A Volta Ao Mundo Por Dois Aventureiros, ToMO 1 , Um Salto No Desconhecido

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A volta ao mundo por dois aventureiros (1 de 15). Um salto no desconhecido DALTON, Henry; GRAY, Philip___captulo UM ___________Trs legionrios resolvem fugir do Trcio _______________________________Deram mais alguns passos trpegos, arrastando as babuchas mouriscas, que deixavam na areia um longo sulco. Mas Paco Lopez deteve-se, arquejante, amparado pelos companheiros, e murmurou, em voz entrecortada : - No} no puedo mas ...(1) Roger e Alex trocaram um olhar angustioso, que o argentino, todo derrubado para a frente, como se a cada momento fosse cair, no pde ver. Circunvagaram depois a vista pelo deserto, na vaga esperana de que, no amplo ermo, aparecesse a salvao. Nada! Tudo desolado e s. Nem o vulto de uma palmeira (1) Em espanhol, no original. 7 surgia ao longe, a acenar-lhes a promessa de uma fresca sombra. -Vamos, mais um pouco de energia aconselhou Roger, o mais alto dos trs e, por certo, aquele que, devido sua compleio atltica, parecia mais resistente aos tormentos do deserto. - Creio que j vejo alm despontar as folhas verdes de uma palmeira... -mentiu Alex que, sendo embora o mais franzino, tentava animar o Lopez, vencido pela fadiga. Havia vinte dias que, disfarados naquelas vestes brancas de mouros, se tinhamescapado do acampamento da Legio Estrangeira. A ideia fora de Paco Lopez. Ele emprestara aos camaradas todo o seu entusiasmo; comprara os mantimentos; adquirira a um rabe amigo os trajos mouriscos; estudara, durante semanas, em silncio, em segredo, o itinerrio a seguir; dera-lhes o ltimo empuxo, quando os companheiros se mostravam hesitantes - e era agora o que primeiro se deixava abater. A ideia de abandonar a Legio Estrangeira, de que todos trs eram veteranos, andava havia muito tempo assolapada em suas mentes. Mas calavam-na. O receio de que os oficiais suspeitassem de tais planos levava-os a dissimul-los, ocultando-os dos prprios companheiros. 8 O nico que, s vezes, se atrevia a aludir a uma possvel desero era o Paco. Mas, cautela, fazia-o em tom de chacota, acrescentando at, cheio de seriedade e aparente convico, que o legionrio que tentasse a fuga na poca em curso devia ser considerado louco varrido. Compreendia-se um desertor do Trcio, naqueles tempos terrveis de Abd-el-Krim, em que se jogava a vida a cada momento; mas agora, que o soldado fora transformado em colono, trocando a Mauser pela charrua, a baioneta pela enxada, embora sujeito disciplina militar, parecia rematada loucura abandonar uma existncia calma, sem riscos, com alimentao e vesturio garantidos, e algumas pesetas no bolso, para gastar na cantina. 11 Quem seria o imbecil que, vivendo nestas condies de tranquilidade e segurana, quereria trocar to preciosas vantagens pela vida civil, to incerta, da qual a maioria dos soldados j se desabituara, ou pelos riscos de uma fuga, que implicava severas punies ? O Trcio era formado por gente das mais diversas condies sociais, vinda, muitas vezes, no se sabia de onde. O passado do homem que se alistava na Legio Estrangeira, para combater o mouro, no contava, Era 9 letra morta. A vida, uma existncia espinhosa, plena de perigos, comeava no momento em que ele se alistava, quantas vezes para terminar pouco tempo depois, no primeiro combate em que entrava. Pouco importava que longe, algures no Mundo, houvesse uma me, uma esposa, uma namorada, para quem esse homem representasse a nica afeio. Essas pieguices ocultava-as cada um bem no fundo de sua alma, comose fossem fraquezas condenveis. Raros eram os vestgios dessas afeies distantes. s vezes, no esplio de um cado para sempre no campo da luta, encontrava-se um retrato de mulher bonita, com terna dedicatria traada em letra ingnua, ou de um bom velhote - um pai ou um av - que nem sabiam em que recanto do globo o rapaz se perdera. Havia legionrios que nunca falavam da vida passada. Alguns ocultavam crimes que lhes pesavam na conscincia e tentavam redimir-se, expondo a vida nos locais mais arriscados do combate, cometendo temeridades que chegavam a encher de espanto os veteranos, a quem as balas, depois de uma longa e v perseguio, parecia j nem quererem procurar. Outros eram arrastados quele inferno do Riff na nsia de se atordoarem e esquecerem grandes desgostos, tre10 mendas fatalidades, sofridos nas ptrias ; remotas. Outros, ainda, alistavam-se por simples esprito de aventura. E eram estes que, no tendo vergonhas a esconder nem episdios amargos a recordar, se mostravam mais loquazes, sobretudo se as libaes na cantina eram mais abundantes, evocando bons tempos nas suas aldeias tranquilas ou nas cidades inquietas onde nasceram. O Trcio era uma autntica Babel. Nele ; tinham entrada livre aventureiros de todos os pases, de todas as latitudes, de todas as raas. S ingleses e norte-americanos, por um convnio especial, eram proibidos de se alistar. No entanto, alguns por l passaram... depois de se terem nacionalizado turcos, argentinos ou peruanos. Polacos, russos, lituanos e checos, argentinos e venezuelanos, portugueses e franceses, e at abexins l apareceram, oferecendo generosamente o seu sangue pela causa da Espanha. Porque ela fosse a mais justa? Por amor a um pas de que, em regra, mal balbuciavam o idioma ? No! Apenas porque ali se arriscava a vida, ou porque se vivia uma grande aventura, ou porque se encontrava um refgio, enquanto a Morte no se lembrasse de os levar. Se Abd-el-Krim tivesse institudo uma Legio Estrangeira e pudesse pag-la to facilmente como os espanhis, mais de 11 metade do Trcio passava-se para as fileiras adversas. O legionrio, em regra, depois de alistado, sofria grande desiluso, sobretudo se era um velho ideal de cavalaria que o levava a Marrocos. A disciplina era frrea, brutal; os castigos pesados, inquisitoriais, e as regalias poucas. Caa-se numa estpida servido.O homem transformava-se em mquina de matar, com alguns momentos de prazer grosseiro, no intervalo das chacinas. Esses, prazeres s contribuam para mais o embrutecer. Cifravam-se no lcool bebido na cantina de Dar-Riffien, servido pela Concha, de olhos aveludados, na companhia de camareras de paixo fcil. Muitos arrependiam-se da precipitada resoluo, depois de alistados, mas era tarde. Aceito o contrato, por trs ou cinco anos, era preciso cumpri-lo at ao fim, se acaso uma bala libertadora no quebrava o compromisso... Apanhados na odiosa armadilha, no podiam revoltar-se. S havia um caminho: aceitar resignadamente aquela vida como pena que preciso expiar. E para quantos o Trcio no teria sido autntica expiao de crimes antigos! Mas -coisa curiosa e paradoxal! - muitos deles, quando expirava o prazo do contrato, quando podiam, enfim, libertar-se 12 daquele perigo, quando a grilheta se quebrava, restituindo-os, salvos por milagre, existncia civil, voltavam a sold-la com novo contrato. E, por mais uns anos, repetiam as lamentaes contra aquela vida de co, contra a injustia dos chefes, contra a fatalidade de um destino que, afinal, tinham procurado por suas prprias mos. Os homens tm destas irnicas e paradoxais atitudes... Entre os veteranos, contavam-se dois homens, no Trcio, que ningum sabia ao certo quem eram, nem de onde tinham vindo. Falavam correctamente ingls, mas ningum os supunha ingleses ou norte-americanos, dada a impossibilidade de sbditos destas nacionalidades se alistarem no Trcio. Um deles, Alex, o mais velho, franzino e nervoso, tez morena ou crestada pelo Sol africano, olhos castanhos penetrantes, face chupada e ossuda, devia contar uns trinta e cinco ou trinta e oito anos. J estava no Trcio havia oito anos. As balas fugiam-lhe, embora ele nunca se desviasse para lhes dar passagem. Quando lhe perguntavam qual era a sua verdadeira nacionalidade, Alex sorria e encolhia os ombros. Inscrevera-se checo, mas, um dia, confessara inadvertidamente a outro checo, com quem alis falava sempre em 13 alemo, que gostaria de visitar a Checoslovquia. Contudo, os seus papis eram checos. Como checo o inscreveram no Trcio as autoridades espanholas. O seu nome, porm, era do mais vulgar sbdito de Sua Majestade britnica: Alexandre Smith.Por comodidade, os companheiros comearam a chamar-lhe simplesmente Alex. E ele sentia-se bem com este chamadouro sinttico. Para qu mais complicaes? Era dos elementos mais antigos da Legio Estrangeira e parecia disposto a nunca mais de l sair, a no ser que a Morte, irritada com o seu desafio constante, resolvesse lev-lo um dia, nas dobras do seu manto sinistro. Bom militar, inteligente, disciplinado, cometendo serenamente actos de espantosa temeridade, Alex, contudo, nunca subira alm de cabo, e parecia no ter maiores ambies. Condecorado vrias vezes mostrava-se indiferente s honrarias. E, no entanto, toda a gente lhe reconhecia excepcionais qualidades paras subir, se quisesse. Mas ele no queria subir. Era uma coisa bem patente. No queria sair da obscuridade. Se quisesse, j poderia ser alferes. Seus superiores no o contrariavam. Deixavam-no permanecer naquele posto humilde, onde alis era de grande utilidade. 14 Alex percebia de tudo. Ningum sabia at onde iam os seus conhecimentos. No havia problema de mecnica que no resolvesse, E quando, s vezes, os tcnicos, ante uma metralhadora encravada ou um avio imobilizado, cruzavam os braos, dizendo, como mdicos perante uma enfermidade incurvel, que nada havia a fazer, chamava-se Alex, em ltimo recurso, quase sempre quando j estavam perdidas todas as esperanas. E Alex consertava facilmente a metralhadora e punha o motor do avio a funcionar. Um dia, o capito Sanchez, que era rspido e no tinha papas na lngua, perguntou-lhe : - Homem, tu s engenheiro ? Alex sorriu, com o seu ar misterioso e respondeu, com estranha humildade: - Apenas aprendi alguma coisa de funileiro. Mas a verdade que Alex tinha uma cultura pouco vulgar; comprazia-se em dissimul-la, apenas fazendo, de quando em quando, surpresas aos companheiros. Inmeros idiomas lhe eram familiares. Falava o espanhol como um castelhano, o francs e o alemo no tinham segredos para ele. Dois russos que havia no Trcio s com ele se deliciavam a falar a lngua 15 materna, e afirmavam que ele tinha uma pronncia perfeitamente moscovita. O ingls era o idioma em que se exprimia mais correntemente. Mas no se sabia, ao certo, quantas lnguas ele conhecia. Se, na sua presena, se falava de Anatomia,de Qumica, de Histria, de Geografia, ou da Etnografia das regies mais exticas, Alex discreteava com simplicidade, revelando uma erudio que deixava os companheiros assombrados. Era muito metido consigo. Embriagava-se raras vezes e fumava como uma chamin, por um cachimbo muito queimado. Contava amizades em todo o Trcio, mas ningum se podia gabar da sua intimidade. Havia nele sempre qualquer coisa de inacessvel, E andava geralmente s. O nico que se via mais vezes na sua companhia, em conversas longas e gesticuladas, era Paco Lopez, o argentino. Mas [ quem poderia resistir loquacidade e simpatia de Lopez ? Nem Alex! O Lopez era o homem mais falador da Legio Estrangeira. E, por falar de mais, algumas vezes fora castigado. Nem mesmo quando era sentenciado a trazer s costas ! um pesado saco cheio de areia do deserto, saco que nem durante as refeies lhe era retirado, o Lopez se calava. Cumpria, 16 falando, esta pena brbara a que algumas vezes o condenaram por falar. - Se me calo, rebento! - dizia ele, com os grandes olhos escancarados, no terror de lhe porem uma mordaa. O Paco ia no quarto ano de servido no Trcio. Apanhara apenas dois anos de guerra. Depois, cessaram as hostilidades e ele sentia-se logrado. -Vim para aqui para combater e no para fazer vida de campons! - berrava ele, num protesto. Mas contratara-se por cinco anos. Tinha que ir at ao fim, sem fazer uso da espingarda, que fora substituda pela charrua. Os legionrios eram agora uns lavradores militarizados, e aborreciam-se naquela vida. Paco Lopez no tinha pejo em confessar que a sua vontade era fugir. No viera a Marrocos para viver em paz. Ele pertencia ao nmero dos que se alistaram por esprito de aventura. Vivia folgadamente na sua terra. Seu pai possua boas propriedades na Argentina e uma esplndida vivenda em Buenos Aires. Para fazer vida de campons antes tivesse ficado a trabalhar as terras de seu pai. Viera para combater. Era esse o contrato. Se no lhe davam ensejo de combates, porque o governo Um Salto no Desconhecido - 2 17 de Espanha faltava ao contrato. Estava, portanto, rescindido, por falta de uma daspartes... Os oficiais riam-se dos protestos do argentino. Sabiam que ele era sincero na sua indignao, porque se mostrara sempre um bravo, nunca voltando a cara ao perigo. As ameaas de desero do argentino, porm, pareciam platnicas. Toda a gente sabia que muitos desertores tinham pago com a vida a temeridade de fugir. Brigadas de perseguio partiam no encalo dos fugitivos, e sucedia, por vezes, que os matavam, sem querer, claro. Os que escapavam eram condenados a uma vida to miservel que s lembr-la causava horror... Outros que logravam escapar horda perseguidora no podiam salvar-se de outro perigo maior: perecer no deserto, mngua de tudo. .... No, no era fcil fugir ao Trcio. A prudncia aconselhava aguardar resignadamente o fim do contrato, tanto mais que, concludas as hostilidades havia cerca de um ano, a vida no era de todo m e decorria com calma. Entre os que escutavam a algaraviada do argentino, sobre a vida aborrecida que ultimamente se levava na Legio 18 Estrangeira, contava-se um rapazo espadado e alto, o maravilhoso atleta do Trcio, que tinha um gnio folgazo e uns msculos temveis. Chamava-se Roger, dizia-se belga e falava mal o francs. Era mais um paradoxo daquele ambiente de aventureiros. Por que razo o belga falava to mal em francs e se exprimia to bem em espanhol e em ingls ? Seus camaradas pouco o assediavam com perguntas a tal respeito, porque ali o passado de cada um coisa sagrada em que, por melindre, no se toca. Se Roger era um bom companheiro, valente como poucos, forte como um bfalo, um pouco ingnuo, como se fosse um menino muito grande, isso bastava curiosidade dos camaradas, que admiravam os seus feitos desportivos e algumas faanhas hericas, praticadas, afirmava ele, sinceramente, sem dar por isso. Roger pouco se dava com Alex. Tinha por ele um respeito muito grande, e sentia-se tmido a seu lado. Durante os seis anos que j vivera no Trcio, podiam-se contar as vezes que falara com o erudito camarada, e este parecia nem dar pela sua presena, pois talvez no compartilhasse da admirao geral pela fora extraordinria do belga. 19Em compensao, principalmente nos ltimos tempos, Roger e o argentino tinham-se tornado unha com carne. Onde estivesse um estava o outro, O Lopez, moreno como um mulato, olhos pretos fosforescentes, palavra fcil e ardente, gesto largo e enrgico, exercia uma espcie de fascinao sobre Roger, grande menino louro de olhos azuis e infantis, que lhe bebia as palavras, lhe seguia os gestos e lhe escutava maravilhado os raciocnios. Foi ao belga que o argentino comeou a assediar, em longos concilibulos, com propostas de fuga Roger perguntava, infantilmente : :- Para onde iremos, depois ? - Hombre! - exclamava Paco Lopez, muito exaltado. - Uma vez livres deste inferno, cada um que siga para as suas terras ! Roger ficava apreensivo. Parecia preocup-lo muito o problema do rumo a tomar, depois de abandonar o Trcio. Talvez no fosse a sua terra o ponto do globo que mais o seduzisse. Um dia, a um canto da cantina, onde a Concha, a cantineira, lhes servira largamente uns copos de vermouth falsificado, Paco confidenciou: - Temos mais um companheiro para a abalada. 20 Roger lanou-lhe um olhar inquiridor. Paco Lopez fez a revelao: - Alex est disposto a partir connosco. Tive com ele uma conversa muito sria, sobre o assunto. Est resolvido a acompanhar-nos. Roger parecia duvidar. - No foi sem certo trabalho que ele se convenceu - acrescentou o argentino. Alex afirmava que estava aqui muito bem. Mas teve que concordar comigo que, para levar vida de campnio por umas mseras pesetas, ento antes em qualquer parte do mundo, onde a vida do campo renda coisa que se veja, sem a canga da disciplina militar que suportamos aqui. Visto no haver mais guerra, deviam licenciar-nos, pagando-nos integralmente at ao fim do contrato. No fariam nada de mais, que diabo! Arriscmos a pele, consolidmos o triunfo Espanha. Agora, que no h perigo, que o mouro se foi abaixo, tragam para a os paisanos, para colonizar isto! - Ento, Alex decidiu-se a seguir connosco? - inquiriu Roger, ainda numa dvida. - Pois claro que acedeu - afirmou o argentino. - J te disse: mostrou-se hesitante. Mas acabou por prometer acompanhar-nos. Temos que nos reunir amanh os trs, para afinarmos os pormenores da fuga. 21J tenho o meu plano traado. Com mais umas ideias de Alex, que ele tem-nas sempre boas, a nossa empresa vai ser um xito, cr. Roger ficou calado. Nem mesmo o facto de Alex, o mais valioso elemento do Trcio, ter aderido quele empreendimento parecia comov-lo ou decidi-lo. - Creio que, na companhia de Alex, nada h a temer - disse Paco Lopez. um homem que sabe tudo, que resolve tudo. Vale por um batalho. - Sim, Alex vale muito - concordou Roger. - Nesse caso, porque no te decides? O belga moveu, por momentos, os lbios, sem emitir som. Depois, tomando o flego, como se tivesse que proferir uma longa tirada, inquiriu: - E para onde vai Alex, depois de abandonar o Trcio? - Segue comigo para a Argentina respondeu o outro. - Prometi arranjar-lhe um lugar em qualquer empresa de meu pai, em Buenos Aires. - Hum... -resmungou Roger, entre dentes. Lopez olhou-o, por instantes. Em seguida, numa inspirao, perguntou: - Queres que te arranje tambm um emprego na Argentina? 22 Os olhos azuis do soldado encheram-se de uma grande claridade. A sua maior preocupao, ao que parece, no era o perigo de ser varado a tiro pelos perseguidores, nem as grandes caminhadas por terras desconhecidas - era o local seguro onde acolher-se, depois de abandonar a Legio Estrangeira. Dir-se-ia que aquele menino grande tinha medo de perder-se por esse vasto Mundo. A certeza de um destino, a promessa de um amparo, emprestavam-lhe outro nimo. Mas perguntou ainda, com ar receoso: - E teremos probabilidades de atingir facilmente a Argentina? - O pior sair daqui - redarguiu Lopez. - Quando estivermos bastante longe do Trcio, em territrio ingls, que o mais seguro, mando um telegrama a meu pai, pedindo lhe fundos. O que ele me remeter chegar certamente para fazermos a viagem, todos trs. -Mas difcil alcanar territrio ingls - observou Roger. - S se consegussemos atingir Gibraltar. - A fuga por esse lado quase impossvel - replicou o argentino. - O caminho muito exposto, e est fortemente vigiado. Lembrei-me de alcanar o Egipto.Roger soltou um assobio fino, e murmurou: - muito longe. - Mas Alex acha que o mais seguro argumentou o argentino. E acrescentou: Alm disso, j tenho o meu plano para l chegar. Teremos que atravessar territrio francs e italiano, onde no nos convm revelar a nossa provenincia, porque corremos o risco de ser entregues aos espanhis. Mas j estudei o processo de passarmos sem sermos reconhecidos. - Bueno - disse, por fim, Roger. Conta comigo. Partirei quando quiseres. Mas no me faltes, depois, com um lugar na Argentina. No me importo de trabalhar como vaqueiro... Paco Lopez exultou com esta resoluo, e mandou vir mais uma garrafa de vermouth falsificado, que lhes soube melhor do que o autntico.CAPTULO 2 ____________ Estuda-se o plano da fuga ________No dia seguinte era domingo, e, conforme afirmara Paco Lopez - espcie de agente de ligao daquela pequena conspirata deviam reunir-se os trs para darem os ltimos retoques no plano da fuga. Tinham a tarde livre e, alm disso, haviam 24 pedido dispensa de recolher, o que lhes dava aprecivel liberdade de aco. O argentino conduzira Roger cantina, onde, dizia, Alex devia juntar-se-lhes, pelas quatro horas da tarde. Para o belga, era quase uma honra entrar na intimidade do cabo Alex, cuja sabedoria o enchia de admirao e de timidez. Ia ombrear com aquele homem misterioso, ser tratado de igual para igual por algum que, segundo se propalara no Trcio, poderia ser tudo e se deixava ficar modestamente na sombra de um quase anonimato. Estava um tempo magnfico, talvez demasiado quente. Mas os soldados estavam habituados ao calor africano. De quando emquando, um sopro escaldante vinha do deserto, como um hlito de fogueira. Trilhando as ruas de Dar-Riffien que principiava a tomar forma de cidade, depois de ter sido um aglomerado de barracas e barraces, Paco Lopez no cessava de falar sobre a grande aventura, que os iria arrancar, a eles, homens de aco, monotonia daquela vida, onde morriam lentamente de tdio. Roger escutava-o, embalado na msica daquelas palavras que despertavam em sua alma o aventureiro que, depois de ter procurado o perigo em Marrocos, principiava a adormecer nos cios da paz. O argentino 25 afirmava que Alex tambm tinha as suas ideias sobre o assunto, e Roger ia ter ensejo de expor os seus alvitres. O belga ficou um pouco atrapalhado. No tinha alvitres a dar. Embora o Lopez andasse, nos ltimos tempos, a incit-lo fuga, o certo que apenas se decidira no dia anterior. E, at ento, mal pensara nos meios a empregar para pr em prtica um plano daquela natureza. No queria saber de planos. Descansava plenamente no Lopez e no Alex. Eles tinham imaginao para essas coisas; que a pusessem a trabalhar Limitar-se-ia a executar o que lhe ordenassem. Naquele momento, com o tremendo calor de Junho, que o fazia suar por todos os poros, s lhe apetecia uma cerveja bem fresca. -. E eu bebo outra! - concordou o argentino, tomando-o pelo brao e arrastando-o para o interior da cantina. Com grande surpresa sua, encontraram Alex j abancado a um canto, perante um bock espumoso Na sala, havia mais alguns camaradas, mas, como de costume, o misterioso cabo procurara o isolamento. O argentino, numa expanso bem meridional, alou os braos ao ar, num espanto: - Hombre!- exclamou. - Chegaste com uma hora de avano! 26 Alex sorriu, estendendo-lhe silenciosamente a mo, que o argentino apertou com violncia. Roger cumprimentou-o, cheio de respeito. Abancaram. Uma camarera mais pintada do que um palhao chegou-se ao grupo, na esperana de uma lambarice . - Vamos a ver quem o heri capaz de me pagar um refresco! - exclamou ela, procurando ajeitar-se para tomar lugar entre Roger e Paco. Este teve, porm, um gesto de impacincia e afastou-a.- Desampara-nos a loja! - pronunciou ele, de sobrecenho carregado. - Temos assuntos muito importantes a tratar; - Ah! No sabia que vocs pertenciam ao Estado-Maior - replicou a rapariga. Vo acertar o plano da prxima campanha... - O nosso plano muito mais importante do que pensas - tornou o argentino, de mau modo. A camarera afastou-se, resmungando, e foi exibir as suas graas junto do grupo que, no lado oposto, j parecia bem animado, pois tinha a mesa pejada de copos e garrafas. Mas no deixava de deitar olhares desconfiados aos trs legionrios. Sorvidos os primeiros goles das cervejas, logo o Lopez se inclinou para a 27 frente, e comeou a cochichar sobre o assunto que o obcecava: a desero. Alex ouviu, ouviu, em silncio. Depois, dirigindo-se a Roger, perguntou-lhe: -Que dizes a isto, camarada? O rapaz corou como qualquer donzela, encolheu ligeiramente os ombros e replicou: -Estou disposto a segui-los, para a vida e para a morte... J dei ontem a minha adeso. O outro pareceu ficar contente com aquela resposta, e, apoiando-o lentamente com a cabea, disse: -Gosto desse esprito resoluto. Na verdade, a aventura em que nos vamos meter no uma brincadeira. No se trata de assaltar uma cabila rifenha. coisa muito pior. Calou-se, com o olhar vago, como se, subitamente, seu pensamento fugisse para muito longe, l para o Egipto remoto, que o argentino pensava em alcanar com facilidade. Pela maneira como falou, Roger adivinhou logo nele o chefe, o homem capaz de conduzir a bom termo aqueles que nele confiassem. Lopez comeou a expor, entre dentes, pormenores do plano. Fugiriam disfarados de mouros. J assegurara trs vestimentas brancas e as respectivas babuchas, por 28 umas escassas pesetas. O mercador rabe que lhas vendera prestara-se a guard-las at o momento em que decidissem utiliz-las. Era um homem recto, podia depositar-se nele um segredo como num tmulo. Por ele, ningum saberia que utilizariam tal disfarce para fugir. Alex interrompeu aquela torrente de palavras, lembrando: -Aqui no o local mais apropriadopara falar dessas coisas. Podamos dar um passeio pelos campos, e aproveitarmos o ensejo para acabarmos de combinar o plano. A ideia foi bem recebida pelo argentino, que pagou a despesa. Saram. Na rua, estava muito calor. Lufadas de vento levantavam, de onde em onde, grandes nuvens de poeira quente e sufocante, que os envolviam. Caminharam lentamente, procurando a direco dos campos prximos, onde anos antes se haviam ferido grandes batalhas. Cruzavam-se, por vezes, com alguns camaradas que os saudavam com um aceno. Saltaram umas sebes e foram procurar abrigo sombra escassa de uma oliveira. O local era aprazvel. Viam-se terras cultivadas e, em alguns pontos mais alm, alouravam searas. Aquilo era a obra pacfica dos legionrios feitos agricultores. 29 Alex sentou-se nuns torres de terra e rompeu o silncio em que se mantiveram desde que saram da cantina. -Paco cuidou admiravelmente dos pormenores do disfarce e pensou de maneira um pouco vaga em alcanarmos o Egipto disse ele; em tom repousado. - A ideia excelente. O Egipto a terra onde estaremos mais seguros. De Alexandria ou do Cairo, podemos tomar um navio que nos leve, sob a bandeira inglesa, at Buenos Aires. Mas preciso pensarmos de que maneira poderemos percorrer tantos milhares de milhas que nos separam do vale do Nilo, na situao de proscritos que automaticamente ser a nossa, aps a desero. - Bem - interrompeu o argentino. Pensei, em seguir o caminho das antigas caravanas, que continua a ser frequentado por mercadores rabes. ; - Exactamente - concordou Alex. Foi isso tambm que eu pensei. Mas no esqueamos que somos trs diabos sem dinheiro. O caminho das caravanas no se pode fazer a p. Equivaleria morte certa. Vocs sabem que alguns camaradas nossos foram encontrados mortos, ainda antes de atravessarem as montanhas e alcanar o caminho que passa do outro lado. A fuga 30 transformou-se, para eles, numa cilada fatal. H uma coisa que pode resolver o problema e, mesmo assim, a empresa ser bastante difcil. o dinheiro. Com dinheiro, poderamos comprar um ou dois camelos, que nos transportassem. Improvisar-nos-amos mercadores e, dentro de alguns meses, estaramos na terra dos Faras. Ora, confesso, dinheiro no tenho. A minha fortuna todaso vinte pesetas. O resto est de posse do Trcio e no posso reclam-lo, seno no fim do contrato. E vocs, com que contam? Paco e Roger entreolharam-se. -Todo o meu dinheiro so doze pesetas disse timidamente o belga. - Est inteiramente sua disposio. Fazia j um movimento para sacar o dinheiro do bolso. Alex deteve-o, com um sorriso, segurando-lhe a manga da blusa. -Tenho um pouco mais - pronunciou o argentino. -Ainda posso reunir umas trinta pesetas. - Bem, ponhamos de parte a ideia do dinheiro. Todos trs reunidos somamos umas sessenta pesetas. Com isso, no podemos comprar um camelo. Quando muito, adquiriramos um burro e teramos de lev-lo s costas, atravs do deserto... O melhor guardarmos esse dinheiro, como reserva, para o que der e vier. 31 - Nesse caso, impossvel fugir... disse Roger, a medo. - O impossvel no existe - sentenciou Alex. - Estou disposto a arriscar tudo! exclamou Paco Lopez. - Farei a tentativa, mesmo que tenha a certeza de encontrar a morte no caminho. - Bem, a morte a melhor soluo de todas as dificuldades. Portanto, no ser o medo da morte que nos far recuar - disse, muito calmo, o checo, a contrastar com a exaltao do argentino. - Estudemos, primeiro, o itinerrio, e veremos depois a maneira de o percorrer. E, com grande surpresa dos companheiros, tirou do bolso um papel, que desdobrou sobre os joelhos. Era um mapa bastante pormenorizado da frica do Norte, at Arbia. - Onde foste arranjar isso? - inquiriu Paco, num assombro. - Tinha-o guardado h muito tempo. Quem guarda, acha - respondeu Alex. Lopez debruou-se logo sobre o mapa e, apontando com o dedo, disse : - Tive o cuidado de estudar o percurso at Arglia atravs do pequeno Atlas e do Atlas do Saara. Podemos alcanar o trilho das caravanas do deserto, 32 em trs dias de marcha, Para l de Figig, o trilho muito frequentado pelos rabes. Podemos incorporar-nos numa caravana e seguir com ela at El Golea, ao sul da Arglia. - Sim - concordou o checo, o percurso esse. Mas duvido de que possamoschegar a Figig em trs dias. O caminho difcil. Corremos o risco de nos perder nas montanhas, porque no podemos seguir pelos caminhos frequentados, sem corrermos o risco de sermos vistos. Mas, enfim, o pior da empresa no a montanha, o deserto. Precisamos de levar bastantes provises e poup-las avaramente, durante a viagem. - Cada um de ns poder levar provises para trs dias - disse Paco. - Devemos levar o mximo que pudermos acarretar - reforou Alex. - Para os carregos, c estou eu - proferiu Roger, que seguira muito interessado a discusso e aproveitou ensejo para mostrar a sua serventia. - Os teus msculos vo ser de grande utilidade - disse o checo. - Paco tratar de adquirir os mantimentos. Entregamos-lhe o dinheiro para isso. Levaremos comnosco os cantis da ordem. E, amanh, noite, partimos. Convm levar o sabre e a Um Salto no Desconhecido - 3 33 pistola, que ocultaremos sob os disfarces mouriscos... - Partimos amanh? -inquiriu o belga, ainda numa dvida. - Claro - respondeu serenamente o checo. - Temos que partir antes de gastarmos as nossas pesetas na cantina... Comeou a dobrar lentamente o mapa, que tornou a meter no bolso. Ergueu-se dos torres onde se sentara. Os companheiros imitaram-no. - Temos noventa e nove probabilidades contra cem, de no chegarmos ao Egipto - pronunciou Alex, num tom plcido, que contrastava com a gravidade da opinio expendida. - Mas, se no fosse assim, creiam, nunca me meteria nesta aventura. Principiaram a descer lentamente, em direco estrada. Iam silenciosos. Seus pensamentos baralhavam-se, na anteviso das lutas e dos perigos que iam procurar de bom grado, s porque no tinham nascido para uma existncia calma e sem perigos.34 CAPTULO 3______________A fuga atravs da noite ___________________________ Mal anoitecera, no dia imediato - dia que fora para eles de grande ansiedade Alex, Paco e Roger saram de casa do mercador, onde se tinham ocultado para vestir os trajos mouriscos, e tomaram a direco das montanhas. Pisavam terreno conhecido e, mesmo s escuras, podiam orientar-se bem. Tinham comido farta e contavam no ter que mexer nas suas provises, acondicionadas em alforges colocados a tiracolo, seno no dia seguinte e o mais tarde possvel. Paco conseguira obter munies de boca, que, segundo os seus clculos, chegariam para quatro dias, a comer vontade. Mas, bem poupadas, como tencionavam, tinham alimentao para cinco ou seis dias. Debaixo do albornoz, levava cada um o sabre, a pistola, os cartuchos e o cantil repleto de gua fresca. Contavam encontrar fontes, enquanto andassem pelas regies das montanhas. Pensavam em afastar-se o mais rapidamente possvel de Bar-Riffien, para que Houvesse grande distncia entre eles e os perseguidores, quando se desse o alarme da : 35 sua falta. Ora, sabiam que esse alarme apenas seria dado no dia seguinte. A falta ao recolher, nessa noite, no seria imediatamente tomada por uma desero. Soldados que passavam a noite fora, em aventuras amorosas ou na estrdia, constituam banalidade. No dia seguinte, eram punidos com uns tantos dias de deteno ou de trabalhos forados, se se tratava de reincidentes. Portanto, s depois de decorrida essa noite, o comando enviaria brigadas de perseguio em vrios sentidos, montando cavalos ligeiros, na esperana de apanh-los no caminho, como j sucedera com tantos outros que tinham feito tentativas falhadas para se libertarem do Trcio. Nas montanhas, no receava Alex os perseguidores. Tinham proteces com queno poderiam contar na plancie, e esta seria percorrida durante a noite. No entanto, por medida de prudncia, abandonaram a estrada e tomaram por atalhos que mais rapidamente os levariam aos contrafortes dos montes, sem o perigo de maus encontros. Falaram pouco, durante o percurso. Iam demasiado absortos em seus pensamentos, e uma grande ansiedade embargava-lhes a voz. At Paco Lopez, to falador por temperamento, se calava obstinadamente. Fora a 36 alma daquela expedio ousada. Desafiara os companheiros, que se mostraram relutantes, at certo momento. Em seu esprito pesava, na ocasio em que se lanaram na grande aventura, a responsabilidade do que poderia suceder. Por muito optimista que fosse, por feitio, vendo quase sempre dourado onde os outros habitualmente vem sombrio, o argentino sentia-se apreensivo naquele momento... Tinha a certeza de que o comando no enviaria cavaleiros a persegui-los, seno no dia seguinte; mas no podia deixar de pensar que as coisas, por capricho da fatalidade, poderiam suceder ao contrrio dos seus clculos. E se houvesse suspeitas do que eles preparavam? Paco nem sempre fora discreto nas suas intenes ; chegara a falar abertamente na vontade de desertar. certo que no o tomavam a srio. Criara fama de falar muito e realizar pouco. Alguns chamavam-lhe fanfarro, embora ele, por actos audaciosos, praticados em campanha, tivesse provado algumas vezes ser capaz de transformar as suas palavras em realidades flagrantes. A sua falta podia ser tomada, essa mesma noite; como indcio de que passara dos projectos vagos s realizaes concretas. E ento persegui-lo-iam imediatamente, a 37 fim de no lhe darem tempo de se afastar demasiado. O pensamento de Paco ia cheio destas preocupaes, que lhe roubavam o habitual dom da fala. Sabia que o acompanhavam homens resolutos, que prefeririam lutar a entregar-se. Alex era um homem frio e audaz. Enquanto tivesse munies, no cessaria de descarregar sobre os que lhe sassem ao caminho, para o prender. Roger to-pouco era homem para se deixar capturar vivo. E ele, Paco, faria o possvel por no desmerecer da companhia. Os soldados do Trcio escolhidos para estas perseguies eram os mais brbaros, aqueles que tinham ido para Marrocos, a fim de satisfazer impunemente os seus instintossanguinrios. No os animava um ideal de herosmo. No havia galhardia nos seus actos, nem lealdade na sua luta. Amavam as orgias de sangue, como se embriagavam em orgias de vinho. Lembrava-se de, uma vez, era ele ainda um novato na Legio, terem conquistado uma aldeia rifenha. A populao, conhecedora da ferocidade dos legionrios, abandonara o povoado. A soldadesca saqueara tudo que encontrara e chacinara os velhos e os doentes que no puderam acompanhar o resto da populao na fuga. Ele entrara, com o sargento Weiss, 38 um alemo endurecido na Grande Guerra, numa habitao mourisca que parecia desabitada. A inteno de Paco era ver se encontrava alguma coisa para comer ou beber. Mais dois soldados entraram, de baioneta calada. O sargento farejava todos os recantos, como se fosse um mastim. Atravessaram um ptio central, onde uma fonte gotejava. De sbito, Paco julgou ouvir um gemido, O sargento Weiss precipitou-se logo para o compartimento onde a dbil voz humana soara. E logo saiu, arrastando para o ptio uma esteira onde jazia uma pobre moura, muito jovem. Era, por certo, uma enferma que no tivera foras para fugir. Paco nunca mais pde esquecer as expresses sinistras dos seus camaradas - o sargento e os dois soldados que tinham acorrido. Paco vira o perigo que a jovem rifenha corria e tentara salv-la. - uma doente. Deixemo-la sua sorte! E tentara arrastar os companheiros para fora da habitao. O sargento Weiss, porm, teve uma exclamao que mais parecia um grunhido. - uma porca suja!-rouquejou ele. E erguendo a arma, mergulhou a baioneta no corpo da rapariga, que soltou um grito lancinante. 39 - uma mulher! Deixem-na!... - gritou Paco Lopez. Weiss lanou-lhe um olhar feroz e ameaou-o, de arma erguida. Depois, desviando o golpe, degolou a inocente. Lopez fugiu, horrorizado, enquanto os outros, gargalhando da sua fraqueza de menina, acabavam a obra destruidora. Cenas como esta iam perpassando na mente do argentino, que marchava numa cadncia certa, ao lado dos companheiros. Sabia que o sargento Weiss era sempre um dos escolhidos para a perseguio aos fugitivos. O alemo gabava-se de raras vezes trazer um trnsfuga inteiro ao aquartelamento.Ou vinha morto ou moribundo. E Paco pensava que, se acaso o sargento lhe aparecesse, havia de fazer o possvel por ser o primeiro a atirar. Seria uma morte que no lhe ficaria pesando na conscincia. Tentava sacudir de si aqueles pensamentos sombrios, como quem enxota um enxame impertinente. A seu lado, caminhava Alex e, ao lado deste, Roger. Todos trs calavam babuchas mouriscas. Aquela espcie de chinelos, a que no estavam afeitos, incomodava-os. De vez em quando, saltavam-lhes dos ps. Mas nem por isso se atrasavam no andar. Quando alguma babucha lhe caa do p 40 e ficava no caminho, Paco soltava uma praga, baixava-se a apanh-la e corria a juntar-se aos camaradas, que no se detinham. O terreno principiava a ser mais acidentado e spero. Alex, que tacitamente se tornara o chefe daquela aventura, seguia na escurido com tanta segurana, como se trilhasse caminho plenamente iluminado. No tropeava, como seus companheiros, nem tergiversava. Paco e Roger comeavam a desconhecer o local, que decerto lhe seria familiar, em pleno dia. - No iremos enganados? - observou o argentino. - No - replicou o checo. - Convm torcer um pouco para a esquerda, para nos afastarmos do caminho frequentado que conduz s montanhas. A segurana com que Alex falava sossegara os companheiros. E a marcha prosseguiu, em silncio, ainda por mais uma hora. O terreno era cada vez mais ngreme e tortuoso, e o belga e o argentino julgaram reconhecer o local, uma encosta escalvada, cor de ocre, que se avistava de Dar-Rffien. Anos antes, houvera ali duros combates. Os soldados do Trcio haviam tomado de assalto aquelas alturas, onde os rifenhos se encontravam fortemente entrincheirados. Para desaloj-los, a Bandeira de que Roger 41 fazia parte perdera mais de cinquenta por cento dos seus homens. Fora uma mortandade horrorosa. O comando pretendia obter, a todo o custo, aquela posio, e conseguiu-o. Para, afinal, terem que abandon-la no dia seguinte, a fim de evitar uma manobra de envolvimento que, a consumar-se, resultaria num grande desastre para as armas de Espanha. Roger e Paco admiravam a certeza com que, em plena treva, Alex os guiara at quele local. Dir-se-ia que o checo tinha faro, Este facto reforou a confiana que j nele depositavam.No sabiam qual era a inteno de Alex, ao alcanar o corao da montanha. Pensavam que procurasse abrigo em alguma caverna, para fazerem um repouso e aguardarem o nascer do Sol. Agora era mais difcil avanar. A primeira elevao escalvada de terreno j fora transposta, ficara para trs, e avanavam numa subida mais suave, onde cresciam ervas que lhes davam pelo joelho. A serra era ali muito desabrigada. E quem estivesse ao longe, na planura, munido de um bom culo, no teria dificuldade, luz do dia, em localizar nitidamente os trs vultos a mover-se. Alex no queria ficar naquele stio descoberto. Seus companheiros compreende42 ram que ele desejava embrenhar-se a fundo na montanha, a coberto da noite. Depois de se infiltrarem no labirinto de gargantas abruptas e vales, com grande dificuldade os descobriria uma brigada, perseguidora, ou, se os descobrisse, teriam tempo de entrincheirar-se fortemente e disparar sobre os que viessem, sem grande perigo de serem atingidos. Qualquer deles era bom atirador e estimava a luta, e, muito no ntimo, chegavam quase a desejar um encontro com o sargento Weiss e os seus homens, para medirem foras, para abaterem os seus inimigos, ali, no segredo da serra, vingando a memria de outros camaradas fugitivos que foram abatidos quando tomavam o caminho da liberdade. O piso voltava a ser mais difcil e a marcha fazia-se mais vagarosa. J no podiam seguir os trs, lado a lado. Iam em fila indiana. Primeiro, Alex, depois Lopez e, por ltimo, Roger. Ao cabo de uma hora de tropees, que por vezes os faziam ir de mos ao solo spero onde cresciam cardos, o checo enveredou por uma espcie de corredor estreito e em torcicolos, que o belga e o argentino supuseram ladeadas de altas paredes de granito, quase cortadas a pique, pois, quer estendesssem os braos para um lado, quer para o outro, 43 encontravam sempre a rocha dura da montanha. Percorreram por largo tempo aquela estreita passagem, que os obrigava a marchar mais lenta e cautelosamente. Ao cabo de uns bons vinte minutos, perceberam que a garganta principiava a alargar-se e o declive a acentuar-se. Subiam novamente pelo dorso mais desafogado da montanha. Paco e Roger comeavam a sentir-se fatigados e no lhes desagradava que Alex lembrasse passarem o resto da noite abrigadosem qualquer recesso que encontrassem. A temperatura baixara muito e corria um ventinho cortante, que lhes anavalhava o rosto. No sentiam frio, devido ao ardor da marcha. Pelo contrrio, suavam, sob aquela espcie de gibo de l, que os cobria do pescoo at aos ps. Alex dir-se-ia adivinhar o pensamento dos companheiros, porque disse, rompendo o silncio soturno que quase sempre os envolvera : - Vamos encontrar agora, ao cabo desta ladeira, uma espcie de rotunda; tem por fundo uma parede escalvada que teremos de tornejar, para continuarmos a subir. . Paco Lopez perguntou aos seus botes como pudera o checo obter um conheci44 mento to perfeito da montanha, para percorr-la, assim, de noite, com tanta segurana como se passeasse pelas ruas de Dar-Rittien, e sabendo de cor a configurao do terreno que ia encontrar. Decididamente, aquele homem era extraordinrio. Tudo o que no Trcio se dizia a seu respeito, e que j tomara foros de lenda, no era exagero. Os factos demonstravam que as faculdades de Alex eram muito superiores ao que se supunha. Felicitava-se intimamente por t-lo aliciado para aquela empresa arriscada que, na verdade, requeria como chefe um homem da sua tmpera. Com efeito, no tardaram em encontrar a rotunda a que o checo se referira. Paco no pde deixar de lhe perguntar: - Como diabo adquiriste tu um conhecimento to exacto da montanha ? - Andmos por aqui em combate respondeu ele. Mas isso no bastava. Tambm Roger ali batalhara e seria incapaz de se guiar, de noite, naquela regio selvtica. Mas calou-se, tendo que aceitar como boa a explicao, Alex dirigia-se agora em linha recta, at alcanar a parede escalvada a que aludira. Pela sua posio, a elevao abrupta 45 do monte abrigava-os do vento cortante e incomodativo que soprava do Nordeste. - H aqui umas pedras - disse o checo. - Podemos sentar-nos e descansar uns momentos. J fizemos uma boa caminhada. s apalpadelas, encontraram uns calhaus onde se sentaram, com um suspiro de cansao. O suor corria-lhes da fronte, que enxugaram ao tecido grosso do albornoz. Paco e Roger perceberam, na escurido, que Alex, pelo tacto, enchia o cachimbo, que havia muitas horas no fumava. O argentino sentiu despertar o apetite dotabaco; e puxou de uma cigarrilha, que levou boca. O belga no fumava. Sentia-se tonto como uma senhora, quando dava duas fumaas. Desistira de tomar esse hbito. Alex feriu lume, chegou-o ao cigarro de Paco e depois acendeu a fornalha, fazendo concha com as mos luz do tabaco aceso, espreitou as horas, no relgio de pulso. Notando-lhe o gesto, Paco inquiriu: - Quantas ? - Trs menos um quarto. - Temos mais de cinco horas de marcha sobre o lombo - observou Roger - J era tempo de descansar - proferiu 46 Lopez. E acrescentou: - Se aqui houvesse qualquer recanto onde nos pudssemos estender... Alex quedou um momento em silncio. Depois, com a sua placidez habitual, disse: - Fazemos aqui apenas um breve descanso. Ainda estamos na encosta norte da serra e convm-nos, ao romper do dia, j ter ultrapassado os montes. Antes de alcanarmos a vertente sul, no devemos descansar. O nosso programa, enquanto no tivermos posto distncia considervel entre ns e o aquartelamento, deve ser o seguinte : marcha de noite e dormir de dia, bem ocultos em qualquer parte. Desta forma, nunca mais nos descobriro. - Assim deve ser, realmente - arriscou Roger, numa concordncia - porque de dia devem andar nossa procura, e todos os caminhos estaro por certo muito vigiados. - Exactamente -corroborou Alex. No h vantagem nenhuma em ter maus encontros. Avanando de noite, podemos passar a curtas distncias dos nossos perseguidores, sem que eles nos notem; ao passo que, de dia, podem localizar-nos, mesmo de muito longe. S quando tivermos atingido o deserto, nos podemos aventurar de dia. - E se comssemos alguma coisa, para criar nimo - alvitrou Paco Lopez. 47 - assim tanta a vontade de comer, que no te possas aguentar at ser dia ? inquiriu o checo. O argentino compreendeu que esta objeco significava, simultaneamente, uma censura e uma discordncia, e apressou-se a dizer : - Sim, devemos poupar as provises. Roger perguntou se, depois de atingirem A vertente sul da montanha, ainda teriam muito que andar para chegar a Figig, a primeira grande etapa prevista da sua caminhada.O checo respondeu-lhe com um assobio longo, que lhe deu logo a ideia de uma longa distncia, e explicou : - O que estamos fazendo agora um pequeno nada do nosso itinerrio. Neste momento, contornamos pelas passagens mais fceis o extremo leste da cordilheira chamada o Grande Atlas. uma empresa fcil. Depois, teremos que procurar caminho pelo extremo este de outra cordilheira que encontraremos mais ao sul, chamada Atlas do Saara. Em seguida, teremos o deserto e Figig. A nos orientaremos sobre o que haver a fazer. Estaremos em territrio francs, portanto, muito perigoso para a nossa situao. Se a nossa fuga constar, natural que as autoridades francesas nos queiram prender e 48 entregar aos espanhis. Talvez os nossos disfarces mouros nos salvem... Alex calou-se, sobre estas palavras. Os companheiros ficaram pensativos. Estavam apenas no incio das suas dificuldades. Mas tinham f em que a Providncia os protegeria. Depositavam absoluta confiana em Alex, que falava como se tivesse um mapa aberto na frente. - E quanto tempo gastaremos at deixarmos para trs as ltimas montanhas ?perguntou Roger. O checo tardou um momento em responder, como se meditasse. Depois, disse: - Se tivermos a sorte de fazer o percurso sem nos enganarmos, calculo que em trs dias, o mximo, estaremos no deserto. Mentalmente, Paco fez o clculo possvel durao das provises e, compreendeu quo prudente era Alex em querer poup-las. Meia hora depois de se terem sentado, Alex deu ordem de marchar. Caminharam durante toda a noite, apesar da fadiga. Mas eram homens habituados a andar e no se queixavam. Sabiam que estavam apenas no incio dos tormentos. A liberdade no se podia alcanar sem sacrifcio. Ao romper do Sol, encontravam-se a descer a encosta sul das montanhas. Alex Um Salto no Desconhecido - 4 49 circundou a vista e, apontando para uma garganta fendida, a oeste, exclamou: - Olhem! Roger e Paco seguiram com a vista o gesto do checo. Umas sombras moviam-se ao longe, no crepsculo da manh. Eram cavaleiros a galope. Alex, flectindo bruscamente sua esquerda, meteu por um desfiladeiro que os ocultava e disse : - Vamos ver se podemos evitar um mauencontro.CAPTULO 4 Desaparecimento misterioso -de Alex Os trs fugitivos -sentiam-se estafados e famintos. Tinham feito aquela enorme tirada durante toda a noite, para; logo de comeo, se afastarem do raio de aco dos seus perseguidores, , quando calculavam que, ao romper do dia, poderiam ocultar-se tranquilamente em qualquer recesso da serra, comer alguma coisa e dormir, encontravam-se to perto do perigo como se no tivessem sado das imediaes do Dar-Rifien. Alex tomara logo por um desvio que tornava impossvel avistarem-nos do plano inferior, onde passavam os cavaleiros.; 50 Ocultos atrs de uns rochedos, puderam observar melhor o que se passava. Haviam comeado a descer a encosta sul da extremidade da cordilheira do Pequeno Atlas, isto , julgavam ter posto entre eles e Dar-Riffien o primeiro obstculo srio que poderia fazer desistir da perseguio os homens que o comando tivesse enviado no seu encalo. E acabavam de verificar que esse obstculo era como se no existisse. Os cavaleiros estavam ali, a pouco mais de uma milha de distncia, movendo-se, perfeitamente distintos, na meia luz da manh, que aclarava rapidamente. Paco Lopez ficara atnito; quase no queria acreditar no que via, Mas no podia duvidar. L em baixo, num caminho que serpeava pelo vale; corriam trs cavaleiros. Alex no tirava os olhos deles como fascinado. Roger abria muito as suas pupilas claras e ingnuas, seguindo as evolues dos soldados. Parecia levarem uma rota premeditada. O checo, aps longa observao em silncio, pronunciou: - Eles julgam que vamos tomar o caminho das montanhas do Antiatlas, para nos internar profundamente no Marrocos francs e irmos sair costa do Atlntico. Teve um sorriso e acrescentou; - No 51 pensaram mal, mas enganaram-se. Ns nunca nos meteramos por caminho to fcil, onde o risco de morrer muito menor, mas infinitamente maior o de cairmos nas mos das autoridades francesas. Efectivamente, os trs cavaleiros j no eram mais do que trs pontinhos, que seiam esfumando na direco das serranias que se erguiam a ocidente. - Boa viagem... - murmurou Alex, Com um risinho de ironia. - Podemos estar descansados. Agora, procuremos um bom abrigo para comermos e dormirmos. S devemos retomar a marcha ao declinar da tarde, caminhando muito cautelosamente, enquanto houver luz do dia. Roger sentiu um alvio, como se lhe tivessem tirado um grande peso de cima do peito. Paco tambm soltou um profundo suspiro e proferiu: - Aqueles diabos no se demoraram muito tempo em vir na nossa peugada. - Era de esperar - replicou Alex, num tom um tanto spero. - Tu fizeste um reclamo bastante ruidoso das nossas intenes, para que eles no compreendessem o que se passava, logo que faltmos ao recolher. E, anteontem, aquela camarera espiava-nos, na cantina. O argentino calou-se. Sentia que o 52 companheiro tinha razo. J toda a gente alimentava suspeitas acerca das suas intenes, de contrrio no iniciariam as pesquisas seno de manh, ou talvez mais tarde. Por certo, essa mesma noite os teriam procurado em Dar-Riffien, por toda a parte. Como no os encontraram, no deviam ter hesitado em mandar patrulhas no seu encalo, porque sabiam que, quanto mais depressa agissem, mais probabilidades teriam de xito. Felizmente, os soldados haviam passado bem prximo da presa apetecida, sem suspeitarem da sua presena. Alex continuou a caminhar pelo dorso da serra, frente dos amigos, procurando sempre trilho abrigado, de forma que no fosse fcil descobrirem-nos de longe. No tardaram em achar-se num local que lhes servia maravilha para comerem descansados. Era uma espcie de furna, um poo de uns cinco metros de profundidade, paredes ngremes, pelas quais se deixaram escorregar at ao fundo, onde cresciam ervas daninhas, quase da altura de um homem. Ali medravam algumas figueiras bravas e uma pequena palmeira, que lutava por fazer com que as suas palmas ultrapassassem a altura do rebordo da grande cova. Em uma das paredes havia uma caverna, com 53 alguns metros de profundidade, que Alex afirmou ter sido aberta pela mo do homem. No se viam, porm, vestgios de que tivesse sido habitada recentemente. - Abenoado seja quem se lembrou deconstruir aqui este refgio! - exclamou o checo. - Mal pensou nos benefcios que um dia nos prestaria - acrescentou Roger, que principiava a sentir-se menos tmido na presena do checo. Paco comeava a apanhar ervas secas e pedaos de lenha. - Para que isso? - perguntou-lhe Alex, surpreso. - Para fazermos uma fogueira e aquecermos a comida... - Ests louco - replicou o checo. - Uma coluna de fumo, aqui, seria o melhor sinal da nossa presena. O clima bastante quente para podermos prescindir de alimentos aquecidos. Vamos tratar de abrir uma lata de corned-beef. Poucos momentos depois, tinham devorado o contedo de uma lata de carne em conserva e comeriam outra, se Alex no ordenasse: - Poupemos as munies de boca. Beberam largamente do cantil, Depois, apanhando braados de ervas secas, fize54 ram, dentro da caverna, um leito, que acharam uma maravilha de conforto, e, dois minutos depois, ressonavam em coro. A fadiga e a viglia venceram-nos. Em torno, pairava um silncio e uma paz que no eram interrompidos seno por algum grito de ave de rapina, que passava muito alto ou pela restolhada de algum rptil, arrastando-se por entre as pedras. Roger acordou, j a tarde comeava a declinar. Quedou uns momentos, estendido de costas, a olhar o tecto rugoso da caverna, intrigado, sem se lembrar onde estava. Uma respirao cadenciada, a seu lado, f-lo voltar a cabea. Viu Paco, que dormia ainda, envolto no albornoz branco, e de jacto iluminou-se-lhe o pensamento. Sim, tinham desertado. Estavam recolhidos numa caverna, na encosta sul do Pequeno Atlas. Sentou-se no leito de ervas secas e, passeando um olhar em redor, teve um sobressalto. Alex no estava junto deles. Lembrava-se perfeitamente da posio em que se deitaram. Paco estendera-se sua esquerda e Alex direita. Via-se ainda a marca do corpo na erva amachucada. Mas como explicar aquela ausncia? Tentou tranquilizar-se. Alex no podia estar longe. Provavelmente, acordara muito 55 cedo e, como os companheiros dormiam, no os querendo acordar nem permanecer estupidamente metido naquele buracosoturno, fora dar uma volta pelas imediaes. Roger ergueu-se, sem rudo, para no despertar o argentino, e saiu para a furna, que estava mergulhada na sombra projectada pela parede ocidental, cortada quase a pique. Passou a vista em redor, mas nem sinal de Alex se lhe deparou. Soltou um ligeiro assobio, na esperana de que o checo pudesse estar oculto pelas altas ervas que cobriam o fundo da furna. Respondeu-lhe o eco. Apurou o ouvido. Pairava profundo silncio, que o incomodava. Assaltaram-no mil pressentimentos sombrios e contraditrios. Uma vaga suspeita infiltrava-se subtilmente em sua alma. Agora, parecia-lhe duvidoso tudo o que at ento o deslumbrara em Alex: a segurana com que ele caminhara atravs da escurido, o conhecimento perfeito que mostrava do terreno que trilhavam, o rumo daquela furna que logo tomara. Dir-se-ia que tudo obedecia a propsitos reservados, a um plano preconcebido. E, afinal para qu? Para os abandonar naquela cova, perdidos numa montanha desconhecida, sujeitos, caso 56 tentassem seguir caminho, a ficarem nas garras dos perseguidores, que os rondavam de perto. Todas estas suspeitas se insinuaram no nimo do belga, que no as queria encarar bem de frente, mal disposto consigo mesmo, por se surpreender a fazer to mau conceito de um camarada. Regressou pensativo e a passo lento, caverna, onde encontrou o argentino ainda a dormir profundamente. Decidiu acord-lo. J no era cedo e por certo no poderiam ficar naquela cova, irresolutos. Era urgente que Paco tomasse conhecimento da gravidade da situao criada pela inexplicvel ausncia de Alex. Sacudiu-o com fora. O argentino sentou-se no feno e olhou estremunhado sua volta. - Que pasa? - pronunciou ele ainda fora de si e em voz rouca. - Alex desapareceu - disse-lhe o belga. Mas Lopez ainda tardou um bom bocado em aperceber-se do que Roger lhe comunicava. Espreguiou-se e bocejou ruidosamente. Depois, entrou na realidade. -Que horas so? - perguntou. -Alex que tem relgio e ele no est c - respondeu o belga. 57 -Ah! Sim!... Mas aonde foi ele? inquiriu o argentino. -No sei...O belga explicou-lhe ento que, ao acordar, dera pela sua ausncia. Procurara-o na furna e no o encontrara. No sabia explicar por que motivo o checo se afastara, sem os avisar. Paco quedou um momento pensativo. - Temos que procur-lo - disse ele por fim. - Vamos dar uma volta pelas imediaes. provvel que no esteja longe... Comearam a equipar-se para a partida, afivelando o cinturo com as armas e envergando o albornoz. Mas, quando ia colocar o alforje a tiracolo, Paco soltou uma exclamao: - Os nossos cantis?! -Roger notou ento que Alex no s levara toda a sua bagagem, como acarretara os seus cantis, deixando-os sem gua e sem vasilha onde transport-la, caso a pudessem obter. Para quem tenciona atravessar o deserto, era o mesmo que ir apresentar o peito descoberto a um peloto inimigo. Faltava-lhes um dos mais valiosos meios de resistncia, na legio rida que se propunham percorrer. Entreolharam-se, estupefactos. Roger adivinhava, na expresso do companheiro, 53 as mesmas suspeitas que o tinham assaltado momentos antes. - Alex abandonou-nos miseravelmente... - pronunciou o argentino, entre dentes. A sua fuga, levando-nos os cantis, equivale a uma autntica traio. Mas ele no pode ir muito longe. Vamos ver se o apanhamos. Mil bombas me rachem de meio a meio, se no o fao engolir os cantis! Paco teve um gesto violento. Roger, mentindo aos seus prprios sentimentos, ainda ops: - Talvez seja cedo para fazermos mau juzo de Alex Lopez soltou uma espcie de rugido. Os olhos negros e incendiados rolaram-lhe nervosamente na face trigueira. -V-se bem que no passas de uma [ criana muito grande! - exclamou ele. Que mais preciso para se ver que Alex andou sempre de m f connosco? Ele conhecia perfeitamente o caminho que havia de ; conduzir-nos a este buraco; provavelmente, ; de combinao com o comando, de quem teria recebido uma boa gorjeta, indicou-lhes o caminho que havamos de seguir. A brigada de perseguio no perdeu tempo e veio logo no nosso rastro. Possivelmente, perdera-nos a pista, mas o patife, apanhando-nos a dormir, deve ter ido avisar os nossos ini59 mgos, levando-nos os cantis, para nosimpossibilitar de abandonar regies habitadas, onde haja gua, e forar-nos a permanecer eternamente nos montes, como porcos bravos... No me admirava nada que o sargento Weiss e os seus soldados nos viessem surpreender aqui! Roger escutava aquele esmagador discurso, que o argentino proferira quase de um flego. No encontrava argumentos com que combater aquela acusao tremenda. Sentia que o companheiro raciocinava com lgica. - Creio que o melhor sairmos quanto antes desta furna, onde poderemos ser apanhados como animais inocentes que caem na armadilha - disse ainda o argentino. 11234- Sim, melhor - concordou o belga, encaminhando-se resolutamente para a sada da caverna. Ao atravessarem a furna, tropeando nas ervas altas, Roger ainda clamou : - Alex!... Alex!..., O eco repetiu as suas vozes. Uma ave despediu voo, grasnando sinistramente, e tudo recaiu em pesado silncio. Paco soltou ento uma risada sarcstica e comentou: - Admiro a tua candura, Roger... 60 Imaginavas que alguma coisa mais te poderia responder, alm do eco? O belga corou como uma criana envergonhada e, com auxlio de ps e mos, principiou a escalar as paredes ngremes e speras da furna. Com certo custo, tornaram a atingir o nvel do dorso da montanha. O Sol declinava para ocidente. Ao longe, por entre uma poalha luminosa, enxergava-se o vulto mais sombrio de outros montes, que deviam ser, como Alex dissera, os contrafortes do Pequeno Atlas, que tencionavam tornejar, durante a tirada dessa noite. Os dois desertores quedaram um momento absortos na contemplao daquela rude paisagem. Alm, pelo vale, o caminho seria menos difcil, mas corriam o perigo de ser mais facilmente apanhados. Por ali, era a estrada natural de quem queria atingir povoaes importantes, como Ain Setra, Figig e, mais para o poente, Colomb Bchar. Era natural que as autoridades, prevenidas da sua desero, trouxessem mais vigiadas as imediaes desses povoados. No seriam to tolos que fossem meter-se na boca do lobo. Estavam hesitantes sobre o rumo a tomar. Pela primeira vez, desde que saram de Dar-Riffien, tinham que tomar resolues 61sozinhos, e isso atrapalhava-os um pouco. Paco sentiu que lhe incumbia, na ausncia de Alex, que os aliviava do trabalho de pensar, tomar sobre si a direco da fuga Roger no passava de um bom gigante de obedincia pronta! - Bueno! - proferiu o argentino. O melhor no perdermos o nosso precioso tempo procura de um traidor. Seria arriscar a nossa pele. O patife levou-nos o mapa, mas temos a bssola e confiamos na nossa boa estrela. Em vez de tornejarmos os contrafortes do Pequeno Atlas, seguimos em frente, em direco ao Atlas do Saara, onde temos probabilidades de arranjar cantis ou outra qualquer vasilha para transporte de gua. Atravessamos, depois, a cordilheira, na direco do sul, e estaremos no deserto, que ser o nosso maior risco, mas tambm pode ser a nossa maior proteco. Em qualquer fonte da serra, poderemos fazer uma boa proviso de vveres e de gua. Roger olhou na direco do sul, para onde Paco estendia o brao. L estava o vulto azulado, que adquiria agora um tom violeta, alongando-se na direco de leste-oeste, como uma cortina muito alta, a tocar o azul lmpido do cu. - A serra parece altssima deve ser difcil de transpor - comentou Roger. 62 - Sim, alta - replicou Lopez -, mas h quem tenha escalado o Monte Branco, que muito mais alto e est coberto de neve. Aqui, o nico perigo ser o mau encontro com algum leo. - H muitos lees? - perguntou o belga. - Alguns. Ainda no os caaram todos respondeu Paco. - No entanto, s por muita infelicidade encontraremos algum. Os caadores andam s vezes dias e dias, procura deles, e no os acham... Roger teve um sorriso e murmurou: - Avancemos. J perdemos muito tempo! Os dois fugitivos comearam a descer a encosta, que ali era desafogada. Corria uma aragem tpida, que os fazia esquecer que os raios de Sol ainda eram bastante quentes. Depois de caminharem umas centenas de passos, descobriram que uma espcie de vala corria mais abaixo, ao travs da serra, em torcicolos muito irregulares. Seria preciso transp-la, para continuar a descida. Para l dessa grande fenda, que era uma espcie de caminho aberto pela Natureza ao longo do monte, fendendo a encosta a meio, prosseguia a vertente, num desnvel mais suave. Paco Roger aproximaram-se da vala, pensando em como seria fcil a marcha, depois de ultrapassado aquele obstculo.Quando se preparavam para escorregar para 63 o fundo do grande valado, soou-lhes aos ouvidos um grito que lhes parecia humano. Detiveram-se atnitos, olhando em redor. Logo descobriram, a uns cem passos para o lado do poente, um vulto de homem. - A tropa! - exclamou Paco, num sbito furor. Era, efectivamente, uma farda do Trcio que eles logo reconheceram. O homem empunhava uma espingarda e berrava de longe. - Faam alto!... Seno disparo!... Paco e Roger entreolharam-se, hesitantes. O homem estava muito afastado para o poderem visar com as pistolas. - Mos ao ar! - gritava o outro. Neste momento mais dois vultos fardados saram da vala, agitando espingardas. - Weiss, com dois camaradas ... disse Roger, empalidecendo. - Com mil diabos! Vo fuzilar-nos aqui. Fujamos para a vala! - gritou Paco. E arremessou-se para dentro da imensa cova. Roger seguiu-o rolando, rapidamente. Soaram dois tiros. As balas chicotearam o ar, mas haviam partido muito tarde, para os atingir. , Paco no se detivera no fundo do valado. Correu pelo fundo em ziguezague, para os lados do nascente, no intuito de deixar para trs 64 os perseguidores. Sempre correndo, fora sacando da pistola. Roger fez outro tanto. - Temos que abater um, pelo menos, antes que nos prendam - rosnava Paco, ofegante. Seguiam por uma espcie de labirinto. Poucos passos adiante, viram que o corredor se bifurcava, como se se desdobrasse em dois braos que, aps curto afastamento um do outro, continuavam a seguir paralelos para os lados do Ocidente. Paco, que ia na vanguarda, aproveitou aquela feliz circunstncia, que lhes permitia colocar os perseguidores a uma distncia maior e separados por duas autnticas trincheiras. O sargento Weiss e os dois soldados s deram pelo percalo quando avistaram os fugitivos a escapar-se ao longo do segundo corredor. Para recuperarem o terreno perdido tinham que atravessar a primeira vala, depois correr em terreno descoberto at segunda. Roger, fugindo sempre, compreendeu a manobra que eles iam fazer. Viu-os desaparecer na primeira trincheira. - Temos vantagem agora! - gritou ele para o argentino, que corria na frente, semnotar o que se passava. Paco espreitou para fora da trincheira. Nesse momento j o sargento Weiss emergia do terreno e se erguia para dar uma corrida Um Salto no Desconhecido - 5 65 sobre o abrigo dos desertores. Soou um tiro. Paco disparara, mas o tiro falhara. Atrs de Weiss, j surgiam os vultos dos dois soldados. Serenamente, Roger descarregou a sua arma, duas vezes, com um intervalo de segundos. Os dois soldados caram no dorso da serra. Um ficou imvel, o outro estrebuchava. Roger quis ainda disparar terceira vez, mas a arma encravara-se-lhe. Soltou uma praga e empurrando Paco, que no voltara a disparar, incitou-o: - Foge! Fugiram, baixando-se dentro do corredor, para se protegerem das balas que o sargento Weiss j disparava em sua direco. A vala, porm, que seguia em linha quebrada, servia-lhes de abrigo. O alemo no desistia de os atingir. De vez em quando, punha um joelho em terra, para firmar melhor a pontaria, e disparava. Mas em vo e s perdia tempo, atrasando-se. - Podemos esper-lo, num cotovelo... dizia Roger, sempre correndo - e derrub-lo com um tiro certeiro. - Tenho a pistola encravada! - retorquiu, furioso, o argentino.! Sucedera-lhe o mesmo percalo que ao companheiro. S a ligeireza das pernas os poderia salvar. O sargento Weiss, porm, adivinhara que eles no podiam disparar 66 por qualquer motivo e tentava agora aproximar-se sem descarregar. Percebera que os tinha na mo, desarmados. O dorso do monte era mais favorvel para correr, e ia ganhando terreno sobre os fugitivos, que, no fundo irregular e pedregoso do fosso onde se tinham metido, no podiam imprimir grande velocidade corrida. Se tentassem sair do fosso, para aproveitar o melhor piso, em terreno descoberto, estavam perdidos, porque ento o sargento poderia vis-los como se estivesse numa carreira de tiro. A situao comeava a tornar-se aflitiva. J ouviam distintamente os passos de Weiss, que pretendia, com certeza, apontar mesmo queima-roupa, apanhando-os no fundo da vala, como o caador presa encurralada. - Estamos perdidos!... - rugiu o argentino, cerrando os dentes. , Weiss havia de querer vingar os soldados atingidos. No os deixaria sair daquele labirinto com vida. ,Soou um tiro. Os desertores ainda correram alguns metros mas o eco da detonao parecera-lhes vir de longe. Olharam para trs e viram que Weiss cambaleava, como se estivesse ferido. Intrigados, a curiosidade pesando nos seus espritos mais do que o medo, os dois companheiros pararam, 67 no momento em que o sargento, depois de tergiversar, caa desamparadamente, rolando para o fundo da trincheira. Algum atingira o alemo em cheio. Roger e Paco entreolharam-se, perplexos. Depois, trepando ao rebordo da vala, no puderam reter uma exclamao. Da outra vala, saa um vulto branco, - Um rabe!... -exclamou Roger. O rabe fazia sinais amigveis, agitando no ar a pistola com que acabara de visar o sargento. Levados pelo mesmo impulso, os dois homens treparam para fora da trincheira, e correram ao encontro daquele homem que os salvara da morte certa. - Mas Alex! - bradou Paco, ao Aproximar-se. Era realmente Alex, que j abrandava o passo e abria os braos, de par em par, para um amplexo fraternal. 68 CAPTULO V Um itinerrio que se modifica Ao sentirem-se nos braos do companheiro por quem se julgavam atraioados, Roger e Paco no puderam deixar de experimentar um grande remorso. Ignoravam ainda as razes que teriam levado Alex a afastar-se da furna, sem os avisar. Mas compreendiam agora que ele no era um traidor. Era um homem a quem deviam estarem vivos, naquele momento. E isso bastava para os enternecer at s lgrimas. Depressa Alex, na sua maneira peculiar e decidida, ps termo s expanses que pretendiam alongar-se pelos motivos que ele, em parte, ignorava. - Foi uma sorte eu vir pela vala superior, quando ouvi os primeiros tiros contou ele. - A princpio, fiquei surpreendido, depois, lembrando-me de que vocs, no me tendo visto na furna, tivessem disparado para me dar sinal, trepei ao parapeito e observei o que se passava. Ainda vi cair os dois soldados. Mas o sargento, em quem reconheci Weiss, continuava a perseguio. Num relance, compreendi o que se passava. Vocs, acordando mais cedo do que eu previra, tinham-se aventurado pela serra e 69 foram descobertos por aqueles patifes. Noadivinhei logo por que razo, tendo tido mo to certeira para os soldados, no visavam o sargento, tambm. Por certo, alguma coisa de anormal os impedia de utilizar as armas. Comecei ento a correr, dentro da outra trincheira, e, quando tive Weiss ao alcance de tiro, disparei. Se acaso no lhe acertasse, poderia, pelo menos, distra-lo, durante uns momentos, permitindo-lhes tomar uma boa dianteira. Depois, podia acontecer que lhe acertasse com um segundo tiro, porque estava resguardado pela trincheira e ele encontrava-se em campo aberto. Tive porm, a sorte de o derrubar s com uma bala. Paco e Roger escutavam-no, cheios de entusiasmo. - Salvaste-nos a vida... -murmurou, comovidamente, o argentino. - Conta com a nossa eterna gratido. E narrou-lhe, em seguida, os acontecimentos, desde que abandonaram a furna e se meteram a caminho at carem na emboscada dos soldados do Trcio. - Mas porque se aventuraram at to longe da furna? - inquiriu o checo. Roger baixou os olhos, como a criana que teme confessar uma culpa. Paco, porm, mais expansivo, contou-lhe a verdade das suas suspeitas. 70 - Sobretudo, o desaparecimento dos cantis fez-nos pensar de ti o pior. Alex soltou uma risada e, levantando o albornoz, mostrou-lhes os trs cantis, que pendiam do cinturo. Depois, explicou: - Como lhes disse, no devamos abandonar a furna, antes de anoitecer, para prosseguirmos a nossa jornada com mais segurana. E que eu tinha razo em s querer viajar de noite, os factos acabam de confirm-lo plenamente. Corramos o risco de ser vistos de longe e caados como coras inocentes. Eu acordara deviam ser umas trs horas da tarde. Conservei-me deitado, a pensar, quando, subitamente, me lembrei de que, de noite, no teramos facilidade, em encontrar gua. Ia acord-los, mas detive-me. O mais prudente seria ir sozinho procurar qualquer nascente na serra, encher os cantis e voltar para a furna, ao anoitecer. Sozinho, podia passar mais facilmente despercebido a uma possvel vigilncia, ao passo que trs vultos a deambular na montanha tornar-se-iam logo notados, ;:mesmo de muito longe. Tomei todo o meu equipamento, porque acho que, nesta vida incerta, devemos trazer sempre connosco tudo o que nos pertence, e levei os cantis, para os encher. Sa da furna e, procurando sempre abrigos, fui deslizando serra fora, por forma a no me expor muito71 a vistas indiscretas. Descobri as valas e percebi que se tratava, nada mais, nada menos, de trincheiras abertas pelos mouros, durante as suas campanhas contra franceses ou espanhis. Ora, eles no abririam trincheiras, se no houvesse gua perto. Segui pelo interior da vala, e parava, espreitando de vez em quando o aspecto das serranias. Depois, caminhava mais uns metros, prudentemente oculto. At que avistei, ao longe, um tufo de verdura, que denunciava humidade. Caminhei resolutamente para l. Encontrei, efectivamente, uma fonte de gua finssima. Enchi os cantis e, quando vinha de regresso, ouvi os tiros. O resto sabem vocs como se passou. - E ns pensmos to mal de ti! exclamou Paco, quando o checo terminou o seu relato. ,. : -Mas estamos bem arrependidos Ajuntou Roger. Por minha parte, juro que, a partir deste momento nunca mais duvidarei da tua lealdade, por tanto acusadoras que sejam as aparncias. - No falemos mais nisso - retorquiu Alex. - Acho que devemos prosseguir quanto antes na nossa fuga - alvitrou o argentino. - Concordo. Aqui, no estamos muito seguros - disse Alex. - Mas, primeiro, tra72 temos de reconhecer os despojos da vitria. Os soldados deviam trazer alguma coisa que nos pode ser til. Paco achou a lembrana magnfica, e, seguido do belga e do checo, dirigiu-se para a vala, no stio onde o corpo do sargento Weiss tinha rolado. O alemo estava estendido, de borco, entre os pedregulhos que formavam o leito do fosso. Roger voltou-o. A expresso era serena. Apresentava alguns arranhes, produzidos na queda. A farda estava furada, no lado esquerdo, na altura do corao. -Belo tiro! - comentou Paco. Contemplando a sua vtima, Alex teve um gesto triste, e disse: - Sinto grande aborrecimento, sempre que tenho que matar um homem. -Era um canalha! - observou Lopez. -Mesmo um canalha, no tnhamos o direito de mat-lo. - Mas matava-nos ele, com muito prazer - objectou vivamente o argentino. -A salvao dos meus camaradas que desculpa, perante a minha conscincia, o crime que fiz . -Mataste tantos em combate! - exclamou Paco.- S o indispensvel para ser bom soldado ; nenhum mais - redarguiu o checo. 73 Paco calou-se, lanando-lhe um olhar de incompreenso. Roger tinha estranho fulgor nos seus olhos de menino. Talvez no atingisse as razes de conscincia que levavam o checo quele desabafo, mas as suas palavras chocavam-no muito no ntimo, despertando-lhe sentimentos que at ento nunca experimentara. Placidamente, Alex j desapertava o cinturo do morto, tirando-lhe a pistola, as munies e o cantil, e entregando tudo ao argentino. - Guarda - disse ele. - Estas munies podem ser precisas. Como a tua pistola se encravou, deita-a fora. -Ele deve ter dinheiro - lembrou Lopez. Alex lanou-lhe um olhar duro e frio. -No somos salteadores - pronunciou secamente. ,, Muito confuso, Lopez calou-se e comeou a ajeitar os despojos no cinturo. Dirigiram-se, depois, para o local onde tinham cado os dois soldados, atingidos pelos tiros certeiros de Roger. Ambos estavam mortos, um com uma bala no meio da testa, o outro perfurado no ventre. Jaziam num lago de sangue. O checo tirou-lhe as armas e os cantis, que distriburam entre si. Alex ficou com mais uma pistola e algumas munies, pendurando outro cantil no cinturo. 74 -Agora, afastemo-nos o mais depressa Possvel - ordenou o checo. - Tenho o pressentimento de que os cavaleiros que vimos passar, de manh, em direco a Oeste, no devem tardar em voltar, para se juntarem ao sargento Weiss, neste local. Os cavaleiros deviam ter partido de Dar-Riffien, de madrugada, ao mesmo tempo que o sargento metia pernas a caminho, com os seus homens. Estes vieram a p e deviam ter chegado momentos antes de entrarem neste combate fatal. Se vocs no tivessem sado da furna, talvez se tivesse evitado a batalha. - Mas samos vencedores, o que importa - disse o argentino. -Escapmos por pouco. Tivemos sorte. Parece que um gnio bom vela por ns observou Alex, encaminhando-se para a trincheira, cujo fundo pedregoso comeou a trilhar, seguido de Paco e de Roger. Avanaram por muito tempo, aos torcicolos, ao longo da montanha, com rumo a Leste. Paco e Roger no sabiam que itinerrio o companheiro pretendia seguir agora, mas perceberam que, ao contrrio do projectodessa madrugada, em vez de atingir os primeiros contrafortes do Grande Atlas, lhes voltava decididamente o dorso. 75 Lopez no pde conter-se que no observasse, ao cabo de meia hora de silenciosa caminhada: -Afinal, vamos a marchar em sentido oposto ao que planeramos... -Parece-te - retorquiu Alex, sem se voltar. - que o aparecimento dos nossos perseguidores nos obriga a dar uma volta maior. Os cavaleiros passaram para os lados do Grande Atlas, supondo que tivssemos tomado o rumo do Atlntico. Em breve, notaro que se enganaram e ho-de retroceder, para comunicar as suas impresses ao sargento Weiss, que decerto combinara aguard-los aqui. Talvez, encontrem os cadveres e suponham que no devemos estar longe. Ora, no temos a certeza de ser to bem sucedidos com a cavalaria, como fomos com a infantaria... Vamos interpor um obstculo de certo peso. Alcanaremos a plancie que fica entre esta cordilheira e a que vemos em frente, que o Atlas do Saara. Nesses terrenos baixos, h pntanos e lagos, esplndidos para os cavaleiros se atascarem e correrem at o risco de por l ficar. Ns, porm, mesmo s escuras, havemos de encontrar passagem por entre os pntanos e alcanar a encosta fronteira. Do outro lado, h uma aldeia indgena que, pelo dio que tem aos espa76 nhis, no se importaria de auxiliar todos os soldados a desertar. Tenho l um grande amigo rabe, que deve sentir muito prazer em auxiliar-nos. Se at ento Alex era alvo de profunda admirao, por parte dos companheiros, a partir da sua interveno oportuna no momento perigoso, esse sentimento transformara-se em venerao. Bebiam sofregamente as palavras que ele pronunciava. medida que o checo ia desenvolvendo aquele novo plano de jornada, sentiam que tudo devia suceder tal como afirmava. Realmente, havia aqueles terrenos pantanosos. Tanto Roger como Paco ouviram falar deles por vrias vezes, e sabiam que algumas pessoas l tinham cado para sempre. Alex pretendia transformar os perigos da regio, que poderiam ser fatais a outros fugitivos inexperientes, em factores em seu favor, em defesas naturais que fossem grandes perigos, sim, mas para os seus perseguidores. Quando chegaram ao termo das longas trincheiras, foram obrigados a saltar para o dorso da montanha. Alex passeou demoradamente em redor o seu olhar perscrutador.No se via sinal de vida. Tudo era silencioso e s. O Sol comeava a cair para ocidente e seus raios haviam perdido bastante da ardente violncia. 77 - Parece que no haver grande perigo em caminharmos agora a descoberto - disse o checo. - No vejo coisa alguma suspeita concordou Paco. Principiaram a descer a montanha, que ia perdendo a sua aridez Aqui e ali, j se notavam alguns vultos isolados de rvores, que lutavam por viver naquela solido. Erva crestada pelos sis tornava o terreno escorregadio. Entardecia brandamente. Nem uma leve brisa corria e o ar era morno. Com mais frequncia, aves sulcavam o espao. Algumas, enormes, de grandes asas escuras, pairavam no alto, recortadas no fundo do cu azul, que empalidecia. A noite avizinhava-se, e com ela uma estranha melancolia se insinuava no nimo dos caminhantes. Tinham atingido o terreno plano. Respiravam o ar hmido que se desprendia de uma relva verde rasteira, que pisavam como imenso tapete fofo. Alex quebrou o silncio e disse : - Agora, temos que fazer o impossvel para no sermos apanhados. Se voltssemos ao Trcio, j no respondamos apenas pelo delito de desero. Tnhamos que dar conta de trs vidas... Seria afrontar o peloto de execuo. Estas palavras adquiriram um tom fatalista, 78 naquele ambiente estranho, em que as coisas envoltas num crepsculo rpido haviam tomado subitamente um aspecto irreal. - Que a boa estrela nos proteja... - murmurou, mansamente, o argentino, erguendo os olhos ao Cu, onde brilhava j um astro distante, anunciando a noite. E perguntavam a si prprios como iria decorrer a segunda noite da sua evaso. CAPTULO VI A merc da trovoada e da cheia A noite cerrara-se por completo Sob os seus ps, o terreno amolecia, no oferecendo mais resistncia do que uma espessa alfombra, e, conforme iam avanando, ia-se tornando mais pastoso, como se, por baixo da relva que o cobria, guisa de epiderme, s houvesse lama impregnada de gua. Paco Lopez j soltara algumas pragas. Estava arrependido de ter trocado as suas botas grossas do equipamento por aquelas babuchas de enfiar nos ps como chinelos, que o incomodavam mais do que se marchassedescalo. - Teria certa graa - comentara Alex, 79 que seguia na frente, a fim de escolher o melhor caminho - que ns, disfarados de mouros com estes albornozes, trouxssemos nos ps as botifarras de legionrios. -Seria gato escondido com rabo de Fora - observou Roger, que fechava a marcha daquele pequeno cortejo. A noite era de uma serenidade magnfica, O cu, recamado de estrelas, reflectia-se nos charcos que ladeavam o caminho. Em alguns desses charcos, a gua estagnada desde as ltimas chuvas, e nuvens de mosquitos assaltavam os legionrios, picando-lhes o rosto e as mos, com voracidade. Por mais que agitassem os braos para os afastar, no os largavam. Voltavam sempre, em nuvens cada vez mais espessas e impertinentes. Alex e Roger sofriam-lhes as investidas com pacincia, mas o argentino no cessava de blasfemar: No sabia para que Deus fizera os mosquitos. Um animal to pequeno no tinha o direito de existir. Antes os animais grandes, com vulto bastante para serem visados por um bom rifle de caa. - Levaremos muito tempo para atravessar estes pntanos? - inquiriu ele. - Toda a noite, se no surgir algum imprevisto - respondeu Alex. - Toda a noite... - repetiu Paco, em 80 voz desalentada. - E, mesmo que quisssemos interromper a viagem, no nos poderamos deitar nesta lama, nem sentar uns momentos, a descansar... - Temos que marchar sempre, at encontrar terreno firme - disse o checo. Creio que s nas faldas do Atlas do Saara o encontraremos. E oxal no haja mais contrariedades do que a dos mosquitos. - Mas haver coisa pior?! - exclamou o argentino. -Pior do que os mosquitos s os lees! - lembrou, l da retaguarda, o belga, que recuperara o seu esprito e se sentia optimista, desde que Alex os salvara da perseguio do sargento Weiss. Alex soltou uma risada e Paco, numa daquelas fanfarronadas que lhe eram peculiares, replicou: - Prefiro os lees, hombre, desses no tenho medo. Alex parara, de sbito, a orientar-se. No havia luar, mas a visibilidade era relativamente boa. Depois de passar a vista em redor, recomeou a marcha, sem dizer palavra. Intrigado com a sua atitude, o argentinoperguntou: - Que h? - Nada - respondeu secamente o checo. Um Salto no Desconhecido - 6 81 Continuaram, em silncio, durante mais de meia hora. Subitamente, Alex avisou: - preciso mais cuidado com o terreno. Sigam sempre sobre os meus passos. Vamos a caminhar entre dois pntanos perigosos. Seus companheiros, seguindo a recomendao, procuravam pr os ps sobre as pegadas de Alex. Por vezes, enterravam-se ,at aos tornozelos. E, como as babuchas ficavam, a cada passo, enterradas na lama, resolveram caminhar descalos. De repente, um grito varou a noite silenciosa. Alex volveu-se rapidamente, reconhecendo a voz de Paco Lopez, que se afundava na lama do pntano. Ainda lhe pde deitar a mo ao albornoz. O argentino agarrou-se ao companheiro com o desespero de um nufrago. Alex sentia-se escorregar para o sorvedouro. No conseguia firmar-se, por mais esforos que fizesse. Ambos iam submergindo irremediavelmente. - D-me a tua mo, mas no saias da terra firme! - bradou Alex para Roger, que j tentava aproximar-se, mas que receava perder o p. O belga ajoelhou-se na estreita passagem firme e lanou a mo possante que o checo lhe estendia. E, assim, de joelhos, num equilbrio difcil, conseguiu, primeiro, 82 deter a submerso dos dois homens. Mas faltava o pior: arranc-los ao sorvedouro. A imerso quintuplicava-lhes o peso. Paco j estava submerso at ao peito e Alex at cinta. Quanto mais esbracejassem, mais rapidamente se afundariam no terreno movedio. Roger fazia esforos desesperados para os deter. Mas, por motivos de equilbrio, s os podia segurar com a mo direita. O brao esquerdo mantinha-o ele estendido para auxili-lo no -esforo. A mo de Roger era como uma garra: o que segurasse nunca mais largava. Durante um minuto, manteve-se aquela situao angustiosa. Nem a submerso prosseguia, nem viam meio de sair do pntano. Roger, ento, soltou como que um rugido. Alex sentiu que ele lhe apertava a mo at lhe fazer estalar os ossos. Os dois corpos oscilaram na lama. Um empuxo, e emergiram uns escassos centmetros. Mais dois empuxes enrgicos, e Alex sentiu que o lodo descia. Enfim, pde arrancar umaperna daquela armadilha mole, viscosa, e pr p em terreno firme. Ento, foi fcil tirar o argentino como quem saca uma rolha de uma garrafa, ou um dente de uma gengiva. Ao sentir-se salvo, Paco soltou todas as 83 terrveis pragas do seu reportrio, esquecendo-se de agradecer aos companheiros. - Se no fossem os msculos de ferro de Roger, ficvamos l os dois! - afirmou Alex. - No sei como Paco arranjou este sarilho, depois de eu ter recomendado que no se afastasse dos meus passos... - Nem eu, homem! - exclamou o argentino. - Creio que foi uma distraco minha... No percebo... -Parece-me - comentou Roger, de bom humor - que Paco vai preferir agora as picadas dos mosquitos morte por asfixia no pntano... Efectivamente, os mosquitos no cessavam de persegui-los. E, como a lama lhes ficara agarrada s vestes mouras, constituindo chamariz, as nuvens dos malditos insectos tornavam-se mais numerosas e abafadias, no lhes dando um segundo de descanso. No entanto, Paco confessava preferir os mosquitos impertinentes ao sorvedouro pantanoso. Refeitos do susto, prosseguiram na perigosa jornada. Lopez ia agora mui atento s passadas que Alex dava cautelosamente, na sua frente. Embora no tivessem subidas, nem tropeos, aquele gnero de marcha no deixava de ser tanto ou mais fatigante do 84 que a travessia da montanha. A cada passo seus ps enterravam-se no lodo at ao artelho, obrigando-os a um esforo montono e persistente. Sapos coaxavam, num coro ininterrupto, a que os ouvidos se habituaram, por fim. S eles davam sinal de vida, naquele ermo. Em certos locais, adivinhava-se um pequeno lago de gua mais lmpida, que brilhava como uma imensa chapa de ao, cada na plancie. A, os mosquitos eram menos numerosos, indicando que o lquido corria para algures e se mantinha mais puro. Tinham a impresso de ter percorrido o dobro do caminho que haviam feito na noite anterior. Paco, pelos seus clculos, entendia que no devia tardar o nascimento do Sol, muito embora nada confirmasse tal assero. Para o convencer, Alex conseguiu, luz das estrelas, pois no convinha acender fsforos naquele descampado, ver a posio dos ponteiros, no relgio. - Uma e dez... - informou ele.- Por Dios ,- exclamou o argentino. Esse relgio est parado! No estava. A ansiedade de Paco que marchava muito depressa. Mesmo que quisessem estugar a marcha, o terreno no lho permitia, e a boa prudn85 cia era auxiliada pela dificuldade daquela pista traioeira, onde no convinha avanar um p, sem saber bem onde assentar o outro. Alex calculava que, a terem que manter durante toda a noite aquela marcha, no dia seguinte estariam to fatigados que dificilmente se poderiam mover. E ele no se sentia em segurana, enquanto no tivesse transposto o Atlas do Saara, para onde se encaminhavam. Pensava que ainda lhes restavam mais duas noites de boa marcha, atravs dos montes, para alcanarem as proximidades de Figig. Mas essa marcha s a poderiam fazer, desde que estivessem em boas condies fsicas; de contrrio, em vez de duas noites, gastariam quatro, para transpor os montes. O problema da alimentao no o preocupava muito. Tencionava, na aldeia indgena, em plena serra, reabastecer-se, e, se fosse necessrio, confiado proteco de um amigo leal, que era o rabe Abd-el-Rham, repousarem a bom recato umas vinte e quatro horas, pelo menos. Paco e Roger ignoravam as preocupaes de Alex, que tinha que pensar por eles no dia de amanh. Sentir-se-iam bem felizes se encontrassem um abrigo prximo, onde pudessem repousar o resto da noite. Alex parecia adivinhar-lhes os pensamentos. Um 86 repouso tambm lhe saberia bem. Mas onde, se, naquele terreno encharcado, no havia um palmo onde pudessem sentar-se por momentos? Cercava-os aquela imensa desolao. Nada aparecia que lhes incutisse esperana num abrigo para o resto da noite. Foram-se arrastando, porque parar seria pior. O tempo esfriara e comeara a soprar um ventozinho cortante, que varria a plancie, sem encontrar estorvos. Paco notara que algumas nuvens ocultavam as estrelas, aqui e alm, e no pde reter uma observao pessimista: - Parece que vamos ter mau tempo. Ao checo no passara despercebida aquela mudana, mas calara-se, para no causar inquietaes aos companheiros. Compreendera que, se lhes faltasse a luz das estrelas, no enxergariam o caminho, e o risco de carem em algum pntano aumentaria consideravelmente.A visibilidade era cada vez mais difcil, tornando a situao muito grave. Alex via-se forado a parar, de momento a momento, para tactear o terreno com o p. Nos instantes em que a escurido era menos densa, estugavam passo, para recuperarem o tempo perdido nas hesitaes. Roger teve ento uma lembrana. 87 - Tenho aqui uma corda - disse ele. Podemos amarrar-nos uns aos outros, de forma que, escorregando um, os outros o detenham. - Excelente ideia! - aprovou Alex. a tctica dos alpinistas... Atou fortemente a ponta da corda em volta da cintura, Paco fez outro tanto, por forma a ficar uns dois passos distante de Alex. Roger quedou mais atrs, amarrado outra extremidade. O expediente fora til, porque marchavam mais afoitamente. J no tinham medo de que lhes sucedesse percalo como o que os ia vitimando. Prosseguiram mais corajosos. No teriam avanado uma centena de passos, quando Alex, escorregando na lama, se precipitou no pntano. Paco e Roger firmaram-se a tempo e arrancaram-no imediatamente do lodaal. A ideia do belga estava dando excelentes resultados. S no caso inadmissvel de carem os trs ao mesmo tempo no pntano, aquele sistema de salvao seria improfcuo. Apesar da noite se tornar cada vez mais escura, j no tiveram tantas hesitaes. De onde em onde, Alex caa num atoleiro, mas at j achavam essas quedas divertidas, pela facilidade com que se desembaraavam. - Tiveste uma ideia genial! - disse o argentino, dirigindo-se a Roger. 88 As preocupaes dos trs fugitivos principiaram a ser outras. que a noite tornara-se escura como breu e o vento soprava a rajadas intermitentes cada vez mais impetuosas. J no se via uma estrela no cu. - Oxal me engane, mas parece-me que vamos ter chuva - disse Lopez, apreensivo. - No devemos escapar de apanhar Alguma - concordou Alex. - Seria ptimo, para nos lavar as roupas que esto todas enlameadas - gracejou Roger. - Sim, teria essa vantagem - anuiu Alex. - E no pensaste, que, se viesse uma dessas chuvas torrenciais, as guas subiriam; de tal forma que ficaramos para a a nadar? Mas, mesmo que no subam tanto, deixaro o terreno de tal forma empapado que no poderemos distinguir o pntano do terreno consistente e poderemos contar com a morte certa.Paco sentiu um arrepio. A ideia de ficarem para ali atolados, sem esperana de salvao, perdidos na noite escura,