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marcoscordiolli A Casa de Asterion 1 marcoscordiolli A Casa de Asterion Publicado como CORDIOLLI, Marcos. A vida e o destino dos povos mexicanos. Mundo Jovem, 9 (81), maio 2002. p. 9. A histria do MØxico traz tantos pontos para reflexªo entre ns, brasileiros, que torna a missªo de sistematizÆ-la em espao tªo reduzido, quase impossvel. Entªo, solicitaria a vocŒ, leitor, que a tomasse como um momento inicial de reflexªo e nªo como ponto de chegada. TambØm nªo vou me ater s questıes contemporneas, em relaªo s quais hÆ uma disponibilidade maior de informaıes, havendo a possibilidade de sugerir, se for de interesse do leitor, algum outro artigo sobre o MØxico atual. O espao territorial do MØxico atual Ø decorrente do processo colonial espanhol, instaurado no sØculo XVI. Antes desse perodo, esse pas fazia parte de um espao mais amplo, com as regiıes da atual AmØrica Central compondo o palco de importantes civilizaıes, com as dos Tolteca, Chimimecas, Zacatecas, Astecas e Maias. TambØm podem ser relacionados os Nauas, no Planalto Mexicano e os Seris, que habitaram o extremo noroeste do MØxico atual. Esses povos tŒm sido foco de estudos cuidadosos apenas a partir de 1980 e os resultados de tais estudos tŒm surpreendido a comunidade acadŒmica, com revelaıes da complexidade cultural dessas civilizaıes, relativamente s suas relaıes sociais, prÆticas religiosas e elaboraªo de diferentes tecnologias. Esses povos foram destrudos pela conquista espanhola a partir de 1513, a qual espalhou o terror e dizimou milhares de vidas, submetendo culturas ao jugo da concepªo cristª-ocidental e da lgica do sistema capitalista. Alguns relatos afirmam que as vtimas eram tantas que, num massacre, o sangue chegava canela dos algozes. Outros dizem que os espanhis matavam tantas pessoas que, s vezes, era preciso parar para descansar e retomar foras para continuar o massacre. A conquista espanhola, impulsionada por Cortez, representa um feito militar importante, no qual o Estado Espanhol, com um exØrcito relativamente pequeno, conseguiu conquistar povos extremamente organizados. Isso pode ser explicado pela combinaªo de uma sØrie de fatores, que compreende, desde a astœcia de uma poltica de alianas reunindo povos oprimidos ou rivais, a fatos como inescrupulosos golpes de traiªo, como a prisªo de soberano Montesuma, que havia recebido os espanhis com flores e festas em sua capital. No sØculo XVI, a regiªo do atual MØxico passou a compor o Vice-reino da Nova Espanha, que se tornou o principal exportador de prata, financiando, junto com o ouro do Peru, as finanas do Estado Espanhol, tanto na suas atividades coloniais como na opulŒncia de sua nobreza. Os povos americanos foram submetidos s ecomiendas dos repartimentos, em A vida e do destino dos povos me A vida e do destino dos povos me A vida e do destino dos povos me A vida e do destino dos povos me A vida e do destino dos povos mexicanos xicanos xicanos xicanos xicanos Marcos Cordiolli [email protected] Marcos Cordiolli Ø historiador (UFPR) mestre em educaªo (PUCSP). Professor e conferencista. produtor de cinema e estuda fotografia. Contatos com o autor: email: [email protected] fone: +55 (41) 9962 5010 home page: http://cordiolli.wordpress.com home page: www .marcos.cordiolli.sites.uol.com.br twitter: twitter.com/marcoscordiolli myspace: www.myspace.com/ marcoscordiolli facebook:: [Marcos Cordiolli]

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marcoscordiolli

A Casa de Asterion

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marcoscordiolli

A Casa de Asterion

Publicado como CORDIOLLI,Marcos. A vida e o destino dos povosmexicanos.Mundo Jovem, 9 (81), maio

2002. p. 9.

A história do México traz tantos pontos parareflexão entre nós, brasileiros, que torna a missão desistematizá-la em espaço tão reduzido, quaseimpossível. Então, solicitaria a você, leitor, que atomasse comoummomento inicial de reflexão e nãocomo ponto de chegada. Também não vou me ateràs questões contemporâneas, em relação às quais háuma disponibilidademaior de informações, havendoapossibilidade de sugerir, se for de interesse do leitor,algum outro artigo sobre o México atual.

O espaço territorial doMéxico atual é decorrentedo processo colonial espanhol, instaurado no séculoXVI. Antes desse período, esse país fazia parte deum espaço mais amplo, com as regiões da atualAmérica Central compondo o palco de importantescivilizações, com as dos Tolteca, Chimimecas,Zacatecas, Astecas e Maias. Também podem serrelacionados os Nauas, no Planalto Mexicano e osSeris, que habitaram o extremo noroeste do Méxicoatual. Esses povos têm sido foco de estudoscuidadosos apenas a partir de 1980 e os resultados detais estudos têm surpreendido a comunidadeacadêmica, com revelações da complexidade culturaldessas civilizações, relativamente às suas relaçõessociais, práticas religiosas e elaboração de diferentestecnologias.

Esses povos foram destruídos pela conquistaespanhola a partir de 1513, a qual espalhou o terror edizimou milhares de vidas, submetendo culturas aojugo da concepção cristã-ocidental e da lógica dosistema capitalista. Alguns relatos afirmam que asvítimas eram tantas que, num massacre, o sanguechegava à canela dos algozes. Outros dizem que osespanhóis matavam tantas pessoas que, às vezes, erapreciso parar para descansar e retomar forças paracontinuar o massacre. A conquista espanhola,impulsionada porCortez, representa um feitomilitarimportante, no qual o Estado Espanhol, com umexército relativamentepequeno, conseguiu conquistarpovos extremamente organizados. Isso pode serexplicado pela combinação de uma série de fatores,que compreende, desde a astúcia de uma política dealianças reunindo povos oprimidos ou rivais, a fatoscomo inescrupulosos golpesde traição, comoaprisãode soberano Montesuma, que havia recebido osespanhóis com flores e festas em sua capital.

No século XVI, a região do atual México passoua compor o Vice-reino da Nova Espanha, que setornou o principal exportador de prata, financiando,junto com o ouro do Peru, as finanças do EstadoEspanhol, tanto na suas atividades coloniais comona opulência de sua nobreza. Os povos americanosforam submetidos às ecomiendas dos repartimentos, em

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Marcos [email protected]

Marcos Cordiolli é historiador (UFPR)mestre em educação (PUCSP).Professor e conferencista. É produtorde cinema e estuda fotografia.

Contatos com o autor:email:[email protected]: +55 (41) 9962 5010home page:http://cordiolli.wordpress.comhome page:

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2que os proprietários de terras (repartidas entremilitares,nobres e capitalistas de confiança dos vice-reis) passama encomendar os habitantes que �deveriam seriamcatequizados� na religião católica.Os indígenas estavamsubmetidos à mita (ou cuatequil, como era conhecida noMéxico), um sistema emque eramobrigados a trabalharem terras, minas e fábricas, por uma remuneraçãoperiódica.

Os indígenas promoveram diversas rebeliõesdurante o período colonial, quase todas como expressãode repulsa à situação de dominação e exploração. Noséculo XVIII, o Estado Espanhol entrou em declínio,pois não investiu o capital expropriado das colônias emprocessos produtivos de tipo industrial que espalhavampela Europa, preferindo manter a ostentação de suanobreza com a importação de mercadorias estrangeiras.Nessa situação, os descendentes de europeu jácomeçavam a se mobilizar pela independência. Algunsmovimentos independentistas foram impulsionados pordescendentes de europeus descontentes com odesinteresse e descaso dos governantes da Coroa; outros,sob influência das idéias iluministas de igualdade,fraternidade e liberdade, simpáticos a governosrepublicanos e democráticos. Foi nesse contexto queocorreram duas grandes insurreições armadas (em 1810e 1815), ambas dirigidas por sacerdotes católicos, masque não obtiveram sucesso.

A independência do México foi concluída apenasem 1823, após uma grande mobilização republicana, queobrigou a abdicação do Vice-rei, que havia se instituídocomo imperador dois anos antes. A forma republicana éadotada, com o congresso constituinte promulgando umaConstituição e o primeiro presidente da República éeleito.

O primeiro período da república, que se estendepor meio século, é de muitas reviravoltas políticas,

beirando ao caos, que só vai encontrar uma relativaestabilidade na ditadura de Porfírio Díaz, instaurada em1877. Nesse período, o México teve apenas doispresidentes que conseguiram cumprir os seus mandatosaté o final, sendo que, em média, a permanência nocargo era de um ano. As relações políticas no períodosão marcadas pela presença do clero católico (a Igrejachegou a deter metade das melhores terras do país), dosmilitares, dos maçons (divididos em, pelo menos, duascorrentes divergentes). Tudo isto contribuiu para osurgimento de um forte movimento caudilista, no quallíderes regionais se revoltavam constantemente,assumindo as reivindicações populares, mobilizandoexércitos e desafiando o governo instituído. Nessaépoca, uma das regiões tornou-se independente, o Texas,que mais tarde foi anexado pelos Estados Unidos. Areação mexicana acabou por desencadear uma guerracom os EUA, na qual o México perdeu extensosterritórios, e foi obrigado a indenizar colonosestadunidenses, além de ter que pagar um pesado tributode guerra que minou as finanças e o desenvolvimentoeconômico do país.

O México foi ocupado militarmente pela França,que iniciou operações militares com a Inglaterra e aEspanha e com aval do Papa para, supostamente,defender interesses dos seus súditos. Completada aocupação em 1864, foi instituído o império deMaximiliano, da família real austríaca, que governouportrês anos, quando foi derrubado e fuzilado.

Em1876 chegou ao governoPorfírioDias, emmaisuma revolução caudilista, instaurando, no ano seguinte,uma ditadura que se estenderia até 1911.Nesse períodooMéxico obteve paz, garantindo a estabilidade políticae um forte apoio popular ao governo. O paísexperimentou o crescimento econômico, com a

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3industrialização euma relativamodernizaçãoda atividademineradora. No entanto, a situação das massastrabalhadoras, principalmente na zona rural, não foialterada, continuando namiséria e reduzida a condiçõesprecárias e servis de trabalho.

Quando Diaz foi derrubado, em 1911, o Méxicorapidamente se viu mergulhado em novas sublevaçõesdirigidas por caudilhos, entre os quais se destacava oenigmático Emiliano Zapata, defensor do �Plano deAyala�, uma significativa proposição de redistribuiçãode terra, promovendo a denominada revoluçãomexicana. Nesse movimento, novos atores entram emcena para se contrapor aos representantes da classedominante, de origem européia, que detinham a posseda esmagadora maioria das propriedades produtivas dopaís; essesgrupos se articulavamemtornodosporfiristas,maderistas, villistas, zapatistas, carranzistas, obregonistas,delahuertistas ou cristeros. Marcando o começo de umprocesso de voz ativa para amassa de pobres, de origemindígena, que reivindicava terra, justiça, emprego edignidade.

A estabilidade só foi retomada em 1929, com aascensão ao poder do Partido Nacional Revolucionário(mais tarde rebatizado de Partido RevolucionárioInstitucional), unificando em um só partido, osrepresentantes das oligarquias tradicionais, atraindoparasi os empresários e fazendeiros, e estruturando umaexcepcional máquina política, de tipo populista, quereunia as lideranças dospueblos (pequenas comunidadesrurais); sindicalistas, militares de baixa patente, etc.Constitui-se uma pirâmide de poder que começava nosbairros, passavapelosprefeitos e governadores e chegavaaoPresidente daRepública. Todas as atividades políticasno México passavam necessariamente pelo PRI, que

oscilava,ora entreumdiscursomaispopulista à esquerda,ora impondo um tom conservador de direita.

O PRI garantiu a estabilidade política mas nãoresolveu os problemas básicos da população pobre;tampouco conseguiu imprimir um desenvolvimentoeconômico, como os EUA e Canadá, seus vizinhos daAmérica do Norte. Essa estabilidade começou a serquebrada na década de 1980, quando a esquerdacomeçou a se reagrupar e os efeitos da crise mundialdo capitalismo se abatiam sobre o país. No início, eramdezenas de pequenos partidos de esquerda que nemsequer conseguiam espaço político parlamentar emfunçãoda restritiva legislação emvigor.Mas, aospoucos,esses partidos começaram a se agrupar em torno doPSUM(PartidoSocialistaUnificadoMexicano), nascidoda fusão de vários grupos influenciados pela URSS epelo Castrismo, do PMT (Partido Mexicano dosTrabalhadores) e o trotskista PRT (PartidoRevolucionário dosTrabalhadores).Umnovo e intensoprocessode fusões e dissidências vãodesaguar nos anos1990 noPRD (Partido daRevoluçãoDemocrática) quese constituiupormais de60 anos, naprincipal alternativade governo fora do PRI. O PRD, mesmo contandocom um amplo apoio popular, não conseguiu obtersucesso nas urnas, sendo que em todos os pleitosapresentaram-se fortes indícios de fraudes.

Enquanto o PRI via seus instrumentos de poder secorroerem num mar de corrupção e seu ciclo de 71anos de governo encerrar-se diante de uma nova forçapolítica ligada às oligarquias, o PAN � Partido da AçãoNacional ganhou as eleições para a presidência daRepública, em julho de 2000.

Paralelo aoprocesso institucional veio a público, em1º de janeiro de 1994, o EZLN (Exército Zapatista de

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4Libertação Nacional), que, em rápidos combates noEstadodeChiapas, ocupou várias cidades, entre elas SanCristóbal de las Casas. Esse movimento foi importanteporqueocorreu justamentenomomentoda formalizaçãodo NAFTA (Tratado de Livre comércio da América doNorte) e sem que os serviços de inteligência dos EUAodetectassem.

AprovínciadeChiapaspossui algumas característicasparticulares: é muito rica em petróleo e gás e fornece40% da energia elétrica do país, mas concentra umaimensapopulação indígenapobre - demais de15gruposlingüísticos distintos - entre os quais a taxa deanalfabetismo chega a 50% e a mortalidade infantil édas mais altas do país.

O movimento zapatista possui alguns mecanismos

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Nota do autor

O autor agradece:1. a comunicação de erros.2. opiniões sobreo texto, inclusive sobrepassagens comredação inadequada.3. o envio de textos dos leitores no qual o autor foicitado.

E-mail para contato: [email protected]

peculiares de autogoverno e de organização políticatendo chamado a atenção de cientistas políticos,organizações populares e partidos políticos do mundotodo.

OMéxico atual é expressãoda contradiçãomundial;pertence a uma zona de livre comércio com dois paísesdo G7 (EUA e Canadá), o Estado está mergulhado nacorrupção, possui um forte governo de Direita e umaorganizadaoposiçãode centro esquerda, enquantopartede seus territórios está sobcontroledaguerrilha zapatista.

Os mexicanos repetem sempre que o mal de seupaís é o de �estar tão longe de Deus e tão perto dosEstados Unidos�, mas parece que os mexicanos, emparticular as populações indígenas, estão buscando secolocar como senhores do seu destino.