A VIAGEM AQUÉM-MAR NA POESIA DE ALMEIDA GARRETT

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Uma análise da poesia de Almeida Garrett de acordo com o seu ideal para a Cultura Portuguesa do séc XIX

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNCULAS SETOR DE LITERATURA PORTUGUESA

    A VIAGEM AQUM-MAR NA POESIA DE ALMEIDA GARRETT

    Rafael Berg Esteves Trianon DRE: 113144945

    Trabalho apresentado professora Viviane Vasconcelos como requisito parcial para aprovao na discplina de Cultura Portuguesa.

    Rio de Janeiro 1 semestre de 2015

  • I. Introduo

    Almeida Garrett foi um intelectual portugus que lutou pela reconstruo de um ideal de nao portuguesa. O pensamento portugus de busca dos mares como forma de elevao nacional j dera imensos fracassos ao pas, deixando-o beira do completo caos. A narrativa garrettiana colaborou muito para esta desconstruo da relao portuguesa com o mar e com o expansionismo ultramarino. Esta relao facilmente verificada em Viagens na minha terra, sua obra ficcional. Este trabalho, no entanto, buscar na lrica de Garrett este movimento, e mostrar como sua poesia tambm serviu para o seu propsito poltico-cultural de desmistificao do imaginrio portugus quanto ao seu passado glorioso.

    II. O passado glorioso desconstrudo

    A produo de Garrett visando a desconstruo do pensamento portugus diante da glria falida tornou-se necessria diante do quadro insustentvel de danos trazidos a Portugal pela m gesto de seu processo exploratrio. Conforme levantadas por Antero de Quental no seu discurso Causas da decadncia dos povos peninsulares, o projeto ultramarino portugus no levou em conta o fortalecimento da infraestrutura interna do pas, o que foi agravado pela dependncia financeira que Portugal estabeleceu com a Inglaterra, e o sculo XIX estava sofrendo as consequncias desta insensatez. Garrett ento passa a buscar uma nova imagem de valorizao nacional, celebrada na fico com o romance Viagens na minha terra. Na poesia, esta tendncia no se apaga, ela se realiza de forma muito mais sutil, de uma forma tpica da poesia.

    Notemos, por exemplo, o poema Barca Bela. O refro do romance denota uma oposio ida ao mar, um apelo ao pescador, para no ir ao mar, desprotegido das estrelas:

    No vs que a ltima estrela No cu nublado se vela? Colhe a vela, Oh pescador!

  • Os cus no so mais estrelados: os deuses no favorecem mais as empreitadas portuguesas. Vnus no mais salva os portugueses e os conduz ilha dos Amores. Os tempos so nublados, e prudente no buscar o mar; deve-se colher a vela e fugir das tentaes das sereias. A imagem das sereias invocada no poema como um contraponto ao canto das musas, no sentido de que, enquanto as primeiras cantam as coisas verdadeiras, o canto das sereias enganoso, enredador. O desejo de buscar riqueza um canto belo, porm falho, enredador, que sempre resultar na morte em ltima anlise a morte da prpria nao. Este poema um bom exemplo da poesia de Garrett que espelha seu projeto poltico-cultural para Portugal.

    Outro poema que traz tona esta necessidade de reviso conceitual o entitulado as minhas asas. Nele, o eu-lrico nos informa que perde suas asas brancas, dadas a ele por um anjo, por sucumbir ao olhar para uma luz mais bela que a luz das estrelas, mesmo tendo resistido s tentaes da cobia e da ambio. primeira vista, podemos pensar que este poema refora a resistncia de Portugal cobia e ambio. No entanto, podemos pensar de outra forma. Primeiramente, o que podemos interpretar como metfora das asas brancas? Estas asas foram dadas ao eu-lrico por um anjo; em outras palavras, ele recebe um dom sobrehumano proveniente de uma fonte divina. Esta justamente a cultura portuguesa da predestinao de Portugal para ser uma nao poderosa. Estas so as asas dadas a Portugal por Deus, para cumprirem seu papel de grande nao. O eu-lrico, esta personificao de Portugal, resistiu s tentaes, e isto no sentido de que no perdeu sua vocao independente da presena da cobia e da ambio, que a tentava continuamente (por trs sculos), conforme podemos ler:

    Eram brancas, brancas, brancas, Como as do anjo que mas deu: Eu inocente como elas, Por isso voava ao cu. Veio a cobia da terra. Vinha para me tentar; Por seus montes de tesouros Minhas asas no quis dar. Veio a ambio, co'as grandezas, Vinham para mas cortar Davam-me poder e glria Por nenhum preo as quis dar.

  • Durante todo esse tempo as asas brancas da grandeza portuguesa resistiram. No entanto, o tempo cobra seu preo, e por fim o amor, uma relao carnal, causa a sua derrocada (relao essa que talvez pudesse at mesmo representar as relaes que Portugal mantinha com Inglaterra). No fim das contas, a ausncia das asas era a atual condio do eu-lrico:

    E as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu Pena a pena me caram... Nunca mais voei ao cu.

    Era necessrio, portanto, que se aprendesse a lidar com esta nova realidade. Portugal no mais dona do mundo, no h mais asas brancas. No se pode, portanto, tentar novos voos distantes, prximos dos cus. necessrio conhecem e buscar um novo rumo.

    III Consideraes finais

    Por motivos de extenso no foi possvel continuar a anlise dos poemas na busca de um tratamento revolucionrio tambm na poesia garrettiana. Vimos, no entanto, que a obra potica de Garrett tambm se prestou a confirmar o seu desejo poltico-cultural de criao de um novo imaginrio no povo portugus, diante do fracasso do projeto ultramarino. Esta viso impactou profundamente a cultura portuguesa, trazendo em pauta um senso crtico que j se fazia presente desde Cames, com o Velho do Restelo, mas que at ento no fazia parte da intelectualidade nascente em Paris.

    IV Referncias

    GARRETT, Almeida. Barca bela; In: Antologia da Poesia Portuguesa Linhas Mestras. Tomo II. Faculdade de Letras: Rio de Janeiro, 2013

    ______. As minhas asas; In: Antologia da Poesia Portuguesa Linhas Mestras. Tomo II. Faculdade de Letras: Rio de Janeiro, 2013