A vida gira em torno do sol

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A vida gira mesmo em torno do sol e não da internet

A Sundown lançou há pouco uma campanha publicitária que nos convida a desconectar do mundo virtual para curtirmos as delícias do verão no mundo real (confira o vídeo no final do post). A marca foi muito corajosa em apostar numa peça que ressalta a importância do “desconectar” numa sociedade tão “hiperconectada” como a atual. Apesar do potencial de polêmica, o resultado foi muito feliz. A campanha, muito simpática por sinal, acertou em cheio por não ser tecnofóbica, não fazendo uso de estereótipos e em não opor o mundo real ao virtual. A peça é clara na sua mensagem. Ok, conectar é indispensável, mas relaxe! O mundo não vai acabar se você se desconectar por alguns momentos para curtir os prazeres que a vida real tem para oferecer. O mundo vive um verdadeiro frenesi midiático-digital com a internet e as mídias sociais inseridas de maneira irreversível em nossas rotinas diárias. Os benefícios que isso traz são inúmeros e não há como negar que tornaram nossa vida muito melhor. Por outro lado, tudo que é bom tem também seu lado ruim. Nesse caso, faço uma analogia bem simples com uma barra de chocolate. É gostosa e faz bem para a saúde, mas se ingerida em excesso, aumenta o colesterol e engorda. No mundo virtual não é diferente, o problema é que tem havido conectividade excessiva. Ao acordar, a primeira coisa que fazemos é conectar para checar os nossos e-mails e como andam as nossas redes sociais. No decorrer do dia não é diferente e durante as oito horas de trabalho, continuamos conectados. Por fim, ao chegarmos em casa ou nos momentos de lazer prosseguimos plugados. Que atire a primeira pedra aquele que não sente a necessidade e se inquieta caso não consiga estar online constantemente. A tendência é toda essa conectividade aumentar de maneira exponencial com a proliferação e a popularização da tecnologia móvel. O problema é que muitos usuários estão com dificuldade em saber qual é o ponto de equilíbrio nessa equação. Inclusive, alguns termos como heavy user (usuário avançado no mundo virtual) e heroinware (junção das palavras heroína e software, que leva ao vício da hiperconectividade) já estão fazendo parte de nosso dicionário.

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Outro ponto preocupante é que passar muito tempo na rede pode não ser um bom sinal. Segundo o "American Journalof Psychiatry", mais que um vício, o uso excessivo de internet pode ser um distúrbio mental que deveria ser tratado como doença. O psiquiatra da Universidade de Ciências e Saúde do Oregon, Jerald Block, explica que os sintomas incluem a necessidade de o viciado estar sempre em busca de softwares e aparelhos melhores, além de passar horas e mais horas online. A vida gira mesmo é em torno do sol e não da internet Quem já teve contato com um heavy user sabe que a relação social é muito difícil. Ainda mais com a disseminação de utilitários multifuncionais como o iPhone. Tenho uma colega jornalista que não larga seu aparelhinho para nada. É irritante e muito desagradável socializar com ela no mundo real. Ela tenta interagir, mas não consegue, pois necessita passar mensagens Twittar o que está fazendo, atualizar o Foursquare, curtir algo no Facebook, ler algum RSS, verificar os e-mails a cada três minutos, tirar uma foto do local para atualizar o Instagram e por aí vai. Além da questão da saúde, a hiperconectividade traz consigo outro desdobramento negativo: a extensão da jornada de trabalho para a esfera pessoal. O cibertrabalho a distância é o melhor dos mundos para as empresas, mas não para o funcionário. Trabalhando em casa, o público e o privado se embaralham e como não há definição do que é trabalho e do que é descanso, a jornada se estende. A pessoa fica disponível e com direito a ser incomodada a qualquer hora por questões profissionais, afinal ela não está apenas em casa, está também no escritório. É uma nova modalidade de precarização social permitida pela tecnologia que tem se tornado uma tendência. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann, ilustra essa situação como o caso do funcio­nário que recebe da empresa um celular, um notebook ou um iPhone e vê o mimo como si­nal de status, ficando muito feliz. Infelizmente, ele não percebe que tais presentes são na verdade ferramentas de trabalho e, pior, ele está sendo explorado. Essa situação acaba por favorecer a concentração de riqueza e poder nas mãos das empresas. O Governo Federal está preocupado e estudando formas para regular essa realidade e exigir que as empresas paguem hora extra por conta dessa relação virtual fora de expediente. A hiperconectividade vem também pôr na berlinda uma teoria muito interessante surgida na década de 90, o "ócio criativo", do filósofo italiano Domenico de Masi. Ele acreditava que o tempo de trabalho seria reduzido e conduzido, na sua maior parte, pelo tele-trabalho, ou seja, realizado de casa, onde a tendência seria aumentar o tempo livre. Assim, o tempo de sobra seria usado para a pessoa se qualificar, aumentar o lazer, passar mais tempo com a família e também para pensar em maneiras de incrementar o desempenho profissional. Entretanto, tudo indica que está ocorrendo o contrário, pois as novas tecnologias só fizeram aumentar a carga de trabalho ao deletar a linha que separava o ambiente profissional do pessoal. Hoje, por meio das ferramentas móveis, a praia, o cinema e o restaurante estão se transformando em uma extensão do escritório. É óbvio que não podemos generalizar, pois há os que conseguem administrar e muito bem o trabalho a distância, impondo limites claros. Citemos as pessoas que desenvolvem atividades remotas na área de edição de sites e produção de conteúdo, por exemplo, ou que vivem em lugares bem afastados e por meio de uma simples conexão aplicam e bem a teoria do ócio criativo. E foi aí que o comercial da Sundown mirou e acertou em cheio, quando o ator diz que não é para deixarmos de acessar o mundo digital e sim para nos desconectarmos em

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"alguns períodos" e descobrirmos o prazer da vida no plano real. A chamada da peça é a mais pura verdade: a vida gira em torno do sol e não da internet. Marcelo Rebelo é jornalista, relações públicas e pós-graduado em e-commerce. Rodrigo Pires é jornalista, fotógrafo e pesquisador em mídias digitais.