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UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DA PAZ – GOIÁS CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA ANDREOLY NOGUEIRA MONÇÃO PARA ALÉM DA FUGA DA REALIDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSUMO DE PSILOCIBINA E A RELAÇÃO COM A DIMENSÃO RELIGIOSA DA PSIQUE. GOIÂNIA, 2017

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UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DA PAZ – GOIÁS

CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

ANDREOLY NOGUEIRA MONÇÃO

PARA ALÉM DA FUGA DA REALIDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSUMO

DE PSILOCIBINA E A RELAÇÃO COM A DIMENSÃO RELIGIOSA DA PSIQUE.

GOIÂNIA, 2017

ANDREOLY NOGUEIRA MONÇÃO

PARA ALÉM DA FUGA: CONSIDERAÇÕES SOB O CONSUMO DE PSILOCIBINA E A

RELAÇÃO COM A DIMENSÃO RELIGIOSA DA PSIQUE.

Trabalho de conclusão de curso para a obtenção de certificado de Formação em

Psicologia Analítica, curso realizado pela Universidade Internacional da Paz –

Goiás, em parceria com o Instituto Olhos da Alma Sã, sob a orientação do Prof

Ms. Ronaldo Celestino.

Goiânia, 2017

Sumário

1 - INTRODUÇÃO.....................................................................................................................4

1.1 Um pouco da história da Psilocibina.................................................................................6

1.2 Espiritualidade e religião.................................................................................................12

2. A pesquisa de Roland Griffths com o uso de psilocibina.....................................................14

2.1 Jung, a psilocibina e a dimensão religiosa da psique......................................................18

3 - Considerações Finais:..........................................................................................................40

4 - Referências bibliográficas das Obras Completas de C.G Jung...........................................43

5 - Referências bibliográficas secundárias:...............................................................................44

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1 - INTRODUÇÃOPor milhares de anos se torna evidente que o consumo de substâncias psicoativas por

parte de seres humanos prossegue em que principalmente povos primitivos usavam para

estabelecer contato com outras dimensões em completo estado alterado de consciência,

estando por diversas vezes em contraponto com o estado do ego. Por outro lado, culturas

regionais, arte e beleza, foram influenciadas por elementos desse manancial, devendo-se

assim consideração e estudos minuciosos advindos de diversos teoremas, além de ter

influenciado a atual cultura ocidental e oriental. A religião sempre esteve em foco nos espaços

amplos e discutíveis das ciências gerais, e para tal, seus objetos de estudo sempre foram

variados: o discurso, o espaço, a temporalidade, da onde fala o tempo, etc. Tudo isso pode ser

compreendido ou ao menos provável através da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.

Jung desde sua relação estreita com Sigmund Freud questionou-o acerca da visão da religião

propagada pelo pai da psicanálise. A psicologia junguiana, no entanto, tem sido ignorada

muitas vezes pelos círculos acadêmico-científicos sendo acusada de anticientífica por não

possuir fundamentação empírica. Não somente isso. O discurso equivocado surge de

pressupostos preconceituosos, sendo a religião considerada para Jung um fenômeno da alma

humana intrínseca à sua natureza e condição humanas.

Essa condição da psicologia analítica cedeu espaço legítimo para Jung estudar a

religião sobre um ponto de vista imprescindível, demonstrando maior interesse, assumindo

segundo ele uma posição de primazia. Seu interesse pela religião fundamentado em sua

biografia parece estar vivo também durante os primeiros anos da faculdade de medicina na

Basileia, e lá se expressa como tema de seus primeiros escritos.

Jung debruça-se sobre o espírito da religião, da metafísica e de outros princípios

filosóficos como alternativas ao penoso sistema materialista-cartesiano vigente e que para ele

era inverossímil para a alma humana, pois esta concorre à totalidade diante de acontecimentos

misteriosos e que em suma, ninguém sabe o que será dela.

O presente trabalho para a obtenção do diploma de formação em Psicologia Analítica

vai além da mera necessidade desta. O tema surge como assunto que ainda é taxado por

polêmico e considerado tabus em muitos círculos acadêmicos, além de verificar incipientes

pesquisas no meio junguiano, sendo necessários os devidos levantamentos entre pesquisas

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qualitativas e quantitativas acerca do tema numa desconstrução e deslegitimização dos

discursos oriundos do senso comum.

A partir do interesse pelo que se denomina de substâncias psicoativas me propus a

estudar sobre os compêndios existentes de psicodelia, assim como bibliografias especializadas

tendo como coerência a metodologia de pesquisa analítica por se tratar de uma reflexão a

partir de elementos junguianos nas pesquisas feitas por R.R. GRIFFTHS e outros.

É importante ressaltar que as publicações sobre efeitos das substâncias psicoativas,

há muito pouco para o Psilocibinum em si. No próximo tópico será dado um breve resumo

histórico sobre essa substância. Igualmente, igualando-se a pouquíssimas publicações a

respeito no que concerne às publicações de cunho junguiano o caráter adoecedor e nosológico

é reforçado, principalmente pelo autor e analista italiano Luigi Zoja em seu livro “Nascer não

basta”, onde o mesmo associa a periculosidade da droga às manifestações banais referentes ao

consumo de alucinógenos, baseando-se em Elidade quando comenta sobre as diferenças de

uso do mundo arcaico para o mundo contemporâneo onde o profano e o sagrado se misturam,

não sobrando espaço para o uso sacro das substâncias psicoativas como meta contemplativa

do estado alterado de consciência. Zoja (1992) é considerado na literatura junguiana como

ícone na temática sobre o consumo de psicoativos e traz importantes contribuições como, por

exemplo, o que subjaz no consumo indiscriminado sem nenhuma cautela. Porém, suas

discussões acerca do consumo gera contestações. Diferentemente de Zoja, atualmente existem

profissionais em saúde mental cada vez mais ligados às pesquisas científicas e manejo das

substâncias psicoativas configurando uma nova abordagem de compreensão de tais,

contrariando a visão retrógrada do proibicionismo e da aturdida guerra às drogas, que em

suma significa guerra contra o consumidor recreativo ou propriamente adicto. O que Zoja

concebe será discutido posteriormente no item dois.

Partindo de tais considerações, resta dizer que o interesse pela formação desse

trabalho coincide com o interesse do autor pela redução de danos, conjunto de medidas

proativas que valoriza a autonomia do usuário de drogas e que promove ações visando

diminuir o impacto negativo dos efeitos alucinógenos causados pelas assim denominadas bad

trips, conscientizando o consumidor e garantindo melhor qualidade de vida ao uso. E com isso

procuro observar se há cuidado e conhecimento em relação ao uso e suas intenções. Ressalto

que isto não significa apologia às drogas, mas tão somente um chamamento à emergência de

uma nova consciência para os novos tempos.

Nas palavras de Dartiu Xavier (Xavier apud Beserra Fernando, 2006, p.4):

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“O consumo de substâncias psicoativas constitui fenômeno

relativamente frequente, sobretudo entre os jovens. Um grande

contingente de pessoas experimenta tais substâncias. Destes, uma

parcela considerável passa a fazer uso de forma ocasional, na maior

parte das vezes sem consequências danosas. Uma pequena parte destes

usuários ocasionais passa para padrões de uso de risco, e, alguns deles,

vêm a se tornar dependentes. ”

Na segunda parte será descrita a pesquisa em que o médico Griffths e colaboradores

submeteram pacientes com câncer em estado terminal a dosagens de psilocibina e avaliações

sobre os quadros, mostrando que a psilocibina presente em cogumelos alucinógenos pode

gerar resultados ainda melhores do que a medicina atual no tratamento contra os transtornos

psicológicos que mais atingem essas pessoas: depressão e ansiedade patológica por alterar a

senso percepção do sistema nervoso central.

Na terceira parte será feita uma análise pormenorizada sobre os conceitos junguianos

suscitando reflexões importantes quanto ao aspecto terapêutico e visando também

desconstruir as estruturas ilógicas do preconceito contra o consumo de substâncias

psicoativas, mostrando que há possibilidades de sermos auxiliados caso seja obedecido um

criterioso processo, e que é cada vez mais urgente sair deste estado comum para um estado de

crítica reflexiva e relevância social.

1.1 Um pouco da história da Psilocibina

Rica história ancestral. Assim pode-se definir o surgimento da psilocibina para

muitas culturas sendo representada como a divindade capaz de expandir a consciência através

de realidades sagradas e no que Grof (2000) denomina de estados não comuns de consciência

ou holotrópico. Este estado se diferencia do estado comum da consciência, que ainda segundo

Grof (2000), “identificamo-nos com apenas uma pequena fração de quem somos. ” Portanto,

em miúdos, estes estados permitem a transcendência para um estado total.

Inúmeros registros demonstram o consumo de substâncias psicoativas para muitos

fins, entre eles principalmente, espirituais e místicos, transições para o Além ou iniciações de

homens e mulheres nas tribos indígenas em perfeita sintonia com os caracteres não comuns da

consciência e psique, que segundo GROF (2000) “permitiam para os nativos, um direto

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contato experiencial com as dimensões arquetípicas da realidade – divindades, reinos

mitológicos e forças numinosas da natureza”.

A psilocibina cuja principal substância psicoativa (aqui denominaremos SPA) é

encontrada em variedades de cogumelos principalmente dos gêneros Psilocybe, Conocybe.

Durante milênios foi utilizada por diferentes povos e culturas para fins sobrenaturais,

psicodinâmicos e de fenômenos interiores em que se podia entrar em contato com um

princípio vital maior do que a mera realidade podia estabelecer (GRIFFITHS, 2011). Cito

aqui, por exemplo, os Maias, Astecas e Maztecas no México. Pinturas antigas de cogumelos

com humanóides que datam de 5000 a.C., foram encontradas em cavernas do planalto de

Tassili, no norte da Argélia. Os povos da América do Sul e Central construíam templos aos

deuses cogumelos, esculpindo “pedras cogumelos”. Trata-se ainda de um alucinógeno com

semelhanças a outros tais como LSD, DMT e a mescalina. Tratam-se de fungos que nascem

naturalmente em esterco de gado.

O princípio ativo desta substância psicoativa foi descoberto e isolado em 1953 por um

pesquisador russo, Gordon Wasson. Os estudos de Wasson demonstram uma vida marcada

por amor aos fungos. Suas publicações incluem: "Mushrooms, Russia, & History"; "The

Wondrous Mushroom; Mycolatry in Mesoamerica"; "Maria Sabina and her Mazatec

Mushroom Velada"; e "Persephone's Quest: Entheogens and the Origins of Religion".

Trata-se de um psicodélico novo para a ciência, sendo o isolamento de seu princípio

ativo descoberto após outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes, e do LSD, anterior

em uma década. Cinco anos após a identificação pelo pesquisador russo Wasson, Albert

Hoffman, o descobridor do LSD, foi o primeiro cientista a isolar o princípio ativo e a

descrever sua estrutura: o alcalóide de cor azul – isto significa que após a retirada, abaixo de

seu chapéu e caule formam uma coloração azul –, na verdade eram dois deles e foram

batizados de Psilocibina e Psilocina,Psilocybe. Ambas se convertem em um processo

biológico dentro do próprio corpo humano denominado fosfolarização, mas os dois

compostos são naturalmente encontrados nos cogumelos, sendo o primeiro deles verificado

em maior porcentagem.

Na literatura podemos acompanhar citações de experimentos visionários com outras

substâncias similares à psilocibina, desafiando as razões materialistas de até então, sendo uma

alternativa para a apreensão dos processos biológicos, psíquicos e sociais; desafiando o

movimento da contracultura e problematizando assim os esquemas do paradigma positivista.

Como principal exemplo, cito aqui Aldous Huxley autor do livro – As portas da percepção e o

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céu e o inferno – relatando as visões e impressões que teve logo após servir de cobaia num

experimento com mescalina, substância psicoativa achada em determinada espécie de cacto, o

peiote. O mesmo é considerado o grande iniciante e explorador de práticas psicodélicas no

mundo da literatura.

A psilocibina surge no meio científico de forma similar às descobertas de outros

alucinógenos no intuito de suscitar uma emergencial linha de pesquisa médica. A psilocibina

entrou decisivamente para a família daqueles estranhos e misteriosos alcaloides que vinham

desafiando a percepção sobre a natureza da mente humana. Em 1959, a psilocibina já se

tornava a protagonista de uma série de estudos científicos, principalmente relativos à prática

psicoterápica auxiliada por psicodélicos. Uma pesquisa francesa do médico Jean Delay,

intitulada Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas, administrou a

psilocibina em 13 pacientes saudáveis e em 30 pacientes diagnosticados com transtornos

mentais e concluiu que a substância, menos alucinógena que a mescalina e menos intensa que

o LSD, possuía um significativo potencial enquanto ferramenta terapêutica. No mesmo ano,

Delay, pioneiro na pesquisa sistemática da psilocibina nos domínios psiquiátricos, deu

continuidade à investigação, publicando o artigo (Primeiros Ensaios da Psilocibina na

Psiquiatria), onde conclui que a substância, enquanto auxiliar psiquiátrico, é capaz de

provocar melhor acessibilidade aos conteúdos do paciente, assim como desencadear efeito

psicolítico, ou seja, liberar estes conteúdos na forma de revivências (geralmente da infância),

estímulos da memória afetiva e eventos traumáticos. Neste sentido, a psilocibina

“desempenha o papel de intermediário entre elementos conscientes e elementos perdidos que

se tornaram inconscientes”. (ZOJA, 1992).

No mesmo ano, o psiquiatra alemão F. Gnirss desenvolveu uma pesquisa intitulada

Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana, através da qual,

ao administrar a substância em um grupo de 18 pacientes saudáveis, conclui que é um

psicotrópico de eficaz potencial terapêutico.

Em 1960, outra pesquisa francesa, desenvolvida pelo psiquiatra A. M. Quétin

resultou em conclusões similares ao administrar em um grupo de 32 pacientes saudáveis e 68

pacientes diagnosticados com quadros psicóticos. No mesmo ano, o psiquiatra R. Volmat,

também francês e que já vinha desenvolvendo pesquisas sobre a estética produzida por

pacientes que sofriam de transtornos psíquicos, investigou a prática artística influenciada pela

adição da psilocibina em 21 pintores amadores e profissionais. As conclusões mostraram que

os artistas experienciaram “revelações” e novas propostas estéticas, através das quais a

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substância permitia ao pintor o “reconhecimento de um mundo visionário e colorido”. Ainda

aqui podemos citar as contribuições sobre o estado das cores e das visões a partir da leitura do

livro de Aldous Huxley, já citado.

Ainda em 1960, os psicólogos americanos Timothy Leary e Richard Alpert

encabeçaram um projeto na Universidade de Harvard sob o nome de Harvard Psilocybin

Research, do qual fizeram parte também Aldous Huxley, o Presidente da Associação

Psiquiátrica Americana. Durante o programa, que durou de 60 a 62, uma série de

experimentos foi desenvolvida para investigar as implicações da psilocibina sobre a natureza

dos distúrbios psicóticos, tratamento de desordens de personalidade e psicoterapia auxiliada

pelo seu consumo.

Até o momento drástico em que os psicodélicos escaparam dos laboratórios e

tornaram-se os protagonistas de uma batalha política e, em função da política norte-americana

da Guerra às Drogas, foram terminantemente proibidos, inclusive no universo científico, a

psilocibina foi o centro de diversas investigações. Até o final dos anos 60 e início dos 70,

quando os Estados Unidos responderam violentamente a Contracultura, movimento do qual

fazia parte expressiva a utilização destas drogas, os principais estudos concentravam-se em

traçar paralelos entre as três principais substâncias do grupo – LSD, mescalina e psilocibina –

e em examinar a potencialidade psicoterapêutica e possível relação entre os estados alterados

de consciência provocados pelo consumo destes. Com a medida que pôs fim às pesquisas, e

através da qual o governo norte-americano arbitrariamente cancelou toda e qualquer qualidade

científica dos psicodélicos, a psilocibina foi, assim como os demais, silenciada, apenas

voltando aos laboratórios após quase trinta anos.

Assim como a mescalina, apesar de uma recente e conturbada história ocidental e de

representar uma novidade científica, a psilocibina nos remonta a eras antiquíssimas e possui

uma complexa carga histórica.

“A utilização cerimonial de várias substâncias psicodélicas também

tem uma longa história na América Central. Plantas que alteram a

mente com muita eficácia eram bastante conhecidas em várias culturas

indígenas pré-hispânicas – entre os maias, astecas e toltecas. As mais

famosas entre elas são o cacto mexicano peiote, o cogumelo sagrado

[...]” (GROF, 2000)

A ingestão representava uma união entre o princípio de realidade e as fantasias

pertinentes aos efeitos psicodélicos. Uma relação através da qual se faziam adivinhações,

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premonições e curas, e através da qual se podia comunicar-se com os espíritos superiores,

induzindo a diversos estados de espírito. Percebemos na utilização destas substâncias um

aspecto antropológico e de cunho coletivo para a criação e manutenção de uma comunidade.

O consumo da psilocibina e outros foram rapidamente caracterizados pelo poder

religioso vigente como culto ao demônio ou a espíritos maus governados por Satanás, que o

estado de “embriaguez” era provocado pelas forças do mal, e em que as previsões, visões

coloridas, adivinhações e revelações eram concebidas pelo próprio Diabo. Tal costume

identificado como idolatria deveria ser “curada” pelos pastores protestantes ou missionários

católicos, foi intensamente combatida pelos missionários que contavam, inclusive, com

estratégias de catequização a fim de acabar com esse conjunto complexo de comportamentos,

atendendo aos pedidos da Inquisição.

A partir deste momento e até os dias de hoje, a psilocibina tornou-se novamente o

centro de diversos estudos. Em 2004, o psiquiatra norte-americano Charles Grob, da

Universidade da Califórnia, desenvolveu uma pesquisa que investigou o químico enquanto

fator terapêutico em pacientes com câncer em estado terminal em 12 pacientes. O estudo, que

procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade

de vida dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização clínica da

substância. (GROB, 2007, p. 205-216).

Em 2006, o psiquiatra Francisco Moreno, da Universidade do Arizona, iniciou uma

pesquisa sobre o uso terapêutico da substância em pacientes diagnosticados com distúrbio

obsessivo-compulsivo que resistiram a outros tipos de tratamento, assim como para fins de

teste de segurança do alcalóide no organismo. As conclusões reportaram que todos os

pacientes, da amostra de 9, experienciaram melhorias nos quadros obsessivos compulsivos

durante o período da experiência. Apesar uma pequena pesquisa, com uma amostra e um

alcance não tão significativos, Moreno reportou seu ânimo diante da potencialidade da

substância: “O que vimos foi uma drástica diminuição dos sintomas durante um período de

tempo. As pessoas diziam que não se sentiam tão bem há anos”.

Em outro estudo, do mesmo ano, liderado pelo neurocientista americano Roland

Griffiths, (que nós iremos nos ater durante a análise junguiana) da Faculdade de Medicina da

Faculdade Johns Hopkins, foram administradas doses de mescalina a 36 pacientes saudáveis a

fim de se investigar os mecanismos da experiência psicodélica que afetam a percepção e

cognição. Cerca de dois terços dos voluntários relataram haver vivenciado uma completa

experiência mística, caracterizada por uma sensação de unidade com todo o universo.

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Quatorze meses após a administração das doses, Griffiths os entrevistou novamente: os

pacientes ainda atribuíam à experiência altos níveis de satisfação transcendental e a

associaram ao crescente bem-estar que sentiam desde então, inclusive relatado pelos

familiares e pessoas próximas.

“A maioria dos voluntários conseguia se lembrar de suas

experiências 14 meses depois e as classificavam como uma das cinco

experiências espirituais mais significativas já vividas, comparando-as

com o nascimento de um filho ou a morte do pai ou da mãe. É

fantástico passar por uma experiência assim tão marcante. Mais

fantástico ainda é ela ainda ser significativa 14 meses depois.

Experiências como essas são inesquecíveis”, afirma Griffiths.

Ainda em 2006, temos a pesquisa do psiquiatra norte-americano John Halpern, da

Universidade de Harvard, que investigou os efeitos terapêuticos da psilocibina e do LSD em

pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa conhecida como enxaqueca em salvas.

22 dos 26 pacientes em que foi administrada psilocibina e 25 dos 48 em que foi administrado

LSD reportaram diminuição dos ataques e alguns até mesmo a remissão por períodos

extensos.

Nas primeiras etapas da experiência o mais comum é a ocorrência da intensificação

das sensações. Todas as áreas sensoriais assumem intensidade até então desconhecidas. É o

deslumbramento do mundo psicodélico. Mas, para muitos indivíduos, tudo isso é apenas a

introdução a várias vivências mais profundas que, atravessando etapas diferentes, alcançam

finalmente a qualidade de experiências religiosas ou místicas.

Os efeitos da ingestão da psilocibina iniciam-se aproximadamente entre 30 a 60

minutos após a ingestão. A dose ativa da substância é de aproximadamente 20 miligramas e

dura, geralmente, de 4 a 8 horas, tendo o seu pico aproximado cerca de 1 ou 2 horas após o

consumo.

Os efeitos psíquicos, assim como para os demais psicodélicos, variam de acordo com

o ambiente (condição externa) e o estado de espírito e personalidade (condição interna) do

usuário e as experiências ruins e potencialmente danosas são mais frequentemente observadas

entre os usuários recreativos. Os efeitos, apesar de menos intensos que os provocados pelos

outros dois alcalóides do grupo – LSD e mescalina – são similares aos dos pertencentes à

família dos psicodélicos: alterações na percepção visual que podem incluir visões

caleidoscópicas e mandalas; maior sensibilidade; experiências de despersonalização onde o

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indivíduo perde a identidade com seu próprio corpo e com os limites de espaço do próprio

corpo; alteração da noção temporal e espacial; sensação de plenitude, de união com o universo

(cosmovisão); sensações tanto de paz quanto de intenso terror que pode levar a quadros de

pânico (a tão famosa bad trip); pensamento confuso e desordenado; perda do controle

emocional etc.

Apesar de podermos delinear um certo conjunto de efeitos, a definição dos mesmos

torna-se essencialmente difícil devido à natureza subjetiva e idiossincrática da experiência

psicodélica. Já os efeitos fisiológicos incluem alterações variáveis como o aumento da pressão

sanguínea, taquicardia, dilatação da pupila e vômitos constantes. O grande problema

encontrado no uso das substâncias psicodélicas não recai em seus mecanismos fisiológicos,

mas sim nos efeitos imprevisíveis que esta adição pode causar no indivíduo psiquicamente

(principalmente quando utilizada com fins recreativos). As tais “viagens sem volta”, em fato,

são baseadas em desencadeamentos de crises psicóticas severas e prolongadas em pessoas que

já possuem históricos ou propensão genética a este tipo de comportamento, e sob a utilização

de qualquer psicodélico. Grof (2000, p. 146) sugere que como medida de segurança “um pré-

requisito necessário para tal avaliação é um bom exame médico que elimine condições de

natureza orgânica que necessitem de tratamento biológico. ” Em seguida, Grof sugere que a

orientação importante é a fenomenologia do estado não comum de consciência em questão. E

complementa afirmando que é importante atentar-se à maneira pela qual os pacientes falam

sobre suas experiências. E para tanto, o estilo de comunicação é um grande aliado, um

importante e decisivo indicador que pode orientar na análise descritiva, não importando se os

conteúdos são estranhos e quixotescos.

1.2 Espiritualidade e religião

A espiritualidade e a religião têm sido forças extremamente importantes na história da

humanidade e da civilização. O impulso religioso tem sido uma das mais abrangentes forças a

guiar a história e a cultura humana. Na história da sociedade, as visões de mundo sempre

marcaram presença ensejando suas características quer seja no campo social quanto no campo

político, histórico e econômico. A visão de mundo cartesiana, portanto, materialista, herdada a

partir do surgimento do Iluminismo no século XVII está totalmente oposta à visão de um

novo paradigma onde a realidade não é apreendida como fragmentada, mas integrada. A visão

de mundo antes a era pós-moderna, ou seja, pré-industrial, assumia um caráter mais

abrangente para as existências de dimensões fora da realidade. A lua assumia características

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para a observação das marés, melhor temporada para plantio e colheita, por exemplo. Para

estes, a vida baseava-se não só a partir dos sentidos, mas do que vinham dessas dimensões. E

por herança, a ciência assumiu o paradigma oposto, onde as dimensões sagradas da realidade

não acham espaço já que a matéria é o que existe realmente e sendo característico a

patologização da espiritualidade. Vale ressaltar aqui uma clara distinção entre espiritualidade

e religião. Grof (2000, p. 204-5), comenta:

“(…) A espiritualidade baseia-se em experiências diretas com

aspectos e dimensões não-comuns da realidade e não requer um lugar especial ou uma pessoa

oficialmente apontada para mediar o contato com o divino. Os místicos não precisam de

igrejas ou templos. O contexto em que experienciam as dimensões sagradas da realidade,

incluindo sua própria divindade, são seus corpos e naturezas (…) A espiritualidade envolve

um tipo especial de relação entre o indivíduo e o cosmo e é, em sua essência, um caso pessoal

e particular. Comparativamente, a religião organizada é uma atividade grupal

institucionalizada que se dá em um local designado, um templo ou igreja, e envolve um

sistema de funcionários nomeados que podem ou não ter vivenciado experiências pessoais das

realidades espirituais. Quando uma religião é organizada, ela costuma perder completamente a

conexão com sua fonte espiritual e torna-se uma instituição secularizada que explora as

necessidades espirituais humanas sem satisfazê-las”.

Assim, uma crítica reflexiva a respeito da abordagem da espiritualidade pela ciência,

principalmente a psicologia, é de extrema importância. Com certeza há um discurso

patologizante acerca das experiências espirituais sem sombras de dúvidas. Nesta pós-

modernidade, as pessoas que têm experiências místicas-religiosas podem ser tidas na maioria

dos casos como portadores de algum distúrbio psíquico. E quando provenientes de estados

provocados por uso de substância psicoativa, o discurso agrega ainda tons de preconceito em

favor da filosofia materialista na qual a psicologia e a psiquiatria se organizam. A psicologia

não consegue diferenciar entre uma experiência mística e uma experiência psicótica e as vê

como produtos da doença mental em completo detrimento de assumir uma atitude científica

que possa valorizar a compreensão correta e confiável da existência sem estar detida aos

valores burgueses e à seletividade na qual ainda é relegada.

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2. A pesquisa de Roland Griffths com o uso de psilocibina.

Em 2001 iniciou-se um estudo do neurologista Griffths da Universidade John

Hopkins nos EUA com psilocibina, e só publicada finalmente em 2006 e num relatório que

foi publicado em nível nacional dois anos depois. Este experimentou utilizou-se de uma

amostra de 36 pacientes com câncer em estado terminal. Todos foram submetidos após termos

de concordâncias, ao procedimento que era em suma, simples. Preenchimento de

questionários, conversas com os dois monitores que estariam com eles durante as 8 horas e

ajeitaram-se confortavelmente ao local no intuito de relaxar. Resumidamente, no ambiente em

que eram recolocados, os voluntários faziam uso de tapa olhos e fones de ouvido que

reproduziam músicas especialmente selecionadas.

Assim comenta Griffhts para a reportagem da Scientifican American:

“Quando o primeiro trabalho apareceu no periódico

Psychopharmacology, muitos membros da comunidade científica

saudaram a ressurreição de uma área de pesquisas que estava

dormente havia um bom tempo. Os estudos com a psilocibina na

universidade continuam por dois caminhos: um explora os efeitos

psicoespirituais da droga em voluntários saudáveis. O outro estuda se

os estados de consciência alterada induzidos por alucinógenos – e, em

particular, experiências místicas – poderiam mitigar os efeitos de

vários problemas psiquiátricos e comportamentais, incluindo alguns

para os quais as terapias atuais não chegam a ser efetivas.”

Biologicamente a psilocibina assim como os alucinógenos de classe tais como DMT,

mescalina etc., tem um correspondente cerebral significativo, agindo nos receptores de

serotonina, sendo como já citado no tópico anterior, processado por um processo químico e

regulador do organismo.

A New York University e a Universidade John Hopkins coordenam estudos que

testam a ação dessa substância sobre o cérebro das pessoas que sofrem de determinados

transtornos psicológicos ocasionados pelo diagnóstico de câncer terminal, e ambas as

instituições têm apresentado ótimos resultados. Griffths explica que os efeitos da psilocibina

são os mesmos em todo indivíduo que a ingere, mas em pessoas com distúrbios psicológicos

esses efeitos podem provocar benefícios ao cérebro. Pontua Griffths:

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“As reações variam um pouco de indivíduo para indivíduo, que

na prática significa sudação, alucinações, alteração da frequência

cardíaca, dilatação e contração da pupila e alteração no metabolismo

celular. Mas no cérebro, as conexões interneuronais são alteradas e

otimizadas, aumentando o fluxo eletroquímico entre as células do

SNC. Por causa dessa alteração funcional do cérebro que provoca os

chamados efeitos colaterais supracitados”.

Os estudos dessas duas universidades são até o presente momento os primeiros estudos

maiores de seu tipo. Os resultados que demonstraram encorajam os pesquisadores a quererem

a aprovação de órgãos regulamentadores oficiais para que a substância psicoativa passe para

um próximo estágio, ou seja, de fabricação ao alcance do consumo humano.

Curiosamente, esses estudos são um “retorno” à década de 60, meados de 70, que

despontam como pesquisas promissoras já que nessas respectivas décadas as publicações de

artigos científicos e outros foram suplantados pela mídia ignorante e a política proibicionista e

de guerra às drogas, congelando publicações e arquivando pesquisas por mais de trinta anos.

As pesquisas de Griffhts e colaboradores iniciaram-se em meados dos anos 2000, chocando

comitês e comissões por estes considerarem uma perigosa ferramenta, mas sem as mesmas

observarem que o mal que pode ocorrer se trata mais de uma questão de uso contextual da

substância psicoativa do que os efeitos da substância per si. Curiosamente Griffths começara

a convencer seus voluntários para a pesquisa sendo que a priori um critério básico seria o de

não haver tido contato com alguma SPA na vida, o que foi bastante complicado. Muitos deles

já haviam experimentado psicodélicos algumas vezes. Depois que os pesquisadores

começaram a estudar os efeitos da psilocibina sobre a amostra composta por indivíduos

saudáveis, certos fatos científicos sobre estes ficaram mais evidentes. Num contexto

terapêutico, eles não encontraram efeitos adversos graves e duradouros da SPA. No entanto,

isso não significa que ele é totalmente livre de risco.

Griffhts também é pesquisador que descreve em sua recente pesquisa publicada no

Journal of Psychopharmacology que entrevistou pessoas que fizeram uso de psicodélicos fora

de um ambiente clínico sobre suas piores experiências. Algumas pessoas disseram que

passaram por experiências difíceis ou perigosas, algumas inclusive levaram a buscar

tratamento psicológico mais tarde. (Essa é uma pequena porcentagem de casos de uso

psicodélico, e muitas dessas mesmas pessoas ainda dizem que suas experiências foram

importantes e significativas, mas vale a pena estar ciente).

16

Ainda citando Griffths (2011) em sua pesquisa:

“Pesquisadores da Johns Hopkins usaram questionários originalmente

desenvolvidos para avaliar experiências místicas que ocorriam sem

drogas. Eles também analisaram os estados psicológicos gerais dos

participantes entre dois e 14 meses após a sessão com psilocibina. Os

dados mostraram que os participantes experimentaram um aumento na

autoconfiança, maior sensação de contentamento interior, melhor

capacidade de tolerar frustrações, diminuição do nervosismo e

aumento no bem-estar geral. Um comentário típico de um

participante: “A sensação de que tudo é Um, que eu experimentei a

essência do Universo e o saber que Deus não nos pede nada, exceto

receber amor. Não estou sozinho. Não temo a morte. Sou mais

paciente comigo mesmo”. Outra participante ficou tão inspirada que

escreveu um livro sobre as experiências. ”

A política proibicionista contra pesquisas realizadas em seres humanos a partir da

administração de doses medicamentosas feitas pelos alucinógenos contribuiu e muito para a

inabilidade da ciência em poder encarar com melhor instrumentalização certos tipos de

transtornos e adicções e outras doenças, por exemplo. Comenta Grob:

“No câncer, os pacientes frequentemente se confrontam com

ansiedade severa e depressão, e antidepressivos e drogas redutoras de

ansiedade podem ter uma atuação limitada para amenizar esses casos.

Nos anos 60 e início dos 70, mais de 200 pacientes de câncer

receberam alucinógenos clássicos em uma série de estudos clínicos.

Em 1964, Eric Kast, da Chicago Medical School, que administrou

LSD a pacientes terminais com dores severas, relatou que os pacientes

desenvolveram um “desprezo peculiar pela gravidade de sua situação

e conversavam livremente sobre sua morte iminente com uma

característica considerada não usual pelos costumes ocidentais, mas

muito benéfica aos seus estados mentais. Estudos posteriores,

produzidos por Stanislav Grof (...) mostraram diminuição na

depressão, ansiedade e medo da morte. E pacientes com experiências

17

místicas mostram as melhoras mais significativas na medição

psicológica de bem-estar. ”

Jung descreve esse todo como a identidade arcaica do objeto e do sujeito (OC 6 §

783), ou também segundo o pesquisador francês Levy Bruhl definiu como “participation

mistyque”

“Uma das implicações interessantes deste tipo de trabalho é que nós

somos biologicamente programados para ter este tipo de experiência.

Não é uma exclusividade de místicos que passam anos em meditação

em uma caverna. É parte da biologia humana ter estes tipos de

experiências integradoras que podem realmente preparar o cenário e a

plataforma para uma mudança pessoal notável” (Griffths, 2011)

A pesquisa de Griffhts envolvendo a exploração das experiências místico-religiosas

desses pacientes permitiu que os pesquisadores pudessem observar uma boa maneira de tratar

a ansiedade existencial e depressão que é proeminente em pacientes com câncer, e não

respondem bem ao tratamento tradicional. Uma única dose de psilocibina já apareceu útil, de

maneira profunda. Os pesquisadores deram aos pacientes uma dose de cerca de 20 miligramas

para uma pessoa pesando 70 quilos. Os trabalhos anteriores de Griffhts mostraram que as

pessoas que têm “bads trips” frequentemente tomam mais – uma média de 30 miligramas.

Demora cerca de 20 a 40 minutos para que as pessoas comecem a sentir os efeitos. Os

pacientes ouviram uma playlist incluindo música clássica, canto indiano e New Age. Os

efeitos da psilocibina desapareceram após cerca de quatro horas – razão pela qual os

pesquisadores aderiram pelo fato de ser prática, em vez de LSD que pode durar até 12 horas.

Os pacientes então escreveram e conversaram sobre o que passaram.

Mesmo seis meses após a experiência, 80% dos 51 participantes no estudo da

Universidade John Hopkins mostraram diminuições significativas na depressão e ansiedade.

Griffhts aponta para a mudança na função cerebral sendo como a administração de uma única

dose já pode suscitar efeitos transformadores e duradouros da experiência significativa. É

necessário ressaltar que mesmo com o processo de pesquisa andando e que centenas de

pessoas já receberam com segurança doses de psilocibina, ela ainda é considerada uma droga,

o que legalmente é proibido e com pouquíssima aceitação médica. Para que se possa dizer que

a psilocibina é um medicamente seguro e eficaz, ela precisa passar pelos processos de

aprovação necessários.

18

A compreensão de como as experiências místicas pode levar a atitudes benevolentes

em relação a si mesmo e aos outros deve ajudar a explicar o bem documentado papel de

proteção da espiritualidade no bem-estar e na saúde psicológica. As experiências místicas

podem originar um senso profundo e duradouro da interconexão entre pessoas e coisas –

perspectiva que está por trás dos ensinamentos das tradições religiosas e espirituais. E é a

partir deste ponto que iniciaremos uma análise discursiva a respeito da relação entre o

consumo da SPA psilocibina e a dimensão religiosa da psique. A análise discursiva baseia-se

na percepção de que esses estados não são manifestações de um processo patológico

desconhecido, mas sim resultado de um movimento espontâneo da psique, dotado de

potenciais de cura e transformação.

2.1 Jung, a psilocibina e a dimensão religiosa da psique.Como Jung entende a religião? Jung se destaca na história da psicologia como um

intenso estudioso da dimensão religiosa. Na história da psicologia analítica percebemos a

importância da observação por parte de Jung à rotina dos pacientes esquizofrênicos e suas

reproduções artísticas nos estados de alucinação. Muito se fundiam com elementos religiosos.

“Devido ao desamparo espiritual de meus pacientes vi-me obrigado a fazer uma séria tentativa

de compreender pelo menos alguns dos símbolos produzidos pelo inconsciente”. (JUNG OC

11/2, 1979a

§106)

“Poderíamos, portanto, dizer que o termo “religião” designa a atitude particular de

uma consciência transformada pela experiência do numinoso” (JUNG, 11/1, 1987, § 9)

Jung preferia chamar a libido como força da vida da qual a sexualidade era apenas um

modo de expressão. A ingestão de SPAS e respectivas experiências psicodélicas por parte do

psiquismo do indivíduo configura-se como produções criativas em inúmeros casos, assim

como outros fenômenos psicológicos expressos em rituais de diversas religiões pelo mundo,

pinturas, desenhos e conteúdos de transmissão oral. A existência do inconsciente coletivo foi

confirmada enquanto Jung estudava os delírios e alucinações de pacientes esquizofrênicos,

quando descobriu que essas manifestações continham símbolos e imagens primordiais,

portanto, universais, onde a libido poderia surgir. Estas características podem ser vistas a

partir das fronteiras entre imaginário e psicose, ou seja, o imaginário e a psicose se

aproximam até determinado ponto, com características contundentes e até mesmo parecidas,

sendo de grande importância da parte do analista ser flexível observar e ter um manejo que

19

garanta o ensejo à realidade, num retorno à conexão com o mundo externo: “(…) Todos os

fenômenos psicológicos, como todos os fenômenos físicos, argumentava Jung, são

manifestações de energia, e isso confere aos símbolos seu poder dinâmico transformador.”

(Stevens, p. 36).

Os livros de sua lavra que mais se destacam por dar total atenção aos processos da

psique e a movimentação religiosa nela presentes são Psicologia e Religião e Psicologia e

Alquimia. Em sua carreira como médico psiquiatra e psicoterapeuta, Jung estudou

profundamente os sonhos de seus pacientes, de maneira não-redutiva, sendo as mesmas

expressões reais da natureza interna do paciente. Para Jung, a psique é extremamente religiosa

e ancorada no inconsciente e constantemente produz símbolos religiosos podendo ser

verificados a partir da análise de sonhos.

Das raízes da palavra religião, Jung refuta claramente “religare” no sentido de religar

ou ligar com o passado que ele compreende como “levar em consideração”. Portanto, religião

é para Jung uma “consideração e observação cuidadosa de determinados fatores dinâmicos

que são compreendidos como ‘poderes’: espíritos, demônios, leis, deuses, ideias, ideais [...]”

(JUNG, 1940a, p. 4; JUNG, 1947, p.253). Por isso Jung ressalta:

“Religião é uma relação com o valor mais alto ou mais forte, seja ele

positivo ou negativo. A relação é tanto voluntária quanto involuntária,

a pessoa pode estar possessa por um ‘valor’, por um fator psíquico

com carga energética, também inconscientemente, ou ela pode aceitá-

lo conscientemente. Aquele fato psicológico que possui o maior poder

dentro de um ser humano age como um ‘deus’, pois é sempre o fator

psíquico mais poderoso que é chamado de ‘deus’. Assim que um deus

deixa de ser um fator poderoso, ele se transforma em mero nome. Sua

essência está morta, e seu poder não existe mais”. (JUNG, 1940ª, p. 6)

“Jung se declarava cristão, e a maioria de suas obras, as mais

importantes, tratam dos problemas religiosos do homem cristão. Ele

os interpretava do ponto de vista da psicologia, limitando

conscientemente a fronteiras com as perspectivas teológicas”

(Memórias, Sonhos, Reflexões, 2016, p. 22)

Para Jung religião não é uma confissão de fé onde alguém assume conscientemente e

obrigatoriamente um rito dogmático. Trata-se de uma postura interior correspondente por

meio do qual o indivíduo se abre para o poder que o dominou, Ele o observa e o percebe

20

dentro de si de forma concreta as consequências por ele causadas, por exemplo no que

ocorreu na pesquisa, numa mudança de consciência, um novo sistema de valores e modo de

vivenciar a vida praticamente diferente. Portanto, no centro da religião está:

“uma existência ou um efeito dinâmico, que não é causado por um ato

de arbitrariedade. Pelo contrário, o efeito toma posse e domina o

sujeito humano, que sempre é mais sua vítima do que seu criador. O

numinoso – qualquer que possa ser sua causa – é uma condição do

sujeito que independe de sua vontade, [...] O numinoso é ou a

característica de um objeto visível ou a influência de uma presença

invisível, que causa uma mudança especial na consciência (JUNG,

1940a, p. 3)

Em nossa análise sobre elementos junguianos e os efeitos da substância psicoativa na

consciência coletiva, devemos compreender que a psique não é apenas objeto da experiência

mística-religiosa, mas também sujeito de sua observação e que Jung concentra suas reflexões

preponderantemente nas transformações individuais do sujeito ao invés do fenômeno coletivo.

Desta forma, cumpre-se invariavelmente comentarmos sobre o histórico de Jung com as

drogas, se é que possuiu. As investigações de Jung fornecem hipóteses seguindo sua base

teórica, portanto analítica, para este estudo. Ao romper com Freud no ano de 1912 após

publicar o livro Símbolos de Transformação, Jung apresenta um entendimento para a libido a

partir da conotação de energia psíquica, não mais limitada apenas e exclusivamente para as

manifestações sexuais, mas abrangendo expressões culturais para fins criativos. Jung introduz

o fundo histórico para as transformações pessoais numa nítida diferença aos postulados das

ciências naturais e evidentemente psicanalítica.

Ele nunca se ateve a um estudo minucioso sobre os princípios das substâncias

psicoativas. Como já citado neste trabalho, a maioria das drogas não-sintéticas foram

descobertas nos anos 60. Von Franz em seu livro Psicoterapia comenta que Jung teve

conhecimento breve da mescalina a partir da leitura do livro de Aldous Huxley, mas que

momentaneamente não quis se ater tendo atendo à epistemologia do movimento natural da

libido em estado inconsciente de fazer emergir conteúdos manifestos, expressos em sonhos,

sintomas ou fantasias. Segundo Von Franz

“[...] só estava familiarizado com os efeitos da mescalina

(especialmente através da descrição de Aldous Huxley) e sabia apenas

que esses produtos farmacêuticos estavam começando a chamar a

21

atenção na psicoterapia. Ele admitiu em uma carta escrita em abril de

1954 que não estava suficientemente familiarizado com o valor

psicoterapêutico dessas drogas, no caso de pacientes neuróticos e

psicóticos, para ser capaz de formar um julgamento conclusivo”.

(VON FRANZ, Psicoterapia)

Marie Louise-Von Franz em seu livro Psicoterapia, no capítulo “As drogas na visão de

C. G. Jung”, mostra através de um exemplo clínico como o inconsciente reage às experiências

psicodélicas. Ela mostra em seus três exemplos, de um jovem traficante de heroina e que

utilizava LSD, um médico que tomava LSD e um rapaz que enfrentava uma situação familiar

crítica e que consumia LSD. Apesar de suas contribuições mostrarem diversas reações do

inconsciente, demonstrando que apenas o médico não mantinha uso irresponsável com o LSD,

Von Franz cai, como Beserra (2011, p.50) comenta “(…) em um terrível etnocentrismo e

numa ausência de relativização sócio-cultural, psicológica e química em seu comentário”. E

Von Franz termina com seu comentário:

“A humanidade tem frequentemente avançado em direção a novas

realizações passando através de erros. Parece-me bastante

compreensível, e mais do que perdoável, que muitas pessoas da

geração mais jovem sejam incapazes de suportar o vazio intelectual e

a desumanização da nossa incultura tecnológica, e recorram às drogas.

Mas então, para cada indivíduo, chega a hora na qual precisa decidir

se quer mergulhar para sempre nessa inexpressividade ou passar

através dela, como se através de um portão, e avançar em direção à

grande obra do autoconhecimento objetivo.” (Franz, 1999, p.330).

Ainda no meio junguiano, Luigi Zoja é conhecido por ser referência no que condiz os

seus estudos sobre consumo de SPA . (Beserra apud Zoja, 2011, p. 55) comenta que “em seu

livro, já nas primeiras linhas, estabelece sua posição baseada em Eliade para quem uma das

grandes diferenças entre o mundo arcaico e o mundo moderno está justamente no

desaparecimento da iniciação” (1992, p.1). O psicólogo junguiano Luigi Zoja de forma

equivocada elabora uma linha de raciocínio caracterizando o consumo da droga como

necessidade de preencher um vazio de maneira ansiosa e desrespeitosa “onde a visão, se ainda

é procurada perde importância, sacralidade e significação coletiva”, por outro lado dá uma

contribuição significativa ao comentar sobre a força coletiva que o consumo desta substância

tem quando utilizado em condições favoráveis. Beserra (2011, p. 57) afirma que

22

Na procura de uma identidade diferenciada o dependente de SPA se

associaria a um “mundo da droga”, com a imagem “sou um drogado”,

que o levaria a uma posição de “herói negativo”, ou seja, um heroísmo

subversivo e destrutivo (que Zoja chama de herói destruidor). Para

Zoja (1992, p.32), em nossa cultura “o sentimento heróico é reprimido

pela maioria, que, acumulando um rancor inconsciente pela perda, cai

na insipidez de uma previsibilidade anti-heróica”, neste caso, o

sentimento heróico vira monopólio “de indivíduos que se contrapõem

à norma coletiva, quer através de seu caráter anti-social, quer através

da sua irracionalidade” (op.cit). A associação ai seria do arquétipo do

herói com a sombra, com o mal, destrutividade, e com o grande

recalcado ocidental, a morte. Entretanto, se pensarmos de forma

acurada, perguntaremos se não é possível: A) uma associação com a

sombra que seja benéfica. Isto é, a integração de conteúdos

subversivos e reprimidos que, porventura, sejam necessários a uma

nova sociedade (p.ex, compensação da racionalidade unilateral) e se

B) Isso acontece em relação aos dependentes de SPA ou a qualquer

usuário. Ao optar pelo privilégio da norma sobre a subversão, Zoja

pode acabar reforçando a unilateralidade e fixação da atual política

capitalista, comumente neoliberal e hiperstaseando o consumo

ignorando os apelos por mudanças nas políticas econômicas, sociais,

etc, que poderia reduzir a opressão do homem pelo homem e, além

disso, a destruição planetária.

Como já citado anteriormente no trabalho, as dimensões das experiências psicodélicas

e místicas-religiosas se confundem por ocorrências diversas e que nos remetem às regiões do

inconsciente coletivo e encontros com imagens arquetípicas oriundas do inconsciente

coletivo, com caráter numinoso e exprimíveis através das emoções que suscitam. A natureza

genérica das imagens levou Jung a chamá-las de imagens típicas. (FIERZ, 1991). Os métodos

puramente científicos de pensamento são insuficientes para a compreensão de temas como as

viagens psicodélicas e conseguintemente os seus temas correlatos.

“As imagens do mundo arquetípico são simbólicas, entretanto, uma vez que nós, como

indivíduos, não as fabricamos, mas as encontramos “lá fora” no inconsciente coletivo, elas

23

são responsáveis pelo menos algumas das características da realidade dada [...]” (HUXLEY,

p. 74-5)

Jung em sua carreira de médico psiquiatra ao observar os fenômenos recorrentes de

seus pacientes, principalmente neuróticos e psicóticos, conseguiu clarificar certos aspectos

intrínsecos ao homem em seu sentido pessoal e impessoal, codificando o conceito de sombra,

persona, arquétipo e inconsciente coletivo a partir destas observações. Para ele o sofrimento

psíquico era um sofrimento espiritual, provinda de uma alma que ainda não descobriu o seu

significado. Definindo a neurose nesses termos, a natureza religiosa do problema torna-se

aparente. (JUNG, 1980). Beserra (2011) comenta que:

“Quando Jung fala da alma, fala basicamente da relação existente

entre realidade psíquica e realidade física, abandonando tanto um

psicologismo ingênuo como o materialismo que entendia a realidade

psíquica como mero epifenômeno da realidade física”

Se falarmos de experiências, falamos de imagens e Jung se ateve às imagens.

Conforme Stevens (2012, p.43) comenta ao mencionar as fantasias de Jung após o momento

de ruptura com Freud e o movimento psicanalítico. Jung começa a produzir suas fantasias, a ir

para as profundezas de seu inconsciente, passando por breves momentos em episódios

semelhantes às dinâmicas da psicose: “Suas conversas com essas figuras lhe proporcionaram

o insight fundamental de que as coisas que acontecem na psique não são produzidas pela

intenção consciente: elas têm vida própria”. O psiquismo comporta disposições inconscientes

que tornam possível a existência humana e a organizam e permitem que o indivíduo lide com

o juízo de valor de sua experiência religiosa, neste caso se é bom ou mal. Em termos

religiosos, o paciente pode descrever a experiência como uma orientação de Deus; em

linguagem psicoterapêutica, pode ser descrita como o despertar do psiquismo para a sua

própria atividade espontânea. Jung afirma que cada afirmativa sobre Deus, por exemplo, é

uma afirmativa humana, psicológica, que deve ser distinguida de Deus como um ser

metafísico (JUNG, 1952, P.256). É claro que Jung em sua atividade científica não diz que

Deus ou alguma ideia religiosa com seu conceito seja experimentado de forma completamente

inconsciente. Está falando sobre a importância da religião para o ser humano que se encontra

no interior e no inconsciente (JUNG, 1921, p. 266). Dessa forma, os arquétipos são deduções

generalizadas, um quadro que disponibiliza imagens arquetípicas, na qual o indivíduo

experimenta, se envolve. Se os arquétipos estão para o inconsciente coletivo, o inconsciente

24

coletivo se diferencia dele dessa forma. O conteúdo do inconsciente coletivo nunca esteve na

consciência certa feita para ser reprimido, sendo o conteúdo reprimido alguns dos conteúdos

do inconsciente pessoal. Jung acha que os processos do inconsciente são tão continuamente

ativos quanto os da mente consciente, e os sonhos são manifestações desta cadeia de eventos

que pode ser vivenciada no consciente assim como também através da imaginação ativa. E

assim a ideia de inconsciente para Jung antecede a consciência. Isso indica as possibilidades

futuras para a psique, deixando de fundamentalizar as experiências no passado e mantê-las

fixadas neste ponto. Conclui-se que a cura envolve uma experiência verdadeira e primordial

da alma. “O problema da cura é um problema religioso” (JUNG OC 11/6, § 523)

“Oponho-me ao equívoco segundo o qual os arquétipos seriam uma

espécie de representações inconscientes. Portanto, devo mais uma vez

ressaltar que eles não são determinados do ponto de vista do conteúdo,

mas apenas no que concerne à forma, e mesmo assim em medida

bastante limitada”. (JUNG, OC 9/1, 2011)

“Ao escutar as imaginações espontâneas e os sonhos de seus pacientes, chamou-lhe a

atenção encontrar figuras, situações e cenas que não só se repetem em vários sonhadores, mas

também são encontradas nos contos de fadas, mitos e narrativas pertencentes a diferentes

culturas” (HUMBERT, 1985). Tudo indica que atrás das imagens existe algo a mais em

funcionamento, criando imagens correspondentes. Assim, quando Jung procurou alcançar um

entendimento através das imagens e comparações, estava tentando compreender o conteúdo

dramático e poético dos fenômenos psíquicos.

“Ninguém pode rejeitar essas coisas numinosas por motivos

puramente racionais. São partes importantes de nossa estrutura mental

e não podem ser erradicadas sem uma grande perda, pois participam

como fatores vitais na construção da sociedade humana, e isto desde

tempos imemoriais” (JUNG, 18/1 p. 580)

Consonante às manifestações arquetípicas da psique, observando Jung que os danos

psíquicos são minimizados a partir da confrontação do consciente e inconsciente, e para tanto,

para fins terapêuticos, ele fez-se valer das imagens para evitar preconceitos psicológicos na

vida do sujeito, o que significa maior credibilidade à polissemia natural do símbolo, discutida

a seguir.

25

As experiências com psilocibina e os efeitos no indivíduo nos fazem voltar à própria

psique e à noção da consciência e processos inconscientes, mas principalmente ao conceito

psicodinâmico de complexo evidenciado por Jung. “O que tenho a dizer acerca da natureza da

alma está baseado em primeiro lugar em observações feitas sobre o homem” (OC 12, p 2)

Através dos testes de associação de palavras, ele estabeleceu o conceito de complexo que

significa grupos de representações emocionalmente acentuados. Neste caso da pesquisa do

doutor Griffths e colaboradores, a hipótese de que as imagens suscitadas pelo consumo da

SPA psilocibina pode então ser consteladas, e os conteúdos dos complexos constelados na

consciência são extremamente variados, mas constantemente deparamos com temas

específicos que se repetem em casos diferentes, não é errônea. C.G Jung recomenda que o

trabalho psicoterapêutico discuta o conteúdo dessas imagens variantes do complexo

constelado e lhe forneça o apoio necessário para a assimilação do conteúdo. (JUNG, OC 3,

p.575). Em seu trabalho com associação de palavras, Jung e seus colaboradores perceberam

que esses grupos sofrem a interferências de fatores no curso do desenvolvimento psíquico.

Lidar de foma intelectual e racional com os complexos não renderá bons frutos, caso a

intenção seja integrar os elementos ocultos do inconsciente à consciência, rendendo aí

potencialidades futuras para o indivíduo. Conforme Jacobi (2016, p. 18)

“Segundo a definição de Jung, cada complexo consiste primariamente

em um ‘elemento central’, um portador de significado, que,

subtraindo-se à vontade consciente, é inconsciente e incontrolável, e,

secundariamente, em uma série de associações a ele ligadas, que se

originam, em parte, da disposição pessoal original e em parte das

vivências do indivíduo condicionadas pelo ambiente”

Estes complexos podem assumir caráter autônomo caso não conscientizados e

envolvidos a partir das expressões emocionais refletidos após, em mudanças significativas de

atitude. Apenas a concepção intelectual não valida a ‘dissolução’ do complexo.

“Uma vez constelados e assim atualizados, os complexos podem

resistir abertamente às intenções da consciência do eu, romper sua

unidade, separar-se e comportar-se como um estranho (…) Por isso

Jung diz: Hoje todo mundo sabe que temos complexos, mas poucos

sabem que os complexos nos têm”. (JACOBI, 2016, p.18)

“Estes complexos conhecidos apenas intelectualmente devem ser

estritamente distinguidos daqueles que foram realmente

26

‘compreendidos’, isto é, que se tornaram conscientes de uma forma

pela qual realmente deixam de exercer um efeito pertubador. Porque,

nestes casos, não se trata mais de complexos, mas apenas de

conteúdos da consciência assimilados (…) Também se deve salientar

que um complexo, tão logo nos tornamos conscientes deles, tem uma

chance melhor de ser ‘compreendido’, e corrigido, isto é, podemos

fazê-lo desaparecer (…) Pois, enquanto estiver completamente

inconsciente e não atrair a atenção da consciência (…), ele

permanecerá inteiramente inacessível. (JACOBI, 2016, p.20)

Jung sugere que se mantidos inconscientes, os complexos podem e dever ser

enriquecidos com associações. Mas eles apenas abandonam o caráter compulsivo-autônomo

se tornados conscientes, o que constitui um dos importantes fatores na psicoterapia.

“Portanto, uma compreensão racional não é, de modo algum,

suficiente. Apenas a vivência emocional liberta. Somente a esfera

emocional é capaz de efetuar as necessárias reviravoltas e

transformações de energia. Nenhum fenômeno do inconsciente pode

ser detectado apenas pelo intelecto, “porque ele não consiste apenas

em significado, mas também em valor, o qual se baseia na intensidade

das tonalidades de sentimentos que o acompanham”. (JUNG, 1951,

p.51 apud JACOBI, 2016, p.24)

É lógico que as imagens suscitadas nos pacientes da pesquisa se constituem realidades

idiossincráticas, sendo a ênfase da experiência viva da psique colocada por ele como o oposto

da rigidez dogmática ou a fé cega. E isto nos faz refletir acerca da concepção simbólica que é

intrínseco à vida humana, apoiando-se assim na concepção de Homus Symbolicus de Gaston

Bachelard e abrindo novas perspectivas quando Hillman afirma que “o modo simbólico

significa que um novo tipo de realidade está vindo a luz” (Hillman, 2009). Esta realidade se

trata das imagens que surgem a partir da intensa atividade organísmica do Self nas

experiências. Essas imagens confrontam o indivíduo, fazem o assustar bem como contemplar.

Dizemos que seu conteúdo é simbólico não só porque ele evidentemente possui um

significado, mas porque aponta para várias direções e deve significar algo que é inconsciente

ou que, ao menos não é consciente em todos os aspectos” (Jung, 569). O símbolo fala sem

dizer, sugere, abre espaços ocultos porque não define, permite liberdade de interpretação sem

literalizações, em constante renovação, é multifacetado e, por ser imagem, permite a

27

criatividade e a imaginação. Sempre se manifesta carregado de emoção, e na terapia se volta

para a psique, para o soma, portanto é um fenômeno que para todas as pessoas se trata de um

processo de transformação. Símbolo e signos não são sinônimos. O símbolo denota algo vago,

desconhecido para nós. O signo, ao contrário, é uma representação já conhecida e

cognoscível. O símbolo é um fato psicológico que conecta o homem com o que não conhece,

mas que concerne à sua existência, portanto está sempre carregado de afetividade e sua

presença é experimentada vividamente. Jung demonstrou que as imagens simbólicas não

podem ser interpretadas mediante padrões estereotipados, pois não têm significados

dogmaticamente estabelecidos; pelo contrário, possuem um aspecto inconsciente que nunca se

define com precisão, e quanto a mente racional tenta explicá-los, se vê levada por ideias que

vão além da razão. Neste sentido, os símbolos devem ser interpretados de acordo com as

circunstâncias de cada indivíduo, e que na experiência de Griffths remete-se aos conteúdos

que emergiram na consciência de cada paciente. A psique fala à psique numa linguagem

própria e essa linguagem é o próprio símbolo.

Jung percebe a relação entre os aspectos conscientes e inconscientes do indivíduo pode

constatar o caráter compensatório do inconsciente sobre a atitude consciente, que muito tende

a ser unilateral e direcionada para fatores objetivos da existência. O consciente e o

inconsciente se relacionam entre si, e entre ambos existe uma reciprocidade tal que cada

elemento consciente tem uma contraparte inconsciente de caráter oposto e, no entanto,

compensatório. Jung denota que ao ser confrontado com imagens do inconsciente, o indivíduo

pode estabelecer contato com a função transcendente. “É chamada transcendente, porque

torna possível organicamente a passagem de uma atitude para outra, sem perda do

inconsciente” (Jung, OC 8 p 145). A base de estudo das obras de Jung pode ser enviesada

pelo estudo das dinâmicas entre o inconsciente e consciente, na proposta que ele estabelece

usando o termo confronto e mais aquém, diferenciação. Este confronto trata-se da função

transcendente que o símbolo promove na existência do sujeito em questão, formando um

terceiro elemento a partir do choque entre os inevitáveis opostos da vida.

“No processo analítico, isto é, no confronto dialético do

consciente e do inconsciente, constata-se um desenvolvimento, um progresso

em direção a uma certa meta ou fim cuja natureza enigmática me ocupou

durante anos a fio (...) certas soluções típicas e temporárias acontecem (...) 3)

depois de haver reconhecido um conteúdo essencial, até então inconsciente,

28

cuja conscientização imprime um novo impulso à sua vida e às suas atividades”

(OC 12, p2)

Vale comentar aqui também, neste raciocínio, a noção dos ritos arcaicos e de iniciação

que Jung comenta sempre dando importância à psicologia dos povos primitivos. Jung diz que

o homem moderno sonha tal como vivia o homem de milhares de anos atrás (OC vol. 5).

Muitos estudiosos do ramo da antropologia, arqueologia e outras ciências humanas assumem

a razão de que os ritos de passagem têm determinado caráter psicoespiritual, modificando os

papéis pelos quais os indivíduos submetem para uma nova fase, por exemplo, transição

infância-fase adulta, e constatar a mudança psicológica que gera no indivíduo e na sociedade.

Vale aqui citar o arquétipo da morte e do renascimento presentes de forma viva a partir destes

ritos.

Huxley comenta em seu trabalho audaciosamente que todo ser humano tem em si a

necessidade de transcender, ou seja, buscar uma dimensão de experiência com o numinoso,

com as figuras arquetípicas e quando privado dessas experiências seja pelo culto religioso ou

boas obras, tendem a recorrer aos químicos, aos alucinógenos como substitutos religiosos,

substitutos de experiência religiosa como alternativa. “É finalidade e aspiração dos símbolos

religiosos dar sentido à vida humana” (Jung, 18/1 § 567). Obviamente, as mudanças químicas

no organismo catalisam a experiência mas não são, em si, capazes de criar as intrincadas

imagens e os ricos insights filosóficos e psicológicos, muito menos de mediar o acesso a

informações novas sobre vários aspectos do universo. A administração de psilocibina pode

explicar a emergência de materiais profundos do inconsciente para a consciência, mas não

pode explicar sua natureza e seu conteúdo. A compreensão dos estados psicodélicos requer

uma abordagem mais sofisticada do que uma simples referência a processos biológicos no

corpo e isso requer uma abordagem compreensiva que inclua mitologia, filosofia e religião

comparada. É natural que, para ser capaz de enxergar essas experiências místico-religiosas,

sendo produto da própria psique, temos que transcender a compreensão estreita da mesma

oferecida pela psiquiatria dominante. Seguindo a orientação analítica deste trabalho podemos

mencionar o conceito da psique como anima mundi, ou a alma do mundo, que inclui o

inconsciente coletivo e arquétipos (JUNG, 1958).

Portanto, o consumo de SPA através dos séculos assume um caráter em termos gerais

de iniciação e sacralidade, cedendo espaço para o sentimento religioso de cosmovisão,

pertencimento e aterramento, inerente ao ser humano e que Jung muito o considerava em suas

obras. A propagada ideia junguiana acerca do tema se for levada em consideração ao

29

entendimento de Zoja se mostra equivocada ao relacionar estritamente a avidez do consumo à

realidade das intenções anunciadas no dinamismo psíquico. Muitos enfatizam o caráter

epidemiológico das experiências com psicodélico associando de maneira inflexível os estados

não comuns de consciência às psicoses diversas refutando o que na psicologia analítica

denomina-se “inflação do ego”. Apesar do enorme investimento de tempo, energia e dinheiro

em pesquisas psiquiátricas, a natureza do processo psicótico ao qual muitos consideram ao

manter-se em contato com SPA’s diversas ainda é um mistério. Extensos estudos sistemáticos

têm revelado e explorado importantes variáveis relacionadas com fatores constitucionais e

genéticos, mudanças hormonais e biológicas, determinantes psicológicos e sociais, influências

ambientais e muitas outras. Até o momento, nenhuma dessas variáveis provou ter suficiente

consistência para oferecer uma explicação convincente da etiologia. Porém, mesmo que as

pesquisas biológicas e bioquímicas fossem capazes de detectar processos que demonstrassem

correlações consistentes com a ocorrência dos estados psicóticos, isso em si e por si, não

ajudaria a compreender a natureza e o conteúdo das experiências psicóticas. Nos estados

induzidos por psicodélicos (Grof, 2000) quimicamente puros, o disparador bioquímico e sua

dosagem são conhecidos com precisão . E, mesmo assim, tudo isso não oferece nenhuma pista

para a compreensão da natureza e do conteúdo das experiências envolvidas e de sua variação.

Explica apenas a emergência do material inconsciente profundo à consciência. A mesma

dosagem administrada sob as mesmas circunstâncias a várias pessoas pode induzir um largo

espectro de experiências estendendo-se da exploração da memória (Grof, 2000), passando por

estados maníacos e paranoicos até revelações místicas profundas. O potencial para criar essas

experiências de estados místicos é claramente uma propriedade inerente da psique humana.

Infelizmente a psiquiatria acadêmica tem um modelo de psique limitado à biografia pós-natal

e uma forte tendência biológica. Estes são sérios obstáculos à compreensão da natureza e dos

conteúdos dos estados alterados de consciência e respectivas experiências místico-religiosas.

Jung se mostrou comedido em debruçar sobre o assunto, se mostrando inquieto no que condiz

à tendência de descobrir algo por mera curiosidade, o que foi contemplado por Zoja e que

Beserra (2011, p.47) comenta ao afirmar:

“De fato a inquietação de Jung é válida, e foi elaborada por Luigi Zoja

quando pensa no consumismo contemporâneo, num movimento de objetificação do mundo e

numa “mania” social de proporções arquetípicas que levaria a usos maníacos e não

responsáveis. Essa perspectiva cria problemas apenas quando é sociologizada e pretende

30

abarcar todas as relações sociais possíveis, reduzindo o homem a mero objeto das pressões

atmosféricas.”

Numa carta enviada a um padre católico, Jung foca em tom de consciência moral o uso de

mescalina através do livro que teve conhecimento de Aldous Huxley. Comentava Jung (apud

Jaffé, 1991, p 73-74)

“As influências (da mescalina) são de fato singulares – vide Aldous

Huxley! – e delas conheço muitíssimo pouco. Não sei qual o valor

psicoterapêutico nos pacientes neuróticos psicóticos. Sei apenas não

haver razão alguma para querer conhecer mais sobre o inconsciente

coletivo do que se consegue através dos sonhos e da intuição. Quanto

mais se sabe sobre ele, maior e mais pesada se torna a

responsabilidade moral, porque os conteúdos inconscientes se

transformam em dever e obrigações individuais assim que começam a

se tornar conscientes. Por que aumentar a solidão e a incompreensão?

Já as temos em demasia. Se eu pudesse dizer alguma vez que fiz tudo

o que sei que devia fazer, talvez então pudesse compreender uma

legítima necessidade de tomar mescalina. Mas, se a tomasse hoje, não

estaria absolutamente seguro de que não a teria tomado por pura

curiosidade. Eu detestaria a idéia de ter tocado na esfera onde é

elaborada a tinta que dá colorido ao mundo, a luz que faz brilhar o

esplendor da aurora, as linhas e contornos de todas as formas, o som

que preenche a órbita, o pensamento que ilumina as trevas do vazio.

Talvez haja algumas pobres criaturas para quem a mescalina seja uma

dádiva dos céus sem um antídoto, mas tenho profunda desconfiança

das “genuínas dádivas dos deuses”. Paga-se caro por elas. Quid id est,

timeo Danaos et dona ferentes.

Esta não é absolutamente a questão, saber do inconsciente ou sobre ele, nem a

história acaba aqui; pelo contrário, é como e onde se começa a busca real. Se

somos demasiadamente inconscientes, é um grande alívio conhecer um pouco

do inconsciente coletivo. Mas logo se torna perigoso saber mais, porque não

aprendemos simultaneamente como equilibrá-lo mediante um equivalente

consciente. É esse o erro que comete Aldous Huxley. (É, na verdade, o erro de

nossa época. Pensamos que basta inventar coisas novas, mas não nos damos

31

conta de que saber mais exige um desenvolvimento moral correspondente. As

nuvens radioativas sobre o Japão, Calcutá e Saskatchewan assinalam um

envenenamento progressivo da atmosfera mundial...).

Quanto ao medo da morte e as crises de ansiedade que isto provocava em certos

pacientes da amostra, podemos deduzir numa análise que nesse nível transpessoal, portanto de

experiência arquetípica, o medo provavelmente seria de se ter o Ego esmagado ou

desintegrado sob a pressão de uma realidade maior, em suma: a possessão por complexos

individuais provocando a incapacidade de suportar o conflito. Não é de estranhar que diante

do esvaziamento e da despersonalização crescente do indivíduo, o inconsciente exerça pressão

procurando elevar os valores transpessoais reprimidos até o consciente através de projeções.

As mais diversas religiões do mundo com suas literaturas abundam em relatos de dores e

terrores, o horror que chega à alma humana face a face com o mysterium tremendum. Em seu

trabalho publicado em 1932, “Alma e Morte”, ele expressou a suposição de que a psique era

capaz de transcender o espaço e o tempo, sendo o ego de importante fator para a compreensão

que porventura suscitasse, sendo só assim possível integrar experiências místicas-religiosas à

personalidade do indivíduo Mais tarde a partir de pesquisas de outros colaboradores a respeito

da sincronicidade é que esses fenômenos foram compreendidos como uma possibilidade de a

alma transcender o mundo dos sentidos e ter percepções extra-sensoriais. É aqui que Jung

introduz o termo – psicoide - para definir as experiências de mudanças que abalam as

profundezas do inconsciente.

Volto a ponderar as principais considerações da psicologia analítica a respeito. Mattos

(2013), comenta que “ao longo de suas pesquisas Jung insiste em dizer que no inconsciente há

uma fonte criadora, isto é, uma fonte que jorra imagens”. Sendo Jung um cientista empírico

que levava em consideração os processos históricos, antropológicos e mitológicos, em que a

psique era o sujeito observador assim como observando, logo notava em suas profusões o

respeito pelo mito, pelas religiões comparadas e o incentivo aos seus parceiros e alunos. Para

viver a profundidade da própria existência, como parte de um contexto maior, contamos com

a contribuição central dos mitos que, como Jung assinala, “explicava aos humanos aturdidos o

que estava se passando em seu inconsciente”. (JUNG, OC 5, 2011). Hollis (1995) explica em

sua obra sobre o lugar do mito na vida moderna, por exemplo, que os aspectos

negligenciados, portanto reprimidos na vida consciente do indivíduo, que para ele, se

conscientizados seriam molas propulsoras para a criatividade.

32

Mantendo-se o ego em harmonia com o Si-Mesmo, que por si só é transcendente,

equilibra-se o eixo, e a sombra, ou os “antípodas da mente” do inconsciente pessoal, como

citado por Huxley, cede espaço ao discernimento liberando toda a energia para o processo de

individuação que deve constituir grande meta. Na proposta da progressão junguiana, torna-se

necessário bom encaminhamento da libido, canalizando-a em favor da melhor compressão da

existência humana e da sua aplicação nas conquistas dos recursos que a edificam. Quando,

por alguma razão, ela é interrompida, dá-se um choque, qual seja a perda, passando a uma

fase de regressão e perdendo-se no inconsciente desenvolvendo complexos e conflitos

perturbadores. Ora, as experiências com psicodélicos, com destaque a psilocibina, mantém

efeitos de contemplação e introspecção, que em suma seria uma análise de si mesmo mais

íntima, compassiva, um reconhecimento dos elementos inibidores do desenvolvimento da

personalidade humana colaborando para o autoconhecimento, e posteriormente, por que não,

auxiliando no processo de individuação? Esta pergunta não invalida o poder da dialética

analítica, da confrontação com o inconsciente, sendo ainda considerada a ferramenta de

fundamental importância no processo psicoterapêutico e que de maneira poética Giordano

Brunno (1978, p.5), comenta:

“Admito que entre a superfície do continente e do conteúdo, que nela

se move, sempre é necessário que haja espaço interposto, ao qual convém, antes de tudo, ser

lugar. E se quisermos tomar do espaço apenas a superfície, é preciso que se vá procurar no

infinito um lugar finito”.

Em termos práticos na vida do paciente, ao refletir sobre essas experiências, essa

pessoa pode chegar a uma nova e melhor compreensão das maneiras pelas quais ela percebe,

sente e observa assim como consequentemente o Outro, às noções cosmológicas, de

cosmovisão, de “o que está no alto, é o que está embaixo”, uma das leis de correspondência

hermética, por exemplo. No estudo de Griffhts (2011), os pacientes que conseguiram

responder de forma significativa após o consumo de psilocibina apresentaram novas formas

de comportamento, uma preocupação real pelo autoconhecimento, o surgimento de novos

afetos e interesses podendo assim realizar-se a partir da diminuição da ansiedade patológica

agravada pela condição terminal do tumor cancerígeno. Antes do consumo da SPA, existiam

nesses pacientes uma atitude mental inadequada e desgastada, atitude habitual da consciência

que já não é apropriada para um novo dinamismo, haja visto que a unilateralidade não

proporciona na maioria das vezes uma mudança na maneira de agir. A prova disso é que

existia a dificuldade em renovar a consciência, motivo pelo qual o novo fator que deve

33

ocasionar a mudança assume a forma de complexo autônomo no inconsciente. O complexo

atrai para si a energia psíquica, a consciência a mercê dos efeitos psicodélicos permite que o

complexo penetre na consciência. Como resultado, surgem aspectos próprios da viagem com

o consumo e precisam ser, portanto, interpretados sob um aspecto simbólico. A linguagem

anímica sobrepõe o Logos a partir do Mythos, assumindo assim a alma sua própria linguagem

que não é, a priori, passível de entendimento lógico e racional, por se tratar justamente de

imagens da alma. “Se alguém entende o que quer dizer numinoso, como Rudolf Otto definiu,

e Jung adotou, é ridículo pretender-se aprisioná-lo no interior de uma teoria explicativa,

porque a partir desse instante fatal o numinoso deixa de sê-lo” (GAMBINI, p. 143).

Essa reflexão nos leva a perceber aqui o método finalístico junguiano, no qual o que

passa a ter significado não é mais a explicação, mas sim o “Como”, o “Para que”, o sentido

em que a experiência assume sua expressão para a vida do sujeito ou o que o desconforto

indica de modo obscuro em se tratando do setting terapêutico convencional. E também

notamos que há uma prospecção para talvez tentarmos chegar a esse sentido. Os sintomas, as

imagens passam a ser vistos como agentes de transformação. E o caminho trilhado para a

individuação recolhe os elementos dessa alma individual integrando-as, viabilizado apenas

pelo recolhimento das projeções sobre as pessoas, situações, cotidiano, instituições, etc. O que

está em jogo aqui é a passagem da ordem da explicação presidida pela razão, para a ordem do

sentido, que transcende tudo, pois o universo psíquico é mais amplo que o universo racional.

A tomada de consciência e a respectiva mudança de atitude seria per si, na teoria analítica, as

chaves hermenêuticas do processo psicoterapêutico, levando em consideração na análise os

aspectos teóricos e o comprometimento de responsabilidade vivencial que isso suscita. E

quanto a psilocibina, a mesma caracteriza-se como instrumento desses processos há milhares

de anos na consumação para os devidos fins. E provavelmente atribuindo um sentido para a

iniciação, refletindo em algo novo que possa acontecer futuramente no dinamismo psíquico.

Quando há uma preocupação real pelo autoconhecimento, interpretando as ocorrências

normais como necessárias ao processo de evolução da vida, a saúde integral passa a fazer

parte daquele que assim procede. Não é adequado dizer que as experiências com a psilocibina

seja dissolver o ego. A SPA se torna um catalisador de experiências, em que Beserra (2011, p.

52) comenta:

“Considerando o consumo de enteógenos, podemos refletir que para

uma integração da experiência também é necessária uma dialética, e,

portanto, um tipo de atitude consciente. Portanto, é mais correto nos

34

referirmos sempre a uma ”experiência enteogênica” do que a um

“enteógeno”, considerando que a substância é um catalizador, um

potencial de experiência enteogenica, mas não uma determinante, pois

se assim o fosse deveríamos novamente considerar o papel do sujeito

como nulo ou ausente”.

As “trips” usam material da consciência, porque se não o fizesse esta não teria como

compreendê-lo, sendo as trips conhecidas do ego. Mas a estrutura dessas experiências não são

feitas pela consciência, assim como não o é a formação de símbolos e a escolha da imagem

que as expressam. Jung pretendeu ter descoberto um nível fenomenológico, empírico e

observável.

Citando ainda um exemplo sobre experiências místicas-religiosas através de estados

alterados de consciência, vale tocar no que o pai da psicologia analítica passou em 1944. Aos

sessenta e nove anos, Carl Jung teve um grave ataque de coração. Próximo à morte, delirante

e sob o efeito de estados alterados de consciência, teve uma visão gloriosa. Estava flutuando

nas alturas, num espaço estelar e olhando para baixo para o globo azul prateado da Terra,

muito distante dele. Deixando a Terra cada vez mais para trás, viu de repente, a uma curta

distância ao longo do espaço, uma enorme rocha solitária, na qual havia um templo cuja

entrada era iluminada por pequenas e centenas de chamas. Jung sabia que devia entrar neste

templo, que transpor o seu limiar significava morrer e que a morte responderia a todas as suas

perguntas. Ele ansiava com todas as veras por esta consumação final. Mas neste justo

momento, um mensageiro vindo da Terra com a aparência do seu médico chegou e disse que

Jung ainda não estava autorizado a partir, que ele ainda era necessário lá embaixo. Com esta

notícia, que foi mal recebida, toda a visão despareceu. Melancólico e deprimido, Jung

regressou ao estúpido e severo mundo dos viventes. Sentindo-se exilado, quase não observou

a lenta recuperação do seu organismo. Pensar em alimentos causava-lhe náusea e a presença

de pessoas irritava-lhe os nervos. Teve ódio do médico que interferiu na sua morte.

Na pesquisa de Griffiths e colaboradores observamos que ela proporciona diversas

reflexões ao tentar estabelecer um diálogo com a psicologia analítica. Curiosamente por já ter

citado uma das experiências místicas de Jung – o morrer - devemos nos ater a queixa da

maioria dos pacientes: o medo da morte. A dificuldade de lidar e de aceitar este fato que em si

é religioso, muito tem a ser focado a partir da perspectiva analítica. Aniela Jaffé, colaboradora

do professor Jung proferiu uma palestra em Berlin no ano de 1974 intitulada “a visão de

C.G.Jung sobre a morte”. Vida e morte, morte e renascimento são faces da mesma moeda que

35

gere a proeza da existência. Com 85 anos, Jung escreve uma carta para uma mulher em que

comenta:

“Estou tentando aceitar a vida e a morte. Se eu não estivesse disposto

a aceitar ambas alternativas, questionaria os meus motivos pessoais

(...). Nas extremas situações de vida e morte, a compensação e o

entendimento abrangente têm o mais elevado significado. Ir ou ficar,

se entregar ou não, são os fatores irredutíveis da nossa situação”.

(CARTAS VOL 3, p. 290)

O medo da morte se torna desnecessário por simplesmente a morte ser uma

mitologema presente em todas as culturas em suas respectivas jornadas: do eterno retorno e a

jornada heroica, ambas lidando com a morte simbólica do ego, das antigas concepções,

cedendo lugar ao renascimento psicológico, novas habilidades, dons, interesses,

comportamentos e desenvolvimentos de outras qualidades inatas. Porém o medo é

compreensível, mas contamos com a ajuda do mito a reproduzir energias e processos no

interior das pessoas. Como Jung explica:

“Os arquétipos são elementos estruturais, numinosos, da psique e

possuem certa autonomia e uma energia específica, que lhes permite

atrair, da mente consciente, aqueles conteúdos que melhor se ajustam

a si. Os símbolos agem como transformadores; sua função é converter

a libido, de uma forma inferior numa forma superior”. (JUNG, OC 5,

2011.)

Ora, se a individuação é o oxigênio puro de manutenção da vida psíquica e geral,

como tentar compreender a imagem da morte e o seu decreto já estabelecido? Aqui se trata de

uma conscientização e rendição. Dizer sim à morte significa apostar na vida e vivenciá-la.

Não é de todo objetivo aprofundar esta questão, mas é uma oportunidade de refletir mais

sobre a morte à luz da psicologia. Nas correspondências de Jung com seus pacientes,

conhecidos e amigos, existe uma série de relatos e reflexões, principalmente nos últimos anos

de vida em que Jung confere importância ao envelhecimento. Jung não seguiu uma

metodologia científica específica ou concepções científicas para as concepções da morte, mas

sim, as imagens da alma baseando-se em suas experiências mais íntimas: “Meus ouvidos

estão atentos aos fantásticos mitos da alma” (Memórias, Sonhos e Reflexões, sobre a vida

após a morte). Jung via a vida que transcende infinitamente os anos vividos.

36

“A triste verdade é que a vida humana consiste num complexo de

opostos inseparáveis – dia e noite, nascimento e morte, felicidade e

miséria, bem e mal. Nem sequer estamos certos de que um prevalecerá

sobre o outro, de que o bem superará o mal, ou a alegria derrotará a

dor. A vida é um campo de batalha. Ela sempre foi e sempre será um

campo de batalha. E se assim não fosse, a existência chegaria ao fim

(JUNG, Ao encontro com a sombra, 2013).

Em seguida devemos supor que as mudanças de comportamento, hábitos e etc, se

devem à experiência emocional com o símbolo:

“Portanto, o inconsciente só terá para nós uma função criadora de

símbolos se estivermos dispostos a reconhecer nele um elemento

simbólico. Os produtos do inconsciente são pura natureza. A natureza

não é por si só um guia, pois não existe em função do homem. Mas se

quisermos valer-nos dela como tal, poderemos dizer como os antigos:

naturam si sequemur ducem, nunquam aberrabimus (se tivermos a

natureza por guia, nunca trilharemos caminhos errados). (...) O mesmo

acontece com a função orientadora do inconsciente. Pode-se usar o

inconsciente como fonte de símbolos, mas com a necessária correção

consciente que, aliás, temos que aplicar a todo fenômeno natural, para

que possa servir aos nossos objetivos.” (JUNG, OC 10/3, 2011 p.27).

Aqui estabelece-se um panorama dos conceitos envolvidos entre símbolo, atitude

simbolizante a partir do momento em que para haver dialética precisa haver alguém que

permita-se envolver com os conteúdos inconscientes. Esta dialética com o inconsciente

favorece o processo de individuação que constitui em si a grande meta para a realização das

potencialidades para Jung, processo esse que é expresso por símbolos, que não obstante

provém do envolvimento afetivo com uma imagem e consequentemente uma possível

mudança de unilateralidade da consciência, atributo no qual Jung faz à psique, como sendo

um órgão autorregulador e sistêmico visando compensar as atitudes unilaterais através de

projeções em sonhos, fantasias e sintomas psicossomáticos.

O homem aspira a realizar e integrar seus potenciais, a ser ele mesmo. A conquista

desse estado que Jung denomina de numinoso, pode ser comparado a uma nova forma de

religiosidade, na qual se consegue harmonia na vida. Anteriormente, por não existir a

Psicologia Analítica, a religião albergava todas as necessidades humanas e a confissão

37

produzia efeito psicoterápico na liberação de males, mantendo, no entanto, irresponsável o

indivíduo, que achava muito fácil errar, ferir e ser desculpado, sem realizar o processo de

autotransformação. Graças, porém, à nova visão de Jung, os mitos religiosos podem ser

substituídos pelos arquétipos e os conflitos, em vez de recalcados e desculpados, devem

merecer catarse, diluição, enfrentamento e reparação dos danos que hajam causado. É o

inconsciente que conduz o indivíduo e não apenas o seu centro da consciência denominado

ego. O mito ocupa assim um local de escuta, de fala, de polissemia e era o que Jung

justamente fez ao elaborar o sentido da existência: a busca de seu mito pessoal (JAFFÉ, O

mito do sentido na Obra de C.G. Jung, 1988).

Que fenômeno estranho será este que se apodera do mundo moderno e toma conta

principalmente da juventude? Será uma fuga ou uma busca? Proponho comentar que seja –

para além da fuga da realidade. Silveira, comenta que possivelmente seja um princípio

filosófico debatido por Jung inúmeras vezes em suas obras: fenômeno da enantiodromia. Cita

Jung “Denomino enantiodromia o aparecimento da contraposição inconsciente, especialmente

no desdobramento temporal.” Este fenômeno característico produz-se quase sempre quando

uma tendência extremamente unilateral domina a vida consciente de maneira que, pouco a

pouco, se forma no inconsciente uma atitude oposta igualmente forte.

“Neste sentido percebe-se que os deuses continuam por falar em nossa

realidade a partir dos cernes de nossos complexos, constituindo a

atividade psíquica eminente do ser humano. O êxtase, o transcendente

constitui uma transgressão aos parâmetros da cultura ocidental de

paradigma materialista. É uma maneira de desconstrução, rompimento

de paradigmas quanto às noções de consciência e psique a partir

destes estados não comuns, assim como também é uma tentativa de

diferenciação da massa, atentando-se aos conteúdos manifestos de

natureza psicodélica e portanto, de caráter individual. Um trabalho de

retirada de projeções. Uma via alternativa que se mostra à medicina e

a psicologia modernas no sentido de reavaliar suas posições

unilaterais formadas até a gora e proporcionar melhor qualidade de

vida aos seus pacientes. Os deuses continuam a nos fala” (JUNG, OC

13, 2013, § 54)

Como comenta Fierz (1991, p. 94):

38

“Para ser completo, quero acrescentar que quando a pessoa vivencia

uma imagem arquetípica, geralmente é possível enxergar algo a mais,

ou seja, o que a pessoa envolvida e a imagem representam em

conjunto; isso é percebido pelas outras pessoas, e, de vez em quando,

pela própria pessoa, se ela se reconhecer na situação. Trata-se da

situação arquetípica – uma terceira imagem, se for considerada como

um todo.”

E para compreender as experiências religiosas que são eminentemente terapêuticas e

intrínsecas à alma humana, Jung comenta:

“Se quisermos saber alguma coisa a respeito do significado da

experiência religiosa para aqueles que as têm, contamos atualmente

com todas as possibilidades de estuda-las sob todas as formas

imagináveis. E se ela significa alguma coisa para aqueles que a têm,

este algo é: “tudo”. Esta é, pelo menos, a conclusão inevitável a que

chegamos depois de um estudo minucioso das provas. Poderíamos até

mesmo defender a experiência religiosa como aquela que se

caracteriza por seu extremo valor, independentemente de seu conteúdo

(mesmo sob efeitos psicodélicos de administração) A atitude espiritual

do homem moderno será a de voltar-se para a alma como sua última

esperança”. (JUNG OC 11/2, 1979a

§106).

Portanto, vale ressaltar que se tratam da experiência em si e por si, e que para a

epistemologia junguiana é de fundamental importância: a subjetividade e o conteúdo

significativo na relação entre enteógenos em geral e sujeito. Jung comenta que muitas

experiências místicas têm um caráter semelhante: a pessoa se envolve, sem necessariamente

ser tocado por aquilo. Sendo, portanto, de grande valor recorrer às ocorrências como a

transformação subjetiva no sentido da ampliação, ou seja, novos conteúdos que fluem e que

são assimilados pela personalidade conscientizado-se de que a alma se expande por emanar de

fontes internas (OC9, p. 124) e observações nas mudanças de estrutura interior a partir do que

ocorre na dinâmica psíquica através de registro de sonhos, por exemplo.

“Num caso como este não se trata, absolutamente, de saber qual é a

nossa impressão ou o que nós pensamos a respeito. Interessa

unicamente saber o que o sujeito sente em tal situação. É sua

39

experiência, e se ela exerce influência essencial sobre seu estado,

qualquer argumentação ao contrário não tem sentido. Ao psicólogo

não resta senão tomar conhecimento do fato e, desde que se sinta à

altura da tarefa, poderá também tratar de compreender a razão pela

qual a visão agiu sobre essa pessoa e precisamente desse modo”.

(JUNG OC 11/2, 1979a

§110)

40

3 - Considerações Finais:

A religião é um dos temas centrais das inúmeras atividades científicas de Carl Gustav

Jung, que lança uma luz especial do fenômeno da experiência religiosa à luz da psicologia

analítica. Possivelmente isso se deve ao fato de sua vida e obra manterem em vínculo com

suas fontes e inspirações filosóficas. Em sua biografia vemos inúmeros relatos de experiências

religiosas e determinados problemas decorrentes bastante delineados na infância.

Em seu estudo da medicina e em seu trabalho como psiquiatra evidencia-se certa

continuidade em seu interesse pela alma misteriosa, doente, que sofre, que deseja a cura e que

fascinava Jung com seus conteúdos, paixões e curiosidades. Sua própria doença foi

certamente uma das experiências mais importantes que o levou a estudar o sofrimento, o mal

e a questão da integração e da individuação sob uma perspectiva incomum. Todas as

afirmações encontradas em relatos individuais referentes às experiências diversas, mas de

caráter místico-religioso, Jung afirma que são determinadas por arquétipos, sendo encontradas

de forma mais abrangente em povos mais diversos.

As modernas frentes de pesquisa nos têm mostrado, com dados promissores, que os

psicodélicos possuem uma potencialidade ainda pouco conhecida pelos cientistas e que jamais

deveriam ter sido condenados a uma moratória durante longas décadas. Os novos estudos têm

inspirado um honesto retorno de alcalóides como a psilocibina aos domínios da ciência e

desmentindo a demoníaca imagem pintada nos anos 60.

A pesquisa de Griffths ganhou notoriedade por sua expansão no círculo médico-

acadêmico, encontrando acolhimento por parte de médicos e outros que viram na terapia com

psilocibina uma alternativa para a resolução de problemas. Lógico que como toda pesquisa

qualitativa, mesmo munido de uma amostra significativa de resultados, a pesquisa constou

resultados outros que foram insatisfatórios. É importante que mais pesquisas sejam feitas na

área aliando a psicoterapia com a possível administração de substâncias psicoativas,

complementando e refinando no futuro os procedimentos.

Como percebe são típicos os motivos indicadores de uma viagem, de uma passagem

sinistra, ou também da conclusão da vida e do renascer do homem, já que a morte e as

experiências psicodélicas são situações arquetípicas por excelência. Desde os tempos

primitivos até o presente, o homem vem construindo o ritual e o tabu para protegê-lo das

vozes de seus sonhos e do conteúdo de seu inconsciente. Observamos também que, quando

tratadas com respeito e recebem apoio apropriado, as condições alucinógenas podem resultar

em profundas transformações positivas e um nível mais alto de funcionamento da vida diária.

41

Para que a terapia de alucinógenos clássicos ganhe aceitação, terão de superar

preocupações que emergiram com os excessos dos “psicodélicos anos 60”. Os alucinógenos

podem, às vezes, induzir à ansiedade, paranoia ou ansiedade temporária, ânsia de vômito, que,

em ambientes sem supervisão, podem produzir ferimentos acidentais e em casos extremos, o

suicídio. No estudo feito na Universidade John Hopkins, mesmo após cuidadosa seleção e ao

menos oito horas de preparação com um psicólogo clínico, cerca de um terço dos

participantes experimentaram algum período de medo significativo e cerca de um quinto

sentiram paranoia em algum momento durante a sessão. Mas em ambiente acolhedor

oferecido pelo centro de pesquisas e com a constante presença de guias treinados, os

participantes não demonstraram persistentes efeitos negativos. Se os novos achados forem

confirmados por estudos futuros com mais pessoas, a terapia com psilocibina pode se tornar

uma nova opção para o tratamento de pacientes com câncer com depressão e ansiedade,

disseram os pesquisadores. Estas condições psiquiátricas afetam até 40% dos doentes com

câncer, o que denota um valor terapêutico importante para determinadas pessoas que sofrem

psiquicamente devido à doença, que em outros meios de tratamento já não se mostraram mais

eficientes.

A realidade da psique propõe o desenvolvimento das possibilidades existenciais que se

encontram em germe em todos os seres, crescendo no rumo da realidade e do saudável

comportamento, para alcançar o patamar de um ser integral, em conformidade com a sintonia

ego-self. A conquista da consciência humana, conforme propunha Jung, rompe a cadeia do

sofrimento, adquirindo assim significado metafísico e cósmico. Cabe ressaltar o aspecto

humanista a partir do contato pessoal entre a equipe de médicos, terapeutas e acompanhantes

do procedimento com a amostra. Isso significa um bom rapport oferecido para assim concluir

que nem as melhores substâncias psicoativas não substituem o contato pessoal com o

paciente.

A legítima psicoterapia objetiva conduzir o indivíduo ao redescobrimento da sua

realidade, da finalidade existencial, que se lhe transformam em alicerces de segurança para as

lutas contínuas e para o provável fim, evitando a projeção de seus conflitos nos outros e

liberando a culpa do inconsciente em que jaz produzindo sombra e pesar. Em relação ao caso

abordado pelos pesquisadores, a SPA conseguiu atingir este objetivo uma vez que a

reconsideração por valores de outrora despertaram a consciência e um novo juízo se fez

presente à vida dos pacientes. Assim, considero justa e emergencial a nova abordagem perante

o dinamismo do inconsciente em seus processos como diferenciação, compensação e

42

integração, considerando a importância da dimensão transpessoal para a vida do paciente, ao

que segundo Huxley comenta:

“Parece muito improvável que a humanidade em geral seja capaz de

dispensar um dia os Paraísos Artificiais. A vida da maioria dos

homens e mulheres é na pior das hipóteses tão dolorosa, e na melhor,

tão monótona, pobre e limitada, que a vontade de escapar, o anseio de

transcender a si mesmo, por poucos momentos que seja, é sempre e

sempre foi um dos principais apetites da alma”. (HUXLEY, p. 51)

E que por um lado positivo “as mudanças de consciência por ela induzidas devem ser

mais interessantes, mais intrinsecamente significativas que a mera sensação de devaneio, que

os delírios de onipotência ou a perda da inibição” (HUXLEY, p. 51)

Portanto, Jung traz em seus estudos em psicologia analíticas reflexões que vão na

contramão do paradigma materialista ocidental, que muito ignora a realidade anímica e as

vivências religiosas. Mas, este estudo nos chama a atenção onde essas expressões da

religiosidade dos pacientes foram frutíferas no ponto de prosseguir a alma em seu

desenvolvimento não sendo exclusivamente religiosas. Sendo assim, as projeções

exclusivamente religiosas privam a alma humana de seus valores e incapacitada para evoluir.

A religião se torna muito importante para o ser humano em virtude de sua função religiosa,

que a transforma em um potencial inato, que precisa ser desenvolvido. Jung fala assim da

imagem de Deus como arquétipo vivencial, por reconhecer que os fenômenos religiosos são

concretizações arquetípicas e acessos ao seu efeito.

As experiências espirituais podem ser sujeitadas a uma cuidadosa pesquisa feita com

mente aberta e estudadas cientificamente com todo vigor. Não há nada de anticientífico no

estudo rigoroso e não tendencioso destes fenômenos e dos desafios que estes representam para

a compreensão materialista do mundo. Esta abordagem pode responder à pergunta crítica

sobre a natureza ontológica das experiências místicas: elas revelam verdades profundas sobre

qualquer aspecto básico da existência, conforme é sustentado pela filosofia materialista, ou

são produtos de superstição, fantasia ou doença mental, como a ciência materialista as vê? A

ciência e a espiritualidade são espectros importantes da vida humana, cada qual em sua

essência. A ciência é uma ferramenta poderosa para apreensão dos fenômenos obtendo

informações sobre o mundo que vivemos e a espiritualidade é indispensável como fonte de

significado para as nossas vidas

43

4 - Referências bibliográficas das Obras Completas de C.G Jung.

JUNG, C.G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Nova Fronteira, São Paulo.

__________. (2013). Ao encontro da sombra. Editora Vozes, Petrópolis.

__________. (2013). A natureza da psique. Editora Vozes, Petrópolis, 10a edição.

__________. (2013). Tipos psicológicos. Editora Vozes, Petrópolis, 7a edição.

__________. (2011). Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Editora Vozes,

Petrópolis, 7a edição.

__________. (2011). Civilização em Transição. Editora Vozes, Petrópolis, 4a edição.

__________. (2011). Escritos Diversos. Editora Vozes, Petrópolis.

__________. (2011). Símbolos da transformação. Editora Vozes, Petrópolis, 7a

edição.

__________. (2011). A vida simbólica I. Editora Vozes, Petrópolis, 5a edição.

__________. (2003). Cartas volume III. 1956 – 1961. Editora Vozes. Petrópolis.

__________. (1987). Psicologia e religião. Editora Vozes, Petrópolis, 7a edição.

__________. (1958). Religião Oriental. Comentário psicológico do livro tibetano da

grande libertação. Editora Vozes, Petrópolis.

__________. (1979a). Tentativa de uma interpretação psicológica do dogma da

Trindade. Editora Vozes, Petrópolis.

__________ et WILSON, Bill. Spiritum contra spiritum: a correspondência entre Bill Wilson e C.G. Jung in Junguiana: revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA), V.12, Dependências. s/d. pp. 10-13.

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5 - Referências bibliográficas secundárias:

BESERRA, Rocha Fernando (2011). “Uso Contemporâneo de Badoh Negro: Uma

Visão Junguiana”, monografia apresentada para a conclusão da especialização em psicologia

analítica. Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro.

BRUNO, Giordano (1978). “Sobre o infinito, o universo e os mundos”. Abril Cultural,

São Paulo

FIERZ, Karl Heinrich (1997). “Psiquiatria Junguiana”. Paulus.

FRANZ von, Louise-Marie (2011, terceira edição). “Psicoterapia”. Paulus.

GAMBINI, Roberto (2008) “A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas”,

Cotia/SP, Ateliê Editorial.

GRIFFTHS e outros (2011). “Psilocybin occasioned mystical-type experiences:

Immediate and persisting dose-related effect”. NIH Public Access. Published in final edited

form as: Psychopharmacology (Berl) . 2011 December.

GROB, Charles (2007). “The use of psylocibin in patients with advanced cancer and

existential anxiety”. Medical Apllications.

GROFF, Stanislav (2000). “Psicologia do futuro: lições das pesquisas modernas de

consciência”. Heresis Transpessoal.

HILLMAN, James (2009). “Suicídio e Alma”. Editora Vozes.

HOLLIS, James (1995). “Rastreando os deuses: o lugar do mito na vida moderna”.

Paulus.

HUMBERT, G. Elie (1985). “Jung”. Summus Editorial.

HUXLEY, Aldous (2015). “As portas da percepção e Céu e inferno”. Biblioteca

Azul, São Paulo/SP.

JACOBI, Jolande (2016). “Complexo, arquétipo e símbolo na psicologia de

C.G.Jung” Editora Vozes, Petrópolis/RJ

JAFFÉ, Aniela (1988). “O mito do sentido na Obra de C.G. Jung”. Cultrix Editorial.

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JOURNAL of Psychopharmacology (2016). Disponível em:

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STEVENS, Anthony (2012). “JUNG”. L&PM Pocket, São Paulo/SP.

ZOJA, Luigi (1992). “Nascer não basta: iniciação e toxicodependência”. AXIS

MUNNDI