A VIAGEM DO ELEFANTE DE JOSÉ SARAMAGO

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A VIAGEM DO ELEFANTE DE JOSÉ SARAMAGO HISTÓRIA O elefante Solimão pertencia ao império português. O animal vivia em Lisboa, aos cuidados de Subhro, o cornaca (condutor de elefantes). A viagem do elefante tem início quando o rei de Portugal, D. João III, precisava com urgência de uma presente de casamento para o herdeiro do trono dos Habsburgo, arquiduque austríaco Maximiliano II. Daí ele lembra de ter recebido um elefante indiano uns anos antes, que para ele já não tinha utilidade. Nessa nova etapa, Solimão e Subhro terão as identidades mudadas. O elefante passa por uma boa lavagem e recebe novas roupas. Ele e seu condutor terão os nomes alterados. A mudança de identidade não os agrada. Passam a se chamar Salomão e Fritz. Fritz é um nome comum na Áustria, mas será o único com um elefante. O cornaca tem grande carinho pelo elefante. Os dois viajam pela Europa de Lisboa a Espanha, de barco para Génova e atravessam as apertadas passagens dos Alpes no Inverno para chegar a Viena. A partir de então, o narrador passará a contar a história da longa viagem empreendida por Salomão e Fritz, primeiramente de Portugal a Espanha, onde se detinha a comitiva de Maximiliano II, e de Espanha a Áustria, incluindo-se aí uma perigosa viagem marítima pelo Mediterrâneo e uma quase suicida travessia dos Alpes. CARACTERÍSTICAS “A Viagem do Elefante” aparenta uma simplicidade e uma linearidade que parecem destoar da obra do autor. A história serve apenas como pano de fundo para que José Saramago exercite seu mais fino humor e sua mordaz ironia à burocracia de Estado e à corrupção intrínseca dos indivíduos. Assim, não foi casual a escolha de um elefante como personagem central do livro. É Solimão (ou Salomão) que move a burocracia de um Estado inoperante, muito mais preocupado com sua perpetuação e imagem, do que com sua eficiência junto às necessidades de seu povo, e é em torno e em função dele que se destacará toda uma comitiva e para qual se contratarão funcionários que possam suprir suas necessidades particulares e tornar possível e segura sua viagem. Solimão é, desta feita, o próprio Estado, cuja ineficácia burocrática José Saramago discutiu em livros como “Todos os Nomes” e “Ensaio sobre a Lucidez”, dentre outros. Subhro (ou Fritz), o cornaca, por sua vez, constitui-se como personagem complexo: indiano de origem, emigrou para Portugal acompanhando Solimão, a quem trata, treina e guia. Apesar de servir a seu soberano, seja este o rei português ou o arquiduque austríaco, é dado a arroubos de autonomia, e chega a contestar e ironizar seus superiores hierárquicos. Sabendo-se fundamental aos interesses do seu governo, considerando ser o único a conhecer as manhas e artimanhas de Solimão, Subhro emite suas opiniões próprias e, em nome do bem-estar do elefante (e, consecutivamente, dos interesses de Estado), chega a impor condições para a viagem. Entretanto, como todo ser humano, deixa-se levar também por seus interesses próprios e, sempre que pode, usa do Estado (no caso, Solimão) para obter lucros e benefícios pessoais, como no episódio em que passa a vender pelos do animal a uma população crédula depois de ter usado o paquiderme para forjar um milagre – uma clara referência ao momento em que a história é ambientada, quando na Europa eclodiram os movimentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Católica. com informações de Viegas Fernandes da Costa PARTES DO LIVRO Primeira parte Início da viagem, quando o rei de Portugal resolve se desfazer do elefante que já não lhe tinha utilidade e estava sujo e abandonado. Como pretexto, aproveita para dá-lo como presente de casamento ao arquiduque da Áustria. Além de se livrar dos gastos com o paquiderme o monarca aproveita a oportunidade para dar um presente exuberante. Segunda parte O arquiduque aceita o presente. Agora eles precisam tomar as providências para o transporte do elefante, que seguirá acompanhado do cornaca, Subhro. Terceira parte 1

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A VIAGEM DO ELEFANTE DE JOSÉ SARAMAGO

HISTÓRIA

O elefante Solimão pertencia ao império português. O animal vivia em Lisboa, aos cuidados de Subhro, o cornaca (condutor de elefantes). A viagem do elefante tem início quando o rei de Portugal, D. João III, precisava com urgência de uma presente de casamento para o herdeiro do trono dos Habsburgo, arquiduque austríaco Maximiliano II. Daí ele lembra de ter recebido um elefante indiano uns anos antes, que para ele já não tinha utilidade.Nessa nova etapa, Solimão e Subhro terão as identidades mudadas. O elefante passa por uma boa lavagem e recebe novas roupas. Ele e seu condutor terão os nomes alterados. A mudança de identidade não os agrada. Passam a se chamar Salomão e Fritz. Fritz é um nome comum na Áustria, mas será o único com um elefante.O cornaca tem grande carinho pelo elefante. Os dois viajam pela Europa de Lisboa a Espanha, de barco para Génova e atravessam as apertadas passagens dos Alpes no Inverno para chegar a Viena. A partir de então, o narrador passará a contar a história da longa viagem empreendida por Salomão e Fritz, primeiramente de Portugal a Espanha, onde se detinha a comitiva de Maximiliano II, e de Espanha a Áustria, incluindo-se aí uma perigosa viagem marítima pelo Mediterrâneo e uma quase suicida travessia dos Alpes.

CARACTERÍSTICAS

“A Viagem do Elefante” aparenta uma simplicidade e uma linearidade que parecem destoar da obra do autor. A história serve apenas como pano de fundo para que José Saramago exercite seu mais fino humor e sua mordaz ironia à burocracia de Estado e à corrupção intrínseca dos indivíduos.

Assim, não foi casual a escolha de um elefante como personagem central do livro. É Solimão (ou Salomão) que move a burocracia de um Estado inoperante, muito mais preocupado com sua perpetuação e imagem, do que com sua eficiência junto às necessidades de seu povo, e é em torno e em função dele que se destacará toda uma comitiva e para qual se contratarão funcionários que possam suprir suas necessidades particulares e tornar possível e segura sua viagem.

Solimão é, desta feita, o próprio Estado, cuja ineficácia burocrática José Saramago discutiu em livros como “Todos os Nomes” e “Ensaio sobre a Lucidez”, dentre outros. Subhro (ou Fritz), o cornaca, por sua vez, constitui-se como personagem complexo: indiano de origem, emigrou para Portugal acompanhando Solimão, a quem trata, treina e guia.

Apesar de servir a seu soberano, seja este o rei português ou o arquiduque austríaco, é dado a arroubos de autonomia, e chega a contestar e ironizar seus superiores hierárquicos. Sabendo-se fundamental aos interesses do seu governo, considerando ser o único a conhecer as manhas e artimanhas de Solimão, Subhro emite suas opiniões próprias e, em nome do bem-estar do elefante (e, consecutivamente, dos interesses de Estado), chega a impor condições para a viagem.

Entretanto, como todo ser humano, deixa-se levar também por seus interesses próprios e, sempre que pode, usa do Estado (no caso, Solimão) para obter lucros e benefícios pessoais, como no episódio em que passa a vender pelos do animal a uma população crédula depois de ter usado o paquiderme para forjar um milagre – uma clara referência ao momento em que a história é ambientada, quando naEuropa eclodiram os movimentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Católica.com informações de Viegas Fernandes da Costa

PARTES DO LIVRO

Primeira parte

Início da viagem, quando o rei de Portugal resolve se desfazer do elefante que já não lhe tinha utilidade e estava sujo e abandonado. Como pretexto, aproveita para dá-lo como presente de casamento ao arquiduque da Áustria. Além de se livrar dos gastos com o paquiderme o monarca aproveita a oportunidade para dar um presente exuberante.

Segunda parte

O arquiduque aceita o presente. Agora eles precisam tomar as providências para o transporte do elefante, que seguirá acompanhado do cornaca, Subhro.

Terceira parte

A viagem é iniciada. Parte a comitiva formada por Subhro, dois ajudantes, homens do abastecimento, carro de bois com água, pelotão de cavalaria, carro da intendência puxado por mulas. A viagem é vagarosa pois dependem do ritmo dos bois e precisam aguardar os longos banhos do elefante. Subhro, que entende do cuidado com os animais, precisa expor suas ideias, mas com cuidado para não desrespeitar a autoridade do comandante. O cornaca sugere que consigam, de algum proprietários das redondezas, mais uma junta de bois para acelerar a viagem.

Quarta parte

Nessa parte eles irão colocar em prática a ideia do cornaca. Eles encontram uma propriedade de um conde, em uma aldeia.

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Quintaparte

Eles passam por um temporal, inesperado na época de verão. Agora, terão que se abrigar nas aldeias. Em uma delas, é discutido ao redor de uma fogueira aspectos das religiões. É contada a história do deus com cabeça de elefante – Ganesha. Os aldeãos começaram a acreditar que o elefante era um deus. Eles trataram de informar o padre local. Pela manhã, foi feito um exorcismo em Salomão. Ao final dessa parte um nevoeiro toma conta do local, trazendo transtornos para alguns ajudantes que se perdem.Sexta parteO comandante expressa saudades da família. Será o gancho que o autor terá para acrescentar nessas lembranças as aventuras literárias do Amadis de Gaula (novela de cavalaria). Os viajantes não passarão por Castela. Prevenidos, eles vão até Castelo Rodrigo, seguindo orientações de carta enviada ao arquiduque. Ela indicava que uma força militar espanhola ou austríaca estaria no local a espera deles.

Sétima parte

A caravana portuguesa chega antes dos espanhóis e austríacos em Castelo Rodrigo.

Oitava e nona parte

O destaque é para a expectativa dos portugueses pela chegada da suposta tropa inimiga. Ao chegarem os austríacos querem levar o elefante. O comandante aceita somente se sua tropa puder ir junto até Valladolid, para entregar o presente pessoalmente.

Décima parte

As duas tropas viajarão juntas. A vontade do comandante austríaco era de levar o elefante sem a companhia dos portugueses para ganhar o mérito sozinho.

Décima primeira parte

Acontece a chegada a Valladolid. É ordenada a troca do nome do elefante e do cornaca, por serem difíceis de pronunciar. A viagem continuará por territórios espanhóis e italianos. No caminho acontece um suposto milagre do elefante. Ele teria se ajoelhado diante da catedral de Pádua. Um milagre fabricado pelo cornaca, que adestrava o animal. A etapa seguinte é enfrentar o desfiladeiro de Brunir e em seguida viagem fluvial. Pelo caminho, Solimão era aplaudido, virando um eficiente instrumento político. Outro “milagre” acontece na chegada a Viena. O elefante salva uma menina de cinco anos. Ele evita que seja pisoteada por ele mesmo, pegando-a com a tromba e devolvendo aos pais.

Décima segunda parte

A morte do elefante é citada na abertura do capítulo. A causa é desconhecida. Após ser esfolado, cortaram suas patas dianteiras que após a higienização foram servir de recipiente para depositar bengalas e afins na porta do palácio. Subhro recebeu generosa quantia em dinheiro do arquiduque e o usa para comprar uma mula e burro. Ao comunicar a morte do animal aos reis de Portugal, tratando o elefante como um herói, a rainha Catarina (que só pensava em se livrar de Salomão) se tranca na sua câmara e chora o resto do dia.

A Viagem do Elefante

A Viagem do Elefante é um romance de 2008 do escritor português, Nobel de Literatura de 1998, José Saramago. A Viagem do Elefante retrata a ida de um elefante até a Áustria, mandado pelo Rei D. João III, onde será o presente de casamento do arquiduque Maximiliano da Áustria.

“A Viagem do Elefante” ambienta-se em meados do século XVI, e conta a história do elefante Solimão (ou Salomão, como é chamado depois de passar à propriedade austríaca) e seu cornaca Subhro (ou Fritz, cujo nome também é modificado, pois, enquanto tratador e guia, acompanha o elefante e os desígnios aos quais este é submetido). Solimão era propriedade do império português, e vivia um tanto quanto esquecido em Lisboa, sob os cuidados de Subhro. De pouca ou nenhuma serventia aos interesses do rei D. João III, o elefante é presenteado ao arquiduque austríaco Maximiliano II, recém casado com a filha do imperador Carlos V, que aceita o presente e imediatamente procede a mudança dos nomes de Solimão e Subhro para Salomão e Fritz. A partir de então, o narrador passará a contar a história da longa viagem empreendida por Salomão e Fritz, primeiramente de Portugal a Espanha, onde se detinha a comitiva de Maximiliano II, e de Espanha a Áustria, incluindo-se aí uma perigosa viagem marítima pelo Mediterrâneo e uma quase suicida travessia dos Alpes.

“A Viagem do Elefante” aparenta uma simplicidade e uma linearidade que parecem destoar da obra do autor; entretanto, é nas tergiversações dos personagens e do narrador que reside à maior qualidade da obra. A história serve apenas como pano de fundo para que José Saramago exercite seu mais fino humor e

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sua mordaz ironia à burocracia de Estado e à corrupção intrínseca dos indivíduos. Assim, não foi casual a escolha de um elefante como personagem central do livro. É Solimão (ou Salomão) que move a burocracia de um Estado inoperante, muito mais preocupado com sua perpetuação e imagem, do que com sua eficiência junto às necessidades de seu povo, e é em torno e em função dele que se destacará toda uma comitiva e para qual se contratarão funcionários que possam suprir suas necessidades particulares e tornar possível e segura sua viagem. Solimão é desta feita, o próprio Estado, cuja ineficácia burocrática José Saramago discutiu em dois outros livros. Subhro (ou Fritz), o cornaca, por sua vez, constitui-se como personagem complexo: indiano de origem, emigrou para Portugal acompanhando Solimão, a quem trata, treina e guia. Apesar de servir a seu soberano, seja este o rei português ou o arquiduque austríaco, é dado a arroubos de autonomia, e chega a contestar e ironizar seus superiores hierárquicos. Sabendo-se fundamental aos interesses do seu governo, considerando ser o único a conhecer as manhas e artimanhas de Solimão, Subhro emite suas opiniões próprias e, em nome do bem-estar do elefante (e, consecutivamente, dos interesses de Estado), chega a impor condições para a viagem. Entretanto, como todo ser humano, deixa-se levar também por seus interesses próprios e, sempre que pode, usa do Estado (no caso, Solimão) para obter lucros e benefícios pessoais, como no episódio em que passa a vender pelos do animal a uma população crédula depois de ter usado o paquiderme para forjar um milagre – uma clara referência ao momento em que a história é ambientada, quando na Europa eclodiram os movimentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Católica.

Como já dissemos aqui, há quem diga que a carícia da morte devolve-nos uma leveza e um certo humor que perdemos com o transcorrer dos anos. Fato é que em “A Viagem do Elefante” encontramos um Saramago mais leve, consciente da importância da sua literatura, porém ciente, também, de que talvez já tenha dito o que havia para se dizer, e que a esta altura de sua vida e carreira importa mesmo o prazer de escrever uma boa história.

Por isso, talvez, a impressão de um Saramago sorridente que nos acomete quando fechamos o livro.Obs. "Este conto, prefiro chamá-lo assim --melhor que romance--, é o que sempre pensei que deveria ser. A doença não mudou nada", diz Saramago, que afirmou que não deseja dramatizar "a situação do autor frustrado por algo mais forte que sua própria vontade".

Uma caminhada no século XVI, de Viena a Lisboa, de um elefante chamado Salomão, uma oferta do Rei português D. João III para o Arquiduque Maximiliano, herdeiro para o Santo Império Romano. A Viagem do Elefante, escrita não muito tempo antes da morte de Saramago em Junho, apresenta a sua única mistura de absurdo, súbita lógica, comédia tendendo para a melancolia, uma digressão que nos encaminha para efeitos inesperados.

Guiado por Subhro, o discursivo cornaca de Salomão, e escoltado por um destacamento de soldados portugueses, o elefante, a quem é permitida uma ocasional discursividade, viaja para Norte para Castelo Rodrigo, atravessa Espanha, e faz o seu caminho até Valladolid, onde é entregue a Maximiliano. O cortejo, ricamente acrescentado por cortesãos e tropas, continua por mar até Gênova, atravessa os Alpes pelo gelado Passo de Brenner, e é triunfalmente recebido em Viena.

A viagem é baseada num acontecimento histórico; e talvez Saramago tenha perdido um pouco do seu poder por ele: Os seus grandes romances inventam a sua própria história. Ensaio Sobre a Cegueira é uma espantosa parábola sobre o que acontece quando, subitamente, todos deixam de ver; em A Jangada de Pedra, Espanha e Portugal separam-se da Europa e afastam-se flutuando; em A História do Cerco de Lisboa, a inserção de um “não” por um revisor altera drasticamente três séculos de vida portuguesa. Em A Viagem do Elefante, a extraordinária história está duramente ligada ao real; isto é, faltam-lhe algumas das livres explosões do realismo mágico de Saramago. Não obstante é, na sua maioria, uma delícia.

Não é tanto por causa dos acontecimentos. Saramago reconta-os bem o suficiente, preenchendo os poucos factos com acontecimentos que inventa, por vezes respeitosamente. A importante logística é bem imaginada: os carregamentos de forragem, as tinas de água, a necessidade de encontrar mais bois para puxar. A narração torna-se mais viva na última etapa: a luta de Salomão e Subhro, acostumados ao calor indiano, para ultrapassar os traiçoeiros Alpes, subjugados pela neve.

Mesmo no seu mais extraordinário trabalho, não são as histórias o coração da escrita de Saramago. Ele usa-as para trazer à superfície as idiossincrasias das suas personagens: Vira-as ao contrário, para apanhar as moedas que caiem dos seus bolsos. Atribui-lhes ações; questiona as suas ações; coloca-os a questionar as suas ações; tem os seus animais — cães, ou aqui, um elefante — a questionar as suas ações. No velho enigma metafísico — fazer ou ser — ele está do lado do ser, e os seus maravilhosos diálogos em

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espiral, talentosamente traduzidos por Margaret Jull Costa, são uma céptica e radiosa interrogação sobre o fazer.

O prazer em A Viagem do Elefante está nos encontros interrogadores das suas personagens. Subhro, um estrangeiro em Portugal, e ainda mais um estrangeiro entre os austríacos, divide-se entre a deferência — ele é um pequeno cornaca, no fim de contas — e a descoberta e a defesa da sua própria realidade. A sua e a do seu elefante. Quando o arrogante Maximiliano exige que reduza o costumeiro período de descanso de Salomão, dizendo que já não estava na Índia, ele recusa. “Se vossa alteza conhecesse os elefantes como eu tenho a pretensão de conhecer, saberia que para um elefante indiano, dos africanos não falo, não são da minha competência, qualquer lugar em que se encontre é índia.”

No seu adeus a Valladolid, falando com o comandante do destacamento português — após uma desconfiança inicial tinham-se tornado grandes amigos — compara-se à sua carga. “[...] em um elefante há dois elefantes, um que aprende o que se lhe ensina e outro que persistirá em ignorar tudo.” E continua: “Descobri que sou tal qual o elefante, uma parte de mim aprende, a outra ignora o que a outra parte aprendeu, e tanto mais vai ignorando quanto mais tempo vai vivendo.”

Ao serviço de reis e imperadores, Salomão e o seu Subhro, mesmo quando obedecem, afirmam os seus eu individuais — as suas almas, alguém pode dizer, se tal não ofender o devoto ateísmo do escritor. A mais divertida e cristalina cena de A Viagem do Elefante tem Subhro a ensinar Salomão a ajoelhar-se diante do santuário de Santo António em Pádua. E fá-lo sob a ameaça das autoridades religiosas locais, que acham conveniente encenar um “milagre.” Subhro estaria preocupado com a possível falha na atuação de Salomão. Não se preocupe, diz-lhe um padre: Os milagres que não acontecem são os “mais saborosos”. “[...] além disso, aliviamos de maiores responsabilidades os nossos santos.”

Uma linha de desafio percorre todas as obras de Saramago. Ele foi um Comunista e continuou como tal; mas nos seus romances não existe qualquer pista das algemas que o comunismo no poder tentou impor aos seus artistas. Em vez disso, há uma veia que rejeita todas as imposições, mesmo as da causa sobre o efeito. Assim, sentimos, lendo-o, que a lei da gravidade está a ser subvertida pelo puxão de outros corpos astrais, os que Saramago inventou e enviou para a nossa órbita.

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