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ANAMARIA BECK A VARIAÇÃO DO CONTEÚDO CULTURAL DOS SAMBAQUIS LITORAL DE SANTA CATARINA Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Florianópolis 1972

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ANAMARIA BECK

A VARIAÇÃO DO CONTEÚDO CULTURAL DOS SAMBAQUIS

LITORAL DE SANTA CATARINA

Tese de Doutoramento apresentada à

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo.

Florianópolis

1972

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INDICE

Agradecimentos 6

0.0. Introdução 7

0.1. Os Sítios Litorâneos 11

0.1.1. Sítios Litorâneos do Brasil Meridional 13

0.2.0. O Projeto de Pesquisa 15

0.2.1. Justificativas do Projeto 15

0.2.1.1. Razões do Projeto de Pesquisa 16

0.2.1.2. Recursos Disponíveis 17

0.2.2. O Planejamento do Projeto de Pesquisa 19

0.2.2.1. Hipóteses 19

0.2.2.2. A Escolha dos Sítios 22

0.2.2.3. Encaminhamento da Pesquisa 24

0.2.2.3.1. Etapas de campo 24

0.2.2.3.1.1. Sub-projeto I- Litoral Sul 24

0.2.2.3.1.2. Sub-projeto II- Litoral Central 27

0.2.2.3.1.3. Sub-projeto III- Litoral Norte 30

0.2.2.3.2. O Trabalho de Campo 31

0.2.2.3.3. O Registro Estratigráfico 34

0.2.3. Os Sambaquis do Litoral de Santa Catarina 36

0.2.3.1. Os Sambaquis Escavados 37

0.2.3.2. Outros Sambaquis Escavados 40

0.2.4. O Trabalho 42

0.2.5. Os Resultados Obtidos 44

1.0. O Litoral de Santa Catarina e as Relações Homem/Meio 45

1.1. A Formação do Litoral e a localização dos Sambaquis 45

1.1.1. O Litoral Sul 48

1.1.2. Litoral Central 52

1.1.3. O Litoral Norte 56

1.2. Recursos Naturais do Litoral de Santa Catarina 60

1.2.1. Recursos de Origem Marinha 60

1.2.2. Recursos Vegetais 64

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1.2.3. Fauna 66

2.0. O Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - Litoral Sul. 67

2.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 71

2.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 73

2.2.1. Instrumentos Líticos 73

2.2.2. Instrumentos de Ossos e Dentes 77

2.2.3. Instrumentos de Conchas 78

2.2.4. Obtenção de Corantes 79

2.2.5. Conclusões 79

2.3. Restos Ósseos Humanos 80

2.3.1. Sondagem. nº. 1 80

2.3.2. Sondagem nº. 2 87

2.3.3. Análise dos Dados 89

2.4. Evidências da Ocupação 91

2.5. Os Sambaquis do Litoral Sul 92

3.0. O Sambaqui de Ponta das Almas - SC LS 17 - Litoral Central 93

3.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 100

3.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 102

3.2.1. Instrumentos Líticos 102

3.2.2 Conclusões 105

3.3. Restos Ósseos Humanos 105

3.3.1 Sondagem nº 1 106

3.3.2. Sondagem nº 2 107

3.3.3. Sondagem nº 3 109

3.3.4. Análise dos Dados 112

3.4. Evidências da Ocupação 113

3.5. Sambaquis do Litoral Central - Sambaquis sem Cerâmica 114

4.0. O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - Litoral Norte 116

4.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 118

4.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 121

4.2.1. Instrumentos Líticos 122

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4.2.2. Instrumentos de Osso 125

4.2.3. Instrumentos de Concha 125

4.2.4. Conclusões 126

4.3. Restos Ósseos Humanos 126

4.3.1. Sondagem nº1 127

4.3.2. Referências Bibliográficas 131

4.3.3. Análise dos Dados 133

4.4. Evidências da Ocupação 133

4.5. Os Sambaquis do Litoral Norte - Sambaquis sem Cerâmica 136

5.0. O. Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - Litoral Central 138

5.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 140

5.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 143

5.2.1. Instrumentos Líticos 144

5.2.2. Instrumentos de Ossos e Dentes 150

5.2.3. Instrumentos de Conchas 155

5.2.4. Instrumentos de Cerâmica 155

5.3. Restos ósseos Humanos 159

5.4. Comparações com Sítios da Mesma área 160

6.0. O Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - Litoral Norte 163

6.1. Recursos Naturais e Ocupação Humana 165

6.2. Instrumentos e Atividades de Subsistência 173

6.2.1. Instrumentos Líticos 173

6.2.2. Instrumentos sobre Ossos e Dentes 176

6.2.3 Instrumentos de Conchas 185

6.2.4. Recipientes de Cerâmica 186

6.2.5. Conclusões 189

6.3. Restos ósseos Humanos 190

6.3.1. Sondagem nº1 190

6.3.2. Sondagem nº2 199

6.3.3. Análise dos Dados 202

6.4. As Evidências da Ocupação 206

6.5. Os Sambaquis do Litoral Norte - A Cerâmica 207

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7.0. A Variação do Conteúdo Cultural dos Sambaquis 209

7.1. Tecnologia e Subsistência 213

7.1.1. Técnicas de Subsistência 215

7.1.1.1. A Coleta 216

7.1.1.2. A Caça e a Pesca 220

7.1.2. Técnicas de Confecção de Instrumentos 225

7.1.2.1. Técnicas de Confecção de Artefatos Líticos 225

7.1.2.2. Técnicas de Confecção de Artefatos Conchas 226

7.1.2.3. Técnicas de Confecção de Artefatos de Ossos e Dentes 227

7.1.2.4. Recipientes de Cerâmica 228

7.2. Os Costumes Funerários 229

7.3. Conclusões 231

8.0. Bibliografia 233

8.1 Figuras

8.2 Pranchas

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho é o resultado de projeto de pesquisa que desenvolvemos no

litoral de Santa Catarina. Durante o desenvolvimento da pesquisa e elaboração do trabalho

contamos sempre com a colaboração e estímulo do Diretor do Museu de Antropologia da

Universidade Federal de Santa Catarina, Professor Dr. Oswaldo Rodrigues Cabral.

O incentivo para levarmos a cabo este trabalho foi decorrente de discussões

mantidas com o Diretor, em exercício do Museu de Antropologia da Universidade Federal

de Santa Catarina, Professor Dr. Sílvio Coelho dos Santos e os colegas e estagiários do

mesmo Museu.

Os Professores Edson Medeiros de Araújo, Gerusa Maria Duarte, Maria José Reis

e Victor Hugo Oliveira da Silva, participaram dos trabalhos de campo, colaboração

indispensável para a realização do projeto de pesquisa.

Aceitando a orientação da tese ao Professor Dr. João Batista Borges Pereira,

devemos sugestões importantes referentes aos detalhes, necessários a apresentação da tese

em sua redação final.

Os recursos financeiros para a efetivação dos trabalhos de campo foram concedidos

pela Universidade Federal de Santa Catarina, nas gestões dos Reitores Professores - João

David Ferreira Lima e Ernani Bayer.

A estas pessoas e instituições agradecemos pela possibilidade de realizar o que nos

propúnhamos.

Agradecemos também ao senhor Pedro Geraldo Batista, que se responsabilizou

pelos trabalhos de datilografia, bem como aos funcionários do Museu de Antropologia da

Universidade Federal de Santa Catarina, principalmente na pessoa do seu Secretário, Bel.

José Antônio da Costa.

Finalmente, os nossos agradecimentos aos familiares e amigos, cujo estímulo

nunca nos faltou.

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Introdução

A pesquisa arqueológica em Santa Catarina apenas se iniciou em moldes

sistemáticos. As evidências da ocupação do território por populações pré-históricas

ocorrem por todo o Estado, da Costa Atlântica aos limites com a Argentina, das fronteiras

com o Rio Grande do Sul as fronteiras com o Paraná. Estas evidências deixam claro que

grupos pré-históricos de diversa tradição cultural ocuparam de forma esporádica ou de

forma mais permanente regiões do território de Santa Catarina. Seus remanescentes

materiais indicam, também que sua atividade variou, quer estes grupos estivessem no

planalto, às margens do Rio Uruguai ou no litoral. Desconhecendo os limites territoriais,

impostos por convenções modernas, os grupos pré-históricos percorreram indiferentemente

a Região Meridional do Brasil, utilizando caminhos líquidos, representados pelos

numerosos rios que compõem a hidrografia da região ou ao longo do litoral, deslocando-se

entre as numerosas pequenas ilhas, baías, enseadas e lagoas, em torno das quais se

estabeleciam por períodos de tempo mais ou menos longos.

A ausência de instituições científicas dedicadas à pesquisa arqueológica, mais

especificamente de Arqueologia Pré-histórica, bem como de pessoal especializado

impediram que as investigações sobre a pré-história em Santa Catarina fossem mais

efetivas e sistemáticas. Na verdade, até recentemente os trabalhos efetuados no estado

foram o resultado do interesse de especialistas por detalhes da ocupação pré-histórica do

território do Estado, mas sem que necessariamente houvesse preocupações de maneira a se

estabelecer um quadro relativamente amplo, a partir do qual pudessem partir as pesquisas

que se lhe seguissem.

O litoral, talvez pela quantidade e pelo tipo de sítios arqueológicos, bem como pela

facilidade de observação destes mesmos sítios foi a região do estado de Santa Catarina que

recebeu maior atenção por parte de todos aqueles que de alguma forma se interessaram

pelas populações pré-históricas. O problema não específico do litoral de Santa Catarina,

uma vez que os mesmos tipos de sítios arqueológicos, designados como sambaquis, são

encontrados largamente no litoral do Brasil Meridional, tendo sido, sempre objeto de

grande atenção quer de leigos quer, mais recentemente, de especialistas.

Constituem os sambaquis remanescentes de grupos pré-históricos que localizados

temporariamente no litoral, construíram sítios arqueológicos com os restos de suas

refeições. Por consumirem moluscos de forma acentuada, as carapaças desses animais

representam o principal substrato dos sítios arqueológicos desse tipo. O conteúdo dos

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sambaquis nos permite observar importantes elementos que manifestam a cultura, ou parte

dela, dos grupos pré-históricos que os construíram. Parte da cultura material desses grupos,

representada por artefatos de várias categorias (pedra, osso, conchas, cerâmica), bem como

os costumes funerários evidenciados nos sepultamentos, sempre numerosos e, ainda,

estruturas resultantes de restos de fogueiras, fossas culinárias, atividades diversas, relativas

à vida pré-histórica no litoral, nos permitiram o trabalho de investigação através do qual

procuramos entender a ocupação pré-histórica do litoral de Santa Catarina.

A escolha da região de atuação do projeto de pesquisa que nos propúnhamos a

realizar se deveu a uma série de circunstâncias, que vieram permitir a sua efetivação. A

criação do Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina,

atualmente Museu de Antropologia, da mesma Universidade, onde passamos a atuar,

constituiu um importante evento, no sentido de permitir o surgimento de recursos os mais

variados, que puderam ser aplicados para a pesquisa antropológica, em geral, incluindo-se

as de arqueologia pré-histórica.

O fato de no Estado de Santa Catarina não terem sido efetuados trabalhos de

investigação, quer em profundidade, quer em extensão, foi também uma das possibilidades

que não deixamos de considerar, ao procedermos à escolha da região e do tema. O projeto

de pesquisa que efetuamos é conseqüentemente, um trabalho extenso, que aborda os

aspectos mais variados das manifestações culturais dos grupos pré-históricos que

ocuparam o litoral. O próprio título do projeto de pesquisa o indica. Nos propúnhamos a

estudar a variação do conteúdo cultural dos sambaquis, no litoral de Santa Catarina, a fim

de estabelecermos um quadro amplo, a partir do qual pudessem ser investigados problemas

mais específicos.

A relativa facilidade com que estes sítios arqueológicos podiam ser atingidos, o

fato de se encontraram situados próximos de cidades ou de balneários, tornava-os

vulneráveis a destruição que se processava de forma rápida e intensiva, tendo já levado ao

desaparecimento um grande número de sambaquis, e ameaçando alguns outros, em três

áreas do litoral de Santa Catarina. Assim, o projeto de pesquisa era também, ao menos em

parte, um projeto de salvamento arqueológico, uma vez que todos os sítios escavados se

achavam ameaçados de uma forma ou de outra, pela rápida ocupação do litoral em face da

expansão dos centros urbanos ou de balneários. Procuramos, através da investigação que

procedemos preservar, pelo menos parcialmente, as evidências de ocupação do litoral, no

período anterior ao povoamento de origem européia.

A execução do projeto teve a duração de 5 anos, envolvendo atividades de campo,

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de laboratório e, ainda, a redação de relatórios preliminares e de notas prévias sobre as

várias etapas da pesquisa. As etapas de campo foram cumpridas rigorosamente, de acordo

com os planos anuais de trabalho que elaboramos, a fim de sistematizá-los. Nem sempre as

condições foram das mais favoráveis, uma vez que em função dos prazos que

dispúnhamos, só puderam ser concluídas sob chuva ou frio, muitas vezes intensos. Após os

trabalhos de escavação os trabalhos de gabinete ou de laboratório tinham lugar. Eram então

elaborados os mapas e perfis, classificados os artefatos e redigidos os relatórios

preliminares, bem como notas prévias sobre os trabalhos de campo e laboratório

desenvolvidos naquele ano.

O levantamento bibliográfico e uma análise dos trabalhos já efetuados em sítios

litorâneos, do tipo sambaqui, constituiu importante passo para o entendimento e orientação

de como se estavam procedendo aos trabalhos de pesquisa arqueológica no litoral

Meridional do Brasil. As orientações seguidas pelos autores, embora diversas, permitiram

que nos informássemos sobre as técnicas utilizadas, os achados que haviam sido efetuados,

a forma de tratar determinados materiais. Possibilitaram, também, a comparação entre os

achados efetuados em Sambaquis do litoral de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul,

com os Sambaquis do litoral de Santa Catarina, em que estávamos procedendo a trabalhos

de investigação.

Procedemos praticamente a um estudo de caso, de cada sambaqui escavado durante

a efetivação do projeto de pesquisa. Foram escavados sambaquis em cada uma das áreas

do litoral de Santa Catarina. Procuramos, a partir dos achados efetuados, situá-los dentro

da área, comparando os resultados obtidos com aqueles obtidos por outros autores em

sambaquis da mesma área. E, finalmente, comparar os resultados obtidos em cada uma das

áreas entre si.

Os critérios utilizados para comparar foram, é óbvio, condicionados pelos tipos de

achados que costumam ocorrer nos sambaquis. Selecionamos assim os restos de alimentos,

em três categorias: marinhos, vegetais e fauna terrestre (aves e mamíferos); tecnologia e

subsistência, comparando os tipos de instrumentos encontrados em cada sambaqui, a fim

de podermos identificar as atividades de subsistência praticadas; costumes funerários

considerando que constituem um ótimo indicador quanto às influências que estes grupos

possam ter recebido além de ser uma constante, o achado de sepultamentos em sambaquis.

A utilização de dados etnográficos para comparação foi feita com relativa reserva.

Consideramos, apenas, algumas informações tomadas a viajantes, no período colonial

brasileiro, sobre grupos indígenas do litoral. O fato de fazermos uso dessas informações,

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não significa que aceitemos ou afirmemos que os grupos pré-históricos construtores dos

sambaquis tivessem o mesmo comportamento quanto à pesca e a coleta de moluscos.

Apenas, estamos informando que grupos indígenas do litoral Brasileiro praticavam

atividades de subsistência, confeccionavam e utilizavam tipos de artefatos que,

possivelmente, poderiam ter sido praticados e utilizados pelos primitivos habitantes do

litoral de Santa Catarina, responsáveis pela construção dos sambaquis. Tampouco

consideramos os grupos indígenas descritos pelos cronistas citados, como remanescentes

dos habitantes pré-históricos do litoral, em qualquer região da Costa do Brasil, o mesmo

acontecendo com relação aos dois grupos indígenas atuais Xokleng (Santos, 1972) e Xetá

(Fernandes, 1959). Sempre que fizemos uma observação dessa ordem cuidamos de que

fosse acompanhada da necessária ressalva, quanto à possibilidade de que tal pudesse ter

ocorrido com os construtores dos sambaquis sem, no entanto, afirmá-lo.

No que se refere à reconstituição do habitat litorâneo, por ocasião da época em que

os sambaquis foram construídos, pouco se pôde fazer. A impossibilidade de utilização de

certas técnicas, como a análise de Carbono 14 e análise polínica impediram-nos de, em

primeiro lugar, estabelecer uma seqüência cronológica absoluta, para os sambaquis do

litoral de Santa Catarina. E, em segundo lugar, de constatar pequenas mudanças climáticas

que teriam sido registradas por mudança da flora da região. A intensidade de povoamento

do litoral de Santa Catarina, nos últimos três séculos, destruiu praticamente a vegetação

original o mesmo acontecendo à fauna, quanto a mamíferos e aves, além dos bancos de

moluscos, que se encontram reduzidos a proporções mínimas.

O estudo de caso que fazemos de cada sambaqui escavado, descrevendo, às vezes

em detalhes, certos aspectos dos dados utilizados na comparação, objetiva permitir a

observação das variações existentes entre os sambaquis do litoral de Santa Catarina, no que

se refere ao conteúdo cultural. A variação mais flagrante é sem dúvida alguma a

introdução da cerâmica

Embora levantemos algumas hipóteses quanto ao fato, não podemos afirmar

categoricamente a sua origem, uma vez que nos faltam dados para o planalto. Também as

variações quanto aos costumes funerários são, algumas vezes bastante claras, permitindo a

constatação de duas ocupações de um mesmo sítio.

Finalmente, o presente trabalho não pretende esgotar as possibilidades de pesquisa,

nem estabelecer definitivamente, o quadro da ocupação pré-histórica da região litorânea.

Acreditamos, porém, ter levantado alguns problemas importantes, através do

estabelecimento de um quadro amplo, sobre a pré-história do litoral de Santa Catarina. O

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estudo detalhado dos problemas levantados permitirá que se aprofunde o conhecimento

sobre as populações pré-históricas litorâneas. Assim, a contribuição que acreditamos trazer

a Arqueologia Pré-histórica liga-se ao fato de reunirmos dados dispersos em vários

trabalhos compará-los com os dados obtidos a partir da efetivação do projeto de pesquisa

que desenvolvemos, na tentativa de estabelecer um quadro para a ocupação do litoral de

Santa Catarina. Sabemos que este trabalho pode e deve ser completado, na medida em que

novas pesquisas sejam feitas. É necessário ressaltarmos que o que aqui expomos é fruto de

um trabalho de investigação realizado dentro de um planejamento para atender a

determinados objetivos, não pretendendo desta forma, ultrapassar os limites desses

mesmos objetivos.

0.1 - Os Sítios Litorâneos

Com a expressão sítios litorâneos entendemos, os sítios arqueológicos do tipo

sambaqui. Por sua localização e por estarem situados a céu aberto utilizamos, em algumas

circunstâncias, essa designação. Embora, de uma maneira geral a mesma expressão possa

ser utilizada para indicar outros tipos de sítios arqueológicos, também localizados no litoral

e situados a céu aberto.

É somente a partir do momento em que condições climáticas permitem que se

constitua habitat favorável ao desenvolvimento da fauna malacológica que os grupos

humanos pré-históricos, atraídos à costa começam a construir sítios arqueológicos

litorâneos do tipo sambaqui. O fato pode ser observado no litoral de diversos continentes,

como na Europa, na América do Norte, na Costa do Pacifico da América do Sul, na Ásia

enfim, praticamente em todas as áreas do globo em que a fauna malacológica aliada a

fauna ictiológica permitiu a fixação temporária de grupos humanos.

Os grupos que se fixaram no litoral procederam conseqüentemente a toda uma

modificação de uma tecnologia tradicional, adaptando-a ao meio aquático. Embora a coleta

de moluscos não tenha substituído totalmente a coleta de vegetais e de pequenos animais,

ela se torna em algumas circunstâncias a atividade predominante, praticada pelos grupos

litorâneos. A pesca, que poderia ser considerada como uma atividade complementar da

caça provoca toda uma adaptação ao novo meio.

Hewes (1948:238-246) analisa alguns dos aspectos relativos à adaptação

tecnológica de sociedades de caçadores e coletores, quanto à utilização de uma tecnologia

de pesca. O habitat em que vivem os animais que devem ser pescados, difere totalmente

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daquele em que os caçadores estão habituados a se locomover, em busca de sua presa. Os

instrumentos a serem utilizados devem ser adaptados ao meio aquático, uma vez que

devam ser introduzidos nele. Conseqüentemente, uma especialização técnica deve ser

desenvolvida, paralelamente, a uma tecnologia de caça, já conhecida pelos grupos de

caçadores. Esta especialização técnica envolve, sem dúvida alguma, o conhecimento

decorrente de uma observação continuada do comportamento dos animais que desejam os

pescadores apresar.

Entretanto, a mais importante observação do autor sobre o assunto é a que se refere

à estabilidade de certos sítios de pesca. Algumas espécies retornam periodicamente,

através de migrações continuas aos mesmos locais. Com isso, permitem que também os

grupos humanos interessados no seu apresamento retornem na mesma época, uma vez que

em tais períodos a produção de pesca é bem mais acentuada do que nos meses seguintes.

Embora o autor faça tal observação, considerando a importância econômica do

evento, podemos estendê-la para interpretar certos fenômenos de deslocamentos de grupos

pré-históricos, ao longo do litoral. Os cardumes retornando anualmente aos mesmos locais

permitiriam pesca abundante, com um esforço menor do que aquele que deveria ser

despendido, em outras épocas do ano, quando os peixes deveriam ser menos abundantes.

Conhecedor do comportamento das espécies de que depende a sua sobrevivência, o

pescador pré-histórico deslocava-se periodicamente ao litoral onde procedia uma intensa

atividade de pesca, a qual seria secundada pela coleta de moluscos e outras atividades

como a caça de animais terrestres e a coleta de vegetais.

Atualmente, os restos das atividades dos grupos humanos pré-históricos, nos

permitem constatar apenas parcialmente o quadro em que se movimentaram, numa

tentativa de entender seu relacionamento com o habitat e as suas formas de subsistência,

através de uma tecnologia simples. Os sítios litorâneos, que designamos também como

sambaquis constituem o local onde estão depositados esses restos e é através de trabalhos

de investigação sistemática que se poderá chegar a entender não apenas as formas de vida

pré-histórica mas todo o processo de ocupação pré-histórica do litoral.

Na impossibilidade de estender nossas observações diretas a outras áreas onde o

litoral foi ocupada por grupos humanos, no período pré-histórico, concentramos nossa

atenção no Brasil Meridional e mais especificamente no litoral de Santa Catarina. Para

tanto elaboramos projeto de pesquisa e através dele levantamos dados a fim de comparar as

formas de vida dos grupos que demandaram ao litoral do Brasil Meridional e,

principalmente, de Santa Catarina, durante a Pré-História.

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0.1.1 - Sítios Litorâneos do Brasil Meridional.

Os sítios litorâneos do Brasil Meridional que se estende do litoral de São Paulo ao

litoral Norte do Rio Grande do Sul atestam a intensidade de ocupação da área, no período

pré-histórico. São numerosos os sambaquis aí localizados distribuindo-se

preferencialmente em torno de lagoas e enseadas de águas remansosas, embora, possam

ser encontradas também, acima de costões batidos pelo Oceano.

Foram desde há muito tempo objeto do interesse ou da curiosidade de estudiosos

ou leigos, respectivamente e não são poucos os trabalhos que o atestam. Uma relação

bibliográfica (Magalhães, 1965:93-111) relaciona 166 trabalhos que tratam

especificamente sobre sambaquis ou que fazem algum tipo de menção aos mesmos, em

todo o litoral Brasileiro. Cerca de 70% dos trabalhos publicados sobre os sambaquis

brasileiros são sobre aqueles situados na Grande Região Sul.

É somente a partir de 1950, aproximadamente, que os trabalhos de investigação dos

sambaquis no Sul do Brasil se tornam mais sistemáticos, eclodindo com a criação de

instituições de pesquisas e de proteção nos Estados de São Paulo e do Paraná. Em Santa

Catarina, os trabalhos de investigação são iniciados em 1949, com os trabalhos de

Bigarella, J.J. (1949).

Segundo Altendelder Silva (1967:18) a situação da arqueologia Brasileira se

define, partir de 1954, com a realização do XXXI Congresso Internacional de

Americanistas, realizado em São Paulo. Textualmente diz o que segue:

"Deixando de lado as tentativas individuais de pesquisa,

realizadas nos últimos vinte anos por um pequeno grupo de

arqueólogos profissionais, desejamos mencionar em particular o

que consideramos como as três etapas básicas no

desenvolvimento da pré-história brasileira. Em primeiro lugar, e

interessante mencionar que, em 1954, durante a realização do

XXXI Congresso Internacional de Americanistas, reunido em São

Paulo, apesar de alguns bons trabalhos apresentados sobre

arqueologia brasileira, tornou-se patente o relativamente quase

nada que sabíamos sobre a maior parte do imenso território

brasileiro. Foi, então, proposta e aprovada uma moção em que se

sugeria aos poderes competentes a criação de cadeiras de pré-

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história em nossas universidades. É claro que se tratava de

uma sugestão visando a que algumas universidades, melhor

equipadas iniciassem o ensino da pré-história. Pois a criação da

cadeira de pré-história ou arqueologia em cada uma de nossas

faculdades de filosofia não somente ultrapassaria o domínio das

possibilidades reais de nosso ensino, como também se defrontaria

com a necessidade de improvisação de professores dada a falta de

especialistas devidamente qualificados. A referida moção,

contudo, serviu para alertar os nossos estudiosos sobre a carência

de técnicos em pré-história e sobre a necessidade de ensino dessa

matéria. Cabe, em segundo lugar, mencionar a criação da

Universidade do Paraná, sob a direção do Prof. José Loureiro

Fernandes do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, que se

constituiu em marco importante na sistematização e ensino dos

conhecimentos e pesquisas da pré-história brasileira.

Finalmente, a terceira etapa foi atingida já em 1963,

durante a VI Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em

São Paulo, com uma secção de história onde se evidenciou o

progresso alcançado pelos nossos estudiosos, bem como se

fundamentou a base para uma melhor cooperação entre os

arqueólogos brasileiros".

Com a criação da Comissão de Pré-História, depois Instituto de Pré-História e

Etnografia, da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas

da Universidade do Paraná iniciam-se em moldes sistemáticos os trabalhos de investigação dos

sambaquis. E partir daí, através do desenvolvimento de alguns projetos de pesquisas, como

aqueles orientados por Emperaire e Laming (1956:5-163), Hurt e Blasi, (1960) foram

escavados sambaquis localizados no Litoral de São Paulo e Paraná. A partir de 1960 novos

pesquisadores começam a desenvolver suas atividades estendendo-as também ao litoral do

Estado de Santa Catarina (Bryan, 1961). São escavados novos sambaquis. Desenvolvem-se

campanhas a fim de impedir e preservar da destruição final um grande número de sítios.

Finalmente, é criado em Santa Catarina, em 1965, e instalado em 1967 o Instituto de

Antropologia, atualmente, Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina,

que vai dar início a sistematização da pesquisa em sambaquis, no litoral de Santa Catarina.

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0.2 - Projeto de Pesquisa

Considerando a situação exposta no tópico anterior, resolvemos em 1967, elaborar

projeto de pesquisa para o estudo sistemático dos sambaquis do Litoral de Santa Catarina. Os

trabalhos de pesquisa efetuados anteriormente não haviam assumido uma forma sistemática,

embora trouxessem sua contribuição para o conhecimento de alguns problemas relativos ao

estudo do conteúdo cultural desses sítios arqueológicos.

As pesquisas efetuadas podem ser classificadas em duas categorias: trabalhos

assistemáticos de salvamento e trabalhos sistemáticos de levantamento e escavação de sítios.

Na primeira categoria poderíamos situar os trabalhos de Guilherme Tiburtius.1 Na segunda

categoria podemos citar os trabalhos de Castro Faria (1959) sobre o Sambaqui de Cabeçuda-

SC LS 7; de Rohr (1959, 1960, 1961, 1966, 1968 e 1969 ) sobre levantamento de sambaquis

do Litoral Sul, Central e Norte, bem como a escavação de um sambaqui no litoral Central;

Bryan (1965) sobre a escavação do Sambaqui do Forte Marechal Luz - SC LN 76; Piazza

(1966a,1966b, 1966c e 1967) sobre a escavação e levantamento de sambaquis no Litoral de

Santa Catarina, bem como levantamento bibliográfico.

Cada um dos trabalhos citados acima levantou dados importantes sobre a localização,

número, distribuição e conteúdo cultural dos sambaquis. Através da leitura desses trabalhos e

do conhecimento superficial, o hesitamos em dizê-lo, das coleções que se constituíram a partir

das investigações efetuadas, observamos então que um trabalho sistemático de investigação se

fazia necessário a fim de se obter uma visão global da ocupação do litoral e das variações

culturais existentes em função do tempo e do espaço em que os grupos humanos pré-históricos

haviam atuado na região.

0.2.1 – Justificativas do Projeto

Tendo em vista as dificuldades e os problemas existentes elaboramos um projeto de

pesquisa para estudar sistematicamente os sambaquis do litoral de Santa Catarina. 1 Guilherme Tiburtius publicou numerosos trabalhos descrevendo o salvamento arqueológico que efetuou no Litoral Norte de Santa

Catarina, graças ao qual, uma grande parte do conteúdo cultural de sambaquis, hoje totalmente destruídos, foi preservada. Entre

estes trabalhos podemos destacar: aqueles efetuados em colaboração com Bigarella, I. K. e Bigarella J.J. (1951), sobre a jazida

paleoetnográfica de Itacoara – Joinville; e ainda em colaboração com os dois pesquisadores já citados, sobre o sambaqui de Rio

Pinheiros – Joinville (1954); também o trabalho sobre o sambaqui da Conquista (1966).

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Aproveitando a oportunidade da criação do Museu de Antropologia da Universidade Federal

de Santa Catarina1 e, conseqüentemente, uma certa disponibilidade de recursos que passaram a

existir a partir do momento de sua instalação foi desenvolvido o projeto de pesquisa, com a

duração de 5 anos. Iniciado em julho de 1967, o projeto teve terminado o trabalho de campo

em 1971. Os trabalhos de laboratório, todavia prosseguiram até o final de 1972.

Durante o seu desenvolvimento foram escavados sambaquis em três áreas do litoral de

Santa Catarina, bem como efetuado o correspondente levantamento bibliográfico, elaboração

de mapas, quanto à localização dos sítios arqueológicos, procurando resolver, na medida do

possível, os problemas levantados pelos trabalhos anteriores. Não pretendemos, porém, ter

esgotado as possibilidades de pesquisa, da área ou do tema. Pelo contrário, acreditamos que a

partir dos resultados do projeto de pesquisa, que desenvolvemos novas hipóteses relativas a

ocupação pré-histórica do Litoral de Santa Catarina poderão ser levantadas e solucionadas

tornando sempre mais claro o quadro da Arqueologia Brasileira.

0.2.1.1 - Razões do Projeto de Pesquisa

As razões que nos levaram a elaborar um projeto de pesquisa, justamente sobre

Sambaquis, ou grupos pré-históricos litorâneos, prendem-se a objetivos diversos. Além da

preocupação com aumentar as possibilidades de entendimento sobre as populações pré-

históricas do litoral de Santa Catarina, em termos de análise do conteúdo cultural dos

sambaquis, consideramos principalmente a necessidade de preservarmos do total

desaparecimento os remanescentes materiais de grupos pré-históricos.

No momento em que elaboramos o projeto de pesquisa grande número de sambaquis

havia sido totalmente destruído e alguns outros se encontravam em vias de destruição. Mesmo

com a criação da Lei nº. 3.924 de 26 de julho de 1961 o processo de destruição continuava. Os

fins a que se destinavam as conchas retiradas dos sambaquis eram os mais diversos: fabrico de

adubos, corretivos de solo, ração para animais, pavimentação de estradas, cal etc. Visitas que

efetuávamos com freqüência as áreas onde se localizavam os sambaquis nos permitiram

observar que este processo que cada vez mais se acelerava, pela facilidade com que se podia

desmontar os sambaquis, uma vez que a fiscalização exercida era ineficiente, em face da 1 O Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, foi criado, originalmente, como Instituto de Antropologia

pela Resolução nº 89 de 30 de dezembro de 1965, do Conselho Universitário.

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extenso do Litoral, o número e a localização dos sambaquis, bem como a praticamente

ausência ou omissão das autoridades responsáveis pela preservação desses sítios, após a

criação da Lei Federal já citada.

Em algumas oportunidades pudemos observar a destruição dos sambaquis para

diversas finalidades, obtendo documentação fotográfica. Nas Pranchas nºs 1, 2, 3 e 4

observamos a progressiva destruição do Sambaqui de Cabeçuda - SC LS 7 - e, ainda a

destruição de sambaquis no Litoral Central e Norte, antes que providências fossem tomadas

pelas autoridades competentes, no ano de 1972.

Tendo em vista o acelerado processo de destruição a que se achavam submetidos os

sambaquis do Litoral de Santa Catarina, o que pode ser facilmente constado pela

documentação fotográfica apresentada, é justo que nos preocupássemos com a preservação ao

menos parcial, da cultura das populações litorâneas pré-históricas. Assim, sem nenhuma

excessão, todos os sambaquis escavados estavam ou haviam estado em algum momento,

submetidos a um intenso processo de destruição, o que de certa forma nos permitiu prever, em

parte, o conteúdo cultural dos sambaquis onde iríamos proceder ao trabalho de escavação.

Duas foram fundamentalmente as razões que nos levaram a elaborar e desenvolver o

projeto de pesquisa. A primeira, estudo das populações pré-históricas do Litoral de Santa

Catarina, através de seus remanescentes materiais e que na verdade constitui a matéria prima a

partir da qual foi elaborado o presente trabalho. A segunda a preservação, pelo menos parcial,

do conteúdo cultural dos sambaquis do Litoral de Santa Catarina, tendo em vista o intenso

processo de destruição a que se achavam submetidos os sítios arqueológicos do tipo

sambaqui.1

0.2.1.2 - Recursos Disponíveis

No desenvolvimento de todo o projeto de pesquisa, como é sabido diversos tipos de

recursos devem ser carreados, a fim de permitir resultados positivos ao final da investigação.

No desenvolvimento do projeto de pesquisa que descrevemos, no momento foram utilizados

recursos de três ordens: humanos, materiais e financeiros.

1 A destruição intencional dos Sambaquis do Litoral de Santa Catarina, com fins econômicos será objeto de um trabalho especifico.

Por esta razão, nos limitamos a referir superficialmente o problema.

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Com a criação do Museu de Antropologia houve possibilidade de se obter estes

recursos, através da elaboração de planos de trabalho anuais que eram apresentados com essa

finalidade.

Os recursos humanos utilizados durante a realização do projeto de pesquisa foram de

três ordens: especialistas em Geologia do Quaternário e Geomorfologia, em Anatomia

Humana, em Tipologia do Material Lítico e em Cerâmica Pré-Histórica Brasileira. Estes

especialistas participaram dos trabalhos de campo, desenvolvendo atividades relativas a suas

especialidades e, ainda de tarefas pertinentes aos trabalhos de escavação. A participação de

alunos de Cursos de Graduação e de alunos graduados constituiu uma outra ordem de recursos

humanos que utilizamos. Suas atividades prenderam-se principalmente a trabalhos de campo,

sendo engajados nos Planos de Trabalho como auxiliares de Campo. Algumas vezes

desenvolveram trabalhos em laboratório, no que tange a limpeza e numeração do material

arqueológico coletado. Finalmente, a terceira categoria de recursos humanos foram os

operários braçais, utilizados nos trabalhos de campo para limpeza da superfície dos sítios,

retirada e peneiramento do material escavado. O número de operários braçais utilizados foi de

quatro, no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30, chegando a oito, no Sambaqui de Enseada I

- SC LN 71.

Os recursos materiais foram todos fornecidos pelo Museu de

Antropologia que dispunha de laboratório de Arqueologia, bem

como de todo o equipamento necessário ao trabalho de campo. Os

Planos de Trabalho, além disso, previam a aquisição de equipamento,

caso este se encontrasse deficitário, em face de constante utilização.

Também o transporte de pessoal, equipamento e material

arqueológico coletado foi sempre obtido através do Museu de

Antropologia que, em algumas ocasiões, como quando foi procedida

à segunda etapa de escavação do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71

- colocou uma condução à disposição da equipe durante todo o tempo

de duração dos trabalhos de campo.

Finalmente, os recursos financeiros foram fornecidos pela

Universidade Federal de Santa Catarina através do Museu de

Antropologia. Nos Planos de Trabalhos fizemos constar sempre um

item orçamentário sobre o custo daquela etapa de campo, onde eram

previstos as despesas relativas à manutenção e pagamento de pessoal,

equipamento, transporte e trabalhos de gabinete.

Entretanto, os recursos financeiros não nos permitiram

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esgotar ou pelo menos utilizar certos recursos técnicos que poderiam

ter fornecido dados que iriam confirmar algumas de nossas hipóteses.

No caso, por exemplo, da obtenção de datações pela Análise do

Carbono 14. Não nos foi possível obter datas absolutas para os

sambaquis escavados, uma vez que não dispusemos de recursos para

tanto. Por outro lado, um outro recurso técnico de que não pudemos

lançar mão foi a Análise Palinológica, pela ausência de trabalhos

sistemáticos na área.

Consideramos, porém, que embora os dados fornecidos pela

utilização de tais recursos pudessem ser realmente compensadores na

interpretação dos dados coletados, nada impede que sejam utilizados

posteriormente, completando o que vamos expor neste trabalho.

0.2.2 - O Planejamento do Projeto de Pesquisa

0.2.2.1 – Hipóteses

A Escavação dos Sambaquis de Congonhas I - SC LS 30 - Rio Lessa - SC LC 39 -

Morro do Ouro - SC LN 41 - e Enseada I - SC LN 71 - foi efetuada no desenvolvimento do

Projeto de Pesquisa "A Variação do Conteúdo Cultural dos Sambaquis". Este projeto foi

desenvolvido durante o período 1967/1971, num total de cinco anos, envolvendo o litoral de

Santa Catarina. O Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - foi escavado em três ocasiões

distintas referidas no tópico competente.

Ao iniciarmos os trabalhos de pesquisa na Universidade Federal de Santa Catarina,

pouco se havia feito neste setor de investigação no Estado. Os primeiros trabalhos sistemáticos

se haviam iniciado, porém ligados principalmente ao estudo de sítios cerâmicos, do tipo tupi-

guarani.1

Assim na introdução do projeto de pesquisa, dizíamos:

“... observamos a necessidade de se desenvolver um trabalho 1 Entendemos como sitio cerâmico tupi-guarani aqueles em que são encontrados cacos de cerâmica com características técnicas e de

decoração identificadas como tal. Estes sítios foram objeto de um projeto de pesquisa de âmbito nacional: o Programa Nacional de

Pesquisa Arqueológica.

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de pesquisa sistemático, em sambaquis, envolvendo também um

levantamento bibliográfico, comparando e analisando os trabalhos

publicados em seus diversos aspectos, desde enfoque dados pelos

autores a partir de suas próprias especialidades, às linhas gerais de

cada publicação e às conclusões a que chegou cada autor ao fim de

suas observações de campo e análise do material coletado.” (Beck,

1968:77).

O desenvolvimento do projeto de pesquisa nos mostrou as dificuldades existentes na

efetivação de um trabalho orientado em tal sentido. Embora sentíssemos a necessidade de

generalizações para o entendimento da ocupação pré-histórica do litoral do Brasil Meridional,

compreendemos também, que estas só seriam possíveis a partir de estudos de casos

pormenorizados. Isto é, somente na medida em que entendêssemos o conteúdo cultural, de

vários sambaquis, é que seria possível estabelecer generalizações orientadas no sentido de

explicar a ocupação humana do Brasil Meridional, anteriormente à colonização européia.

O projeto de pesquisa, como, o próprio título indica "A variação do conteúdo cultural

dos Sambaquis", pretendia estabelecer o que era idêntico e o que era diferente em cada

sambaqui e de um sambaqui para outro. Como objetivos da pesquisa, colocávamos:

"A construção dos sambaquis se estendeu por um período de

tempo, bastante longo. Seu conteúdo arqueológico sofre variações,

não são de uma área geográfica para outra, mas, também, dentro da

mesma área. Concluímos, assim, que os sambaquis não apresentam

homogeneidade cultural, ou seja, que seus construtores eram de

origem cultural diversa ou sofreram influências culturais de vá rios

outros grupos.

Um apoio para o esclarecimento do problema é o da

localização dos sambaquis do ponto de vista geológico. De uma

maneira geral os sambaquis são encontrados na planície sedimentar

litorânea do quaternário. Atualmente estão fora da linha de costa, mas

em época anterior corresponderiam grosseiramente a ela.

Considerando a modificação das linhas da costa como, em parte,

conseqüência de alterações climáticas e variação do nível dos

oceanos, teriam estas mudanças do ambiente geográfico, embora

lentas, influenciado a cultura dos grupos humanos do litoral,

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modificando-a? Chegamos, assim, a uma terceira questão, relativa, à

seqüência cronológica dos sambaquis. As poucas datas obtidas têm

indicado que certos sambaquis correspondem a determinadas

alterações do nível dos oceanos (Hurt, 1964:21). Segundo Hurt

(1965), não foram, porém, escavados um número suficiente de

trincheiras para permitir uma correlação definitiva entre as três as

idades dos sambaquis e as idades geológicas características.

A resposta a essas questões: determinação do conteúdo

cultural, influência do ambiente geográfico e o estabelecimento da

seqüência cronológica, nos permitiram esclarecer o problema da

variação do conteúdo cultural dos sambaquis, definindo suas fases,

explicando as variações existentes entre jazidas de uma mesma área,

a duração de cada fase, e a sua seqüência no tempo e no espaço.

O projeto que se estenderá a todo litoral de Santa Catarina,

abordará, portanto, o problema das influências sofridas pelos grupos

humanos que buscando sua subsistência nos recursos alimentares do

litoral, criaram um tipo de construção na forma de acúmulo de cascas

de moluscos cuja variedade de formas e manifestações, segundo

podemos concluir, poderão ser reunidas em fases culturais distintas

(Beck, 1968: 81-82 ).

A necessidade de uma reorientação do projeto se tornou evidente, na medida em que

prosseguiamos em seu desenvolvimento. A análise da bibliografia nos permitiu constatar a

ausência de um trabalho monográfico que abordasse o problema com profundidade, estudando

detidamente as relações existentes entre os grupos construtores dos sambaquis e o meio

ambiente. Observamos mais, que as diferenças entre os vários sítios arqueológicos estavam

grandemente relacionadas às atividades ligadas ao nível adaptativo. Os artefatos ligados às

atividades de subsistência mostravam diferenças de um sítio para outro. As formas de obtenção

de certos recursos naturais deveriam conseqüentemente ser também diversificadas.

Diante do que podíamos apreciar, passamos a considerar de suma importância, o

estudo de sítios arqueológicos do tipo sambaqui, onde ficassem perfeitamente evidenciadas as

relações existentes entre os grupos humanos e o meio-ambiente, resultando em atividades

perfeitamente caracterizadas, ao nível adaptativo, através dos remanescentes orgânicos de sua

alimentação e dos artefatos aí encontrados. Considerando, que os sítios arqueológicos são,

apenas, remanescentes de períodos de sociedades, atualmente extintas, é importante observar a

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totalidade dos elementos que podem levar a uma resposta quanto às relações, que teriam

existido, entre elas e o ambiente.

Foi neste sentido que reorientamos o projeto de pesquisa desenvolvido entre

1967/1971.

Numerosos fatores contribuíram para que tal ocorresse: a localização dos sítios, a

proximidade de outros sambaquis, a existência de recursos naturais, na atualidade,

semelhantes àqueles utilizados pelos grupos primitivos, artefatos diferenciados, enfim, todo

um conjunto, que nos permitiu elaborar estudos no sentido que desejávamos, quando

reorientamos o projeto de pesquisa.

0.2.2.2 - A Escolha dos Sítios

O trabalho de campo teve início com a escolha dos sítios que deveriam ser escavados.

Essa escolha foi procedida anualmente, embora a orientação adotada no projeto de pesquisa

fosse a de que, pelo menos um sambaqui deveria ser escavado em cada uma das três áreas do

litoral de Santa Catarina. Os critérios que orientaram a escolha dos sítios foram os objetivos

que nos propúnhamos a alcançar no projeto de pesquisa. Entretanto, com a quantidade de sítios

do tipo sambaqui, existentes no Litoral de Santa Catarina tornou-se difícil definir entre os

vários sambaquis de uma mesma área, qual deles se incluía dentro dos objetivos propostos.

Desta forma, passamos a adotar um tipo de critério, que nos permitia ter um conhecimento

prévio do conteúdo cultural do sítio a ser escavado.

Conhecendo a bibliografia arqueológica da região tínhamos ciência do conteúdo

cultural existente nos sambaquis aí localizados. O que não possuíamos eram dados coletados

de forma sistemática, interessando-nos conseqüentemente, obtê-los. Assim, passamos a nos

informar sobre o conteúdo arqueológico dos sambaquis que estavam sendo destruídos. No

momento em que assim procedíamos pensávamos em obter informações sobre os artefatos

líticos do tipo zoólito, a indústria óssea especializada, a cerâmica, certos costumes funerários

que poderiam explicar a variação do conteúdo cultural dos sambaquis.

Os trabalhos sistemáticos eram relativamente poucos, como já tivemos oportunidade

de observar em tópico anterior. Mas, haviam numerosas referências a achados de artefatos

efetuados durante a exploração econômica dos sambaquis. Desejando explicar a variação do

conteúdo cultural dos sambaquis e entender ocupação pré-histórica do Litoral de Santa

Catarina utilizamos os critérios estabelecidos pelos objetivos de nosso projeto de pesquisa

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aliados ao critério de um conhecimento prévio do conteúdo cultural dos sambaquis em vias de

destruição. Isto explica porque, com uma única exceção, os sambaquis que escavamos estavam

ou haviam estado, em algum momento, submetidos a processo de desmonte mo sistemático.

Antes de elaborarmos o plano de trabalho para proceder a escavação, visitamos cada

um dos sambaquis, sondando as possibilidades de um trabalho produtivo, as dimensões do

sítio, os artefatos encontrados e escutando "estórias", dos operários braçais que se ocupavam

do desmonte do sítio, quanto aos artefatos encontrados,

Esta sondagem prévia, além de possibilitar que os objetivos propostos fossem

atingidos, nos permitiu fazer um cálculo aproximado da duração do trabalho de escavação. De

posse desses dados elaborávamos então um plano de trabalho, incluindo os objetivos mediatos

e imediatos da escavação daquele sambaqui. Cada etapa de trabalho de campo, em que

procedíamos à escavação do sambaqui, era antecedida pela elaboração de um plano de

trabalho. Foram elaborados assim, diretamente relacionados ao projeto de pesquisa seis planos

de trabalho, envolvendo a escavação dos seguintes sambaquis: Congonhas I - SC LS 30;

Morro do Ouro - SC LN 41; Rio Lessa - SC LO 39; e Enseada I - SC LN 71. Além destes

sítios, a escavação do sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - foi objeto de um plano de

trabalho anterior a elaboração do projeto de pesquisa.

O Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - localizado no Litoral Sul foi escavado no

período de 12 a 25 de julho de 1967, de acordo com cronograma estabelecido no plano de

trabalho; o Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - foi escavado no período de 1º de

setembro a 15 de outubro de 1968, tendo ultrapassado de 5 dias o período previsto pelo plano

de trabalho; o Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 localizado no Litoral Central foi escavado

no período de 2 de maio a 15 de junho de 1969, tendo excedido em 15 dias, o prazo previsto

pelo plano de trabalho, o Sambaqui de Enseada I - SC LN 71- também localizado no Litoral

Norte foi escavado em três etapas de campo, tendo sido objeto de três planos de trabalho: o

primeiro desenvolvido no período de 1º de setembro a 30 de novembro de 1969 o segundo

desenvolvido no período de 1º a 30 de junho de 1970, e o terceiro no período de 12 de julho a

12 de agosto de 1971.

Não foi cumprido em sua totalidade, apenas o plano de trabalho relativo ao Sambaqui

de Ponta das Almas - SC LC 17, por razões que estão expostas no tópico competente.

A escolha dos sambaquis que foram escavados durante o desenvolvimento do projeto

de pesquisa, obedeceu a critérios que visavam objetivos mediatos, expostos no próprio projeto,

como a explicação da variação de seu conteúdo cultural e o entendimento do povoamento pré-

histórico do litoral de Santa Catarina e ao atendimento de objetivos imediatos, quais sejam o de

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salvaguardar o material arqueológico dos sambaquis que estavam sendo destruídos e o de obter

dados sistemáticos para o entendimento dos objetivos mediatos.

0.2.2.3 - Encaminhamento da Pesquisa

O desenvolvimento do projeto de pesquisa se efetuou, por razões de sistematização do

trabalho, em três sub-projetos, abrangendo três áreas do litoral de Santa Catarina. O primeiro

sub-projeto envolveu o litoral Sul; o segundo, o litoral Central; e o terceiro, o litoral Norte. Os

trabalhos de campo, entretanto, não estiveram condicionados, quando a sua efetivação a ordem

acima estabelecida. (Figuras nºs 1 e 2).

Ao iniciarmos o trabalho, em cada área, procurávamos levantar a bibliografia existente,

quanto à localização de sambaquis, dados geográficos, escavações já efetuadas, as técnicas

utilizadas e os resultados obtidos. Selecionávamos um sitio arqueológico, naquela área, que era

então escavado parcialmente, sendo os resultados obtidos, objeto de um relatório preliminar ou

de uma nota prévia. Anualmente, eram feitos planos de trabalho de campo, partindo dos

resultados já obtidos. Resumidamente, expomos abaixo o trabalho de investigação e os

resultados obtidos em cada uma das áreas.

0.2.2.3.1 - Etapas de Campo

0.2.2.3.1.1 - Sub-projeto I – litoral Sul

Em 1967 concentramos nossa atenção no litoral Sul. Foi escavado, então, o Sambaqui

de Congonhas I – SC LS 30, localizado no município de Tubarão. Outros sambaquis haviam

sido escavados, anteriormente, na mesma área1, e os dados pareciam suficientes para

elaborarmos algumas generalizações.

O relatório preliminar elaborado sobre a escavação desse sambaqui (Beck, 1968:37-

49) teve a seguinte conclusão:

"O Sambaqui de Congonhas I apesar da intensidade de

1 Em 1966, nos meses de setembro/dezembro, foram escavados, no litoral Sul, especificamente, no município de Laguna, os

sambaquis da Caieira - SC LS 29; da Carniça I - SC LS 13;e da Carniça II - SC LS 14. Este, projeto de pesquisa foi intulado "The

Determination of the Cronological Sequence and the Cultural Content of the Sambaquis of the Zona de Laguna Region Santa

Catarina. Brasil". Em 1951/52, foi escavado o Sambaqui da Cabeçuda - SC LS 7 (Faria, 1959:95-138) localizado, também, no

município de Laguna.

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desmonte, forneceu numerosos dados que poderemos utilizar na

comparação com sítios arqueológicos idênticos, da mesma área ou de

outras áreas do litoral de Santa Catarina. Localizado sobre terreno

geológico recentes, à margem de antiga lagoa, atualmente entulhada

e formando área pantanosa, podemos admitir para esse Sambaqui

uma data relativamente recente. É provável que os grandes

sambaquis dessa área tenham sua construção datada no mesmo

período, em que a planície litorânea sofreu uma ligeira invasão

marinha (Bigarella, Tiburtius e Sobanski, 1954:101), da qual

resultaram numerosas lagoas e baías de pequena profundidade,

permitindo o acentuado desenvolvimento da fauna malacológica e

seu conseqüente aproveitamento pelo homem que ocorreu ao local

em numerosos grupos (Bigarella, 1954:207 ). Os sambaquis de

Congonhas I, Carniça I, IA e II, Cabeçuda, Perrechil, Caieira, Rio D'

Una e outros estariam, então situados à margem de lagoas ou

lagunas, sobre tabuleiros e terraços arenosos, ou, sobre af1oramentos

e encostas rochosas.

O material lítico desses sambaquis é tipologicamente

semelhante, segundo pudemos observar, quase permitindo afirmar

ser o produto de um mesmo grupo humano, o mesmo acontecendo

com os costumes funerários, como dissemos anteriormente". (Beck,

1968:48-9)

Em trabalho elaborado, posteriormente, fizemos as primeiras generalizações para a

área. Nas conclusões, nos preocupamos com três aspectos, que consideramos muito

importantes, para o esclarecimento do povoamento pré-histórico do litoral Sul: a cronologia

absoluta, a dieta alimentar e a dispersão dos grupos.

"1. Os sambaquis da Região do litoral de Laguna, por sua

indústria, por sua fauna e por seus aspectos geográficos, parecem

pertencer ao mesmo horizonte cultural. Algumas datas obtidas pelo

Professor Wesley R. Hurt (Maggers, 1968:127-128), nos permitem

admitir a data de 3.500 BP, aproximadamente, como a época

provável da ocupação do litoral de Laguna pelo homem. Essa

ocupação teria ocorrido em conseqüência do desenvolvimento da

fauna malacológica, característica das lagoas da Região. As espécies

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de moluscos encontradas são as mesmas em todos os sambaquis e,

ainda, encontradas na atualidade, em pequena escala, no fundo

lodoso de lagoas e em praias.

2. Os construtores dos sambaquis utilizaram

os moluscos em sua alimentação, constituindo o elemento básico de

sua dieta, e que pode ser constatado pelos grandes sambaquis e pela

abrasão dentária (Araújo, 1968:65-69), que em vários graus pode-se

observar nessas populações. O consumo intenso de moluscos teria

levado praticamente a extinção da fauna malacológica, que vivia nas

águas das lagoas, praias e embocaduras dos rios, provocando a

retirada da população aproximadamente por volta 1.000 BP. Este

período teria coincidido com a expansão dos Guarani, no Sul, que de

acordo com autores, como Serrano (1946:407), teriam ocupado a

parte superior dos sambaquis, onde deixaram remanescentes de sua

cerâmica. A data mais recente obtida para a Região, pelo processo de

radiocarbono, é a de 1.240 AD±95 (Meggers 1968:127-8). Essa data

foi obtida de uma amostra de carvão, colhida no topo do Sambaqui

da Caieira, embora nenhum caco de cerâmica do complexo Guarani

tenha sido encontrado no sítio. Por isso, novas datas são necessárias

para que se possa delimitar o período de ocupação da Região do

litoral de Laguna, pelas populações dos sambaquis.

3. Quanto ao possível contato que essas

populações teriam mantido com grupos vizinhos, podemos, no

momento, somente levantar hipóteses. A ocorrência de material lítico

semelhante em áreas próximas, como os zoolitos (Tiburtius,

Bigarella 1960), encontrados no litoral Norte de Santa Catarina e no

Paraná e as massa líticas encontradas no Uruguai e na Patagônia

(Gonzalez,1954:261-280), nos permitem pensar que o litoral de

Laguna está relacionado a estas áreas. Faltam-nos, na verdade, maior

volume de dados, que permitam comprovar, no momento tal

hipótese. Por outro lado, um estudo em profundidade da tipologia

lítico dos Sambaquis da região, não foi ainda efetuado, o que nos

impede de estabelecer outros possíveis contatos. Do mesmo modo,

novos dados estão sendo levantados no Paraná e no Rio Grande do

Sul e em regiões próximas, o que nos irá fornecer mais elementos

para esclarecimentos desse ponto". (Beck,1970:5-22; 1971:69-77).

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Após a escavação do Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - não efetuamos nenhum

outro trabalho de escavação na área. Porém, freqüentemente visitamos os sítios arqueológicos

dessa região, pelo fato de se acharem constantemente submetidos a intenso processo de

destruição, fato este, aliás, sempre amplamente debatido pela imprensa - (Prancha nºs 1 e 2 ).

Tanto quanto pudemos verificar, no desenvolvimento do Sub-projeto I – litoral Sul, os

sambaquis encontrados nessa área estão incluídos em um período pré-cerâmico, isto é, os

grupos humanos que os construíram se conheciam a cerâmica, dela não chegaram a fazer uso

ou disso não deixaram evidências. Porém, numerosos sítios com cerâmica foram encontrados

no litoral Sul, no município de Jaguaruna (Rohr, 1969:1-37), fornecendo abundante material

com características tupi-guarani. Além desta, foram localizados, ainda, sítios com uma

cerâmica pouco abundante, distinta, em suas características técnicas e morfológicas, da

cerâmica tupi-guarani.1

Não queremos afirmar, porém, que os grupos humanos que construíram os sambaquis

não conhecessem a cerâmica. Pelo contrário. É possível levantar uma hipótese de trabalho,

para novas investigações na área: se os construtores dos sambaquis não os habitavam, é

provável que tivessem seus utensílios de cerâmica no local do acampamento. Assim, teríamos

dois tipos de sítios; os montes de detritos, constituídos pelos sambaquis, e os de habitação

constituídos pelos sítios cerâmicos. Certo, também, que em face de suas funções distintas, estes

sítios possam, em rápida observação, ser considerados como pertencentes a grupos

culturalmente diferentes, não se vendo entre eles qualquer correlação.

0.2.2.3.1.2 – Sub-Projeto II - Litoral Central

No litoral Central concentramos nossa atenção na Ilha de Santa Catarina. Em 1969

efetuamos a escavação do Sambaqui do Rio Lessa 2, localizado no Bairro da Agronômica, na

Cidade de Florianópolis. Outros sítios arqueológicos, do tipo sambaqui, haviam sido escavados

anteriormente, na Ilha de Santa Catarina, como Ponta das Almas - SC LC 17 3 e Praia Grande

1 cf nota nº 1 a pp. 17, do presente trabalho.

2 Foram as seguintes as razões que nos levaram a escavação do Sambaqui do Rio Lessa – SC LC 39: localizado no Bairro da

Agronômica, entre o Conjunto Universitário da cidade de Florianópolis, em área densamente povoada, poderia vir a ser totalmente

destruído, por ocasião da construção de novas residências ou abertura de novas ruas; sua proximidade do conjunto universitário

permitia facilidade de aceso aos alunos das 2ª, 3ª e 4ª séries, que poderiam então participar dos trabalhos de campo.

3 O sambaqui de Ponta das Almas – SC LC 17 – foi escavado no período de 1962/1963, pelo professor Walter Piazza; no período de

1967, setembro/outubro, foi escavado pelo professor Wesley R. Hurt, da Indiana University, em convênio com a Universidade

Federal de Santa Catarina.

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– SC LC 32. 1

Durante a escavação do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - nos preocupamos com a

reorientação do projeto de pesquisa. Já aí, fizemos algumas observações relativas ao ambiente

natural em que vive o grupo. Apesar de situado em área densamente povoada, na atualidade,

permitiu a obtenção de dados que forneceram informações úteis ao entendimento das

populações pré-históricas do litoral.

No relatório preliminar (Beck, São Thiago, Fossari & Silva, 1969:153-174), intitulado

"Considerações Gerais Sobre a Escavação do Sambaqui do Rio Lessa (SC LC 39),

observávamos o seguinte:

"O Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 -, por suas

dimensões, parece ter sido habitado por um período de tempo

relativamente curto. Ao mesmo tempo, a espessura do depósito

arqueológico e sua pequena extensão contribuem no sentido de

aceitarmos a hipótese de que se trata dos remanescentes culturais de

um grupo humano reduzido.

Se o compararmos aos demais sítios arqueológicos da Ilha

de Santa Catarina, podemos observar, então, que suas dimensões

correspondem, em média, as dimensões dos demais grupos

localizados, nessa área, até o presente. Podemos, assim, pensar que a

Ilha de Santa Catarina não dispunha de recursos alimentares

abundantes, que permitissem a fixação de grupos humanos, por um

período de tempo prolongado. É possível, também, que esses grupos

estivessem em constante movimentação dentro da área, evitando que

se esgotassem os recursos naturais ou permitindo que os mesmos se

refizessem, nos locais onde estavam situados seus acampamentos.

A análise da fauna encontrada no Sambaqui do Rio Lessa -

SC LF 39 - identificada por seus remanescentes ósseos e conchíferos,

nos permite observar que duas eram as atividades básicas relativas a

sobrevivência do grupo: a pesca e a coleta de moluscos. Foram

numerosos os restos ósseos de peixes, o mesmo se podendo dizer dos

restos de moluscos, representados por abundância de conchas, que

constituem o principal elemento de construção do sítio arqueológico.

Ainda, pelos remanescentes da fauna sabemos que esse

1 O sambaqui da Praia Grande – SC LC 32 – foi escavado pelo Prof. Pe. João Alfredo Rohr S. J., em 1959.

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grupo se dedicava à caça, o que se evidencia em sua industria: pontas

de osso, bastante numerosas, que tanto poderiam ser utilizadas na

pesca, como na caça de aves e de pequenos animais. Possivelmente, a

essa dieta de peixes, moluscos e caça pequena deveriam juntar-se

alguns alimentos vegetais, tais como raízes, frutas e sementes. Alguns

coquinhos carbonizados foram encontrados em vários níveis da

escavação.

Face aos elementos que se acham relacionados a sua

sobrevivência, podemos classificar o grupo humano, construtor do

Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 - como um grupo

predominantemente pescador coletor de moluscos, cujas atividades

básicas se achavam ligadas ao meio marinho.

Juntamente com os fatores acima considerados, a cerâmica,

de caráter estritamente utilitário, permite-nos elaborar outra hipótese

Trata-se de uma cerâmica simples, sem decoração e de recipientes

pequenos. Tal fato parece indicar que o grupo não se fixaria por um

período de tempo prolongado, no mesmo sítio, movimentando-se na

medida de suas necessidades.

Os grupos portadores dessa cerâmica parecem ter tido ampla

distribuição no Brasil Meridional, se aceitarmos, efetivamente, as

correlações existentes tre as cerâmicas dos diversos sítios

arqueológicos, acima referidos. Apesar dos diferentes elementos

culturais a que se acham associadas parecem pertencer todas a

mesma tradição (Schmitz , 1968), com variações que permitirão

caracterizar diferentes fases. Sobre os demais elementos da indústria

do Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 - podemos afirmar que são

semelhantes às indústrias das culturas litorâneas, do tipo sambaqui e

de sítios arqueo1ógicos tipo Tapera e Base Aérea".

Resumindo, podemos classificar o grupo humano que

habitou o Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39 -, como um grupo

pescador-coletor, portador de um instrumental lítico relativamente

grosseiro e de uma cerâmica de caráter utilitário, que possivelmente

estará relacionada a grupos humanos do litoral e do Interior, em face

das evidências levantadas anteriormente". (Beck, São Thiago, Fossari

& Silva 1969:168-170).

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O trabalho de escavação do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - foi seguido apenas,

do trabalho de levantamento de sítios arqueológicos procedido por Duarte, (1971). Em outros

Sambaquis da área, é encontrada cerâmica, de tipo utilitário, tal como a que encontramos no

Sambaqui do Rio Lessa - SC LF 39. Isto poderia indicar que grupos de caçadores e coletores

portadores de uma cerâmica rudimentar se tivessem deslocado para área litorânea, num

período de tempo recente, premidos, talvez por circunstâncias ligadas a sua subsistência.

0.2.2.3.1.3 - Sub-projeto III – Litoral Norte

O litoral Norte de Santa Catarina recebeu uma maior atenção por parte dos

especialistas, no que se refere à investigação arqueológica de sambaquis. Já dissemos,

anteriormente, que a partir de 1949, uma série de trabalhos de levantamento, localização e

descrição de sítios foram efetuados, o que possibilitou, uma visão inicial da área, muito mais

ampla, do que a que tivemos das outras áreas.

Os trabalhos de escavação foram desenvolvidos a partir de 1968, quando foi escavado

o Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41. Em 1969, 1970 e 1971, escavamos o Sambaqui de

Enseada I - SC LN 71.

O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - está localizado nas proximidades da

Cidade de Joinville, à margem do Rio Cachoeira, tendo sofrido intenso processo de destruição,

quando foi aterrada a área, destinada a construção do depósito de madeira. Sua escavação

ocorreu quando não havíamos procedido, ainda, reorientação do projeto de pesquisa,

ressentindo-se, conseqüentemente, de tal atitude, os resultados obtidos. O relatório preliminar

foi intitulado "Sambaqui do Morro do Ouro - Nota Prévia" (Beck, Duarte & Reis, 1969:31-

40). São as seguintes, as conclusões expostas no relatório preliminar:

"O trabalho que desenvolvemos no Sambaqui do Morro do

Ouro (SC LJ 41) permite-nos admitir para a Região do Litoral de

Joinville, pelo menos dois horizontes culturais, ligados a sítios

arqueológicos, do tipo sambaqui. Um horizonte mais antigo, pré-

cerâmico, que seria caracterizado por sambaquis do tipo Morro do

Ouro (SC LJ 71), com material lítico grosseiro, sepultamentos com

mobiliário funerário e, em contradição com uma indústria lítica

grosseira, a presença de zoólitos e grande machados, totalmente

polidos, quer associados a sepultamentos (Tiburtius & Bigarella

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1960: 17), quer constituindo achados isolados.

Um horizonte mais recente seria caracterizado pela

introdução da cerâmica na área (Beck, 1968:89-100). Sua presença

foi observada em vários sambaquis, ocorrendo sempre nas camadas

superiores destes sítios, como Rio Pinheiros 8 (Tiburtius et all

954:141-197 ) e Porte Marechal Luz ( Bryan 1961:148-151 174 ).

Os dois horizontes culturais, porém apresentam com

elemento comum os sepultamentos com esqueletos fortemente

fletidos, acompanhados de "imobiliário funerário": artefatos líticos,

no horizonte pré-cerâmico; recipientes de cerâmica, no horizonte

cerâmico (Bryan, 1961:148-151; Beck 1968:93; Tiburtius et al

1954:141-197).

Os trabalhos que desenvolvemos na região, são porém,

muito recentes. Na medida em que novos trabalhos foram efetuados

será possível confirmarmos essa hipótese, através de outras

evidências além das atuais" (Beck, Duarte & Reis 1969:39 ).

Anteriormente a escavação do Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - haviam sido

sistematicamente escavados na área: os Sambaquis do Forte SC LN 76, localizado na Ilha de

São Francisco do Sul (Bryan, 1961) e de Espinheiros I - SC LN 7, (Piazza,1966 ) no município

de Joinville.

É no litoral Norte que se observa mais intensamente a presença de cerâmica, em

sambaquis. São numerosos os sítios arqueológicos em que ela ocorre, caracterizando-se,

sempre, por recipientes de pequenas, de caráter utilitário.

A discussão desse problema, entretanto, se fará de maneira ampla, quando tratarmos,

das correlações mantidas entre os grupos construtores do sambaqui de Enseada I - SC LN 71 -

e os demais sítios arqueológicos da área.

0.2.2.3.2 – O Trabalho de Campo

O trabalho de campo, como se sabe, constitui a principal etapa da pesquisa de

Arqueologia Pré-histórica. Dele dependem todas as etapas posteriores da investigação que está

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sendo procedida e as conclusões estarão condicionadas às informações iniciais obtidas em

campo. Torna-se, assim, uma grande preocupação para o pesquisador, a preparação do

trabalho de campo, quando serão escolhidos os sítios, métodos e técnicas, pessoal auxiliar e

equipamento.

A importância assumida pelo trabalho de campo explica facilmente o porque desta

preocupação. A investigação de sítio pré-histórico leva, como se sabe, à destruição da

evidência, ou seja, dos documentos que permitem a explicação e o entendimento da vida de

um grupo humano desaparecido. Para que os resultados de um trabalho de campo sejam

compensadores o pesquisador utilizar, concomitantemente, duas técnicas: a escavação, que é o

processo através do qual o sitio pré-histórico é destruído sistematicamente; e o registro

estratigráfico que envolve a utilização de fichas de registro e anotação de todas as evidências

encontradas de forma a permitir, tanto quanto possível, em laboratório a reconstituição do sítio

escavado.

A escavação é, como se sabe, a destruição sistemática de um sítio arqueológico ou pré-

histórico. Assim, a fim de que o trabalho de campo resulte de forma positiva, a escavação

deverá ser procedida de acordo com técnicas, previamente selecionadas, escolha do local onde

será procedida a escavação, demarcação da área e dos setores escolha da forma como deverá

ser procedida a escavação e ainda, a duração do período de escavação.

No projeto de pesquisa que desenvolvemos no litoral de Santa Catarina foram

escavados quatro sambaquis, em três áreas distintas. A escavação destes sambaquis obedeceu,

sempre, a critérios padronizados, embora fossem estes flexíveis por si mesmos. Assim, a área

escavada, em qualquer dos sambaquis, nunca foi inferior a 20 metros quadrados, a escavação

foi sempre procedida em níveis artificiais de 15 cm ou de 10 cm.

O registro das evidências se fez através de diários de campo, fichas de descrição, para

sepultamentos, restos de fogueiras, solos de habitação e estruturas. Além da descrição e

desenho das evidências, antes da remoção, estas serem fotografadas. Só então prosseguiam os

trabalhos de escavação.

Considerando o desenvolvimento do projeto sugerimos que ao ser realizada a

escavação de um sambaqui, seja constituída uma equipe interdisciplinar. No projeto de

pesquisa, que agora enfocamos, contamos com a participação de um especialista em

Anatomia, um especialista de Geologia do Quaternário, um especialista em Cerâmica Pré-

Histórica Brasileira e um especialista em Tipologia Lítica, além de nossa própria atividade de

coordenação dos trabalhos. Entretanto, deveríamos contar ainda com um fotógrafo e um

desenhista, o que não foi possível em face dos recursos financeiros de que dispusemos. Estas

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atividades foram, conseqüentemente, acumuladas pelos membros da equipe, que as

desempenharam circunstancialmente.

Os mesmo se pode dizer quanto à necessidade de um topógrafo, cujas atividades foram

acumuladas pelo especialista em Geologia.

Além dos especialistas, responsáveis por certos aspectos específicos do trabalho de

campo e da escavação dos sambaquis, participaram também das várias equipes, na qualidade

de auxiliares de campo, alunos que cumpriam estágios de especialização em Antropologia, no

Museu de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, ao todo, foram envolvidas

cerca de 12 pessoas, entre especialistas e estudantes, nas seis etapas de campo realizadas, além

de operários braçais, contratados no local onde se realizava a escavação.

É conveniente, reafirmar que o pesquisador efetuar o trabalho de escavação de um

sambaqui está levantando dados que permitirão o entendimento das formas de vida de grupos

humanos pré-históricos, cujas atividades estiveram relacionadas basicamente, a obtenção de

alimentos de origem marinha. Os documentos que irão permitir tal entendimento são

evidências encontradas durante o trabalho de escavação sistemática de um sambaqui. A esse

respeito dizem Evans & Meggers (1965:1):

“... o ato de cavar é apenas uma das muitas técnicas que

fornece elementos básicos para o principal objetivo da arqueologia,

isto é, a reconstituição e interpretação das seqüências dos

acontecimentos passados. Outras informações resultam do exame da

localização dos sítios em relação às feições geográficas, da análise de

recursos naturais da região, da freqüência e distribuição dos sítios e,

em circunstâncias especiais, da aerofotografia. O ato de cavar nos dá

informações sobre a profundidade e composição dos sítios, e fornece

uma amostra da cultura material de seus primitivos habitantes.

Embora o tipo de material arqueológico varie com a aridez do clima

e a riqueza da cultura, na melhor das condições de conservação

constitui somente uma pequena parte do inventário original da cultura

desaparecida. Menor a proporção do material sobrevivente, maior a

necessidade de obter completas informações sobre o contexto. Com

raras exceções, todos os objetos encontrados podem fornecer

informações úteis ao arqueólogo, contando que minuciosos detalhes

sobre esta procedência tenham sido anotadas. Sem isto, todo e

qualquer objeto, por mais bonito ou raro, perde seu principal valor

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científico".

Assim, o trabalho de escavação sistemática só se completa através de registro

estratigráfico, através do qual, todas as evidências podem ser correlacionadas, após a sua

destruição por escavação, ou após serem retiradas do contexto original, para permitir o

prosseguimento da escavação.

0.2.2.3.3 - Registro Estratigráfico

Já foi dito anteriormente que o trabalho de escavação é um trabalho sistemático de

destruição. Havendo assim, necessidade de que esta destruição se faça cuidadosamente,

utilizando-se de métodos e técnicas previamente escolhidos, de acordo com o tipo de sitio pré-

histórico onde se vai proceder a escavação.

Definido o plano da área de escavação, demarcados e numerados os setores tem início

o processo de escavação, o qual é procedido de acordo com o método estratigráfico. Sobre este

método, Bernal (1952:49-50) diz o seguinte:

"Toda ciencia tiene um metodo. En la arqueologia ese

metodo ha sido tomado de la geologia y es el que llamamos

estratigrafia, o sea el estudio de los estratos o capas. Necesitamos, por

tanto, conocerlos perfectamente si hemos de llevar a cabo una

exploración que de buenos resultados. La base teorica de la

estratigrafia consiste en suponer que los objetos estarán colocados en

la tierra precisamente en el ordem en que en ella fueron depositados

y, por lo tanto, que los más antiguos que daron hasta abajo y los más

recientes en la superficie. Tal vez la mejor manera de comprender

este es pensar en un basurero, paraiso del arqueólogo donde se van

acumulando através de los siglos todos los desperdícios que en él se

van arrojando desde la casa vecina y donde evidentemente la basura

ira haciendo un monton en el que lo más antiguo estará abajo y cerca

dei centro y lo más reciente arriba y en la superficie. Si nuestro

basurero es lo bastante antiguo, habrá recibido primero los

desperdícios del grupo de gente que fundó ese sitio y luego, en

debido orden cronologico, los de todas aquellas otras culturas que en

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ese lugar hayan vivido. Como cada pueblo produce objetos distintos,

podemos saber el orden de antiguidad de las cosas, la secuência de

culturas que han pasado por ese sitio y que és lo que cada uno

fabricaba.

Esta lenta acumulación de los desperdicios humanos, que

muestra la secuência de las culturas en el sitio y el contenido de cada

una de ellas, no puede descubrir y, por conseguiente, entender se más

que la base de una muy cuidadosa exploración".

A estratigrafia indica, assim, uma cronologia relativa, em que se considera mais antigo

aquilo que está situado em maior profundidade e mais recente o que está situado mais acima,

numa sucessão de camadas superpostas.

Laming-Emperaire (1963:82), assim se expressa:

"Le principe de la stratigraphie est que dans une

accumulation de depôts naturelles ou humaine les couches les plus

anciennes sont déposées les premières et qu'au dessus sé déposent

successivement des couches (ou des vestiges) de plus en plus

récents."

A aplicação do princípio do método estratigráfico, em Arqueologia, pode se efetuar de

duas maneiras: estratigrafia natural e estratigrafia artificial.

A estratigrafia natural é a aplicação do método que consiste em se proceder a escavação de um

sítio arqueológico de acordo com as camadas que o compõem. A partir da camada depositada

mais recentemente, ou seja, no alto do sítio arqueológico, até a camada depositada em primeiro

lugar, ou seja, na parte inferior do sítio. A estratigrafia natural é utilizada quando o sitio

arqueológico é constituído de camadas perfeitamente definidas de areia, argila ou

qualquer outro material. Sua importância se deve ao fato de que cada camada foi

depositada de uma única vez, constituindo assim um conjunto de elementos que são

recolhidos e registrados associadamente.

A estratigrafia artificial é utilizada quando não existem camadas diferenciadas ou

quando estas se apresentam cruzadas ou indefinidas, tornando-se difícil proceder à

escavação de acordo com a estratigrafia natural. O que se perde em relação ao contexto,

quando se utiliza a estratigrafia artificial, se ganha em precisão quanto à ordem de

colocação dos achados no sítio.

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No desenvolvimento dos trabalhos de escavação em sambaquis utilizamos

sempre a estratigrafia artificial, estabelecendo níveis artificiais de 15 cm a 10cm.

Retirada a cobertura vegetal do sítio, iniciamos a escavação, sendo os níveis

artificiais numerados com algarismos romanos, a partir do nível mais alto, com número I.

O registro estratigráfico das escavações foi procedido em fichas onde foram

lançados todos os dados relativos ao que se encontrou em um cada nível e em cada setor.

Esta ficha recebeu um número de catálogo que passou a identificar todos os objetos e

amostras coletados. No conjunto dessas fichas constam todas as ocorrências de uma

escavação: localização, natureza da estratificação, registro fotográfico, coleta de

amostras para análise e classificação em laboratório (sedimentos, carvão vegetal,

conchas, material corante, argila, ossos de animais etc.); registro de estruturas e

sepultamentos; artefatos e outros objetos encontrados.

Uma segunda ficha faz o registro dos sepultamentos. Todos os dados possíveis,

relativos a um achado deste tipo constam nesta ficha. A esta acrescentamos ainda, um

croqui do sepultamento, elaborado sobre papel milimetrado e em escala.

Uma terceira ficha, de registro fotográfico, completou o conjunto de fichas que

utilizamos para registro das evidências culturais encontradas em um sambaqui. Além das

fichas, utilizadas para registros específicos, elaboramos também croquis para registro da

forma e disposição de certas estruturas horizontais, além da elaboração dos perfis

estratigráficos das paredes resultantes das escavações, levantamento topográfico e

mapeamento do sambaqui.

Este conjunto de técnicas de registro das evidências encontradas e coletadas na

escavação dos sambaquis permitiu as análises de laboratório e gabinete, atingindo os

resultados que aqui são expostos.

0.2.3 - Os Sambaquis do Litoral de Santa Catarina

Os sambaquis escavados no desenvolvimento do projeto de pesquisa, objeto do

presente trabalho, revelaram numerosos componentes que podem ser comparados, a fim

de estabelecermos as generalizações iniciais sobre a ocupação do litoral de Santa

Catarina, no período pré-histórico. Os elementos que escolhemos para comparação,

como tecnologia e subsistência, restos de alimentos e costumes funerários, indicam que a

hipótese que levantamos inicialmente, em face de achados não sistemáticos, se

confirmava. Ao nível adaptativo, as sociedades cujos remanescentes analisamos, indicam

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atividades semelhantes praticadas, porém com uma intensidade diversa, de acordo com

as possibilidades do habitat, em períodos distintos. Os conjuntos de instrumentos

encontrados em cada sambaqui, e os restos de alimentos, que constituem o próprio sítio

arqueológico o evidenciam.

Os costumes funerários diferem de um sambaqui para outro em detalhes que

poderíamos considerar principais, como posição, disposição do esqueleto e presença de

corantes e, ainda, em detalhes que poderíamos considerar secundários como orientação,

mobiliário funerário, orientação da face. Um elemento, funerário foi constante, em todos

os sambaquis escavados pudemos observar a intencionalidade de tal prática. Todos os

esqueletos encontravam-se em conexão anatômica, cuidadosamente dispostos ao solo.

As diferenças encontradas entre os sambaquis escavados são de molde a permitir

afirmar que os grupos humanos pré-históricos que se dirigiram de maneira mais ou

menos constante ao litoral de Santa Catarina eram, do ponto de vista de sua cultura

material, distintos. Essa diversidade é observável em termos espaciais, de uma área para

outra do litoral e, em termos cronológicos, de um período a outro.

0.2.3.1 - Os Sambaquis Escavados

Já tivemos oportunidade, em tópico anterior, de esclarecer que no

desenvolvimento do projeto de pesquisa "A Variação do Conteúdo Cultural dos

Sambaquis do Litoral de Santa Catarina", foram escavados quatro sítios arqueológicos

desse tipo: Congonhas I - SC LS 30 -, Morro do Ouro - SC LN 41 -, Rio Lessa - SC LC

39 - e Enseada I - SC LN 71. A estes juntamos o Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC

17 - cujo trabalho iniciamos antes da elaboração do projeto. localizados nas três áreas do

litoral selecionadas, pelo grande número de sambaquis que aí são encontrados,

permitiram que os dados levantados fossem comparados em termos de sua qualidade,

uma vez que a quantidade variou, tendo em vista que as dimensões das sondagens

efetuadas foi diferente em cada sítio.

Os critérios que adotamos para a comparação dos resultados obtidos em cada um

dos sítios escavados mostram-se perfeitamente funcionais, indicando o acerto da seleção.

No que se refere à tecnologia e subsistência e restos de alimentos as diferenças

foram acentuadas. Embora o conhecimento das técnicas de confecção de artefatos fosse

aproximadamente semelhante, o conjunto de instrumentos, artefatos e adornos

encontrados em cada um dos sambaquis escavados foi diferente. A matéria prima

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utilizada, embora não oferecesse muita variação, permitiu que os instrumentos e artefatos

fossem distribuídos em quatro categorias: instrumentos líticos, instrumentos de ossos e

dentes, instrumentos de conchas e instrumentos de cerâmica, melhor designados como

recipientes de cerâmica. Os instrumentos líticos foram aqueles encontrados em maior

quantidade pelo fato de serem confeccionados com material não perecível, resistente ao

tempo e a umidade do litoral. Foram encontrados em todos os sambaquis e os tipos

classificados permitem observar aí algumas diferenças, algumas vezes quase

imperceptíveis, em outras flagrantes.

Os instrumentos de ossos e dentes confeccionados em material perecível, cuja

durabilidade estava condicionada a condições climáticas, são encontrados em pouca

quantidade em Sambaquis como Congonhas I - SC LC 30. Ausentes no Sambaqui de

Ponta das Almas - SC LC 17 - e no Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41. Em grande

quantidade e com uma grande diversidade de tipos nos Sambaquis de Rio Lessa - SC LC

39 - e no de Enseada I-SC LN 71.

Instrumentos de conchas foram muito pouco encontrados, porém, em quase todos

os Sambaquis escavados, com exceção do Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 -

foram coletados adornos feitos de carapaças de gasterópodes (univalvas), algumas vezes

perfuradas e seccionadas, em outras apenas perfuradas. Estavam associadas,

predominantemente a sepultamentos como no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30.

Os cacos de cerâmica indicam conhecimento e uso de recipientes confeccionados

artificialmente por grupos pré-históricos que habitavam o litoral de Santa Catarina.

Foram encontrados em, apenas, dois dos sambaquis escavados: Rio Lessa - SC LC 39 - e

Enseada I - SC LN 71.

A introdução da cerâmica no Litoral de Santa Catarina associada a sítios

arqueológicos do tipo sambaqui indica uma mudança radical na tecnologia dos grupos

que se localizavam periodicamente no litoral. É importante, também, considerar que a

cerâmica nos sambaquis onde foi encontrada está associada a uma indústria de confecção

de instrumentos sobre ossos e dentes de animais, altamente diversificada. Trata-se,

porém, de uma cerâmica utilitária, de recipientes pequenos de uso doméstico. As formas

não são grandemente diversificadas e, ainda, sua confecção é bastante rudimentar sem

qualquer preocupação de ordem estética, não apresentando superfície decorada.

Os restos dos alimentos encontrados nos sambaquis foram idênticos em

qualidade. Sua quantidade porém variou o que poderá indicar uma intensidade maior ou

menor da prática de certas atividades de subsistência. No Sambaqui de Congonhas I - SC

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LS 30 -, no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - e no Sambaqui do Morro do

Ouro - SC LN 41 - as conchas de moluscos constituíram o principal substrato do sítio

arqueológico. Ossos de peixes e de mamíferos foram pouco encontrados. Restos de

alimentos de origem vegetal, apesar da disponibilidade do habitat, não lograram

subsistir, com exceção de cocos carbonizados de gerivá (Arecastrum romanzzofianum)

encontrados em todos os sambaquis, principalmente Enseada I - SC LN 71 - e

Congonhas I - SC LS 30.

Por outro lado, carapaças de moluscos assumem uma importância relativa no

substrato arqueológico dos Sambaquis de Enseada I - SC LN 71 - e Rio Lessa-SC LC 39

- pois aí os ossos de peixes e de mamíferos foram encontrados em maior quantidade

A ocorrência de variação quanto ao substrato arqueológico dos sambaquis

escavados, se o relacionarmos o a introdução da cerâmica e a diversificação da indústria

de artefatos sobre ossos e dentes de animais, indica uma mudança das atividades de

subsistência, que segundo a nossa observação teriam deixado de ser predominantemente

de coleta para serem de caça e pesca.

Os costumes funerários, terceiro critério selecionado para a comparação entre os

sambaquis escavados foram manifestamente diferentes de um sambaqui para outro e,

algumas vezes, como nos Sambaquis de Enseada I - SC LN 71 - e Ponta das Almas - SC

LC 17 -, em um mesmo sambaqui. As diferenças dos costumes funerários estão sempre

relacionadas a disposição e posição dos esqueletos encontrados. E, ainda, quanto a

presença de corante vermelho e de mobiliário funerário. Em alguns dos sambaquis os

sepultamentos eram constituídos por esqueletos em posição estendida, em decúbito

ventral ou dorsal, algumas vezes cobertos com corante vermelho. É o caso de Ponta das

Almas - SC LC 17-(Primeira ocupação), Congonhas I - SC LS 30 - Enseada I -SC LN 71

- (primeira ocupação). Nos Sambaquis do Morro do Ouro - SC LN 41 - e Enseada I - SC

LN 71 - (segunda ocupação) e, ainda, Ponta das Almas - SC LC 17(segunda ocupação)

os esqueletos estavam em decúbito lateral e fletidos. Outras diferenças, relativas

orientação do esqueleto e a orientação da face ocorreram, bem como evidências relativas

a presença ou ausência de cova. Estruturas associadas aos sepultamentos foram também

encontradas, como no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - (segunda ocupação).

Os critérios selecionados e utilizados para a comparação dos resultados obtidos

no desenvolvimento do projeto de pesquisa, permitiram dessa forma, observar as

diferenças existentes entre os sambaquis do litoral de Santa Catarina. A variação do

conteúdo cultural observável em sítios desse tipo está condicionada, é obvio, aos

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remanescentes materiais da cultura dos grupos que os construíram. Assim, acreditamos

que os critérios por nós utilizados sejam suficientes para confirmar a nossa posição

inicial, quanto à variação do conteúdo cultural dos sambaquis, espacial e

cronologicamente. Outros critérios e outros dados poderão ser utilizados em trabalhos

futuros de investigação, atendendo a objetivos que venham a complementar aqueles a

partir dos quais o presente trabalho foi elaborado.

0.2.3.2 - Outros Sambaquis Escavados

No Litoral de Santa Catarina, anteriormente ao projeto que desenvolvemos,

foram escavados outros sambaquis, de forma sistemática. No Litoral Sul foi escavado,

em 1951/52 o Sambaqui de Cabeçuda - SC LS 7 - por Faria (1959:99-100). Os dados

coletados com os trabalhos de escavação não foram publicados em sua totalidade e as

referências feitas no artigo citado relatam alguns elementos relativos aos restos de

alimentos encontrados, como moluscos e peixes e, ainda, sobre os tipos de artefatos e os

costumes funerários aí evidenciados. Textualmente, o autor diz o seguinte:

"Todos os esqueletos dessa jazida, postos em decúbito lateral, direito ou

esquerdo, apresentam os membros inferiores em flexão, com os joelhos quase a altura do

queixo. Os braços aparecem igualmente infletidos, mas em posição menos regular,

embora as mãos repousem, quase sempre sobre o peito ou a face.

Os indivíduos eram enterrados com as suas peças de adorno, uma vez que

geralmente se encontram centenas de contas de colar, finas e circulares, feitas de

conchas, junto de quase todos os esqueletos e, em maior quantidade, junto aos de

crianças.

Machados de pedra e outros artefatos líticos, como pontas de diabásio polidas,

bolas, quebra-cocos, amoladores e almofarizes, além de poucos objetos como pontas de

lança, feitas de osso, encontram-se esporadicamente, mas dispostos de modo irregular,

junto dos sepultamentos.”(Castro Faria, 1959:101).

Os elementos descritos acima nos permitem observar que os costumes funerários

são distintos daqueles praticados no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30. Entretanto,

os restos de alimentos permitem estabelecer uma semelhança entre as atividades

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praticadas pelos grupos que construíram os dois sambaquis. No litoral Sul o Sambaqui de

Cabeçuda - SC LS 7 - constitui único que foi escavados e publicado1, e com o qual

podemos comparar os resultados obtidos no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30.

No Litoral Central foi escavado apenas o Sambaqui da Praia Grande - SC LC 32

– (Rohr, 1959:16-20). Além deste, o Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - teve o

início de sua escavação (Piazza 1966:7-20), posteriormente completada por Wesley R.

Hurt em 1966. O Sambaqui da Praia Grande - SC LC 32- a exemplo do Sambaqui de

Ponta das Almas - SC LC 17 – é um sambaqui de pequenas dimensões onde as

atividades de coleta de moluscos foram importantes. Além do Sambaqui de Praia Grande

- SC LC 32 - foram escavados no Litoral Central outros tipos de sítios arqueológicos,

cujos remanescentes culturais se assemelham àqueles encontrados em alguns sambaquis,

como Rio Lessa - SC LC 39. São os sítios arqueológicos de Base Aérea (Rohr, 1958),

Tapera (Rohr, 1966) e Armação do Sul (Rohr e Andreatta, 1969). Nestes sítios substrato

conchífero e mínimo, e com razão não são designados como sambaquis, mas, como

preferem alguns autores “jazidas paleo-etnográficas”. Rohr (1959) e Tiburtius Bigarella

(1950/51) utilizam a expressão para designar sítios onde o substrato conchífero é

reduzido e que entre os remanescentes culturais evidenciam cacos de cerâmica.

No Litoral Norte, apenas o Sambaqui de Forte Marechal Luz - SC LN 76 - foi

escavado sistematicamente por Bryan (1961). Este se revelou em relação aos critérios

por nós selecionados, semelhante ao Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 (segunda

ocupação). O mesmo se pode dizer quanto à jazida paleo-etnográfica de Itacoara, objeto

de comunicação de Tiburtius, Bigarella (1950/51) e Tiburtius e Bigarella (1953). O

conteúdo cultural desse sítio é idêntico ao dos sambaquis citados, embora seu substrato

conchífero seja grandemente reduzido, e ossos de peixes, mamíferos e aves ocorram

abundantemente.

Ainda no Litoral Norte podemos referir o Sambaqui da Conquista - SC LN 46 -

cujo desmonte foi acompanhado por Tiburtius (1966). Embora nem todos os critérios

selecionados possam ser adequadamente comparados.

Também no Litoral Norte foi escavado parcialmente o Sambaqui de Espinheiros I

- SC LN 6 - por Piazza (1966:25-35). Trata-se de um sítio arqueológico pré-cerâmico

cujo substrato arqueológico é constituído praticamente só de conchas. E o Sambaqui de 1 Em 1966, o Dr. Wesley R. Hurt, do Indiana University Museum, desenvolveu extenso projeto de pesquisa na área do Litoral Sul,

denominada Litoral de Laguna, tendo escavado os Sambaquis da Carniça I - SC LS 13 -, Carniça IA – SC LS 13A - Carniça II - SC

LS 14 - e Caieira - SC LS 29. 0s resultados obtidos deverão ser objeto de um relatório de pesquisa a ser publicado.

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Rio Pinheiros - SC LN - 44 (Tiburtius, Bigarella e Bigarella, 1954) cujo desmonte foi

acompanhado pelos autores. Seu conteúdo cultural em tudo o aproxima, em termos

comparativos ao Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - (segunda ocupação), assumindo a

cerâmica o principal papel na distinção entre este sítio e os demais localizados na área,

que não apresentam tal evidência cultural.

Na medida em que descrevemos os sambaquis escavados, no presente trabalho,

fazemos também uma comparação detalhada entre os resultados obtidos em nosso

projeto de pesquisa e aqueles alcançados por outros investigadores que desenvolveram

trabalhos em sambaquis da mesma região.

0.2.4 - O trabalho

O presente trabalho objetiva expor os resultados obtidos com o desenvolvimento

do projeto de pesquisa já descrito. Além destes incluiremos os resultados obtidos em

outro trabalho que desenvolvemos no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17.

A matéria foi dividida em nove tópicos, dos quais a introdução constitui uma

descrição do projeto de pesquisa, tal como pensávamos desenvolver e tal como o

desenvolvemos. As dificuldades, enfrentadas em um trabalho dessa ordem, a

reorientação que demos aos objetivos propostos no projeto em face dos resultados

parciais obtidos, os recursos e as limitações. O planejamento e o encaminhamento, enfim

os detalhes que envolveram a execução do projeto de pesquisa.

O tópico número um analisa a formação do Litoral de Santa Catarina. Esta

análise prende-se ao fato importante, de que modificações relativamente recentes, no

Litoral vão permitir a proliferação da fauna malacológica, e, conseqüentemente, a

construção dos grandes sambaquis. Parece claro que a facilidade de obtenção de

alimentos através da coleta de moluscos, ao lado dos quais se alinhavam outros recursos

naturais, que relacionamos, deve ter exercido uma grande atração sobre os grupos

humanos pré-históricos que demandavam ao Litoral, em períodos diversos.

Os recursos naturais existentes na atualidade no Litoral de Santa Catarina, quanto

a moluscos, peixes, mamíferos e aves, além de alguns vegetais nativos parecem indicar

que antes da colonização Européia, que começa com a fundação da cidade de São

Francisco do Sul, em 1653, deveriam ser mais abundantes e diversificados. Por outro

lado os restos de alimentos que lograram subsistir e foram identificados nos sambaquis

escavados indicam que os grupos humanos utilizaram largamente os recursos existentes,

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através da prática de atividades de subsistência, como a coleta de moluscos e de vegetais,

caça e pesca.

Os remanescentes arqueológicos de cada sambaqui são analisados nos tópicos

dois, três, quatro, cinco e seis. Divididos em três e às vezes quatro categorias são

analisados os recursos de subsistência utilizados através dos restos de alimentos

encontrados, relacionando-os a ocupação humana da área em que se localiza o sambaqui.

Na segunda categoria são descritos os instrumentos encontrados, mas somente aqueles

relacionados, direta ou indiretamente, as atividades de obtenção de alimentos. Os

adornos embora rapidamente referidos uma vez que fazem partem do conhecimento

tecnológico dos grupos analisados, não constituem instrumental básico para a

subsistência.

Na terceira categoria são descritos e analisados os sepultamentos encontrados. A

variação dos costumes funerários é flagrante de um sambaqui para outro e, nos

Sambaquis de Ponta das Almas - SC LC 17 - e Enseada I -SC LN 71 - onde foram

identificadas duas ocupações as diferentes formas de enterrar os mortos indicou um dos

critérios para distinguir os dois níveis. A prática dos costumes funerários constitui um

excelente indicador quanto à variação do conteúdo cultural dos sambaquis.

Finalmente, na quarta categoria nos preocupamos em descrever e analisar o que

identificamos como evidências da ocupação que são as estruturas. Estas constituem

restos de fogueiras de vários tipos, pequenas fossas culinárias, concreções de argila, de

conchas ou outros materiais. Considerando ser o sambaqui uma construção artificial tudo

o que é encontrado em seu interior foi intencionalmente trazido para o local. Assim,

todos os elementos devem ser cuidadosamente observados, pois poderão trazer novos

esclarecimentos.

No tópico sete analisamos globalmente os dados descritos nos tópicos anteriores

e fazemos algumas generalizações, quanto a prática dos costumes funerários, de

atividades de subsistência e tecnologia dos grupos pré-históricos litorâneos.

A matéria aqui exposta, porém não esgota a totalidade dos dados obtidos no

desenvolver do projeto de pesquisa. Amostras que foram coletadas e não analisadas, por

exemplo, teriam permitido entender muitos aspectos relacionados à vegetação, formação

do Litoral, desenvolvimento da fauna malacológica, seqüência cronológica, em termos

absolutos, enfim uma série de informações que, teriam permitido aprofundar a análise

aqui desenvolvida.

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0.2.5 - Os Resultados Obtidos

Os resultados obtidos nos indicam claramente que o Litoral de Santa Catarina foi,

num período de tempo relativamente longo, ocupado por grupos humanos pré-históricos,

com atividades de subsistência ligadas predominantemente ao meio aquático, melhor

dizendo marinho. As atividades desenvolvidas por esses grupos podem ser entendidas

através dos remanescentes materiais de sua cultura encontrados nos sambaquis.

Os restos materiais da cultura dos grupos que construíram os sambaquis são

exatamente o objeto do trabalho ora apresentado. Considerando a extensão do tema a que

nos propúnhamos estudar e as dificuldades encontradas, entendemos que os resultados

obtidos ao final do projeto de pesquisa atendem largamente aos objetivos propostos,

apesar da necessidade de uma reorientação do projeto de pesquisa.

Os dados coletados nos permitiram chegar a observar variação quanto a

intensidade da prática das atividades de subsistência através dos restos de alimentos; de

uma variação da tecnologia através da análise dos instrumentos e artefatos; e, ainda, de

uma variação das práticas funerárias, ou seja, das diferenças relacionadas e o tratamento

dado aos mortos. Sem querermos extrapolar os dados obtidos poderíamos quase afirmar

que o tratamento diferencial dos mortos evidencia um tratamento diferencial dos vivos e,

também, que nem todos os grupos litorâneos tratavam da mesma forma, ou dentro das

mesmas idéias os seus mortos.

Os resultados que obtivemos atenderam perfeitamente aos objetivos propostos e

permitiram esclarecer alguns aspectos relacionados à ocupação pré-histórica do Litoral

de Santa Catarina. Entretanto, muitos pontos permanecem obscuros e necessitam ser

esclarecidos, através do desenvolvimento de novos projetos de pesquisa a serem levados

a efeito no Litoral e no Interior.

Entre os aspectos obscuros que sentimos devem ser esclarecidos podemos colocar

os seguintes:

• O relacionamento existente entre os grupos litorâneos e os grupos

do planalto, no período em que durou a construção dos sambaquis. Até o momento não

existem trabalhos feitos em sentido comparativo de forma a podermos entender como se

processou o povoamento do Litoral. De onde teriam vindo os grupos litorâneos e para

onde teriam ido. Quais as rotas de migração utilizadas. O esclarecimento dessas

perguntas permitiria entender outros problemas que se colocam na investigação dos

sambaquis.

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• A introdução da cerâmica no Litoral. Observamos que em muitos

sambaquis, principalmente, do Litoral Norte, ocorre uma cerâmica simples, sem

decoração, de formas reduzidas e confecção grosseira. Essa cerâmica foi introduzida no

Litoral em tempo muito recente, embora seja a mais antiga cerâmica encontrada no

Litoral. Atualmente já se pode estabelecer um relacionamento entre essa e a cerâmica

encontrada no interior do Brasil Meridional. Entretanto, por que vias teria chegado ao

Litoral não chegamos ainda a entender. Além do que a introdução da cerâmica no Litoral

vem levantar uma outra questão que apenas nos arriscamos a sugerir: estaria a introdução

da cerâmica relacionada a uma mudança radical das formas de produção dos grupos

levando-os a abandonar suas tradicionais formas de obtenção de alimentos, através da

coleta, da caça e da pesca?

• Uma terceira sugestão seria o estabelecimento de uma seqüência

cultural e cronológica visando entendimento da chegada na área de grupos culturalmente

distintos e, ainda, o entendimento das relações existentes entre os sítios cerâmicos do

Litoral e os Sambaquis.

Como se pode observar outros aspectos restam para ser investigados e

esclarecidos. Por isso longe estamos de considerar o trabalho que realizamos como final.

Pelo contrário, acreditamos, isto sim, que ele levanta novas hipóteses, indica outros

problemas que deverão ser esclarecidos, tornando mais claro o quadro da ocupação pré-

histórica do Litoral de Santa Catarina e, conseqüentemente do Brasil Meridional.

1.0 - O Litoral de Santa Catarina e as Relações Homem/Meio

1.1 - A Formação do Litoral e a Localização dos Sambaquis

O Litoral de Santa Catarina estende-se do Rio Sai-Guassu, ao Norte, ao Rio

Mampituba, ao Sul, numa extensão de 531 km. Está caracterizado por planície

sedimentar arenosa, de formação recente, onde afloram blocos cristalinos. Segundo Lago

(1968:31):

“... a paisagem litorânea catarinense marcada

primeiramente, pelo contraste entre os terrenos cristalinos

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antigos e as formações sedimentares cenozóicas (recentes),

resultantes de resultantes de complexos processos de

acumulação (fluvial, flúvio-marinha, marinha, e óleo – marinha,

etc.)".

A formação do Litoral de Santa Catarina seguiu em suas linhas gerais, a

formação do Litoral Meridional do Brasil. De acordo com Bigarella (1954:200):

“... o Litoral do Brasil Meridional representa uma

ingressão marinha, que penetrou profundamente nos vales de

uma paisagem não bem determinada".

Segundo Maack (1947:142) o terciário seria caracterizado por:

“... um período de movimentos tectônicos, equilibrando

tensões da crosta, relacionadas com a fase andina da orogenia

alpina que produziu falhas na orla continental, submergindo no

mar a atual faixa litorânea do Brasil Meridional. Assim, o

oceano ingrediu nos vales de uma paisagem cretáceo-terciário

formando as atuais baías de ingressão entre Paranaguá e

Laguna". 1

Bigarella (1954:201), diz que:

"Após o afundamento, de parte do bloco continental,

originando a Serra do Mar, apresenta-se como uma costa rica em

enseadas, pontais e ilhas. Esta costa durante o quaternário situar-

se-ia, aproximadamente, na linha de contato da região

montanhosa do complexo cristalino com a planície litorânea

1 Citado por Bigarella, J.J. 1954:201.

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quaternária.

Terminado o afundamento, iniciou-se a retificação da

linha da costa através de uma sedimentação intensa. Formaram-

se cordões litorâneos que cresceram em direção ao mar, sobre a

plataforma continental, sob a forma de restingas. A formação

dos cordões litorâneos implicou no aparecimento de lagoas,

lagunas e baias. As primeiras desapareceram em conseqüência

do intensivo entulhamento, enquanto que, as segundas

encontram-se em fase rápida de colmatação."

O Litoral divide-se, conseqüentemente, em duas zonas. A primeira é formada por

terrenos cristalinos, apresentando-se acidentada, "abrangendo cadeias de morros mais

elevados, terrenos ondulados, morros isolados e encostas da serra do Mar" (Bigarella,

1954:205).

A segunda zona é constituída de terrenos baixos e arenosos, resultantes da

deposição de sedimentos sobre embasamento cristalino. É caracterizada, assim, por

extensa planície sedimentar, que chega a atingir em alguns lugares, a largura de 50 km

(Bigarella, 1954: 205).

A planície sedimentar litorânea teria sofrido, posteriormente, uma invasão

marinha:

"Toda a planície litorânea sofreu, em tempo geológico

recentíssimo, uma ligeira invasão marinha que produziu o

aspecto de costa de submergência (afogada). Nessa ocasião

ocorreu o rompimento dos cordões litorâneos e feixes de

restinga, em diversos pontos da costa, como se pode bem ver na

Barra do Sul e nas barras da baía de Paranaguá". (Bigarella

1954:205).

Esta invasão marinha teria inundado áreas de grande extensão, mas de pouca

profundidade, permitindo assim a formação de um ambiente ideal para a proliferação da

fauna malacológica, (Bigarella, 1954: 205). Após a invasão marinha recente foi

reiniciado o processo de retificação da costa e segundo Lago (1968: 31):

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"Depreende-se já, que o litoral catarinense se encontra,

em parte, regularizado ou em processo bem avançado de

regularização. As praias, restingas, lagunas, dunas, mangues,

tombolos, observados ao longo do litoral, são acidentes que

atestam a rapidez do processo de regularização".

Assim, a paisagem litorânea atual mostra algumas diferenças em relação a

paisagem litorânea ao tempo da construção dos sambaquis. É progressivo o

entulhamento das lagoas e lagunas, algumas das quais transformadas em alagadiços ou

áreas mais secas, por vezes cortadas por rios ou riachos que fazem a drenagem da

planície litorânea. (Bigarella, 1954:207).

1.1.1 - O Litoral Sul

É caracterizado por extensa planície sedimentar onde aforam alguns blocos

cristalinos isolados.

"O processo de retificação, por efeito da sedimentação

eóleo-marinha, combinado com a deposição de detritos de rios

importantes como o Tubarão e o Araranguá etc., está bem

avançado e por isso se apresenta bastante retilíneo, sobretudo a

partir da cidade de Laguna, quando se inflete na direção SW".

"Terrenos cristalinos são ainda observados, como em

Garopaba e, esporadicamente, sob a forma de pontões

constituindo ilha e cabos" (Lago, 1968:32).

O Litoral Sul é recortado por lagoas residuais como Mirim, Imaruí, Santo

Antônio, Jaguaruna, Camacho, Santa Marta entre outras. É importante observar que o

desenvolvimento da fauna malacológica está estreitamente ligado a formação das lagoas.

Estas se apresentam com pequena profundidade, com águas relativamente quentes e de

baixa salinidade, favorecendo, conseqüentemente, a proliferação de moluscos que

encontravam aí um habitat ideal. Na atualidade, muitas espécies cujas valvas são

encontradas nos sambaquis, continuam a sobreviver nas margens das lagoas, na

embocadura de alguns rios e nas praias. Entretanto, segundo pudemos observar, apenas

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as ostras (Ostrea sp) os mariscos (Mytilus perna) permitem uma coleta abundante, em

determinadas épocas do ano.

A distribuição dos sambaquis, nesta área, se faz predominantemente em torno das

lagoas, ao longo dos rios e na faixa entre o Oceano e as lagoas. Quanto à base sobre a

qual assentam encontramos sambaquis situados sobre encostas dos blocos cristalinos,

sobre pontões rochosos e sobre dunas.

Algumas vezes, em face da constante movimentação das dunas, alguns

sambaquis são soterrados periodicamente. (Prancha 42).

Foram feitos diversos levantamentos dos sambaquis situados no Litoral Sul.

Piazza (1967: 457-59) localizou na área 55 sambaquis, abrangendo os Municípios de

Imbituba, Imaruí, Laguna, Tubarão, Jaguaruna, Araranguá e Sombrio. Posteriormente,

Rohr (1969:4) levantou, apenas para o município de Jaguaruna 30 sambaquis.

De acordo com os dados fornecidos por Piazza (1967) e Rohr (1969) são os

seguintes os sambaquis existentes e já localizados, no Litoral Sul de Santa Catarina:

Município de Imbituba

Sambaqui:

SC LS 1 - Passagem do Rio D’Una

SC LS 2 - Forquilha do Rio D’Una

SC LS 43 - Mirim I

SC LS 44 - Mirim II

SC LS 45 - Campo da Vila

SC IS 46 - Porto da Vila

SC LS 47 - Ponta da Guaiuba

SC IS 48 - Ponta Rosa

Municipio de Imarui

Sambaqui:

SC IS 3 - Passeio Jerônimo Coelho

SC LS 4 - Samambaia I

SC LS 5 - Samambaia II

SC LS 6 - Siqueiro

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SC LS 42 - Figueira Grande

Município de Laguna

Sambaqui:

SC IS 7 - Cabeçuda

SC LS 8 - Passagem da Barra I

SC IS 9 - Passagem da Barra II

SC IS 10 - Gravatá

SC IS 11 - Morro do Padre

SC IS 12 - Galheta

SC IS 13 - Carniça I

SC IS 14 - Carniça II

SC IS 15 - Carniça III

SC IS 16 - Carniça IV

SC IS 17 - Carniça V

SC LS 18 - Santa Marta Grande I

SC LS 19 - Santa Marta Grande II

SC LS 20 - Santa Marta Grande III

SC LS 25 - Perrichil I

SC LS 26 - Perrichil II

SC LS 27 - Itapirubá I

SC LS 28 - Itapirubá II

SC LS 29 - Caieira

SC LS 49 - Porteira

SC LS 50 - Caputera I

SC LS 51 - Caputera II

SC LS 52 - Estreito

SC LS 53 - Ilhota

SC LS 54 - Roseta

SC LS 55 - Magalhães

Município de Tubarão

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Sambaqui:

SC LS 30 - Congonhas I

SC LS 56 - Congonhas II

SC LS 39 - Morrinhos

SC LS 40 - Mato Alto I

SC LS 41 - Mato Alto II

Município de Jaguaruna

Sambaqui:

SC LS 24 - Jaboticabeira I

SC LS 57 - Jaboticabeira II

SC LS 21 - Morro Grande I

SC LS 22 - Morro Grande II

SC LS 23 - Morro Grande III

SC LS 58 - Lagoa da Figueirinha I

SC LS 36 - Lagoa do Laranjal I

SC LS 37 - Lagoa do Laranjal II

SC LS 59 - Lagoa da Encantada I

SC LS 60 - Lagoa da Encantada II

SC LS 61 - Lagoa da Encantada III

SC LS 62 - Lagoa da Figueirinha II

SC LS 63 - Garopaba I.

SC LS 64 - Garopaba II

SC LS 35 - Porto Vieira

SC LS 65 - Ilhota I

SC LS 66 - Campo Bom

SC LS 34 - Arroio da Cruz I

SC LS 67 - Balneário do Arroio Corrente I

SC LS 68 - Balneário do Arroio Corrente II

SC LS 69 - Lagoa da Figueirinha III

.SC LS 70 - Lagoa da Figueirinha IV

SC LS 71 - Arroio da Cruz de Dentro

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SC LS 72 - Arroio da Cruz II

SC LS 73 - Olho D'Agua I

SC LS 74 - Olho D'Agua II

SC LS 75 - Ilha da Ponta do Morro

SC LS 76 - Ponta do Morro

SC LS 77 - Ilhota II

SC LS 78 - Ponta do Morro Azul

Pode-se observar, assim, que o número de sambaquis localizados na área é de 78.

Acreditamos, porém que este número deverá elevar-se na medida em que a

movimentação de dunas e abertura de frentes agrícolas coloquem a descoberto novos

sítios. Na Figura nº3 pode-se observar a distribuição dos sambaquis no Litoral Sul,

verificando-se a sua ocorrência em torno das lagoas e ao Longo da costa, em terrenos

sedimentares de formação recente.

Os sambaquis do Litoral Sul tem dimensões variadas e muitos deles, na verdade,

a grande maioria não foi ainda, escavada sistematicamente. A não ser os sambaquis da

Cabeçuda - SC LS 7; Carniça I - SC LS 13; Carniça II - SC LS 14; Caieira - SC LS 29;

Congonhas I - SC LS 30, que foram prospectados em diversas épocas, os demais

receberam, apenas, visitas esporádicas por parte de especialistas, quando se efetuava o

levantamento. Acham-se, porém, muitos deles, ameaçados de destruição total, e alguns já

o foram realmente, pela industrialização das conchas, transformadas em corretivos de

solo.

Os Sambaquis não constituem, porém os únicos sítios arqueológicos localizados

na área. Outros grupos humanos, culturalmente distintos daqueles que construíram os

sambaquis percorreram a área, segundo se pode observar a partir de seus remanescentes

culturais.

1.1.2 O Litoral Central

O Litoral Central de Santa Catarina caracteriza-se pela Ilha de Santa Catarina que

constitui o acidente geográfico de maior importância (Figura nº4). Segundo Lago,

(1968:32):

"A morfologia se caracteriza pela melhor

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movimentação, isto é, as formações cristalinas esbarram mais

freqüentemente no mar, guardando as cristas, entretanto sua

direção mais ou menos oblíqua, daí a resultante é a ausência de

uma frente mais continua. Em conseqüência, enseadas e baias de

forma elíptica tornam-se numerosas e, em geral, apresentam

fundos Laudosos ou de mangues. Alguns rios importantes

deságuam no litoral Central, formando planícies de

sedimentação (Itajaí, Tijucas). O acidente mais destacado é a

ilha de Santa Catarina orientada para NE-SW".

Os sambaquis encontrados no Litoral Central ocorrem predominantemente na

Ilha de Santa Catarina. Esta é constituída de rochas cristalinas que formam maciços e

elevações, unidos entre si por planícies sedimentares (Bigarella 1949:107).

Quanto a distribuição dos sambaquis, na Ilha de Santa Catarina, Duarte (1971:36)

refere o seguinte:

"Na área correspondente ao norte e leste da Ilha,

Bigarella notou, em 1949, treze sambaquis, Piazza em seu

levantamento apresentado ao DPHAN em 1966, assinala a

existência de quatorze sambaquis em toda a Ilha. Ambos os

levantamentos contam com o sambaqui da Ilha do Francês,

defronte a Canasvieiras. No seu relatório para o DPHAN, Rohr

reconhece trinta e um sítios deste tipo na Ilha de Santa Catarina.

Destes, cinco não pudemos identificar ao fazermos uma

correlação com o nosso levantamento que compreende mais de

cinqüenta sambaquis em toda a Ilha".

"Quatro destes estão sobre material de encosta: os de

Ponta das Canas, Lagoinha, Costa da Lagoa e Cemitério de

Pântano do Sul".

"Alguns estão sobre pequenos pontões rochosos, rasos

como os de Rio Lessa, Ponta das Almas, Leca ou, em pontões

mais altos como o de Ponta da Vigia na Barra da Lagoa".

"A maioria está sobre terreno arenoso de antigos cordões

litorâneos, junto a antiga linha d'água. Na maioria dos casos as

áreas anteriormente ocupadas por água são hoje zonas

alagadiças. Isto é evidenciado pela Localização dos sítios e dos

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bancos naturais de valvas de moluscos".

O levantamento efetuado por Duarte (1971) é o mais recente e identifica 62

sambaquis na Ilha de Santa Catarina. São os seguintes os sambaquis existentes na Ilha de

Santa Catarina, de acordo com Duarte (1971):

Ilha de Santa Catarina

Sambaqui:

SC LC 39 - Rio Lessa

SC LC 1 - Jurerê I

SC LC 2 - Jurerê II

SC LC 3 - Jurerê III

SC LC 5 - Jurerê IV

SC LC 6 - Ratones I

SC LC 7 - Ratones II

SC LC 8 - Ratones III

SC LC 10 - Ratones IV

SC LC 12 - Vargem Pequena I

SC LC 14 - Vargem Pequena II

SC LC 15 - Areias de Santo Antônio

SC LC 16 - Campo da Coroa

SC LC 18 - Rio Ratones

SC LC 20 - Canasvieiras

SC LC 19 - Ilha dos Francês

SC LC 21 - Vargem do Bom Jesus I

SC LC 22 - Vargem do Bom Jesus II

SC LC 23 - Vargem do Bom Jesus III

SC LC 24 - Vargem do Bom Jesus IV

SC LC 25 - Vargem do Bom Jesus V

SC LC 26 - Vargem do Bom Jesus VI

SC LC 30 - Rio do Braz

SC LC 27 - Ponta das Canas

SC LC 28 - Ponta da Lagoinha

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SC LC 29 - São João do Rio Vermelho I

SC LC 31 - São João do Rio Vermelho II

SC LC 32 - Praia Grande

SC LC 33 - Borda do Mato

SC LC 34 - Estação Florestal I

SC LC 35 - Estação Florestal II

SC LC 36 - Estação Florestal III

SC LC 37 - Ponta do Martins

SC LC 38 - Campo do Casqueiro

SC LC 40 - Campo da Barra.I

SC LC 41 - Campo da Barra II

SC LC 13 - Barra Esquerda

SC LC 42 - Igreja da Barra da Lagoa

SC LC 11 - Ponta da Vigia da Barra da Lagoa

SC LC 43 - Leca

SC LC 17 - Ponta das Almas

SC LC 44 - Costa da Lagoa

SC LC 45 - Canto da Lagoa I

SC LC 46 - Ponta da Lagoa da Conceição

SC LC 47 - Rio Tavares I

SC LC 48 - Rio Tavares II

SC LC 49 - Rio Tavares III

SC LC 50 - Rio Tavares IV

SC LC 51 - Ressacada

SC LC 52 - Carianos I

SC LC 53 - Carianos II

SC LC 4 - Ressacada II

SC LC 54 - Ressacada III

SC LC 55 - Tapera

SC LC 56 - Ilha Laranjeiras

SC LC 57 - Aeroporto

SC LC 9 - Cemitério do Pântano do Sul

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Os sambaquis Localizados na Ilha de Santa Catarina não apresentam as

dimensões imponentes dos sambaquis localizados no Litoral Sul. Mostram-se também

em sua grande maioria, Longe de apresentar as formas e dimensões originais.

Localizando-se predominantemente sobre terrenos arenosos indicam o processo, de

formação da planície sedimentar ocorrido na Ilha. Segundo Duarte (1971:55):

"... na Ilha de Santa Catarina os sambaquis se Localizam

principalmente sobre terrenos arenosos, a margem de terrenos

mais baixos e úmidos que apresentam a uma certa profundidade,

bancos naturais de valvas de moluscos. Tudo isto atesta a

ocupação anterior dessas áreas por água salgada ou salobra, que

constituíam antigas enseadas, lagoas ou braços de mar".

"Pela correlação com alguns dos bancos de moluscos

vivos hoje em dia e a profundidade em que são encontrados os

bancos antigos, pode-se afirmar que essas águas eram rasas, sem

forte atuação de corrente".

1.1.3 O Litoral Norte

O Litoral Norte de Santa Catarina estende-se da Barra do Rio São Francisco a

Barra do Rio Itapocu. É descrito por Lago (1968:31), como segue:

"Caracteriza-o extensa planície sedimentar, aqui e acolá

interpolada por formações cristalinas. É predominantemente

arenosa, embora alguns mangues sejam observados. Estende-se

desde a barra do Rio São Francisco até a barra do Itapocu".

"Remanescentes do relevo cristalino destacando-se na

paisagem, condicionam a função portuária da cidade de São

Francisco que se encontra numa ilha rochosa circundada por

sedimentos recentes. Hoje, pelo aterro do “linguado" ficou

ligada ao continente. Como São Francisco, a cidade de Joinville

também está parcialmente sobre terrenos cristalinos (colinas

baixas) e sedimentares (planície)".

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São numerosos os sambaquis Localizados no litoral Norte. Em 1954 Bigarella,

Tiburtius e Sobanski (1954:99-140), Localizaram na área 44 sambaquis. Estes situam-se

preferencialmente em terrenos arenosos a, exemplo do que ocorre no Litoral Central e no

Litoral Sul, Posteriormente, um levantamento efetuado por Piazza (19767:449-54)

indicou na área a existência de 70 sítios arqueológicos, do tipo sambaqui. Entretanto,

acreditamos que este número será aumentado, na Ilha de São Francisco, quando novas

áreas estão sendo abertas ao povoamento.

De acordo com os levantamentos efetuados por Piazza (1967:449-54) e por nós, o

número de sambaquis do Litoral Norte é o seguinte ( Figura nº5 ):

Município de São Francisco do Sul1

Sambaqui:

SC LN 71 - Enseada I

SC LN 72 - Enseada II

SC LN 34 - Porto do Rei I

SC LN 35 - Iperoba

SC LN 1 - Pôrto do Rei II

SC LN 26 - Linguado I

SC LN 28 - Moretinha

SC LN 27 - Linguado II

SC LN 25 - Rio Ribeira I

SC LN 29 - Gamboa I

SC LN 2 - Rio Ribeira II

SC LN 30 - Gamboa II

SC LN 31 - Gamboa III

SC LN 32 - Gamboa IV

SC LN 33 - Gamboa V

SC LN 36 - Bupeva I

SC LN 37 - Bupeva II

SC LN 38 - Bupeva III

1 Estão incluídos, apenas os sambaquis que se localizam na Ilha de São Francisco, que constitui a maior parte do Município.

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SC LN 39 - Bupeva IV

SC LN 76 - Forte Marechal Luz

SC LN 82 - Edgar Tiburtius

SC LN 3 - Bezerra

SC LN 4 - Rocio Pequeno

SC LN 73 - Capivaru I

SC LN 74 - Capivaru II

Município de Joinville:

Sambaqui:

SC LN 5 - Cubatãozinho

SC LN 6 - Espinheiros I

SC LN 7 - Ilha dos Espinheiros I

SC LN 41 - Morro do Ouro

SC LN 8 - Espinheiros II

SC LN 9 - Cubatão I

SC LN 10 - Rio Velho I

SC LN 18 - Rio Velho II

SC LN 12 - Guanabara

SC LN 13 - Ilha dos Espinheiros II

SC LN 14 - Ilha do Riacho

SC LN 15 - Ilha dos Espinheiros III

SC LN 16 - Cubatão II

SC LN 17 - Cubatão III

SC LN 18 - Ilha do Gado I

SC LN 19 - Ilha do Gado II

SC LN 20 - Rua Guairá

SC LN 21 - Itacoara

SC LN 22 - Coati

Município de Araquari

Sambaqui:

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SC LN 23 - Areias Pequenas

SC LN 24 - Pernambuco

SC LN 64 - Areias Grandes

SC LN 40 - Cacuruçu I

SC LN 42 - Cacuruçu II

SC LN 43 - Cacuruçu III

SC LN 44 - Rio Pinheiros I

SC LN 45 - Rio Pinheiros II

SC LN 46 - Conquista

SC LN 47 - Rio Pinheiros III

SC LN 48 - Costeira

SC IN 44 - Barra do Sul

SC LN 50 - Rio Perequê

SC LN 51 - Porto Grande

SC LN 52 - Rio Parati I

SC LN 53 - Rio Parati II

SC LN 54 - Rio Parati III

SC LN 55 - Rio Parati IV

SC LN 56 - Rio Parati V

SC LN 57 - Rio Parati VI

SC LN 58 - Rio Parati VII

SC LN 59 - Rio Parati VIII

SC LN 60 - Ilha dos Barcos I

SC LN 61 - Ilha dos Barcos II

SC LN 62 - Paranaguámirim

SC LN 63 - Ilha do Mel

Os sambaquis do Litoral Norte encontram-se, a exemplo do que ocorre no Litoral

Sul, submetidos a um intenso processo de destruição, sendo seu substrato conchífero,

transformado em cal ou utilizado na pavimentação de estrada (Prancha nº 4).

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1. 2 - Recursos Naturais do litoral de Santa Catarina

1.2.1 - Recursos de Origem Marinha

A utilização de moluscos, por parte dos grupos indígenas foi constatada com

relativa freqüência por vários cronistas. Uma referencia é feita para Frei Gaspar da

Madre Deus (no século XVII), referindo-se a Capitania de São Vicente1:

“É indizível a imensidade que colhião de ostras,

berbigões, amejoas, sururus de várias castas e outros mariscos;

mas a. pesca principal era de ostras e berbigões, ou porque

gostassem mais deles ou porque os encontrassem em maior

copia, e colhessem com facilidade. De tudo isso havia e ainda

hoje há muita abundância, nos mangais da Capitania de São

Paulo. Com tais mariscos se sustentavam enquanto durava a

pescaria, resto secavão, e assim beneficiado conduziam para

suas aldeias onde lhes servia de alimento por algum tempo. As

conchas lançavam a uma parte do lugar onde estavão

congregados, e com elas formavão montões tão grandes que

parecem outeiros a quem agora os vê soterrados.”(Madre de

Deus, 1842).

Referindo-se a um grupo indígena do Norte, Gabriel Soares de Souza (no século

XVI) observa que:

"No meio e dentro dela se vem meter no mar o Rio

Grande dos tapuias, e se navega um grande espaço pela terra a

dentro e vem de muito longe; o qual se chama dos tapuias por eles virem por ele abaixo em canoas a mariscar no mar destas

baias..." (Soares de Souza 1971: 47 ).

Por tais referências, e estas no são únicas, pode-se observar que a

coleta de moluscos constituía prática bastante difundida entre os grupos

indígenas brasileiros, que habitavam o Litoral ou suas proximidades.

No Litoral Meridional do Brasil tal prática, em tempos pré-históricos,

ficou registrada pelos sambaquis. Estes erguem-se junto a costa, por todo o

1 A citação foi retirada da obra de Costa A., Introdução a Arqueologia Brasileira – Cia Editora Nacional. S.Paulo, 1959.

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Litoral, ocorrendo por vezes em grande número, em áreas que foram

favoráveis ao desenvolvimento da fauna malacológica.

Em todo Litoral de Santa Catarina a formação da planície sedimentar

aliada a de lagoas de pequena profundidade forneceu ambiente adequado a

proliferação de moluscos, que constituíram parte da alimentação dos grupos

humanos que se localizavam periodicamente na Costa, durante o período pré-

histórico.

Sobre a formação de um ambiente favorável ao desenvolvimento da

fauna malacológica no Litoral Norte de Santa Catarina, Bigarella (1954:101)

observa o seguinte:

"A planície litorânea caracteriza-se, a Leste, por uma

seqüência de feixes de restinga. Estes já de idade holocênica

constituem uma paisagem bem definida quando recentemente, a

costa foi afogada provavelmente por um processo eustático..."

"O afogamento eustático provocou o rompimento dos

feixes de restinga em diversos pontos, dando-se então

possívelmente, a formação da baia de São Francisco. A

ingressão marinha penetrou profundamente entre os feixes de

restinga originando lagoas estreitas, compridas e de pequena

profundidade".

"Foi nesta paisagem afogada, que se deu,

aparentemente, a maior fase de construção dos sambaquis. As

condições decorrentes desta submersão teria favorecido um

melhor e mais amplo desenvolvimento da fauna malacológica, a

qual foi aproveitada de maneira intensa, na alimentação, pelos

primitivos habitantes do litoral".

São numerosas as espécies cujas valvas encontram-se hoje nos sambaquis.

Predominam, porém, berbigões (Anomalocardia brasiliana) e ostras (Ostrea sp). Na

atualidade, todas as espécies cujos remanescentes são encontrados nos sambaquis do

Litoral de Santa Catarina, continuam proliferando. Nas praias e enseadas de fundo

lodoso, ao longo de alguns rios que cortam a planície sedimentar e nas lagoas são

colhidos berbigões (Anomalocardia brasiliana), ostras (Ostrea sp e Ostrea arborea),

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maninins (Donax hanleyanus), bacucus (Tagelus gibbus), ameixoas (Trachicardium

muricatum e Phacoides pectinatus) entre as de predominância. Nos costões batidos pelo

Oceano os mariscos (Mytilus perna) fornecem coletas abundantes. No Quadro nº 1

relacionamos as espécies de moluscos encontrados com maior freqüência nos sambaquis

que escavamos.

Os moluscos não constituíram, porém, o único recurso alimentar, de origem

marinha, utilizado pelos grupos humanos do Litoral. Os cronistas referem com

freqüência também, a efetivação de pescarias entre os grupos indígenas do Litoral.

Soares de Souza observa o seguinte sobre os índios Potiguar:

"São grandes lavradores dos seus mantimentos, de que

estão sempre mui providos, e são caçadores bons e tais

flecheiros que não erram flechada que atirem. São grandes

pescadores de linha, assim no mar como nos rios de água doce"

(Soares de Souza, 1971:55).

Referência é feita pelo mesmo autor, para os Goitacazes, quanto a pesca de

seláquios:

"Costumavam estes bárbaros, por não terem outro

remédio, andarem no mar nadando, esperando os tubarões com

pau muito agudo na mão e, em remetendo o tubarão a eles, lhe

davam com o pau, que lhe metiam pela garganta e com tanta

força que o afogavam, e matavam, e o traziam á terra, não para o

comerem para o que se não punham em tamanho perigo, senão

para lhe tirar os dentes, para os engastarem nas pontas das

flechas" (Soares de Souza, 1971: 56).

Jean de Lery, escrevendo sobre os Tupinambá refere-se aos tipos de pesca que

eram praticados por estes grupos:

"... direi ainda, a respeito do modo de pescar dos

Tupinambás, que além de flechas usam também espinhas a

feição de anzóis, presa a linhas feitas de uma planta chamada

tucum a qual se desafia como cânhamo e é muito mais forte.

Com esse apetrecho pescam de cima das ribanceiras e à margem

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dos rios". (Lery 1941:150).

Ossos e dentes de peixes são encontrados nos sambaquis. O Litoral de Santa

Catarina, por sua localização oferece e deve ter oferecido, em tempos recuados, grande

variedade e quantidade de peixes. Entre estes assume uma grande importância a tainha

que costuma ocorrer a costa, nos meses de maio a julho. Restos de outras espécies foram

também encontrados, sendo identificadas as seguintes: corvina (Micropogon furnieri),

pescada (Cynoscion acoupa) bagre (Tachysurus luniscutis), miraguaia (Pogonias

chromis).

Os seláquios, devem ter assumido uma grande importância. Seus dentes foram

utilizados grandemente na confecção de artefatos, encontrados principalmente nos

Sambaquis de Enseada I - SC LN 71 e Rio Lessa – SC LC 39. As espécies identificadas

através dos dentes foram: Galeocerdo curvieri e Carcharodon carcharias.

Outros recursos marinhos, de menor importância, foram ainda utilizados pelos

grupos humanos no Litoral. Entre os restos de alimentos coletados nos Sambaquis

escavados foram identificadas pinças de crustáceos e espinhos de equinodermas. Estes

são encontrados com facilidade, nas fendas existentes entre os blocos de pedra que

formam os costões, no mesmo habitat dos mariscos (Mytilus perna).

A baleia1 parece ter sido um importante recurso marinho utilizado pelos

primitivos habitantes do litoral brasileiro. Restos ósseos destes animais são encontrados

em todos os sambaquis já escavados, indicando sua freqüente utilização. Informações ao

tempo da Colônia permitem constatar que as baleias afluíam em grande número ao

Litoral Brasileiro. Segundo Ellis (1969:25):

“... nos meses de maio, junho e julho, época da

procriação, afluíam as baleias, às dezenas, às baias e enseadas do

litoral brasileiro. Era freqüente encalharem em praias e baixios

onde, impossibilitadas de regressar ao meio flutuante, morriam

sufocadas à compressão do próprio peso."

1 Não foi possível a identificação das espécies de baleia encontradas nos Sambaquis do Litoral de Santa Catarina: Elis, M.

(1969:111), refere as seguintes espécies de baleias de famílias dos balaenideos e dos balaenopteridos, encontradas no Atlântico

Meridional: Balaenoptera musculus, Balaenoptera physalus, Balaenoptera borealis, Balaenoptera edeni, Megaptera novaeangliae e a

Balaena australis. Além destas espécies, os cachalotes (da família dos Physeterideos são referidos pela autora.

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Pode-se observar, do acima exposto, que os recursos, naturais, de origem

marinha, eram abundantes e variados. Este fato permitiria a permanência de grupos

humanos, por um período de tempo variável, mas com probabilidade de se efetuar

predominantemente, entre os meses de abril e setembro, pela ocorrência de peixes e

baleias. Não queremos, porém afirmar, que em outras épocas do ano, não houvessem

grupos humanos que viessem ao Litoral explorando outros recursos que aí pudessem ser

encontrados.

1.2.2 - Recursos Vegetais 1

A vegetação original do Litoral de Santa Catarina, encontra-se praticamente

destruída, pelo povoamento histórico da região. Além da vegetação litorânea

característica, as elevações apresentam resíduos da mata tropical atlântica, que era

encontrada em todo o litoral de Santa Catarina e em todo o Litoral Meridional do Brasil.

O Atlas Geográfico de Santa Catarina (1958) faz a seguinte observação sobre a mata

tropical atlântica, na região:

"Esta formação florestal latifoliada, está em íntima

relação com os índices termo-pluviométricos mais elevados na

zona litorânea estendendo-se em longa faixa meridional pelas

vertentes orientais dos maciços litorâneos brasileiros. A

peculiaridade morfológica da fachada atlântica de Santa Catarina

proporcionou uma penetração mais acentuada desta formação

pelo interior, através dos vales úmidos, especialmente na bacia

do Itajaí-açu. Em sua estrutura observa-se que os indivíduos

arbóreos predominantes, filiados a uma grande variedade de

espécies, estão escalonados em andares diferentes, o que lhes

empresta um caráter heterogêneo. A rigor a mata atlântica no

território catarinense, ou melhor, na sua terminação pelo Brasil

Meridional, já apresenta do ponto de vista de sua composição

sensíveis pontos de diferença com aqueles trechos mais

setentrionais. Certas árvores ali encontradiças como o jacarandá

(e mesmo o pau-brasil) não ocorrem mais por aqui. Enquanto há

uma diminuição acentuada das lianas verifica-se um aumento 1 A identificação das espécies botânicas, atuais, foi feita pelo Professor Ranulfo Souza, da Divisão de Botânica do Departamento de

Biologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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das epífitas. A temperatura mais suave destas latitudes permite o

aparecimento de espécies que, mais ao norte, só ocorrem nos

planaltos, como é o caso da imbuia (Phoebe porosa). Em suma,

trata-se de um fácies mais subtropicalizado da mata atlântica". (

Monteiro, 1958 ).

A utilização de recursos vegetais, por parte de grupos humanos pré-históricos só

pode ser constada através da utilização de análise palinológica, recurso este de que não

pudemos lançar mão, pela inexistência de trabalhos palinológicos sistemáticos na área.

Raramente, encontram-se remanescentes de origem vegetal em sítios arqueológicos.

Apenas, cocos de gerivá (Arecastrum romanzoffianum), são encontrados carbonizados,

junto a restos de fogueiras.

Considerando, assim, a probabilidade de que a vegetação do Litoral de Santa

Catarina variou pouco nos últimos tempos alguns vegetais poderiam ter sido utilizados

como uma fonte suplementar de alimentos pelos grupos de coletores - pescadores -

caçadores, que demandavam ao Litoral.

Entre os frutos destacam-se: Jaboticaba (Myrciaria trunciflora Berg),

Grumichama (Stenocaliz brasiliensis (Lam.) Berg), ingá (Ingá sp. (há varias espécies de

ingá), jaracatiá (Jaracatia dodecaphylla - mamoeiro do mato), goiaba-do-mato (Eugenia

leptoclada), guabiroba (Campomanesia aurea Berg), pitanga (Stenocalix micheli, S.

sulcata), araça-do-campo (Psidiumm cattleianum), ananás-de-pedra (banana do mato -

Bromelia antiacantha), banana-de-macaco ( Philodendron selloum - cipó imbé), e cortiça

(Rollinia rugullosa - araticum de comer); entre as palmeiras o tucum (Bactris

lindmaniana), o palmito (Euterpe edullis Mart.), e o gerivá (Arecastrum

romanzoffianum - côco de cachorro). Estas poderiam fornecer frutos, como o tucum

(Bactris lindmaniana) e o gerivá (Arecastrum romanzoffianum) e o polpa, como o

palmito (Euterpe edullis Mart.).

A utilização da polpa de certas palmeiras, na alimentação, era prática bastante

difundida entre os grupos indígenas que habitavam a Região Sul do Brasil. Mesmo entre

grupos, recentemente descobertos, foi constatada a sua utilização. Seu consumo foi

observado entre os índios Xetá, localizados na Serra dos Dourados, no NW do Estado do

Paraná (Fernandes, 1961:88 - 1959: 32).

Os grupos indígenas que ocupavam o planalto do Estado de Santa Catarina

faziam largo uso do palmito (Euterpe edullis). Este costuma ocorrer nas encostas dos

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morros que formam os vales litorâneos. Os Xokleng já o utilizavam quando ainda não

pacificados continuando com o Uso após a pacificação (Santos, 1970:86).

Entre as gramíneas, apenas, a taquara (Merostaclys sp), poderia, potencialmente,

ter fornecido algum subsídio a alimentação dos grupos primitivos.

QUADRO Nº 2

PLANTAS COMESTÍVEIS NATIVAS DO LITORAL DE SANTA

CATARINA

NOME VULGAR ESPÉCIE FAMÍLIA

Jaboticaba Myrciaria trunciflora Berg Myrtaceae Tucum Bactris lindmaniana Palmae Palmito Euterpe edullis Mart Palmae Grumichama Stenocalix brasiliensis (Lam.) Berg Myrtaceae Cará Disocorea alata, D. bulbifera L. DioscoreaceaeGerivá Arecastrum romanzoffianum (côco de cachorro) Palmas Ingá Ingá sp. (há varias espécies de ingá ) Leguminonae Jaracatiá Jaracatia dodecaphylla (mamoeiro do mato ) Caricaceae Goiaba-do-mato Eugenia loptoclada Myrtaceae Guabiroba Campomansia aureca Berg. ( e outros ) Myrtaceae Pitanga Stenocalix micheli, S. sulcata Myrtaceae Araçá do Campo Psidium cattleianum Myrtaceao Ananás de Pedra Bromelia antiacantha ( banana do Mato ) Bromeliaceae Banana de macaco Philodendron Selloum ( Cipó imbé ) Araceae Cortiça Rollinia rugulosa ( araticum de comer ) Annonaceae Taquara Merostachys sp. ( broto de taquara ) Graminoae

Entre os tubérculos, o cará (Discorea alata, Discorea bulbifera), também nativo na

área, poderia ter dado alguma contribuição.

No Quadro nº 2 estão relacionadas algumas das plantas nativas, do Litoral de

Santa Catarina que poderiam ter dado uma contribuição à dieta alimentar dos grupos

primitivos que viviam na área.

1.2.3 – Fauna

Os animais terrestres e aves costumam desempenhar um papel importante na

alimentação dos grupos caçadores - coletores. E, a tal fato não poderiam fugir, os

primitivos habitantes do Litoral de Santa Catarina. Restos ósseos de mamíferos e aves

são encontrados com relativa abundância nos sítios arqueológicos.

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Constituindo atividade predominante dos grupos indígenas localizados no

interior, a caça foi largamente praticada pelos Xokleng e, o é ainda hoje, muito tempo

depois da pacificação. Em trabalho sobre a economia deste grupo, Santos (1968:32)

constatou que são caçados, os seguintes animais: entre as aves: macuco, jacutinga,

inhambú, uru, jacu, jacupema, tucano, pavão, pomba e tucaniço; entre os mamíferos:

bugio, macaco, porco, tateto, anta, veado, coati, tatu, sararepe, cotia e paca1.

Considerando que a floresta tropical atlântica estende-se pelas encostas dos

morros dos vales litorâneos e seus remanescentes são ainda encontrados no Litoral de

Santa Catarina, acreditamos que a fauna existente aí, não ofereça uma variação muito

grande quanto as espécies que poderiam ser encontradas. E provável isto sim, que em

face da ocupação intensa da Região no período histórico, parte dela tenha sido eliminada.

É evidente que o Litoral de Santa Catarina, deve ter oferecido, em face do quadro

que apresentamos, recursos naturais bastante numerosos e de origem variada, que teriam

permitido a manutenção, em certas épocas do ano, de um número relativamente grande

de indivíduos, o que mais uma vez afirmamos, é atestado pelo grande número de sítios

arqueológicos aí existentes.

2.0 O Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 – Litoral Sul

O Sambaqui de Congonhas I – SC LS 30 - está localizado ao Sul da Cidade de

Tubarão. Sofreu intenso processo de desmonte, estando na atualidade praticamente

destruído. Tinha, originalmente, cerca de 400 metros de comprimento, 50 de largura

média e 8 a 10 metros de altura.

O processo de destruição que prosseguiu durante muitos anos em função de uma

caieira existente ao lado do Sambaqui, revelou numerosas peças líticas, de elaborada

confecção, que integram hoje a coleção que pertence ao Senhor Walter Zumblick.

No momento em que instalamos os trabalhos de escavação junto ao Sambaqui de

Congonhas I - SC LS 30- este apresentava ainda condições de permitir a efetivação de

sondagens que revelassem a seqüência estratigráfica dos achados, permitindo desta

forma, uma visão cronológica de sua construção, o que é impossível observar, durante o

processo de destruição.

1 Não nos foi possível obter a identificação científica dos mamíferos, que vivem atualmente no Litoral de Santa Catarina, bem como

dos restos ósseos encontrados nos Sambaquis.

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Os trabalhos de campo foram instalados no dia 1º de julho de 1967 estendendo-se

até 23 do mesmo mês, num total de 23 dias de campo. A escavação foi procedida através

de duas sondagens. A primeira, designada como Sondagem nº 1, tinha uma área de 16

metros quadrados, dividida em 4 setores, de 2 metros de lado, aos quais foram

adicionadas as áreas entre a linha Leste dos setores e o barranco, resultante do desmonte

ao Sambaqui. Foram escavados apenas, 3 setores, resultando ao final dos trabalhos de

campo duas paredes: uma Sul, com três metros de largura e outra Oeste, com sete

metros. A Sondagem nº 1 atingiu a profundidade de 6,20 metros (Prancha nº 5).

A segunda sondagem, designada como Sondagem nº 2 tinha área de 6,25 metros

quadrados, com um único setor, e após os trabalhos de escavação forneceu três paredes:

uma Oeste, com 2 metros de largura; outra Sul com 2,50 metros e ainda, outra Norte,

com 2,50 metros, atingindo esta Sondagem a profundidade de 4,50 metros. A escavação

foi efetuada em níveis artificiais de 15 centímetros.

Em relatório preliminar de pesquisa, publicado em 1968 (Beck, 1968:40-42)

descrevíamos a estratigrafia do Sambaqui de Congonhas I - SC LS - 30 - como segue:

"Concluídos os trabalhos, o perfil estratigráfico das

paredes nos permitiu identificar 4 unidades estratigráficas

básicas, que descrevemos a seguir, na ordem em que se procedeu

a escavação:

Unidade Estratigráfica I

A primeira unidade escavada, constituindo o envoltório

do sitio arqueológico, possuía duas camadas características:

superfície, coberta de vegetação rasteira, tipo gramínea, onde

foram encontrados, até 30 cm de profundidade, cacos de tijolo e

telha, pregos de dormente e cacos de porcelana; e a camada

humica, com espessura maior de 20 cm, onde numerosas raízes

dificultavam por vezes o trabalho de escavação. As camadas

seguintes é que constituíam a unidade estratigráfica

propriamente dita. Com uma espessura que oscilou entre 140 a

240 cm, mostrou profundos vestígios de raízes (...), com

perturbação das camadas bastante acentuadas. A estratigrafia era

do tipo cruzado, com camadas de Anomalocardia

(Anomalocardia brasiliana, Gmelin 1972), areia e húmus

alternando-se com camadas de Modiolus (Modiolus brasiliensis

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Chemnitz) e argila, valvas de moluscos fragmentadas e argila,

bolsões de Anomalocardia, níveis de cinza, lentes de carvão,

bolsões de ostrea (Ostrea sp). Devido à presença de argila as

camadas mostravam-se compactas.

A coloração dessa unidade era cinza claro (...). Os

achados arqueológicos forneceram seis sepultamentos (...), ossos

de peixe e aves e artefatos líticos.

Unidade Estratigráfica II

Esta unidade diferiu, totalmente, da anterior. Dividindo

o Sambaqui horizontalmente, em duas partes, com espessura

variável de 130 a 250 como era forma da por uma única camada,

constituída de argila, humus, valvas de moluscos

(Anomalocardia, Modiolus e Ostrea). A coloração era escura,

quase preta e camadas delgadas de argila e Anomalocardia, de

coloração clara e, ainda, níveis de carvão, introduziam-se a partir

da unidade superior. Quanto ao conteúdo arqueológico

caracterizou-se por numerosos sepultamentos.

A Unidade Estratigráfica II mostra intrusões na unidade

estratigráfica inferior de 80 cm de profundidade (...).

Unidade Estratigráfica III

A terceira unidade estratigráfica é, também, distinta das

precedentes formada por camadas de pequena espessura, de

coloração clara e escura, que se alternam e são,

aproximadamente, horizontais. As camadas claras são

constituídas por valvas de moluscos (Anomalocardia brasiliana,

Gmelin 1972) e areia. As camadas escuras possuem os mesmos

elementos e, ainda, carvão e cinzas. Camadas delgadas de carvão

e cinzas, bolsões de Anomalocardia, lentes de carvão são

numerosas. A espessura varia entre 200 e 220 cm e a unidade

repousa sobre a primeira camada da base. Poucos sepultamentos

são encontrados nessa unidade e o material arqueológico lítico ó

mais grosseiro que das unidades superiores. Por outro lado

aparecem alguns artefatos de ossos e de conchas, na forma de

pontas e adornos (...). Unidade Estratigráfica IV

A primeira camada da unidade IV era constituída por

areia e valvas de moluscos fragmentadas e roladas, onde se

introduziam várias lentes de carvão, que aparecem na camada

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seguinte, formada por areia e valvas de moluscos inteiras. A

terceira camada é composta por areia e as conchas começam a se

tornar raras. Nessa camada foi encontrado um sepultamento,

cuja posição diferiu completamente dos sepultamentos

localizados nas demais unidades.

O conteúdo arqueológico dessa unidade apresentou,

apenas, instrumentos líticos, sem qualquer evidência de trabalho

de fabricação. Trata-se de instrumentos ocasionais". (Prancha nº

6)

A descrição da estratigrafia em unidades isoladas tem muito mais a finalidade de

disciplinar as exposição dos dados do que propriamente estabelecer diferenças flagrantes

encontradas entre uma e outra dessas unidades. Na verdade, não nos parece que os

grupos que construíram o Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 mostrassem uma

variação muito grande quanto aos padrões culturais relativos ao tratamento dos mortos

ou na confecção dos artefatos, o mesmo ocorrendo quanto à dieta alimentar, que não se

apresentou variada de uma unidade estratigráfica a outra.

Por outro lado, acreditamos que a Unidade Estratigráfica II represente um

período de abandono do Sambaqui. Conforme pudemos observar esta Unidade é

uniforme, ocorrendo ao longo de todo o corte, resultante do desmonte do Sambaqui. Em

sou interior são encontrados maior número de sepultamentos, do que em qualquer outra

Unidade, o que poderia representar uma diferença entre esta Unidade e as demais.

Os sepultamentos, porém, não se apresentam diversificados quanto aos costumes

funerários. Tanto esta Unidade quanto a inferior apresentam inequívocas semelhanças no

que se refere à pratica de enterramento dos mortos.

Lamentavelmente, não dispomos de datas absolutas que nos permitam esclarecer

tal problema. E, de qualquer forma, não parece ser esse, exatamente, o fim do presente

trabalho.

Preocupa-nos, isto sim, entender as relações existentes entre os construtores do

Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 e o ambiente que o cerca, através dos seus

remanescentes materiais, bem como comparar os resultados obtidos com os de outros

sambaquis da área e do Litoral de Santa Catarina.

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2.1 - Recursos Naturais e Ocupação Humana

O Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - está localizado no sopé de um bloco

cristalino, exatamente no limite entre este e a planície litorânea. Esta é percorrida pelo

Rio Congonhas, que por sua vez deve ter trazido sua contribuição ao progressivo

entulhamento e formação da planície, e que após meandrar pela planície deságua na

Lagoa de Jaguaruna. Esta constitui um remanescente da primitiva laguna em cuja

margem estariam situados o Sambaqui de Congonhas I e o Sambaqui de Congonhas II.

Assim, originalmente, o Sambaqui estaria situado à margem de uma laguna, de

grande extensão, que foi entulhada progressivamente, por sedimentos carreados pelo Rio

Congonhas e, ainda, com uma forte contribuição marinha e eólica, permanecendo como

remanescente a pequena Lagoa de Jaguaruna. Como resultado do processo de

colmatação formou-se a planície sedimentar no interior da qual podem ser observados

vários blocos cristalinos, que funcionaram como pontos de amarração, quando da

formação de restingas. (Pranchas nº 7 e 8).

A Leste, a Norte e a Sul pedimentos, bastante dissecados, formam o limite da

planície. E é justa mente na linha de junção desses elementos que se localiza o

Sambaqui. Atualmente dista cerca de 19 km da costa. Porém, os dados obtidos nos níveis

inferiores das Sondagens efetuadas, permitem afirmar que o Sambaqui de Congonhas I -

SC LS 30 - ao início de sua construção estava localizado sobre uma antiga praia,

possivelmente de águas remansosas, que teriam depositado as camadas de areias e valvas

de moluscos, fragmentadas e polidas, idênticas as encontradas às margens de lagoas, da

mesma área.

O progressivo entulhamento da laguna, possivelmente acelerado pela deposição

dos rios, tal como ocorre na atualidade na laguna de Santo Antônio, no município de

Laguna, é que permitiu a atual situação geográfica do Sambaqui, no fundo da planície

sedimentar, cortada pelo Rio Congonhas.

A localização do Sambaqui, protegido a Norte, a Leste e a Sul por maciços

cristalinos e aberta sobre a planície, indica ter sido escolhida considerando a proteção

que as elevações trariam contra os ventos fortes da área, que predominam de Norte e de

Sul e, considerando ainda, a proximidade das fontes de alimentos de origem marinha,

que constituíram a principal dieta alimentar dos grupos que construíram o sítio.

Considerando que a planície sedimentar está, na atualidade, ocupando o lugar da

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antiga laguna, á importante observar mos que a escolha do sítio, onde o Sambaqui se

localiza, foi altamente estratégica. Lagoas, enseadas e baías, assumem ao longo do

Litoral uma importância muito grande, pois permitiram e, ainda permitem, o

desenvolvimento da fauna malacológica e da fauna ictiológica, atraindo para o Litoral

numerosos grupos humanos, cuja presença é atestada pela construção dos sambaquis.

Na verdade o principal substrato dos sambaquis é constituído pelo acúmulo de

carapaças de moluscos, e por ossos de peixes e de outros animais, de que os grupos

litorâneos utilizaram na alimentação.

No item relativo a estratigrafia já fizemos referência as principais espécies de

moluscos encontradas no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30. Embora um grande

número de espécies seja sempre encontrado em todos os sambaquis, na verdade, apenas,

duas ou três espécies assumem uma importância maior, na subsistência dos grupos

litorâneos primitivos. Assim, entre as espécies encontradas, durante a escavação de duas

sondagens, no Sambaqui de Congonhas 1 - SC LS 30 - predominaram, largamente as

espécies Anomalocardia brasiliana (berbigão), Ostrea arbórea e Ostrea sp (ostras) e

Mytilus perna (marisco). Estas as espécies cujas carapaças foram encontradas em maior

quantidade é que, na atualidade, ainda podem ser encontradas nas praias,

desembocaduras de rios e costões do Litoral Sul.

Entre as espécies de moluscos encontradas todas, com uma única exceção, são de

habitat marinho. Apenas uma espécie de gasterépodo, Strophocheilus oblongus (?), tem

habitat terrestre, e é encontrado na planície sedimentar onde se localizam os sambaquis.

Esta dieta alimentar, baseada na coleta de moluscos, de acordo com as

evidências, ou seja, os remanescentes encontrados durante os trabalhos de escavação, era

complementada pela caça de mamíferos e aves e, entretanto, os remanescentes ósseos de

animais, quer de mamíferos quer de peixes ou aves, não puderam ser identificados,

quando as espécies, uma vez que se mostravam muito fragmentados. Não eram, porém,

abundantes, talvez por se estarem decompondo, em função da umidade do clima.

Ossos de baleia fragmentados foram também encontrados. Estas deveriam ter

encalhado nos bancos arenosos, nas proximidades do Sambaqui, sendo então utilizadas

pelos grupos humanos que habitavam na área.

Não foram encontrados restos de vegetais, o que na verdade não é de

estranhar, considerando as condições climáticas, existentes no Litoral de Santa

Catarina. Restos carbonizados de sementes de coco da palmeira de gerivá

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(Arecastrum romanzoffianum) foram coletados em alguns níveis.

Pelos remanescentes de alimentos os grupos construtores do Sambaqui de

Congonhas I - SC LS 30 - tiveram uma dieta alimentar em tudo semelhante a outros

grupos que percorreram o Litoral de Santa Catarina e que descrevemos no presente

trabalho. Os recursos naturais existentes na área foram grandemente explorados

pelos grupos primitivos através de técnicas simples para a obtenção de alimentos

como a coleta, a caça e a pesca. A impossibilidade de se confirmar a utilização de

recursos vegetais pela ausência de vestígios, não nos impede de admitir a

possibilidade de tal ocorrência, uma vez que os recursos existiam e poderiam ser

coletados com facilidade pelos grupos litorâneos.

Realmente, somente através da análise palinológica é que poderão se obter

dados que confirmem as espécies vegetais utilizadas. Na impossibilidade de lançar

mão de tal recurso técnico podemos apenas admitir a possibilidade de que tal haja

ocorrido.

2.2 - Instrumentos e Atividades de Subsistência

Os instrumentos encontrados no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 -

foram numerosos. Foram encontrados instrumentos líticos e de osso. Os primeiros o

foram em maior quantidade. Adornos de conchas foram também encontrados,

associados a sepultamento.

As técnicas utilizadas na confecção dos instrumentos foram preferentemente,

o alisamento, o picotamento e o polimento. Nos instrumentos e adornos de conchas e

ossos foram utilizados, ainda, o seccionamento e a perfuração.

2.2.1 - Instrumentos Líticos

Os instrumentos líticos constituíram a parte mais representativa dos

instrumentos encontrados no Sambaqui. Uma vez que a matéria da qual são feitas

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tem duração ilimitada, salvo por algumas alterações superficiais, constituem, em

quase todos os sambaquis que escavamos, o conjunto mais numeroso de

instrumentos.

No Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - quase totalidade dos instrumentos

encontrados era confeccionada em diabásio. Sua obtenção era facilitada pela

existência de um pequeno dique nas proximidades do Sambaqui de Congonhas II -

SC LS 56 -. Não foi possível, entretanto, obtermos elementos que comprovassem ter

sido o local utilizado como fonte de matéria prima para a confecção de instrumentos

de diabásio.

Os instrumentos líticos foram classificados de acordo com critérios de técnica

de confecção e função. De acordo com as técnicas de confecção foram classificadas

as seguintes categorias:

1. instrumentos polidos, semi-polidos e picoteados

2. instrumentos lascados

3. instrumentos não modificados.

Cada uma destas categorias foi, por sua vez, dividida em categorias de

instrumentos, de acordo com a sua utilização ou função. Não procuramos, com isto,

estabelecer uma tipologia para instrumentos líticos encontrados em Sambaquis. Mas,

procuramos utilizar os mesmos critérios na classificação dos instrumentos de todos

os sambaquis que escavamos durante o desenvolvimento do projeto de pesquisa.

1. Instrumentos polidos, semi-polidos e picoteados (Pranchas nºs 9 e 10)

Os Instrumentos incluídos nessa categoria foram, em geral, confeccionados

com técnica mista: picoteamento e polimento. Em algumas circunstâncias também o

lascamento foi utilizado, para eliminar saliências maiores ou arestas, que o

picoteamento e polimento não lograriam eliminar.

Foram classificados de acordo com a função, como segue:

1.1 - machados: foram coletados 35 exemplares inteiros e 13 fragmentos. A

principal característica da técnica de confecção nos permite dividi-los em machados

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sem entalhes laterais (14 exemplares) os machados com entalhes laterais (21

exemplares). Todos os exemplares coletados foram confeccionados com técnica

mista de lascamento, picoteamento, alisamento e polimento. As dimensões variam

entre 6 e 26 centímetros de comprimento. As formas são variáveis, com

predominância da forma retangulóide.

1.2 - facas: peças de pequenas dimensões, com gume polido, geralmente de

forma retangular. Foram confeccionadas com técnica mista de lascamento,

picoteamento e polimento. Foram localizados oito exemplares. Dois exemplares

apresentam entalhes laterias para encabamento. As dimensões variam entre 5 e 8

centímetros.

1.3 - instrumentos destinados a lastrar1: apresentam um sulco circunferente

ou entalhes laterais, obtidos por picoteamento. Foram encontrados 26 exemplares,

com dimensões variáveis, quanto ao diâmetros: de 2 a 10 centímetros.

Outros artefatos confeccionados com técnicas de polimento e picoteamento

foram coletados. Porém, tratam-se de peças destinadas a adornar não sendo

necessário tratarmos de sua descrição.

2. Instrumentos lascados

Esta categoria está constituída por instrumentos e lascas que poderiam ter

sido utilizadas, em várias funções.

2.1 - machados: 1 exemplar, totalmente lascado . Encontrado em associação

com o sepultamento S.12. Dimensões: 13 centímetros x 7,5 centímetros. Matéria

prima: diabásio.

2.2 - lascas: em quartzo e diabásio estas lascas corticais ou semi-corticais

poderiam ter sido utilizadas para cortar e raspar. Foram coletados 36 exemplares

em quartzo e 26 exemplares em diabásio. 1 Embora tais peças sejam algumas vezes identificadas como pesos-de-rede não temos absoluta certeza de que tenha sido esta a sua

finalidade. Assim preferimos designa-las como peças destinadas a lastrar.

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2.3 - raspadores: peças obtidas a partir de blocos de quartzo, de pequenas

dimensões: 5 a 7 centímetros de comprimento, 4 a 6 centímetros de largura, de

forma aproximada mente triangular.

2.4 - pesos-de-rede: 2 exemplares com entalhes laterais, lascados, obtidos a

partir de pequenos seixos de diabásio, com as dimensões médias de 6 centímetros de

comprimento e 4,5 centímetros de largura1.

2.5 - batedores: peças em quartzo e diabásio cujas bordas mostram

evidências de batidas. Dez exemplares em quartzo e sete em diabásio. As faces,

superiores e inferiores mostram cicatrizes de lascas indicando que algumas dessas

peças são núcleos esgotados.

3. Instrumentos não modificados

Reunimos nessa categoria os instrumentos que mostram evidências de

utilização, embora não tenham sofrido modificação no sentido de serem adaptados

ao fim a que se destinavam. Por esta razão são designados pela ação que permitiram

executar:

3.1 - moer: encontramos dois tipos de instrumentos, que se complementam,

permitindo que a ação seja executada: a mó e as mãos de mó. As mós são

constituídas por plaquetas de diabásio cuja utilização é evidenciada pelo polimento

da superfície superior. As mãos de mó são constituídas por fragmentos resultantes da

diaclase do diabásio, que mostram áreas de polimento, resultante do atrito com a mó,

na função de moer. Foram utilizadas para moer corantes, cujos resíduos ainda

persistem sobre a superfície de alguns exemplares. Foram coletados 11 fragmentos

de mó e 16 mãos de mó.

3.2 - lastrar: 12 fragmentos de diabásio de forma e dimensões variadas,

1 Trata-se, possivelmente, de uma etapa da confecção de entalhes picoteados, antes da aplicação daquela técnica de acabamento.

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utilizados possivelmente como pesos de rede. Não sofreram qualquer modificação

sendo sua utilização evidenciada por uma estria de coloração diferente, na área

mediana da peça, indicando ter sido a mesma amarrada.

3.3 - bater: fragmentos resultantes da diaclase do diabásio, em cujas

extremidades se evidenciam sinais de batidas, sob a forma de áreas picoteadas.

3.4 - cortar e raspar: fragmentos de quatzo e diabásio, em cujas bordas podem

ser observadas cicatrizes de escamas indicando utilização freqüente.

Além dos instrumentos cuja confecção e função são discerníveis pelas

evidências apresentadas, foram coletados, ainda, no Sambaqui de Congonhas 1 - SC

LS 30 - fragmentos de artefatos e instrumentos em confecção cujas funções não

puderam ser distinguidas.

Um outro aspecto que deve ser referido quanto aos instrumentos líticos do

Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - são as peças cuidadosamente elaboradas

com técnicas de polimento. Não foram porém encontradas nas sondagens que

procedemos. Em trabalho sobre o Litoral Sul (Beck 1971:71) fazemos referência a

estas peças, que foram encontradas em alguns sambaquis da área. Desconhecemos o

contexto estratigráfico e cultural de tais achados, uma vez que foram sempre

encontrados em sambaquis submetidos a processo de destruição.

2.2.2 - Instrumentos de Ossos e Dentes

Os instrumentos de ossos e dentes encontrados no Sambaqui de Congonhas I

– SC LS 30 - foram apenas quatro. Três deles confeccionados sobre ossos de

mamífero e um confeccionado sobre dente canino de mamífero. Das quatro peças

encontradas três delas estavam associadas ao sepultamento 2.S.3. São dois adornos:

um sobre dente canino de um mamífero e o outro sobre osso também de mamífero; o

terceiro artefato é uma ponta, sobre osso longo de mamífero, de forma

aproximadamente ovalada. É uma peça de pequenas dimensões : 4,3 centímetros x

0,8 centímetros.

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A quarta peça é uma ponta sobre osso longo de mamífero. Tem forma

triangulóide, com base reta e lados convexos. Junto à base um pequeno entalhe

deveria permitir a fixação da ponta em uma haste. Dimensões 6,1 centímetros x 1,4

centímetros.

Todas as peças encontradas e já referidas mostram um cuidadoso trabalho de

confecção e perfeito conhecimento da técnica utilizada. O fato de terem sido

encontrados tão poucos exemplares confeccionados sobre ossos e dentes pode ser

explicado, mais uma vez, pela perecibilidade da matéria prima face ao clima úmido

do Litoral.

2.2.3 - Instrumentos de Conchas

Não foram encontrados instrumentos de conchas no Sambaqui de Congonhas

I - SC LS 30. Os artefatos coletados foram adornos, confeccionados sobre carapaças

de gasterópodes. As peças mais elaboradas foram seccionadas em placas, cujas

bordas foram cuidadosamente alisadas. Estas placas tinham a forma

aproximadamente triangular, com uma perfuração na extremidade superior, que se

destinava a introdução do fio, da qual pendiam. As dimensões são variadas: 10,1

centímetros x 6,9 centímetros a maior e 2,3 centímetros x 1,6 centímetros, a menor.

Foram coletados 18 exemplares, associados ao sepultamento 2.S.3. Todas as peças

foram confeccionados sobre carapaças de uma única espécie de gasterópode

(Cymbiolla).

Outros adornos feitos sobre carapaças de moluscos foram encontrados. As

espécies sobre as quais foram confeccionados foram Olivancillaria brasiliensis e

Olivancillaria auricularia. Também estavam associados ao sepultamento 2.S.3. Um

outro gasterópode, de pequenas dimensões, Olivella sp, foi encontrado em

abundância. Com o ápice perfurado a concha poderia ter sido utilizado como conta

de colar. Como os demais adornos de conchas estavam associados ao Sepultamento

2.S.3.

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2.2.4 - Obtenção de Corantes

A utilização de corantes não está relacionada a técnicas de subsistência.

Entretanto, no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - foi utilizado corante

vermelho, com freqüência, no sepultamento dos mortos, manifestando-se como uma

constante na prática de costumes funerários.

A obtenção de corantes se fazia a partir do cortex de certas rochas, como o

diabásio. A camada de decomposição do diabásio assume uma coloração vermelha

ou amarela escura. Raspando-se a superfície dos fragmentos de diabásio obtinham a

matéria prima necessária a feitura de corantes. Fragmentos de diabásio em cuja

superfície se podem observar as evidências dessa prática foram coletados no

Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30. A feitura do corante envolvia, a utilização do

mó, onde era moído, misturado com outra substância (talvez gordura) que o tornaria

facilmente manipulável.

Os corantes tiveram um papel importante entre os grupos pré-históricos do

Litoral de Santa Catarina estando sempre associados às práticas funerárias.

2.2.5 - Conclusões

Os instrumentos encontrados no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - nos

indicam um conhecimento grande das técnicas de confecção por parte dos grupos

litorâneos pré-históricos. O polimento, picoteamento, perfuração, o seccionamento

eram técnicas altamente desenvolvidas pelos grupos que as utilizaram. Entretanto, o

lascamento não parece ser uma técnica muito desenvolvida. É certo, também, que no

Litoral não se encontrava matéria prima que permitisse a sua utilização. O quartzo

seria o único material que poderia ter sido utilizado, para a confecção de artefatos

lascados. Porém, sua ocorrência na área, é pequena. O diabásio matéria prima que

ocorre em abundância no local1, embora permita o lascamento é mais adequado a

utilização de técnicas de picoteamento e polimento.

1 Próximo ao Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - encontra -se um dique de diabásio que aflora a superfície. Não podemos,

porém, observar se teria sido utilizado como fonte de matéria prima.

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Instrumentos confeccionados sobre ossos e dentes de animais não ocorreram

praticamente. É possível que as condições climáticas do Litoral tenham apressado o

processo de decomposição levando ao desaparecimento uma parte importante da

indústria encontrada nesse sambaqui. A ausência de cerâmica nos permite situar o

Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - entre os sambaquis pré-cerâmicos

Outros tipos de recipiente, na ausência de cerâmica, deveriam ter sido

utilizados, tendo desaparecido com o tempo.

2.3 - Restos Ósseos Humanos

No Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - foram localizados e coletados

restos ósseos de 22 indivíduos, distribuídos em 18 sepultamentos, nas duas

sondagens efetuadas. Destes, 14 sepultamentos foram encontrados na Sondagem nº 1

e 4 na Sondagem nº 2.

O estado de conservação dos ossos pode ser considerado bom para os

esqueletos de adultos, o mesmo não se podendo dizer dos esqueletos de crianças,

que se mostravam muito friáveis e, raramente, permitiram reconstituição em

laboratório, apesar de constituírem, praticamente a metade dos esqueletos

encontrados.

Na descrição dos sepultamentos que fazemos abaixo, estes são identificados

de acordo com a ordem cronológica dos achados e, ainda, de acordo com as

sondagens, em que foram localizados.

2.3.1 - Sondagem nº 1

Nesta sondagem foram localizados 14 sepultamentos, dos quais dois eram

sepultamentos duplos, uma mulher e uma criança, constituindo assim os restos de

dezesseis indivíduos.1

1 Os sepultamentos estão numerados em duas séries: na primeira, para a Sondagem nº 1, os sepultamentos receberam a seguinte

identificação S (sepultamento), seguido de um número, de acordo com a ordem cronológica do achado; para a segunda série,

correspondendo a Sondagem nº 2, o S é antecipado do número 2, indicando essa Sondagem.

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Sepultamento S.1 (Prancha nº 11)

Localização: Restos localizados nos setores AO e BO, níveis artificiais V e

VI, a profundidade de 75 a 90 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Os esqueletos

estavam orientados no sentido NW-SE, em decúbito dorsal, provavelmente

estendidos, face voltada para N. Pequenas conchas de gasterópodos, perfuradas,

constituíram os únicos objetos associados. Os ossos, de ambos os esqueletos, se

mostravam cobertos de corante vermelho.

Conservação dos Esqueletos: O sepultamento era constituído por restos de

dois indivíduos, um adulto e uma criança. Os ossos do esqueleto do indivíduo adulto

se mostravam bem conservados, no que se refere aos ossos longos e ao crânio,

embora o último estivesse fragmentado. Os ossos do esqueleto de criança estavam

mal conservados e eram muito friáveis, fragmentando-se ao serem retirados.

Dados Antropológicos: Restos de esqueletos de um individuo adulto, do sexo

feminino e de uma criança, cuja idade era inferior a 12 meses, o que pode ser

constatado pela erupção dos germens dentários temporários.

Sepultamento S.2

Localização: Restos localizados no setor AO, nível artificial VIII, a

profundidade de 105 a 120 cm da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido NW-SE, em decúbito dorsal, completamente estendido, face

voltada para S. Contas de gasterópodes, perfuradas, estavam associadas ao

esqueleto. Vestígios de corante vermelho. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em péssimas condições de conservação,

apresentando-se muito friáveis, o que impediu, praticamente, sua reconstituição em

laboratório.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto de uma criança, cuja idade era

inferior a 12 meses, o que pode ser observado, em face da erupção dos germens

dentários temporários.

Sepultamento S.3 (Prancha nº 11)

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Localização: Restos localizados no Setor AO’, nível artificial XIV, a

profundidade de 195 a 210 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido SE-NW, em decúbito dorsal, completamente estendido, face

voltada para N. Não foram observados objetos associados nem corante vermelho.

Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos muito fragmentados, embora o crânio e os

ossos longos tenham sido parcialmente recuperados em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto de uma criança de,

aproximadamente 7 anos, o que pode ser observado pela erupção dos germens

dentários permanentes.

Sepultamento S.4 (Prancha nº 11)

Localização: Restos localizados nos Setores AO e BO, nível artificial XV, a

profundidade de 210 e 225 cm da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios da existência de cova.

Esqueleto orientado no sentido SE-NW, em decúbito dorsal, completamente

estendido, face voltada para cima. Não foram observados objetos associados.

Vestígios de corante vermelho sobre os ossos. Os ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio e longos, relativamente bem

conservados. Os ossos longos apresentam deformações, que parecem provenientes

da solidificação de fraturas.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, de sexo feminino.

Sepultamento S.5

Localização: Restos localizados no Setor AO', nível artificial XVIII, a

profundidade de 210 a 270 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido NE-SW, em decúbito dorsal, semi-fletido. Não foi observado

qualquer objeto associado. Corante vermelho em pequenos grãos, ossos em conexão

anatômica.

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Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio esfacelados, os ossos longos

muito fragmentados. Impossível recuperação em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto de uma criança, de idade superior

a seis meses, o que pode ser observado pela erupção dos primeiros germens

dentários temporários.

Sepultamento S.6

Localização: Restos localizados no Setor AO, nível artificial XX, a

profundidade de 285 a 300 cm da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido NW-SE em decúbito ventral, completamente estendido, face

voltada para baixo. Não foram observados objetos associados, nem corante

vermelho. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Os ossos se mostravam bastante fragmentados,

sendo possível, porém, sua recuperação parcial, em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto de uma criança de

aproximadamente dez anos, o que pode ser observado pela erupção dos germens

dentários permanentes.

Sepultamento S.7

Localização: Restos localizados nos Setores AO’ e Al’, nível artificial XX, a

profundidade de 285 a 300 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido SE-NW, em decúbito lateral esquerdo completamente

estendido, face voltada para W. Não foram observados objetos associados. Vestígios

de corante vermelho nas conchas que envolviam o esqueleto. Ossos em conexão

anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio e ossos longos muito

fragmentados, impossibilitando a recuperação parcial em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto de uma criança, cuja idade era

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inferior a 12 meses, o que pode ser observado, pela erupção dos germens dentários

temporários.

Sepultamento S.8

Localização: Restos localizados nos Setores AO e BO, nível artificial XXI, a

profundidade de 300 a 315 em, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido NW-SE, em decúbito ventral, completamente estendido, face

voltada para E. Não foram observados objetos associados. Muito corante vermelho

envolvendo os ossos. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em bom estado de conservação,

recuperados parcialmente em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo de idade adulta, cujo sexo não

foi determinado.

Sepultamento S.9

Localização: Restos localizados no Setor AO’’, nível artificial XX, a

profundidade de 285 a 300 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado em sentido NE-SW, em de cúbito ventral, completamente estendido, face

voltada para W. Não foram observados objetos associados. Ossos cobertos de

corante vermelho que se espalhava também em volta do esqueleto. Ossos em

conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em condições precárias, não sendo possível

recuperação em laboratório.

Dados Antropol6gicos: Restos do esqueleto de uma criança de idade inferior

a 12 meses.

Sepultamento S.10

Localização: Restos localizados no Setor AO', nível artificial XIX, a

profundidade de 285 a 300 cm, da superfície do Sambaqui.

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Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido NE-SW, em decúbito dorsal, estendido. No foram observados

objetos associados. Os ossos estavam cobertos de corante vermelho. Ossos em

conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em precárias condições não sendo possível

a recuperação em laboratório.

Dados Antropol6gicos: Restos do esqueleto de uma criança, de idade inferior

a 12 meses, o que pode ser observado pela erupção dos germens dentários

temporários.

Sepultamento S.11

Localização: Restos localizados no Setor AO', nível artificial XXII, a

profundidade de 315 a 330 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados evidências de cova. Esqueleto

orientado, provavelmente, em sentido NW-SE, em decúbito dorsal, completamente

estendido. Não foram observados objetos associados. Evidências de corante

vermelho sobre os ossos. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Os restos do esqueleto foram localizados junto a

borda do corte resultante da destruição do Sambaqui. Estava, em conseqüência,

mutilado, sem os membros superiores, constatando-se apenas existência dos ossos

dos membros inferiores, que se mostravam em boas condições.

Dados Antropológicos: Não foram determinados tendo em vista a mutilação

do esqueleto.

Sepultamento S.12

Zocalizaço: Restos localizados nos Setores A1 e B1, nível artificial XXII, a

profundidade de 315a 330 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observadas evidências de cova. Esqueleto

orientado no sentido NW-SE, em decúbito ventral, face voltada para baixo. Objeto

associado: lâmina de machado lítico, lascado, envolvida pelos ossos da mão

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esquerda. Evidências de corante vermelho sobre os ossos e em volta do esqueleto.

Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em condições relativamente boas,

permitindo recuperação parcial em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, cujo sexo não foi

determinado, mas em vista do objeto, associado, possivelmente de sexo masculino.

Sepultamento S.13

Localização: Restos localizados nos Setores AI e BI, nível artificial XXIII, a

profundidade de 345 a 360 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observadas evidências de cova. Esqueletos

orientados no sentido NW-SE, em decúbito dorsal, completamente estendidos, faces

voltadas para cima. Não foram observados objetos associados. Ossos envolvidos por

grande quantidade de corante vermelho, ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto:1 Ossos do esqueleto de adulto em boas condições;

ossos do esqueleto da criança em condições precárias. Ossos do esqueleto de adulto

recuperáveis, parcialmente em laboratório; ossos do esqueleto de criança

impossibilitados de recuperação,

Dados Antropológicos: Restos ósseos de uma mulher adulta, e de uma

criança cuja idade seria inferior a 12 meses, em vista de erupção dos germens

dentários temporários.

Sepultamento S.14

Localização: Restos localizados no Setor AO', nivel artificial XIX, a

profundidade de 285 a 300 em, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observadas evidências de cova. Esqueleto

orientado no sentido NW-SE, em decúbito dorsal, estendido, face voltada para cima.

Não foram observados objetos associados. Ossos envolvidos por corante vermelho.

Ossos em conexão anatômica.

1 Trata-se de um sepultamento duplo: um esqueleto de mulher adulta e o esqueleto de uma criança, de idade inferior a 12 meses. A

criança se apoiava sobre o membro superior esquerdo da mulher, que a envolvia, como se estivesse segurando, apoiando os ossos da

bacia, a exemplo do que já havíamos observado com relação ao Sepultamento S.1.

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Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio e longos em condições precárias,

não sendo possível recuperação em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos de esqueleto de uma criança, de idade inferior

a 12 meses, evidenciada pela erupção dos germens dentários temporários.

Os sepultamentos descritos acima são aqueles encontrados na escavação da

Sondagem nº 1. Como se pode observar, praticamente, a metade dos esqueletos

encontrados nesta Sondagem, era constituída de crianças, em sua maior parte, mortas

na primeira infância. O número total de esqueletos encontrados foi de 16 (dezesseis).

2.3.2 - Sondagem nº 2

Na Sondagem nº 2 foram localizados 4 sepultamentos, dos quais um era

triplo, ou seja, era constituído por dois indivíduos adultos, um de sexo feminino e

outro de sexo masculino, e uma criança. Abaixo descrevemos os sepultamentos

encontrados na Sondagem nº 2.

Sepultamento 2.S.1

Localização: Restos encontrados na Sondagem nº 2, níveis artificiais V e VI,

a profundidade de 90 a 120 cm da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observadas evidências de cova. Esqueleto

orientado no sentido E-W, em decúbito dorsal, completamente estendido, face

voltada para cima. Não foram observados objetos associados; vestígios de corante

sobre os ossos; ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ausência de crânio, arrancado durante a

destruição do Sambaqui, ossos longos em bom estado de conservação, recuperados

em laboratório.

Dados Antropológicos: Indivíduo adulto, cujo sexo não foi determinado em

virtude da ausência do crânio.

Sepultamento 2.S.2

Localização: Restos encontrados na Sondagem nº 2, nível artificial VIII, a

profundidade de 210 a 240 cm da superfície do Sambaqui.

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Costumes Funerários: Não foram observadas evidências de cova. Esqueleto

orientado no sentido NW-SE, em decúbito dorsal, completamente estendido. Não

foram observados objetos associados nem corante sobre os ossos. Ossos em conexão

anatômica.

Conservação do Esqueleto: Crânio fragmentado; ossos longos bem

conservados. Recuperados em laboratório.

Dados Antropológicos: Indivíduo adulto, cujo sexo não pode ser determinado

em conseqüência do estado fragmentário do crânio.

Sepultamento 2.S.3

Localização: Restos encontrados na Sondagem nº 2, níveis artificiais X e XI,

a profundidade de 300 a 350 cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Trata-se de um sepultamento triplo. Cova bem

evidenciada: constituída de camadas de argila, de coloração variada, ou melhor,

disposta em três camadas de argila nas cores vermelha, verde e cinza, de cima para

baixo. A cova tinha forma ovóide e a argila envolvia completamente os três

esqueletos. Os três esqueletos estavam orientados no sentido NW-SE, o primeiro

esqueleto de adulto em decúbito lateral direito, com as pernas fletidas; o segundo

adulto em decúbito lateral esquerdo, também com as pernas fletidas; o esqueleto da

criança em decúbito dorsal completamente estendida. Numerosos objetos estavam

associados: três lâminas de machado (duas semi-polidas e uma lascada) um raspador

de quartzo e algumas lascas, também de quartzo todos os esqueletos estavam

adornados com placas perfuradas de conchas, de forma aproximadamente triangular,

além de contas de um pequeno gasterópodo, possivelmente arranjados em colares,

além de pendentes feitos de osso e dentes de mamíferos. Os esqueletos, os artefatos

associados e a argila, principalmente a camada superior, se mostravam impregnados

de corante vermelho. Ossos em conexão anatômica.

Conservação dos Esqueletos: Ossos muito friáveis, em conseqüência da

argila; péssimo estado de conservação.

Dados Antropológicos: Esqueletos de dois indivíduos adultos, possivelmente

de sexos diferentes, embora este não haja sido determinado; e uma criança de cerca

de 7 anos, idade determina da pela erupção dos germens dentários permanentes.

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Sepultamento 2.S.4

Localização: Restos localizados na Sondagem nº 2 nível artificial XIV, a

profundidade de 420 e 450 cm da superfície do sambaqui, na camada de areia que

constituía a base do mesmo.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido SW-NE, em decúbito lateral direito, completamente fletido,

face voltada para S. Não foram observados objetos associados; vestígios de corante

sobre os ossos. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em condições precárias, tendo em vista a

localização do sepultamento na base do Sambaqui, impossível recuperação em

laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, de idade avançada,

cujo sexo não pode ser determinado em conseqüência do estado de conservação do

crânio.

Os sepultamentos acima descritos, localizados na Sondagem nº 2, em número

de quatro, correspondem aos restos dos esqueletos de seis indivíduos. Apenas um

esqueleto de criança foi encontrado, enquanto os outros cinco são de indivíduos

adultos.

2.3.3 - Analise dos Dados

Os sepultamentos localizados no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - num

total de 18 mostram algumas características que analisaremos, no presente item.

Dos sepultamentos localizados na Sondagem nº 1, seis dos esqueletos eram

adultos, de ambos os sexos; oito de crianças de menos de 18 meses; e dois de

crianças de menos de 10 anos. Na Sondagem nº 2 o número total de esqueletos foi de

seis, sendo 5 de adultos de ambos os sexos e 1 de criança de menos de 10 anos.

Assim, num total de 22 esqueletos, temos 11 de indivíduos adultos, de ambos os

sexos, 8 de crianças de menos de 12 meses e 3 de crianças de menos de 10 anos.

Estes números nos dão, exatamente, 50% de esqueletos de adultos e 50% de

esqueletos de crianças.

Todos os sepultamentos encontrados são do tipo primário, o que pode ser

evidenciado através da conexão anatômica dos ossos. Exceto pelos três

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sepultamentos (S.1, S.11 e 2.S.1) cujos esqueletos foram mutilados em face do

processo de destruição do Sambaqui, os demais se mostravam completos, embora

algumas vezes os ossos estivessem friáveis.

Os dois sepultamentos duplos, uma mulher e uma criança, de menos de 12

meses, encontrados ambos na Sondagem nº 1 (S.1 e S.13) poderiam indicar a prática

do infanticídio após a morte da mãe, quando a criança não tivesse ainda idade

suficiente para sobreviver sem ela. Entretanto, não podemos afirmá-lo, uma vez que

tal tipo de achado é insignificante, face aos outros tipos de sepultamentos.

O mesmo sucede com o sepultamento triplo (2.S.3), encontrado na Sondagem

nº 2. Ao contrário do que sucedeu com os demais sepultamentos, que se

caracterizam por extrema simplicidade, este estava revestido de grande

complexidade, cova de argila, bem elaborada, de forma ovalada e uma espessura de

cerca de 25 cm; grande número de artefatos de pedra, ossos e conchas (como

adornos e algumas pontas de osso) que estavam associados aos três esqueletos; a

presença de corante vermelho, cuja quantidade foi de tal ordem que impregnou a

argila da camada superior, os esqueletos e os artefatos associados; e, a disposição

dos esqueletos em relação um ao outro; os dois esqueletos de adultos ladeando o

esqueleto de criança. Estes elementos que parecem ter sido cuidadosamente

preparados e reunidos, poderiam indicar uma possível diferenciação social. Mas, a

sua ocorrência é insignificante, em relação aos outros tipos de sepultamentos

encontrados no mesmo Sambaqui, razão pela qual não podemos afirmar tratar-se de

uma possível manifestação da ordem social do grupo que construiu o Sambaqui.

O sepultamento 2.S.4 mostra também grande diferença, quanto a posição e a

disposição do esqueleto. Foi o único sepultamento a mostrar um esqueleto

totalmente fletido, em decúbito lateral direito localizado na camada de areia, da base

do Sambaqui. Trata-se, também, de um achado isolado, e que nos impede

estabelecer generalizações. Possivelmente, poderia tratar-se de um indivíduo morto

durante a primeira ocupação do local, por grupos humanos. Sobre este sepultamento

e, certamente, por muitos outros que nossas sondagens não localizaram, teria sido

construído o Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30.

Quanto às características comuns encontradas nos sepultamentos, além do

fato de constituírem sepultamentos primários, podemos observar uma preferência

pela orientação do esqueleto na direção NW-SE, variando apenas a localização do

crânio, algumas vezes orientado para NW e outras para SE; outra preferência foi

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pela posição estendida e ainda, pela disposição em decúbito dorsal. Ausência de

mobiliário funerário ou de objetos associados também constitui uma característica.

A presença, na quase totalidade dos sepultamentos encontrados, de corante

vermelho, algumas vezes em grande quantidade.

No que se refere à ocorrência no Sambaqui, os sepultamentos foram

realizados, em sua maior parte, entre 250 e 350 cm de profundidade, em camada de

coloração escura, onde foi observada a ocorrência de grande quantidade de areia e

humus e quase ausência de conchas.

Concluindo, podemos dizer que os sepultamentos encontrados no Sambaqui

de Congonhas I - SC LS 30 - são do tipo primário tendo apresentado uma série de

características comuns, já referidas no parágrafo anterior e, alguns sepultamentos,

que mostravam variantes dos costumes funerários, já descritos e poderiam indicar

uma possível diferenciação social ou cultural, do grupo ou dos grupos, que

construíram o Sambaqui. Porém, a sua ocorrência, é insignificante em relação aos

demais sepultamentos. Assim, permitimo-nos, apenas, a levantar a hipótese de que

tal possa ter ocorrido, no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30.

2.4 - Evidências da Ocupação

No Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - foram encontradas algumas

estruturas que atestam a ocupação humana do local, ao lado das outras evidências já

referidas e descritas. Estas estruturas têm origens diversas.

Entre elas encontramos restos de fogueiras, lentes de corante vermelho e

pequenas fossas culinárias. Os restos de fogueiras encontrados foram de dois tipos: o

primeiro, e mais numerosos, foram manchas de carvão e cinzas, em cujo interior

encontravam-se conchas calcinadas, que haviam estado submetidas a ação do fogo; o

segundo tipo, menos comum, era constituído por associações de pedras, algumas

vezes fraturadas pela a ação do fogo, envolvidas por carvão, cinzas e conchas

calcinadas. Em algumas delas fragmentos de ossos de animais calcinados são

também encontrados.

As lentes de corante foram encontradas junto a sepultamentos. Tem uma

superfície aproximadamente circular, côncava e uma espessura de cinco a dez

centímetros. O diâmetro varia entre 45 e 50 centímetros.

Finalmente, as pequenas fossas culinárias são restos de uma forma de

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cozinhar, ou pelo menos, de abrir moluscos. Foram encontradas, apenas, duas

estruturas que evidenciam tal prática. O diâmetro da primeira era de cerca de 60

centímetros com uma profundidade de 40 a 45 centímetros. Em seu interior

carapaças de moluscos principalmente, berbigão (Anomalocardia brasiliana). Estava

envolvida por um circulo de carvão vegetal e cinzas. A segunda estrutura, de

dimensões menores, estava localizada junto a primeira. Tinha um diâmetro de cerca

de 25 centímetros e uma profundidade de 30 centímetros, aproximadamente. Em seu

interior valvas de berbigão (Anomalocardia brasiliana), como na estrutura anterior.

Porém, a quantidade de carvão e cinzas que a envolviam era bem menor. Argila era

um dos elementos que constituíam o envoltório da segunda estrutura.

As estruturas resultantes de restos de fogueiras indicam que o fogo era

utilizado para abrir as valvas de moluscos de que se utilizavam os construtores dos

sambaquis, na sua alimentação. Conchas calcinadas, bem como fragmentos de ossos

de animais carbonizados indicam a prática do cozimento de alimentos antes de

ingeri-los. A larga utilização de corante vermelho em sepultamentos localizados no

Sambaqui e já descritos no item 2.3 explica as lentes de corante encontradas em

vários dos níveis da sondagem nº 1. É evidente, que o corante deveria ser colocado

no solo, ao lado do indivíduo morto, a fim de ser preparado para o enterramento. A

utilização do corante provocaria a sua dispersão sobre uma pequena área e, ainda, a

superfície côncava.

2.5 - Os Sambaquis do Litoral Sul

No Litoral Sul os sambaquis se caracterizam por serem de grandes

dimensões. É o caso do Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - escavado por nós,

como também dos Sambaquis de Cabeçuda - SC LS 7 - escavado por Castro Faria

(1959: 98-102), Caieira - SC LS 29, Carniça I - SC LS 13, Carniça I A - SC LS 14 -

escavado por Hurt (1965).

Esses sambaquis no que se refere ao conteúdo cultural pertencem todos ao

que poderíamos chamar de período pré-cerâmico. Em nenhum deles foram

encontrados cacos ou recipientes de cerâmica que indiquem um conhecimento da

técnica de confecção ou das formas de utilização.

Embora não tenham sido publicados trabalhos sobre os Sambaquis escavados

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no Litoral Sul o conhecimento que temos do material coletado em trabalhos

sistemáticos de escavação e em sambaquis destruídos pela exploração do calcário,

nos permitem observar que os grandes sítios arqueológicos dessa área se

assemelham, quanto ao conteúdo cultural. Não dispusemos, porém, de dados

publicados com os quais pudéssemos fazer comparações.

No Litoral Norte do Rio Grande do Sul, foi escavado um único sítio, descrito

por Kern (1970:215-45). Embora parte do material lítico descrito não tenha sido

coletado em trabalho sistemático de escavação muito se assemelha aquele

encontrado em coleções provenientes dos sambaquis do Litoral Sul de Santa

Catarina. Assim, a falta de maior número de dados publicados nos impede de

ampliar as comparações para os sambaquis do Litoral Sul de Santa Catarina.

3.0 - Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - Litoral Central

O Sambaqui de Ponta das Almas, localizado na Ilha de Santa Catarina,

Município de Florianópolis, foi escavado em três ocasiões distintas. A primeira,

entre 1962 e 1965, sob a responsabilidade do Professor Walter Fernando Piazza, da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de Santa Catarina e sua

escolha ocorreu sob as seguintes circunstâncias:

"O sítio arqueológico de Ponta das Almas está

localizado nas imediações da sede do distrito da Lagoa,

município de Florianópolis, neste Estado de Santa Catarina."

"Dentre os sítios arqueológicos recenseados na Ilha

de Santa Catarina apresenta-se, no momento de sua

localização e início de pesquisa, intocado, e dada a sua

proximidade da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade Federal de Santa Catarina, a qual serve, como

campo de treinamento em Arqueologia, aos seus alunos do

Curso de História... foi assim escolhido para nosso trabalho"

(Piazza, 1966:7).

O trabalho de campo, apesar de haver sido realizado durante o período de 4

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(quatro) anos, não foi completado em face de várias circunstâncias, que aqui não

mencionaremos, tendo sido efetuados, 25 (vinte e cinco) dias de trabalho de

escavação, o que permitiu apenas, resultados precários quanto ao conteúdo cultural

do sítio (Piazza 1966:22 ).

Um segundo período de trabalhos de escavação foi realizado neste mesmo

sambaqui, sob nossa orientação, visando ainda dar treinamento de campo aos alunos

da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Este período de trabalhos de campo

também não foi concluído, de vez que as verbas solicitadas não foram concedidas,

impedindo, desta forma o prosseguimento das atividades de escavação.

Em 1966 (setembro) realizado Convênio com a Indiana University foi que se

conseguiu realizar um trabalho de escavação completo no Sambaqui de Ponta das

Almas, que revelou uma estratigrafia bastante interessante, no que se refere as

evidências relativas a ocupação humana do local.

Os resultados que apresentaremos, a seguir, dizem respeito aos trabalhos

efetuados por Piazza (1966: 7-22), por nós (Diário de Campo 1966) e por Wesley R.

Hurt (Diário de Campo 1966).1

Anteriormente, ao início dos trabalhos de escavação, o sítio havia sido

localizado pelo Professor Pe. João Alfredo Rohr, do Museu do Homem do

Sambaqui, que a ele se refere, da seguinte forma:

"É um morrete de cinco a seis metros De altura, que

se eleva num pequeno plano à beira da Lagoa, permitindo

visão ampla e desimpedida sobre as águas da Lagoa, tanto

para o Norte como para o Sul. As conchas ocupam toda a

superfície do morrete e parte da planície, numa área de

sessenta metros de diâmetro, encontrando-se entremeados

dos blocos de granito semi-enterrados nas conchas".

"A metade sul está ocupada por roça de mandioca,

enquanto a parte norte encontra-se revestida de densa macega

arbustiva. Constata presença de berbigão, ostras, búzios e

conchas maiores. O material lítico está amontoado em

diversos montículos". (Rohr, 1960:8). 1 Na oportunidade, queremos agradecer o Professor Wesley R. Hurt, a autorização de utilizarmos alguns dos dados colhidos em

campo por ocasião do trabalho de escavação, por ele dirigido, em setembro de 1966.

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Como se pode observar pela citação acima, o Sambaqui de Ponta das Almas -

SC LC 17 - entrou para a literatura arqueológica através de levantamentos de sítios

Arqueológicos, efetuado por Rohr (1960:199-252).

Em 1962, foram iniciados por Piazza (1966:7 - 22) os primeiros trabalhos de

escavação, que tinham como objetivo dar treinamento de campo aos alunos do curso

de História, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade Federal

de Santa Catarina.

O trabalho organizado por Piazza teve as seguintes características:

"Escolhido o sítio e feitos os entendimentos

preliminares com os proprietários do terreno, para seu uso,

passou-se à organização da pesquisa dadas as condições a

que se destinava - preparo prático de alunos - e à sua

localização - 14 km do centro da cidade de Florianópolis,

bem como as injunções de caráter didático-administrativo da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade

Federal de Santa Catarina.

Assim, desde logo, ficou assentado que trabalhos de

campo realizar-se- iam aos sábados, dias feriados ou de

ponto facultativo, a critério do responsável pela pesquisa.

Por outro lado, devido ao problema de locomoção foi

assentado que o máximo de alunos, em cada dia de trabalho,

não ultrapassaria a sete.

Em vista de tais circunstâncias, aliadas à exigüidade

de verbas destinadas à pesquisa não se pode realizar mais de

que 3 (três) dias de campo em 1962 e 17 (dezessete) dias em

1963, 4 (quatro) dias, em 1964 e 1 (um) dia, em 1965, de

efetivo trabalho-de-campo.

Ao ser localizado o sítio de Ponta das Almas estava,

em sua parte superior, encoberto por vegetação arbustiva.

Deve-se assinalar que, no sítio, fora anteriormente,

em época varia loCali zada lavoura de subsistência como

mandioca, feijão e batata

Como se pode ver, nas ilustrações deste relato, o sítio

é uma pequena ponta que se adentra na Lagoa da Conceição.

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Está, assim, o sítio arqueológico cercado pelas águas da

lagoa, pelos lados norte, leste e sul e pelo lado oeste liga-se

ao maciço cristalino, que marca a paisagem deste lado.

As frentes do sítio, que penetram na Lagoa da

Conceição, estão assentadas sobre embasamento cristalino e,

em toda a superfície da área da jazida, são encontrados

"matacões" (blocos de granito em processo de

decomposição).

Na sua parte oeste, ao menos na parte já escavada,

para determinar a sua extensão, o sítio se assenta sobre uma

estrutura de manguesal antigo, atualmente encoberta por

areias". (Piazza, 1966:9).

Ao ser iniciado o trabalho de escavação do Sambaqui de Ponta das Almas -

SC LC 17 - este foi dividido em setores de quatro metros quadrados, os quais eram

escavados em níveis artificiais de inicialmente 10 (dez) centímetros, a chamada

camada húmica, onde eram encontradas numerosas raízes e radículas, e a seguir em

níveis de 15 (quinze) centímetros, sendo os achados efetuados, registrados de acordo

com a sua localização horizontal e vertical, conforme técnica clássica em

Arqueologia.

A escavação efetuada pelo Professor Walter F. Piazza abrangeu os seguintes

setores: AO, A1, A'1, A'2, BO, B'1, CO, DO, EO, FO, GO e HO, em direção E. A

partir do setor EO a escavação atingiu a encosta do morrete, em direção E, sobre a

Lagoa. A escavação atingiu a profundidade, aproximada de 55 (cinquenta e cinco)

centímetros, no topo do morrete, variando na escavação da encosta, de acordo a

inclinação, mais ou menos acentuada.

Foram as seguintes as conclusões obtidas pelo Professor Walter Fernando

Piazza, com relação à escavação parcial por ele efetuada, no Sambaqui de Ponta das

Almas - SC LC 17.

"Neste trabalho arqueológico já alguns problemas se

anteparam ao pesquisador que, na medida do possível,

procurará encaminhar a sua equação como:

Recuo da linha da costa e problema da regressão

marinha na região adjacente à Ilha de Santa Catarina.

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Este problema focalizado, com relação à Ilha de

Santa Catarina, por diversos autores, com base em

observações puramente geológicas, no que concerne à

formação granítica e à sua composição sedimentar recente,

será encarado tendo em vista as sondagens e os dados

estratigráficos colhidos. "Poder-se-á, agora, num estudo

inter-relacionado das datações do C-14, com os dados

estratigráficos e as informações malacológicas, falar na

evolução geomorfológica da Ilha de Santa Catarina,

especialmente no que se refere à região da Lagoa da

Conceição.

O não aparecimento de cacos de cerâmica indígena

na área do sítio, propriamente dita, mas tão somente na sua

periferia, aliado à existência de outros elementos

esclarecedores de uma perfeita evolução cultural não nos

induzem a dizer qualquer palavra sobre o problema da maior

ou menor antiguidade da construção.

Somente uma mais ampla análise do material já

coletado relacionada às datações do carvão pelo método C-14

poderão, em futuro, dizer das idades, do sítio e dos estratos.

O material ósseo humano e o material lítico coletados

no sítio arqueológico não indicam, intransferivelmente,

diferenciação antropológica do elemento desta jazida para o

de outra área.

Entretanto, neste ponto, somente mais tarde, poder-

se-á alcançar mais profundidade neste estudo, com melhores

e maiores dados". (Piazza, 1966:7-22)

Os dados obtidos por Piazza (1966:7-22) foram dados parciais uma vez que

os trabalhos de escavação não alcançaram a base do sambaqui, não podendo o autor

ter uma visão total dos estratos que o compunham, bem como da sucessão de

cultura.

A segunda etapa de trabalhos de escavação do Sambaqui de Ponta das Almas

- SC LC 17 - foi iniciada em abril de 1966. Tinha como objetivos, também, o

treinamento de alunos do curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da Universidade Federal de Santa Catarina, bem como dar continuidade aos

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trabalhos iniciados pelo professor Walter Fernando Piazza.

O plano de trabalho que elaboramos para a execução dos trabalhos

apresentava os seguintes objetivos:

"O Litoral de Santa Catarina apresenta, em toda a sua

extensão, um grande número de sambaquis, também

conhecidos como casqueiros.

Tais concentrações de conchas, que são,

comprovadamente, jazidas arqueológicas de grande valor na

reconstituição da pré-história brasileira tem sido, até então

imperfeitamente estudadas quer por falta de meios financeiros

suficientes e pessoal tecnicamente habilitado.

A continuação dos trabalhos de escavação do sambaqui

de Ponta das Almas, localizado no distrito da Lagoa da

Conceição, município de Florianópolis, Estado de Santa Catarina,

constitui o primeiro trabalho que será por nós dirigido, após a

conclusão do estágio que realizamos no Setor de Arqueologia, do

Museu Nacional. Os trabalhos que foram iniciados o dirigidos, no

período de 1962 a 1965, pelo Professor Walter Fernando Piazza

(...), visam a um duplo objetivo: estudo, através dos achados

materiais, das culturas que se revezaram na construção e ocupação

do sambaqui; o “campo de treinamento em Arqueologia, aos...

alunos do Curso de História (...) da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade Federal de Santa Catarina.”

Conforme nota prévia já elaborada e a ser publicada1 pelo

Professor Walter F. Piazza, embora alguns resultados tenham sido

obtidos, os anteriores trabalhos de escavação se processaram

lentamente, por falta de possibilidades de fazê-los mais

sistemáticos (...). Por isso, essa oportunidade que nos oferece

agora a Cadeira de Antropologia parece-nos propícia a tornar a

escavação do sambaqui de Ponta das Almas realmente efetiva,

através da realização de um trabalho que se desenvolverá em

colaboração com o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e

1 O trabalho de escavação do Professor Walter Fernando Piazza, efetuado no Sambaqui de Ponta das Almas, foi publicado sob o

título: "Estudos de Sambaquis (Nota Prévia). Universidade Federal de Santa Catarina. Instituto de Antropologia. Série Arqueogia 2.

Florianópolis - 1966.

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contará com a participação dos alunos do Primeiro Ano do Curso

de História.

Por outro lado, ó propicio ressaltar aqui, o processo de

destruição que vem sofrendo os sambaquis no Estado de Santa

Catarina, sendo o material daí retirado, destinado à fabricação da

cal de concha e a pavimentação de estradas, como frisou o

Professor Oswaldo Rodrigues Cabral, em telegrama dirigido ao

Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a propósito

do Sambaqui de Enseada, no município de São Francisco do Sul,

“de onde nos chegam denúncias de estar sendo arrasado seu

material conchífero, utilizado para a pavimentação de estradas

pela Prefeitura local” (Correio da Manhã, de 18/02/1966). A estas

duas formas de destruição dos sambaquis, fabricação da cal e a

pavimentação de estradas, pode-se juntar uma terceira que é a

roça de mandioca, batata etc., que geralmente caracteriza o tipo de

agricultura desenvolvida pelo cabloco (...). Sabe-se que, ao ser

iniciada a escavação do sambaqui de Ponta das Almas, este estava

ocupado, em parte, por uma roça de mandioca e que “fora

anteriormente, em época vária, localizada lavoura de subsistência

como mandioca, feijão e batata” (...).

Em vista desse acelerado processo de destruição, que vem

sofrendo os sambaquis da costa catarinense, parece-nos justificada

a intenção de desenvolver no corrente ano, um trabalho de

escavação sistemática, no sambaqui de Ponta das Almas. E,

também, impedir que os trabalhos, uma vez iniciados, venham a

ser prejudicados pela curiosidade quer dos moradores da região,

quer de pessoas que transitem ocasionalmente pelo local, como já

tom acontecido, anteriormente. Aliá, às formas de destruição dos

sambaquis podemos juntar esta última, a curiosidade de pessoas

não preparadas para a escavar, que podem, sem sequer se dar

conta disto, anular, total ou parcialmente, as possibilidades de

uma escavação produtiva de uma jazida arqueológica,

principalmente, em se tratando de sambaquis.

Salientamos, entretanto, que o sambaqui de Ponta das

Almas não se acha em vias de destruição, visto já se estar

cumprindo o disposto na Lei Federal nº 3.924 de 26 de julho de

1961, que protege as jazidas pré-históricas. Mas, uma vez os

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trabalhos aí iniciados, não devem ser abandonados, pois correriam

o risco de inutilizar grande parte da jazida.” (Beck, 1966:1-2).

Nesta segunda etapa do trabalho de escavação do Sambaqui de Ponta das Almas -

SC LC 17 - foram realizados 4 dias de trabalho de campo, uma vez que as verbas

necessárias a execução dos trabalhos não foram concedidas.

A área escavada resumiu-se aos setores do topo do morrete, sendo aprofundados

dois níveis dos setores Zd'1, A'1, Al e B'1, tendo sido localizados quatro sepultamentos e

recolhido pouco material lítico, sem qualquer expressão, de vez que não se tratavam de

artefatos. Tampouco foram registradas estruturas (Beck ,1966).

Em setembro de 1966 foi iniciado o trabalho de escavação do Sambaqui de Ponta

das Almas - SC LC 17 - dirigido pelo Professor Dr. Wesley R. Hurt, da Indiana University.

Este trabalho se desenvolveu na encosta Sul do Sambaqui, com técnica de estratigrafia

artificial, tendo sido completado em vinte dias. Foi utilizada a técnica de estratigrafia

artificial, com um nível inicial do 10 (dez) centímetros (camada húmica) seguida de

camadas de quinze (15) centímetros. Completados os trabalhos de escavação, o Sambaqui

revelou elementos importantes, para o entendimento da ocupação humana da área da

Lagoa da Conceição e da Ilha de Santa Catarina, no período pré-histórico.

Os trabalhos de escavação realizados sob a Direção do Professor Dr. Wesley R.

Hurt envolveram os setores Zc1, Zc2, Z03, Zc4, Zc5, Zc6, Zc7, Zc8, Zc9, Zc10, Zc11, Zd6

e Zd7. A escavação destes setores, cuja área total foi de cinqüenta e seis metros quadrados,

não atingiu grande profundidade, uma vez que a parte superior e a encosta do Sambaqui

estão localizadas sobre o pontão cristalino, onde os blocos de granito afloram a superfície e

são encontrados logo após os primeiros níveis de escavação, enquanto que os setores

localizados sobre os vestígios de antiga praia, apresentaram pequena profundidade, não

atingindo, algumas vezes, mais de quarenta (40) centímetros. (Prancha nº 12)

A estratigrafia do Sambaqui de Ponta das Almas revelou a existência, na face Sul,

de uma dupla ocupação. Tal fato pode ser observado no perfil estratigráfico, inicialmente

(Prancha nº 12 ) e, também, nas formas de sepultamento, no que se refere aos costumes

funerários, nos artefatos líticos e na mudança da fauna malacológica.

3.1 – Recursos Naturais e Ocupação Humana

O Sambaqui de Ponta das Almas SC LC 17 - está localizado sobre ponto rochoso,

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denominado Ponta das Almas, junto a Lagoa. Trata-se de um sítio de pequenas dimensões

cuja espessura não ultrapassa 1,50 metros e o diâmetro máximo, no sentido Leste-Oeste,

não atinge 80 metros. (Prancha nº 13a)

Na Sondagem nº 3 a estratigrafia revelou a dupla ocupação ocorrida no local. Tal

fato foi confirmado pelo tratamento diferencial dado aos mortos pelos dois grupos, aspecto

analisado no item competente do presente tópico.

Porém, embora houvesse elementos comprobatórios dessa dupla ocupação do sítio,

em períodos diferentes, os meios de subsistência não sofreram mudanças, mostrando-se

idênticas as características quanto aos remanescentes da fauna encontrados.

Tal como aconteceu no Sambaqui de Congonhas - SC LS 30 - as atividades

predominantes no que se relaciona com a obtenção dos alimentos foram as relativas a

exploração dos recursos marinhos. Aliás, a própria localização do Sambaqui, sobre a lagoa,

indica que o local foi procurado, tendo em vista, prestar-se adequadamente ao

desenvolvimento de atividades de coleta de moluscos e pesca.

A coleta de moluscos representou um papel muito importante para as populações

existentes na área. No Sambaqui de Ponta das Almas - SC LS 17 - encontramos carapaças

das espécies Anomalocardia brasiliana (berbigão) e Ostrea sp, além de lentes com conchas

fragmentadas de Mytillus perna (mariscos). Esta última espécie ocorre ainda em

abundância na área e mesmo no costão sobre o qual o Sambaqui está localizado e que o

limita parcialmente. Quanto às outras espécies encontram-se praticamente extintas na área

e, também, algumas outras cujas carapaças foram encontradas em pequena quantidade. Na

atualidade, apenas os mariscos ainda sobrevivem como espécie importante nas

proximidades do Sambaqui. Porém, no Retiro da Lagoa, na margem fronteira, a Ponta das

Almas, um pequeno banco de Anomalocardia brasiliana (berbigão), ainda fornece,

esporadicamente, algumas colheitas compensadoras.

A pesca teve também uma grande importância para as populações do Sambaqui.

Ossos de peixes, principalmente vértebras ocorrem com freqüência. Não nos foi possível, a

partir dos remanescentes ósseos, identificar as espécies encontradas no Sambaqui. Na

atualidade, a pesca da tainha, no período de maio a julho, é a de maior importância,

embora já não seja tão abundante. Da mesma forma que a pesca a caça deve ter dado uma

grande contribuição à dieta alimentar desses grupos. Porém, foram poucos os restos ósseos

de animais terrestres encontrados no Sambaqui. Possivelmente, as condições climáticas da

área, unidade com precipitação pluviométrica constante, tenham provocado a

decomposição dos ossos de animais trazidos para o local.

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Certamente, esta dieta alimentar era complementada ou, talvez, baseada na coleta

de alguns vegetais: frutos, raízes, tubérculos, entretanto, como em todos os sambaquis que

descrevemos não nos foi possível identificar qualquer espécie de vegetal que poderia ter

sido utilizada pelos grupos construtores do Sambaqui. Nem mesmo cocos de gerivá,

(Arecastrum romanzoffianum) carbonizados foram encontrados no Sambaqui de Ponta das

Almas - SC LC 17.

A área onde se localiza o Sambaqui é, ainda hoje, rica em alguns frutos silvestres,

como a pitanga (Stenocalix micheli), araçá (Psidium cattleianum), gerivá (Arecastrum

remanzoffianum), goiaba (Eugenia leptoclada), butiá e outros.

As dimensões do sítio, os remanescentes da dieta alimentar e o instrumental dos

grupos que construíram o Sambaqui de Ponta das Almas - SC LP 17 - não indicam que a

permanência dos grupos no local fosse prolongada. Porém, outros pequenos sambaquis são

encontrados na área, em torno da Lagoa. Estes não foram ainda escavados e alguns deles

estio totalmente destruídos. Tanto quanto pudemos observar a fauna malacológica e

idêntica aquela encontrada no Sambaqui de Ponta das Almas SC LC 17. Nada podemos

dizer sobre outros elementos da dieta alimentar, uma vez que, como já dissemos, ainda não

foram procedidas escavações sistemáticas em outros sítios localizados na área da Lagoa da

Conceição.

3.2 - Instrumentos e Atividades de Subsistência

Os instrumentos encontrados no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LF 17 -

foram muito poucos. Não foram encontrados instrumentos de ossos, de conchas ou

recipientes de cerâmica. Apenas, instrumentos feitos de pedra, com técnica rudimentar e

em pequena quantidade.

3.2.1 - Instrumentos Líticos

Os. instrumentos líticos encontrados nas três etapas, ou melhor, em duas etapas, a

primeira e a terceira, da escavação do Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - são

confeccionados com técnica simples, sendo que raramente foi utilizada a técnica de

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polimento.

Os instrumentos encontrados na primeira etapa, ou na Sondagem nº 1 são descritos

por Piazza (1966:14):

“O material lítico recolhido até a presente data, tem sido

inexpressivo. Foram classificadas 55 (cinqüenta e cinco) peças (

1964 ).

Trata-se de algumas lascas, Uns poucos “chopping-tools”,

um machado polido bifacial, um raspador bem desgastado pelo

uso, um ponteiro ou furador, uma ponta de lança. Têm

predominado aqueles instrumentos confeccionados com basalto".

Permitimo-nos, porém fazer uma revisão da classificação de Piazza (1966:14) e

analisar em conjunto as duas coleções, de vez que ambas provém do mesmo sítio

arqueológico.

Os instrumentos encontrados no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 -

foram classificados, de acordo com a técnica de confecção em três categorias:

1. Instrumentos polidos e semi-polidos

2. Instrumentos lascados

3. Instrumentos não modificados

Não foram encontrados instrumentos totalmente polidos. Todos os exemplares

reunidos sob este rótulo mostram alisamento rudimentar. Foram classificadas nesta

categoria 11 exemplares. (Prancha nº 14)

1.1. machados: 7 exemplares, dos quais dois fragmentados; gume

polido bifacialmente; 4 dos exemplares tem forma

aproximadamente retangular, o ângulo do gume variou entre 60 e

70 graus; as evidências de utilização sobre o gume tem forma de

cicatrizes de escamas e pequenos lascamentos.

1.2. tembetás ou adornos labiais: 4 exemplares, estando dois em

confecção; 1 fragmentado; restando apenas a extremidade

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inferior; 1 exemplar inteiro; todos os exemplares foram

confeccionados com técnica de alisamento; matéria prima:

diabásio.

Não foram encontrados instrumentos lascados, mas tão somente, pequenas lascas,

sem evidências de trabalho de preparação ou de trabalho secundário.

2.1. lascas corticais: 7 exemplares; as bordas, naturalmente afiadas

poderiam ter sido utilizadas para cortar, talhar etc.; tem formas

irregulares e cinco exemplares são em diabásio; possivelmente

estas lascas foram obtidas a partir da confecção de instrumentos

ou de sua utilização.

2.2. raspador: peça em quartzo; lasca espessa cujas bordas afiadas

serviram para raspar e cortar; tem forma retangular.

A maior parte dos instrumentos utilizados pelas populações do Sambaqui de Ponta

das Almas - SC LC 17 - era constituída por fragmentos líticos que não apresentavam

qualquer modificação. Foram sempre usados em múltiplas funções. Assim, para classifica-

los usamos a ação a que, provavelmente, se destinavam.

3.1. furar: um fragmente de diabásio, de forma, aproximadamente

triangular; a ponta mostra-se ligeiramente brilhante, o mesmo

acontecendo sobre uma das faces.

3.2 . moer: dois fragmentos de diabásio, utilizados como almofarizes;

dois seixos fragmentados do diabásio, com superfície polida pela

utilização.

3.3 . talhar-raspar-cortar: fragmentes líticos diversos, cujas bordas

cortantes poderiam ter sido utilizadas em tais ações; 5 exemplares.

3.4 apoiar: 2 fragmentos de diabásio, que apresentam sobre a face

superior uma pequena depressão, lembrando os instrumentos do

tipo “quebra-côco”.

Foram encontrados, além dos instrumentos descritos, numerosos fragmentos

líticos, sem qualquer evidência de utilização, provenientes, algumas vezes, dos

remanescentes de fogueiras, encontradas em praticamente todos os níveis.

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3.2.2 - Conclusões

Não foram encontrados instrumentos ou adornos de conchas ou de ossos de

mamífero ou de peixes. Tampouco foram encontrados fragmentos de cerâmica indicando a

confecção e a utilização de recipientes de argila por estes grupos.

Podemos considerar os grupos que construíram o Sambaqui de Ponta das Almas -

SC LC 17 - como pequenos grupos de caçadores, cuja principal atividades de subsistência

estava relacionada a coleta de moluscos e possivelmente, de alguns vegetais. Os

instrumentos são pouco numerosos e pouco diversificados, não restando a nossa, análise

mais que instrumentos confeccionados em pedra. As técnicas utilizadas na confecção dos

artefatos não indicam uma preocupação em se obter peças elaboradas.

Tal fato poderia indicar que o grupo não necessitava de peças especializadas uma

vez que não praticava atividades mais complexas, a ponto de necessitar desenvolver ou

utilizar técnicas mais aperfeiçoadas. As simples atividades relativas à coleta de moluscos e

de vegetais, aliadas a alguma caça e pesca, poderiam ser executadas com os instrumentos

que descrevemos. Convém, porém, mais uma vez salientar, que instrumentos de madeira e

de fibras, de qualquer tipo, são destruídos rapidamente, em função das condições

climáticas do Litoral.

3.3 - Restos Ósseos Humanos

Nos trabalhos de escavação efetuados no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC

17 - foram localizados os restos de sete indivíduos, na primeira sondagem, ou seja, nos

trabalhos orientados pelo professor Walter Fernando Piazza (1966:15); de quatro

indivíduos na segunda sondagem, por nós dirigida; e, finalmente, os restos de cinco

indivíduos, na terceira sondagem dirigida pelo Professor Dr. Wesley R. Hurt.

O estado de conservação do material ósseo mostrou- se, via de regra em condições

precárias, embora alguns esqueletos fossem passíveis de recuperação, quanto ao crânio e a

alguns ossos longos. Estes foram objeto de medidas osteométricas, visando uma

comparação entre as populações dos vários sambaquis escavados, no Litoral de Santa

Catarina (Araújo, 1968).

A descrição que faremos abaixo, dos sepultamentos encontrados nas três

sondagens, permitirá observar uma diversidade, acentuada, no que se refere aos costumes

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funerários, servindo como importante indicador para a identificação dos diferentes grupos

humanos que periodicamente ocupavam o local.

3.3.1 - Sondagem nº 1

A sondagem nº 1 teve sua escavação, parcial, orientada pelo Professor Walter

Fernando Piazza (1966: 7-22), em condições já descritas. Assim, alguns dados estão

incompletos, uma vez que não nos coube fazer o registro dos achados aí efetuados. Os

sepultamentos serão identificados, por número arábico (indicando tratar-se da primeira

sondagem), S. (indicando tratar-se de um sepultamento) e por um outro número, arábico,

de acordo com a ordem cronológica dos achados.

Sepultamento 1.S.1

Localização: Trata-se de um sepultamento em que se achavam associados restos de

dois indivíduos, sendo por isso, identificado por Sepultamento 1.S.l. A e B. Estavam, os

restos, localizados no Setor B'2 e B'3, a 25 centímetros de profundidade da superfície do

Sambaqui

Costumes Funerários: Não estavam sepultados em cova, não havendo vestígios de

que tal tenha ocorrido. Os esqueletos estavam orientados no sentido SW-NE, em decúbito

lateral esquerdo, estendidos. Não foram anotados dados relativos as dimensões ocupadas

pelos esqueletos. Os ossos mostravam vestígios de corante vermelho e estavam em

conexão anatômica.

Conservação dos Esqueletos: Os ossos se mostravam bastante friáveis, tendo sido

tentada sua solidificação com preparado destinado a este fim. Não foi observada ausência

de ossos.

Dados Antropológicos: Esqueletos de indivíduos adultos, um de sexo masculino

(1.S.1;A ) e um de sexo feminino (1.S.1.B).

Sepultamento 1.S.2

Localização: Sepultamento de dois indivíduos, cujos restos foram localizados nos

Setores B’1 e B’O a profundidade, aproximada, de 30 a 50 centímetros da superfície do

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Sambaqui.

Costumes Funerários: Não estavam contidos em cova, pelo que se pode observar

através dos vestígios. Os esqueletos estavam orientados no sentido NE-SW,

completamente estendidos em decúbito lateral esquerdo. Vestígios de corante vermelho

sobre os ossos, que estavam em conexão anatômica.

Conservação dos Esqueletos: Ambos os esqueletos mostravam precárias condições

de conservação, embora não fosse observada ausência de ossos.

Dados Antropológicos: Esqueletos de um indivíduo de idade adulta, de sexo

masculino (2.S.A) e de uma criança, (2.S.B) de cerca de seis a oito anos, o que foi possível

observar, pela erupção dos germes dentários permanentes1.

Sepultamento 1.S.3

Localização: Sepultamentos de dois indivíduos, cujos restos foram localizados nos

Setores A'1, AO BO, entre 30 e 50 centímetros de profundidade, da superfície do

Sambaqui, aproximadamente.

Costumes Funerários: Os esqueletos não estavam contidos em covas, pelos

vestígios encontrados. Mostravam orientações opostas: o primeiro estava orientado no

sentido SE-NW e o segundo no sentido E-W. Os esqueletos estavam em decúbito dorsal,

estendidos. Vestígios de corante vermelho sobre os ossos, que estavam em conexão

anatômica.

Conservação dos Esqueletos: Precária, tendo sido tentada solidificação em campo.

O primeiro esqueleto (1.S.3.A), teve ausência dos pés. O segundo esqueleto (1.S.3.B),

ausência de crânio.

Lados Antropológicos: Trata-se dos esqueletos de dois indivíduos adultos. Sendo o

segundo (1.S.4.B), de sexo feminino. O sexo do indivíduo do primeiro esqueleto (1.S.4.A),

não pôde ser identificado pela ausência do crânio e pelas condições fragmentárias da bacia.

3.3.2 - Sondagem nº 2

Os trabalhos de escavação da Sondagem nº 2, do Sambaqui de Ponta das Almas foi

realizada sob nossa responsabilidade. O registro dos dados, relativos aos sepultamentos

1Este trabalho foi efetuado pelo Professor Miroslau Wolowski e pelo Professor Edson Medeiros Araújo, do Centro Bio-Médico - Curso Seriado de Odontologia da

U.F.S.C.

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não foi feito de acordo com critérios que adotamos na escavação de outros sítios, uma vez

que a escavação deste Sambaqui foi anterior a elaboração do projeto de pesquisa já

referido (Beck,1968: 77-87). Os sepultamentos são identificados pelo número arábico 2

(indicando o número da sondagem), pela letra S (em maiúscula, indicando tratar-se de

sepulta mento) a por um número arábico, indicando a ordem de achado. No caso de

sepultamentos em que mais de um esqueleto foi encontrado, as maiúsculas A,B,C etc.

indicam o esqueleto referido.

Sepultamento 2.S.1

Localização: Trata-se de um esqueleto, cujos restos foram localizados no Setor A'1,

a profundidade de 60 centímetros, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Ausência de vestígios que indicassem a presença de cova. O

esqueleto estava orientado no sentido N-S, com face voltada para E, em decúbito dorsal, e

posição estendida. Vestígios de corante vermelho, ausência de oferendas funerárias. Ossos

em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Os ossos mostravam condições precárias de

conservação, não sendo feitas tentativas de consolidação em campo. Todos os ossos

presentes.

Dados Antropológicos: Trata-se de uma criança de, aproximadamente, 6 a 8 anos,

o que pôde ser observado pela erupção dos germes dentários permanentes.

Sepultamento 2.S.2 (Prancha nº 13 b)

Localização: Esqueleto localizado no Setor A'2, a profundidade de 45 centímetros

de profundidade, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram identificados vestígios da existência de cova. O

esqueleto mostrava orientado no sentido W-E, face voltada para W, em decúbito ventral,

posição estendida. Vestígios do corante vermelho sobre os ossos, ausência de oferendas

funerárias. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Condições precárias, semelhantes a de outros

esqueletos na mesma Sondagem. Parcialmente recuperável em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto do sexo não determinado,

em virtude da ausência do crânio e das condições precárias da conservação da bacia.

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Sepultamento 2.S.3 (Prancha nº 13 b)

Localização: Esqueleto localizado nos Setores A’2, profundidade de 50 centímetros

da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram identificados vestígios da existência de cova.

Esqueleto orientado no sentido W-E, com face voltada para W. Estava em decúbito

ventral, posição estendida. Vestígios de corante vermelho sobre os ossos, ausência de

oferendas funerárias. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: As condições de conservação do esqueleto eram

semelhantes às dos demais esqueletos encontrados na mesma sondagem. Apresentava o

crânio fraturado a altura do parietal direito sobre o qual repousava a tíbia direita do

Sepultamento 2.S.2. Não havia ausência de ossos.

Dados Antropológicos: Esqueleto de adulto, provavelmente do sexo feminino.

Altura aproximada, 1,70 centímetros.

Sepultamento 2.S.4

Localização: Esqueleto localizado nos Setores A’2 e Zd’2 a profundidade de 40

centímetros.

Costumes Funerários: Não foram identificados vestígios que evidenciassem a

presença de cova. Esqueleto orientado no sentido NW-SE, face voltada para cima. Estava

em decúbito dorsal, posição estendida. Ausência de corante vermelho e de oferendas

funerárias. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: As condições da conservação eram idênticas às já

descritas para os mesmos achados, anteriormente. Alguns ossos, crânio e ossos longos,

parcialmente recuperáveis em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, de sexo feminino, com

estatura aproximada de 1,70 centímetros.

3.3.3 - Sondagem nº 3

A Sondagem que identificamos como a de nº 3, foi escavada sob a orientação do

Professor Dr. Wesley R. Hurt e foi a única a ser completada, como foi visto em item

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anterior. Nesta sondagem foram localizados os esqueletos de quatro indivíduos,

identificados, no presente trabalho, da seguinte forma: o número arábico 3 (indicando o nº

da sondagem), a letra maiúscula S (indicando tratar-se de um sepultamento), seguida de

um número arábico indicando a ordem cronológica dos achados. Pode-se seguir ainda as

maiúsculas A, B, C. etc. no caso de haver restos de mais de um indivíduo em cada

sepultamento.

Sepultamento 3.S.1

Localização: Esqueleto localizado nos Setores Zc.6 e Zc.7, nível artificial III,

profundidade 55 centímetros, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Vestígios, pouco nítidos, parecem indicar a existência de

cova. Esqueleto orientado no sentido N-S, em decúbito dorsal, posição completamente

estendida. Dimensões ocupadas pelo esqueleto: 86 centímetros de comprimento por 64

centímetros de largura. Não foi possível medir a espessura. O esqueleto estava envolvido

por um conjunto de pequenas covas culinárias e também de outros esqueletos que

formavam uma estrutura, perfeitamente definida, que trataremos de analisar no item 3.4. O

crânio estava desarticulado, colocado em vertical, fora de sua posição anatômica normal ,

conforme a posição do esqueleto. Os demais ossos estavam em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Condições de conservação que permitiam parcial

recuperação em laboratório do crânio e dos ossos longos.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo jovem, provavelmente do sexo

masculino.

Sepultamento 3.S.2

Localização: Esqueleto localizado nos Setores Zc.7 e Zc.8, nível artificial IV,

profundidade de 55 centímetros da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Foram encontrados vestígios de uma estrutura de argila,

alongada que teria, provavelmente, constituído a cova. Esqueleto orientado no sentido

NE-SW, em decúbito ventral, posição estendida. As dimensões da cova seriam,

aproximadamente 1,30 centímetros.de comprimento e 50 centímetros de largura . Não foi

possível identificar a espessura. Foi encontrado, junto aos ossos dos pés, fragmento de

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mó. Ausência de corante vermelho sobre os ossos, mas abundante sobre o fragmento de

mó. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Condições de conservação bastante boas, embora o

crânio estivesse ausente. Os ossos longos foram recuperados em laboratório.

Sepultamento 3.S.3

Localização: Esqueleto localizado nos Setores Zd.7, nível artificial IV,

profundidade 55-70 centímetros.

Costumes Funerários: Ausência de vestígios de cova. Esqueleto orientado no

sentido N-S, em decúbito ventral, posição fletida, face orientada para E. Dimensões

ocupadas pelo esqueleto: 55 centímetros de comprimento e 40 centímetros de largura. Não

foi possível identificar a espessura. Ausência de corante. Existência de estrutura circular,

em forma de cova, semelhante a já encontrada junto ao Sepultamento 3.S.1, que será

tratada em item 3.4. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Os ossos estavam em precárias condições não

permitindo sequer uma recuperação parcial em laboratório.

Dados Antropológicos: prejudicado.

Sepultamento 3.S.4

Localização: Esqueleto localizado nos Setores Zd.l e Zc.l, nível artificial I,

profundidade 10 a 25 centímetros, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova.1 Esqueleto

orientado no sentido NW-SE, em decúbito dorsal, posição estendida, face voltada para

cima. Dimensões ocupadas pelo esqueleto: 1,80 centímetros de comprimento e 50

centímetros de largura. Ausência de corante vermelho e de objetos associados.

Conservação do Esqueleto: Os ossos longos e o crânio foram muito fragmentados

durante a retirada, em face da rapidez com que o trabalho teve que ser realizado, por estar

chovendo. Recuperáveis em laboratório.

Pelo que foi acima exposto concluímos que o número de esqueletos encontrados no

Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - foi de 15, sendo que destes seis constituíam

1 No dia em que foi localizado e retirado o sepultamento 3.S.4 chovia torrencialmente, o que prejudicou a observação das evidências possíveis de existência de

cova.

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sepultamentos compostos de dois esqueletos e nove de um único esqueleto. Dos 15

esqueletos encontrados, 9 haviam pertencido a indivíduos adultos, enquanto apenas 2 de

crianças, com idades entre 6 e 8 anos.

3.3.4 - Análise dos Dados

Os sepultamentos encontrados no Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - nos

permitiram observar uma série de características, em função da localização e distribuição

dos sepultamentos na área do sítio, em função dos costumes funerários e, ainda, em função

dos dados antropológicos, principalmente no que se refere à idade o sexo dos indivíduos aí

sepultados e que, representam os únicos remanescentes das populações que periodicamente

buscavam no Litoral os recursos necessários a sua sobrevivência.

No que se refere à localização podemos observar que uma parte dos sepultamentos

está localizada na parte superior do Sambaqui, entre a profundidade de 10 a 50 centímetros

aproximadamente, ocupando as áreas representadas pelos Setores do topo do morrete: AO,

A’1, A’2, BO, B’1, B’2, descendo pela encosta do morrete e aparecendo, associada a

pequenas covas culinárias nos setores ZC.7, ZC.8, Zb.6 e Zb.7.

No que se refere às características dos costumes funerários, o que há de mais

importante a salientar é a presença de dois esqueletos, completamente fletidos, exatamente

aqueles que se acham associados as pequenas covas culinárias, que mencionamos e

descrevemos no tópico 3.4.

Ainda com relação aos costumes funerários, podemos observar que com uma única

excesso todos os esqueletos mostravam-se em perfeita conexão anatômica, o que indica a

prática do enterramento primário, sem haver a preocupação de uma preparação do morto,

no que se refere a um posterior ritual funerário, ou a um sepultamento secundário.

Embora o corante vermelho não fosse abundante, ocorreu de forma quase

sistemática em praticamente todos os sepultamentos, e apenas um possivelmente de forma

ocasional, estivesse associado a um pequeno instrumento lítico.

Os sepultamentos foram feitos de forma sumária, sem maior preparação, sendo os

indivíduos enterrados sem oferendas funerárias, excetuando-se o caso já referido, e no qual

nos deteremos no momento oportuno. Entretanto, é inegável, a preocupação destes grupos

com o sepultamento dos mortos de vez que todos os esqueletos foram encontrados de

forma que demonstra uma cuidadosa deposição na terra, embora, na maioria dos achados

os vestígios de cova houvessem totalmente desaparecido, como ficou evidenciado nas

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descrições dos sepultamentos.

Não parece ter havido, também, por parte dos grupos, uma preocupação muito

grande, no que se refere à orientação geográfica dada ao morto. A variação quanto a

orientação geográfica dos esqueletos variou bastante.

Um dado comum, entretanto, relativo às características antropológicas dos achados

é aquele relativo à idade dos indivíduos, em que a maioria absoluta é representada por

indivíduos de idade adulta e, por apenas, duas crianças, cuja idade varia entre 6 e 8 anos.

Pela anterior descrição, podemos observar que os elementos relativos aos

sepultamentos do Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - são bem diversos. Isto

talvez se deva ao fato de haver sido este sítio arqueológico escavado por três esquisadores,

em épocas distintas, com objetivos também distintos.

3.4 - Evidências da Ocupação

A ocupação humana que resultou na construção do Sambaqui de ponta das Almas -

SC LS 17 - além dos instrumentos e dos sepultamentos deixou outras manifestações, que

podem, em certo sentido, também auxiliar no entendimento das populações pré-históricas

do Litoral de Santa Catarina. Estas manifestações só são passíveis de observação através

de um cuidadoso trabalho de escavação.

No Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - encontramos evidências de

ocupação ou estruturas, de dois tipos: as fogueiras e as covas, que poderíamos chamar de

culinárias, embora não tenha sido essa a sua função.

Os remanescentes de fogueiras foram encontrados em praticamente todos os níveis

do Sambaqui. Eram formadas por aglomerados de pedras, geralmente fragmentadas, entre

as quais encontrava-se carvão, cinzas, conchas carbonizadas e quebradas. Tais restos de

fogueiras se devem ao fato de que para abrir as conchas dos moluscos seria utilizado o

fogo, pois o calor permite que isto ocorra facilmente. Assim, não seriam necessários

instrumentos para atender a esta finalidade. Os moluscos, uma vez submetidos à ação do

calor, permitem que suas carapaças calcárias abram-se e, desta formas partes moles podem

ser retiradas. Pela sua simplicidade, esta técnica deveria ser do conhecimento das

populações litorâneas, e largamente praticadas, tendo em vista os remanescentes

encontrados.

As estruturas do tipo fossa culinária ocorreram sempre em associação com

sepultamentos. Foram encontradas, principalmente junto aos sepultamentos da segunda

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ocupação, os únicos encontrados em posição fletida. Localizavam-se esses sepultamentos

na parte Sul do Sambaqui, justamente aquela em que se evidenciou a presença de um outro

sítio arqueológico. Tinham as estruturas, forma circular e uma profundidade que variou

entre 25 e 40 centímetros. O diâmetro também variou dentro dessas dimensões. Eram

constituídas de uma pequena camada de argila, de coloração amarelada, a qual estava

envolvida por conchas de Anomalocardia brasiliana (berbigão). No interior das fossas

encontramos carvão e cinzas e valvas de Phacoides pectinatus e Strophocheilus oblongus

(?). Embora carvão e cinzas fossem encontradas em todas as estruturas desse tipo, a

associação existente com os sepultamentos não nos permite considerar que tais

remanescentes constituíssem, verdadeiramente, fossas culinárias. É possível, que se

tratasse de oferendas feitas aos mortos uma vez que faziam parte dos sepultamentos que

permitiram distinguir a segunda ocupação.

Resta mencionar, ainda, uma terceira estrutura, também encontrada em associação

com sepultamentos. Apenas que estes estendidos. São pequenas fossas, semelhantes as

anteriores, mas constituídas totalmente de argila, não cozida. Estas fossas foram

encontradas na parte superior do sítio e a argila que as constituí era de coloração vermelha.

Estavam associadas aos sepultamentos estendidos do que foi, possivelmente, a primeira

ocupação do local.

3.5 - Sambaquis do Litoral Central - Sambaquis Sem Cerâmica

O Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17 - pelos remanescentes encontrados e

já descritos pode ser caracterizado como um sambaqui cujos construtores desconheciam o

uso da cerâmica. As duas ocupações evidenciadas principalmente pelos tipos de

sepultamentos, apesar de apresentarem características distintas, desconheciam igualmente

o uso e a confecção de recipientes de cerâmica.

Segundo podemos observar pelos trabalhos de escavação, os grupos responsáveis

pela primeira ocupação do sítio desconheciam inclusive o uso de instrumentos polidos,

uma vez que estes ocorrem apenas na área identificada como da segunda ocupação. Assim,

necessário se torna, ainda, fazer uma distinção entre as atividades praticadas pelos

responsáveis pela primeira e os responsáveis pela segunda ocupação do Sambaqui.

É possível que os primeiros ocupantes do local desconhecessem a técnica de

confecção de artefatos por alisamento e polimento, razão pela qual estes não ocorrem nos

níveis inferiores do sítio. Aí encontramos, apenas algumas lascas e instrumentos

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confeccionados grosseiramente ou não modificados.

As práticas funerárias nos permitem também identificar duas ocupações distintas

do Sambaqui. Da mesma forma que o perfil estratigráfico mostra claramente a construção

de um sítio pode ser observado, quanto a construção, na Prancha nº 12 c que mostra parte

do perfil estratigráfico da parede Oeste, da Sondagem nº 3.

Poucos são os sítios arqueológicos escavados no Litoral Central, principalmente do

tipo de sambaqui sem cerâmica. Apenas, um outro sítio, localizado na Praia Grande, na

parte Norte da Ilha de Santa Catarina foi objeto de estudo sistemático (Rohr, 1960:16-20 ).

Aí foram encontradas, igualmente, estruturas de argila vermelha, algumas vezes

associadas a sepultamentos. Assim as descreve e interpreta o autor (Rohr, 1960: 20):

"Também neste sambaqui, não foi assinalada a presença

de cerâmica, no sentido de vaso de barro cozido: terracota. A falta

de cerâmica, propriamente dita, era compensada, porém, de uma

maneira bastante original, por uma espécie de pré-cerâmica.

Trata-se de grandes vasos de barro vermelho (ocre vermelho) não

cozidos. Estes vasos eram confeccionados do mesmo barro

vermelho, com que envolviam os cadáveres e pintavam os ossos

dos esqueletos. Encontramos bom número destas vasilhas,

engastadas no monte de conchas e repletas de material

componente do sambaqui. Alcançavam ate 60 centímetros de

altura, tendo, neste caso, a boca uns 40 centímetros de diâmetro.

A espessura das paredes destes vasos era irregular; alcançava 5

centímetros.

Estes vasos de barro impermeável à água podiam servir

tanto para a conservação de toda a sorte de gêneros de alimentos.

Neste caso, não se aqueceria a vasilha por fora, mas lançava-se

uma pedra incandescente na água que continha".

Esta, entretanto, parece ser a única semelhança existente entre este Sambaqui e o de

Ponta das Almas - SC LC 17 - qualquer que seja a ocupação considerada.

Por outro lado os sambaquis existentes em torno da Lagoa da Conceição não

foram ainda objeto de um estudo sistemático o que poderia permitir a comparação dos

componentes aí encontrados com aqueles do Sambaqui de Ponta das Almas - SC LC 17.

Considerando estes aspectos torna-se praticamente impossível estabelecer comparações

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entre este Sambaqui e outros existentes na Ilha de Santa Catarina. Podemos comparar,

apenas, os componentes das duas ocupações, o que aliás, já foi feito, dando um destaque

maior aos componentes relacionados a prática de costumes funerários, de vez que foram os

que se mostraram melhor definidos.

Concluindo, podemos resumir a ocupação do Sambaqui de Ponta das Almas - SC

LC 17 - como efetuada por dois grupos distintos. A primeira ocupação teria ocorrido sobre

a parte superior do pontão de pedras, de formação cristalina e dela seriam remanescentes

os sepultamentos estendidos aos quais estariam associadas às pequenas fossas de argila

concrecionada. A segunda ocupação teria ocorrido na parte Sul do montículo, o que está

perfeitamente evidenciado no perfil estratigráfico (Prancha n°12 c), sendo este segundo

grupo portador de artefatos confeccionados com técnica de alisamento e polimento além

de suas práticas funerárias serem distintas. Os esqueletos estavam em posição fletida e

pequenas "fossas culinárias", cuja interpretação já demos acima, estavam a eles associadas.

Ambas as ocupações indicam que a coleta de moluscos e de vegetais devem ter

sido a atividade predominante do grupo, aliada a alguma atividade de caça e de pesca. Pelo

fato de não haver outros sítios arqueológicos estudados sistematicamente na mesma área,

que apresentem características quanto aos remanescentes culturais, semelhantes, torna-se

impossível estabelecer comparações neste nível, para o Sambaqui de Ponta das Almas - SC

LC 17.

4.0 - O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - Litoral Norte

O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - está localizado dentro da área urbana

da Cidade de Joinville. Tendo sofrido intenso processo de destruição foi mencionado

constantemente na bibliografia especializada.

Sobre a destruição do Sambaqui, assim se expressa Castro Faria (1959:109):

"Situado dentro da área urbana da cidade de Joinville.

Trata-se de enorme jazida, rica em material humano

esqueletos e indústria lítica, que está sendo totalmente arrasada

por meio de força hidráulica.

No barracão de madeira que serve de escritório para o

encarregado das obras de desmonte encontravam-se, por ocasião

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da nossa visita ao local, dezenas de utensílios de pedra, de crânio

e de outras partes do esqueleto, retirados ao acaso, por operários

curiosos. Nada se aproveitou desta jazida, que uma indiferença

monstruosa condenou ao desaparecimento total".

O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - foi parcialmente destruído servindo

o entulho retirado para aterrar uma área onde foram construídos os depósitos de uma

empresa exportadora de madeira. Atualmente, embora muito reduzido em seu volume

original, oferece ainda, condições de trabalho que forneceram informes úteis para o

entendimento da ocupação pré-histórica do Litoral Norte.

A instalação, do trabalho de escavação se deu em 1º de setembro de 1968,

estendendo-se até 20 de outubro, num total de 50 dias de trabalho de campo. A escolha do

sítio prendeu-se ao fato de haver alguns trabalhos como os de Tiburtius e Bigarella

(1960), Bigarella, Tiburtius e Sobanski (1950), Castro Faria (1959), Tiburtius (1961) que

faziam numerosas referências aos achados efetuados no Sambaqui, durante o trabalho de

desmonte.

Procedido o desmatamento constamos que o Sambaqui possuía dimensões

maiores do que havíamos suposto. As dimensões reais do sítio eram difíceis de observar

considerando estar o mesmo coberto por vegetação de porte médio. Após o desmatamento

escolhemos uma área, próxima ao barranco resultante do processo de destruição, onde

foram demarcados seis setores, com uma área de 4 metros quadrados, cada setor. Os

setores foram identificados por números e letras, recebendo as linhas em sentido N-S,

letras, e as linhas em sentido L-W, números. Os setores eram identificados pela

intersecção das linhas que se encontrassem mais próximos de zero ( Pranchas nºs 15 e

16).

Para procedermos ao trabalho de escavaco ( Prancha nº 16) foram estabelecidos

níveis artificiais de 15 cm, observados para toda a Sondagem efetuada. Considerando as

dimensões, do sítio optamos pela escavação de uma única Sondagem.

A escavaco da Sondagem nº 1 atingiu a profundidade de 8,85 metros, da

superfície até a base do sambaqui. A estratigrafia revelou-se constituída por camadas e

bolsões formados predominantemente por berbigões (Anomalocardia brasilianna) e ostras

(Ostrea - sp). Outras espécies também foram observadas, mas com menor freqüência.

Elemento como carvão, cinza, argila e ossos de peixes foram observados (Prancha nº 17 e

18). Quanto à estrutura destes elementos podemos descrever a estratigrafia do Sambaqui

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do Morro do Ouro - SC LN 41 com três unidades, como segue:

"1ª - situada superiormente e por ordem cronológica, a mais

recente, atingiu a profundidade de 3,15 metros, caracterizando-se

por numerosos sepultamentos, artefatos 1íticos e estruturas de

corante vermelho. Até a profundidade de 0,90 metros apresentou

níveis compactos de argila, valvas de moluscos. A seguir, os

níveis tornaram-se sempre mais friáveis, constituídos por valvas

de moluscos, apenas, quer em camadas quer em bolsões.

2ª - caracterizou-se por extrema pobreza, em relação aos achados

arqueológicos. Poucos fragmentos líticos e restos ósseos de

peixes constituíram os principais achados. Atingiu a

profundidade de 5,50 metros. Apenas uma estrutura foi aí

localizada e nenhum sepultamento.

3ª - estendendo-se até a base da trincheira, esta unidade se

caracterizou por evidências marcadas de ocupação, revelando

várias estruturas horizontais identificadas como solos de cabana e

fogueiras; artefatos líticos e um sepultamento (S. 10), do qual foi

localizado apenas o crânio, muito fragmentado. O perfil

apresentou uma sucessão de camadas claras, formadas por valvas

de moluscos, inteiras e fragmentadas, e de camadas escuras

constituídas ora por argila escura, ora por carvão, cinzas e valvas

de moluscos calcinadas. (Beck, Duarte & Reis, 1969:33).

Os elementos mais importantes de toda a estratigrafia do Sambaqui do Morro do

Ouro - SC LN 41 – foram as estruturas. Encontradas com freqüência na 3ª unidade

estratigráfica revelaram elementos importantes para o entendimento da ocupação humana

no local.

4.1 – Recursos Naturais e Ocupação Humana

O Sambaqui do Morto do Ouro - SC LN 41 está localizado sobre bloco residual,

constituído de quartzitos, filitos e itabiritos, notando-se processo residual em suas

encostas. Originalmente, estava situado sobre a margem direita do Rio Cachoeira, que o

flanqueia a Norte, mas em função do intenso processo de destruição a que este é

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submetido, o que resta do Sambaqui está a cerca de 30 metros, desse rio. A Oeste é

banhado por um “marigot”, antigo braço direito do Rio Bucarein, que desemboca no Rio

Cachoeira. A Leste do Sambaqui, e ao longo das duas margens do Rio Cachoeira estende-

se o mangue, onde se encontram as espécies Rhysophora mangle, Laguncularia recemosa

e Avicenia shaueriana (Bigarella et all, 1954:102). A ocorrência de mangue é explicável

uma vez que o Rio Cachoeira sofre grandemente as ações das marés permitindo, a

existência de espécies halófilas (Prancha nº 15).

Outros Sambaquis estão localizados nas proximidades do Morro do Ouro - SC LN

41 - ao longo do Rio Cachoeira e de outros rios que são seus tributários. Os Sambaquis da

Ilha dos Espinheiros, os sambaquis do Rio Cubatão e do Rio Cubatãozinho e os

Sambaquis do Rio Velho estão situados nas proximidades do Sambaqui do Morro do

Ouro - SC LN 41 ( Figura nº 5).

Pelo número de Sambaquis existentes na área podemos observar que não foram

poucos os grupos humanos que para aí se deslocaram. São sambaquis de grandes

dimensões o que demonstra ter sido grande o desenvolvimento da fauna malacológica.

Toda a área continua sofrendo, no momento, intenso processo de sedimentação, o que

provoca o entulhamento de lagoas, canais e peque nos rios. O próprio rio Cachoeira, no

momento, só permite o tráfego de embarcações pouco maiores do que simples canoas,

durante a maré alta. A sedimentação tem provocado o aparecimento de pequenas ilhas

resultantes do aumento de volume de alguns bancos de areia anteriormente imersos.

A escavação procedida no Sambaqui do Morro do Ouro – SC LN 41 – e o

desmonte provocado para o aterro de uma área junto à margem do Rio Cachoeira,

permitiram observar que os construtores do sítio utilizaram variados recursos alimentares.

Por se tratar de um sambaqui, ou seja, um sítio arqueológico cujo substrato é constituído

predominantemente de carapaças de moluscos e considerando as condições de

proliferação da fauna malacológica no Litoral Norte, inegavelmente estes animais devem

ter constituído, praticamente, a base da dieta alimentar dos grupos pré-históricos na área.

A própria estratigrafia do Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41- revela ter sido a

fauna malacológica a principal fonte de alimentos dessas populações.

A 3ª unidade estratigráfica permitiu observar que os moluscos foram altamente

utilizados pela população do Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41. Predominaram aí

as camadas constituídas por conchas de berbigão (Anomaloca.rdia brasiliana) e bolsões de

ostras (Ostrea sp); Outras espécies foram também utilizadas como Modiolus brasiliensis

(?) Ihacoides pectinatus, Tagellus gibbus entre as de maior ocorrência. Observa-se que

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todas as espécies, com excesso da Ostrea sp, tem seu habitat em baias, baixios areno-

argilosos e baixios limosos (Gofferjé, 1950:228-229). As espécies de baixa ocorrência no

Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - como Iphigenia brasiliensis, Macoma

constricta, Neritina virginea e Chione portegiana são todas também de habitat areno-

argiloso e limoso.

A utilização de peixes pelos construtores do Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN

41 - não parece ter sido tão freqüente quanto a de moluscos. Ossos, de peixes foram

encontrados, principalmente de teleósteos, embora não tenha sido possível identificar as

espécies. Na verdade, os rios da área não se apresentam, no momento, piscosos. Mas, isto

poderia ser resultado da poluição industrial e do progressivo entulhamento a que se acham

submetidos os rios do Litoral Norte, principalmente aqueles localizados junto aos centros

urbanos. De qualquer forma, pelos achados efetuados, os peixes não parecem ter tido uma

importância maior na alimentação dessa população.

Por outro lado, a fauna terrestre representou um importante papel, quer na

alimentação quer no fornecimento de matéria prima para a confecção de artefatos. Ossos

de aves e de mamíferos ocorreram com uma relativa freqüência entre o material coletado

durante a escavação. Durante o desmonte do Sambaqui, numerosas peças feitas com

dentes e ossos de mamíferos foram coletadas por Tiburtius (1960; 1961). Entre estas

peças estão aquelas confeccionadas sobre dentes de porco-do-mato e sobre bula timpânica

de baleia. Entretanto, em nosso trabalho não encontramos casos de baleia que

evidenciasse ter sido este animal aproveitado pela população do Sambaqui, do Morro do

Ouro - SC LN 41. Encontramos, porém, ossos de porco-do-mato, o que evidencia a

utilização destes animais, na alimentação e como fornecedores de matéria prima para

confecção de artefatos.

Resumindo, podemos dizer que a alimentação dos grupos construtores do

Sambaqui do Morro do Ouro -SC LN 41 estava apoiada no consumo de moluscos, cujas

conchas constituem o principal substrato do sítio. Esta dieta estava complementada por

aves, peixes e mamíferos, cujos restos, no muito abundantes, evidenciam sua utilização.

Quanto ao uso de vegetais nada pudemos averiguar, uma vez que nem mesmo restos de

cocos de gerivá (Arycastrum romanzoffranum) carbonizados, foram encontrados neste

Sambaqui. Palmeiras de gerivá são comuns na área e acreditamos ter sido seu fruto

utilizado pelos grupos construtores dos sambaquis, em larga escala. Entretanto, no que se

refere ao uso de outros vegetais, nada podemos dizer, exceto o que já afirmamos em

capítulo anterior, sobre as potencialidades de alimento vegetal do Litoral de Santa

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Catarina.

Antes de concluir este tópico queremos, porém, fazer uma ressalva. A área onde se

localiza o Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - é extremamente úmida. Este fato

poderia ter causado a decomposição de grande parte do material de origem orgânica,

como ossos de animais e ainda restos de vegetais mesmo carbonizados, o que poderia

explicar a pequena quantidade de ossos e a ausência de cocos-de-gerivá (Arecastrum

romanzoffianam), tão comuns em outros sambaquis que escavamos.

4.2 - Instrumentos e Atividades de Subsistência

Embora a bibliografia sobre Morro do Ouro - SC LN 41 - indique tratar-se de um

sítio arqueológico em que são abundantes os instrumentos, feitos de ossos ou de pedras,

tal fato não foi confirmado pela escavação. Apesar de havermos procedido a uma

escavação completa, em sentido vertical, os instrumentos encontrados foram pouco

numerosos e, estavam em geral associados a sepultamentos. Ou melhor, os instrumentos

líticos, melhor elaborados estavam todos associados a sepultamentos. Apenas, na 3ª

unidade estratigráfica é que os instrumentos se revelaram um pouco mais numerosos,

ocorrendo junto a estruturas do tipo "solo-de-cabana" e junto a restos de fogueiras, o que

parece indicar uma ocupação mais intensa em certos níveis do sambaqui.

A matéria prima utilizada pelos construtores do Sambaqui do Morro do Ouro - SC

LN 41 - foi a pedra. Esta constituiu basicamente o elemento a partir do qual foram

elaborados o maior número de artefatos.

A matéria prima não ocorria nas proximidades do Sambaqui, sendo os seixos, a

partir dos quais foram confeccionados os artefatos, trazidos das margens de rios existentes

nas proximidades.

O trabalho de escavação revelou apenas um artefato de concha e nenhum artefato

de osso. Entretanto, referências bibliográficas indicam a presença de artefatos de osso, na

área do sambaqui que sofreu desmonte com jatos de água. Tiburtius (1960; 1961)

descreve artefatos feitos de dentes de porco-do-mato (Tiburtius, 1961) e de bula timpânica

de baleia (Tiburtius,1960).

Como acontece em todos os trabalhos de escavação em sítios arqueológicos

localizados em área úmidas, no Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - não foram

encontrados artefatos feitos de madeira. Estes se decompõem rapidamente e não deixam

vestígios. Tampouco foram encontrados recipientes ou cacos de cerâmica.

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4.2.1- Instrumentos Líticos (Prancha nº 19)

Como dissemos anteriormente, os artefatos encontrados na área escavada foram

muito poucos, se considerarmos as dimensões da Sondagem. Tal fato, parece chocar-se

com as afirmações de Tiburtius e Bigarella (1960), e Castro Faria (1959), que afirmavam

tratar-se de um sítio arqueológico rico em material ósseo humano e artefatos líticos.

Para efeito de descrição os artefatos foram classificados em três categorias, tendo

como critérios as técnicas de confecção. Dentro destas categorias foram reunidos, ainda,

de acordo com a função. Descrevemos os artefatos líticos como segue (Beck, Duarte e

Reis, 1969:34-36):

"A indústria lítica revelou maior número de exemplares

que para efeito de descrição reunimos em três grupos relativos à

técnica de confecção:

1. matéria prima utilizada

2. artefatos lascados

3. artefatos polidos

No primeiro grupo, matéria prima utilizada, reunimos os

instrumentos chamados ocasionais (1.1) e os instrumentos cujo

bloco inicial sofreu modificações (1.2) para atender ao fim a que

se destinava. Encontramos os seguintes tipos:

1.1.1 seixos utilizados como batedores, em diabásio, cujas

extremidades mostram picoteamento e, pequenas cicatrizes de

escamas. 58 exemplares.

1.1.2 fragmentos de rochas diversas, principalmente quartzo e

quartzito, utilizados para cortar, raspar e riscar - 22 exemplares.

1.1.3 fragmentos de quartzito, cujo córtex mostra nitidamente, uma

porção central mais clara que circunda toda a peça.

Possivelmente utilizados para lastrar, a diferença de coloração

nestes fragmentos resultaria da amarração através da qual se

fixariam às redes de pesca. 7 exemplares.

1.1.4 fragmentos de diabásio utilizados para moer corantes. 3

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exemplares.

Entre os instrumentos, cuja matéria prima, sofreu

modificação, encontramos menor número de exemplares:

1.2.1 instrumentos com dupla função, destinando-se a bater e quebrar.

As modificações sofridas pelo bloco inicial são mínimas,

atendendo mais a necessidade de adaptação da peça na mão de

quem a utiliza. A matéria prima utilizada são fragmentos de

quartzo e diabásio.

batedor-moedor: 2 exemplares

batedor-quebra-coco: 2 exemplares

moedor: 1 exemplar

batedor: 3 exemplares.

1.2.2 instrumentos destinados a cortar, com gume embotado pela

utilização, identificados como talhadores. Matéria-prima diabásio

e quartzito. 2 exemplares.

Os artefatos lascados foram pouco numerosos, sendo

classificados como segue:

2.1 artefatos de bloco

2.1.1 raspadores laterais sobre blocos de quartzo; semi-corticais. 4

exemplares.

2.1.2 chopping-tools, sobre fragmentos de quartzo e diabásio; gume

bifacialmente lascado. 2 exemplares.

2.2 lascas

2.2.1 lascas semi-corticais, com evidências de utilização sobre o gume,

utilizadas para cortar e raspar; sem trabalho secundário. 2

exemplares.

Como os artefatos lascados, os artefatos confeccionados

com técnica de polimento foram pouco numerosos. Encontramos

apenas 6 exemplares, assim classificados:

3.1 machados semi-polidos, com gume bifacialmente polido, de

forma retangular, em diabásio. Estavam associados a

sepultamento. 5 exemplares.

3.2 recipiente (fragmentado) polido interna e externamente embora

não totalmente polido. 1 exemplar.

Embora os trabalhos já publicados sobre os Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN

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41 - fizessem menção ao achado de zoólitos estes não foram encontrados na escavação

por nós desenvolvida. Tiburtius e Bigarella (1960: 19-20) descrevem três artefatos do tipo

zoolito, encontrados em sepultamento, durante a destruição do sítio:

"Objeto nº 4334, col. Tib., Fig. 1:

É este um exemplar muito bem conservado, liso e quase

perfeitamente polido e que representa um pássaro, talvez a julgar

pela forma dos olhos, um psitacédeo (papagaio).

O dorso do animal é achatado e a cauda larga, de cantos

arredondados. A cabeça é grossa e o pescoço apenas indicado por

um aprofundamento polido transversalmente às costas.

Partindo do bico, aparece em ambos os lados da cabeça

um pequeno plano oblíquo e saliente, pontudo na base que forma

o bico e arredondado na parte superior e no qual os lhos (6 mm

de diâmetro) foram cuidadosamente lascados. O bico é

representado por um sulco não muito profundo.

Na parte ventral encontra-se uma concavidade de

contornos aproximadamente retangulares (dimensões: comp. 64

mm x larg. 50 mm x 24 mm de profundidade máxima).

Dimensões da peça: comp. 160 mm x largura 140 mm x

altura 58 mm

Peso: 1130 g. Material: diabásio.

Objeto nº 4335 col. Tib., fig. 1: Esta peça, de muito bom

acabamento, representa possivelmente, um mamífero em

repouso. Não há representação da cauda. Na cabeça, dirigida para

baixo, os olhos são indicados por ligeiras depressões polidas e a

boca por um sulco.

A concavidade apresenta um contorno ovalado e é pouco

profunda (12 mm).

Dimensões da peça: comp. 170 mm x larg. 80 mm x alt.

máxima 78 mm.

Peso: 1620 g. Material: rocha porfirítica (andesito ? ).

Objeto nº 5561, col. Tib., fig. 2.

É esta uma peça de admirável acabamento e superfície

sem a mínima ranhura ou falha. Representa um animal altamente

estilizado a supor pelo corpo alongado e pelas saliências laterais

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talvez um peixe.

O corpo longo e fino termina por uma espécie de esfera.

A concavidade de contornos retangulares encontra-se entre as

saliências laterais, tem 78 mm de eixo maior x 65 mm de eixo

menor e 35 mm de profundidade. Os bordos são rasos.

Dimensões da peça: comp. 720 mm x larg. 134 mm x alt.

56 mm.”

Instrumentos líticos de outros tipos são ainda referidos por Tiburtius & Bigarella

(1960:17-19) quando descrevem o sepultamento que mencionamos anteriormente.

Os artefatos líticos encontrados no Sambaqui de Morro do Ouro - SC LN 41 - nos

permitem identificar algumas atividades ligadas a sobrevivência do grupo. As mais

importantes são aquelas ligadas ao trabalho em madeira, na confecção de instrumentos de

caça e de pesca. Entre os artefatos, não encontramos nenhum que estivesse diretamente

ligado as atividades de produção, quanto a obtenção de alimentos do meio ambiente.

4.2.2 - Instrumentos de Osso

Como dissemos, anteriormente, não foram encontrados artefatos de osso na

Sondagem efetuada. Referências bibliográficas nos dão conta da existência de

instrumentos confeccionados sobre dentes de porco-do-mato.

Estes instrumentos deveriam prestar-se a funções como perfurar, raspar, incisar,

podendo ser utilizados de formas múltiplas. Tiburtius (1960:27) refere a utilização destes

instrumentos como funções cortantes.

A utilização destes artefatos deveria estar ligada a modificação de materiais mais

brandos que o osso e o marfim dos dentes. Trabalhos em madeira, incisões para abertura

de sulcos, alisamentos da superfície de instrumentos podem ser algumas das atividades

nas quais foram empregadas as presas de porco-do-mato.

4.2.3 - Instrumentos de Concha

Apenas um artefato de concha foi encontrado durante a escavação do Sambaqui

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do Morro do Ouro - SC LN 41. É uma peça de forma ovalada, com uma perfuração em

uma das extremidades. Trata-se de um adorno confeccionado a partir da carapaça de um

gasterópodo.

4.2.4 - Conclusões

As atividades de subsistência dos grupos construtores do Sambaqui do Morro do

Ouro - SC L N 41 - foras a coleta e a caça, embora a pesca tenha sido praticada. Os

artefatos que poderiam ter sido utilizados para o transporte dos moluscos coletados seriam

provavelmente confeccionados de fibras ou de qualquer outra matéria-orgânica,

facilmente perecível, o que determinou se desaparecimento em face da umidade da área.

Os artefatos de pedra, de osso e de conchas são duráveis, resistindo por mais tempo que

os artefatos de madeira e de fibras. Assim considerado, explica-se porque apenas artefatos

de pedra foram encontrados na Sondagem que efetuamos e ainda, artefatos de ossos, de

conchas foram encontrados durante o desmonte do Sambaqui. O desequilíbrio resultante

da ausência de uma parte do instrumental utilizado por essa população torna-se mais

evidente se considerarmos, também, que em muitas das atividades ligadas diretamente ou

indiretamente a subsistência, foram utilizados instrumentos feitos de madeira e outros

materiais perecíveis.

Não podemos afirmar a utilização de materiais perecíveis na confecção de

instrumentos uma vez que não foram encontradas quaisquer evidências nesse sentido.

Embora, levantemos a possibilidade de que tal haja acontecido.

4.3 - Restos Ósseos Humanos

No Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - foram localizados 10

sepultamentos, na única sondagem efetuada, num total de 12 esqueletos, uma vez que dois

dos sepultamentos encontrados eram constituídos por restos de dois indivíduos sepultados

conjuntamente.

Entretanto, este sambaqui por ocasião da destruição, possibilitou que fossem

observados vários sepultamentos cujas características rapidamente mencionaremos, a fim

de compararmos os dados obtidos durante o trabalho de escavação que efetuamos e os

trabalhos de salvamento efetuados por outros pesquisadores.

Na descrição dos sepultamentos utilizaremos a identificação de acordo com ordem

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dos achados.

4.3.1 -Sondagem nº 1

Como foi efetuada apenas uma Sondagem, os sepultamentos não foram

identificados quanto a sondagem de origem.

Sepultamento S.1. A e B (Prancha nº 20)

Localização: Esqueletos de dois indivíduos, cujos restos foram localizados no

Setor A1, nível artificial I, entre 0-15 cm de profundidade da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram identificados vestígios de cova. O esqueleto S.1

A estava orientado no sentido SE-NW, em decúbito lateral esquerdo, completamente

fletido. Ausência de objetos associados e de corante. Ossos em conexão anatômica. Não

foi possível determinar dados relativos ao sepultamento S.1B, uma vez que o mesmo se

mostrava completamente desarticulado.

Conservação dos Esqueletos: Os esqueletos mostravam péssimas condições de

conservação. O crânio e os ossos longos de S.1A estavam fragmentados, não sendo

possível sua recuperação em laboratório. O esqueleto de S.1B estava totalmente

fragmentado e desarticulado.

Dados Antropológicos: Restos de esqueleto de um indíviduo adulto, cujo sexo não

pode ser determinado em função da conservação dos ossos do crânio e da bacia (S.1A) e

de esqueleto de uma criança, possivelmente ainda na primeira infância.

Sepultamento S.2 A e B (Prancha nº 20)

Localização: Esqueletos de dois indivíduos, localizados nos Setores A1 e B1,

níveis artificiais II e III, a profundidade de 15 - 45 centímetros da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram identificados vestígios de cova. O esqueleto

S.2A estava orientado no sentido N-S, em decúbito lateral esquerdo, completamente

fletido, face voltada para SE. Estavam associados ao sepultamento os seguintes objetos:

lâmina de machado semi-polida, batedores sobre seixos, e seixos rolados. Ossos em

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conexão anatômica.

Conservação dos Esqueletos: Ossos do crânio e ossos longos muito fragmentados

(S.2A). Desarticulados e fragmentados em S.2B.

Dados Antropológicos: Esqueleto de S.2A de um indivíduo adulto cujo sexo não

foi determinado pelo mau estado de conservação dos ossos do crânio e da bacia.

Esqueleto de S.2B de uma criança, cuja idade seria de cerca de 18 meses.

Sepultamento S.3 (Prancha nº20)

Localização: Restos localizados nos Setores AO e A’O, níveis artificiais III e IV, a

profundidade de 40 a 55 centímetros da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido N-S, em decúbito lateral esquerdo, completamente fletido, face

voltada para E. Sobre os ossos dos pés estava um seixo rolado. Ossos em conexão

anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio e longos muito fragmentados, sendo

possível recuperação parcial em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, jovem, cujo sexo não foi

determinado em função da má conservação dos ossos do crânio e da bacia.

Sepultamento S.4 (Prancha nº 21)

Localização: Restos localizados nos Setores CO e DO, níveis artificiais II e III, a

profundidade de 30 a 45 centímetros da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido E-W, em decúbito lateral esquerdo, completamente fletido, face

voltada para S. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio fragmentados, ossos longos em bom

estado de conservação passíveis de recuperação em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de um indivíduo de idade adulta, cujo sexo não

pode ser determinado, tendo em vista a fragmentação dos ossos do crânio e da bacia.

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Sepultamento S. 5 (Prancha nº 21)

Localização: Restos localizados nos setores BO e CO, níveis artificiais IV e V a

profundidade de 60 a 75 centímetros da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido NE-SW, em decúbito lateral esquerdo, completamente fletido, face

voltada para E. Estavam associados ao esqueleto uma lâmina de machado de pedra, além

de alguns seixos com vestígios de corante vermelho. Os ossos estavam também,

parcialmente cobertos de corante vermelho e em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio fraturados, ossos longos em boas

condições. Esqueleto parcialmente recuperável em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de um indivíduo adulto, de sexo feminino.

Observação: Este sepultamento estava associado ao Sepultamento S.3.

Sepultamento S.6 (Prancha nº 21)

Localização: Restos localizados no setor DO, níveis artificiais III e IV, entre 30 e

45 centímetros de profundidade da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido N-S, em decúbito lateral esquerdo, completamente fletido, face

voltada para E. Ausência de objetos associados e corante. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio fragmentados, ossos longos

fragmentados. Esqueleto recuperável em laboratório.

Dados Antropológicos: Esqueleto de adolescente.

Observação: Este Sepultamento estava associado ao Sepultamento S.4.

Sepultamento S.7

Localização: Restos localizados nos Setores C1 e C2, níveis artificiais V e VI,

entre 60 e 75 centímetros de profundidade da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Não foram observados vestígios de cova. Esqueleto

orientado no sentido N-W, em decúbito lateral esquerdo, completamente fletido, face

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voltada para E. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio fragmentados. Ossos longos também

fragmentados. Esqueleto parcialmente recuperável em laboratório.

Dados Antropológicos: Ossos do crânio fragmentados. Ossos longos

fragmentados. Esqueleto parcialmente recuperável em laboratório.

Sepultamentos S.8 e S.9

Localização: Estes Sepultamentos estavam localizados nas paredes S e da

Sondagem efetuada. O Sepultamento S.8 estava localizado junto ao Sepultamento S.3. O

Sepultamento S.9 estava localizado junto ao Sepultamento S.7. Não conhecemos outros

dados relativos a estes Sepultamentos pelo fato de não terem sido vidos.

Sepultamento S.10

Localização: Restos do crânio localizados no Setor A4, entre 855 e 870

centímetros de profundidade, níveis artificiais.

Costumes Funerários: Não foram observados uma vez que o esqueleto não foi

removido.

Conservação do Esqueleto: Ossos do crânio muito fragmentados. Praticamente

impossível recuperação em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto de uma criança com

aproximadamente 7 anos, o que pode ser observado pela erupção dos germens dentários

permanentes.

No Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - Foram encontrados em uma única

Sondagem 10 sepultamentos, num total de 12 esqueletos. Destes foram removidos, apenas

9, uma vez que os Sepultamentos S.8 e S.9 estavam localizados no interior da parede da

Sondagem, o mesmo acontecendo com o Sepultamento S.10, localizado praticamente à

base do Sambaqui e no interior das paredes.

Dois dos Sepultamentos eram constituídos por dois esqueletos, um adulto e uma

criança (S.1 e S.2), enquanto os Sepultamentos S.3, S.5, S.4 e S.6, estavam praticamente

associados.

Alguns Sepultamentos S.2, S.3 apresentaram objetos associados, na forma de

lâminas de machados semi-polidos e alguns batedores de seixos.

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Anteriormente, já haviam sido localizados, neste Sambaqui, por ocasião do

desmonte, sepultamentos onde se evidenciavam objetos associados.

4.3.2 - Referências Bibliográficas

O Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - na ocasião em que esteve submetido

a processo de destruição forneceu numerosas peças líticas, que já referimos anteriormente.

Uma parte destas peças foi localizada junto a um sepultamento, descrito por Tibburtius &

Bigarella (1960:17-19),como segue:

"Dos sepultamentos encontrados neste sambaqui

mencionaremos o que apresenta interesse para este trabalho.

Trata-se de um sepultamento no qual o esqueleto achava-

se cercado por diversos objetos entre os quais três zoomorfos.

Encontrava-se no lado SE do sambaqui, a 1,30 m acima da base,

numa cama da de aproximadamente 50 cm de espessura, de cor

marrom carregada. Aparentemente fora cuidadosamente

preparado.

Foi possível verificar numerosos detalhes (conforme

esquema da fig. 1) mas infelizmente nada se conservou do

material ósseo, extremamente friável e que se desfazia ao menor

contato.

Era nitidamente visível que nesta camada foi escavada

uma cova principal de aproximadamente 2,8 m de comprimento

por 1,5 m de largura na qual se notavam mais três escavações

menores: uma delas à altura da cabeça e duas outras aos pés. O

esqueleto encontrava-se no meio, em decúbito lateral direito e

com pernas e braços fletidos (a face dirigida para o sul) com as

mãos a aproximadamente 15 cm de distância do crânio (vide fig.

1).

Aparentemente tratava-se do esqueleto de uma pessoa

idosa. O maxilar inferior era estreito e apresentava apenas quatro

dentes incisivos extremamente gastos. O maxilar superior não

apresentava dente algum.

Em redor do esqueleto encontravam-se diversos objetos:

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próximo ao crânio e com a cavidade para baixo os zoolitos nºs

4334 col. Tib. e 4335 col.Tib. (figura 1); três seixos rolados de

forma ovalada (indicados pelos nºs 1, 2 e 3 na fig. 1 e de 74, 80 e

112 mm de diâmetro máximo, respectivamente) e uma pedra que

parece ter sido usada como objeto manual para amolar outras

pedras (indicada pelo nº 10 na fig. 1).

Na altura da região cervical encontra-se uma pedra base

para batedor "anvil stone" (fig. 1, nº 8, 14 mm de espessura) e na

altura da bacia um martelo de pedra (fig. 1 nº 7). Próximo aos

ossos dos pés, encontravam-se dois batedores com depressão

(pedras trabalhadas do tipo freqüentemente denominado "quebra-

coco").

A frente do esqueleto achavam-se os seguintes objetos:

próximo às mãos, um martelo de pedra de 115 mm de

comp.(figura 1 nº 4) e mais duas pedras trabalhadas com

evidência de uso (fig. 1, nºs 5 e 6 ).

A mais ou menos 80 cm de distância dos joelhos foi

encontrado o terceiro zoólito, alongado de forma altamente

estilizada (objeto nº 5561 col. Tib.,ilustrado na fig. 2 ) e que

descrevemos adiante:

Os objetos de nºs 15, 16, 17, 18 e 19, na fig. 1,

encontrados entre este zoólito e os fêmures do esqueleto, são

constituídos por pequenas peças de osso trabalhadas.

Além destes achados, devemos mencionar ainda as

pequenas escavações (indicadas pelos nºs 20, 20a e 21 na fig.l ).

Sem dúvida elas faziam parte do sepultamento. Tinham uma

profundidade de aproximadamente 25 cm e circunferência de 18

cm sendo que as próximas dos pés continham carvão vegetal e

valvas soltas de berbigão (Anomalocardia brasiliana) e a que se

encontrava perto do crânio continha numerosos restos de peixe

de tamanho reduzido. É provável que, além destes, outros objetos

tivessem sido depositados ao lado do morto, os quais, entretanto,

teriam sido destruídos pelas intempéries".

Como se pode observar pela descrição acima os Sepultamentos encontrados no

Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - podem se apresentar elaborados, indicando,

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133

possivelmente, uma referência da sociedade em relação ao morto. Tal fato, aliás, não é

exclusivo deste Sambaqui, mas ocorreu com maior ou menor incidência em todos os

sítios do tipo Sambaqui, onde tivemos oportunidade de trabalhar, no Litoral de Santa

Catarina.

4.3.3 - Análise dos Dados

Os sepultamentos encontrados na Sondagem realizada durante os trabalhos de

escavação que desenvolvemos e a descrição do sepultamento feita por Tiburtius e

Bigarella (1960:17-19) nos permitem observar uma série de características com relação

aos costumes funerários.

Em todos os sepultamentos os esqueletos estavam completamente fletidos, em

decúbito lateral esquerdo preferentemente. Este costume contrasta, por exemplo, com a

prática de sepultamento encontrada no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - onde todos

os esqueletos estavam estendidos, com uma única exceção.

A associação de artefatos polidos e semi-polidos além de outros instrumentos, não

modificados, em alguns sepultamentos, podem indicar uma deferência para com o

indivíduo morto. Por alguma razão, alguns sepultamentos parecem ter recebido uma

atenção maior, um tratamento especial. Este fato, é observado em todos os sambaquis em

que tivemos oportunidade de trabalhar. Repetiu-se no Sambaqui do Morro do Ouro - SC

LN 41.

Com relação à localização dos sepultamentos podemos observar que na Sondagem

por nós efetuada, estavam localizados na quase totalidade nos 100 cm superiores, alguns

praticamente a superfície. Apenas, um sepultamento foi localizado próximo a base do

Sambaqui, em condições precárias.

O que, porém, chama a atenção, nos sepultamentos deste sambaqui é a

uniformidade dos costumes funerários, em alguns detalhes: posição, disposição,

localização.

4.4 - Evidências da Ocupação

Os numerosos dados que já citamos e descrevemos, no presente tópico seriam

suficientes para evidenciar a ocupação humana na área em que se localiza o Sambaqui do

Morro do Ouro - SC LN 41. Porém, evidências nem sempre tão facilmente observáveis,

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nos permitem reafirmar a ocorrência de tal ocupação. Estas evidências são resultantes

diretas da ocupação do local e são observáveis a partir do registro estratigráfico. São

constituídas por restos de fogueiras, às vezes de grandes dimensões, pequenas fossas

culinárias e ainda, por solos de cabana.

As evidências deste tipo são chamadas estruturas e podem ser observadas em

plano horizontal e em plano vertical, quando a estrutura atinge a parede da Sondagem.

No Sambaqui do Morro do Ouro as estruturas em plano horizontal e em plano

vertical foram numerosas podendo ser observadas facilmente. Foram de três tipos as

estruturas identificadas nesse Sambaqui: estruturas de corante vermelho, restos de

fogueiras e “solos de cabana”. As fogueiras constituíram as estruturas mais numerosas

enquanto os solos de cabana constituíram as estruturas de maiores dimensões.

Os restos de fogueiras foram estruturas observadas em plano horizontal.

Ocorreram sob duas formas: a primeira era constituída por conjuntos de pedras em torno

das quais encontramos conchas calcinadas, carvão, cinzas e, em alguns casos, ossos de

peixe e de mamíferos parcialmente carbonizados. As dimensões eram variadas nunca

excedendo, porém, o diâmetro de 1,00 metro. (Prancha nº 22)

A segunda forma era constituída simplesmente de manchas de carvão vegetal, no

interior das quais encontramos algumas vezes restos de madeira carbonizados. Estes

restos de fogueiras são resultantes da queima de madeira sem que esta estivesse apoiada

por pedras. Conchas calcinadas são também encontradas, no seu interior. Suas dimensões

são em média menores que as da forma anterior. (Prancha nº 22)

A ocorrência de restos de fogueiras em sambaquis do Litoral Norte é fato comum.

Não são poucas as descrições existentes na bibliografia. Tiburtius (1966: 77-78) faz

referência a 5 grandes fogueiras localizadas no Sambaqui da Conquista - SC LN 46 -

durante o processo de destruição do sítio.

As estruturas de corante vermelho ocorreram apenas na parte superior do

Sambaqui. Eram duas e a principio interpretamos a sua ocorrência como relacionada a

presença de novos sepultamentos. Porém, tal não se deu e, torna-se praticamente

impossível explicar a sua presença a profundidade em que foram encontradas. A primeira

foi localizada entre 180 e 195 cm de profundidade e a segunda entre 300 e 315 cm de

profundidade a partir da superfície do Sambaqui. Tinham ambas forma ovalada e eram

constituídas por espessa camada de corante vermelho. Suas dimensões eram da ordem de

1,0 metros de comprimento e cerca de 60 centímetros de largura. Quanto a espessura da

camada de corante era da ordem de 6 a 8 centímetros. Estavam envoltas por conchas

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limpas e soltas que constituíam uma camada friável cuja remoção era difícil.

Tais ocorrências, em face dos detalhes que acabamos de descrever, dificultam uma

correlação com outros componentes encontrados no mesmo sítio. Como não foram

encontrados outros dados que nos permitissem situá-las no contexto dos elementos

culturais do Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - limitamo-nos a efetuar o registro e

a descrição.

As estruturas de maior evidência foram sem dúvida, os solos de cabana. Se as

estruturas de corante vermelho ocorreram na parte superior do Sambaqui e os restos de

fogueira em praticamente toda a Sondagem, embora com maior freqüência na parte

inferior, os solos de cabana foram encontrados, apenas, na parte inferior do Sambaqui.

Eram estruturas de grandes dimensões, de coloração mais escura que as camadas

envolventes e no interior das quais encontramos artefatos, restos de fogueiras, ossos de

animais. Apresentam-se compactadas dando a impressão de ter sido o local muito

pisoteado. A coloração e a compactação são os elementos que nos permitiram distinguir

rapidamente as estruturas deste tipo das camadas em que estavam envoltas. A estrutura

deste tipo de maiores dimensões foi a estrutura, E.2, localizada a profundidade de 570

centímetros. Em trabalho anterior (Beck, Duarte & Reis,1969: 38) descrevemos esta

estrutura como segue:

"Estava localizada a profundidade de 570 centímetros,

ocupando toda a área da trincheira. Em sua maior amplitude,

apresentou a forma de 1/4 de círculo, cujo centro era uma

fogueira, com abundância de carvão e cinza. Duas faixas de

coloração diversa, com 150 centímetros a primeira e 100

centímetros a segunda, dispunham-se do centro para a periferia.

Em sentido E-W a estrutura E.2 atingiu a largura de 250 cm e em

sentido N-S a largura de 300 cm. Verticalmente, tinha a

espessura de 90 cm, numa sucessão de camadas mais claras e

mais escuras. Era muito consistente, com abundância de argila.

Em seu interior foram localizados artefatos e ossos de peixes em

grande quantidade." ( Prancha nº 23).

A ocupação humana e a construção dos sambaquis, de acordo com estas

estruturas, parecem ter ocupado um período de tempo maior do que o simples trânsito

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pelo local. Por períodos de tempo, difíceis de avaliar quanto a duração, os grupos

humanos que acorriam ao Litoral permaneciam estacionários num mesmo local,

permitindo então surgimento e a construção de estruturas como a que descrevemos acima.

Tal fato não implica, por exemplo, que estes grupos devessem estar permanentemente no

local, mas, apenas por um período de tempo que lhe permitisse a coleta de moluscos e a

pesca e a caça, que complementavam a coleta.

4.5 - Os Sambaquis do Litoral Norte - Sambaquis Sem Cerâmica

Poucos foram os sambaquis do Litoral Norte escavados sistematicamente.

Entretanto, o processo de destruição a que estiveram submetidos permitiu que alguns

deles tivessem seu desmonte assistemático acompanhado por pessoas interessadas e

mesmo especialistas em outras áreas, que reuniram dados que nos permitem estabelecer

algumas comparações.

Com relação ao Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - um sambaqui onde

não foram encontrados recipientes ou cacos de cerâmica, estas comparações podem ser

feitas com sambaquis cujo desmonte foi acompanhado por outros autores. Os trabalhos

publicados sobre os sambaquis do Litoral Norte não são pouco numerosos,

principalmente aqueles que se preocuparam em descrever os materiais coletados nestes

sítios.

As referências bibliográficas sobre os artefatos coletados nos sambaquis do Litoral

Norte dizem respeito a artefatos de pedra, de osso e de concha. Tiburtius (1960) descreve

uma série de peças de osso, ou melhor, confeccionadas sobre bula timpâca de baleia.

Entre estas se destacam os tortuais: peças de forma circular ou retangular, com uma

perfuração central. Tais peças são entendidas como utilizadas para torcer índios. Peças

confeccionadas sobre ossos de peixes e ossos e dentes de mamíferos são referidos no

mesmo trabalho (Tiburtius, 1960). Pode-se observar então que os artefatos feitos sobre

este tipo de matéria prima eram altamente especializados e cuidadosamente elaborados.

Porém, como já tivemos oportunidade de ressaltar, na Sondagem que efetuamos no

Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - não foram encontrados artefatos feitos em

osso ou em dentes.

Os Sambaquis referidos por Tiburtius (1960) onde foram encontrados artefatos

destes tipos são o Sambaqui da Conquista SC LN 46, Sambaqui de Cubatãozinho SC LN

5 , Sambaqui de Areias Pequenas - SC LN 23 -, Sambaqui de Areais Grande - SC LN 64 ,

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137

Sambaqui de Pinheirosi I - SC LN 44, Sambaqui da Costeira SC LN 48 -, Sambaqui da

Barra do Sul - SC LN 49, Sambaqui do Linguado - SC LN 26 -, Sambaqui do Porto do

Rei - SC LN 34 -, e alguns sambaquis do Litoral do Paraná. O autor descreve tais

artefatos como peças de adorno. Porém, nos parece que não são apenas de adornos, mas

que algumas destas peças poderiam ter sido utilizadas como artefatos compostos: com

cabo de madeira, o que teria facilitado o seu manuseio.

Quanto as peças de conchas referidas por Tiburtius (1960:39-43) que as trata

como adornos, não vemos outra possibilidade em termos de função. Devem tratar-se

efetivamente de adornos de vez que a matéria prima não é tão resistente a ponto de

permitir a utilização destas peças como artefatos para cortar, raspar, perfurar etc.

Em outro trabalho Tiburtius (1961) faz referência aos objetos confeccionados

sobre dentes de porco-do-mato, que já tivemos ocasião de citar. Artefatos confeccionados

sobre ossos longos de mamífero são descritos pelo mesmo autor.

Os artefatos líticos de uso cotidiano parecem estar largamente disseminados por

todos os sambaquis do Litoral Norte. Entretanto, os Sambaquis em alguns casos tem

revelado artefatos líticos finamente elaborados que por sua raridade não parecem ter tido

usos comuns. Pelo contrário, tais peças poderiam revelar a existência, entre os grupos de

construtores de sambaquis de cerimonial que envolveria a utilização de peças como os

zoólitos já referidos no tópico competente, do presente capítulo. Tal possibilidade, ou

seja, a existência de cerimoniais entre estes grupos, levantamos apenas como uma

hipótese de trabalho, de vez que não temos dados suficientes quanto a dispersão destas

peças, no Litoral Meridional do Brasil, nem quanto ao interior, e tampouco temos notícias

da existência destas peças em grupos indígenas brasileiros.

Vários sambaquis são citados por Tiburtius & Bigarella (1960:10-26) como locais

onde foram encontrados peças de tipo zoólito. Alguns deles estão localizados na mesma

área do Sambaqui do Morro do Ouro -SC LN 41 - como os Sambaquis do Linguado - SC

LN 26 -, -Areias Grandes - SC LN 64-, Rio Pinheiros I - SC LN 44-, Gamboa - SC LN -,

Barra do Sul - SC LN 49-, Conquista - SC LN 46 -, Cubatãozinho - SC LN 5. Nestes

sambaquis do Litoral Norte foram encontradas peças líticas com formas estilizadas de

animais. Geralmente aves e peixes, embora alguns mamíferos possam ser encontrados

também, como uma baleia encontrada no Sambaqui de Cubatãozinho – SC LN

5.Entretanto as representações de mamíferos são raras.

Assim pelos dados que acabamos de descrever podemos afirmar que o Sambaqui

do Morro do Ouro - SC LN 41 - não constitui uma manifestação única, na área em que se

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138

encontra. Seu conteúdo cultural em escala mais ou menos ampla pode ser comparado com

o conteúdo cultural de outros Sambaquis da mesma área, alguns dos quais localizados na

sua proximidade.

A ocupação humana da área, como se pode observar pela distribuição dos

sambaquis foi bastante intensa e ampla. Possivelmente, prolongou-se por um período de

tempo superior a 3.000 anos, apesar de não dispormos de datas em número suficiente para

uma afirmação categórica.

5.0 - O Sambaqui do Rio Lessa-SC LC 39 - Litoral Central

O Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - está localizado no bairro da Agronômica,

na área urbana da Cidade de Florianópolis, na Ilha de Santa Catarina. Em face da sua

localização está ameaçado de destruição, uma vez que a expansão da área residencial do

Bairro, exige a ocupação da ponta sobre a qual se situa. Também o está situado sobre a

Baia Norte, provoca seu desaparecimento, uma vez que a maré alta erodindo suas bordas.

Assim, o Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - estava parcialmente destruído quando

iniciamos os trabalhos de escavação.

A estas formas de destruição, que acima referimos, junta-se ainda o fato de que o

local serviu muitas vezes para o plantio de roças de vários tipos, além de em algumas

circunstâncias ter sido utilizado como local de passeios ou para enterrar algum animal

morto, o que provocou consideráveis perturbações das camadas, registradas na

estratigrafia do sítio.

O trabalho de escavação foi instalado no dia 2 de maio prolongando-se até o dia

15 de junho de 1969, num total de 45 dias de trabalho de campo. Sua escolha se deveu ao

fato de que estava ameaçado de destruição iminente, além de já termos conhecimento de

parte do seu conteúdo cultural, pois o processo de destruição, se bem que lento, uma vez

que não era intencional, havia revelado material arqueológico que interessou a realização

de um trabalho de investigação.

A vegetação era secundária, sendo o sítio coberto por gramíneas e alguns arbustos,

além de pequenas árvores, como pitangueiras e goiabeiras. Assim, em vista da grande

área coberta apenas de vegetação gramínea, não houve necessidade de se proceder ao

desmatamento do local, a fim de ser efetuada a Sondagem ( Prancha nº 24,25 e 26).

A descrição da instalação do trabalho de campo foi feita em Beck, São Thiago,

Fossari e Silva (1969:2 ):

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"A área de localização da trincheira foi escolhida a partir,

aproximadamente, do centro do Sambaqui, em direção NW

(Figura nº 1). Foi quadriculada em setores de 200 cm de lado,

sendo a demarcação efetuada com piquetes metálicos.

Inicialmente foram demarcados 10 setores em sentido SE-NW.

As linhas nesse sentido foram identificadas por letras e as linhas

em sentido NE-SW o foram por números, a partir de Zero.

Posteriormente, foram demarcados novos setores, atingia do um

total de 13 os setores escavados. Cada piquete foi identificada

pelas duas linhas, em cuja intersecção se situava (por exemplo, o

piquete situado na intersecção da Linha A e linha 1, foi

identificado por A1). Cada setor foi identificado pelo piquete

situado mais próximo de Zero, por exemplo: o setor demarcado

pelos piquetes A1, A2 B1 e B2, foi identificado por A1, por ser

este o piquete que, espacialmente, se encontrava mais próximo de

Zero.

A escavação de cada setor foi feita em estratigrafia

artificial, com níveis arbitrários de 15 cm. Todo o material

retirado foi peneirado, em peneiras com malha de 0,5 cm. O

material arqueológico foi acondicionado em sacos de tecido,

papel e plástico, de acordo com sua natureza e identificado por

um número, conforme o Catálogo do Instituto de Antropologia.

A estratigrafia revelou camadas de valvas de moluscos,

inteiras e fragmentadas, com areia e húmus, raramente ocorrendo

argila. A cor das camadas variou do cinza escuro ao cinza claro.

Lentes formadas por conchas fragmentadas e areia, ou conchas

inteiras e húmus, foram identificadas no perfil.”

A vegetação circundante é composta predominantemente por mangues. Segundo

Reitz (1961:44-46) citado por Duarte (1969: 146-147), as espécies vegetais,

características das áreas de mangue, em Santa Catarina, são Avicenia shaueriana,

Laguncularia racemosa, Hibiscus tiliaceus var pernambucanensis, Acrosticum aureum e

Rizophora mangle L.

"O limite sul da distribuição dessa última espécie, no

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continente americano situa-se na Ilha de Santa Catarina (Reitz,

1961:44) apresentando junto ao Sambaqui do Rio Lassa (SC LF

39), bela associação (Foto nº 1 ).

Observa-se nesse local e avançando para o interior da

planície, uma zonação destas espécies de mangues. A Rizophora

mangle "habita as partes de águas mais profundas invadidas pelas

águas marítimas e extremamente ricas em matéria orgânica. Em

partes mais rasas o rizoforeto é substituído pelo cinto de

avicinieto habitado por Avicenia shaeuriana, menos exigente em

matéria orgânica. O terceiro cinto é o laguncularieto, povoado

por Laguncularia racemosa já não invadido pelas marés baixas,

mas ainda pelas maiores. Com a acumulação de areia litorânea o

solo se levanta tornando-se cada vez mais enxuto dando lugar ao

quarto cinto, a saber, de hisbisceto, constituído de Hibiscus

tiliaceus, a Uvira, que exerce papel de transição." (Reitz,

1961:46).

Notam-se, também, espécies de gramíneas e ciperáceas que suportam um teor

mais elevado de cloreto de sódio.

Como se pode observar pelas citações acima bem como pelas fotografias e figuras

o Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 está envolvido por um manguezal cuja expansão

está condicionada ao processo de entulhamento da Baía Norte. Sua localização foi sem

dúvida, resultante do fato de que a área era bastante rica em alimentos permitindo a

fixação de grupos humanos por um período de tempo significativo.

As dimensões do Sambaqui não demonstram ter sido este sítio ocupado com muita

freqüência ou por uma população grande. Suas dimensões são reduzidas se comparadas as

dos grandes Sambaquis do Litoral Sul e do Litoral Norte, se bem que estejam de acordo

com aquelas apresentadas pela maioria dos sítios arqueológicos localizados na Ilha de

Santa Catarina. (Prancha nº 25-26)

5.1 Recursos Naturais e Ocupação Humana

O Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - está localizado sobre ponta rochosa, de

formação cristalina, no fundo da Baía Norte, da Ilha de Santa Catarina. Em tempo

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possivelmente não muito distante esta ponta rochosa formaria uma pequena ilha, isolada

durante as marés altas e por terrenos lodosos durante as marés baixas. Posteriormente, o

processo de entulhamento da Baía Norte, bem como um aterro artificial permitiu que se

transformasse em uma pequena ponta, denominada Ponta do Lessa.

A Oeste da Ponta do Lessa está a Ponta do Recife e entre ambas estende-se um

manguezal. A Leste um pequeno "marigot", Rio Lessa, deu o nome ao sítio. E, no mesmo

sentido, o Rio das Três Pontes desemboca na pequena enseada formada entre a Ponta do

Recife e a Ponta do Gularte, que está situada defronte a Ponta do Lessa, em direção Norte.

Ao longo do Rio das Três Pontes estende se o manguezal que a Leste do Sambaqui

contorna toda a enseada.

Resumindo, podemos dizer que a situação original da ponta sobre a qual assenta o

Sambaqui era a de uma Ilha, circundada a S e W por terrenos baixos e inundáveis, com

vegetação mangue e a N e a E pelas águas da Baía Norte.

Os remanescentes encontrados durante a escavação do Sambaqui do Rio Lessa -

SC LC 39 - demonstram que a fauna de que se utilizava o grupo humano que o construíra

era predominantemente do tipo de águas tranqüilas. A fauna malacológica identificada

pertence ao habitat de enseada, praias arenosas, baías e costas rochosas, baixios areno-

argilosos e baixios limosos. As espécies mais encontradas foram Anomalocardia

brasiliana (berbigão) e Ostrea sp. Ocorreram, ainda, entre as bivalvas: Ostréa arborea,

Tagellus gibbus, Navicula umbonata, Iphigenia brasiliana, Phacoides pectinatus,

Trachicardium muricatum. As univalvas não parecem ter representa do um papel muito

importante na alimentação desses grupos. Entre as univalvas encontramos as espécies

Bullus striatus, Thais cornuta, Astraea latispina, Tégula viridula, Strombus pugilis e

Strophocheilus oblongus sendo esta última uma espécie terrestre.

Porém, não foram os moluscos que representaram a parte mais importante da dieta

alimentar dos grupos do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - e sim os peixes. Os restos

de ossos de peixes, bem como dentes, representaram uma parte substancial do substrato

do Sambaqui. Algumas das espécies puderam ser identificadas através dos dentes, como

no caso dos seláquios. Outras o foram através dos otólitos. Entre as espécies cujos restos

foram encontrados durante a escavação do Sambaqui identificamos a corvina

(Micropogon furnieri), pescada amarela (Cynoscion acoupa), bagre (Tachysurus

luniscutis), miraguaia (Pogonias chromis), raia e seláquios (Galeocerdo curvieri e

Carcharodon carcharias). A predominância entre as espécies encontradas coube a corvina

(Micropogon furnieri).

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A pesca representou, conseqüentemente, um papel importante na ocupação

humana do local. A estrutura do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - demonstra muito

claramente que a fauna malacológica na área não era muito abundante. Na atualidade,

embora algumas espécies sejam ainda encontradas, a pesca continua tendo uma

importância muito maior, para aqueles que residem nas proximidades da Ponta do Lessa.

As carapaças de moluscos não chegam a formar estruturas significativas ocorrendo em

lentes pouco compactas e de mistura com outros elementos como ossos de peixes e de

mamíferos, terra, e outros resíduos.

Esta dieta alimentar baseada na pesca e na coleta de moluscos era acrescida de

alguns mamíferos, obtidos através da caça, como porco-do-mato, bugio, além de aves,

cujos ossos foram também encontrados durante os trabalhos de escavação. Os ossos de

mamíferos e aves foram utilizados, ainda, na confecção de artefatos.

Entre os recursos de origem marinha cumpre acrescentar a baleia,1 o boto e a

toninha que deveriam ser apanhados quando encalhavam nos baixios existentes nas

proximidades do sítio. E, além desses, crustáceos e equinodermas. Estes animais estão,

atualmente, extintos no local, mas são encontrados ainda, nas ilhas fronteiras a Ponta do

Lessa, na Baía Norte.

Na Ilha de Santa Catarina estão localizados cerca de sessenta sambaquis, dos quais

apenas 3 foram sistematicamente escavados. Entretanto, a estratigrafia do Sambaqui do

Rio Lessa - SC LC 39 - nos permite relacioná-lo com outros tipos de sítios arqueológicos,

encontrados na mesma área e escavados por Rohr (1959:199-270; 1966:135-138). Nestes

sítios foram encontrados remanescentes de ossos de mamíferos e peixes em maior

quantidade do que conchas de moluscos, o que evidencia tratar-se de sítios de grupos

dedicados mais a caça e a pesca do que a coleta de moluscos.

Esta dieta alimentar baseada nas atividades de caça, pesca e coleta de moluscos

era complementada, certamente, pela coleta de vegetais tais como frutos de vários tipos,

raízes e tubérculos.

É possível, também, que a pequena utilização de moluscos se deva ao fato destes animais

não serem encontrados em abundância embora o número de espécies seja

significativamente alto, na área. Isto obrigaria a que o grupo se preocupasse em obter sua

subsistência a partir de outras atividades que não somente a coleta de mo luscos.

É importante observar, ainda, que não existem outros sítios arqueológicos nas

1 cf quanto as espécies nota n°-1, pp. ?

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proximidades do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39. Os sítios mais próximos vão

ocorrer na parte Norte da Ilha de Santa Catarina e nas proximidades da localidade de

Carianos, sobre a Baía Sul.

No que se refere ao conteúdo dos sítios arqueológicos localizados na parte Norte

da Ilha de Santa Catarina quase nada se pode dizer, uma vez que nenhum sítio

arqueológico com as características do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - foi escavado

na área. Na parte Sul da Ilha a semelhança é flagrante com os sítios já citados Base Aérea

(Rohr, 1959:199-270), Tapera (Rohr, 1966: 3-20) e Armação do Sul ( Rohr e

Andreatta,1969:135-138 ). Os dois primeiros estão localizados ao Sul da localidade de

Carianos, sobre a Baía Sul e pelos remanescentes da fauna aí encontrados e pela espessura

do depósito pode-se observar que o grupo não dedicou muito tempo a coleta de moluscos,

preferindo as atividades de pesca e de caça. O terceiro sítio, Armação do Sul, está

localizado na parte Sul-Este da Ilha, sobre o Oceano Atlântico apresentando quanto aos

remanescentes faunísticos características idênticas as dos sítios já mencionados.

É inegável que estes sítios representam em termos de ocupação humana uma nova

perspectiva. Perspectiva que vai se refletir sobre as atividades exercidas pelos grupos

humanos e em suas técnicas de obtenção de alimentos.

5.2. - Instrumentos e Atividades de Subsistência

Os Instrumentos encontrados durante a efetivação da Sondagem no Sambaqui do

Rio Lessa - SC LC 39 - revelaram mudanças acentuadas em relação aos instrumentos que

encontramos em outros sambaquis, já descritos. Apesar das pequenas dimensões do

depósito, cuja espessura não ultrapassou a 1,30 metros, a diversidade instrumental foi

bastante significativa. Tal fato indica que as atividades de subsistência se haviam tornado,

sem dúvida, mais complexas, envolvendo outros padrões que até então não haviam sido

evidenciados nos Sambaquis escavados por nós, embora já existissem trabalhos que

referissem esta diversidade, tal como o trabalho de Bryan (1961: 148-150-174).

As matérias primas utilizadas na confecção de instrumentos e recipientes incluíam

nesse sítio a argila. Foram encontrados numerosos cacos de recipientes de cerâmica, o que

demonstra uma diferença dos padrões de comportamento desses grupos em relação

aqueles que não a possuem. Além da argila foram usados ainda como matéria prima ossos

de mamíferos e de aves, conchas e pedra.

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5.2.1- Instrumentos Líticos (Prancha nº 27)

Os instrumentos líticos envolveram duas categorias, no que se refere ao uso ou

função: instrumentos utilitários e instrumentos de adorno. Além destas duas grandes

categorias funcionais foram utilizados critérios de técnica de fabricação para a descrição

dos artefatos líticos. Os instrumentos líticos encontrados no Sambaqui do Rio Lessa - SC

LC 39 - foram descritos e classificados da seguinte forma:

"Foram identificados 403 artefatos divididos, quanto as

técnicas de fabricação em 3 grande grupos:

1.1 artefatos polidos

1.2 artefatos lascados

1.3 instrumentos não modificados

Os artefatos polidos e semi-polidos foram subdivididos,

conforme os tipos de artefatos identificados, em:

1.1.1 machados

1.1.2 tembetás

1.1.3 plaqueta

Os artefatos lascados foram sub-divididos, de acordo

com os produtos finais resultantes da utilização da técnica de

lascamento, em:

1.2.1 produtos de lascamento

1.2.2 artefatos

Os instrumentos não modificados foram classificados

conforme a função que exerceram, em:

1.3.1 moer

1.3.2 afiar, alisar

1.3.3 bater

1.3.4 cortar, raspar

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Descrição dos Tipos:

1.1 Artefatos polidos e semi-polidos

1.1.1 Machados

1.1.1.1 Machado polido bifacialmente, de forma

retangular, em diabásio (córtex em decomposição); dimensões:

20 cm X 7cm X.5 em; ângulo do gume: 70 graus.

1.1.1.2 Machados com gume polido bifacialmente, de

forma retangular; em diabásio; 5 exemplares, dos quais 3 estão

fragmentados; dimensões variáveis.

1.1.1.3 - Machado com gume polido bifacialmente, de

forma piramidal, em diabásio; dimensões: 12,7 cm x 7 cm x 3

cm; ângulo do gume: 80 graus.

1.1.1.4 - Machado com gume polido bifacialmente,

arestas laterais-lascadas; forma trapezoidal, em diabásio;

dimensões: 4,6 cm x 3,3 cm x 1 cm; confecção não concluída.

1.1.2 – Tembetás

1.1.2.1 - Tembetá de forma triangular com a

extremidade inferior polida; confecção não concluída; em

diabásio; dimensões: 6,2 cm x 2,9 cm x 1,4 cm.

1.1.2.2 - Tembetás, aproximadamente ovalados; não

totalmente polidos; confecção não concluída; 3 exemplares em

diabásio; dimensões variadas.

1.1.3 – Plaqueta

1.1.3.1 - Artefato de forma retangular, totalmente

polido, em rocha metamórfica de granulação fina; dimensões

5,4 cm x 3,7 cm x 0,5 cm; peça semelhante as plaquetas

perfuradas, encontradas nos sambaquis do Litoral de Laguna.

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1.2. - Artefatos Lascados

Neste grupo estão reunidos não somente artefatos

lascados, como produtos de lascamento, tais como: resíduos de

lascamento, lascas corticais ou semi-corticais e lascas

utilizadas, sem evidência de trabalho secundário de lascamento.

Como nos demais sambaquis onde trabalhamos (Beck,

1968, 1969 et alli 1969), a técnica de lascamento é rudimentar,

grosseira, se compararmos seus resultados, no mesmo grupo,

aos resultados obtidos pela técnica de polimento.

Destinavam-se os artefatos lascados, às tarefas

cotidianas, o que de certa forma, explica a falta de cuidado, na

sua preparação. Usados com freqüência, os artefatos lascados se

tornavam inúteis ou insuficientes para atender a sua função, em

um período de tempo, relativamente curto, sendo então

abandonados e substituídos por novos, reutilizados em outra

função; reativados, tarefa que deveria ser executada sem maior

cuidado técnico.

É a seguinte a classificação:

1.2.1 - Produtos de lascamento:

1.2.1.1.- Resíduos de lascamento - lascas de pequenas

dimensões, não corticais, obtidas por percussão direta,

resultantes da confecção de artefatos lascados ou semi-polidos;

bulbo de percussão saliente; não apresentam evidências de

utilização; foram coletadas 293 exemplares; matéria-prima:

diabásio.

1.2.1.2 - lascas corticais ou semi-corticais: lascas de

dimensões médias, variando entre 4 e 8 cm o eixo maior;

algumas tem plataforma de percussão preparada; outras são

obtidas sem preparação; e em ambos os casos foi utilizada a

percussão direta, evidênciando-se um bulbo de percussão

saliente; mostram, na face externa, parte do córtex que recobria

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o bloco do qual foram destacadas; o ponto de impacto é sempre

nítido; não apresentam evidências de utilização; foram

coletados 41 exemplares; matéria-prima: diabásio.

1.2.1.3 - Lascas utilizadas: - lascas de grandes

dimensões, variando o eixo maior entre 10 e 20 cm obtidas por

percussão direta, tem bulbo de percussão saliente e bordo ativo

cortante; utilizadas para cortar, raspar não apresentam trabalho

secundário sobre o bordo ativo, para reforçá-lo ou torná-lo mais

afiado; foram coletados 3 exemplares; matéria-prima: diabásio.

1.2.2 - Artefatos

Neste grupo foram identificados 6 artefatos,

completamente lascados e 5 artefatos fragmentados, cuja forma

e funçao não foi possível determinar,

1.2.2.1 - (peça nº 691a) – artefato lascado

bifacialmente; bordo passivo não preparado, com córtex;

lascamentos dispostos perifericamente, formando o gume, cujo

ângulo varia entre 60 e 80 graus; dimensões: 12 cm x 8 cm;

peso 500 grs; matéria-prima: diabásio; forma: aproximadamente

oval; função: cortar, fender e talhar.

1.2.2.2 - (peça nº 691b) – artefato lascado

bifacialmente; córtex sobre a face superior; grandes

lascamentos, evidênciando-se o negativo do bulbo de

percussão; bordo ativo em ângulo de 50 graus; dimensões; 18

cm x 8,5 cm x 3,5 cm; peso 500 grs; matéria-prima: diabásio;

forma aproximadamente triangular; função: cortar e raspar.

1.2.2.3 - (peça nº 703) – artefato lascado bifacialmente,

sendo o bordo ativo formado por dois lascamentos, cujos

negativos do bulbo de percussão são visíveis; ângulo do gume:

50 graus; dimensões: 8 cm x 6 cm x 3,2 cm; peso: 250 grs;

matéria-prima: diabásio; forma : triangular: função: cortar.

1.2.2.4 - (peça nº 704) - artefato totalmente lascado,

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sendo visíveis os negativos do bulbo de percussão; em forma

piramidal, com três faces; o encontro das três faces da pirâmide

forma uma ponta acentuada; a base da pirâmide, ligeiramente

convexa, parece ter sido utilizada como raspador; dimensões 10

cm x 6,5 cm x 5,7 cm; peso: 300 grs; matéria-prima: diabásio;

forma: pirâmide de base triangular; função: furar, riscar, raspar.

1.2.2.5 - (peça nº 716a) – artefato lascado

bifacialmente; os lascamentos se dispõem perifericamente sobre

o bordo ativo; artefato confeccionado sobre uma grande lasca,

cujo bulbo de percussão é ainda nítido ângulo do bordo ativo:

50 a 80 graus; dimensões: 13,8 cm x 10,6 cm x 4,8 cm; peso:

600 grs; matéria-prima diabásio forma retangular; função:

cortar, raspar, talhar.

1.2.2.6 - (peça nº 716b) - artefato lascado bifacialmente,

dispondo-se os lascamentos, transversalmente, sobre ambas as

faces e, preferêncialmente sobre o bordo ativo; ângulo do bordo

ativo: 70 a 80 graus; dimensões: 11,5 cm x 7,1 cm x 5,4 cm;

peso: 500 grs; forma retangular; função: cortar, talhar.

1.2.2.7 - artefatos fragmentados - artefatos lascados

bifacialmente; fragmentados durante a utilização; não há

possibilidades de se identificar sua função; foram coletados 5

exemplares; matéria-prima: diabásio; dimensões: variadas.

1.3 - Instrumentos não modificados

O grupo de instrumentos não modificados constitui-se

de peças destinadas a diversas funções. Por não haverem

sofrido modificação de ordem técnica, são agrupadas pela ação

que exerceram, evidênciadas pela utilização. Foram

identificados os seguintes tipos:

1.3.1 - moer - fragmentos de mó. Na forma de plaquetas

de diabásio; com uma ou ambas as faces polidas; foram

coletados 8 exemplares.

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1.3.2 - afiar - alisar - instrumentos - destinados a afiar o

gume e polir artefatos; foi coletado um exemplar em diabásio

(afiador), outro exemplar está localizado sobre o bloco de

granito que constitui a base dos setores A7 e B7.

1.3.3 - bater - esses instrumentos poderiam ser

chamados, também, batedores ocasionais; são blocos ou seixos

de matéria-prima diversa, utilizados para bater, ocasionalmente;

foram coletados 16 exemplares.

1.3.4 - cortar - raspar - facas e raspadores ocasionais;

fragmentos de rochas diversas; resultantes da ação de agentes

naturais ou da ação intencional de lascamento, mal sucedida;

foram coletados 19 exemplares; matéria-prima: quartzo,

diabásio, granito.

1.3.5 - lastrar - os pesos-de-rede são peças comuns em

sambaquis; não se trata aqui de um peso-de-rede, propriamente,

mas de um fragmento de diabásio, cuja forma se prestava a tal

função; foi coletado, apenas 1 exemplar.” (Beck, São Thiago,

Fossari e Silva, 1969:157-161).

Os instrumentos líticos localizados no Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 -

indicam que a maioria das atividades executadas com estes instrumentos não estavam

diretamente ligadas a subsistência. Mas, tendo em vista que grande parte desses

instrumentos eram destinados a cortar, talhar, fender, raspar é provável que estivessem

muito mais ligados as atividades de elaboração de artefatos a serem utilizados nas

atividades de subsistência. O trabalho em madeira, por exemplo. As condições

climáticas, predominantemente úmidas do Litoral de Santa Catarina, impedem a

conservação de artefatos confeccionados sobre madeira, fibras de qualquer tipo, e outros

materiais orgânicos, facilmente perecíveis. Porém, os instrumentos de madeira indicam

muito claramente que tais artefatos deveriam ter existido e deveriam ocupar um lugar

importante entre os instrumentos utilizados pelos grupos litorâneos. Instrumentos de

madeira deveriam ser utilizados na caça e na pesca, por exemplo, quer constituindo o

próprio artefato, quer como instrumentos compostos, com pontas ou complementos

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feitos em osso, pedra ou mesmo concha.

Também para confeccionar instrumentos de ossos, os artefatos de pedra devem

ter sido de grande utilidade. Seccionar ossos de aves e mamíferos, para confeccionar

pontas de flechas, perfurar dentes de peixes e mamíferos, enfim, para cortar fibras,

derrubar árvores ou ramos destas, cortar peles de animais, perfurar conchas toda uma

série de atividades relacionadas a confecção de outros artefatos parecem ter sido

desempenhados pela utilização de artefatos líticos.

O diabásio embora não possua arestas altamente cortantes pode ser utilizado

com um bom desempenho - não só para cortar, como ainda para raspar, talhar, fender,

perfurar. Tais funções seriam facilmente executadas com a utilização de lascas de

diabásio sem qualquer outro preparo que o lascamento primário para destacá-la do bloco

original.

Instrumentos como machados devem ter sido utilizados para cortar ramos de

árvores, derrubar palmeiras, para obtenção de sua polpa, derrubar frutas e folhas de

palmeiras para atender a diversas finalidades. É muito possível, também, que os

machados fossem utilizados para o fabrico de canoas. Em se tratando de grupos de

pescadores nada mais normal que conhecessem canoas, com as quais se deslocariam

mais facilmente ao longo da costa. Não são poucas as referências dos cronistas quanto a

habilidade canoeira de nossos grupos indígenas, quer no fabrico quer na utilização

desses instrumentos.

Assim, se os instrumentos de pedra ou instrumentos líticos, em pequena escala

foram utilizados diretamente nas atividades de subsistência o foram em grande escala

nas tarefas de confecção de artefatos que permitiriam a obtenção de produtos fornecidos

pelo meio-ambiente.

5.2.2- Instrumentos de Osso e de Dentes

O Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - foi o primeiro dos sítios que escavamos

no desenvolvimento do Projeto de Pesquisa a apresentar um instrumental elaborado

sobre ossos e dentes altamente diversificado. Embora o número de artefatos encontrados

não tenha sido muito numeroso, sua diversificação nos permite observar um grande

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número de atividades ligadas a utilização desse instrumental. Como matéria-prima

foram utilizados ossos longos de aves e de mamíferos, dentes de peixes e de mamíferos.

As técnicas foram a perfuração, a fricção, o seccionamento e o alisamento. Os dentes

foram sempre adaptados de acordo com a forma que apresentavam, aproveitando-se as

coroas, por serem mais resistentes, como a parte funcional da peça a ser utilizada.

Os instrumentos de ossos e de dentes encontrados no sítio revelaram duas

categorias de quanto a função: instrumentos utilitários e instrumentos de adorno.

Quanto à classificação e descrição desses instrumentos, encontrados nos

Sambaquis, temos o seguinte: (Beck, Fossari, São Thiago e Silva, 1969:161-164).

A indústria sobre ossos e dentes foi classificada em dois grandes grupos:

2.1 - Pontas de osso

2.2 - Dentes utilizados e trabalhados

2.1 - Pontas de osso

As pontas de osso, utilizadas provavelmente como pontas de projétil, constituem

a parte mais representativa da indústria do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - por seu

número e diversidade.

Utilizando critérios classificatórios acima referidos, foram identificados os

seguintes tipos:

2.1.1 - pontas longas confeccionadas sobre ossos longos de aves; mostram

evidências de terem sido cortadas, seriadas e alisadas; todos os exemplares estão

fragmentados, apresentando apenas uma ponta (33 exemplares); somente a ponta (2

exemplares); o corpo da peça (11 exemplares); possuem a face interna côncava e a face

externa convexa.

2.1.2 - pontas longas, planas, em forma de gota; de pequenas dimensões;

confeccionadas sobre ossos longos de espécie não identificada; mostram evidências de

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corte e alisamento; 3 exemplares, fragmentados próximos a base.

2.1.3 - pontas confeccionadas sobre esporão de raia e utilizadas, provavelmente,

como pontas de arpão; os dois exemplares coletados mostram alisamento em ambas as

faces; estão fragmentados junto à base e próximo a ponta.

2.1.4 - ponta confeccionada sobre osso longo de mamífero; pequenas dimensões;

fragmentada na base; o único exemplar encontrado é totalmente alisado.

2.1.5 - ponta confeccionada sobre osso longo de mamífero; base fragmentada;

evidências acentuadas de alisamento; por suas características morfológicas poderia ter

sido utilizada como perfurador e não como ponta de projétil.

2.2. - Dentes

Os dentes de animais utilizados e trabalhados ou modificados, coletados no

Sambaqui do Rio Lessa - SC LC - foram agrupados de acordo com as espécies de que

provém, em:

2.2.1 - Dentes de peixes

2.2.2 - Dentes de mamíferos

2.2.1 - Dentes de Peixes

Foram coletados 120 dentes de seláquios classificados nos seguintes grupos:

2.2.1.1 - não utilizados - 85 exemplares de Carcharodon carchárias;

2.2.1.2 - utilizados - 30 exemplares, com acentuado desgaste da coroa e ausência

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das apófises laterais pertencentes a espécie Carcharodon carchárias;

2.2.1.3 - com raíz alisada - 3 exemplares com raíz rebaixada por alisamento,

pertencentes a espécie Carcharodon carchárias;

2.2.1.4 - com raíz perfurada - 3 exemplares, cujas raízes mostram dupla

perfuração, pertencentes as espécies Galeocerdo curvieri e Carcharodon carchárias;

2.2.2 - Dentes Mamíferos

Foram classificados, quanto a sua origem, entre as seguintes ordens: cetáceos

(boto), primatas (bugio) e artiodactylos (porco-do-mato). Conforme as modificações

sofridas foram classificados como segue:

2.2.2.1- utilizados - pontas da coroa muito desgastadas, freqüentemente

destruídas; 12 exemplares de dentes de boto.

2.2.2.2- seccionados - dentes seccionados, divididos, longitudinalmente, em

metades; ponta da coroa desgastada; 3 exemplares de porco-do-mato.

2.2.2.3- raíz perfurada - dentes com perfuração próxima do ápice da raíz: 3

exemplares: 2 caninos e 1 incisivo de bugio.

O instrumental sobre ossos e dentes, como se pode observar pela descrição

acima, constituiu um importante elemento do instrumental utilizado pelo grupo que

habitou o Sambaqui. Suas funções são bastante bem definidas. A diversidade de pontas

que foram encontradas, em pequeno número, mas tão perfeitamente confeccionadas que

não podem deixar dúvida quanto ao conhecimento de técnicas de sua elaboração, define

que as atividades de caça e pesca eram praticadas em larga escala, constituindo a base

da dieta alimentar do grupo.

As pontas encontradas estão fragmentadas. É provável que após a morte do

animal as flechas fossem retiradas quebrando-se as pontas a fim de permitir a operação.

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E possível, também, que haja ocorrido a fragmentação no momento do impacto, quando

a ponta da flecha atingindo um osso do animal caçado, provocaria a sua fratura. De

qualquer forma nenhuma das peças encontradas indica ter ocorrido a fragmentação

durante o processo de fabrico, mas sim durante a utilização ou em conseqüência dela.

Os dentes de animais, que apresentaram modificação, ocorridas principalmente

sobre as raízes, constituem uma dificuldade quanto a interpretação que pode ser dada.

Alguns, como os dentes de seláquios com dupla perfuração sobre a raíz poderiam ter

constituído adornos, o que não exclui a possibilidade de ter constituído instrumentos

compostos. A dupla perfuração e o alisamento da raíz permitiriam o encaixe desses

dentes em um cabo de madeira, com uma ranhura longitudinal e através de uma

amarração com fios e resina seriam fixados ao cabo e utilizados como um instrumento

de largas funções. Quanto a sua utilização como adornos não foram poucos os

sepultamentos localizados em sítios arqueológicos do Litoral de Santa Catarina, em que

dentes de seláquios com duas e até três perfurações não estivessem associados e sendo

interpretados como adornos (Guidon e Palestrini).

Por suas dimensões, admitimos que, realmente, tal interpretação pode ser dada,

por exemplo, aos dentes de bugio, perfurados. Se bem que os caninos, pelo fato de

possuírem a ponta da coroa relativamente aguçada poderiam ter sido utilizados como

perfuradores ou instrumentos para fazer incisões, furos etc.

Qualquer interpretação que seja aceita, e as duas sugestões dadas são viáveis e

podem ser apoiadas pela literatura e pela bibliografia arqueológica, indicará sempre que

os grupos pré-históricos do Litoral passaram a incorporar ao seu instrumental artefatos

confeccionados sobre dentes de animais, peixes ou mamíferos. Esta incorporação, aliada

a incorporação de instrumentos confeccionados sobre ossos longos de aves e

mamíferos, permitiram o aumento da capacidade de aproveitamento do meio ambiente

sendo incorporadas a dieta alimentar uma série de novas espécies até então não

encontradas nos sambaquis que mostraram ausência deste instrumental. Por outro lado

os grupos litorâneos foram liberados da dependência que mantinham em relação aos

bancos de moluscos sobre os quais praticamente estaria apoiada a sua sobrevivência

quando se fixavam na Costa.

Os sítios com tais características são pequenos, indicando uma permanência

mais curta nos locais e, ainda, mostram menos quantidade de conchas em seu substrato,

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indicando que a coleta de moluscos deixou de ter uma grande importância na dieta

alimentar dos grupos humanos.

5.2.3 - Instrumentos de Conchas

As conchas não constituíram matéria-prima largamente utilizada pelos grupos

que habitaram a área do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39. Não foram encontrados

artefatos com função utilitária, ou melhor, de uso quotidiano, entre o instrumental que

constitui remanescente da cultura material.

Os instrumentos feitos sobre conchas encontrados durante a escavação do

Sambaqui foram pequenas placas circulares e perfuradas no centro, destinadas,

provavelmente, a confecção de colares. As 675 placas encontradas revelaram um

cuidadoso acabamento. As peças foram obtidas por seccionamento das conchas seguida

de alisamento das bordas e da face externa. A perfuração foi obtida a partir da face

interna, ligeiramente côncava. As dimensões das placas encontradas variou entre 23 mm

e 5 mm.

A utilização de adornos feitos de conchas é fato comum em praticamente todos

os sambaquis situados no Litoral de Santa Catarina. Foi observada em, praticamente,

todos os sambaquis onde trabalhamos e a bibliografia mostra numerosos exemplos de

tal ocorrência. As conchas são mais facilmente moldáveis do que a pedra e os ossos.

Conseqüentemente deveriam ser mais utilizadas na confecção de adornos, uma vez que

estes não se destinavam a funções quotidianas, podendo desta forma ter uma duração

muito maior. A isto se alia o fato de a matéria-prima pode ser facilmente obtida e novos

adornos poderem substituir aqueles que se fragmentavam ou deixavam de ter utilidade.

5.2.4 - Instrumentos de Cerâmica

Entre os componentes culturais encontrados no Sambaqui do Rio Lessa - SC LC

39 - a cerâmica passou a constituir-se num dos mais importantes. Não por sua

quantidade, ou mesmo qualidade, mas por ser um indicador de mudança de padrões

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culturais dos grupos que periodicamente demandavam ao Litoral. A presença da

cerâmica em sítios do Litoral não constituiu fato inédito. São numerosos os sítios com

cerâmica da tradição tupi-guarani aí localizados. Da mesma forma que existem alguns

sítios em que foi encontrada a cerâmica simples do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39.

Apenas constituiu o primeiro sambaqui, escavado dentro do projeto de pesquisa que

desenvolvemos, a mostrar tal ocorrência.

Em termos de datação relativa à presença de cerâmica indica ter sido o

Sambaqui construído em um período recente, talvez um pouco anterior a chegada dos

grupos tupi-guarani ao Litoral Sul. Não é desconhecido o fato de que a Ilha de Santa

Catarina, antes de sua ocupação por grupos europeus, era habitada por grupos indígenas

de língua tupi-guarani. Anteriormente, a estes grupos indígenas, outros de diversa

tradição cultural percorreram o Litoral, inclusive a Ilha de Santa Catarina, onde

deixaram alguns dos remanescentes de sua cultura material, como a cerâmica.

Os cacos de cerâmica encontrados no Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39

tinham pequenas dimensões e não foram encontrados recipientes ou cacos

suficientemente grandes que permitissem uma visão, ainda que incompleta da forma dos

mesmos. Assim, as formas foram reconstituídas por aproximação a partir das bordas.

A primeira análise feita sobre a cerâmica do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 31

- foi publicada em Beck, São Thiago, Fossari e Silva (1969:164-166). No presente

trabalho fazemos uma reformulação da análise quanto a anti-plástica, tratamento de

superfície e queima.

É a seguinte a caracterização técnica da cerâmica encontrada no Sambaqui do

Rio Lessa - SC LC 39.

Pasta:

Método de manufatura: acordelado, roletes bem rejuntados, sendo pouco visíveis

na fratura, embora apareçam com freqüência nas proximidades das bordas dos

recipientes;

Antiplástico: aproximadamente 67% dos cacos mostrou areia fina enquanto 33%

restantes mostrou areia média.

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Textura: compacta, ausência de bolhas de ar, fraturas irregulares com bordas

resistentes.

Cor do núcleo: preta; um número inexpressivo de cacos mostrou núcleo de

coloração avermelhada.

Queima: irregular; superfície dos cacos apresentam manchas de coloração

diferente, indicando a irregularidade da queima.

Superfície: cor preta, predominantemente; manchas mais claras, cinza e castanho

resultantes da irregularidade da queima.

Tratamento: alisada e polida, com brilho nas superfícies interna e externa; alguns

cacos mostram-se erodidos a superfície como se a argila empregada na confecção desses

recipientes diferisse da argila empregada na confecção dos primeiros; numerosos cacos

mostram evidência de utilização direta ao fogo, com restos carbonizados na superfície

interna e carvão na superfície externa.

Dureza: aproximadamente 3 a 4 na Escala de Mohs.

Formas:

Bordas: diretas, expandidas e reforçadas externamente.

Lábios: redondos, apontados e aplanados.

Espessura: cacos do bojo: 4 - 8 mm

cacos da borda: 5 -10 mm

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Base: arredondada

Bojo: esférico, meia-calota, ovóide e meia esfera, perfil, recipientes de contorno

simples

Análise das Formas

A reconstituição das formas, embora aproximada, permitiu a identificação de

dois tipos, cada um dos quais com duas variedades.

As formas encontradas foram as seguintes:

1- recipientes verticais, vasos de bordas expandidas e reforçadas externamente;

lábios redondos ou apontados; bojo ovóide; base arredondada; diâmetros de abertura

dos recipientes: 12 cm (3 cacos) e 10 cm (2 cacos), correspondendo a 5 dos 24 cacos de

bordas coletados;

2 - recipientes horizontais, tijelas de bordas diretas (apenas um caco reforçado

externamente); lábios redondos ou aplanados; bojo em forma de meia calota; base

arredondada; diâmetro de abertura dos recipientes: 10 cm, 12 cm, 16 cm e 18 cm,

correspondendo a 6 dos 22 cacos de borda coletados;

3 - recipientes verticais, vasos de bordas expandidas e reforçadas externamente;

lábios redondos; bojo esférico; base arredondada; diâmetros de abertura dos recipientes

6 cm e 8 cm, correspondendo a 2 dos 22 cacos de borda coletados;

4 - recipientes horizontais, tijelas de bordas diretas e expandidas, lábios

redondos e aplanados; bojo em meia esfera, base arredondada; diâmetros de abertura

dos recipientes 12 cm, 16 cm e 18 cm e 32 cm, correspondendo a 7 dos 22 cacos de

borda coletados. Apenas 1 caco apresentou decoração, do tipo entalhado.

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A cerâmica que acabamos de descrever, encontrada no Sambaqui do Rio Lessa -

SC LC 39 - e como se pode observar do tipo utilitário, de uso doméstico. É uma

cerâmica simples, de recipientes pequenos, cuja confecção não envolvia técnicas mais

complicadas de decoração ou de elaboração de formas. Esta cerâmica era usada

diretamente ao fogo, como se pode comprovar pelos resíduos de carvão existentes na

superfície externa dos cacos de base e, provavelmente, se destinava ao cozimento de

alguns alimentos, uma vez que restos carbonizados são encontrados sobre a face interna

dos cacos de bojo e de base.

5.3 - Restos Ósseos Humanos

No Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - não foram encontrados sepultamentos.

Os restos ósseos humanos estavam dispersos em todas as camadas e em todos os setores

da sondagem efetuada. Araújo (1969:175-177) descreve as condições dos achados

ósseos da seguinte maneira:

"Desde o início dos trabalhos de escavação verificamos

a presença de ossos humanos, em quase todos os setores e

camadas, dos níveis superiores aos inferiores, ou seja, os mais

próximos da base do sítio.

A fragmentação dos esqueletos (...) impediu um

trabalho mais completo, em parte devido também, ao alto índice

de umidade e a densidade relativa do ar, bastante elevada na

Ilha de Santa Catarina, influindo na má conservação do material

ósseo, agravado ainda mais, por estarem os sepultamentos

localizados próximo da superfície, em virtude da pequena

espessura do sítio.

Dos sepultamentos encontrados, apenas um é digno de

nota. Trata-se do sepultamento nº 1, está associado com um

machado polido.

A situação em que se encontrava, sobre enormes blocos

de granito, dispostos irregularmente e, ainda, apresentando-se a

área bastante perturbada, foi impossível verificar os dados

relativos aos costumes funerários do grupo, bem como o

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número de indivíduos aí sepultados.

De concreto verificamos que existia a possibilidade de

se tratar de mais de um indivíduo; de que não havia vestígios de

cova; que estavam os restos ósseos dispersos por uma grande

área, apresentando vestígios de impregnação de corante

vermelho; e, ainda, algumas contas, de prováveis adornos,

fabricadas de material conchífero.

O mobiliário funerário era constituído por um machado

semi-polido, associado aos remanescentes ósseos,...

A presença de corante vermelho impregnando o

material ósseo e conchífero é constante e, em certos casos, varia

somente de intensidade.

Observamos, também, que é comum os ossos longos

apresentarem fraturas, em uma ou mais partes. Mostram uma

linha de fratura reta com bordas bastante regulares, aspecto esse

verificado, tanto nos ossos longos dos membros superiores

como inferiores” (Araújo, 1969:175-176).

A descrição acima deixa claro que nada se pode observar dos costumes

funerários dos grupos que habitaram a área do Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 –

pelo número de fragmentos de ossos humanos, não foram poucos os sepultamentos

efetuados na área da Sondagem. Porém, estes se encontravam localizados muito

próximo a superfície, tendo sido, conseqüentemente destruídos pelo cultivo de roças que

foram realizadas de maneira constante sobre o Sambaqui (Prancha nº 29).

5.4 - Comparações com Sítios da Mesma Área

A Ilha de Santa Catarina foi percorrida por numerosos grupos humanos, durante

o período pré-histórico. Em capítulo anterior relacionamos os sambaquis que são

encontrados em toda a área, o que revela a constante presença de grupos de coletores.

Entretanto, nem todos os remanescentes pré-históricos da Ilha de Santa Catarina

constituem sítios do tipo sambaqui. Ou seja, nem sempre a coleta de moluscos foi a

atividade predominante ou uma atividade importante. Em certas circunstâncias ela foi,

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apenas, uma forma de complementar a dieta alimentar do grupo, enquanto outras

atividades predominariam como básicas para a subsistência do grupo. Estão neste caso

alguns dos sítios escavados por Rohr, (1959, 1966) e Rohr e Andreatta (1969),

localizados na parte Sul da Ilha.

O Sítio Arqueológico Base Aérea (Rohr, 1959:199 -264) está localizado sobre a

Baía Sul, próximo ao Aeroporto de Florianópolis. Rohr (1959) descreve-o como uma

jazida paleo-etnográfica, denominação dada aos sítios arqueológicos que apresentaram

componentes culturais idênticos aos de alguns sambaquis, mas tem substrato diferente,

com quase total ausência de conchas. Exceto pela camada interior descrita da seguinte

forma:

"A camada de osso seguia uma faixa, também bastante

homogênea, constituída precipuamente, de conchas marinhas e

moluscos fluviais. Nesta camada apareciam - conchas de ostras

enormes de 35 cm ou mais de comprimento por 13 de largura -

as quais no dizer dos pescadores, hoje já não se encontram"

(Rohr, 1959:206-7).

Quanto aos remanescentes dos instrumentos e recipientes encontrados nesse sítio

o autor refere a artefatos feitos de pedra, osso e conchas, muito semelhantes aqueles

encontrados no Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39. Entretanto, é a cerâmica o

indicador mais importante, no que se refere à comparação entre sítios arqueológicos

uma vez que a sua introdução entre grupos de caçadores-coletores do Litoral de Santa

Catarina parece marcar uma nova etapa do povoamento da região. A cerâmica é descrita

em detalhes em Schmitz (1959:298-302). Porém, Rohr, (1959:221) faz a seguinte

descrição, que consideramos suficiente para estabelecer uma comparação:

"Na mesma jazida encontramos uns 180 fragmentos de

cerâmica, que se achavam esparços por todas as camadas da

terra de cultura. Com excessão de uma única peça, todas têm

paredes lisas, sem a mínima ornamentação ou desenho. A cor

nas peças mais finas é de uma tonalidade escura, com transições

para marron. Nas peças de paredes mais grossas a cor é

castanha clara, ...".

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Outro sítio arqueológico, com idênticas características, está localizado um pouco

mais ao Sul, do que o sítio arqueológico de Base Aérea, também sobre a Baía Sul. É o

sítio de Tapera, também escavado por Rohr (1966:320). Trata-se de um sítio de

pequenas dimensões cuja estratigrafia revelou a presença quase insignificante de

carapaças de moluscos. Estas se localizam em um estrato intermediário, onde ocorrem

também artefatos de ossos de conchas, de pedra e cerâmica. São principalmente os

artefatos de osso e a cerâmica simples que apresentam idênticas características com os

instrumentos e recipientes da mesma categoria encontrados no Sambaqui do Rio Lessa-

SC LC 39.1

Finalmente, um terceiro sítio, com idêntico instrumental foi escavado por Rohr e

Andreatta (1969:135 -138). Está também localizado na parte Sul da Ilha de Santa

Catarina, porém, sobre a Praia da Armação na face leste da Ilha, que se abre sobre o

Oceano. Também neste sítio as conchas ocorreram em apenas um nível. O instrumental,

pelo que pudemos observar, em laboratório, é semelhante ao do Sambaqui do Rio Lessa

- SC LC 39, mas, a cerâmica em pequena quantidade, ocorreu nos primeiros 50

centímetros iniciais.

Nos três sítios a que nos referimos foram numerosos os sepultamentos muitos

dos quais com objetos associados. Entretanto, este componente cultural fica afastado,

momentaneamente, das comparações que estabelecemos com o Sambaqui do Rio Lessa

- SC LC 39 - uma vez que não foram encontrados sepultamentos passíveis de descrição

nesse sambaqui.

O conteúdo cultural do Sambaqui do Rio Lessa -SC LC 39 e dos sítios

arqueológicos escavados por Rohr (1953, 1966) e Rohr e Andreatta (1969) indicam uma

mudança, perfeitamente definida, do Litoral por parte de grupos de caçadores-coletores.

A indicação mais marcante é, sem dúvida, alguma, a introdução da cerâmica, que além

de permitir a observação de uma mudança tecnológica, indica, também, mudanças em

outras esferas da sociedade que a recebe ou inventa. Se os construtores do Sambaqui do

Rio Lessa - SC LC 39 - e dos Sítios Paleoetnográficos da Base Aérea, Tapera e

Armação do Sul receberam a cerâmica antes de sua dispersão para o Litoral não 1 Os instrumentos e cacos de cerâmica encontrados no Sítio Arqueológico da Tapera não foram, ainda, objeto de publicação.

Entretanto, tivemos oportunidade de observar o material em laboratório, por deferência do Revmo Pe. João Alfredo Rohr S.J.,

responsável pelos trabalhos de escavação, a quem agradecemos.

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podemos dize-lo. Entretanto, esta cerâmica chegou ao Litoral trazida por este grupo, o

que certamente marcou a sua passagem por outras partes do caminho que percorreram.

Certamente, a introdução da cerâmica no Litoral vai permitir que, afinal, se possam

estabelecer as rotas de migração que trouxeram os grupos habitantes do planalto para o

Litoral, em determinados períodos do ano.

6.0 - O Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - Litoral Norte

O Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - está localizado ao Norte da Cidade de

São Francisco do Sul, próximo à localidade de Enseada. Sendo um Sambaqui de

grandes dimensões está e esteve constantemente sujeito a processos de destruição. A

retirada de conchas ocorria para atender as mais variadas finalidades: pavimentação de

estradas, pela Prefeitura Municipal de São Francisco, matéria-prima para fábricas de

adubo e de ração para animais, algumas delas localizadas no Estado do Paraná. Após

uma intensa troca de correspondência entre os órgãos responsáveis pela conservação do

Patrimônio Nacional, a instauração de inquérito por parte da Policia Federal, em 1968,

logrou por fim ao processo de destruição que durante muitos anos ameaçou arrazar este

sítio (Prancha nº 31).

Antes do trabalho de campo por nós realizado nenhum trabalho sistemático de

escavação foi desenvolvido no Sambaqui. Alguns colecionadores chegaram a coletar

peças encontradas durante o processo de desmonte do sítio. Mas, não chegou a haver

sequer acompanhamento do desmonte por parte de qualquer pesquisador. O

conhecimento que tínhamos, parcial, do conteúdo cultural, se devia ao fato de algumas

peças aí encontradas estarem em exposição em um Museu da Área.

O trabalho de escavação foi realizado em três etapas de campo. A primeira foi

instalada em lº de setembro estendendo-se até 30 de novembro de 1969, num total de 60

dias de trabalho de campo; a segunda foi iniciada dia lº de junho estendendo-se até dia

30 de junho de 1970, num total de 30 dias de trabalho de campo; e, finalmente, a

terceira etapa foi realizada entre 12 de julho e 12 de agosto de 1971, num total de 30

dias de trabalho de campo. Ao todo foram utilizados 120 dias de trabalho de campo, na

escavação de duas Sondagens efetuadas no Sambaqui.

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A Sondagem nº1 foi realizada na parte superior do sítio. A demarcação da área

foi de aproximadamente 36 metros quadrados, sendo as linhas no sentido Norte-Sul

foram identificadas por números e as linhas no sentido Leste-Oeste por letras. A

sondagem nº 2 foi efetuada na base do Sambaqui, com dimensões uma pouco mais

reduzidas: 16 metros quadrados, dividido em 4 setores de 2 metros de lado.

A estratigrafia revelada na Sondagem nº1, aliada ao achado de outros

componentes culturais, permitiu identificar duas ocupações distintas no Sambaqui de

Enseada I - SC LN 71 . A segunda ocupação, ou seja, aquela que esta situada

superiormente, e desta forma foi escavada primeiro, estendeu-se até a profundidade de

1,50 metros, mais ou menos. Pode ser definida como um "sambaqui sujo", em que os

bolsões de conchas de várias espécies de moluscos estavam mesclados com camadas de

terra escura, ossos de peixes e de mamíferos e aves. Um grande número de estruturas,

principalmente remanescentes de antigas fogueiras, além do instrumental em que

predominaram artefatos de ossos e cacos de recipientes de cerâmica, caracterizaram esta

segunda ocupação. (Prancha nº 33)

A estratigrafia da primeira ocupação é totalmente distinta da superior. Entre

ambas há uma faixa de humus, onde praticamente não foram encontradas conchas,nem

artefatos ou outra evidência de ocupação. Acreditamos que esta faixa de terra, que

separa as duas ocupações do sítio signifique um período de abandono do Sambaqui, em

que deve se haver formado sobre os remanescentes da primeira ocupação uma capa

vegetal fixando terra e matérias orgânicas, que acabaram por constituir a camada

húmica que nitidamente separa os dois períodos de construção, por grupos humanos

diferentes.

As camadas estratigráficas da primeira ocupação eram constituídas praticamente

de conchas soltas, principalmente Anomalocardia brasiliana (berbigão) e Ostrea sp e

Ostrea arborea (ostras). No interior dessas camadas soltas de berbigão e ostras

ocorreram estruturas compactas de conchas em decomposição, associadas a carvão e

cinzas. Tais estruturas eram constituídas de conchas soldadas umas as outras, das

espécies já citadas. O processo que levou a formação dessas estruturas e difícil de

comprovar. Entretanto, podemos levantar a hipótese de que atuaram elementos como

calor das fogueiras, óleo resultante da queima de partes de mamífero marinho,

possivelmente baleia e o processo de decomposição das conchas pelo calor, o que teria

dado como resultado a solidificação das conchas, formando as estruturas compactas de

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conchas. Tal hipótese foi levantada considerando-se a presença de ossos de baleia e de

fragmentos de carvão junto as estruturas e ainda a ação solidificante do óleo de baleia,

principalmente se misturado ao calcário das conchas em decomposição sob a ação do

calor.

A sondagem nº 2 realizada junto a base do Sambaqui revelou uma estratigrafia

semelhante a da primeira ocupação. Presença de camadas e bolsões de conchas limpas,

com algumas estruturas de argila de coloração cinza e vermelha. Sobre a base do

Sambaqui, constituída pelo sedimento que se apóia sobre a formação cristalina da Ponta

Alta, as conchas mostravam-se limpas e soltas. Um bolsão de areia de duna ocupava

uma grande área de dois setores (Prancha nº 34).

O conteúdo cultural da primeira ocupação da Sondagem nº 1 e da Sondagem nº 2

revelaram-se idênticos, principalmente, no que se refere aos costumes funerários.

Ausência de cerâmica e de instrumental ósseo, altamente especializado distinguem esta

ocupação da segunda.

A profundidade atingidapela Sondagem nº 1 foi de 3,00 metros, enquanto que a

profundidade atingida pela Sondagem nº 2 foi 1,50 (?) metros. Os achados efetuados em

ambas as sondagens foram de várias ordens, revelando que as populações que

construíram o Sambaqui de Enseada 1 - SC LN 71 - possuíam técnicas diversificadas

para atingir objetivos comuns. A exploração dos recursos naturais se fez igualmente em

uma e em outras ocupações. Assim, enquanto a população responsável pela primeira

ocupação dava uma maior ênfase sobre as atividades de coleta, os responsáveis pela

ocupação nº 2 destacavam as atividades de caça e pesca. E o instrumental utilizado

reflete esta diferença.

6.1 – Recursos Naturais e Ocupação Humana

O Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - está situado a Norte da Ilha de São

Francisco, localizando-se sobre pontão rochoso, denominado Ponta Alta. Esta, constitui,

juntamente com a Ponta da Enseada, e Cabo de João Dias, e o Morro de Ubatuba os

acidentes geográficos de maior evidência na área.

Ao Sul da Ponta Alta, está a Praia Grande. Observa-se, nitidamente, após a linha

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de praia, a existência de dunas, atualmente fixadas. Estas linhas de dunas bordejam a

Praia Grande ao Longode seus 14 km (Prancha nº 30).

Na face Leste, a Ponta Alta situa-se diretamente sobre o Oceano, com um costão

de cerca de 5 metros de altura média, sobre o nível do mar, formado de blocos de

granito de grande volume. O costão é percorrido por pequenos fios de água de

percolação que escorrem em direção ao mar. Estes formam pequenos depósitos de água

doce nas depressões existentes na rocha. Junto a esses depósitos de água ocorre uma

vegetação pobre, destituída de qualquer importância.

A Ponta Alta, observada pela face Oeste permite avaliar exatamente a área

ocupada pelo Sambaqui. Este se situa sobre a encosta, estendendo-se ao longo do

pontão rochoso, no sentido Norte-Sul, aproximadamente. Sua altura atinge cerca de 15

metros. Porém, sua espessura é variável, de vez que está situado sobre encosta, cobrindo

grande blocos de granito (Prancha nº 30).

Em sua borda Oeste, o Sambaqui está sobre o limite existente entre a planície

sedimentar recente e a Ponta Alta. A planície sedimentar estabelece a ligação entre

várias elevações isoladas, de formação cristalina, podendo ser incluídas além das já

citadas os Morretes, situados ao Sul, e em cuja proximidade estão três sambaquis

(Prancha nº 31).

Observando-se a face Leste da Ponta Alta nota-se que o Sambaqui estende-se aí

sobre o costão, em sua maior espessura. À medida que se observa sua disposição para

Sul esta espessura diminui sensivelmente, até se tornar mínima, junto a praia. Pode-se

observar, ainda, que o sítio foi construído de forma a não ser atingido pelas ondas. O

costão cai sobre o Oceano, em violento declive (Prancha nº 31).

Em dias de grande luminosidade, sem nevoeiro, pode-se observar várias

formações cristalinas na extremidade sul da Praia Grande. São as ilhas Remédio e

Araras, ainda não incorporadas, pela sedimentação, a Ilha de São Francisco (Prancha nº

30).

Ao Norte a Ponta esta limitada pela Prainha. Observada daí aparece isolada no

limite da planície sedimentar. Somente o processo de sedimentação permitiu sua

inclusão na Ilha de São Francisco. Caso isto não tivesse ocorrido, a Ponta Alta

constituiria ainda, uma Ilha. A elevação declina suavemente para Oeste, sobre a planície

sedimentar, sendo esta face totalmente ocupada pelo Sambaqui. (Prancha nº 30).

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A Prainha está, por sua vez, situada entre a Ponta Alta e a Ponta da Enseada.

Esta se limita com a Praia de Ubatuba, que junto a Ponta da Enseada, apresenta intenso

processo de sedimentação. A deposição de sedimentos pode ser observada através da

formação de restingas e apresamento de braço-de-mar, formando pequena lagoa. As

restingas mais antigas, do processo que aí decorre, mostram-se já cobertas de vegetação,

característica da beira-mar. Esse processo local de sedimentação, pode-se perfeitamente

observar, faz parte de um processo da sedimentação mais amplo, responsável pela

formação da grande planície sedimentar recente encontrada na Ilha de São Francisco

(Prancha nº32).

Em direção Sul, ou seja, da Ponta da Enseada em direção a Praia Grande, pode-

se observar um estreitamento da planície, e que indica, possivelmente, que o processo

de sedimentação atingiu esta área em tempo recente. Uma pequena praia, na

extremidade Norte da Ponta da Enseada (Praia de Fora) resultou da incorporação alguns

rochedos localizados longe da costa, pelo processo de sedimentação. Tal fato permitiu o

alongamento da extremidade da Praia de Ubatuba, formando uma acentuada enseada

que acabou por dar o nome a Praia, aí formada.

Entre a Ponta da Enseada e a Ponta Alta pode-se observar a existência de um

campo de dunas, em grande parte fixado, pela vegetação. Esta se constitui de gramíneas

e de uma vegetação rasteira, típica de praia (Prancha nº30).

Na extremidade Norte da Ilha de São Francisco está o Cabo de João Dias,

elevação rochosa de formação cristalina, onde se localiza o Sambaqui do Forte - SC IN

76. Daí se pode avistar a entrada do Rio São Francisco. Entre este e o Cabo de João

Dias estende-se parte da planície sedimentar. Pode-se observar que o processo na área é

recente e contínuo. Partes da planície não estão totalmente secas, constituindo pequenos

alagados, com uma vegetação baixa, e algumas vezes gramíneas. As partes mais antigas

dessa parte da planície estão cobertas por vegetação de porte médio, observando-se a

existência de palmeiras, principalmente. Alguns pequenos rios fazem a drenagem local

da planície sedimentar. Junto ao Rio São Francisco os manguesais constituem a

vegetação característica.

A sedimentação que se processa junto ao Cabo de João Dias se faz em direção

Oeste-Leste. A formação de restingas e de pequena lagoa resultante do apresamento de

um pequeno braço de mar, junta-se a sedimentação eólica observável através de linhas

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dunas, já parcialmente fixadas.

Algumas ilhas estão localizadas na proximidade do Cabo de João Dias. São as

Ilhas do Veado e do Pirata.

A descrição acima permite observar que a área onde se localiza o Sambaqui de

Enseada I - SC LN 71 - é marcada por violento contraste entre a planície sedimentar

recente e as elevações isoladas, de formação cristalina, que funcionando como pontos de

amarração permitiram a constituição da planície. O processo de sedimentação marinha

eólico-fluvial ocorre aí com grande intensidade, envolvendo todos os pontos antigos e

modificando constantemente a paisagem, com o surgimento de novas praias, e

alargamento das praias mais antigas, a formação de pequenas lagoas, de duração

efêmera.

Esta paisagem, essencialmente dinâmica pelas modificações constantes que

assistiu, permitiu uma ocupação humana primitiva, na forma de grupos de coletores-

caçadores, cujos testemunhos estão evidenciados nos sítios arqueológicos, de tipo

sambaqui, encontrados sobre as encostas das elevações de formação antiga.

Inegavelmente, a ocupação da parte Norte da Ilha de São Francisco está

diretamente relacionada aos recursos de subsistência aí encontrados. Pelo que nos foi

dado observar estes recursos são, predominantemente, de origem marinha, de vez que os

sítios arqueológicos aí encontrados, testemunhas da primitiva ocupação humana da área,

são sambaquis. Estes são formados pelo acúmulo de valvas de moluscos, utilizados na

alimentação de grupos, que se dedicavam, a sua coleta entre outras atividades.

Em face do processo de sedimentação verificado na área, em função da

retificação da linha de costa, um ambiente favorável a proliferação de moluscos deve ter

sido criado. Este fato se evidencia quando observamos as dimensões dos sambaquis

localizados na Ponta da Enseada-SC LN 72 - Sambaqui de Enseada II; no Cabo de João

Dias - SC LN 76 - Sambaqui do Forte; e, ainda o Sambaqui de Enseada I - SC LN 71,

objeto específico de nosso interesse.

A escavação realizada neste último nos permitiu observar que algumas espécies

de moluscos foram predominantes e conseqüentemente, encontradas com maior

frequência, em todos os níveis. Entre as bivalvas a Anomalocardia brasiliana (berbigão)

é a mais encontrada. As várias espécies de ostras ocorrem com grande frequência

formando, algumas vezes camadas de espessura razoável. De menor frequência são

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Phacoides pectinatus (ameijoa), Iphigenia brasiliana (amujoa), Tagellus plebeus (unha-

de-velha), Dorax haleyanus (maninim). Outras espécies de bivalvas ocorrem ainda, com

menor frequência. As univalvas não parecem ter representado um elemento importante

na alimentação dos grupos construtores do sambaqui de Enseada I - SC LN 71.

Ocorrem, com frequência, associadas as bivalvas, como elementos de excessão.

Entretanto, são numerosas as espécies.

As espécies predominantes encontradas na escavação do Sambaqui de Enseada I

- SC LN 71 - têm seu habitat de preferência nas águas tranqüilas, rasas e relativamente

quentes de lagoas e enseadas. Isto confirma mais uma vez que foi somente a partir da

existência de condições favoráveis a proliferação destas espécies de moluscos que os

grupos humanos para aí se deslocaram. Na atualidade, a Lagoa de Acaraí continua

peritindo coletas de pequenas proporções. Em suas águas podem ser colhidos berbigões,

ostras, ameijoas e unha de velha. Porém, coletas maiores podem ser realizadas nos

costões, onde os mariscos (Mytillus perna) são abundantes. Fixados a rocha pelo bisso,

estes moluscos constituem a fauna característica dos costões e, durante a baixa-mar,

podem ser facilmente colhidos. São abundantes em todos os pontões rochosos da área,

mesmo naqueles batidos pelo mar.

Entre os variados recursos de origem marinha de que grupos coletores-caçadores

poderiam utilizar os peixes não parecem ter constituído um alimento despresível para os

construtores dos sambaquis da área. No Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - ossos e

dentes de peixes constituíram um dos mais importantes substratos aí encontrados.

Foram classificadas as seguintes espécies, entre as muitas utilizadas pelos grupos

que construíram o Sambaqui: Micropogon furinieri (corvina), Peogonias chrmis

(miraguaia), Cynoscion aceupa (pescada-amarela), Larimus breviceps (oveva), Conodon

nobilis (roncador), Centropomus undecimalis (robalo), Tachysurus luniscutis (bagre-

guri), Bagre-bagre (bagre de penacho). Estas espécies foram passíveis de classificação

em vista dos tilitos encontrados entre os restos ósseos. Outras espécies, cujos otólitos

não foram encontrados podem ainda ser referidas. A tainha da qual foram recolhidos

ossos, em praticamente todos os níveis; e paru e outros peixes menores, cujos restos não

foram identificados.

Os seláquios, peixes cartilaginosos, podem ser facilmente identificados pelos

dentes. Foram numerosos dentes de seláquios encontrados durante a escavação. Foram

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identificadas as seguintes espécies: Galeocerdo cuvieri, Carcharedon carcharias e

Odontaspes taurus (cação mangona).

Ainda entre os peixes encontramos numerosos restos de raia, que deveria ter

representado uma importante contribuição na alimentação.

Outros recursos de origem marinha, utilizados pelos primitivos habitantes do

Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - foram o ouriço negro, cujos espinhos foram

encontrados largamente disseminados em praticamente todos os níveis e o ouriço do

mar, este menos encontradiço entre os restos de alimentos. O primeiro tem seu habitat

no costão, enquanto o segundo o tem no fundo lodoso de lagoas e enseadas de águas

tranqüilas.

Os siris e caranguejos foram também largamente utilizados. Restos de pinças

destes animais permitiram-nos observar que foram utilizados o siri-goiá, que tem seu

habitat no costão, juntamente com o ouriço-negro e o marisco, o siri do mar, cujo

habitat são as praias e o caranguejo, encontrado com freqüência nos manguesais.

Entre os recursos de origem marinha, cujos remanescentes foram encontrados no

Sambaqui de Enseada I -SC LN 71 - resta-nos referir aos restos ósseos de baleia.

Este mamífero marinho foi largamente utilizado pelos grupos primitivos,

habitantes do Litoral. Acorrendo a costa, para procriação, em épocas determinadas,

muitas vezes devem ter encalhado nos bancos de areia, comuns na parte Norte da Ilha

de São Francisco. Os grupos que construíram o Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 –

utilizaram a baleia não apenas na alimentação, mas de acordo com as evidências,

também como combustível. Ossos queimados de baleia foram encontrados em grande

número. Vértebras com uma das faces carbonizada parecem ter servido como braseiros.

A julgar pela posição em que foram encontrados, acreditamos que a forma de se apagar

braseiros era virá-los contra o solo. Assim foram encontradas todas as vértebras que

apresentaram tais características.

A diversidade dos recursos de origem marinha, utilizados pelos construtores dos

sambaquis, em especial os do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - evidencia a

preocupação dos grupos caçadores-coletores em aproveitar as mínimas possibilidades

daquilo que a natureza oferece. Atividades de coleta e de pesca estariam já bem

definidas, sem outros elementos que as evidenciassem, pelos remanescentes orgânicos

encontrados durante a escavação.

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Outros recursos foram, ainda, utilizados pelos grupos coletores-caçadores do

Litoral, evidenciados no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71. Entre os recursos de

origem vegetal, apenas, restos carbonizados de côco de gerivá foram encontrados. As

condições climáticas da área, com um alto índice de umidade, impedem a conservação

de elementos vegetais. Por entre lado, a utilização da Análise Polínica, para

classificação de pólens não pode ser efetuada pela não existência de técnicos e

laboratórios, além da falta de estudos sistemáticos na área. Acreditamos, porém, que em

face dos numerosos recursos vegetais encontrados a atividade de coleta ligada à

obtenção de frutas, tubérculos e raízes, entre outros, deve ter desempenhado um papel

de grande importância.

Mamíferos e aves constituíram alimentos grandemente utilizados; restos ósseos

de porco-do-mato, paca, anta, entre os animais maiores e de pequenos roedores foram

encontrados em abundância. Ossos longos de aves de pequeno porte foram encontrados,

em menor quantidade, evidenciando contudo a sua utilização na alimentação.

Assim, as atividades relativas à caça, ficam perfeitamente evidenciadas, apenas,

em se tratando dos remanescentes ósseos, encontrados durante a escavação.

Os recursos de água, na área em que se localiza o Sambaqui de Enseada I - SC

LN 71 -, parecem ser suficientes, para manutenção de um grupo humano, de tamanho

razoável, em se tratando de um grupo de coletores-caçadores. Além dos depósitos

formados nas depressões da rocha pela água de percolação, existe na Ponta da Enseada

um grande depósito, possivelmente mantido por lençóis subterrâneos.1

Embora o Rio Acaraí e a Lagoa do Acaraí fiquem nas proximidades do

Sambaqui, acreditamos que não tenham sido largamente utilizados como fornecedores

de água. Com as marés altas, rio e lagoa costumam ser invadidos pela água salgada.

Assim, as águas são constantemente salobras, o que torna o seu uso desgradável. Além

desse fato, a distância existente entre o Sambaqui e o Rio e a Lagoa do Acaraí é maior

do que aquela existente entre o Sambaqui e a Ponta da Enseada, e que seria um indício

para a utilização mais freqüente de depósito situado mais próximo.

Os remanescentes orgânicos encontrados no Sambaqui de Enseada 1 - SC LN 71

- indicam ter sido a área bastante pródiga, em recursos de subsistência. Os grupos que aí

1 Na atualidade o depósito existente na Ponta da Enseada fornece água às residências de veranistas e a um Hotel existente nas

proximidades.

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se localizaram, e não foram poucos, considerando o número de sambaquis existentes,

dispunham de recursos os mais variados e nesse sentido praticavam várias atividades, o

que permitia uma exploração mais efetiva do meio ambiente. Estas atividades estão

perfeitamente evidenciadas no que se refere aos restos de alimentação que constituem o

próprio sítio arqueológico e, mais ainda, quando se procede a uma análise dos artefatos

aí encontrados.

É possível, entretanto, que apesar da riqueza de recursos de subsistência aí

existentes, a permanência de grupos de coletores-caçadores no local haja sido

temporário. Tanto quanto se tem notícia, são raros os grupos com tal gênero de vida1,

que se detém por um período de tempo prolongado em um mesmo local. Em se tratando

de grupos de economia predatória, que dependiam exclusivamente do que lhes fornecia

a natureza, deveriam periodicamente deslocar-se a outras áreas, próximas, lançando

mão de recursos de subsistência aí existentes.

Aliás, anteriormente, fizemos referência a Ribeiro, D. (1970:318-9) quando se

refere ao fato de que os Xokleng deveriam, antes da pacificação buscar o Litoral, onde

colhiam ostras e mariscos. Esta atividade distribuída entre Litoral e Planalto permitia

uma exploração mais eficiente dos recursos de uma vasta região e, conseqüentemente,

uma dieta alimentar mais variada e rica.

6. 2 - Instrumentos e Atividades de Subsistência

Os instrumentos encontrados e coletados no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71

- são numerosos e grandemente diversificados, no que tange a matéria-prima utilizada.

Foram coletados instrumentos confeccionados sobre rochas como diabásio, além de

instrumentos confeccionados sobre ossos de mamíferos, aves e peixes e, ainda,

instrumentos confeccionados sobre dentes de peixes e de mamíferos. Instrumentos

confeccionados, sobre conchas e, ainda, cacos de recipientes de cerâmica.

Talvez a mais importante contribuição dada a partir da análise dos instrumentos

coletados, em sambaquis do Litoral de Santa Catarina, seja a introdução da cerâmica. A 1 Derruau, M. 1963:77, define como gênero-de-vida: "...um conjunto de hábitos pelos quais o grupo que os pratica assegura sua

existência" (Tradução A.B.).

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confecção de recipientes de cerâmica implica em certos conhecimentos técnicos além

daqueles que podem ser diretamente observados através da ação direta sobre a matéria-

prima, como no caso da confecção de instrumentos de pedra ou de osso. O cozimento da

argila para o seu endurecimento e impermiabilização não resultam de uma ação direta

do artesão sobre a matéria-prima, mas do conhecimento da ação do calor, proveniente

de rudimentares fornos ao ar livre, sobre o objeto modelado em argila. Assim, é

conveniente salientar que a importância da introdução da cerâmica no Litoral advém

não apenas de uma modificação técnica, trazida por grupos que recentemente chegaram

a região, mas principalmente por todas as conseqüências que a introdução de tal

elemento técnico teve sobre as populações que se seguiram ao evento.

Como nos tópicos anteriores, os instrumentos serão descritos em categorias de

acordo com a matéria-prima a partir da qual foram confeccionados em:

1 - Instrumentos líticos

2 - Instrumentos de ossos e dentes

3 - Instrumentos de conchas

4 - Recipientes de cerâmica.

6.2.1.- Instrumentos Líticos

Os instrumentos líticos encontrados no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 -

foram pouco numerosos. As técnicas utilizadas na confecção dos artefatos eram simples

não sendo coletados instrumentos altamente elaborados quer na primeira, como na

segunda ocupação, quando os instrumentos de ossos e de dentes poderiam ter

substituído o instrumental lítico, persistiu a quase total ausência de instrumentos de

pedra.

De acordo com as técnicas de confecção os instrumentos líticos do Sambaqui de

Enseada I - SC LN 71 -foram classificados em três categorias:

1 - Instrumentos polidos e semi-polidos

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2 - Instrumentos lascados

3 - Instrumentos não modificados

1 - Instrumentos polidos e semi-polidos

Os instrumentos reunidos nessa categoria estavam todos, praticamente,

fragmentados. Foram encontradas treze peças, das quais, apenas, quatro, estavam

inteiras. De acordo com as possibilidades apresentadas pelas peças fragmentadas foram

classificadas em:

1.1 - machados: 1 peça inteira, em diabásio, confeccionada com técnica mista de

lascamento e polimento. Dimensões 16 cm x 6,8 cm. Além dessa peça foram coletados

quatro fragmentos de machado.

1.2 - pesos: instrumentos destinados a lastrar. Foram coletados 3 exemplares, em

diabásio, sendo que um deles cuidadosamente polido. Os dois outros estavam apenas

alisados. São fusiformes e as dimensões aproximadas são: 9 centímetros x 2

centímetros.

1.3 - faca: 1 exemplar, de forma aproximadamente triangular. Dimensões atuais:

9 centímetros x 3,3 centímetros. Tem o gume totalmente destruído pela utilização.

1.4 - plaquetas: duas plaquetas, uma retangular e outra triangular, sobre com as

dimensões de 6,9 centímetros e 5 centímetros x 3,1 centímetros. Como as extremidades

estão destruídas não podemos afirmar tratar-se de instrumentos ou de adornos.

2 - Instrumentos lascados

Instrumentos lascados não foram encontrados no Sambaqui de Enseada I - SC

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LN 71. As evidências de utilização da técnica de lascamento são lascas de diabásio,

encontradas em pequeno número, dez ao todo. São possivelmente resíduos de

lascamento.

3 - Instrumentos não modificados

Foram os instrumentos mais numerosos, confeccionados sobre pedra. Os

instrumentos dessa categoria não sofreram modificações técnicas a fim de atender as

finalidades a que se destinavam. São identificados pela ação executada. Foram

classificados como segue:

3.1 - bater: grande seixos com extremidades evidenciando batidas. Dois

exemplares em diabásio.

3.2 - seixos com depressão central: foram coletados dez seixos em diabásio, que

apresentaram sobre as faces superior e inferior pequenas depressões, algumas vezes

polidas. As periferias dessas peças estão, picoteadas, não sendo possível identificar se

tais características são resultantes do trabalho de confecção ou da ação de utilização.

Assim nos abstemos de definir a sua função importante.

É importante, também assinalar que grande quantidade de pedras fragmentadas

pela ação do fogo foram encontradas na escavação do Sambaqui. Várias estruturas

constituídas por remanescentes de fogueiras traziam pedras fragmentadas pela ação do

fogo. Não foi possível, também, identificar pelos instrumentos encontrados se tratava de

uma técnica para fragmentar pedras, sem necessidade de recorrer ao lascamento.

Nesse tópico pretendemos tratar ainda, das oficinas líticas. Por sua localização, o

Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - permitiu que em sua periferia, sobre o costão se

localizassem grandes oficinas para a confecção de instrumentos de pedra. Foram

identificadas quatro destas oficinas, caracterizadas por depressões circulares ou

ovaladas, cujo diâmetro poderia variar entre 50 centímetros as maiores e 20 centímetros

as menores. Em algumas dessas depressões, principalmente as de forma ovalada, podem

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ser observados sulcos, destinados talvez, a afiar o gume dos machados de pedra

(Prancha nº 35).

Considerando o número de oficinas existentes nas proximidades do Sambaqui

parece-nos estranho que os artefatos líticos encontrados durante os trabalhos de

escavação sejam tão pouco numerosos e confeccionados com tal simplicidade técnica.

Porém, não encontramos nenhuma explicação para o fato exceto de que em se tratando

de um depósito de lixo o provável é que poucos artefatos de pedra foram abandonados

aí.

6.2.2 - Instrumentos sobre Ossos e Dentes

Os instrumentos sobre ossos e dentes de animais encontrados no Sambaqui de

Enseada I - SC LN 71 (Pranchas nº36, 37 e 38) mostraram-se realmente numerosos e

diversificados, além de revelarem uma sofisticada técnica de confecção. Coletados

quase que exclusivamente na segunda ocupação, evidenciaram modificações não apenas

de ordem técnica, no que tange a confecção de artefatos, mas ainda modificações nas

formas de relacionamento dos grupos pré-históricos com o habitat.

Para descrição foram divididos em duas grandes categorias:

1 - Instrumentos de ossos

2 - Instrumentos sobre dentes

Em trabalho anterior (Beck, Araújo, Duarte, Fossari & Belani, 1970:37-44) os

instrumentos sobre ossos e dentes encontrados e coletados no Sambaqui de Enseada I -

SC LN 71 - foram classificados como segue:

1 - Instrumentos de Ossos

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A matéria-prima utilizada na confecção de artefatos foram ossos de aves,

mamíferos e peixes. Tal matéria-prima foi obtida através de caça e pesca,

representando, provavelmente, restos de refeições. Os artefatos sobre ossos constituem a

parte mais importante e significativa, do ponto de vista técnico, da indústria coletada no

Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - até o presente momento.

Anzóis: Foram coletados 28 exemplares inteiros e 36 exemplares fragmentados.

A fragmentação ocorreu sobre a parte ativa do artefato (barbela) e sobre a parte passiva

(entralha). Ainda, deste total, 8 exemplares foram rejeitados por terem sofrido um

acidente durante a confecção, o que os inutilizou.

Todas as peças coletadas foram confeccionadas sobre ossos longos de

mamíferos. A técnica de confecção incluiu o seccionamento ou fragmentação da diáfise,

com eliminação das epífises. Da primeira eram retirados pequenos fragmentos, aos

quais se dava a forma geral do objeto, através de polimento ou alisamento. Esta peça,

aproximadamente, triangular, era seccionada ou cortada, em sua forma definitiva.

As dimensões dos objetos são variáveis, comprimento: 60 a 18 mm, largura 20 a

10 mm.

Pode-se observar pequena variação, quanto à forma final dos objetos, que

acreditamos de ordem individual.

1.2 Pontas Triangulares e Pedunculadas. O número total de exemplares

coletados neste tipo foi de 38 peças, assim conservadas: 5 inteiras, 9 com pedúnculo

fragmentado, 2 com lâmina fragmentada, 2 rejeitadas, 2 cuja confecção não concluída e

18 pedúnculos sem lâminas.

A matéria-prima utilizada foram ossos longos de mamíferos. A técnica de

confecção semelhante à dos anzóis. A partir de pequenos fragmentos retirados da diáfise

de ossos longos, aos quais era dada, através de alisamento ou polimento, a forma geral,

losangular. Posteriormente, através de seccionamento, eram feitos o pedúnculo e as

aletas.

A partir das características morfológicas e técnicas foram classificados os

seguintes sub-tipos:

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1.2.1 Pontas triangulares, com secção transversal triangular. Este subtipo mostra

duas variedades. Em ambas a face inferior do artefato corresponde à face interna do

osso e é plana. A face superior mostra acentuada aresta central, no sentido longitudinal,

dividindo a peça em duas facetas. Em uma variedade o comprimento da lâmina

corresponde, aproximadamente, a 2/3 do comprimento total da peça. Em outra, o

comprimento da lâmina corresponde, aproximadamente a 1/2 do comprimento total da

peça.

As lâminas são triangulares, bordas ligeiramente convexas, aletas retas;

pedúnculos de bordas e base reta. Foram coletados 5 exemplares da primeira variedade

e 2 exemplares da segunda.

1.2.2 Pontas triangulares, com secção transversal plano-convexa. Este sub-tipo

mostra, também, duas variedades. Sua confecção e morfologia é semelhante à do sub-

tipo anterior. A face superior é convexa e a face inferior é plana. Na primeira variedade

o comprimento da lâmina corresponde, aproximadamente, a 2/3 do comprimento total

da peça; lâmina triangular, bordas convexas, aletas côncavas, pedúnculo reto. Na

segunda variedade, o comprimento da lâmina corresponde a 2/3 do comprimento total

da peça; lâmina triangular de bordas convexas, aletas retas, pedúnculo de bordas retas e

base reta. Foram coletados 2 exemplares de cada variedade.

1.2.3 Ponta ovalada, com secção transversal triangular. Foi coletado um único

exemplar, de pequenas dimensões, com as seguintes características morfológicas: face

inferior plana, face superior dividida em duas facetas, por uma aresta central,

comprimento da lâmina correspondendo, aproximadamente, a 2/3 do comprimento total

da peça, lâmina ovalada, de bordas convexas, aletas côncavas e pedúnculo reto.

1.2.4 Ponta triangular pedunculada, com secção transversal côncavo-convexa.

Exemplar único, sobre osso longo de mamífero. Lâmina triangular, aletas apenas

esboçadas, pedúcunlo reto e base reta. A face inferior corresponde à parte interna do

osso, formando uma canaleta longitudinal. Na face superior a lâmina é facetada,

mostrando uma acentuada aresta longitudinal. Foi inicialmente seccionada, as arestas e

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a face superior alisadas. Dimensões: o comprimento da lâmina corresponde a 1/ 3 do

comprimento total da peça.

1.2.5 Ponta triangular, com secção longitudinal côncavo-convexa. Foram

coletados 2 exemplares, confeccionados sobre ossos longos de mamífero. Lâmina

triangular, bordas convexas, aletas côncavas e, apenas, esboçadas. A lâmina, quanto ao

comprimento, corresponde a 1/2 do comprimento total da peça. A técnica de confecção

compreende o seccionamento, alisamento e polimento.

1.3 Pontas duplas de projétil. Este tipo constitui o mais numeroso e de maior

variedade da indústria óssea que descrevemos. Foram coletados 150 exemplares, dos

quais 92 fragmentados. A matéria-prima utilizada foi, predominantemente osso longo

de ave, embora, algumas peças tivessem sido confeccionadas sobre osso longo de

mamífero. Classificamos 7 variedades, que passamos a descrever.

1.3.1 - Ponta-dupla de projétil I. Constitui a variedade mais numerosa e,

provavelmente, o padrão partir do qual, as demais variedades foram elaboradas. A

matéria-prima mais utilizada foram ossos longos de ave, 40 exemplares, e ossos longos

de mamífero, 4 exemplares.

As técnicas de confecção incluíram os seguintes procedimentos: após a seleção

da matéria-prima eram seccionadas e eliminadas as epífises; em seguida a diáfise era

seccionada longitudinalmente. As bordas eram alisadas e as pontas obtidas da mesma

forma. Em alguns exemplares, também, a face superior era alisada. Várias peças

mostrando as etapas intermediárias de confecção destes artefatos foram cole tadas.

O comprimento variou entre 65 e 25 mm e a largura entre 7 e 4 mm. A face

inferior corresponde a parte interna do osso e é sempre côncava. O inverso acontece à

face superior, que corresponde à parte externa do osso. Secção longitudinal côncavo-

convexa e secção transversal convexa-côncava.

1.3.2 Ponta-dupla de projétil II. Foram recolhidos, apenas, dois exemplares,

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confeccionados sobre osso longo de mamífero. Características técnicas e morfológicas

semelhantes às da variedade anterior. A face inferior é convexa e as peças tem secção

transversal biconvexa. Dimensões: 37 mm de comprimento e 9 mm de largura.

1.3.3 Ponta-dupla de projétil III. Dois exemplares, confeccionados sobre osso

longo de ave. Possuem as mesmas características técnicas e morfológicas da primeira

variedade. Entretanto, mostram uma diferença: são na realidade, pontas simples, com

extremidade inferior mais larga e arredondada, destinando-se provavelmente, a serem

encabadas. São peças de pequenas dimensões: comprimento 28 mm, largura 8 mm.

1.3.4 Ponta-dupla de projétil IV. Dois exemplares, confeccionados sobre osso

longo de ave. Características técnicas semelhantes as da primeira variedade. Possuem,

porém, na extremidade inferior um esboço de pedúnculo, que teria permitido o

encabamento da peça. Dimensões: 33 mm de comprimento e 7 mm de largura.

1.3.5 Ponta-dupla de projétil V. Impropriamente, classificados como pontas-

duplas. Suas características técnicas são idênticas às da primeira variedade. Diferem

quanto à morfologia: na extremidade oposta à ponta, na altura da porção média, estão

seccionadas, transversalmente. São peças confeccionadas com base reta,

intencionalmente. Os traços, evidenciando seccionamento são observados em todas as

peças. As dimensões variam entre 32 e 15 mm de comprimento e 7 e 5 mm de largura.

Todos os exemplares, em número de sete, foram confeccionados sobre ossos longos de

ave.

1.3.6 Ponta-dupla de projétil VI. Esta váriedade reúne peças que mostram um

entalhe lateral, sobre uma das bordas. Não foi possível identificar se este entalhe

constitui um acidente de fabricação ou utilização, ou se foi intencionalmente feito,

destinando-se facilitar o encabamento da peça. Foram coletados 7 exemplares,

confeccionados sobre osso longo de ave. As dimensões variam de 20 mm de

comprimento, e a 4 mm de largura. As características técnicas são as mesmas da

primeira variedade.

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1.3.7 Ponta-dupla de projétil VII. São sete exemplares confeccionados sobre

osso longo de ave. Características técnicas identicas às da primeira variedade.

Distinguem-se das demais variedades por possuírem a ponta superior mais curta e mais

larga do que a inferior, lembrando um losango irregular. As dimensões variam entre 40

mm e 25 mm de comprimentoe 7 mm e 5 mm de largura.

1.4 Pontas Simples.

Neste tipo foi identificada maior diversidade de utilização de matéria-prima.

Além de osso de mamíferos foram utilizados ossos de peixe, esporão de raia e de bagre.

1.4.1 Pontas triangulares. Foram coletados três exemplares, confeccionados

sobre osso longo de mamifero (1 exemplar) e ossos de peixe (2 exemplares). São peças

seccionadas, ligeiramente alisadas, base reta e bordas retas, confecção pouco elaborada,

não demonstrando maior preocupação quanto ao aspecto eficiência da peça. As

dimensões variam entre 50 mm e 35 mm o comprimento e 11 mm e 9 mm a largura.

1.4.2 Pontas simples. Com secção transversal biconvexa. Este tipo mostra uma

grande variedade quanto à utilização de matéria-prima. Dos 13 exemplares recolhidos 5

são confeccionados sobre esporão de raia, 4 sobre ossos longos de mamíferos, 1 sobre

esporão de bagre e 3 não foi possível a identificação da matéria-prima.

A técnica de confecção destes artefatos inclui o seccionamento, o alisamento e o

polimento. As peças têm secção transversal biconvexa e secção longitudinal biconvexa;

as bordas são convexas e a base reta. As faces superior e inferior, algumas vezes,

apresentam-se alisadas.

As dimensões variam entre 37 e 16mm, o comprimento e 8 e 5 mm a largura.

1.5 Placas ósseas. Dois exemplares, confeccionados sobre ossos de mamífero. O

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primeiro, de forma aproximadamente triangular, bordas convexas, base reta. Face

inferior alisada e bordas seccionadas e alisadas. Dimensões: 59 mm de comprimento e

20 mm de largura. O segundo de forma retangular, mostra evidências de seccionamento

nas bordas superiores e inferiores. Dimensões: 65 mm de comprimento, 26 mm de

largura.

1.5 Resíduos de Fabricação

Dos tipos, acima descritos, foram encontradas numerosas peças, indicando as

etapas intermediárias da confecção dos artefatos: epífises seccionadas; ossos longos de

aves e mamíferos sem epífise diáfises seccionadas, fragmentos de ossos longos,

seccionados, cortados ou serrados, rejeitados por um acidente ocorrido durante a

confecção da peça.

A maior parte desse material é constituída por restos de ossos longos de aves e

mamíferos.

Algumas destas peças parecem ter sido tratadas com especial cuidado. Chamam-

nos, particularmente, a atenção ossos longos de ave, com uma extremidade aguçada por

alisamento ou com extremidades seccionadas e setas.

1.6 Artefatos Sobre Ossos de Peixe. Os ossos de peixe são abundantes entre os

remanescentes arqueológicos do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71. A pesca constituiu

uma das bases da dieta alimentar do grupo que o habitou. Entretanto, esta matéria-prima

abundante não foi utilizada com muita frequência na confecção de artefatos. Foram

utilizadas vértebras de seláquio, esporão de raia e de bagre e ossos de espécies não

identificadas ainda.

1.6.1 Vértebras perfuradas. Foram coletadas numerosas vértebras de seláquio,

algumas delas com acentuada perfuração central, observando-se, no interior das

mesmas, estrias resultantes da ação rotativa do perfurador.

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1.6.2 Placas triangulares. Confeccionadas sobre ossos de peixe, não

identificados, foram recolhidas 5 placas triangulares, com bordos seccionados. As

dimensões são 38 a 25 mm de comprimento e 22 a 10 mm de largura.

1.6.3 Pontas duplas. Dois exemplares, confeccionados sobre ossos de peixe não

identificados. Assemelham-se, quanto à forma e a técnica, as peças descritas no item

1.3.2. Não são polidas, porém. Dimensões: 39 mm de comprimento e 7 mm de largura.

1.6.4 Pontas triangulares pedunculadas. Confeccionadas sobre esporão de raia

foram coletados 5 exemplares, alguns bastante alterados. A matéria-prima foi

seccionada e, em seguida, alisada, dando forma ao objeto. Pontas de lâmina triangular,

bordas convexas, pedúnculo contrátil, com bordas convexas e base reta; secção

transversal biconvexa; secção longitudinal biconvexa; o comprimento da lâmina

corresponde a 1/2 do comprimento total da peça. Algumas peças, mostrando as etapas

intermediárias da confecção dos espécimens foram coletadas. Dimensões: 58 a 29 mm

de comprimento e 12 a 7 mm de largura.

1.6.5 Ponta Simples. Confeccionada sobre esporão de raia, foi coletado apenas 1

exemplar. Foi utilizada a porção final do esporão. As extremidades foram seccionadas,

sendo umas aguçadas para formar a ponta e a outra alisada, constituindo uma base

convexa. Dimensões: 48 mm de comprimento e 10 mm de largura.

1.6.6 Ponta Simples. Exemplares confeccionados sobre esporão de peixe, ainda

não identificado. Não foram utilizados como pontas de projétil, mas como perfuradores.

A porção basal foi seccionada e alisada lateralmente. Dimensões: 47 mm de

comprimento e 7 mm de largura.

2. Instrumentos Sobre Dentes

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Os dentes de animais, mamíferos e marinhos e peixes, seláquios, constituíram,

também, uma importante fonte de matéria-prima, para a confecção de artefatos. Nós os

dividimos, em duas categorias, para efeito de análise: 2.1 dentes de seláquios e 2.2

dentes de mamíferos.

2.1 Dentes de seláquios. Na presente descrição nos limitaremos aqueles

exemplares que, intencionalmente, hajam sido modificados, a fim de atender a uma

função.

2.1.1 Dentes de seláquios com dupla-perfuração. Um exemplar, da espécie

Geleocerdo cuvier e 2 exemplares, da espécie Carcharodon carcharias.

2.1.2 Dentes de seláquio com raíz alisada. Foram coletados 8 exemplares da

espécie Odontaspes taurus, 11exemplares da espécie Geleocerdo curvier e 5 exemplares

da espécie Carcharodon carcharias. A raíz está perfeitamente alisada em todos os

exemplares.

2.1.3 Dentes de Seláquio com raíz alisada e seccionada lateralmente. Foram

coletados 9 exemplares, sendo 3 da espécie Odontaspes taurus, 4 da espécie

Carcharodon carcharias e 2 não identificados. Alguns exemplares tem alisadas também

as coroas.

2.1.4 Dentes de seláquio com entalhes sobre a raíz. Um exemplar, de espécie não

identificada, mostrando dois pequenos entalhes na face externa, obtidos por fricção.

Além dos artefatos descritos foram coletados numerosos exemplares de dentes

de seláquio pertencentes às espécies mencionadas, mostrando evidentes sinais de

utilização.

2.2 Dentes de Mamíferos.

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São pouco numerosos os artefatos confeccionados sobre dentes de mamíferos

quer marinhos, quer terrestres.

2.2.1 Dente de boto, com raíz perfurada. Foi coletado, apenas um exemplar, com

perfuração próxima ao ápice da raiz obtida por movimento rotativo do perfurador.

2.2.2 Dente de porco-do-mato seccionado longitudinalmente. Um exemplar,

seccionado longitudinalmente, com início de polimento sobre a parte seccionada.

2.2.3 Três exemplares de dentes de mamífero não identificado, possívelmente,

um roedor, seccionados longitudinalmente.

Os instrumentos de ossos e dentes coletados no Sambaqui de Enseada I - SC LN

71 - constituem um dos principais elementos para a identificação da segunda ocupação

do sítio. São também excelentes indicadores no que tange a identificação de mudanças

de atividades de subsistência, aliados a cerâmica, cujos cacos de recipientes são

encontrados nos mesmos níveis.

6.2.3-Instrumentos de Conchas

Nas duas sondagens efetuadas foi encontrado um único instrumento de concha.

Trata-se de um exemplar de Macoma constricta (?) cuja borda foi retocada formando

como que uma serra rudimentar.

Outras peças encontradas confeccionadas sobre Carapaças de moluscos são

adornos de conchas de gasterópodes como Olivancilaria auricularia, Polinices brumeus.

Mais uma vez tornamos a afirmar que a fragilidade das carapaças de moluscos

impedia que as mesmas fossem largamente utilizadas como matéria-prima para a

confecção de artefatos utilitários, preferindo as populações litorâneas destina-las para a

confecção de adornos.

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6.2.4-Recipientes de Cerâmica

Foram encontrados no Sambaqui de Enseada I- SC LN 71 - 4.500 cacos de

cerâmica. Estes remanescentes arqueológicos estavam localizados na parte superior do

Sambaqui, atingindo uma profundidade de 1,50 metros, ou seja, a profundidade máxima

que atingiu a segunda ocupação, na Sondagem nº 1, do trabalho que efetuamos. Estava

associada à indústria óssea e a sepultamentos com esqueletos fletidos em decúbito

lateral.

A cerâmica do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71- pode ser classificada em

dois sub-tipos, uma vez que as variações observadas não são de molde a permitir a

criação de dois tipos distintos. Em trabalho publicado anteriormente (Beck, 1968: 89-

100) havíamos classificado a cerâmica dos sambaquis localizados no Litoral Norte de

Santa Catarina, em dois tipos: Enseada Escuro e Enseada Vermelho. Entretanto, o

material que haviamos analisado não provinha de escavações sistemáticas, fato que

assinalamos no trabalho referido e, conseqüentemente, seria necessária uma revisão da

classificação no momento em que dispuséssemos de dados coletados sistematicamente.

As características técnicas dos dois sub-tipos classificados são:

Sub-Tipo: I

Pasta:

Método de Manufatura: acordelado; os roletes estão melhor rejuntados próximos

das bordas, onde são pouco visíveis nas fraturas.

Antiplástico: areia fina em 55% dos cacos; areia grossa em 45% dos cacos; em

numerosos cacos encontram-se grãos de quartzo de até 3 mm de diâmetro.

Textura: compacta, muito resistente; fratura irregular.

Cor: predomina a cor preta, com variações entre o preto acinzentado e o marrom

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acinzentado.

Queima: bem queimada; poucos cacos mostram queima irregular.

Superfície:

Cor: preta predominantemente; variando entre o preto acinzentado e o marrom

café.

Tratamento: alisada a mão; uma fina película de argila, semelhante ao engobe,

pode ser observada em todos os cacos, nas superfícies externa e interna; a superfície

externa é brilhante, quase envernizada, em alguns casos; os recipientes foram utilizados

diretamente no fogo, o que se evidencia pelos restos carbonizados de alisamento que

aderiram as paredes internas em alguns cacos e pelo carvão visível nas paredes externas.

Dureza: 3,5 a 4 da escala de Mohs.

Formas:

Bordas: predominam bordas expandidas e extrovertidas; encontramos também

bordas diretas, reforçadas externa e internamente.

Lábios: redondos ou apontados, algumas vezes aplanados.

Espessura: varia entre 3 e 13 mm, concentrando -se entre 5 e 7 mm.

Base: plana e arredondada, com pequena depressão central, que pode deixar de

ocorrer em alguns casos.

Bojo: predominantemente ovóide, embora também possa ser em meia calota e

crônico.

Perfil: predominam os vasos de contorno simples, com gargalo, embora também

ocorram tijelas.

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Sub-Tipo: II

Pasta:

Método de Manufactura: acordelado.

Antiplástico: areia grossa em 60% dos cacos; areia fina em 40% dos cacos; em

ambos os casos encontramos grãos de quartzo de até 3 mm de diâmetro.

Textura: compacta, fraturas irregulares.

Cor: cinza ao preto acinzentado.

Queima: mal queimada a regularmente queimada.

Superfície:

Cor: varia entre o laranja e o marrom avermelhado.

Tratamento: alisada à mão; os cacos mostram interna e externamente uma

película de argila, semelhante ao engobe; superfície fosca, levemente erodida.

Dureza: 3 a 3,5 da escala de Mohs.

Formas:

Bordas: predominam as bordas retas, reforçadas interna e externamente;

ocorrem, também, bordas expandidas e extrovertidas.

Lábios: redondos e apontados, raramente aplanados.

Espessura: varia entre 5 e 12 mm, concentrando-se entre 6 e 8 mm.

Bases: planas e arredondadas, ocorrendo pequena depressão central, em alguns

cacos.

Bojo: predominam as formas em meia calota; em poucos casos aparece a forma

ovóide.

Perfil: predominam as tijelas e, em pequena escala, vasos de perfil simples, com

gargalo.

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Pela descrição das características técnicas da cerâmica encontrada no Sambaqui

de Enseada I - SC LN 71- podemos observar que esta se assemelha grandemente aquela

encontrada no Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 e nos sítios paleoetnográficos

escavados na Ilha de Santa Catarina, como Base Aérea (Rohr, 1959; e Schmitz 1969); e

Tapera (Rohr, 1966). Possivelmente, por se tratar de um sítio de maiores dimensões foi

maior também a quantidade de cerâmica.

6.2.5 –Conclusões

Os artefatos encontrados nas duas ocupações do Sambaqui de Enseada I - SC LN

71 - definem as características assumidas pelos grupos que o construíram. A primeira

ocupação se caracteriza por ser pré-cerâmica, com instrumentos de pedra e raros

instrumentos de osso. Não foram encontrados instrumentos de conchas e tampouco

cacos de cerâmica.

A segunda ocupação se caracteriza por uma maior complexidade técnica, com

instrumentos de pedra, ainda rudimentares, mais com instrumentos de ossos e dentes

elaborados, com funções perfeitamente definidas. Cacos de cerâmica constituem um

importante indicador das modificações ocorridos entre os grupos do Litoral Norte e,

possivelmente, de todo o Litoral de Santa Catarina, das quais Sambaqui de Enseada I -

SC LN 71 - e o Sambaqui do Forte Marechal Luz - SC LN 76 - constituem os melhores

indicadores.

Continuamos, assim, insistindo em que a introdução da cerâmica no Litoral

Norte e a possibilidade de se estabelecer as relações existentes entre os grupos pré-

históricos do Litoral e do Planalto constituem uma fascinante hipótese de trabalho. Os

dados existentes embora já em um número considerável, são, todavia insuficientes para

explicar as migrações dos habitantes pré-históricos do Brasil Meridional. Porém, o

quadro está ficando mais claro, na medida em que prosseguem as pesquisas na área.

Acreditamos, assim, que em breve poderemos estabelecer as principais linhas das

migrações pré-históricas do Brasil Meridional bem como o processo de povoamento do

Litoral de Santa Catarina, das quais é uma ccnseqüência.

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6.3 - Restos Ósseos Humanos

Nas três etapas de escavação do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - foram

encontrados restos ósseos de vinte indivíduos. Na primeira etapa foram recolhidos os

restos esqueletais de dez indivíduos; na segunda etapa de quatro indivíduos e na terceira

etapa de seis indivíduos.

Os restos ósseos, quanto ao estado de conservação mostraram-se em condições

precárias, havendo alguns cuja recuperação, em laboratório se mostrou impraticável.

Não foi utilizada qualquer técnica na tentativa de promover uma maior dureza dos

ossos, o que teria facilitado a sua remoção, apenas, álcool a 40 graus foi utilizado no

sentido de tornar os ossos mais secos, impedindo sua fragmentação após a remoção.

Os restos de esqueletos humanos encontrados no Sambaqui de Enseada I - SC

LN 71 - sempre que encontrados em conexão anatômica e dentro de um contexto

perfeitamente definido foram designados por sepultamentos. A existência de costumes

funerários observados através de diversos elementos permite-nos afirmar da

intencionalidade da prática de tal ato, por parte dos grupos humanos, construtores do

sambaqui, razão pela qual os designamos como sepultamentos.

6.3.1 - Sondagem nº 1

Na Sondagem nº 1, os sepultamentos são identificados pela letra S seguida de

um número, de acordo com a ordem cronológica dos achados e das letras A e B, no caso

de se tratar de sepultamento duplo.

Sepultamento S. 1

Localização: Restos localizados no Setro C.2, nível artificial XIII, profundidade

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de 120 e 130cm, da superfície do Sambaqui.

Costumes Funerários: Estava sepultado em cova forrada de argila compactada,

envolvida por conchas soltas. O esqueleto foi orientado no sentido NE-SW, em decúbito

lateral esquerdo, completamente fletido. As dimensões da cova eram 82 cm de

comprimento e 45 cm de largura. Impossível determinar-se a profundidade. Os ossos

mostravam vestígios de corante vermelho.

Conservação do Esqueleto: Encontrado em estado fragmentário, com ausência

de várias partes do crâneo, parte dos ossos dos membros inferiores (tíbia, perôneo e

ossos dos pés).

Dados Antropológicos: Tratava-se de um indivíduo adulto, cuja idade não foi

possível determinar, em conseqüência do estado fragmentário dos ossos.

Sepultamento S.2 (Prancha nº 39)

Localização: Restos localizados no Setor C. 2, níveis artificiais XIII a XIV, a

profundidade, de 120 a 140 cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositado em cova forrada de argila, não compactada.

Esqueleto, orientado no sentido NE-SW, em decúbito lateral esquerdo totalmente

fletido, face orientada para SE. As dimensões da cova eram 95 cm de comprimento e 40

cm de largura. Os ossos mostravam vestígios de corante vermelho.

Conservação do Esqueleto: Em estado fragmentário, com ausência de ossos do

crâneo (ocipital, parietal e temporais).

Dados Antropológicos: Indivíduo adulto, cujo sexo não pode ser determinado

em conseqüência do estado de conservação do esqueleto.

Sepultamento S.3

Localização: Restos localizados no Setor D.0, nível artificial XIV, a

profundidade de 130 a 140 Cm, da superfície do sambaqui.

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Costumes Funerários: Depositado em cova forrada de argila concrecionada, a

qual se misturavam conchas e carvão. Esqueleto orientado no sentido NE-SW, em

decúbito lateral esquerdo, completamente fletido, face voltada para SE. Um objeto

associado: um seixo de rocha metamórfica. Os ossos estavam cobertos de corante

vermelho que se evidenciava, também no interior da cova, em torno do esqueleto.

Conservação do Esqueleto: Encontrado em estado fragmentário, com o crâneo e

os ossos longos em precárias condições. A parte inferior do esqueleto estava localizada

sob a parede da sondagem, o crâneo mostrava-se deformado em conseqüência do peso

do sambaqui.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, cujo sexo não pode ser

determinado, em conseqüência do estado fragmentário dos ossos.

Sepultamento S.4 (Pracha nº 39)

Localização: Restos localizados no Setor D.1, níveis artificiais 15 e 16, a

profundidade de 140 a 160 cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositado em cova. Esqueleto orientado no sentido E-W,

em decúbito lateral esquerdo, completamente fletido. Face voltada para W. Dimensões

da cova: 80 cm de comprimento e 47 cm de largura. Vestígios de corante vermelho

sobre os ossos longos. O crâneo estava deslocado, encontrando-se em posição vertical.

Os demais ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Encontrado em bom estado de conservação, no que

se refere ao crâneo e aos ossos longos. Demais ossos muito fragmentados. Ausentes,

ossos do crâneo: temporal esquerdo e parte do ocipital.

Dados Antropológicos: Esqueleto de jovem adulto, cujo sexo não pode ser

determinado, em conseqüência do estado de conservação dos ossos.

Sepultamento S.5

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Localização; Restos localizados no Setor D.2, níveis ar tificiais XV e XVI, a

profundidade de 140 a 160 cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositado em cova de argila compactada, a qual se

misturavam conchas e carvão. Esqueleto orientado no sentido E-W, em decúbito lateral

esquerdo, completamente fletido. Face voltada para S. Dimensões da cova: 75 cm de

comprimento e 35 cm de largura; impossível determinar a espessura. Os ossos dos pés,

as vértebras e os ossos da bacia mostravam vestígios de corante vermelho. Um seixo de

quartzo apoiava o crâneo, constituindo-se no único objeto associado. Todos os ossos

estavam em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos regularmente conservados, mostrando-se o

crâneo fragmentado, com ausência do temporal direito.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo de idade adulta, cujo sexo não foi

determinado em conseqüência da conservação dos ossos.

Sepultamento S.6 (Prancha nº 40)

Localização: Restos localizados nos Setores C.2 e D.2, níveis artificiais XVI e

XVII, a profundidade de 150 a 170 cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositado em cova de argila compactada, à qual se

misturavam conchas e carvão. Esqueleto orientado no sentido E-W, em decúbito lateral

esquerdo, semi-fletido: membros superiores fortemente flexionados, mãos abertas sobre

a face, membros inferiores estendidos. Face voltada para S. Dimensões da cova: 100 cm

de comprimento e 25 cm de largura. Não foi possível determinar a espessura.

Fragmentos de corante, fragmento de bula timpânica de baleia e um seixo de quartzo

constituíam os objetos associados. Vestígios de corante vermelho em volta do esqueleto.

Conservação do Esqueleto: Os ossos apresentavam regular estado de

conservação. Havia ausência de ossos: todas as vértebras com excessão de duas

vértebras cervicais; ossos da bacia; ossos do membro do úmero, omoplatas, clavículas,

esterno e costelas.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo de idade adulta, cujo sexo não

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pode ser determinado em conseqüência do estado de conservação dos ossos.

Sepultamento S.7 (Prancha nº 41)

Localização: Restos localizados no Setor C. 1, níveis artificiais XVI e XVII, a

profundidade de 150 a 170 cm da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositados em cova de argila compactada, à qual se

misturaram conchas e carvão. Esqueleto orientado no sentido NE-W, em decúbito

lateral esquerdo, completamente fletido. Face orientada para SE. Dimensões da cova:

100 cm de comprimento e 45 cm de largura. Impossível determinar a espessura.

Vestígios de corante sobre os ossos. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em bom estado de conservação, embora

parcialmente fragmentados.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, provavelmente de sexo

masculino.

Sepultamento S.8

Restos de esqueletos de duas crianças: S.8.A, restos de uma criança menor de

dois anos; S.8.B restos de uma criança menor de 9 anos.

Sepultamento S.8.A

Localização: Restos localizados nos Setores C.2 e C.3, nível artificial XII, a

profundidade de 110 a 120 cm da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Não foi observada a existência de cova, uma vez que o

esqueleto foi encontrado em área que sofreu deslocamento de camada, estando

destruídas praticamente todas as evidências de costumes funerários. Esqueleto

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orientado, possivelmente, em sentido NE-SW, disposição e posição prejudicadas, bem

como a orientação da face. Ossos do crâneo cobertos de corante vermelho.

Conservação do Esqueleto: Estado de conservação do esqueleto era o pior

possível, sem qualquer possibilidade de recuperação em laboratório. Ausentes os ossos

dos membros inferiores, parte do crâneo e parte dos membros superiores.

Dados Antropológicos: Restos de uma criança, de idade inferior a 2 anos.

Sepultamento S.8.B (Prancha nº 41)

Localização: Restos localizados nos Setores C.2 e C.3, nível artificial XIII, a

profundidade de 120 a 130 cm da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Não foi observada cova, pelas razões já expostas para o

S.8.A. Esqueleto orientado no sentido SW-NE, em decúbito lateral direito,

completamente fletido, face voltada para W. Dimensões da área ocupada pelo esqueleto:

80 cm de comprimento e 30 cm de largura. Vestígios de corante sobre os ossos. Ossos

em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Esqueleto em péssimo estado conservação, com

possibilidade precária de recuperação em laboratório.

Dados Antropológicos: Restos de uma criança de idade inferior a 9 anos.

Sepultamento S. 9

Localização: Restos localizados no Setor B.2, nível artificial XI, a profundidade

de 100 a 110cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Os costumes funerários foram prejudicados na sua quase

totalidade pelo deslo camentoda camada em que estava depositado o esqueleto. Pode ser

observado, apenas, a presença de corante vermelho sobre os ossos da face e a orientação

da mesma para SW.

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Conservação do Esqueleto: Em virtude do deslocamento da camada na qual o

esqueleto estava depositado, foram encontrados, no local, apenas uma parte do crâneo,

constante dos ossos frontal, dos ossos da face e do maxilar inferior.

Dados Antropológicos: Restos de um indivíduo de idade adulta, cujo sexo não

pode ser determinado em conseqüência da ausência da quase totalidade do esqueleto.

Sepultamento S.10

Localização: Restos localizados no Setor C.1, nível artificial XVI, a

profundidade de 150 a 160 cm.

Costumes Funerários: Depositado em cova, de conchas e terra escura. Esqueleto

orientado no sentido NE-SW, em decúbito lateral direito, possivelmente fletido. Face

orientada para NE. Dimensões da cova: 66 cm de comprimento e 35 cm de largura.

Impossível determinar a espessura. Vestígios de corante vermelho sobre os ossos. Ossos

em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos muito fragmentados, com ausência dos ossos

dos membros inferiores, que não foram localizados.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo de idade adulta, porém jovem,

cujo sexo não pode ser determinado em conseqüência do estado fragmentário dos ossos.

Os sepultamentos descritos acima foram encontrados na primeira etapa da

escavação da sondagem nº l. (Prancha nº 42). Os sepultamentos cuja descrição é feita a

seguir foram encontrados na segunda etapa de escavação da mesma sondagem, a partir

de 160 cm de profundidade.

Sepultamento S.131

Localização: Restos localizados nos Setores C.0, C.1, níveis artificiais XVII e 1 Os sepultamentos encontrados na segunda etapa da escavação da sondagem nº 1 foram numerados entre 13 e 16, com interrupção

de dois números.

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XVIII, a profundidade de 170 e 190 cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositados em cova de argila compactada, forrada de

areia clara e fina (areia de praia). Esqueleto orientado no sentido NW-SE, em decúbito

lateral esquerdo. Posição estendida, com os membros inferiores ligeiramente

flexionados, face voltada para NE. Dimensões da cova: 185 cm de comprimento e 60

cm de largura; impossível determinar a espessura. Como objetos associados um

instrumento de pedra, do tipo batedor e uma ponta de osso. Vestígios de corante sobre

os ossos ilíacos. Ossos em conexão anatômica.

Conservação dos Esqueletos: Ossos muito fragmentados com alguma

possibilidade de recuperação.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, cujo sexo não foi

determinado em conseqüência das condições de conservação dos ossos.

Sepultamento S.14

Localização: Restos localizados no Setor D.0, nível artificial XVIII, a

profundidade de 170 a 180 cm.

Costumes Funerários: Depositado em cova de argila compactada, envolvida por

conchas. Esqueleto orientado no sentido NE-SW, em decúbito lateral esquerdo, posição

estendida. Face orientada para SE. Não foi possível observar-se o tamanho total da

cova, uma vez que parte dos ossos dos membros inferior se encontrava no interior da

parede sul da sondagem nº 1. Vestígios de corante sobre ossos ilíacos e ossos dos

membros inferiores. Ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos em regular estado de conservação. O crâneo

deformado pelo peso do sambaqui.

Dados Antropológicos: Esqueleto de um indivíduo adulto, cujo sexo não foi

determinado, em conseqüência do estado de conservação dos ossos.

Observação: Junto às costelas foi localizado o crâneo de um esqueleto de

criança, identificado como S.17, mas que não chegou a ser removido.

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Sepultamento S.15 (Prancha nº 42)

Localização: Restos localizados nos Setores D.0 e E.0, níveis artificiais XVIII e

XIX, a profundidade de 170 e 190 cm, da superfície do sambaqui.

Costumes Funerários: Depositados em cova forrada de argila compactada, que

aderiu aos ossos. Esqueleto orientado no sentido NE-SW, em decúbito lateral esquerdo,

posição estendida. Face voltada contra o solo. Dimensões da cova: 190 cm de

comprimento e 50 cm de largura, impossível determinar a espessura. Não havia corante

sobre os ossos ou no interior da cova.

Conservação do Esqueleto: Ossos regularmente conservados, parcialmente

recuperáveis em laboratório. Crâneo deformado pelo peso do sambaqui.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo adulto, cujo sexo não foi

determinado, em conseqüência das condições de conservação dos ossos.

Sepultamento S.16

Localização: Restos localizados nos Setores C.0 e D.0, nível artificial XVIII, a

profundidade de 170 a 180 cm de profundidade da superfície do sambaqui.

Costumes funenários: Depositados em cov forrada de argila, com areia fina e

clara, envolvendo o esqueleto. Este estava orientado no sentido NE-SW, em decúbito

lateral esquerdo, posição estendida. Face voltada para baixo. Dimensões da cova não

foram totalmente observadas por se acharem os ossos dos membros inferiores colocados

parcialmente sob a parede norte da sondagem nº 1. Fragmento de diabásio, localizado

junto aos ossos ilíacos constituiu o único objeto associado. Vestígios de corante

vermelho foram encontrados nos ossos do crâneo.

Conservação do Esqueleto: Os ossos do crâneo e ossos longos estam em péssimo

estado de conservação, embora parcialmente recuperáveis em laboratório. Crâneo

deformado pelo peso do sambaqui.

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Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo de idade adulta, cujo sexo não foi

determinado, em conseqüência da deformação dos ossos.

Os sepultamentos acima descritos foram aqueles encontrados na sondagem nº 1

escavado na primeira e segunda etapas de trabalho de campo, do Sambaqui de Enseada I

-SC LN 71 (Prancha nº 43).

6.3.2-Sondagem nº 2

Na sondagem nº 2 os sepultamentos são identificados pela letra S, antecedida

pelo número 2. A letra S segue-se o número do sepultamento de acordo com a ordem

cronológica do achado e, ainda, das letras A e B, no caso de haver mais de um esqueleto

por sepultamento.

Sepultamento 2.S.1

Localização: Restos localizados no Setor A, nível II e III, a profundidade de 10 a

30 cm da superfície do corte, onde se localiza a sondagem.

Costumes Funerários: Os restos ósseos estavam bastante dispersos, ocupando

uma grande área. Ossos longos encontravam-se envolvidos por argila e pedras,

evidenciando uma cova. O esqueleto deveria ter sido orientado no sentido E-W,

possivelmente em posição fletida. Apenas os ossos dos membros inferiores foram

encontrados em conexão anatômica. Estes repousavam sobre uma camada de areia fina

e clara, que forrava a cova. Corante vermelho envolvia os ossos. Os ossos dos membros

inferiores estavam entre restos de três pequenas fogueiras, havendo inclusive um osso

cuja extremidade estava carbonizada. Núcleos de corante vermelho também estavam

associados à estrutura.

Conservação do Esqueleto: Apenas alguns ossos longos foram encontrados: os

dos membros inferiores, havendo, porém, ausência dos ossos dos pés. Estavam ausentes

todos os demais ossos, inclusive os do crâneo e dos membros superiores, os ossos

ilíacos e vértebras.

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Dados Antropológicos: Pelo que se pode inferir dos ossos longos dos membros

inferiores deveria tratar-se dos restos do esqueleto de um indivíduo adulto.

Sepultamento 2.S.2

Localização: Restos localizados no Setor B, nível artificial IV, a profundidade de

30 a 40 cm da superfície do corte, onde se localiza o sambaqui 2.

Costumes Funerários: Foi encontrado, apenas, um crâneo, sem qualquer

evidência dos costumes funerários. Estava a 60 cm de um grande osso de baleia

(vértebra com as epífises), em uma camada de conchas soltas. Os ossos do crâneo,

embora fragmentados, mostravam-se em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Encontrado apenas o crâneo, muito fragmentado e

friável. Parcialmente recuperável em laboratório.

Dados Antropológicos: Crâneo do esqueleto de um indivíduo adulto. Impossível

determinar o sexo, pelas razões já expostas.

Sepultamento 2.S.3 (Prancha nº 44)

Localização: Restos localizados nos Setores A e B, nível artificial V, a

profundidade de 40 a 50 cm da superfície do corte no qual está localizada a Sondagem

nº2.

Costumes Funerários: Depositados em uma cova de argila, de coloração escura.

Esqueleto orientado no sentido E-W, em decúbito lateral esquerdo, posição fletida. Face

orientada para N. Dimensões da cova: 105 cm de comprimento e 45 cm de largura;

impossível determinar a espessura. Embora fossem encontrados fragmentos de corante

vermelho no interior da cova, os ossos não apresentavam vestígios do mesmo.

Conservação do Esqueleto: O esqueleto estava fragmentado, mostrando-se os

ossos muito friáveis em conseqüência da consistência argilosa da cova, e ainda, do peso

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do sambaqui. Alguns ossos não são passíveis de recuperação em laboratório. Parte dos

ossos do crâneo estã ausentes, não sendo possível identificar quais os que faltam

exatamente.

Dados Antropológicos: Restos de esqueleto de um indivíduo adulto. Impossível

determinar o sexo pelas razões já expostas.

Sepultamento 2.S.4 (Prancha nº 44)

Localização: Restos localizados no Setor C, nível artificial IV, a profundidade de

30 a 40 cm da superfície do corte onde estava localizada a sondagem nº 2.

Costumes Funerários: Depositados em cova de argila. Esqueleto orientado em

sentido NE-SW, em decúbito dorsal, posição estendida. Face orientada para cima.

Dimensões da cova: 160 cm de comprimento e 50 cm de largura. Como objetos

associados foram encontradas três peças líticas, fusiformes, além de pontas de osso.

Corante encontrado em fragmentos, ossos em conexão anatômica.

Conservação do Esqueleto: Ossos muito fragmentados, parcialmente

recuperáveis em laboratório. Deformações foram causadas pelo peso do sambaqui.

Dados Antropológicos: Esqueleto de indivíduo jovem, possivelmente de sexo

masculino.

Sepultamento 2.S.5

Localização: Restos localizados nos Setores A e C, do nível artificial V, a

profundidade de 40 a 50 cm da superfície do corte, no qual se localiza a Sondagem nº 2.

Costumes Funerários: Sepultamento com restos de dois esqueletos: um indivíduo

adulto e uma criança, menor de dois anos. Os restos dos esqueletos estavam depositados

em cova, contendo uma camada de areia clara e fina. Estavam os esqueletos orientados

no sentido SW-NE, face orientada para E (adulto). Dimensões da cova: 160 cm de

comprimento e 50 cm de largura; impossível determinar a espessura. O esqueleto de

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202

criança estava totalmente coberto de corante vermelho. Apoiava-se sobre o lado

esquerdo do esqueleto adulto. Todos os ossos, tanto da criança como do adulto estavam

em conexão anatômica.

Conservação dos Esqueletos: A conservação de ambos os esqueletos era

precária. Crâneo e ossos longos de adultos parcialmente recuperáveis em laboratório.

Esqueleto da criança praticamente irrecuperável.

Dados Antropológicos: Restos do esqueleto do indivíduo adulto, provavelmente

de sexo femino; restos do esqueleto de uma criança de idade inferior a dois anos.

De acordo com a descrição acima foram encontrados 20 sepultamentos, nas duas

sondagens procedidas no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 e 22 esqueletos, dos quais

três eram de crianças.

6.3.3 - Análise dos Dados

Os dados expostos acima, relativos à descrição dos sepultamentos encontrados

no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 nos permitem observar que estes, em função de

suas características, podem ser agrupados, formando conjuntos, que indicam uma

possível variação quanto aos grupos construtores do sambaqui. As diferenças entre os

conjuntos de características são particularmente notáveis no que toca aos sepultamentos

encontrados na Sondagem nº 1. Variações importantes com relação a uma série de

elementos dos costumes funerários, parecem evidenciar a existência de dois grupos

distintos, no que tange a tradição cultural ligada ao ritual funerário.

Entre os elementos que julgamos da maior importância, principalmente para o

estabelecimento da demografia são os relativos à idade relativa e sexo dos indivíduos,

cujos restos esqueletais são encontrados na escavação. Dados relativos à idade foram

obtidos com facilidade, uma vez que muitos elementos ósseos podem fornecê-la.

Entretanto, com relação ao sexo, poucas vezes obtivemos evidências que nos

permitissem afirmar que se tratavam de indivíduos de um ou outro sexo. Apenas do

Sepultamento 2.S.5.A, em vista das evidências culturais, podemos afirmar tratar-se de

um esqueleto de mulher.

Os ossos de crâneo e da bacia foram encontrados freqüentemente deformados,

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pelo peso das camadas do sambaqui, que estavam situadas acima dos esqueletos. Além

da deformação, no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 – os esqueletos mostravam-se

fragmentados, faltando em alguns casos partes do crâneo. Em outras circunstâncias

estavam os ossos muito friáveis, desfazendo-se ao serem tocados. Estas circunstâncias

impediram assim, determinar com segurança o sexo dos indivíduos cujos esqueletos

foram encontrados na escavação.

Das características relacionadas entre os costumes funerários pode-se observar

que duas se mantiveram constantes: articulação dos ossos, que com apenas uma

excessão, mostravam-se em todos os esqueletos em conexão anatômica; e a presença de

corantes, que deixou de ocorrer em dois sepultamentos.

A primeira delas indica que estamos diante de grupos que praticavam

sepultamento primário. Os esqueletos foram encontrados na sua posição original de

sepultamento. Isto está perfeitamente evidenciado em todos os sepultamentos cujos

ossos não foram, parcialmente, dispersos, por razões alheias aos costumes funerários.

Articulação dos ossos das mãos e dos pés, dos ossos dos membros superiores e

inferiores, das vértebras e das costelas é perfeita. Evidentemente, a prática de

sepultamento primário era a única conhecida pelos grupos que aí se localizaram.

A presença de corantes é prática corrente entre os grupos construtores dos

sambaquis. Ocorre sempre com relativa abundância no interior das covas, sobre os

ossos do esqueleto, envolvendo tudo o que estiver associado ao sepultamento.

Estas duas características, portanto, parecem ter sido comuns aos grupos, de vez

que ocorreram de forma generalizada, independente da profundidade, do setor e de

outras características funerárias, que nos permitem identificar conjuntos, entre os

sepultamentos encontrados neste Sambaqui.

Como já dissemos acima chamam particularmente a atenção as diferenças entre

os sepultamentos encontrados na Sondagem nº 1. Estas diferenças tem duas origens, que

podem ser perfeitamente observadas. A primeira diz respeito aos sepultamentos que

sofreram modificações após terem sido executados. Em conseqüência, não foi possível

observar muitos dos elementos funerários, havendo em alguns casos, ainda, ausência de

partes do esqueleto, removidas quando da ação de elementos alheios ao sepultamento. É

o caso dos sepultamentos S.8.A e B e S.9, localizados em uma área que sofreu, sem

dúvida alguma deslizamento de camada. Foram encontrados entre conchas soltas, em

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camada friável, que durante a escavação sofreu freqüentes desabamentos de pequeno

porte. Partes dos esqueletos haviam sido removidas e não foram encontradas durante a

escavação, prejudicando as observações relativas a orientação, posição e disposição do

esqueleto. Ainda, com relação a estes sepultamentos, não podemos afirmar que se

encontrassem em sua localização original, apesar das partes dos esqueletos que foram

encontradas mostrarem-se em conexão anatômica.

Na Sondagem nº 2 ocorreu apenas um caso, semelhante. O Sepultamento 2.S..2

foi encontrado em parte. Entretanto, aí não há indicação de que tenha havido

deslocamento de camada. Mas, pelas evidências arqueológicas, é possível que haja

ocorrido perturbação, em virtude de um sepultamento, posterior, além da existência de

fogueiras, o que indica ter sido o local muito utilizado.

Voltanto a Sondagem nº 1, pelas evidências funerárias descritas, pode-se

observar que os sepultamentos formam dois conjuntos nítidos. Temos então a segunda

origem da diversificação dos sepultamentos. Grupos distintos, com distintos costumes

funerários.

O primeiro conjunto é formado pelos sepultamentos encontrados na primeira

etapa de escavação, ou seja, os sepultamentos S.1 a S.10. Apresentam como

características comuns: deposição em cova de argila (8 sepultamentos); orientação NE-

SW (6 sepultamentos) e E-W (3 sepultamentos); disposição em decúbito lateral

esquerdo (7 sepultamentos) em decúbito lateral direito (2 sepultamentos); posição

fletida (8 sepultamentos) presença de corante (10 sepultamentos); ossos em conexão

anatômica (10 sepultamentos, com exessão do Sepultamento S.8.A); esqueletos de

indivíduos de idade adulta (9 sepultamentos).

O segundo conjunto é formado pelos sepultamentos encontrados na segunda

etapa de escavação, ou seja, os sepultamentos S.13 a S.16. Apresentam como

características comuns deposição em cova de argila forrada de areia: (2 sepultamentos);

orientação NE-SW (3 sepultamentos); disposição em decúbito lateral esquerdo (4

sepultamentos); posição estendida (4 sepultamentos); presença de corante (4

sepultamentos);

O segundo conjunto mostra maior proximidade com o conjunto formado pelos

sepultamentos encontrados na sondagem nº 2. Apenas dois sepultamentos foram

encontrados em condições satisfatórias, permitindo uma comparação: 2.S.4 e 2.S.5. A e

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B. A principal característica que aproxima estes dois conjuntos diz respeito ao tipo de

cova de argila forrada por uma camada pouco espessa de areia clara e fina, trazida de

uma praia próxima, ou das dunas. A principal distinção diz respeito à disposição do

esqueleto: enquanto os esqueletos do segundo conjunto da Sondagem nº 1 estão em

decúbito lateral esquerdo, os da Sondagem nº 2 estão em decúbito dorsal.

Embora, em vista da correlação de dados possíveis, entre os sepultamentos da

Sondagem nº 1 e da Sondagem nº-2, quase possamos admitir terem sua origem no

mesmo grupo ou serem pertencentes a mesma populaçã, não consideramos a amostra

satisfatória para uma afirmação definitiva. Salientamos, porém, que existem

possibilidades em face de outros elementos culturais, que os sepultamentos S.13 a S.16

da Sondagem Nº 1 e os Sepultamentos da Sondagem nº 2 pertencerem a um mesmo

grupo cultural. Possivelmente, não deverão pertencer à mesma população, em vista da

sua localização estratigráfica, estando os primeiros próximos ao topo do sambaqui

enquanto os segundos estarão, aproximadamente, 10 metros abaixo, próximos da base,

do sítio.

Resumindo, vemos que os sepultamentos encontrados na escavação do

Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 não são padronizados quanto à prática de costumes

funerários. Estes podem ser agrupados em dois conjuntos, indicando origens culturais

diversas, para os grupos que os praticaram, embora, como dissemos anteriormente, não

consideremos a amostra satisfatória para afirmar definitivamente, a existência de

correlação entre os últimos sepultamentos encontrados na Sondagem nº 1 e os

Sepultamentos da Sondagem º 2. Neste caso, teríamos que admitir, então, a existência

de um terceiro conjunto de sepultamentos, de características pouco padronizadas, mas

evidentemente relacionados em vista das circunstâncias em que foram encontrados os

sepultamentos da Sondagem nº 2.

Independente da sua origem cultural todos os grupos praticavam sepultamentos

primários, o que ficou perfeitamente definido em face da conexão anatômica em que

foram encontrados os ossos na totalidade dos sepulmentos.

Com relação ao Sepultamento 2.S.1. as evidências não nos permitiram observar

entre a intencionalidade e o acaso do fato de haver um osso humano carbonizado.

Acreditamos, porém, que deverá tratar-se de um acaso, tendo em vista a existência de

fogueiras no local e da conexão anatômica dos ossos dos membros inferiores.

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Os sepultamentos encontrados nesse sambaqui podem ser correlacionados a

sepultamentos encontrados em sambaquis da mesma área, e que será feito em outro

local.

6.4 - As Evidências da Ocupação

No Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - a exemplo do que aconteceu nos

sambaquis anteriormente descritos foram encontradas numerosas estruturas que

evidenciam a ocupação humana do local. Estas estruturas, geralmente horizontais, são

fogueiras, de dois tipos, níveis de ossos de baleia e formações de argila alternadas com

formações de conchas de berbigão (Anomalocardia brasilianna) friáveis.

As fogueiras, como já aconteceu em outros sambaquis, eram de dois tipos: o

primeiro que consistiu em estruturas de pedra fragmentadas pela ação do fogo,

envolvidas por conchas calcinadas, côcos de gerivá (Arecastrum romazoffianum),

também, calcinados, carvão e cinzas. Uma dessas fogueiras era de grandes dimensões,

tendo verticalmente, uma espessura de cerca de 50 centímetros (Prancha nº 46), com um

diâmetro de 300 centímetros. O outro tipo de restos de fogueira encontrado consistia em

manchas de carvão e cinzas, de pequenas dimensões, não ultrapassando o diâmetro a 60

centímetros, no interior da qual algumas vezes podiam ser encontradas conchas

calcinadas.

As evidências mais importantes pelo fato de terem sido encontradas somente

nesse Sambaqui foram sem dúvida os níveis de ossos de baleia. Foram encontrados dois

níveis de ossos de baleia, um na Sondagem nº 1 e outro na Sondagem nº 2. Eram

constituídos por vértebras de baleia que apresentavam como característica o fato de

terem sido utilizadas como pequenos braseiros. Ao serem encontradas essas vértebras

mostravam-se perfeitamente conservadas. Mas após o trabalho de escavação e limpeza

quando retiradas podia-se observar que na face inferior, ou seja, aquela que estava

apoiada sobre o terreno, estavam completamente carbonizadas (Prancha nº 47). Estas

vértebras eram de tamanhos variados e geralmente não apresentavam apófises. Apenas

em um caso ocorrido na Sondagem nº 2 (Prancha nº 47) encontramos uma vértebra de

baleia com as apófises. Esses pequenos braseiros devem ter sido de grande utilidade

para os construtores do Sambaqui de Enseada 1 - SC LN 71. E o fato de se encontrarem

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emborcadas parece indicar ser esta a forma usada para extinguir o fogo.

Finalmente, cumpre ainda referir que a ocupação que identificamos como

primeira, mostrou na escavação da Sondagem nº 1 níveis em que concreções de argila

se alternavam com formações de conchas de berbigão (Anomalocardia brasiliana) e

ostras (Ostrea sp). As formações de conchas eram geralmente friáveis, mas algumas

vezes se mostraram compactadas, estando as conchas soldadas entre si, o que dificultou

extremamente o trabalho de escavação.

Algumas dessas estruturas eram de dimensões razoavelmente grandes, tinham a

forma de cone, com a base voltada para cima, atingindo uma profundidade de até 90

centímetros. É possível que tais estruturas sejam resultantes da ação conjungada do

fogo, da decomposição das conchas, da umidade e do óleo de baleia, que poderia ter

escorrido das fogueiras.

As estruturas encontradas no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - indicam que

os grupos humanos que o construíram praticavam várias atividades cotidianas sobre o

monte de conchas. Estas atividades estavam sempre relacionadas a atividades de

subsistência, quer direta quer indiretamente.

6.5 - Os Sambaquis do Litoral Norte - A Cerâmica

É possível que a mais importante contribuição trazida pela escavação do

Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - tenha sido a constatação da existência de cerâmica

em sítios litorâneos do tipo sambaqui, e, ainda, o contexto cultural que a envolve.

Anteriormente, em outros sambaquis havia sido encontrada cerâmica, do mesmo

tipo. Bryan (1961) publicou resultados preliminares da escavação que realizou no

Sambaqui do Forte Marechal Luz - SC LN 76. Este sítio se apresenta, quanto ao

contendo cultural, em tudo semelhante a segunda ocupação do Sambaqui de Enseada I -

SC LN 71.

Um outro sítio, com idênticas características culturais é o Sambaqui de Itacoara -

SC LN 21 - escavado por Tiburtius, Bigarella & Bigarella, denominada por estes

autores de jazida paleoetnográfica (1950/51). Tal denominação prende-se ao fato de não

apresentar uma estratigrafia onde as valvas de moluscos tenham a maior representação.

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Nesse sambaqui foram encontrados artefatos confeccionados sobre ossos e dentes e

cerâmica, em tudo idênticos aqueles encontrados nos Sambaqui de Enseada SC LN 71 e

Forte Marechal Luz - SC LN 76.

Finalmente, um quarto sambaqui na área, apresenta conteúdo cultural

semelhante. É o Sambaqui de Rio Pinheiros I - SC LN 44 - cujo desmonte foi

acompanhado por Tiburtius, Bigarella e Bigarella (1954). Artefatos de osso e cerâmica

caracterizam o contexto cultural mais expressivo, encontrado nesse Sambaqui.

Os sítios que citamos acima tornam bem claro o quadro da ocupação litorânea

pré-histórica, no Litoral Norte de Santa Catarina. A cerâmica foi introduzida na área, a

partir de um determinado momento, relativamente recente, passando a constituir um dos

elementos mais importantes para identificação de um possível horizonte cultural no

Litoral Norte e talvez, em todo Litoral de Santa Catarina.

Em trabalho onde analisamos a introdução da cerâmica no Litoral Norte,

concluímos da seguinte forma (Beck, 1971:28 ):

“A introdução da cerâmica em Sambaquis do Litoral de

Santa Catarina indica uma possível mudança no gênero de vida

das populações que aí habitavam. A pesca parece ter se tornado

a atividade principal e uma indústria especializada passou a ser

desenvolvida em função dela.

Por outro lado, é provável que os grupos ceramistas do

Litoral possam ser relacionados aos grupos ceramistas do

Planalto, tais como os descritos por Chmys (1968: 115-125),

como Tradição Itararé, bem como aos complexos cerâmicos

descritos por Schmitz (1968: 127-140), como cerâmica Jê.

O momento atual da pesquisa arqueológica, no Brasil

Meridional, não nos permite estabelecer claramente os limites

de cada fase, tradição e complexo. As hipóteses de trabalho que

aqui levantamos poderão nos levar ao esclarecimento do

problema."

O que afirmamos em 1971, permanece válido até o presente momento da

pesquisa arqueológica no Brasil Meridional.

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7.0 - A Variação do Conteúdo Cultural dos Sambaquis

A descrição que acabamos de fazer, relacionada ao conteúdo cultural dos

sambaquis, objeto do projeto de pesquisa que desenvolvemos no Litoral de Santa

Catarina, nos permite observar uma variação quanto ao conteúdo cultural dos sambaquis

localizados na região. Situados em áreas distintas ou na mesma área os sambaquis

mostram, em algumas circunstâncias, diferenças flagrantes quanto ao seu conteúdo

cultural, embora em outras as semelhanças sejam, às vezes grandes.

Os critérios selecionados para analisarmos o conteúdo cultural dos sambaquis

escavados indicaram variações principalmente no que se refere à tecnologia e a

obtenção de alimentos, o que bem demonstra a certeza da afirmação de Service

(1971:12): “...as diferenças entre as próprias sociedades de caçadores e coletores

resultam, em geral, de variações adaptativas".

Ao analisarmos o conteúdo cultural de sítios arqueológicos, como se sabe,

estamos restritos aos remanescentes materiais que hajam sobrevivido ao tempo e ao

clima. Assim, os remanescentes encontrados nos sambaquis escavados e já descritos

dizem respeito a dois níveis de atividades, principalmente: adaptativo, tendo em vista os

remanescentes de artefatos e de alimentos; e ideológico considerando os sepultamentos

e suas variações em um mesmo sambaqui e de um sambaqui para outro. As variações

relacionadas à prática de costumes funerários poderiam refletir ou como tal ser

consideradas, aspectos associativos. Trata-se, porém, de um tipo de extrapolação que

não tentaremos fazer, uma vez que não consideramos suficientes os dados disponíveis,

para podermos definir aspectos associativos das populações de caçadores, pescadores e

coletores pré-históricos do Litoral de Santa Catarina.

Ao concluirmos esse trabalho desejamos tratar da variação do conteúdo cultural

dos sambaquis que descrevemos em termos comparativos, destacando as diferenças

observadas e a importância que possam ter para definir futuros trabalhos de investigação

sobre o tema. Também as semelhanças observadas são descritas, uma vez que as áreas

analisadas são de tal forma próximas que estas não poderiam deixar de ocorrer.

Consideramos, ainda, que é bastante prematuro utilizarmos os dados obtidos

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para defirmos fases e horizontes culturais. Em um trabalho anterior, definimos algumas

fases para o Litoral de Santa Catarina. Atualmente, sabemos que os dados são

insuficientes para tal definição e, apenas, na medida em que novos projetos de pesquisa

forem desenvolvidos é que teremos dados suficientes para uma definição dessa ordem.

Destacando alguns elementos observados nos trabalhos de campo e gabinete,

relacionados com os sambaquis escavados, caracterizamos cinco fases culturais para o

Litoral de Santa Catarina, relacionadas todas com a construção de sambaquis. No

trabalho (Beck, 1970:57-70) definimos as fases culturais (Willey & Phillips 1965:21-

22) como segue:

"Fase Congonhas: Esta fase reúne os Sambaquis de

grandes dimensões cuja altura ultrapassa os dez metros e o

maior diâmetro da base nunca é inferior a 300 metros. A

indústria lítica é, predominantemente, polida com machados

muito elaborados, facas e tembetás. Artefatos como zoólitos e

"pratos", totalmente polidos, com concavidade central foram

encontrados em sambaquis na mesma área, mas não em

escavação sistemática".

"Artefatos lascados como choppers, chopping-tools,

talhadores e respadores, constituem parte importante da

indústria lítica, além de instrumentos ocacionais ou,

ligeiramente modificados. Também artefatos totalmente

picoteados são encontrados com freqüência..."

"Os artefatos de ossos e conchas são pouco numerosos e

acompanham os sepultamentos (Beck, 1968:43). Não parece

haver grande uniformidade quanto aos costumes funerários,

exceto no que se refere à utilização de corante vermelho. Os

mortos foram enterrados, indiferentemente, em posição

estendida, a fletida, em decúbito lateral, dorsal ou ventral.

Houve, entretanto, uma preferência pela direção, ou melhor,

pela orientação NE-SW, no Sambaqui de Congonhas I (Beck,

1968:46-48)" (Beck, 1970:62-63).

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A fase Congonhas foi caracterizada a partir de dados obtidos na escavação dos

Sambaquis de Congonhas I - SC LS 29; da Carniça I - SC LS 13; da Carniça II - SC LS

14; e da Cabeçuda - SC LS 7.

Se a fase Congonhas caracteriza parte dos sítios localizados no Litoral Sul, no

Litoral Central identificamos duas fases: uma no período pré-cerâmico e outra no

período cerâmico. Estas fases têm as seguintes características:

Fase Ponta das Almas

"O Sambaqui de Ponta das Almas, que dá nome à fase,

está localizado na Lagoa da Conceição. Trata-se de um sítio

pré-cerâmico e o número de sítios que, no Litoral Central,

poderão vir a ser incluídos nessa fase não foi ainda identificado.

A indústria lítica é polida ou semi-polida, com pequenos

machados, como os artefatos mais representativos. Uma das

características mais importantes são os sepultamentos, aos quais

estão associadas pequenas fossas de argila, com cerca de 40

centímetros de diâmetro e 30 centímetros de profundidade e, no

interior das quais foram encontradas valvas de moluscos,

pertencentes às espécies Phacoides pectinatus e Strophochlilus

oblengus (?). Os costumes funerários não são rígidos, havendo

porém, uma preferência pela posição estendida e por

sepultamentos duplos". (Beck, 1970:63).

Fase Rio Lessa

"Os componentes culturais dessa Fase são diversos da

Fase Ponta das Almas. A indústria lítica polida é constituída de

machados retangulares, tembetás e plaquetas, artefatos lascados,

machados e numerosas lascas, com ou sem preparação e

resíduos de lascamento. Aliada à indústria lítica encontramos

cerâmica, um dos principais componentes da Fase. Trata-se de

cerâmica de tradição não-tupi-guarani, essencialmente

doméstica, com recipientes pequenos, utilizados diretamente ao

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fogo. O único tipo utilizado, ou melhor, classificado, Rio Lessa

Preto Polido, é simples, sem decoração. (Beck, et all, 1969:164-

166 ).

O terceiro componente cultural da Fase é a indústria

óssea. Os tipos são numerosos destacando-se pontas duplas e

dentes de seláquios perfurados" (Beck 1970:64).

No Litoral Norte, como no Litoral Central, foram identificadas duas fases

culturais: uma no período pré-cerâmico e outra no período cerâmico. Essas fases tem as

seguintes características culturais:

Fase Morro do Ouro

"Trata-se de uma fase pré-cerâmica. Os sítios são

sempre de grandes dimensões. A indústria lítica é constituída de

artefatos lascados, com técnica rudimentar, instrumentos

ocasionais e de artefatos polidos. Choppers, chopping-tools,

raspadores, batedores de seixos, quebra-côcos e machados

polidos e semi-polidos são os artefatos mais encontrados.

Os sepultamentos são totalmente fletidos e estão

associados dois esqueletos em cada sepultamento. Objetos

líticos polidos e corante vermelho são elementos comuns aos

sepultamentos.."(Beck, 1970:65)

"A cerâmica constitui o principal componente dessa

fase, quer por sua abundância, quer por suas características.

Como na Fase Rio Lessa, é uma cerâmica essencialmente

doméstica, de fins utilitários. Os recipientes são pequenos e

utilizados diretamente ao fogo. A cerâmica é simples, sem

decoração e a coloração varia do preto polido ao cinza fosco

(Enseada Escuro) e do vermelho ao castanho (Enseada

Vermelho) (Beck, 1968:98-100). As paredes dos recipientes são

delgadas os cacos pequenos, as fraturas regulares. Outro

componente importante é a indústria óssea. Os artefatos de osso

são numerosos e bem elaborados e, também, de caráter

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utilitário. Anzóis, pontas de projétil, triangulares e

pedunculadas; pontas duplas de projétil, pontas simples, dentes

de seláquio com raízes alizadas e perfuradas constituem os

artefatos mais significativos. A matéria-prima utilizada foram

ossos longos de aves e de mamíferos. A indústria lítica é

grosseira e mal elaborada. Alguns machados semi-polidos e

artefatos lascados: choppers e raspadores, alguns quebra-côcos

(?). Os sepultamentos são totalmente fletidos e algumas vezes

acompanhados de mobiliário funerário.” (Beck, 1970:65-66).

As características culturais das fases acima descritas indicam não apenas uma

diferença quanto aos grupos humanos responsáveis pela construção dos sambaquis,

como ainda, uma sequência, no tempo, no sentido em que se teria dado a ocupação

primitiva do Litoral. O fato dos níveis cerâmicos estarem sempre na parte superior dos

sambaquis indicam que os grupos portadores de cerâmica foram os últimos a chegarem

ao Litoral. É possível, ou mesmo provável, que os grupos portadores de cerâmica de

tradição não-tupi-guarani tenham precedido grupos portadores de cerâmica da tradição

tupi-guarani. E, parece fora de dúvida que os grupos das técnicas de confecção e

utilização dos zoolitos antecederam aqueles que não os conheciam.

Tornamos a afirmar, porém, que consideramos prematura a definição de fases

culturais para o Litoral de Santa Catarina, uma vez que parte dos dados tomados para

estabelecer as comparações são provenientes de informações bibliográficas de

publicações que resultaram de trabalhos de observações de sambaquis em vias de

destruição sem a necessária comprovação estratigráfica através de uma escavação

sistemática do sítio.

7.1.- Tecnologia e Subsistência

Os grupos de caçadores-coletores que povoaram o Litoral de Santa Catarina e

cujos remanescentes materiais acabamos de descrever mostraram algumas diferenças,

bastante sensíveis se considerarmos alguns aspectos da sua tecnologia. Estas diferenças

dizem respeito tanto à forma de obtenção de alimentos do meio ambiente quanto às

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técnicas utilizadas para a confecção de instrumentos que permitissem sua atuação sobre

o habitat.

Considerando a afirmação de Beals & Hoijer (1968: 293) de que é a:

"... tecnologia la suma total de las tecnicas poseidas por

los miembros de una sociedad, es decir, la totalidad de sus

modos de comportasse com respecto a la obtención de materias

primas del medio circundante y al tratamiento de estos pára

fabricar instrumentos, recipientes, alimentos, vestidos,

albergues, medios de transporte y otras muchas exigencias

materiales".

Visto por este ângulo podemos então afirmar que a tecnologia dos grupos

construtores dos sambaquis nos permite observar uma parte de seus padrões de

comportanento, no que se refere a sua própria subsistência no Litoral, de Santa Catarina.

Tratando-se de grupos definidos como de tecnologia simples, e considerando ainda, que

parte dos instrumentos utilizados desaparecera em conseqüência de condições

climáticas, os remanescentes da cultura material e da dieta alimentar utilizada por estes

grupos, podemos afirmar que as técnicas básicas de sobrevivência são aquelas de

obtenção de alimentos. Ou seja, gêneros de vida complexos que envolviam formas de

exploração do habitat tais como a coleta, a caça e a pesca. Estes três gêneros de vida

estão bastante bem representados nos remanescentes da dieta alimentar encontrados nos

sambaquis e sítios litorâneos ou paleo-etnográficos.

Da mesma forma que o instrumental remanescente permite confirmar a prática

de tais técnicas e ainda observar algumas atividades atinentes as formas de obtenção de

alimentos. Por outro lado, podemos observar que apesar desses grupos basearem a sua

atividade sobre a coleta, a caça e a pesca fazem-se sentir diferenças flagrantes entre

alguns sítios estudados e muitas vezes de uma área para outra e, ainda dentro da mesma

área. Considerando os dados de que dispomos, acreditamos que estas diferenças

encontradas são resultantes de reações adaptativas decorrentes da disponibilidade de

recursos marinhos e outros existentes nas várias áreas do Litoral de Santa Catarina e,

também, nos vários período em que foi procedida a ocupação da região focalizada.

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Assim, se considerarmos as disponibilidades ambientais existentes nas três áreas

do Litoral de Santa Catarina podemos sentir algumas diferenças relativas aos recursos

disponíveis. Fato que pode ser observado, por exemplo, nas dimensões dos sítios. Os

Sambaquis existentes no Litoral Sul e no Litoral Norte são de grandes dimensões em

um período, enquanto que no Litoral Central, e mais especificamente, na Ilha de Santa

Catarina, são de pequenas dimensões, de pouca espessura. Isto poderia significar que os

recursos disponíveis existentes no Litoral Sul, no Litoral Norte e no Litoral Central,

eram os mesmos quanto à qualidade, porém variavam quanto a quantidade, o que

obrigaria os grupos que percorriam a Ilha de Santa Catarina ou a permanecerem um

tempo menor na área, ou a reduzirem o tamanho do grupo, dividindo-o em vários

segmentos.

Também é flagrante o fato de que a exploração continuada dos bancos de

moluscos levou, praticamente, a sua extinção. Este fato é marcado pelo aumento de

intensidade da prática de atividades relativas à pesca e a caça, bem como o

desenvolvimento de um instrumental especializado para atender às novas necessidades.

Assim, para os grupos de caçadores-coletores que viveram no Litoral de Santa Catarina,

os numerosos recursos naturais existentes, eram explorados com maior ou menor

ênfase, de acordo coma disponibilidade com que estes recursos se apresentavam. O que,

de certa forma, se refletia sobre a tecnologia do grupo uma vez que as atividades de

obtenção de alimentos envolvem a utilização de artefatos e, em última análise são estes

que nos permitem aquilatar o conhecimento técnico desses grupos de caçadores-

coletores.

7.1.1 - Técnicas de Subsistência

As técnicas de subsistência utilizadas pelos grupos humanos construtores dos

sambaquis, no Litoral de Santa Catarina, envolveram gêneros de vida complexos, isto é,

mais de uma técnica, uma vez que os recursos do habitat em que viviam estes grupos

assim como a totalidade de sua tecnologia o permitiam. De acordo com os

remanescentes encontrados nos sambaquis escavados, podemos observar que as

atividades de subsistência se limitaram às três técnicas básicas: coleta, caça e pesca. Isto

significa que apenas técnicas de obtenção de alimentos eram do conhecimento dos

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grupos litorâneos pré-históricos de Santa Catarina. Entretanto, mais uma vez

salientamos que na análise do material coletado durante os trabalhos de escavação não

esgotamos todos os recursos técnicos, que nos permitam afirmar que, por exemplo, a

horticultura, não fosse do conhecimento de alguns desses grupos, pelo menos os mais

recentes, que já utilizavam recipientes de cerâmica. Não pretendemos, ao afirmar que as

técnicas de subsistência eram basicamente a coleta, a caça e a pesca, que outras técnicas

não pudessem ter sido utilizadas. Apenas, não encontramos evidências diretas de sua

utilização e não foi possível obtê-las através da análise palinológica, por exemplo, entre

outros recursos.

7.1.1.1 - A Coleta

Em se tratando de sambaquis, a coleta é a técnica de subsistência mais

facilmente observável. Algumas razões levam a isto: em primeiro lugar são os

sambaquis construídos quase totalmente de carapaças de moluscos; em segundo lugar,

essas carapaças de moluscos, são de formação calcárea, o que garante a sua duração por

período de tempo indeterminado. Estes dois fatos, muito possivelmente, têm levado a

interpretações como a de que a coleta de moluscos constituiu a base da alimentação das

populações construtoras dos sambaquis, no Litoral de Santa Catarina.

É inegável que a coleta de moluscos desempenhou um papel importante na dieta

alimentar dos grupos pré-históricos que percorreram o Litoral de Santa Catarina. A

extensão dos bancos de moluscos deveria permitir que tais coletas se processassem

rapidamente, com uma produção relativamente alta. Por outro lado, os sambaquis mais

antigos, do Litoral Sul, por exemplo, com suas grandes dimensões indicam que a

sucessão de grupos, na construção dos sambaquis, se se tornou possível em função da

proliferação da fauna malacológica. Porém, é inegável, também, que a coleta de

moluscos não constituiu a única forma de obtenção de alimentos através dessa técnica.

Já nos referimos no item 1.2.2 aos recursos vegetais existentes no Litoral de

Santa Catarina. Embora, apenas, tenham sido encontrados restos carbonizados de côco

de gerivá (Arecastrum romanzoffianum), que outros vegetais nativos foram coletados,

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pelos primitivos habitantes do Litoral de Santa Catarina. A atividade de coleta não

estaria limitada a obtenção de moluscos apenas, mas deveria ser estendida a coleta de

vegetais e, possivelmente, larvas, insetos e mel silvestre, elementos dos quais não

possuímos qualquer possibilidade de obter documentação durante os trabalhos de

campo, mas que certamente foram importantes para a sobrevivência dos grupos

coletores-caçadores do Litoral.

A coleta de vegetais, bem como de larvas, insetos e mel silvestre foi

exaustivamente comprovado, em tempos recentes, entre os Índios Xetá (Loureiro

Fernandes, 1959:32-34).

"Os Xetá obtém seus recursos alimentares, da floresta,

no seio da qual habitam, por meio da coleta de produtos

vegetais, larvas e mel, ou então, pela caça de répteis, aves e

mamíferos.

Os meios de subsistência de origem vegetal são obtidos

sempre pela colheita direta na floresta tropical da Serra dos

Dourados e consistem em variados frutos, raros tubérculos e

raízes e a medula da palmeira de macúíba (Acromia

sclerocarpa). Colhem também pequenos animais, larvas de

besouros, de abelhas e seus favos de mel".

Novamente afirmamos que não é possível, em sítios arqueológicos do tipo

sambaqui, devido a sua localização a céu aberto a conservação de vestígios orgânicos

por período de tempo prolongado. Assim, torna-se realmente impossível aquilatar a

importância que teriam tido os alimentos vegetais, bem como larvas, insetos e mel para

as populações litorâneas pré-históricas.

A mesma afirmativa é válida quanto à utilização de certos crustáceos, como o

camarão. Podemos, apenas, considerar a possibilidade de sua utilização, embora não

encontremos, em nenhum dos sambaquis escavados, vestígios que nos permitissem

comprovar sua coleta e consumo pelos construtores dos sambaquis.

Entretanto, pequenos animais, como crustáceos e equinodermos, foram coletados

e utilizados pelos construtores dos Sambaquis de Rio Lessa - SC LC 39 - e Enseada I -

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SC LN 71. Neste os vestígios da utilização de pequenos animais marinhos, como siris e

ouriços foram encontrados na segunda ocupação.

Assim, através de dados perfeitamente observáveis e de alguns que podemos

inferir pelo contato direto que os grupos deveriam manter com a floresta tropical

atlântica bem como com a exploração de certos recursos, abundantes na região do

Litoral de Santa Catarina, como o camarão (em suas várias espécies) podemos concluir

que a coleta constituiu uma atividade básica para os grupos humanos pré-históricos, no

Litoral de Santa Catarina.

Podemos, porém, observar, que a coleta se apresente, diversificada, quanto por

exemplo aos recursos disponíveis de uma área para outra do Litoral e, mesmo, de um

período a outro. Explicando, os remanescentes de alimentos resultantes de atividades de

coleta variam de um sambaqui a outro, de acordo com a área em que se localizam. As

carapaças de moluscos indicam que com relação a esta atividade não houve diferença de

uma área para outra, sendo consumidos com maior frequência berbigão (Anomalocardia

brasiliana) e Ostra (Ostrea arbore e Ostrea sp). Porém, os ouriços (equinodermos) e os

siris (crustáceos) tiveram acentuado consumo na segunda ocupação do Sambaqui de

Enseada I - SC LN 71 e no Sambaqui de Rio Lessa - SC LC 39 de construção mais

recente. Não foram encontrados vestígios de seu consumo no Sambaqui de Ponta das

Almas - SC LC 17 -, no Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - e no Sambaqui de

Congonhas I - SC LS 30. Na primeira ocupação do Sambaqui de Enseada I - SC LN 71

- apenas nos níveis superiores foram encontrados remanescentes desses pequenos

animais, que teriam complementado a alimentação dos grupos pré-históricos litorâneos

de Santa Catarina.

Quanto à utilização de recursos vegetais e outros recursos florestais nossa

observação foi prejudicada pela impossibilidade de conservação, em função do clima

úmido existente no Litoral, de Santa Catarina. Entretanto, não cremos ter sido

impossível a utilização dos recursos oferecidos pela floresta, considerando que, apenas,

no Sambaqui de Rio Lessa - SC LC 39 - não foram encontrados os restos carbonizados

de coco de gerivá (Arecastrum romanzoffianum).

A técnica de coleta de alimentos entre os grupos pré-históricos do Litoral de

Santa Catarina apresenta um aspecto específico que é a coleta da baleia. Conforme

referimos no tópico 1.2.1 a baleia (várias espécies), constituiu importante fonte de

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alimento e matéria-prima para todos os grupos pré-históricos do Litoral. A excessão do

Sambaqui do Rio Lessa - SC LC 39 - em todos os Sambaquis que escavamos, bem

como em outros Sambaquis escavados por outros pesquisadores, os ossos de baleia

constituíram uma parte importante dos achados, bem como os artefatos elaborados com

partes do seu esqueleto, principalmente a bula timpânica cuja dureza permitiu a

confecção de artefatos, principalmente adornos descritos por Tiburtius, Ceprevoste e

Bigarella, 1966, em vários Sambaquis do Litoral Norte de Santa Catarina. No Sambaqui

de Enseada I - SC LN 71 - vértebras de baleia, com uma face carbonizada, parecem ter

sido utilizadas como pequenos braseiros, tanto na primeira como na segunda ocupação.

Para poder aproveitar este grande cetáceo, para o qual não dispunham de

recursos técnicos que permitisse a sua caça, é provável que os primitivos habitantes do

Litoral de Santa Catarina dependessem grandemente do acaso. Durante o período em

que as baleias se aproximam da costa a fim de permitir o nascimento das crias, nos

meses de maio a julho, alguns desses animais deveriam encalhar a costa e ao morrer

poderiam ser facilmente esquartejados, transportados para os acampamentos e

consumidos pelas populações do Litoral. Na verdade, isto nos permite falar de técnica

de coleta da baleia, principalmente, porque nenhum instrumento encontrado nos permite

afirmar que fosse o cetáceo caçado, em qualquer circunstância pelos construtores dos

Sambaquis.

Concluindo, podemos ainda observar, que de acordo com os remanescentes da

alimentação dos grupos pré-históricos litorâneos, a coleta era uma atividade praticada

extensivamente, como todos os grupos humanos que a utilizam a coleta é uma prática

que exige um conhecimento empírico do habitat aliada a uma tecnologia que é via de

regra muito simples. Também, aqui, somos mais uma vez frustados quanto às formas de

transporte que eram utilizadas para levar os alimentos coletados aos acampamentos.

O fato de que uma grande parte dos produtos que deveriam ter sido coletados,

bem como o fato de ignorarmos as formas de transporte utilizadas, serem

desconhecidas, não nos impede de considerar os grupos pré-históricos do Litoral de

Santa Catarina como tendo a sua sobrevivência diretamente ligada a técnica de coleta ou

de apanha de alimentos.

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7.1.1.2 - A Caça e a Pesca

As atividades de subsistência dos grupos pré-históricos litorâneos, embora

estivessem em grande parte relacionadas a coleta de produtos vegetais e marinhos,

envolviam, também, da caça e da pesca. Estas atividades foram praticadas com maior ou

menor intensidade pelos grupos construtores dos sambaquis que descrevemos nos

tópicos anteriores. Sem dúvida a intensidade da prática da caça e da pesca dependiam,

em certo sentido, das disponibilidades de ambiente, ou seja, dos elementos encontrados

na área em que se localizavam os sambaquis escavados. A prática anterior dessas

atividades pelos grupos humanos que chegavam ao Litoral não deixa de ser um aspecto

a ser também considerado. Porém, este último ponto levantado não chegou a ser

constatado e os dados que dispomos sobre o planalto e o interior do Brasil Meridional

ainda são poucos para possibilitar uma comparação que se nos afigura ambiciosa.

A caça era uma atividade de subsistência praticada largamente pelos grupos pré-

históricos do Litoral de Santa Catarina. Não são poucos os trabalhos que trazem

referências sobre achados de ossos de mamíferos, e aves, principalmente, no que se

refere ao Litoral Norte. Estas referências se fazem no que diz respeito a confecção de

artefatos de ossos e muitas vezes de dentes, abundantes em alguns sambaquis do Litoral

Norte. As referências mais constantes são as de Tiburtius (1966) relativas aos artefatos

de ossos e dentes de mamíferos encontrados no Sambaqui da Conquista e de Tiburtius

& Bigarella & Bigarella (1954) quanto ao Sambaqui de Rio Pinheiros.

Se a caça de mamíferos pelos primitivos construtores dos Sambaquis era

atividade largamente praticada, o que pode ser constatado pelos remanescentes ósseos

encontrados no interior dos sítios, como dentes e ossos de porco do mato (Pecari

tajucu), capivara, outros pequenos roedores1, o mesmo não se pode dizer no que se

refere a caça de aves. Apenas no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 - no Sambaqui

de Rio Lessa - SC LC 39 e no Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - (segunda ocupação)

foram encontrados ossos de aves. Entretanto, no Sambaqui de Congonhas I - SC LS 30 -

foram achados quase esporádicos, não chegando a constituir uma mostra significativa.

Alguns ossos longos de aves foram localizados em níveis de 2,50 metros de 1 Os achados de restos de mamíferos e aves não foram classificados cientificamente, porque, em geral os restos se apresentavam muito fragmentários. Fizemos somente, uma, classificação por classes e, em algumas circunstâncias, quando as condições do achado

o permitiram foram identificadas as espécies.

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profundidade. Mas, é nos Sambaquis do Rio Lessa - SC LC 39 - e de Enseada I - SC LN

71 - (Segunda ocupação), que os ossos de aves são encontrados em grande quantidade,

o que indica que eram caçadas com mais frequência que nos outros sítios escavados.

Torna-se dificil, em face dos achados efetuados, durante os trabalhos de

escavação dos Sambaquis já descritos, definir a forma como se procediam as caçadas.

Nos sambaquis onde não foram encontrados artefatos de osso, do tipo pontas de projétil,

como Ponta das Almas - SC LC 71 - (primeira e segunda ocupação) não foram

encontrados também quaisquer artefatos que pudessem substituí-las, confeccionados a

partir de qualquer outro tipo de matéria-prima.

Desta forma, é somente através de uma extrapolação, por inferência dos achados

efetuados, durante os trabalhos de escavação, que podemos sugerir que as atividades

relacionadas à caça, nos sambaquis citados anteriormente, estaria relacionada à

utilização de armadilhas ou ainda a de artefatos de madeira, ou seja, projéteis com

pontas de madeira, que muito dificilmente teriam resistido ao clima úmido do Litoral de

Santa Catarina. Tornamos a afirmar, porém, que tal inferência está sendo feita em

função de terem sido encontrados restos ósseos de mamíferos nesses sambaquis e não

terem sido localizados, os artefatos que teriam permitido o abate desses animais. A

utilização de armadilhas e de artefatos de madeira é altamente sugestiva embora não

possamos fazer uma afirmação categórica com os dados de que dispomos no presente

momento.

Nos Sambaquis de Congonhas I - SC LS 30 -, Rio Lessa - SC LC 39 - e Enseada

I - SC LN 71 - (segunda ocupação) onde foram encontrados artefatos de osso, do tipo

ponta de projétil os achados ósseos de restos de mamíferos e aves são muito mais

numerosos, tendo sido, inclusive, utilizados como matéria-prima para confecção dos

artefatos destinados a caça. Nesses mesmos sambaquis pode-se observar que um

aumento da produtividade na caça está, relacionado a uma diminuição da produtividade

na coleta de moluscos. Entretanto, mais uma vez se trata de uma inferência já que a

menor importância da coleta de moluscos poderia estar relacionada uma progressiva

extinção ou extermínio dos bancos de moluscos, altamente explorados como recursos de

subsistência.

Como atividade complementar da caça, a pesca foi sem dúvida uma das práticas

mais largamente difundida entre os primitivos habitantes do Litoral de Santa Catarina.

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Em todos os sambaquis que escavamos os restos de peixes constituíram a maior parte

dos remanescentes ósseos de animais encontrados. Mesmo em Sambaquis como Ponta

das Almas - SC LC 17 - onde as dimensões e os artefatos encontrados revelam tratar-se

de um sítio ocupado por grupos humanos de tecnologia muito simples, foram

encontrados restos ósseos de peixes.

Em relação à constatação de atividades de pesca entre os grupos pré-históricos

do Litoral ocorre a mesma dificuldade que encontramos em relação a pesca. Em alguns

sambaquis os artefatos pouco revelam quanto a esse tipo de atividade. Tal é o caso de

Ponta das Almas - SC LC –17 - (primeira e segunda ocupações) e Morro do Ouro - SC

LN 41 - onde não foram encontrados quaisquer tipo de instrumentos que sugerissem

atividades de pesca. Entretanto, ossos de peixe foram encontrados em todos os níveis da

escavação dos Sambaquis referidos.

A pesca, como atividade complementar da caça, onde o habitat o possibilita,

exige um conhecimento empírico dos grupos que a praticam, quanto as espécies que

podem ser apanhadas, as técnicas que deverão ser utilizadas, a época do ano em que as

espécies ocorrem em maior número ou se aproximam do Litoral o suficiente para serem

apanhadas, com os métodos simples de que dispunham os grupos primitivos do Litoral.

Mais uma vez nos vemos na contingência de tentar por inferência equacionar alguns

aspectos da atividade de pesca no Litoral de Santa Catarina, durante o período pré-

histórico.

Que os grupos humanos responsáveis pela construção dos sambaquis conheciam

e praticavam atividades de pesca parece ser inegável, uma vez que os ossos de peixes,

de várias espécies, são encontrados em todos os Sambaquis onde tivemos a

oportunidade de trabalhar. É certo, assim, que algumas técnicas bastante diversificadas

de um Sambaqui para outro, eram praticadas por estes grupos primitivos. Uma vez que

em alguns sambaquis dispomos de remanescentes ósseos de peixes e não encontramos

os artefatos que teriam possibilidade a sua captura podemos levantar a hipótese de que

as técnicas envolviam armadilhas e artefatos confeccionados com material perecível,

como projéteis cujas pontas seriam confeccionadas em madeira ou taquara e ainda

armadilhas, que não teriam sobrevivido por um período de tempo muito prolongado,

limitando assim, as possibilidades de interpretação desse tipo de atividade, no Litoral de

Santa Catarina. Tal observação é exequível, por exemplo, para os Sambaquis de Ponta

das Almas - SC LC 17 - e Morro do Ouro - SC LN 41 – onde não foram encontrados

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artefatos que indiquem atividades de pesca, embora ossos de peixes sejam relativamente

abundantes.

Nos Sambaquis de Congonhas I - SC LS 30 -, Rio Lessa - SC LC 39 - e Enseada

I - SC LN 71 - vários tipos de artefatos indicam que as atividades de pesca eram

efetivamente praticadas pelos grupos que construíram estes sambaquis. Indicam,

também, técnicas diferenciadas de atividades relativas à pesca. Assim, no Sambaqui de

Congonhas I - SC LS 30 - os artefatos encontrados que indicariam atividades de pesca

seriam aqueles destinados a lastrar e que classificamos como pesos de rede. Por

inferência, admitindo-se a utilização de pesos de rede teríamos que admitir a existência

de redes para a pesca. Tal fato explicaria a circunstância da abundância de ossos de

peixes no Sambaqui, bem como em todos os sambaquis em que tais instrumentos são

encontrados. Mas, não seriam apenas estes os instrumentos que indicariam atividades de

pesca.

No mesmo Sambaqui foram encontrados artefatos confeccionados sobre

fragmentos de ossos longos de aves e de mamíferos como pontas de projétil que

poderiam ter sido utilizadas tanto para caça como para a pesca.

Entretanto, é nos Sambaquis do Rio Lessa - SC LC 39 - e Enseada I - SC LS 71

(segunda ocupação) que as técnicas de pesca se apresentam mais elaboradas, com

artefatos altamente especializados, confeccionados em osso. No Sambaqui do Rio Lessa

- SC LC 39 - os instrumentos não atingiram tal perfeição embora pontas de osso

confeccionadas sobre ossos de aves possam ter sido utilizadas como pontas de projétil

para caçar e pescar.

No Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - (segunda ocupação) a diversificação

dos artefatos relacionados com a atividade de pesca é muito maior do que em qualquer

outro sambaqui em que trabalhamos. Além de vários tipos de pontas de projétil, entre os

quais destacamos as pontas duplas, que poderiam ter sido utilizadas para pescar, os

anzóis constituem um dos artefatos mais encontradiços, ocorrendo em todos os níveis da

escavação da segunda ocupação. Confeccionados sobre ossos longos de mamíferos estes

artefatos indicam que a pesca acabara por se tornar uma atividade largamente praticada

pelas populações litorâneas do Litoral Norte de Santa Catarina, onde outros sítios

arqueológicos apresentam idênticas evidências. Cumpre observar que aliada ao

aparecimento de artefatos especializados para a pesca a coleta de moluscos deixa de

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assumir a importância que ate então havia tido. As carapaças de moluscos deixam de ter

a maior importância no substrato sambaquis sendo substituídas por ossos de peixe, além

de mamíferos e terra escura onde a quantidade de detritos orgânicos é também grande.

Na primeira ocupação do Sambaqui de Enseada I-SC LN 71 - foi observado

ainda um tipo de artefato de pesca, que anteriormente nao havia sido observado em

qualquer sítio arqueológico, ligado a atividades de pesca. Associados a um

sepultamento foram encontrados vários artefatos líticos em forma de fuso aos quais se

associava uma ponta de osso. Parece-nos possível tratar-se de anzóis compostos, onde o

peso seria a peça polida de pedra (diabásio) enquanto a parte ativa seria representada

pela ponta de osso, que estaria amarrada a extremidade do peso lítico. Este seria o

primeiro artefato desse tipo encontrado em Sambaqui indicando que as atividades de

pesca já dispunham de certa importância por ocasião da primeira ocupação do

Sambaqui. Mais uma vez, porém, tornamos a observar que nessas circunstâncias

estamos inferindo certas conseqüências a partir de dados não significativos ou pouco

esclarecidos.

No que se refere às atividades de pesca a que se dedicavam os grupos

construtores dos sambaquis resta fazer uma observação. Trata-se da possibilidade de

utilização de canoas ou de qualquer meio de transporte por via aquática

Nenhuma evidência foi até o presente momento encontrada em qualquer

sambaqui escavado em Santa Catarina ou em qualquer parte do Brasil Meridional que

pudesse ser interpretada no sentido de se poder afirmar da utilização de canoas pelos

grupos pré-históricos do Litoral. Entretanto, em face de suas atividades de subsistência

ligadas a um meio em grande parte marinho é possível que a técnica de navegação fosse

totalmente desconhecida pelos grupos litorâneos durante a pré-história. A ausência de

vestígios dever-se-ia, nesse caso, a perecibilidade dos materiais empregados na

confecção de canoas ou seus equivalentes ou, isto é talvez mais viável, no fato de terem

sido as canoas utilizadas nos deslocamentos dos grupos para outras áreas do litoral ou

para a interior, ao longo dos rios, não sendo assim possível encontrar seus vestígios nas

proximidades, ou seja, nas bordas dos sambaquis. Além do mais há a considerar que as

sondagens efetuadas nos sambaquis aqui descritos são de pequenas dimensões, o que

poderia ter limitado as possibilidades de toparmos com tais evidências.

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7.1.2- Técnicas de Confecção de Instrumentos

A confecção de artefatos envolveu uma diversidade acentuada de técnicas e

matéria-prima, conforme a finalidade que se destinava ou conforme os elementos que se

encontravam a disposição dos grupos pré-históricos do Litoral. A análise que

procedemos no presente tópico está limitada a algumas categorias de artefatos, ou seja,

aquelas cujos remanescentes foram localizados durante os trabalhos de escavação.

Algumas categorias que acreditamos deveriam ser do conhecimento dos grupos

litorâneos, por sua perecibilidade, não deixaram remanescentes ou qualquer outro tipo

de vestígio, razão pela qual não poderemos nos deter sobre elas. O caso provável de

artefatos confeccionados em madeira, fibras, folhas de palmeira e outros elementos

perecíveis, em tempo curto, que poderiam facilmente ter sido utilizados para a

confecção de artefatos de várias ordens, como cestos, fios, recipientes, redes, canoas e

outros mais.

As matérias primas utilizadas para a confecção dos artefatos e que permitiram a

sobrevivência de remanescentes foram: pedra, ossos e dentes, conchas e argila. Na

transformação de cada um destes elementos foram utilizadas técnicas, algumas vezes,

específicas para o tipo de matéria-prima utilizada.

A análise das técnicas de confecção de artefatos será feita de acordo com a

matéria-prima utilizada, assim, analisaremos quatro categorias de técnicas: técnicas de

confecção de artefatos líticos, técnica de confecção de artefatos de ossos e dentes,

técnicas de confecção de artefatos de conchas e técnicas de confecção de artefatos de

argila.

7.1.2.1 - Técnicas de Confecção de Artefatos Líticos

Os artefatos líticos constituíram, de maneira geral, a parte mais representativa da

cultura material dos grupos pré-históricos do Litoral. É possível, porém, que tal fato seja

uma conseqüência da durabilidade da matéria, uma vez que os artefatos com materiais

perecíveis não podem ser levados em consideração, neste trabalho.

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O diabásio constituiu o principal tipo de rocha para a confecção dos artefatos

líticos. Além do diabásio, o quartzo representou também, um material bastante usado,

principalmente no caso dos instrumentos cortantes.

A confecção dos artefatos de pedra envolveu o conhecimento e a utilização de

técnicas mistas. O lascamento, sempre por percussão direta (Laming-Emperaire, 31)

constituiu a técnica utilizada para preparar grande parte dos artefatos. Após um

lascamento grosseiro a peça estava próxima de sua forma original sendo então, em

alguns casos submetida a picoteamento (Laming-Emperaire, 1967:28-29), que poderia

ser mais ou menos intenso. Ao término desse processo a peça era apenas acabada, sendo

então submetida ao polimento. Este também poderia ser mais ou menos intenso.

Algumas peças mostram-se apenas alisadas, enquanto outras evidenciam brilho,

resultante de polimento mais intenso.

A técnica de lascamento foi pouco utilizada para a confecção de artefatos. São

poucos os artefatos totalmente lascados. E estes não se mostram confeccionados com

técnica apurada. São grosseiramente lascados. O mesmo, porém, não se pode dizer de

grande parte dos instrumentos confeccionados com técnica de polimento. Mesmo

quando o artefato nao é totalmente polido, como no caso de grande parte das lâminas de

machado, quando apenas o gume é polido a técnica foi cuidadosamente aplicada.

Assim, tanto quanto foi possível observar a utilização de técnica de lascamento

esteve em grande parte condicionada a uma téncica preparatória para o polimento, não

assumindo maior importância no que se refere à confecção de artefatos. O picoteamento

como técnica preparatória e na confecção de pequenos detalhes foi grandemente

utilizada. O polimento foi utilizado para acabamento das peças bem como em detalhes

relativos à estética e a funcionalidade, aumentando-lhes a eficiência, como no caso das

lâminas de machados.

7.1.2.2-Técnicas de Confecção de Artefatos de Concha

Não foram encontrados artefatos de conchas, destinados ao atendimento de

atividades relativas a subsistência. É possível que a fragilidade das conchas de

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moluscos, em relação a pedra, tenha levado as populações litorâneas a prefirem este

material aquele. Os poucos artefatos encontrados confeccionados sobre conchas foram

adornos, de vários tipos. Desde plaquetas circulares com uma perfuração central,

obtidas de carapaças de moluscos bivalves até placas obtidas a partir de conchas de

moluscos univalves, além de em algumas circunstâncias terem sido utilizadas as

carapaças inteiras nas quais se praticaram uma pequena perfuração, a fim de permitir a

sua suspensão por um fio.

As técnicas utilizadas para confecção dos adornos de concha foram: o

seccionamento, o alisamento e a perfuração. Basicamente estas técnicas são variantes

das técnicas de polimento, pois envolvem a utilização de um abrasivo e a repetição de

gestos a fim de obter o resultado desejado. Os adornos de concha foram encontrados,

geralmente, junto a esqueletos, com excessão dos achados efetuados no Sambaqui do

Rio Lessa -SC LC 39 - onde foram encontrados esparsos pelos vários níveis.

7.1.2.3 - Técnicas de Confecção de Artefatos de Ossos e Dentes

A matéria-prima utilizada para confecção de artefatos de ossos e dentes

envolveu ossos longos de mamíferos e aves, além de alguns ossos de peixes,

principalmente vértebras, para adornos, bem como dentes de mamíferos e peixes.

Quanto à finalidade destes artefatos eram de duas ordens: artefatos de uso cotiadiano,

utilizados nas atividades de obtenção de alimentos e artefatos utilizados como adornos,

como pingentes e colares, também como no caso de adornos de conchas, encontrados

junto a esqueletos.

As técnicas utilizadas para a confecção dos artefatos de ossos e dentes de

animais caracterizaram-se por ser altamente elaboradas tendo como resultado uma

indústria diversificada, embora ligada diretamente a atividades de caça e de pesca.

Foram utilizadas as técnicas básicas do emprego de abrasivo, principalmente para o

acabamento refinado de certas peças, como anzóis e pontas. O estilhaçamento dos ossos

longos de mamíferos foi uma técnica utilizada para a obtenção de fragmentos destinados

a confecção de pontas e de anzóis. Já os ossos longos de aves receberam tratamentos

diversos. Foram seccionados transversalmente, embora tal haja ocorrido em algumas

circunstâncias com ossos longos de mamíferos. A perfuração foi a técnica empregada

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para a confecção de certos adornos a partir de vértebras e de dentes de seláquios. Além

da perfuração foram empregadas ainda técnicas de alisamento e polimento permitindo

um acabamento sofisticado dos adornos, encontrados no Sambaqui de Enseada I - SC

LN 71.

É importante, no momento, fazermos uma resalva quanto ao emprego dos dentes

de seláquios como adornos. Em trabalho sobre a indústria óssea do sambaqui de Mar

Casado, Estado de São Paulo. Guidon e Palestrini (1962) referem a possibilidade de que

tais artefatos não sejam considerados apenas como adornos mas, também, como partes

de instrumentos compostos. Os dentes de seláquios seriam incrustrados em cabos de

madeira, constituindo a parte funcional do instrumento. Embora não queiramos negar a

possibilidade que levantam as autoras, não encontramos evidências nos sambaquis que

escavamos de que os dentes de seláquios podessem ter sido utilizados para tal

finalidade. Inegavelmente alguns dentes de seláquios encontrados no Sambaqui de

Enseada I- SC LN 71 - não constituem sob hipótese alguma adornos. As pontas

descritas no tópico 6.2.2 são, sem sombra de dúvidas, instrumentos de uso cotidiano,

empregadas para atingir a várias finalidades. Quanto aos dentes de seláquios que

apresentam raízes perfuradas nada podemos afirmar.

7.1.2.4 - Recipientes de Cerâmica

A cerâmica foi introduzida nos sambaquis do Litoral de Santa Catarina em

período recente. Sua ocorrência nos níveis superiores de certos sambaquis do Litoral

Norte e em Sambaquis do Litoral Central de pequenas dimensões indicam que os grupos

portadores de tal técnica chegaram mais tarde à região.

Dos sambaquis que escavamos apenas nos Sambaquis do Rio Lessa - SC LC e o

Sambaqui de Enseada I - SC LN 71 - foi encontrada cerâmica. Trata-se, como já

dissemos anteriormente, de uma cerâmica simples, de confecção rudimentar, sem

decoração, coloração escura e, pelas evidências de carvão encontrados nos cacos de

base, de uso cotidiano. Sua introdução parece indicar importantes modificações

ocorridas entre os grupos construtores dos sambaquis, no que se refere a prática de

atividades de subsistência. Isto se reflete na estrutura estratigráfica dos sambaquis já

citados bem como no instrumental utilizado pelas populações que os construíram que

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passou a ser predominantemente de ossos e altamente diversificado.

Consieramos, portanto, que a introdução da cerâmica nos sambaquis, indica uma

mudança radical quanto às formas de sobrevivência dos grupos litorâneos no período

pré-histórico. Tal mudança foi registrada pelos remanescentes arqueológicos

encontrados nos Sambaquis de Rio do Lessa- SC LC 39 - e Enseada. I - SC LN 71.

7.2 - Os Costumes Funerários

O sepultamento dos mortos parece ter constituído prática difundida entre as

populações pré-históricas do Litoral. Em todos os sambaquis já escavados ou cujo

desmonte foi observado é comum que sejam encontrados esqueletos, em perfeita

conexão anatômica, indicando haverem sido depositados no local propositadamente. Por

inferência, poderiamos admitir que a intencionalidade no sepultamento dos mortos

indicaria a existência, entre esses grupos pré-históricos, de crenças relativas ao destino

do ser humano após a morte. Não pretendemos, porém, nesse tópico, levantar a

discussão de tal possibilidade, mas isto sim, colocar a intencionalidade dos

sepultamentos e, ainda, a variação dos costumes funerários, que foi evidenciada pelas

escavações procedidas em diversos sambaquis, que já tivemos oportunidade de

descrever em tópicos anteriores.

A prática de costumes funerários variou de um sambaqui para outro, e, algumas

vezes, como no caso dos Sambaquis de Ponta das Almas - SC LC 17 - e Enseada I -SC

LN 71 - em um mesmo sambaqui, evidenciando duas ocupações distintas.

Alguns costumes funerários foram comuns a todos os sambaquis como a

utilização de corante vermelho. Se bem que em alguns sambaquis como Congonhas I -

SC LS 30 - Enseada I - SC LN 71 - (primeira ocupação), utilizaram mais amplamente

que outros, praticamente todos os sepultamentos encontrados mostravam vestígios de

corante vermelho, que aderiu aos ossos, impregnando-os.

Entre os costumes funerários que variaram grandemente a presença de

mobiliário funerário ou não, e o tipo de posição e disposição são, a nosso ver, as

práticas mais importantes, se considerarmos que sua variação indicou em dois

sambaquis duas ocupações distintas.

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A presença do mobiliário funerário ou sua ausência, como já dissemos

anteriormente, poderia indicar um tratamento diferencial dos mortos, que refletiria uma

situação existente antes da morte. Ou seja, o tratamento diferencial dos mortos seria

uma extensão do tratamento diferencial dados aos vivos. Os sepultamentos mais

complexos, com covas forradas de argila, acompanhados de grande número de artefatos

(instrumentos e adornos), abundância de corante vermelho, parece indicar que certos

indivíduos deveriam ter merecido dentro do grupo uma alta distinção. Não estamos

afirmando que se trataria de diferenças de status, refletidas na forma como os indivíduos

foram sepultados, mas acreditamos que tais diferenças na prática dos costumes

funerários estão sem dúvida alguma calcadas sobre uma distinção que os indivíduos

quando vivos deveriam ter em relação aos demais membros do grupo, que não foram

distinguidos após a morte.

Porém, mais importante que a presença de mobiliários funerários e afins nas

práticas funerárias são, sem dúvida alguma, a posição e a disposição com que foram

enterrados os mortos. Apesar de todos os sepultamentos indicarem ser do tipo primário,

o que se evidencia pela conexão anatômica dos ossos, sem dúvida alguma, houve

sempre preocupação de serem colocadas em uma posição e em uma disposição sempre

padronizadas para cada sambaqui ou, para cada ocupação, no caso de haver sido

constada mais de uma ocupação para o Sambaqui. Assim, no Sambaqui de Congonhas I

- SC LS 30 - todos os sepultamentos, com duas excessões ( 2.S.3 e 2.S.4 ) estavam em

posição estendida e em decúbito dorsal ou ventral. No Sambaqui de Ponta das Almas -

SC LC 17 - os sepultamentos que evidenciaram a primeira ocupação estavam em

posição estendida em decúbito ventral ou dorsal. Enquanto que os sepultamentos que

evidenciaram a segunda ocupação estavam em posição fletida, em decúbito lateral,

esquerdo ou direito. No Sambaqui do Morro do Ouro - SC LN 41 - todos os

sepultamentos estavam em posição fletida e em decúbito lateral esquerdo, na sua

maioria. E, no Sambaqui de Enseada - I - SC LN 71 - os sepultamentos que

caracterizaram a primeira ocupação estavam em posição estendida, quase em decúbito

lateral esquerdo, enquanto que os sepultamentos que evidenciaram a segunda ocupação,

estavam em posição fletida e em decúbito lateral esquerdo.

Assim, consideramos que alguns detalhes das práticas funerárias identificados

em Sambaquis do Litoral de Santa Catarina constituem melhores indicadores das

culturas dos grupos pré-históricos litorâneos que outros. É o caso, por exemplo, que

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acabamos de citar, e também, a presença ou ausência de corante e mobiliário funerário.

Voltamos, porém, a afirmar mais uma vez, que os dados não são suficientes para que

possamos estabelecer critérios definitivos para a caracterização de fases e horizontes

culturais para os sambaquis do Litoral de Santa Catarina e, mesmo do Brasil

Meridional. Acreditamos, isto sim, no acerto da escolha de tal critério para a

comparação entre sítios arqueológicos da mesma área. Os costumes funerários

permitem, sem dúvida alguma, definir muitas das manifestações culturais de sociedades

extintas, cujo estudo só se torna possível através da Arqueologia pré -histórica.

7.3 - Conclusões

Os Sambaquis localizados no Litoral de Santa Catarina são numerosos e variam

quanto aos remanescentes culturais encontrados em seu interior. Embora admitindo ser

prematura a identificação de fases culturais em face do pequeno número de sítios

escavados sistematicamente, acreditamos que as diferenças encontrados não são

resultantes, apenas, de padrões individuais, que possam ocorrer em cada sambaqui ou

em cada ocupação. Os critérios que escolhemos para comparação entre os sambaquis

que escavamos no desenvolvimento do projeto de pesquisa descrito no presente

trabalho, demonstrarem que estas variações ocorrem com relação as formas de,

subsistência, a tecnologia e aos costumes funerários.

Acreditamos que a mais importante variação ocorrida entre as populações

litorâneas pré-históricas tenha sido a introdução da cerâmica. A utilização de recipientes

de cerâmica, de uso diário, deveria ter constituído e permitido uma modificação nas

atividades adaptativas e, possivelmente, também associativas, embora seja um pouco

temerária tal afirmação. Entretanto, as modificações ocorridas são flagrantes, uma vez

que associada a cerâmica encontramos uma modificação da tecnologia, com o

surgimento de artefatos feitos de ossos e dentes de animais, que passam a constituir um

instrumento altamente diversificado e especializado e, ainda, a estratigrafia dos sítios

onde são encontrados cacos de cerâmica é distinta no que se refere aos remanescentes

arqueológicos.

É importante, e isto colocamos como sugestão, o desenvolvimento de um projeto

de pesquisa que permita relacionar os grupos litorâneos pré-históricos com aqueles do

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planalto, a fim de podermos entender a dispersão dos grupos pré-históricos no Litoral

Meridional do Brasil e estabelecer comparações com outras áreas próximas. Talvez seja

mais importante ainda, procurar entender e sistematizar, a partir de dados já coletados, a

comparação entre os sítios arqueológicos que tenham sido objeto de trabalhos

publicados.

Uma outra sugestão, ainda, é a de que os trabalhos comparativos entre os sítios

arqueológicos localizados no Litoral sejam desenvolvidos. É importante observar que as

evidências coletadas nos sambaquis descritos no presente trabalho e em, praticamente,

todos os trabalhos sobre sambaquis do Litoral do Brasil, não chegaram a esclarecer

sobre o tipo de sítio que é o sambaqui. Trata-se é certo, de um monte de detritos.

Provavelmente restos de alimentos, um monte de lixo. Entretanto, constituiriam sítios

de habitação permanente ou eram realmente, depósitos de lixo encontrando-se os sítios

de habitação localizados em outras áreas, distanciadas. É possível, em face dessa

hipótese, que os remanescentes culturais de um e de outro sítio sejam diferentes e faltas

de informações mais aprofundadas estejam sendo interpretadas como grupos distintos e

não como manifestações distintas de um mesmo grupo.

Enfim, mais uma vez afirmamos que o que aqui expomos não são afirmações

conclusivas sobre os sambaquis do Litoral de Santa Catarina. Acreditamos isto sim, que

se trata de um trabalho inicial, a partir do qual novas hipóteses poderão ser levantadas a

fim de esclarecer não apenas as sugestões que levantamos, mas muitas outras que

poderão vir a surgir. Além disso, a possibilidade de utilização de técnicas novas e de

recursos financeiros e humanos mais amplos permitirão que muitos dos resultados aqui

expostos sejam reconsiderados.

Finalmente, insistimos em que os trabalhos em sítios arqueológicos do tipo

sambaqui continuem a ser executados por equipes interdisciplinares como aquela que

utilizamos porém, com maior número de especialistas, que poderão trazer sua

contribuição ao entendimento do povoamento pré-histórico do Litoral Meridional do

Brasil e não apenas de Santa Catarina.

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