operação, ou também realizar uma busca livre, a partir
de palavras-chave. Também é possível sobrepor algumas informações aos mapas
gerados, tais como terras indígenas, áreas de biomas, áreas protegidas, dentre
outras. Abaixo, demonstramos um recorte feito através de pesquisa contendo os
termos “UHE” e “PCH”: o primeiro mapa é resultado da busca das hidrelétricas e o
segundo de pequenas centrais hidrelétricas que têm financiamento do banco. Onde
há marcadores em amarelo são as áreas em que se encontram um
empreendimento; nos marcadores em azul, são conjuntos de empreendimentos
concentrados numa mesma área. No mapa virtual, é possível ampliar as imagens e
visualizar o nome e a descrição destes empreendimentos.
14
A “Plataforma BNDES” pode ser acessada em: http://www.plataformabndes.org.br/mapas/
60
Figura 11 – Projetos apoiados pelo BNDES: Usinas Hidrelétricas (UHEs). Fonte:
Plataforma BNDES, 2011
Figura 12 – Projetos apoiados pelo BNDES: Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs - recorte). Fonte: Plataforma BNDES, 2011
61
Devido ao amplo apoio dado pelo BNDES aos projetos de infraestrutura e
amplamente ao PAC, a UHE Tijuco Alto está contemplada no programa e nas
verbas destinadas ao setor, embora, de certa maneira, este seja um fato um tanto
quanto contraditório, por uma série de fatores. A UHE Tijuco Alto se trata de um
empreendimento privado e de uso exclusivo da CBA, portanto, de interesse maior de
uma empresa; já foi questionada inúmeras vezes pelos órgãos ambientais, tendo um
processo de licenciamento bastante problemático e que põem em cheque sua
viabilidade. Ao mesmo tempo em que apresenta este quadro conflituoso, marcado
por resistência social, surpreende o fato de ter sido “reavivada” num dos principais
programas do Estado para a construção de infraestruturas.
Estes apontamentos reafirmam que há um forte impulso do poder público em
multiplicar o número de obras, sem que sejam revistos ou considerados os
desdobramentos e os impactos destas ou que sejam minimamente cumpridas as
condicionantes legais para a sua execução, demonstrando a prioridade do
“crescimento a qualquer custo” executado em detrimento dos passivos
socioambientais deixados como rastro deste mesmo progresso econômico.
Este caso e muitos outros expõem um padrão de investimentos que na
atualidade é marcado pelas Parcerias Público-Privadas, que atuam fortemente na
concepção de megaprojetos não só no país, mas na América Latina, como um todo.
De acordo com a Lei Federal nº 11.079 de 2004, a definição para o termo, no seu
artigo 2º é: “Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na
modalidade patrocinada ou administrativa.” Outra definição, mais explicativa é:
Uma PPP é uma parceria onde o setor privado projeta, financia, executa e opera determinada obra/serviço, objetivando o melhor atendimento de uma determinada demanda social. Como contraprestação, o setor público paga ou contribui financeiramente, no decorrer do contrato, com os serviços já prestados à população, dentro do melhor padrão de qualidade aferido pelo Poder concedente (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2011).
Estas parcerias são interpretadas por David Harvey (2005b) como um sinal
de um novo empreendedorismo, presente tanto no campo quanto na cidade. Dentro
deste modelo, ele aponta que os governos locais se agregam com a iniciativa
privada em busca de fontes externas de investimentos diretos e canais de geração
de empregos. No entanto, a PPP possui caráter especulativo, ao contrário do
62
desenvolvimento planejado puramente pelo poder público, que é mais racional e
coordenado. Neste sentido, Harvey afirma que um problema recorrente destas
parcerias é a sujeição dos obstáculos e riscos gerados pela especulação, fazendo o
setor público assumir sempre os riscos dos problemas que possam vir a acontecer,
enquanto o setor privado assume apenas os benefícios destes empreendimentos,
caso eles dêem certo. Esta problemática se insere perfeitamente no caso de Tijuco
Alto, na medida em que uma empresa privada, a CBA, do grupo Votorantim, é a
maior beneficiária da construção da hidrelétrica, enquanto restará às populações
afetadas e ao poder público como um todo, dar conta das consequências e dos
impactos que transformarão a vida de algumas cidades no Vale do Ribeira. Será
cobrada do Estado, e não da empresa, a responsabilidade na resolução dos
problemas advindos desta obra.
O padrão de investimentos observado não é só encontrado no Brasil, mas
na América Latina como um todo. Uma situação semelhante é observada no projeto
IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana). De
acordo com o website do projeto, é “uma iniciativa de doze países sul-americanos
que têm por objetivo promover o desenvolvimento da infra-estrutura de transporte,
energia e comunicações sob uma visão regional” (IIRSA, 2010). A IIRSA surgiu
efetivamente a partir de uma reunião de doze chefes de Estado, que ocorreu em
agosto de 2000, na cidade de Brasília, e resultou de um acordo entre esses países
para a elaboração de um mega-plano para a integração física do continente, tendo o
apoio técnico-financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da
Corporação Andina de Fomento (CAF), do Fondo Financiero para el Desarrollo de la
Cuenca del Plata (FONPLATA) e também do BNDES. Estes órgãos financiadores
também têm a característica de financiarem projetos particulares, fundindo capital
público com privado e têm papel preponderante no investindo para implantação de
infraestruturas diversas na América Latina.15
A despeito de todo esse sistema e para além dos modelos de investimentos
ancorados pelas PPPs, um movimento tem feito contraponto às formas de
apropriação da água e da energia. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
vem há 20 anos posicionando-se contra estas estratégias de privatização do setor
elétrico e tem como lemas principais “Água e Energia não são Mercadorias!” e “Água
15
Sobre a IIRSA, ver ZIBECHI (2010); CECEÑA (2009); ACHKAR e DOMINGUEZ (2006)
63
e Energia são para a Soberania!”. Além disso, questiona os altos custos das tarifas
de energia pagas pelos consumidores residenciais, a péssima qualidade do serviço
oferecido pelos empreendedores e também atuam denunciando as constantes
violações de direitos humanos na construção de barragens.
De acordo com o MAB, existe a estimativa de que 1,3 milhões de brasileiros
já tenham sido prejudicados pela instalação de usinas, entre eles proprietários de
terras, comunidades tradicionais – indígenas, ribeirinhos, quilombolas -, pequenos
agricultores, dentre outros, geralmente afetados pelas mudanças decorrentes destes
empreendimentos. Enquanto se multiplicam os projetos de usinas em todo o Brasil,
em novembro de 2010, um relatório da Comissão Especial do Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana apontou 16 direitos humanos frequentemente
violados, verificados a partir do estudo de caso de algumas barragens já construídas
(MAB, 2011).
Se por um lado é importante reconhecer a exploração de recursos natrais como uma das características centrais do desenvolvimento nacional; por outro, devem-se evitar formulações simplistas sobre a geração de injustiças ambientais e impactos ambientais associados ao crescimento da economia (IORIS, 2010, p.219).
Segundo o relatório apresentado em 2010, foram identificados e analisados
16 direitos humanos sistematicamente violados no processo de implantação de
barragens no Brasil.
Os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual. (APROVADO..., 2010)
Entre os 16 direitos violados apontados, estão, por exemplo, o direito à falta
de informação e participação; à liberdade de reunião, associação e expressão; à
moradia adequada; à melhoria contínua das condições de vida; a plena reparação
das perdas; direito às práticas e os modos de vida tradicionais, assim como o
acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais. Isto apenas para
citar alguns. De acordo com o relatório, a Comissão acolheu algumas barragens em
todo o país para acompanhar as denúncias relativas a elas: Tucuruí (PA), Acauã
(PB), Cana Brava (GO), Aimorés (MG e ES), Emboque (MG), Fumaça (MG) e Foz
do Chapecó (SC e RS), contemplando as 5 regiões. Este documento demonstra
64
uma infeliz, porém real constatação: a de que existe um “padrão nacional” de
violação dos direitos humanos em barragens, apontando como principais
responsáveis as empresas donas das barragens, os governos e o Estado brasileiro
(MAB, 2011).
Para o MAB as PPPs significam descaradamente a privatização da água,
embora mascaradas por uma parceria que também é pública. Ao mesmo tempo
representam somente o interesse de empresas privadas, que atuam na busca de
melhores negócios, e não em benefício da população. Por esta razão, tem apoiado
recentemente uma campanha da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU)
chamada “Água para o Brasil - Diga não às PPPs”.16 No manifesto da campanha,
lançado no site, a FNU, juntamente a entidades populares e sindicais se coloca
radicalmente contra as PPPs, por
entender que essa ação seria uma nova forma de privatização do setor, algo que nem mesmo os governos neoliberais dos anos 90 conseguiram fazer. E que já se mostrou catastrófica em vários países, levando a população às ruas cobrando e em alguns casos, conseguindo a reestatização, em razão dos péssimos serviços prestados e ao aumento abusivo de tarifa (ÁGUAS PARA O BRASIL, 2011)
Figura 11 – Cartaz da campanha “Diga não às PPPs”. Fonte: ÁGUAS PARA O BRASIL,
2011
Segundo informações do MAB, uma das principais frentes de luta é a
ferrenha oposição ao modelo energético adotado pelo Brasil e pela defesa dos
direitos dos atingidos. Eles afirmam que há mais de duas décadas o país já
“produziu mais de um milhão de atingidos por esse modelo e 70% desse total não
16
Para saber mais sobre a campanha, acesse http://www.aguaparaobrasil.com.br/index.php
65
recebeu nenhum tipo de indenização”. Consideram falacioso o argumento de que o
desenvolvimento do setor energético significa amplitude de distribuição e acesso à
energia elétrica, pois, segundo eles, há muitas pessoas que moram ao lado de
grandes empreendimentos hidrelétricos e não possuem acesso à energia, como é o
caso de assentamentos localizados em Marabá e Eldorado dos Carajás, ambas as
cidades no estado do Pará, próximas à gigante UHE de Tucuruí e que, até hoje
sofrem com a ausência de energia (MAB, 9/08/2011).
Além de se posicionarem contrários a este modelo privatizador e excludente
e, ao mesmo tempo, em favor de que os atingidos por barragens tenham seus
direitos assegurados, o movimento também procura divulgar alternativas à geração
de energia. Um dos exemplos é o desenvolvimento de um projeto de aquecimento
de água através de placas solares, em substituição dos chuveiros elétricos, nos
estados de Minas Gerais, São Paulo e na Região Sul. Consiste num método mais
barato e acessível, e vem sendo aplicado principalmente em casa de reassentados
do próprio movimento. Estas e outras ações podem ser visualizadas no quadro
abaixo, que dá destaque a algumas notícias que foram divulgadas no site do MAB
no ano de 2011.
Fonte: Notícias extraídas de http://www.mabnacional.org.br/ (2011)
66
Atamis Foschiera (2009), em sua tese sobre a trajetória do MAB frente às
políticas do setor energético, ressalta o momento atual da centralidade da luta do
movimento.
A “nova” forma de atuação proposta e que o MAB tem implementado, destaca dois novos eixos de ação: a discussão do preço da energia e a atuação do Movimento no meio urbano, dentro da concepção de “atingido pelo preço da energia”. Estes dois eixos se apresentam de forma imbricada, sendo que o debate do preço da energia é uma das formas do MAB se vincular a movimentos e instituições urbanas (p.309)
E complementa, apontando novos rumos para o debate:
A questão do preço da energia está relacionada ao processo de privatização do setor energético e à forma de como vêm sendo definidas as regras que determinam a tarifa de energia, ou seja, a transformação da energia em mercadoria, como destaca o MAB. Neste tema, a ação do movimento se dá pelo questionamento da cobrança de preços elevados aos consumidores cativos e o favorecimento das indústrias eletrointensivas. Tratando mais especificamente essas indústrias, o MAB relata que a produção das mesmas trás pouco retorno social (FOSCHIERA, 2009, pp.309 e 310)
Analisando o que foi até então exposto, observa-se claramente a
emergência e a concretização de um cenário que privilegia a tomada do setor
hidrelétrico pelo ramo empresarial, através de programas de investimentos como o
PAC e da atuação conjunta do BNDES, possibilitando que empreendimentos
particulares sejam financiados por dinheiro público. Tais negociações se fortalecem
especialmente com o incremento das Parcerias Público-Privadas como modelo de
gestão de investimentos. Esta etapa marca o avanço das medidas de privatização
do setor elétrico, iniciada na década de 90 e marcada pela proliferação de indústrias
eletrointensivas, que gerem seus negócios e produzem energia para uso e/ou
comercialização exclusiva. Sobre este cenário, emerge também a sua crítica,
elencada através de movimentos sociais como o MAB que passam a questionar as
formas de apropriação da água e da energia e buscam alternativas para esta
problemática, que não se resume apenas pontualmente, mas trata-se de questão de
ordem sistêmica.
Após este balanço, passaremos adiante a produzir um diálogo entre os
autores acadêmicos que têm se dedicado à questão da construção de barragens e
dos seus impactos, ampliando um pouco a discussão de conceitos que amparam o
67
entendimento do tema. Tais autores têm identificado certo padrão de situações que
promovem a expropriação de direitos sociais e ambientais na construção destas
infraestruturas, contribuindo assim para pensarmos no que elas representam de um
ponto de vista mais estrutural.
68
4 DESDOBRAMENTOS DA IMPLANTAÇÃO DE BARRAGENS: ENTRE O
DESENVOLVIMENTO E O CONFLITO
Até o momento, houve um esforço em esclarecer alguns pontos principais
concernentes ao projeto da Usina de Tijuco Alto, buscando-se elucidar questões
específicas, tais como: análise dos aspectos históricos e dos impactos que
marcaram os longos anos de tentativas de implantação desta barragem;
desconstrução de alguns pontos controversos do seu último Estudo de Impacto
Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, fortalecendo, também, neste sentido,
uma crítica aos processos de licenciamento ambiental; e compreensão de que a
UHE Tijuco Alto é apenas mais uma hidrelétrica pensada dentro de um contexto
mais amplo de investimentos do poder público no setor, em especial do governo
federal, aqui problematizado através do Programa de Aceleração do Crescimento.
O capítulo 4 é composto de dois itens: no primeiro tópico, o objetivo é abrir
um panorama mais genérico para se refletir a respeito dos conflitos recorrentes que
podem ser apontados na instalação de usinas hidrelétricas. Através de um diálogo
com autores que se dedicam a pesquisar estudos de caso de outras hidrelétricas no
Brasil, é possível observar relações e semelhanças entre os projetos, fato que
expressa na atual conjuntura, um determinado padrão de transformações do espaço
e, consequentemente, de impactos e de interpretação destes contextos.
No segundo tópico, optou-se por articular alguns conceitos que permeiam a
lógica de produção do espaço, trazendo autores – em sua maioria geógrafos – que
enriquecem o debate do ponto de vista conceitual. Serão abordadas brevemente as
diferentes concepções que se tem do território, o tema do desenvolvimento –
permeado por uma racionalidade unilateral - e a produção do espaço desde uma
perspectiva capitalista, ou seja. São elementos que possuem relações com o tema
das barragens, a partir do entendimento de que a construção destas infraestruturas
compactua com as formas de desenvolvimento no capitalismo atual, apesar de que
o termo “desenvolvimento” pode ser repositório de muitos outros significados.
69
4.1 PROCESSOS GERAIS DECORRENTES DA CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS
O tema “barragens” vem sendo amplamente pesquisado por diversos
autores e áreas do conhecimento. Na medida em que cresce o número de casos
polêmicos e conflituosos a respeito do tema, crescem também as denúncias de
violação de direitos humanos nos processos de instalação de barragens. Por isso,
compreender as dinâmicas particulares destes projetos, vinculadas a identificação
de aspectos comuns entre eles, torna-se cada vez mais instigador.
As barragens evidenciam um cenário de conflitos dos mais diversos
possíveis, encontrados nas regiões onde já se existem ou onde se planejam a
instalação de projetos de grande porte ou “megaprojetos”. O prefixo “mega” é
entendido desde dois aspectos: um se refere às dimensões destes
empreendimentos, que além de ocupar áreas extensas no espaço, também
provocam impactos proporcionais. O segundo aspecto se deve aos grandes volumes
de capitais que são injetados para se viabilizar uma obra como uma hidrelétrica.
Esta denominação vai de encontro com aquilo que RIBEIRO (2005, p.3)
interpreta como sendo “projetos de infraestrutura de grande escala” (ou PGEs), os
quais possuem algumas características estruturais básicas: tamanho do capital, dos
territórios e das pessoas controladas por estes projetos, elevado poder político e
magnitude dos impactos ambientais e sociais, inovações tecnológicas e
complexidade de redes que engendram (RIBEIRO apud FRANÇA, 2011, p.7). Outra
denominação, desta vez empregada por VAINER (1996) também partilhada por
FRANÇA (2011) é de “Grandes Projetos de Investimento” (ou GPIs), que são
reflexos de um modelo de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico
em detrimento de outros fatores. O autor acrescenta que estes GPIs abrangem
grandes unidades produtivas que não se restringem apenas às iniciativas
relacionadas ao setor energético, como é o caso das hidrelétricas, mas também
representam outros setores, como a mineração, a indústria de petróleo, atividades
portuárias, exploração de florestas, etc..
Quando se debatem a magnitude dos impactos destas infraestruturas, o
objeto deste estudo, Tijuco Alto, é prova de que as interferências – em especial as
do âmbito socioeconômico - se dão muitas vezes antes do início das obras, geradas
muitas vezes em função das expectativas das populações ameaçadas. Quando a
CBA anunciou o projeto na região do Vale do Ribeira e deu seus primeiros passos
70
na compra de terras que seriam inundadas pelo reservatório, cravando placas nos
terrenos que passaram a ser de propriedade da empresa, ocorreu,
consequentemente, um reordenamento territorial seguido de desorganização social.
Aos poucos houve um refluxo de populações para localidades distantes,
promovendo marginalização social a grupos que estavam consolidados há anos em
suas terras e que delas obtinham sua subsistência (JERONYMO, 2007).
Desta perspectiva, Sevá Filho (2008) afirma que é possível identificar, no
estudo das hidrelétricas, um padrão de desordem social e territorial, que atinge
desde as Áreas de Influência Direta17 - com mais intensidade-, até as Áreas de
Influência Indireta18. Três dimensões que acompanham a instalação de uma UHE
fundamentam estas transformações: a dimensão técnica, a dimensão econômica e a
dimensão territorial. Nos locais onde estão previstas a construção de barragens são
alterados elementos que compõem essa tríade. Modificam-se os padrões técnicos
do local, as relações econômicas e as relações territoriais. A fixação de novas
atividades no entorno da represa, promove inevitavelmente a disputa destes
terrenos (e de territórios) entre empreendedor e moradores, simplesmente pelo fato
de que as atividades presentes e as futuras se tornam inconciliáveis.
Neste meio, marcado por profunda ausência de debates e discussões
efetivamente democráticas em torno do projeto, estas transformações são
justificadas e exaltadas como sendo de interesse público e nacional. Predomina a
retórica do consenso, ou seja, a hidrelétrica corresponde ao interesse de todos e,
por isso, possui uma causa “nobre”, de “interesse maior”, quando comparada, por
exemplo, com aquelas causas e interesses dos que são atingidos por ela. Os
argumentos de convencimento da importância de uma hidrelétrica, independente de
onde esta venha a se localizar, sempre se fundamentam em torno das ameaças de
um novo apagão ou de riscos de déficit de energia (ZHOURI, 2011; BERMANN,
2007).
No entanto, na prática, a incompatibilidade dos distintos usos do território
pelos atingidos e pelo novo projeto hidrelétrico sugere, consequentemente, prejuízos
17
Área de Influência Direta – AID, território em que se dão majoritariamente as transformações ambientais primárias (ou diretas) decorrentes do empreendimento (IBAMA, 2011)
18 Área de Influência Indireta – AII, onde ocorrem os processos físicos, bióticos e antrópicos
espacialmente mais abrangentes (ou regionais) com os quais o projeto estabelece interações principalmente através de efeitos secundários (ou indiretos) (IBAMA, 2011).
71
aos cidadãos que ali moram, bem como a destruição de patrimônios naturais e
construídos, como resultado “natural” e imediato da instalação do canteiro de obras
destes empreendimentos. Estas pessoas, que em muitos casos são contrárias às
obras pelas inúmeras perdas que somam ao longo do processo passam a ser
estigmatizadas desde uma “razão hidrelétrica cega”, como minorias que “emperram”,
“prejudicam”, “atravancam” os processos de desenvolvimento e de progresso (SEVÁ
FILHO, 2008; 2011).
O distanciamento proposital e a falta de informação para orientar os
atingidos pela obra apenas contribuem para demonstrar quão difusos são os
argumentos de convencimento das vantagens destes empreendimentos, usualmente
utilizados pelo Estado e pelos empreendedores. Seus benefícios são questionáveis,
pois efetivamente, produzem alterações que pouco ou quase nada tem de positivo
para as populações atingidas, visto que elas são alijadas do debate durante todo o
processo. Como é possível que se afirme, por exemplo, que meeiros residentes na
comunidade de Mato Preto (Cerro Azul) que não tiveram acesso à recompensa pela
perda da terra – já que não eram proprietários – e se deslocaram uma, duas ou até
três vezes em busca de fixação para moradia e trabalho, sem muitas perspectivas,
tenham sido beneficiados com a possível instalação da UHE Tijuco Alto?
Tais concepções das vantagens propostas pelo empreendimento são
incompatíveis com a melhoria da qualidade de vida dos principais afetados; ou seja,
são noções exógenas à realidade dos atingidos. Sevá Filho (2008, p. 47) trabalha
com a proposição de que estas obras expressam métodos de conquista política e de
colonização cultural por parte de grupos que possuem valores externos, “de fora”,
que não visam o bem estar daqueles que estão sendo impactados, mas buscam
apenas reafirmar e ampliar a sua hegemonia. França (2011) partilha desta
compreensão.
Destaca-se também que estes grandes projetos evidenciam a delicada relação que envolve decisões tomadas em grandes centros e a sua aplicação em contextos geralmente distantes deste lócus de tomada de decisão. Neste sentido, não são apenas decisões tomadas geograficamente distantes do local de instalação das obras, mas que geralmente contém diferentes representações sociais sobre uma determinada realidade, ou seja, são diferentes lógicas e racionalidades que se confrontam. (p.8)
Bermann (2007) complementa afirmando que não é apenas a externalidade
do processo que prejudica as populações atingidas, mas também uma proposital
72
invisibilidade destes grupos, que, para o empreendedor, simplesmente não existem.
A sua não existência é evidenciada na permanente desconsideração destes grupos
nos processos de tomada de decisão, e a não participação nestes processos implica
no não atendimento dos interesses e propostas que eles têm. Considerar a
existência efetiva implica em aumento de custos de tratamento e a elaboração de
medidas visando atender as demandas destas pessoas.
A acumulação de capital em poucas mãos se instrumenta por meio de negociações entre partes desiguais; os que acabam sendo prejudicados são muitos. Mas são individualmente fracos, envolvidos a contragosto em transações forçadas; pessoas, famílias e até cidades inteiras sendo objetos de logro, de traição, de ameaças (SEVÁ FILHO, 2005, p.285).
Ameaçadas por estas condições, estes cidadãos abdicam das suas
condições de vida e trabalhadores autônomos - capazes de produzir sua própria
subsistência - para se tornarem trabalhadores assalariados, comerciantes,
prestadores de serviço, abandonando assim sua forma tradicional de vida e
tornando-se incapazes de exercê-la (VALENCIO; GONÇALVES; MARCHEZINI,
2009; ZHOURI, OLIVEIRA, 2010).
Neste terreno, arma-se um embate entre o que está por vir e o que já existe.
O “fato hidrelétrico”, aparecendo como inexorável e inquestionável (ZHOURI, 2011),
por si só já subjaz um panorama conflitivo, pois necessita se sobrepor e se apropriar
de um espaço, que, por sua vez, não está vazio. Em alguns casos estes territórios
atingidos por barragens são marcados por outros tipos de lógicas e relações
diferenciadas entre população e natureza, e, na medida em que são construídas,
estas grandes obras têm impactos muito fortes na vida destas pessoas, já que
representam a contraposição de diferentes concepções do que é o território para o
grande capital, de cunho economicista (território-mercadoria) e do que é o território
para estas populações (território-de-vida), local do qual tiram o seu sustento e
subsistência (ZHOURI; OLIVEIRA, 2010; SEVÁ FILHO, 2011)
A cada canteiro de obras, introduzem- se “para sempre” novas noções e novos valores da mercantilização, pois terras, benfeitorias, patrimônios passam a ser vistos apenas como dinheiro, e por fim, a mercantilização da própria força de trabalho e de muitas relações sociais. O investimento em si, o avanço de capital nas contratações e nas compras de insumos cria novas oportunidades de negócios assanhando as contas feitas nos gabinetes das direções financeiras e industriais (SEVÁ FILHO, 2008, p.14).
73
Dentro desta lógica neoliberal de mercantilização da natureza, os seus
elementos são destituídos de condição de “bens”, e passam a ser apropriados
enquanto “recursos” em favor de algumas minorias. Como afirma Jeronymo (2007),
fundamentado em Waldmann (1990), o setor hidrelétrico segue a lógica de integrar
espaços ainda não integrados à economia de mercado. Para isso pontuam-se as
potencialidades dos lugares para a instalação de empreendimentos. Tratar a
natureza como mera fonte de recursos e como mais um meio sobre a qual se agrega
valor de mercadoria é um reducionismo extremo da sua relevância; a natureza
passa a ser interpretada desde uma lógica única e limitante, como se o uso de um
rio para o funcionamento de uma hidrelétrica fosse a única possibilidade de uso
deste rio.
Enquanto os chamados recursos [o solo, as terras, as águas, os minérios, a vegetação, o patrimônio genético e biológico das plantas e dos animais] se encontram numa dada situação, existem n rotas de possibilidades de evolução futura. Quando chegam os mega – projetos, são reduzidas as possibilidades a uma só, ou, a um uso tão dominante que os demais usos ficam como “sobras”, magras compensações diante da prepotência da atividade (SEVÁ FILHO, 2005, p. 284 – grifo no original).
A redução da natureza a um uso tão estrito também acaba por limitar a
compreensão de que cada grupo pode se apropriar dela de diferentes maneiras. No
entanto, é reforçada uma única lógica de uso desta, impedindo a aceitação de usos
diferenciados do território. A implantação de usinas hidrelétricas tem significado este
unilateralismo de uso do espaço. Em referência aos processos de licenciamento,
Zhouri (2011) afirma que eles colidem com os modos de vida tradicionais, como de
indígenas, ribeirinhos, quilombolas e outros. Planeja-se uma usina à revelia das
concretas condições dos lugares e da vida das pessoas, havendo negação e
apagamento da diversidade socioambiental e cultural do país. Elas são instaladas,
em muitos casos, em espaços sociais concebidos pelas e para as populações
ribeirinhas, que possuem formas próprias de subsistência a partir da dependência
dos rios. Quando chegam nesses locais, os projetos de construção de
hidrelétricas ocupam espaços já produzidos por estas populações - proprietárias ou
não - e passam a determinar conflitos de uso, já que impõem uma forma de
apropriação do espaço – e da água, em especial - enquanto mercadoria para gerar
eletricidade, contrariando o uso social e de reprodução sociocultural destes grupos,
que usam a água como meio de vida (BERMANN, 2007).
74
O diálogo entre autores permitiu, até então, observar a maneira como são
concebidos estes megaprojetos no espaço, impondo, em alguns casos, lógicas
exógenas às dinâmicas sociais pré-existentes. Através da sobreposição de
interesses e da recorrente tentativa de apagamento das populações que habitam o
local planejado para receber um a obra de grande porte, os empreendedores
promovem desordem territorial e perturbação social das populações atingidas,
desconstruindo formas distintas de sociabilidade e existência.
Partindo das lógicas de reprodução do modelo hidrelétrico no espaço no
espaço, com suas formas exclusivas e excludentes de materialização, passamos
adiante para a exposição de algumas noções e conceitos que podem amparar as
discussões do ponto de vista estrutural, entendendo as hidrelétricas como produto
de visões conflituosas sobre o território e como forma uniformizante do
desenvolvimento.
4.2 O CHOQUE DE LÓGICAS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO:
REFLETINDO SOBRE ALGUNS CONCEITOS
Como se pode observar, um dos aspectos principais que permeiam a lógica
dos megaprojetos é a evidência de uma série de conflitos, oriundos das diversas
concepções que se tem do território apropriado. Jeronymo (2007) nos mostra que há
um conflito de interesses por um mesmo território: para uns ele tem sentido apenas
enquanto fonte de mercadoria, interpretado sob o ponto de vista estritamente
econômico. Para outros, ele faz parte de uma luta pela subsistência, pela
reprodução sociocultural como meio de vida. Há divergências na apropriação do
território.
Haesbaert (2004) traz uma ferramenta que pode facilitar o entendimento da
lógica dos conflitos territoriais, que é o reconhecimento das diferentes noções e
significados do conceito de território que são mais comumente utilizadas em estudos
acadêmicos. A materialidade destas distintas concepções no espaço pode ser uma
das causas de embates territoriais. Para este autor, é possível agrupar as
concepções do território em três vertentes básicas: 1) a política ou jurídico-política,
que é a mais difundida, relacionada em especial ao poder político do Estado; 2) a
75
cultural ou simbólico-cultural, que prioriza a dimensão simbólica e objetiva, tendo o
território enquanto produto da apropriação de um grupo; e 3) econômica, que
enxerga o território como fonte de recursos, como produto da divisão territorial do
trabalho.
O fato da lógica territorial dos projetos de infraestruturas estar geralmente
atrelada e fundamentada em uma destas vertentes de interpretação do território,
qual seja, a econômica, não implica, no entanto, que as outras duas lógicas estejam
ausentes na produção deste território; pelo contrário, o fato de serem múltiplas e
simultâneas na sua conformação é que o torna um campo de conflitos por
excelência. E está aí a raiz da questão. Rogério Haesbaert (2004) indica que, apesar
de não muito comum, e, apesar das frequentes abordagens unidimensionais deste
conceito, é necessário encarar o território enquanto espaço híbrido,
multidimensional, que dê conta de incluir a sociedade, a natureza, a política, a
economia e a cultura em constante interação e com múltiplas relações de poder
nestes diferentes eixos; hibridismo que, por sua vez, também gera conflitos
assimétricos, enfocados nos trabalhos de Souza (1995).
No caso da UHE Tijuco Alto, esta imbricação de diferentes concepções e/ou
modos de viver o território fica evidente ao compararmos a lógica territorial
empresarial (estritamente econômica), representada pela CBA, com a lógica
territorial comunitária (que envolve principalmente uma noção simbólico-cultural),
representada pelas comunidades afetadas. Enquanto a empresa interpreta aquele
território como recurso, com características apropriadas tecnicamente para a
instalação de uma hidrelétrica (sic) e encara o rio como “fonte de megawats” para
geração de energia, os moradores que ainda permanecem na comunidade do Mato
Preto, por exemplo, afirmam possuir outras formas de uso do rio e das terras. É
desse equilíbrio entre a natureza – água e terra – que eles retiram seu sustento,
plantam nos seus terrenos hortaliças, frutos, legumes, criam animais. Além disso,
para eles, a comunidade sempre significou um espaço de socialização, de conversa
e interação com os vizinhos. Muitos inclusive se queixam do esvaziamento da
comunidade, da qual restaram apenas casas esparsas; uma moradora reclama da
diminuição das vendas e das rendas na sua mercearia. Portanto, estas noções
conflituosas e por vezes, incompatíveis, se encontram num mesmo espaço-tempo,
reforçando a multidimensionalidade a que se refere Haesbaert.
76
Sobre territórios e poder, Souza (1995) enfatiza que a formação de territórios
e territorialidades está fundamentada em relações de poder projetadas no espaço e
que nem sempre os territórios expressam a materialidade destas relações. Para ele,
o território não é necessariamente o substrato, mas sim, um campo de forças,
permeado por um jogo de relações que muitas vezes se superpõem entre si,
formando inúmeros territórios relacionais superpostos e com regras próprias, como é
o caso do poder exercido pelos mandantes do tráfico de drogas nas favelas e
periferias urbanas.
A respeito do caráter diverso apontado pelos autores, são
esboçadas aqui as diferenças nas formas de apropriação do território. Milton Santos
(2000), em seu manifesto intitulado “O Papel Ativo da Geografia” traz um elemento
chave para interpretar o que representam os usos do território para uns
(hidrelétricas) e para outros (populações afetadas). Santos (2000) trabalha com a
dupla “território-recurso” e “território-abrigo”. O primeiro representa a noção territorial
dos atores hegemônicos, que garantem no seu uso a realização de interesses
particulares; o segundo representa a concepção dos atores “hegemonizados”, que
fazem do seu uso um abrigo de forma a garantir sua sobrevivência.
Tais proposições se assemelham muito com as de Paul Little (2001), aos
denominar diferenças na lida com a natureza por parte de dois grupos principais, os
quais ele chama de “povos da biosfera” e os “povos de ecossistemas. Para o autor,
os povos da biosfera são aqueles que não encontram limites para transformar a
natureza em recurso, e, para isso, dispõem de técnicas e tecnologias a seu favor. A
apropriação de recursos se dá numa esfera global. Os povos de ecossistemas são
aqueles que utilizam o território enquanto “abrigo”, como propõe Milton Santos,
garantindo formas de sobrevivência física e cultural e explorando os recursos dentro
de uma escala local (FRANÇA, 2011).
O conflito entre estes dois grupos é travado a partir do momento em que os “povos da biosfera” se apropriam dos recursos que são fundamentais para a reprodução física e social dos segundos. Percebe-se então que são diferentes as lógicas de apropriação da natureza e de produção que são empregadas pelos grupos (FRANÇA, 2011, p.13).
Esta distinção em relação às lógicas de apropriação e uso da natureza tem
bastante ligação com as diferentes formas encontradas entre o uso do território para
a construção de uma hidrelétrica e o uso do território para as populações
77
ameaçadas por Tijuco Alto e tantos outros megaprojetos por aí, consistindo um dos
principais motivos de conflitos. Além deste choque de lógicas reside o fato de que -
tendo como referência grande parte dos licenciamentos que foram analisados no
decorrer deste trabalho - simplesmente tratam as populações atingidas como
invisíveis e, portanto, os espaços como vazios, ou, em outras palavras, “a-
históricos”. No entanto, Porto-Gonçalves (2006) trabalha com a premissa de que não
existe sociedade “a-geográfica” – ou seja, que não possua uma inserção no espaço -
e nem espaço geográfico “a-histórico” – que não tenha sido construído ao longo do
tempo - sendo esta uma condição que resulta que toda sociedade, ao se constituir,
também conforma o seu espaço, o seu território.
Por esta razão, a materialidade do espaço geográfico é sempre sign-ificada,
de-sign-ada, apropriada; as coisas não têm sentido em si e por si mesmas. O
homem se apropria delas na medida em que elas fazem sentido, e este ato é
sempre uma criação social, carregada de subjetividades. O advento destes
megainvestimentos em infrastrutura acaba por desconsiderar estes elementos do
espaço, ao tratar os espaços como meros recursos, esvaziado de ações relações
em conjugação com as comunidades que nele sobrevivem (PORTO-GONÇALVES,
2006).
Sobre esse choque de significações do espaço, Milton Santos (1994) pontua
que:
Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante, e que chegam a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidos para servi-los (SANTOS, 1994, p.18 – grifo nosso).
Seguindo nesta lógica de racionalização do uso do espaço a partir dos
atores globais, Harvey (2005) identifica os chamados processos de “acumulação por
espoliação”, os quais são definidos como sendo “o custo necessário de uma ruptura
bem-sucedida rumo ao desenvolvimento capitalista com o forte apoio dos poderes
do Estado”. Inicialmente, o processo de acumulação do capital se baseava na
“reprodução expandida” e o desenvolvimento utilizava-se prioritariamente da lógica
territorial do poder. A reprodução expandida do capital, no entanto, foi sufocada a
partir do momento em que passou a gerar crises de sobreacumulação do capital
interno em alguns países. Estes países – tendo como caso exemplar os EUA –
78
buscaram na “acumulação por espoliação” a saída para tais crises e então,
aproveitaram-se de uma política internacionalista de privatização e neoliberalismo,
para expandir-se em direção a novos territórios. Para tal fim, dispuseram também de
outros mecanismos financeiros, como a abertura forçada de mercados externos para
oferecer crédito, o que resultou em dependência e endividamento dos países
devedores. Este panorama demonstra a combinação de uma lógica territorial com
uma lógica capitalista do poder nestes processos.
Harvey (2005) indica que alguns dos resultados da acumulação por
espoliação foram a corporativização e a privatização de bens públicos, causando
uma onda de “expropriação das terras comuns”. Estes mecanismos foram expoentes
durante o período neoliberal, mas ressurgem potencializados e re-caracterizados na
atual conjuntura. O autor também aponta que esse jogo de espoliações ocorre
concomitantemente com a regressão de estatutos regulatórios e a perda de direitos
já conquistados por comunidades, que se utilizam das propriedades enquanto bem
comum, distintamente dos empreendedores de infraestruturas, que fazem uso
privado do território. Para este fim, durante o processo, os capitalistas e
empreendedores atuam perturbando, confrontando e suprimindo as culturas pré-
existentes nos locais.
Assim, observa-se uma ligação íntima entre a concepção de insfraestruturas
do setor energético privado e as propostas de desenvolvimento do Estado. Investir
em energia, como apontado nos planos de governo, significa investir em
produtividade e sustentar o crescimento econômico do país. A economia pauta-se
no aumento da produção. O discurso do desenvolvimento está indiscriminadamente
associado ao crescimento econômico e visível apenas através de estatísticas
(PEREIRA e PENIDO, 2010). Neste ponto, podem-se questionar as evidências de
certo determinismo técnico, como se a mera presença de uma estrutura ou
“rugosidade” no território pudesse assegurar a mudança social, promovendo o
desenvolvimento pleno e a equidade de condições e acessos para todos. No
entanto, Dias (2005) nos alerta que o desenvolvimento técnico não leva
necessariamente ao desenvolvimento social.
Para alguns destes autores, há certo reducionismo na característica unívoca
e limitante que a noção do desenvolvimento se tornou, sufocada por uma lógica de
crescimento econômico e amparada por interesses de minorias. Neste sentido, a
economia tornou-se esfera autônoma e ilimitada e o desenvolvimento está
79
constantemente associado ao crescimento estritamente econômico (ESTEVA, 2000;
PEREIRA e PENIDO, 2010).
Souza (1995), afirma que “a idéia do desenvolvimento tem sido condenada
pelas mais diversas escolas de pensamento e disciplinas a endossar o modelo
civilizatório ocidental, capitalístico, enquanto paradigma universal” (SOUZA, 1995, p.
99). Para o autor, é lamentável que uma noção tão fundamental quanto esta tenha
sido reduzida e transformada em conceito científico, marcado por uma epistemologia
“positivista” e “esquartejadora” da sociedade, tornando-se uma ideia tão distante das
necessidades mais elementares e do cotidiano dos homens e mulheres comuns.
Ampliando as discussões sobre o tema, Richard Peet (2007) aponta o
desenvolvimento como sendo uma construção cultural-ideológica consentida que se
constitui em hegemonia dominante e padronizada. Induz a modelos de crescimento
que teoricamente geram sempre benefícios à realidade em que se instauram. Assim,
se constitui num imaginário de legitimação de ideologias que apóiam a ordem social
dominante. Considerando a ordem capitalista como prevalecente, todas as
ideologias visam, então, reforçar os interesses das elites políticas e econômicas
privilegiadas, que se fundem em uma só, em busca de interesses comuns.
Planejar, nestes moldes, implica normatizar e padronizar, com o intuito de
legitimar um corolário do progresso e do desenvolvimento. Como aponta Escobar
(2000), o planejamento redefine a vida social e econômica segundo critérios de
racionalidade, eficiência e moralidade consoantes com as necessidades do sistema,
permitindo a criação de condições para a produção e reprodução capitalista.
Entende-se que o desenvolvimento é um termo ainda “cheio de significados”,
como aponta Peet (2007), podendo ser interpretado de maneira mais crítica e de
forma mais democrática e instigadora de autonomia. Nesta via de pensamento,
Souza (1995) acredita que a inserção de uma questão política, através do exercício
de participação e liberdade, impede que o exercício de poder se amesquinhe a um
simples projeto de desenvolvimento, mas signifique um real passo para um discurso
emancipador.
Para a abertura de possibilidades é necessária uma reflexão do
desenvolvimento que vá além dos aspectos econômicos. Entender o
desenvolvimento como uma significação imaginária do social, através de
repercursões concretas, com “práticas sociais emancipadoras, que promovam a
apropriação dos lugares e politize as diferenças em prol da criação de espaços
80
públicos abertos à prática dissensual”, como afirmam Pereira e Penido (2010, p.
255). As autoras acreditam que ele possa derivar não somente de relações
mercantis e econômicas, mas também do direito e possibilidade de emancipação.
Superar a rigidez do que vem sendo praticado à custa da expropriação de muitos em
função de alguns poucos, fundamentado sobre uma racionalidade econômica cega –
e que tem a questão das hidrelétricas como apenas uma de suas faces - é um dos
desafios para se pensar em alternativas para o desenvolvimento.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pretendeu ao longo desta pesquisa foi resgatar um processo que se
desenrola há mais de duas décadas e que está, nos últimos anos, encoberto por um
“tapume de incertezas” quanto a sua retomada. Apesar da UHE Tijuco Alto não ter
sido concretizada até o momento, produziu repercussões sobre as dinâmicas sociais
e econômicas dos locais diretamente influenciados por ela, que foram alvos de
iniciativas da CBA no intuito de subvencionar a instalação da barragem.
O panorama de resistência social instaurado a partir do projeto da UHE Tijuco
Alto trouxe elementos importantes para se discutir tanto os impactos que envolvem a
instalação de usinas hidrelétricas, como a distância entre o papel que estes
empreendimentos assumem nos discursos em comparação ao papel efetivo que
materializam nos lugares onde se instalam. Pôde-se também refletir a respeito do
significado destas infraestruturas na promoção do crescimento econômico – apesar
de que os documentos insistem na ideia de desenvolvimento - sobretudo por
estarem fortemente inseridas na pauta de investimentos do governo federal: ainda
que o projeto de Tijuco Alto tenha sido anunciado há muitos anos e demonstrado ser
de interesse de uma empresa privada, chama a atenção a sua retomada enquanto
política econômica de governo, através do PAC.
Ioris (2010) traz a compreensão de que ao tratar a água como mais uma fonte
de mercadoria, o regime capitalista imprime sobre a natureza uma lógica
reducionista, essencialmente baseada na acumulação ilimitada do capital. E o
regime de desenvolvimento brasileiro, seguindo esta mesma lógica de aumento do
volume absoluto de recursos naturais requeridos, consolida um ritmo crescente de
insustentabilidade, ao mesmo tempo em que despreza as populações mais
diretamente afetadas. Neste sentido, a UHE Tijuco Alto adéqua-se a um contexto de
mercantilização e privatização da água enquanto recurso natural.
Na medida em que se intensificam as grandes obras de desenvolvimento e
evidenciam-se no plano do discurso as possibilidades “intrínsecas” de geração de
benefícios destas (empregos, ampliação da rede de acesso à energia e crescimento
econômico), no plano material local, isto é, nos territórios imediatamente atingidos
pelos empreendimentos, a realidade se mostra adversa e conflituosa. Para Sevá
Filho (2011), em tais processos, o que se observa é que o interesse de alguns
82
(governos, empresas) acabam sendo tratados como interesses de toda a sociedade.
Desde este ponto de vista, aqueles grupos que se opõem a estas grandes obras são
classificados como minorias que “obstacularizam” os processos de desenvolvimento
e de progresso.
Quem chega para implantar o projeto que lhe interessa, numa terra que é de outros, proclama que a região atingida não tem expressão econômica, as condições sociais são ruins.Portanto: a obra vai melhorar tudo isto. Vão mais longe ainda, insistem em seus discursos com a crença de que somente a obra pode resolver os problemas atuais. O modo como alguns técnicos de uma empresa de consultoria e de uma empresa industrial vêem e descrevem a região do vale do Ribeira que seria afetada pela hipotética obra de Tijuco Alto revela muito de sua sensibilidade –ou falta de –para com os diversos e numerosos grupos humanos que formam o povo brasileiro e que moram e trabalham em tantas regiões geo - econômicas e culturais (SEVÁ FILHO et al., 2007,p.24 – grifo no original).
A violência material e simbólica a que são submetidas muitas das
pessoas residentes no raio de influência de uma barragem é contingente, pois
estas populações são forçadas a abdicar dos seus modos de vida e do lugar onde
construíram sua vida material e sua teia de relações, sendo muitas vezes
entregues ao despojo. Esta violência pode ser vista de maneira expressiva no
momento em que parte destas populações se vê pressionada a sair, muitas vezes
a contragosto, dos seus locais de vida, onde costumam sobreviver a partir da
agricultura de várzea, da pesca, da caça, da coleta, etc.. Em caso de não haver
alternativa mais próxima, são obrigadas a migrar para grandes centros urbanos,
forçando-se a modificar suas formas de trabalho e a reconstruírem seu lugar de
vida.
É sempre importante a ressalva de que aqueles que recebem
minimamente alguma atenção dos empreendedores são os proprietários de terras
localizados nas Áreas de Influência Direta do empreendimento. Já os não-
proprietários de terra não têm direito de negociação ou compensação financeira
por não terem o registro, e, portanto, não entram na pauta convencional do
conceito de “atingidos”, como bem questiona Vainer (2008). Nas comunidades
afetadas pela usina Tijuco Alto não aconteceu diferente, pois muitos meeiros,
arrendatários e posseiros foram expulsos de suas terras na medida em que
avançavam as negociações da CBA, tendo a empresa se utilizado de estratégias
ilegais para cumprir este objetivo. Igualmente excluídas dos processos de
licenciamento são as populações à jusante do barramento, que muitas vezes
83
dependem da boa qualidade da água do rio para sua subsistência. No entanto, os
impactos que os acometem são costumeiramente ignorados pelos relatórios
técnicos. Neste contexto, os interesses de uma empresa em ampliar suas fontes
de produção de energia, como é o caso da CBA, se sobrepõem aos direitos das
populações ameaçadas, criando um campo para se questionar: para quem é este
desenvolvimento?
Não precisamos de mais alumínio, mas de mais dignidade para os agricultores familiares, quilombolas, indígenas, pescadores. Não precisamos de mais uma hidrelétrica privada, mas de mais proteção à já desvalida biodiversidade da Mata Atlântica. Não queremos mais uma privatização de um rio público, mas a sua recuperação e destinação para usos múltiplos. (Carta a Marina Silva e Roberto Requião, Curitiba, 27 de março de 2006.)
Nesta carta, assinada por nove organizações sociais envolvidas com a
causa do Vale do Ribeira (entre elas a ASSTRAF, o CEDEA, sindicatos,
movimento negro e colônia de pescadores), demonstra a apreensão e a
insatisfação das populações quando ao projeto, além de apontarem para a
importância da diversidade da região. Enquanto para o empreendedor a
construção de Tijuco Alto representa benefícios certos, para os ameaçados,
Tijuco Alto sempre representou a insegurança, as incertezas e a morte. A morte
das suas terras, da Mata Atlântica, do rio, dos peixes, dos alimentos produzidos
pela agricultura familiar - os quais simbolicamente foram acomodados num caixão
durante um dos protestos contra a usina. O lugar onde vivem - este sim - é o lugar
da vida.
É no avanço do chamado “desenvolvimento” que se evidenciam as
marcas da expropriação dos territórios da vida e que se sobrepõem conflitos de
natureza diversa. Tijuco Alto não se trata, portanto, de um projeto isolado, mas
integrado a uma lógica de desenvolvimento econômico em âmbito nacional e que,
lamentavelmente, para além de nacionalizar grandes obras e hipotéticos
discursos de benefícios para todos – os quais não passam de discursos -,
acabam por nacionalizar, efetivamente, as violações dos direitos humanos dos
atingidos por barragens.
84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHKAR, M.; DOMINGUEZ, A. (coord.) (IIRSA) Integración de Infraestructura Regional Sudamericana: otro paso en la explotación de los pueblos y los territorios sudamericanos. Programa Uruguay Sustentable, Redes – Amigos de la tierra Uruguay, 2006. ACSELRAD, H. ; BEZERRA, G. . Inserção econômica internacional e “resolução negociada” de conflitos ambientais na América Latina . In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. (Org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Minas Gerais: UFMG, 2010, v. 1, p. 34-62.
ACSELRAD, H. Meio Ambiente e Justiça Socioambiental. IN: I Seminário
Ecossocialismo e Sustentabilidade da APP-Sindicato. 8 de julho de 2011, Curitiba.
(exposição oral)
ALMEIDA, A. W. B. de. Agroestratégias e desterritorialização: direitos territóriais e étnicos na mira dos estrategistas do agronegócio. IN: ALMEIDA, A.W.B. [et al.].Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010, v. , p. 101-144. BERNARDELLI, J.M. Juventude e extensão rural no Território Vale do Ribeira: uma análise sobre a realidade de jovens que vivem em pequenas propriedades rurais no Brasil. 29p. Julho de 2011. Disponível em: < http://quadernsanimacio.net/pdfs/juventude.pdf> BERMANN, C. . Impasses e controvérsias da hidreletricidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 21 (59), p. 139-153, 2007. CECEÑA, A. E.. Caminos y agentes del saqueo en América. Observatorio Latinoamericano de Geopolítica, 2009. Disponível em: <http://www.geopolitica.ws/home.php> CONCEIÇÃO, A. L. da. A UHE. Tijuco Alto e a qualidade de vida no Vale do Ribeira: o caso do município de Ribeira-SP. 2010. 121 pp. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Mecânica. Campinas, 2010. COSTA, H. S. M. A trajetória da temática ambiental no planejamento urbano no Brasil: o encontro de racionalidades distintas. In COSTA, Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes. Planejamento Urbano no Brasil: trajetória, avanços e perspectivas. Belo Horizonte: C/Arte, 2008, pp. 80-92. DIAS, L. C. . Os sentidos da rede: notas para discussão. IN: DIAS, L.C; SILVEIRA, R.L.L (orgs). Redes, sociedades e territórios. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. pp. 11- 28 ESCOBAR, A.. Planejamento. In: SACHS, W.. Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 211-228
85
ESTEVA, G.. Desenvolvimento. IN: SACHS, W. Dicionário do desenvolvimento. Guia para o conhecimento como poder. Petrópolis (RJ): Ed. Vozes, 2000. pp 59-83 FOSCHIERA, A. A. Do Barranco do rio para a periferia dos centros urbanos: a trajetória do Movimento dos Atingidos por Barragens face às políticas do setor elétrico no Brasil. 2009, 344f. Tese (Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista/Unesp, Presidente Prudente. 2009 FRANÇA, G. B. . As usinas hidrelétricas e as lógicas do Estado: uma discussão sobre territórios em modificação. In: IX Reunião de Antropologia do Mercosul, 2011, Curitiba. IX Reunião de Antropologia do Mercosul, 2011 GIACOMINI. R.L.B.. Conflito, identidade e territorialização: Estado e comunidades remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira de Iguape – SP. 2010. 389f. Tese (Doutorado no Programa de Pós Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, universidade de São Paulo/USP, São Paulo: outubro de 2010 GONÇALVES, J. C.; MARCHEZINI, V. ; VALENCIO, N. . Colapso de barragens: aspectos sócio-políticos da ineficiência da gestão dos desastres no Brasil. IN: Anais do II Encontro Ciências Sociais e Barragens, 2007, Salvador. p.1–28. Disponívelem:<http://www.ecsb2007.ufba.br/layout/padrao/azul/ecsb2007/anais/st1_COLAPSO%20DE%20BARRAGENS.pdf> . Data de acesso: 3 de maio de 2011. HAESBAERT, R.; LIMONAD, E. .O território em tempos de globalização. GeoUERJ. Revista do Departamento de Geografia. N.1 Rio de Janeiro: UERJ, 1997. Disponível em: <www.uff.br/etc>. HARVEY, D.. O Novo Imperialismo. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005 ____. Do administrativismo ao empreendedorismo:a transformação da governança urbana no capitalismo tardia. In A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005b, p. 163-190. IORIS, A. A. R. . Da foz às nascentes: análise histórica e apropriação econômica dos recursos hídricos no Brasil. In: Acselrad, H.. (Org.). Capitalismo Globalizado e Recursos Territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010, p. 211-255. JERONYMO, A. C. J. Deslocamento de populações ribeirinhas e passivos sociais e passivos econômicos decorrentes de projetos de aproveitamentos hidrelétricos: a Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto. 2007. 167 p. Dissertação (Mestrado em Programa Interunidades de Pós- Graduação em Energia) – EP-FEA-IEE-IF, São Paulo, 2007. PEET, R. Imaginários de Desenvolvimento. In: Geografia Agrária: teoria e poder. Fernandes, B. M., MARQUES, M. I. M., SUZUKI, J. C. (orgs). 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 19 – 36.
86
PEREIRA, D. B. ; PENIDO, M. de O. . Conflitos em empreendimentos hidrelétricos: possibilidades e impossibilidades do (des)envolvimento social.. In: ZHOURI, Andréa;LASCHEFSKI, Klemens. (Org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010, v. 1, p. 250-275. PINHEIRO, M. F. B.. Problemas sociais e institucionais na implantação de hidrelétricas: seleção de casos recentes no Brasil e caso s relevantes em outros países. 2007. Dissertação (mestrado)- Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Mecânica. Campinas, 2007 PORTO-GONÇALVES, C. W. A geograficidade do social: uma contribuição para o debate metodológico para os estudos de conflitos e movimentos sociais na América Latina. Revista eletrônica da AGB – Seção Três Lagoas (MS). V.1. nº 3. ano 3. Maio de 2006 . Disponível em: <http://www.ceul.ufms.br/revista-geo/indez_revista.htm> RAMIRES, M.; BARRELLA, W. ; CLAUZET, M. A pesca artesanal no Vale do Ribeira e Litoral Sul do estado de São Paulo-Brasil . IN: Anais do I ANPPAS- Encontro Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, Indaiatuba (SP), 2002. RIBAS, P.. Precisamos de mais hidrelétricas? [CONTEXTO]: Revista do Ministério Público do Estado do Paraná. Paraná, nº 2, pp.16-19, julho de 2011. SANTOS, M. O retorno do território. IN: SOUZA, M.A; SILVEIRA, M.L. Território, globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC, 1994. pp. 15 – 20 SANTOS, M. et al. 2000. O papel ativo da Geografia : um manifesto. SEVÁ FILHO, A. O.. Conhecimento crítico das mega – hidrelétricas: para avaliar de outro modo alterações naturais, transformações sociais e a destruição dos monumentos fluviais . IN: SEVÁ FILHO, A.O. (org.).TENOTÃ-MÕ. 1ª ed. São Paulo: IRN (International Rivers Network), 2005, pp. 281 – 295. _____. Conquistar territórios: a prioridade corporativa. Cidade do México: 2011. Jornal Brasil de Fato: São Paulo, de 3 a 9 de fevereiro de 2011. pp. 6 e 7. Entrevista concedida a Spency Pimentel e Joana Moncau. _____. Estranhas catedrais. Notas sobre o capital hidrelétrico, a natureza e a sociedade. Ciência e Cultura, v. 60, p. 44-50, 2008. SOUZA, M. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento.
In CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia:
conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p.77- 116.
VAINER, C. B. . Conceito de "Atingido": uma revisão do debate. In: ROTHMAN, F.D. (Org.). Vidas Alagadas - conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. 1 ed. Viçosa: UFV, 2008, v. , p. 39-63.
87
_____. Recursos Hidráulicos: questões sociais e ambientais. Estudos Avançados, v. 21, p. 119-138, 2007 ZHOURI, A. ; OLIVEIRA, R. Quando o lugar resiste ao espaço: colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens (Orgs.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010, v. 1, p. 439-462. ZHOURI, A. Belo Monte e a Questão Indígena. [7 de fevereiro, 2011]. Brasília: A Hidrelétrica de Belo Monte e a Questão Indígena. Depoimento conferido na Universidade de Brasília (UnB). ZIBECHI, R.. La integración a la medida de los mercados. Rompamos el Silencio. Madrid (ESP), maio de 2010. Disponível em: < http://www.rompamoselsilencio.net/2010/?IIRSA-la-integracion-a-la-medida>. Aceso em: 22 de novembro, 2010 DOCUMENTOS E RELATÓRIOS CONSULTADOS ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. Atlas de energia elétrica do Brasil. Brasília: ANEEL, 2002. 153 p.1ª edição. CARTA aberta ao povo brasileiro. A UHE Tijuco Alto não interessa ao país e menos ainda ao Vale do Ribeira. Paraná e São Paulo, 2008. 3 f. (Texto digitado) CEDEA (Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental). Nota do CEDEA sobre a hidrelétrica de Tijuco Alto. Curitiba, 2004. 4 f. (Texto digitado) CNEC Engenharia S. A. Estudo de Impacto Ambiental – EIA da Usina Hidrelétrica Tijuco Alto. São Paulo: Companhia Brasileira de Alumínio – CBA. Junho de 2005. _______. Relatório de Impacto Ambiental – RIMA da Usina Hidrelétrica Tijuco Alto. São Paulo: Companhia Brasileira de Alumínio – CBA. Junho de 2005. COSTA, L. J. de M. e. A História da luta popular contra a UH de Tijuco Alto em Cerro Azul – PR. Cerro Azul, 2006, 6 f. (Texto digitado) IGPlan Inteligência Geográfica Ltda. PCH Confluência: Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA/RIMA.Curitiba: Confluência Energia S/A. Junho de 2010. IPARDES - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Diagnóstico Socioeconômico do Território Ribeira. 115p. Curitiba, 2007. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/webisis.docs/territorio_ribeira.pdf: ISA - Instituto SocioAmbiental. Tijuco Alto: saiba por que ela não interessa ao Vale do Ribeira.. 23p. São Paulo: novembro de 2002
88
MATTHIESEN, M.L; BOTEO, M. Análise dos principais pólos produtores de banana no Brasil. 18p. (s/d). Disponível em: < http://daroncho.com/tt/Modelo_artigo.pdf> MME – Ministério de Minas e Energia. Boletim de Monitoramento do Sistema Elétrico - setembro 2011. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/see/galerias/arquivos/Publicacoes/Boletim_mensalDMSE/Boletim_de_Monitoramento_do_Sistema_Elxtrico_-SETEMBRO-2011.pdf> MME - Ministério de Minas e Energia. Matriz Energética Nacional 2030. Novembro de 2007. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/spe/galerias/arquivos/Publicacoes/matriz_energetica_nacional_2030/MatrizEnergeticaNacional2030.pdf> MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS - MAB. Síntese do Relatório Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. São Paulo, março de 2011. 23 p. PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO [2], 2010. PAC ENERGIA, RELATÓRIO Nº5. p.78. Disponível em < http://www.brasil.gov.br/pac/pac-2/pac-2-relatorio-5>. Acesso em 5 de junho de 2011. SEVÁ FILHO, A. O; RICK, A.T; MINELLO, C. P.. Parecer independente sobre o licenciamento ambiental do projeto da Hidrelétrica Tijuco Alto, no rio Ribeira do Iguape (PR-SP), e sobre seus riscos para o povo e sua região. Março de 2007. Disponível em: http://www.fem.unicamp.br/~seva/parecerSEVA_HTA_28mar07.pdf TERMO de referência. Para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA: Usina hidrelétrica de Tijuco Alto. Julho de 2004. Disponível em: <http://siscom.ibama.gov.br/licenciamento_ambiental/UHE%20PCH/Tijuco%20Alto/Z-Anexo%20III-Documenta%C3%A7%C3%A3o/TERMO%20DE%20REFER%C3%8ANCIA%20DEFINIDO%20PELO%20IBAMA/Termo%20de%20Refer%C3%AAncia.pdf > Acesso em: 20 de julho de 2011. SITES CONSULTADOS ABAL - Associação Brasileira do Alumínio. Disponível em: <http://www.abal.org.br/industria/estatisticas_totalalupri.asp>. data de acesso: 25 de outubro de 2011. Água para o Brasil: um direito de todos não pode virar lucro de alguns. Disponível em: <http://www.aguaparaobrasil.com.br/index.php>. Data de acesso: 15 novembro de 2011. ANEEL - Agência Nacional De Energia Elétrica. Banco de Informações de Geração. Disponível em: < http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=15>. Data de acesso: 5 de maio de 2011. Cílios do Ribeira: uma campanha de recuperação das matas ciliares do Vale do Ribeira. Disponível em:http://www.ciliosdoribeira.org.br/pt-br/ovale/conheca. Data de acesso: 14 de julho de 2011.
89
IBGE – CIDADES@ Cerro Azul. Disponível em:http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=pr Data de acesso: 23 de novembro de 2011 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Primeiros dados do Censo 2010. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/primeiros_dados_divulgados/index.php?uf=41>. Data de acesso: 23 de novembro de 2011. IIRSA - Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Suramericana, 2010. Disponível em: <http://www.iirsa.org> .Data de acesso: 7 de junho de 2011. ISA - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Águas para a vida, não para a morte! Disponível em:< http://www.socioambiental.org/inst/camp/tijuco/index.htm>. Data de acesso: 12 de abril de 2011. MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS. História do MAB. Disponível em: < http://www.mabnacional.org.br/?q=historia>. Data de acesso: 12 de abril de 2011. PREFEITURA DE PORTO ALEGRE. Parcerias Público-Privadas. Disponível em: <http://www.ppp.portoalegre.rs.gov.br/> . Data de acesso: 28 de novembro de 2011. LEGISLAÇÃO CONSULTADA BRASIL. Decreto-Lei nº2003, de 10 de setembro de 1996. Regulamenta a Produção deEnergia Elétrica por Produtor Independente e por Autoprodutor e dá outras providências. Disponivel em: <http://www.aneel.gov.br/cedoc/dec19962003.pdf>. Data de acesso: 20 de julho de 2011 BRASIL. Lei nº 7.990/1989, de 28 de dezembro de 1989. Institui, para os Estados, Distrito Federal e Municípios, compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataformas continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7990.htm>. Data de acesso: 10 de agosto de 2011. Brasil. Decreto nº 96.746, de 21 de Setembro de 1988. Outorga à Companhia Brasileira de Alumínio CBA concessão para o aproveitamento da energia hidráulica de um trecho do Rio Ribeira do Iguape, no local denominado Tijuco Alto, nos Municípios de Cerro Azul e Adrianópolis, Estado do Paraná, e Ribeira, Estado de São Paulo.http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1988/decreto-96746-21-setembro-1988-446994-publicacaooriginal-1-pe.html. Data de acesso: 3 de novembro de 2011
Brasil. Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
90
pública. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm>. Data de acesso: 30 de novembro de 2011.
Brasil. Lei Nº 8.031, de 12 de abril de 1990. Cria o Programa Nacional de Desestatização, e dá outras providências (REVOGADA). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8031.htm. Data de acesso: 3 de dezembro de 2011. NOTÍCIAS CONSULTADAS
ANTONELLI, D. Longe da prosperidade. Gazeta do Povo online: 03/10/2011. Disponível em:<
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/retratosparana/conteudo.phtml?id=1175792> Data de acesso: 21 de novembro de 2011 ASSESSORIA de comunicação do MPF. Baciado Rio Tibagi, no PR, é declarada território indígena kaigand e guarani. Outubro de 2011. Disponível em:<http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_indios-e-minorias/justica-federal-declara-a-bacia-do-rio-tibagi-territorio-indigena-kaingang-e-guarani>
AUGUSTO, F. Índios terão de ser compensados pela construção da Usina Mauá. Gazeta do povo online:19/10/2011. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1182480>. Data de acesso: 21 de outubro de 2011
CERVINSKI, G.. Apenas nos próximos três anos, 100 mil novos atingidos por pelas barragens. Correio da Cidadania, agosto de 2007. Entrevista concedida a Luis Brasilino. Disponível em: < http://www.correiocidadania.com.br/content/view/769/112/. Data de acesso: 3 de maio de 2011. COTTA, E. Camargo Corrêa vende a CNEC por R$ 170 milhões. Janeiro de 2010.Disponível em: <http://www.brasileconomico.com.br/noticias/nprint/74328.html> Data de acesso: 3 de novembro de 2011 GALINDO, R. W. Justiça cassa deputado por liberar obra de hidrelétrica. Gazeta do povo online: Outubro de 2011 . Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1180852> Data de acesso: 21 de outubro de 2011 MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. Aprovado relatório que aponta violação dos direitos humanos em barragens. Jornal do MAB, pp.4, nº15, novembro de 2010. Disponível em:< http://www.mabnacional.org.br/materiais/jornal_mab_1110.pdf>. Data de acesso: 3 de maio de 2011. MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. Mais de 2,7 milhões de brasileiros não têm energia elétrica, revela Censo 2010. Novembro de 2011. Disponível em:
91
<http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/mais-27-milh-es-brasileiros-n-t-m-energia-el-trica-revela-censo-2010> Data de acesso: 15 de novembro de 2011 MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. MAB apresenta denúncia contra Norte Energia ao Ministério Público Federal. Setembro de 2011. Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/mab-apresenta-den-ncia-contra-norte-energia-ao-minist-rio-p-blico-federal> Data de acesso: 15 de novembro de 2011 MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. MAB participa de lançamento da campanha contra a privatização da água. Novembro de 2011. Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/mab-participa-lan-amento-da-campanha-contra-privatiza-da-gua> Data de acesso: 15 de novembro de 2011 MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. Atingidos por barragens debatem violação dos direitos humanos. Agosto de 2011. Disponível em:<http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/atingidos-por-barragens-debatem-viola-dos-direitos-humanos> Data de acesso: 15 de novembro de 2011 MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. Movimentos se mobilizam contra o aumento da tarifa de energia. Agosto de 2011.disponível em:< http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/movimentos-se-mobilizam-contra-aumento-da-tarifa-energia> Data de acesso: 15 de novembro de 2011 MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. MAB desenvolve tecnologia de aquecimento de água com placas solares. Maio de 2011. Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/mab-desenvolve-tecnologia-aquecimento-gua-com-placas-solares> Data de acesso: 15 de novembro de 2011 MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. MAB propõe ao governo criação de comissão para debater mudanças na política energética. Junho de 2011. Disponível em: < http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/mab-prop-e-ao-governo-cria-comiss-para-debater-mudan-na-pol-tica-energ-tica> Data de acesso: 15 de novembro de 2011
MARQUES, L.F. Agora Doutor Ulysses está isolada. Gazeta do Povo online: 03/08/2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1153744> Data de acesso: 21 de novembro de 2011.
SCALABRIN, L. A ineficácia dos mecanismos internacionais criados pelas Nações Unidas na garantia ao desenvolvimento como direito humano: o caso das usinas hidrelétricas no Brasil. MAB NACIONAL, março de 2006. Disponível em: < http://www.mabnacional.org.br/?q=artigo/inefic-cia-dos-mecanismos-internacionais-criados-pelas-na-es-unidas-na-garantia-ao-desenvolvi> Data de acesso: 3 de maio de 2011. SUGIMOTO, L. Em defesa de um grande rio que ainda corre livre. Campinas: Sala de imprensa, junho de 2006. Edição 327. Disponível em:
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho2006/ju327pag12.html. Data de
acesso em 3 de setembro de 2011.