A VIDA INDÍGENA E O TURISMO: O POVO KARAJÁ...
-
Upload
trinhkhanh -
Category
Documents
-
view
213 -
download
0
Transcript of A VIDA INDÍGENA E O TURISMO: O POVO KARAJÁ...
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
209
A VIDA INDÍGENA E O TURISMO: O POVO KARAJÁ DE ARUANÃ/GO/BRASIL1
SILVA, Lorranne Gomes da2
LIMA, Sélvia Carneiro de Lima3
SILVA, Lorena Paula4
COSTA, Josiane de Azevedo5
COSTA, Yan Carlos Medeiros6
RESUMO
O presente artigo discute as relações entre o turismo e o povo Indígena Karajá que vive na
cidade de Aruanã localizada no estado de Goiás no Brasil. A intenção é refletir o que as
atividades turísticas representam para os Karajá, como a comunidade insere-se nelas e quais
os impactos dessas atividades na vida desse povo, sobretudo, na cultura e suas
ressignificações. A cidade de Aruanã está inserida na Região Turística Vale do Araguaia,
conjunto complexo de dinâmica do capital e diferentes interesses econômicos, levando os
segmentos públicos e privados a investirem cada vez mais na divulgação de atrativos e
lugares turísticos. Mas, ao considerar as apropriações dos territórios, especialmente, no que se
refere às atividades turísticas, é preciso repensar sobre os distintos usos e consequências que
estas práticas são instituídas, sobretudo, quando se trata de territórios indígenas. A pesquisa
apontou que o contato interétnico e a inserção dos Karajá nas demandas mercadológicas do
turismo, culminou com várias modificações na cultura. Esta pesquisa de caráter qualitativo foi
desenvolvida a partir de levantamento bibliográfico, trabalho e diário de campo, entrevistas e
observação participante. Autores como Lima (2010 a e b), Nogueira (2008), Santos (2013),
Rocha (1998), dentre outros, foram fundamentais para subsidiar a análise.
Palavras-chave: Turismo; Povo Indígena Karajá de Aruanã; Cultura.
INDIGENOUS LIFE AND TOURISM: THE KARAJÁ ARUANÃ/GO/BRAZIL PEOPLE
ABSTRACT
The present paper tackles the relationships between tourism and the Karajá indigenous people,
living in the city of Aruanã nestled in the State of Goiás, in Brazil. Our purpose is to reflect
1Este artigo é produto da pesquisa intitulada: Reconfigurações culturais no modo de vida indígena: o povo
Karajá do Cerrado Goiano, realizada pela Universidade Estadual de Goiás, unidade de Quirinópolis, com
vigência de 2014 a 2016. 2 Professora de Geografia da Universidade Estadual de Quirinópolis/Goiás/Brasil. Doutoranda em Geografia pela
Universidade Federal de Goiás, Instituto de Estudos Socioambientais. Bolsista pela FAPEG (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás) e coordenadora da pesquisa referida. [email protected]. (64)
81610108 3 Professora de Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus
Inhumas/Goiás/Brasil. Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás, Instituto de Estudos
Socioambientais. Bolsista pela Capes. Colaboradora da pesquisa. [email protected]. (62) 81597019 4 Graduanda em Geografia pela Universidade Estadual de Quirinópolis/Goiás/Brasil e bolsista da pesquisa
referida. [email protected]. (64) 84431602 5 Graduanda em Geografia da Universidade Estadual de Quirinópolis/Goiás/Brasil e bolsista da pesquisa
referida. [email protected]. (64)84446233 6 Graduando em Geografia da Universidade Estadual de Quirinópolis/Goiás/Brasil e bolsista da pesquisa
referida. [email protected]. (64) 92887043
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
210
on what the tourist activities mean to the Karajá, how the community is merged with them
and how they impact on the life of these subjects, especially regarding culture and re-
significations. The city of Aruanã is located in the tourist region known as Araguaia Valley, a
complex area involving financial resources and varied economic interests, leading public and
private sectors to increasingly invest in publicizing tourist landmarks and places. However,
taking into account the appropriation of territory, especially, in terms of tourist activities, it is
valid to ponder the distinct uses and consequences that such practices entail, especially, when
it comes to indigenous territories. Our research has indicated that the interethnic contact and
the insertion of the Karajá people in the tourism market demands led to several modifications
in their culture. This qualitative investigation has been developed from bibliographic research,
work and field reports, interviews and participant observation. Authors such as Lima (2010 a
and b), Nogueira (2008), Santos (2013), Rocha (1998), among others, have been fundamental
to support the analysis.
Keywords: Tourism; Karajá Aruanã Indigenous People; Culture.
Introdução
Neste artigo, o foco é discutir as relações entre o povo indígena Karajá de Aruanã-GO/BR e o
turismo7. A intenção é refletir o que as atividades turísticas representam para esse povo, como
a comunidade insere-se nela e quais os impactos dessas atividades na vida indígena,
sobretudo, na cultura.
De acordo com Baruzzi e Pagliaro (2002: 01), “os índios Karajá habitam extensa região do
vale do rio Araguaia, nos estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso, com maior número de
aldeias localizadas na Ilha do Bananal, considerada a maior ilha fluvial do mundo”.
A composição dos dados aqui apresentados pautou-se no procedimento metodológico da
observação participante que, de acordo com Goldenberg (1997: 63), “é uma metodologia de
pesquisa que aparece como possibilidade na tentativa de descrição, explicação e compreensão
do objeto de estudo”. Não é apenas uma observação contemplativa, mas como ressalta
Oliveira (2000) o “ouvir” e “olhar” complementam-se na investigação. O autor afirma ainda
que na observação participante:
O pesquisador assume um papel perfeitamente digerível pela sociedade observada, a
ponto de viabilizar uma aceitação senão ótima pelos membros daquela sociedade,
pelo menos afável, de modo a não impedir a necessária interação (OLIVEIRA,
2000: 24).
Para Ludke e André (1986), a vivência e a observação no lugar são consideradas
fundamentais na pesquisa qualitativa e caracterizam-se pelo contato direto do pesquisador
com os sujeitos. O trabalho de campo como permanência, estada, ainda que temporária e
datada, bem como a presença e a busca pela profundidade podem inserir-se nesse movimento
de pesquisa, viabilizando a observação.
Para efetivar a pesquisa foram realizados três trabalhos de campo na aldeia Karajá de Aruanã
com estadia de aproximadamente cinco dias cada. Na oportunidade, foram feitas entrevistas e
depoimentos registrados em gravador, rodas de conversas, questionários e analisados
documentos (do Centro de Apoio ao Turista - CAT) sobre os Karajá, informações essenciais
para compor os dados da pesquisa. Como este trabalho ainda encontra-se em andamento,
7 A sigla GO é usada para Goiás, um dos estados da federação do Brasil (BR).
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
211
estão agendadas mais três visitas ao campo, com previsão para setembro e novembro de 2015
e janeiro de 2016.
Segundo Santos (2013), a cidade de Aruanã está inserida na “Região Turística Vale do
Araguaia”, conjunto complexo de dinâmica do capital que envolve relações de poder
econômico e político de base local e regional, levando os segmentos públicos e privados a
investirem cada vez mais na divulgação de atrativos e lugares turísticos, como é o caso de
Aruanã.
Para Nogueira (2008), o que torna um lugar turístico cada vez mais apreciado pelo turista é a
sua singularidade. Aruanã, portanto, constitui-se um desses lugares singulares por apresentar
uma paisagem esculpida pelos meandros do rio Araguaia – que apresenta no período de
temporada das praias, de junho a setembro8, inúmeras praias e bancos de areia que se formam
em suas margens e no leito. Há ainda neste município o turismo de pesca e a presença étnica
de um dos povos indígenas de Goiás, os Karajá.
Esse povo também reconhecido como Povo das águas, tem no Araguaia a base material da
vida. De acordo com seu mito de origem, é das profundezas das águas do rio Araguaia que
toda a vida Karajá teve sua origem e saíram para habitar a parte seca da terra. Por isso, mais
que sustento, o rio Araguaia representa para eles, a origem do povo e a extensão da própria
vida e o mito de origem Karajá, balizador essencial da cultura, aponta um vínculo forte entre
território e cultura, território e produção da vida, segundo Lima (2010 a).
Este vínculo pode ser melhor compreendido pela localização das aldeias Karajá. Não se
conhece na historiografia referente à ocupação do atual território brasileiro, nenhuma aldeia
Karajá estabelecida fora da sinuosidade estabelecida pelo curso do rio Araguaia e de seus
afluentes.
De acordo com o Instituto Socioambiental (2015), as aldeias desse povo estão todas
localizadas nas proximidades dos afluentes do Araguaia, nas margens do rio Javaés (um dos
braços do rio Araguaia que forma a ilha do Bananal no estado do Tocantins), ou próximo a
lagos e no interior da ilha citada.
Porém, é nesse mesmo território, de vital significado para a construção da vida indígena, que
se configuram as atividades turísticas mais significativas de Goiás em relação ao “Turismo de
sol e praia” e também de “pesca” – características de um dos principais usos do Araguaia.
A partir desta contextualização, propor-se-ão como baliza para as reflexões os seguintes
questionamentos: o que representa a atividade turística para o povo Karajá? Como a
comunidade insere-se nela? Quais os impactos dessas atividades na cultura e na vida desse
povo?
A fim de estabelecer uma discussão para elucidar esses questionamentos, partir-se-á,
inicialmente, da compreensão de algumas das dinâmicas socioeconômicas estabelecidas no
município de Aruanã e na região turística a qual pertence.
1.1 – O povo Indígena Karajá de Aruanã-GO/BR
O povo indígena Karajá se autodenomina Iny, cujo significado é “nós”, “nós mesmos”. O
nome Karajá é de origem Tupi, cujo significado aproxima-se de “macaco grande”. (ISA,
2015).
Neste artigo, não utilizaremos a autodenominação, mas o termo Karajá por ser o nome mais
difundido no Brasil de identificação deste povo.
8 O período da estação seca em Goiás corresponde aos meses de abril a setembro, mas o turismo considerado de
alta temporada no rio Araguaia é mais evidente no mês de julho, que corresponde às férias escolares.
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
212
Além dos Karajá, o povo indígena Iny abrange os Javaé e os Xambioá, que no geral falam a
mesma língua, embora apresentem algumas variações entre si. A língua pertence à família
linguística Karajá, denominada por eles de Inyrybe, que significa a “fala dos Iny”, e pertence
ao tronco-linguístico Macro-Jê.
No Brasil, as aldeias Karajá somam 29 no total com população de 3.198 pessoas (FUNASA,
2010). Essas aldeias, tradicionalmente, são compostas por uma ou mais fileiras de casas ao
longo das margens do rio Araguaia.
De acordo com a tradição indígena, normalmente, as portas de entrada das moradias são
posicionadas de frente para o rio, conforme mostra a figura 01:
FIGURA 01 – CROQUI DA ALDEIA BURIDINA – ARUANÃ-GO
Fonte: Desenho de Wadjurema Karajá, 2001. Lima, S.C. (2010a)
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010),
a população Karajá de Aruanã soma aproximadamente 216 pessoas, distribuídas em duas
aldeias denominadas Buridina e BdéBure.
A aldeia Buridina constitui-se a principal aldeia do ponto de vista da história de ocupação e
por constituir-se a moradia do maior número de indígenas. Localiza-se no centro da cidade de
Aruanã.
A aldeia Buridina está localizada na Terra Indígena9 Karajá I e a aldeia BdéBure na Terra
Indígena Karajá III. Além dessas duas TIs, há ainda a TI Karajá II, localizada no estado de
Mato Grosso (MT), município de Cocalinho, na margem oposta da TI I onde se localizada a
aldeia Buridina. O mapa 01 mostra a localização das TIs Karajá e a parte do percurso do rio
Araguaia no território goiano.
9 Doravante, Terra Indígena aparecerá com a sigla TI.
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
213
MAPA 01: LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS KARAJÁ DE ARUANÃ-GO/BR
Fonte: LIMA, Sélvia Carneiro de Lima (2010a). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de
Goiás
A figura 02 mostra a vista parcial das três TIs Karajá:
FIGURA 02: TERRA INDÍGENA KARAJÁ
Fonte: LIMA, Sélvia Carneiro de Lima (2010a). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás
(IESA).
Terra Indígena Karajá I –
aldeia Buridina
Terra Indígena Karajá II
– Praia da Farofa - MT
Terra Indígena Karajá
III - BdéBure
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
214
O quadro 01, é uma síntese da situação atual das TIs Karajá de Aruanã-GO. Podem-se
observar a localização, a dimensão, a situação jurídica e o uso do solo.
QUADRO 01: TERRAS INDÍGENAS KARAJÁ DE ARUANÃ-GO
Terra Indígena Unidade da
Federação Município
Total da
superfície
(ha)
Fase do
procedimento Modalidade de uso
Karajá de
Aruanã I GO Aruanã 14,2569 Regularizada
Tradicionalmente
ocupada
Karajá de
Aruanã II MT Cocalinho 893,2687 Regularizada
Tradicionalmente
ocupada
Karajá de
Aruanã III GO Aruanã 705,1748 Regularizada
Tradicionalmente
ocupada Elaboração: Lima, Sélvia Carneiro de.
Fonte: FUNAI. http://www.funai.gov.br. Terras Indígenas no Brasil. Acesso: 25 de março de 2015.
A TI I constitui-se a menor área onde se localiza a aldeia Buridina, predominantemente, com
a função de moradia. A TI II, é usada para caça, pesca e coleta e nela se forma a praia mais
próxima do centro da cidade, conhecida como praia da Farofa, ou praia Feliz. A TI III é
utilizada como local de moradia, para cultivos prolongados, criação de gado leiteiro, coleta e
caça.
Vale ressaltar que a demarcação de terras dos Karajá foi uma conquista importante para
assegurar a base de sustento da produção da vida, embora, em diversas entrevistas, apareçam
as dificuldades de sobrevivência pela perda dos territórios tradicionais, que eram, segundo
relatos, “até onde a vista alcança”, ou seja, um território muito maior do que o que foi
legitimado pelo Estado Brasileiro.
No caso da aldeia Buridina, mencionada anteriormente, estudos apontam que é a que mais
apresentou modificações culturais, por situar-se na zona urbana inserida em um nicho do
“turismo de sol e praia”. Portanto, os longos anos de contato interétnico trouxe para os Karajá
diversos elementos da cultura não indígena como por exemplo o uso da língua portuguesa, de
roupas, modificação na dieta alimentar com a inserção de sal, açúcar e produtos
industrializados, uso de medicamentos da alopatia, casamento interétnico com não indígenas.
No entanto, a despeito de todas as modificações na cultura, a pesquisa revelou que houve
também a resistência no sentido da autoafirmação étnica em que diversos elementos
diacrônicos que marcam a cultura Karajá foram ressignificados, apontando para uma hibridez
entre tradição e modernidade como já afirmaram Lima e Chaveiro (2009).
Os Karajá ressignificaram diversos artefatos de sua cultura material como a confecção de
peças em cerâmica e objetos de plumárias readequando-os a partir das demandas do mercado
turístico e do acesso às matérias-primas básicas para a sua elaboração.
Em seguida, discutir-se-á a relação da aldeia com a cidade e da cidade com a aldeia
percebendo a importância do rio Araguaia para a vitalidade econômica de Aruanã, a fim de,
contextualizá-lo no cotidiano da vida indígena Karajá.
1.2 A cidade de Aruanã e o rio Araguaia
Aruanã localiza-se no encontro dos rios Vermelho e Araguaia. A origem do povoamento que
deu origem ao atual município se deu pela constituição de um presídio militar, construído em
março de 1850, com o principal objetivo de reocupação, por parte de não indígenas, do
interior do território e zelar pela segurança dos viajantes que utilizavam o rio para se
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
215
deslocarem pelo interior das terras do Brasil rumo ao norte, contra ataques dos indígenas
(ROCHA, 1998).
Essa região era habitada nessa época por vários povos indígenas, destacando-se os Karajá que
tinham suas aldeias às margens do Araguaia. O local onde se construiu o presídio denominou-
se “Leopoldina”, em homenagem à esposa do Imperador. Mais tarde, o nome foi modificado,
temporariamente para “Santa Leopoldina”, em virtude da chegada dos religiosos.
De acordo com depoimento de um artesão Karajá, o nome Buridina dado a aldeia originou-se
do esforço de seus antepassados em pronunciar a palavra “Leopoldina”. Em 1868,
inaugurava-se a navegação a vapor no rio Araguaia que deu grande impulso à povoação do
entorno do presídio, alcançando a categoria de Vila, com a denominação de Leopoldina. Esse
nome foi alterado mais tarde para Aruanã, em 1939, em virtude da existência de outros
topônimos iguais. A Vila de Aruanã passou à condição de distrito, por volta de 1939,
integrando o município da cidade de Goiás.
O novo nome fez menção a presença marcante dos indígenas Karajá na região e refere-se
tanto a um ritual tradicional desse povo quanto a um peixe existente no rio Araguaia,
considerado sagrado. Crescendo rapidamente ao ter a ligação com a capital, Goiânia, por
rodovia asfaltada e, principalmente, com impulso econômico gerado pelo “Turismo das águas
do Araguaia”, de repercussão nacional, tornou-se município autônomo, através da Lei
Estadual nº. 2.427, de 18 de dezembro de 1958, instalado oficialmente em 1º de janeiro de
1959.
Aruanã, atualmente, com 7.496 habitantes (IBGE, 2010), é procurada por turistas de diversas
partes do Brasil e do mundo, e sua proximidade com Goiânia, 315 km, facilita o acesso dos
turistas, atraídos pelas belezas naturais do rio Araguaia e de suas praias. Compreende-se,
assim, que o potencial turístico advém principalmente da presença do rio Araguaia que corta o
município, como mostra a figura 03.
FIGURA 03: VISTA PARCIAL DO CALÇADÃO ÀS MARGENS
DO RIO ARAGUAIA, NO MUNICÍPIO DE ARUANÃ-GO
Fonte: SILVA, Lorranne Gomes da. Trabalho de campo em Aruanã-GO, 2014
A economia local, de acordo com Gérardi e Margi (2007) está baseada no turismo, na
agricultura, na pecuária de corte, e na pesca. Aruanã é ainda o principal centro receptor e
dispersor de turismo, dispondo de uma boa infraestrutura hoteleira.
Conforme informações do ano de 2014 divulgadas pelo Centro de Atendimento ao Turismo
de Aruanã (CAT), a cidade recebe em torno de 150.000 mil visitantes em julho na alta
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
216
temporada e cerca de 600 mil ao longo do ano. De acordo com o guia turístico da cidade,
confeccionado pelo CAT (2014), dentre os atrativos turísticos principais do município estão:
FIGURA 04: GUIA TURÍSTICO DA CIDADE DE ARUANÃ-GO
Fonte: Centro de Atendimento ao Turismo (CAT) de Aruanã-GO, 2014.
Os itens divulgados na imagem da figura 04 mostram que o povo Indígena Karajá e os
elementos de sua cultura são apontados como atrativos turísticos oferecidos pelo município.
Dessa forma, resta compreender como os Karajá inseriram-se nas atividades turísticas e quais
consequências esta dinâmica reverberou para a vida indígena.
1.3 A vida indígena e o turismo
O turismo em TIs tem crescido de forma significativa no Brasil. De acordo com Leal (2007:
07), “nas terras indígenas brasileiras, a atividade turística tem sido incorporada,
paulatinamente, despertando o interesse de algumas comunidades”. Com o povo Karajá, aos
poucos, as atividades relacionadas ao turismo foram se tornando centrais para o sustento de
diversas famílias indígenas, à medida que constituídas como mais um dos atrativos turísticos
de Aruanã.
Dessa forma, compreende-se que o povo Karajá, por se localizar em um município que
pertence à região turística Vale do Araguaia, não teve muitas escolhas em relação à inserção
da comunidade na dinâmica do turismo local.
A partir de meados da década de 1980, houve uma intensificação do turismo em Aruanã, o
que a tornou, atualmente, uma das principais fontes da economia do município. Neste período
de intensificação das atividades turísticas, de acordo com Rocha (2008, p.126), “diversos
relatos indicam a grave degradação socioeconômica da comunidade Karajá naquele momento,
marcada por situações de alcoolismo e prostituição”.
O crescimento da cidade se deu sobre o território tradicional indígena, impondo nova
organização social, política e cultural aos Karajá.
Sem muito planejamento, os investimentos foram sendo estabelecidos em Aruanã. Pousadas
foram construídas, hotéis, casas, chalés, restaurantes, trazendo transformações visíveis na
paisagem do município, desmatando as margens do rio e construindo edificações ao longo
dela.
Neste sentido, a cultura indígena pelo intenso contato interétnico (já registrado na
historiografia desde o século XVII) encontrou o caminho da ressignificação cultural
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
217
mesclando elementos da modernidade trazidos pelos não indígenas, com elemento de sua
tradição.
Na busca pela revitalização da cultura Karajá em Aruanã, desde 1994, a associação indígena
da aldeia Buridina vem desenvolvendo, com o apoio da Universidade Federal de Goiás, o
Projeto de Educação e Cultura Indígena Maurehi, que objetiva revitalizar e manter a
identidade cultural, com foco no ensino da Língua Karajá e das tradições que caracterizam os
Iny. Uma das metodologias desse Projeto é o intercâmbio com participação de artesãos Karajá
oriundos das aldeias da Ilha do Bananal, onde se localiza a maioria da população Karajá no
Brasil.
Durante o período de alta temporada, sobretudo, no mês de julho, percebem-se nas ruas e
praias diversos turistas de origens variadas, alterando o cotidiano da comunidade local. Em
diversas entrevistas com os Karajá, foi apontado que os turistas se interessam pela presença
indígena e visitam tanto a aldeia Buridina, que se localiza no centro de Aruanã, como o
Museu Maurehi, localizado nela, com o intuito de conhecer e adquirir os objetos
confeccionados pelos Karajá que são expostos e comercializados no referido museu.
À medida que foi aumentando o fluxo de turistas na região, a partir da década de 1980, de
acordo com o atual cacique Karajá, a perambulação das pessoas dentro da aldeia incomodava
bastante. Porém, com o tempo e pelo interesse dos turistas pelo artesanato, a mercantilização
da produção indígena foi se firmando uma importante fonte de sustento econômico para as
famílias. Os turistas passaram de figuras “intrusas” na aldeia para a de “convidados”, uma vez
que asseguraram fonte de renda no comércio local das peças de artesanato.
Nessas visitações, o artesanato das cerâmicas, cestarias, objetos de madeira e adornos pessoais
como colares, pulseiras, anéis, dentre outros, passaram a ser procurados pelos turistas. Os
indígenas perceberam, então, uma possibilidade de transformar os elementos que caracterizam
sua cultura material em atividade geradora de renda para as famílias, como dito anteriormente.
Assim, os objetos esculpidos em barro, madeira ou confeccionados com palhas, sementes,
dentre outros, passaram a ser elementos importantes de subsistência para os indígenas e hoje
contribuem, segundo o atual cacique, com o sustento direto de aproximadamente 20 famílias e
indireto de todo o povo.
O museu é o espaço principal para exposição e venda dessa produção elaborada pelos Karajá
e pela Associação Família Tehaluna Wassuri, criada por uma das famílias que compõem a
liderança Karajá em Aruanã. O objetivo dessa Assosciação é contribuir para a revitalização
da cultura, sobretudo, fortalecer o uso da língua Karajá no cotidiano da aldeia. A figura 05
mostra algumas peças confeccionadas pelos artesãos Karajá.
FIGURA 05: ARTESANATOS CONFECCIONADOS PELOS ARTESÃOS INDÍGENAS
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
218
Fonte: SILVA, Lorranne Gomes da. Trabalho de campo na aldeia Buridina, Aruanã-GO, 2015.
Por isso, o foco do trabalho da Associação é revitalizar a confecção de algumas peças antigas
de cerâmica, palha e madeira que os Karajá usavam e já não utilizam mais; ensinar o plantio
de roça tradicional aos mais jovens; ensinar a pescar peixes e tartaruga; ensinar a fazer beiju;
incentivar a criação de abelhas e coleta de mel; dentre outras ações.
A figura 06 mostra a fachada da sede da Associação Família Tehaluna Wassuri na aldeia
Buridina.
FIGURA 06: ASSOCIAÇÃO FAMÍLIA
TEHALUNA WASSURI-Aldeia Buridina
Fonte: SILVA, Lorranne Gomes da. Trabalho de campo, julho, 2014.
Dentre as peças mais procuradas pelos turistas estão as bonecas Karajá denominadas
na língua indígena de Ritxoko, como mostra a figura 07.
FIGURA 07: BONECAS RITXOKO
Fonte: COSTA, Yan Carlos Medeiros. Trabalho de campo em Aruanã, 2014.
Essas bonecas foram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), em 2012, como patrimônio cultural brasileiro. Os estudos para o prêmio
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
219
consideraram que o modo de fazer a boneca é peculiar do povo Karajá, sendo o único povo
indígena que se conhece no Brasil, a produzirem bonecas como brinquedos para crianças.
Além deste traço singular, a produção envolve técnicas tradicionais transmitidas de geração à
geração. A atividade, exclusiva das mulheres é desenvolvida com o uso de três matérias-
primas básicas: a argila ou o barro, a cinza, que funciona como antiplástico e a água, que
umedece a mistura do barro com a cinza.
Na produção das bonecas, encontra-se um elemento fundamental da educação indígena na
cultura Karajá. De acordo com entrevistas realizadas pela equipe do projeto referenciado, esse
brinquedo é produzido e utilizado pelas mães para ensinar a cultura para as crianças.
Tradicionalmente, são feitas sem membros superiores e inferiores, porém, como mostrado na
fotografia 04 e de acordo com entrevistas, para atender à demanda do mercado, as bonecas
ganharam braços e pernas e tornaram-se maiores, pelo fato dos indígenas perceberem que os
turistas não tinham simpatia pelas bonecas sem membros. Segundo uma das artesãs
entrevistadas, depois das modificações feitas nas bonecas, as vendas se tornaram mais
significativas. (LIMA, 2010a).
Este fato é ilustrador da ressignificação cultural que foi atribuída a um elemento que marca a
cultura Karajá, neste caso, as bonecas, em função de sua inserção no mercado turístico. O
símbolo da tradição indígena é engendrado pela modernidade que traz a demanda de uma
atividade econômica que incide sobre a vida indígena e a transforma.
Além da mercantilização dos objetos da cultura, alguns indígenas também sobrevivem do
comércio de peixes, que tem bastante demanda. E outras atividades como barqueiro; guia para
trilhas na TI II; preparo da comida tradicional para venda; pintura corporal; dentre outras,
também são fontes de renda e revelam o esforço e adequação da comunidade à realidade do
município.
Assim, em alta temporada, muitos indígenas se envolvem nessas atividades, mas, após a alta
temporada a visitação de turistas é mínima, reduzindo muito a renda das famílias. Segundo
relato de um dos ex-chefes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em Goiás, o período de
chuva constitui-se como uma época de muitas privações e leva várias famílias a verem seus
orçamentos comprometidos até mesmo para itens básicos de alimentação.
É importante destacar que as terras demarcadas, apresentadas no mapa 01 e quadro 01, são
diminutas, não assegurando a garantia do desenvolvimento de atividades tradicionais do povo
como a caça, pesca e coleta em quantidade suficiente para o sustento das famílias. Vale
ressaltar ainda dois problemas que incidem sobre as TI Karajá. Na TI II, há uma vegetação
nativa exuberante, que permanece alagada por longos meses durante o período de chuva,
normalmente, de outubro a março – comprometendo o uso dessa Terra para plantios. Na TI
III, desde o período de retomada deste território das mãos dos não indígenas, o desmatamento
já era uma característica da área, que apresenta predomínio de pastagens, além de ter uma
porção que também permanece alagada na estação chuvosa. (LIMA, 2010a, 2010b).
Dessa forma, existem inúmeras dificuldades enfrentadas pelos Karajá para manterem as
atividades tradicionais de caça, pesca, coleta e plantio, a saber: o cerceamento do entorno das
TI por fazendas de gado; o crescimento da cidade de Aruanã sobre os territórios que
tradicionalmente ocupavam; o intenso desmatamento da região (em torno de 80% da
vegetação nativa já foi devastada); a alternativa de mercantilização da cultura por meio do
comércio do artesanato constitui-se uma das maneiras encontradas pelos Karajá de não só
sustentarem suas famílias, como também de revitalizarem a cultura, uma vez que necessitam
ensinar as gerações mais jovens a produção destes objetos. (LIMA, 2010a, 2010b).
Neste sentido, o crescimento de Aruanã e do turismo contribuiram, segundo relatos de
moradores da aldeia Buridina, para que os Karajá tivessem acesso a serviços, tais como
eletricidade e água potável; assistência pelo CAT; acompanhamento da saúde indígena, entre
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
220
outros. Porém, desde o início das atividades turísticas em Aruanã, os Karajá foram inserindo-
se nelas sem nenhum planejamento, treinamento e/ou orientações de órgãos governamentais.
Dessa forma, se por um lado, o turismo trouxe e traz para o povo Karajá de Aruanã rendas a
partir do comércio de artefatos e do artesanato, da venda de peixes e demais atividades
mencionadas, colaborando com a sobrevivência das famílias; por outro, as atividades
turísticas têm comprometido o Cerrado e a biodiversidade local, o que prejudicam diretamente
a vida indígena – como mostra o relato do atual cacique:
Acho que a natureza é a que mais tá sofrendo com as mudanças. O pessoal vai
acabando com a natureza. Meu avô falava muito na localidade e tipos de brejo,
vereda, que muita gente olha assim sem preocupação. Chegam a achar que esses
lugares não servem pra nada. Assim, vem o progresso e joga cascalho e some com
tudo, mas sem perceber que ali tá o equilíbrio da natureza. O progresso, o turismo
acontece assim também em cima da destruição da natureza.
Sobre as questões que envolvem a natureza, o coordenador da Associação Família Tehaluna
Wassuri afirmou que:
Nossa educação quem dá é a natureza. Somos educados por ela. Somos tocados pela
natureza e por isso é preciso respeitar ela. Não se pode brincar nem duvidar das
forças da natureza. E deveria ser respeitado por todos nós não só nos Iny, mas os
governantes assinam, liberam para acabar com a natureza, somos ricos mais a
maioria é contaminado com o desrespeito.
Esses impactos podem ser visualizados cotidianamente nas práticas dos Karajá. Devido à
dificuldade de encontrar matéria-prima, alguns elementos que compõem os artesanatos têm
sido substituídos por produtos industrializados, como por exemplo, o pati (madeira) e o
taquari (bambu) utilizados na confecção de arco e flecha estão sendo substituídos por outros
tipos de madeiras e linhas de algodão; sementes típicas do cerrado utilizadas na elaboração de
adornos corporais foram sendo mescladas ou substituídas completamente em algumas peças
por miçangas10
; colorações das penas estão se tornando artificiais, entre outros. (LIMA,
2010a, 2010b).
Sobre a pesca, deve-se esclarecer que a dieta alimentar Karajá é bastante significativa com
uso de peixes11
e de tartaruga. A cada ano, de acordo com entrevistas, a redução dos peixes no
Araguaia é notada pelos indígenas e também pelos pescadores não indígenas. De acordo com
um dos pescadores Karajá:
Tem meses de seca que o peixe some, antigamente pescava muito mais que hoje,
peixe tem pouco no Araguaia, peixe grande é difícil porque diminuiu quantidade e
tamanho dos peixe. Tem dia que não pega nenhum peixe, é muito ruim, índio fica
triste.
Outra redução significativa na dieta alimentar dos Karajá em Aruanã é o uso da tartaruga. Os
lagos da região constituem-se locus excelente para reprodução deste animal. No entanto, em
função do intenso desmatamento, mais de 50% destes ambientes estão secos, diminuindo
drasticamente a qualidade necessária para sua reprodução. (LIMA, 2010a, 2010b).
Além da contribuição para as ressignificações culturais do povo Karajá, o turismo também
acentuou problemas como drogadição; alcoolismo; violência, prostituição, precarização da
saúde indígena e o aumento do volume de resíduos sólidos. (LIMA, 2010a, 2010b). Em
relação a análise dos impactos do turismo na vida indígena, o atual cacique considera que:
10
Conta de vidro ou plástico pequena com cores variadas. Fonte: Dicionário Houaiss. Acesso: agosto, 2015. 11
Dentre os peixes mais consumidos estão o tucunaré; jaraqui; matrinchã; curinga; pintado.
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
221
O turismo trouxe coisas boas para os índios e coisas ruins. A maioria das famílias
hoje vive do artesanato e isso tem fortalecido nossa cultura, além de outras
atividades que os índios podem realizar para sustentar suas famílias. Mas, como é
muita gente estranha na cidade, e coisa de todos os tipos, alguns índios são
dominados pelas coisas dos brancos como as drogas, as bebidas, a prostituição. Mas
índio que é índio, não se deixa levar, porque pensa em todo povo e não só nele.
Dessa forma, as dificuldades encontradas para manter as tradições indígenas e o tempo cada
vez mais “capturado” pelas atividades econômicas, sobretudo, pelo turismo12
são indicadores
da dinâmica das transformações culturais que incidem sobre a aldeia Karajá de Aruanã.
Muitas modificações culturais e a supressão de práticas que caracterizam a cultura Karajá são
específicas da aldeia de Aruanã. Em muitas aldeias do Tocantins e Mato Grosso, o contato
com o não indígena é menos intenso e são preservados diversos elementos singulares da
cultura: língua, pinturas, adornos corporais, práticas rituais, festas, etc. Além disso, possuem
territórios mais extensos, o que facilita a preservação de suas economias tradicionais: caça,
pesca, coleta e plantio.
Assim, entre os elementos reivindicados pelos Karajá estão: incentivo ao manejo comunitário
dos recursos naturais, levando em consideração os conhecimentos tradicionais; apoio e
assessoria as ações de educação indígena; realização de eventos e oficinas de promoção da
cultura indígena; criação de espaços de referência que valorizem, fortaleçam e divulguem a
cultura indígena; valorização dos conhecimentos tradicionais indígenas, como a pesquisa e
controle de processos e usos da biodiversidade; contribuição para a formação técnica e
organizacional das lideranças e membros das comunidades indígenas; apoio para a
preservação do conhecimento e das técnicas desenvolvidas na arte e nas manifestações
culturais dos povos indígenas; desenvolvimento de ações para a preservação das espécies
silvestres, peixes e tartarugas; apoio e assessoria a criação e o fortalecimento das organizações
indígenas de base local e principalmente uma fiscalização ambiental mais ativa.
Considerações Finais
Os Karajá de Aruanã inserem-se em um contexto de interesse maciço do capital. Pela via do
turismo e da pecuária, as relações econômicas e políticas incidem com força – transformando
a paisagem do vale do Araguaia, bem como a rotina da vida indígena.
Imagem explorada como atrativo exótico para promover o turismo em Aruanã, os Karajá
revelam no século XXI uma força que se aproxima do conceito de resiliência, mesmo com
territórios solapados, vidas estigmatizadas pelo fantasma da drogadição, do alcoolismo, da
prostituição, dos conflitos familiares, da falta de esperança quanto ao ensino e uso da língua
indígena e da aprendizagem de diversos elementos da cultura como as pinturas, a arte
plumária, a cerâmica, os adornos corporais, o significado de elementos da natureza, como o
peixe Aruanã.
Enfim, a aprendizagem das cosmologias que fundam a crença do povo mistura-se em Aruanã,
imergindo a vida indígena na qual tradição e modernidade se juntam e se fundem.
A presença dos não indígenas em Aruanã, tanto moradores, como turistas, parece apresentar-
se como um paradoxo. A mercantilização da cultura surge, neste contexto, como sentença de
vida para as famílias que produzem artesanato para o comércio, bem como a troca de qualquer
outro símbolo Karajá como a pintura corporal, por exemplo.
12
Ver o trabalho de Lima (2010b).
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
222
Os turistas aguçados pelo desejo do consumo do diferente, do Outro, atuam na aldeia tanto
provocando transformações na cultura, a exemplo, das modificações feitas nas bonecas Karajá
para atender a demanda dos não indígenas, como impulsionando a produção da arte indígena,
colocando diversos elementos da cultura para serem revitalizados – como a língua indígena,
por exemplo, uma vez que no contexto de produção dos artefatos, pode surgir a necessidade
de diversas palavras indígenas durante a produção do objeto, tanto para confeccioná-lo como
nominá-lo.
Contudo, a importância vital das trocas comerciais entre indígenas e não indígenas revelam
outra faceta do impacto do turismo para os Karajá de Aruanã: a reorganização interna para o
fortalecimento da produção artesanal voltada para a mercantilização da produção indígena.
Uma dependência cada vez mais acentuada do mercado parece ser a base de sustento de
diversas famílias Karajá, a exemplo do que ocorre com vários povos indígenas no contexto de
interesse do turismo.
Referências
BARUZZI, Roberto G; PAGLIARO, Heloisa (2002). Os Índios Karajá das Aldeias de Santa
Isabel do Morro e Fontoura, Ilha do Bananal: dados populacionais dos anos de 1969 e 2002.
XIII Encontro da Associação Brasileira de estudos Populacionais. Ouro Preto, Minas Gerais.
CAT. Centro de Atendimento ao Turista. <www.aruana.tur.br> [23 de março de 2015].
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Terras Indígenas no Brasil.
<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas> [25 de março de
2015].
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (FUNASA). <http://www.funasa.gov.br> [10 de
março de 2015].
GÉRARDI; MOSS, Margi (2007). Projeto Brasil das Águas: sete rios. Brasília.
GOLDENBERG Mirian (1997). A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em
ciências sociais. Rio de Janeiro: Recorde.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Senso
Demográfico, 2010. <http://www.ibge.gov.br/home> [04 de abril de 2015].
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). <http://www.socioambiental.org> [15 de março de
2015].
LEAL, Rosana Eduardo da Silva (2007). O turismo desenvolvido em territórios indígenas sob
o ponto de vista antropológico. Caderno Virtual de Turismo. Vol. 7, N° 3, pp. 17-25.
LIMA, Sélvia Carneiro de (2010a). Os Karajá de Aruanã-GO e os Tori: O Cerrado goiano
em disputa. Dissertação de mestrado. 174 f. Universidade Federal de Goiás.
LIMA, Sélvia Carneiro de (2010b). Os Karajá de Aruanã-GO e seus territórios restritos:
biodiversidade reduzida, integridade abalada. Ateliê Geográfico. Goiânia, EDIÇÃO
ESPECIAL, Vol. 4, Nº. 1, pp. 84-115.
LIMA, Sélvia Carneiro de; CHAVEIRO, Eguimar Felício. (2009) A Aldeia, a Cidade, o
Espaço Híbrido: a Resistência Karajá de Aruanã-GO.
<http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx> [04 de agosto de 2015].
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A (1986). Abordagens qualitativas de pesquisa: a pesquisa
etnográfica e o estudo de caso. In: Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU.
NOGUEIRA, M.F.M (2008). Turismo e cultura em Goiás: comunicação e informação.
Goiânia, Vol. 11, Nº 1, pp. 138-144.
OLIVEIRA, R. Cardoso de (2000). O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever. São
Paulo: Editora UNESP, pp.17-35.
Topofilia, Revista de Arquitectura, Urbanismo y Territorios
Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades "Alfonso Vélez Pliego" BUAP
Segunda Época. Vol. V. Núm. 1. Agosto-Diciembre 2015
223
ROCHA, Leandro Mendes (2008). Aruanã-GO: identidades e fronteiras étnicas no Rio
Araguaia. Revista Mosaico, Vol. 1, Nº 2, pp. 123-132.
ROCHA, Leandro (1998). O Estado e os índios: Goiás. 1850-1889. Goiânia: Editora da UFG.
SANTOS, Jean Carlos Vieira (2013). Região e destino turístico: sujeitos sensibilizados na
geografia dos lugares. São Paulo: Allprint.