Abdominoplastia Por Plicatura Anterior Longitudinal

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ABDOMINOPLASTIA POR PLICATURA ANTERIOR LONGITUDINAL NA SÍNDROME DE PRUNE BELLY: EXPERIÊNCIA INICIAL DO HOSPITAL MUNICIPAL JESUS ABDOMINOPLASTY BY LONGITUDINAL ANTERIOR PLICATURE IN PRUNE BELLY SYNDROME: PRELIMINARY EXPERIENCE IN HOSPITAL MUNICIPAL JESUS Lisieux Eyer de Jesus, TCBC-RJ 1 Henrique Pessoa Ladvocat Cintra 2 Isabel Cristina Soito 3 José de Ribamar Valle 3 1. Cirurgiã do Serviço de Emergência HUAP/UFF. Cirurgiã Pediátrica do Hospital Municipal Jesus/ SMS/RJ. Mestre em Cirurgia Abdominal da UFRJ. 2. Cirurgião Plástico do Hospital Municipal Jesus. Titular da Sociedade Brasileira Cirurgia Plástica. 3. R2 de Cirurgia Pediátrica do Hospital Municipal Jesus. Recebido em 12/04/2000 Aceito para publicação em 20/02/2000 Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Municipal Jesus (RJ). RESUMO: Objetivo: Apresentar os resultados iniciais com o uso da técnica de abdominoplastia longitudinal anterior por plicatura parietal descrita por Furness et al (1998) no Hospital Municipal Jesus. Método: Descreve- mos as características e resultados dos primeiros pacientes tratados em nosso serviço, inclusive duas modifica- ções adotadas com relação à técnica descrita, a saber, a exploração retroperitoneal sistemática para cura da crip- torquia bilateral simultânea à abdominoplastia e a celiotomia “de segurança” para todos os pacientes operados. Resultados: O seguimento dos pacientes foi de 1,5 ano, 15 meses e 10 meses, respectivamente. Foi possível demonstrar que a técnica adotada foi de fácil execução e pequena morbidade, com resultados estéticos satisfató- rios, grande melhora das condições psicológicas e do convívio social para os pacientes desde o pós-operatório imediato, melhora da constipação crônica, capacidade aeróbica e postura. Quanto às repercussões urodinâmicas, aguardamos reavaliação a longo prazo, para conclusões mais efetivas. Conclusão: A abdominoplastia longitudi- nal anterior é uma técnica de fácil execução e segura para o tratamento da síndrome de prune belly e melhora a capacidade funcional muscular abdominal. Tem conseqüências urodinâmicas, que necessitam de avaliação após longo prazo. Descritores: Síndrome de Prune Belly; Abdominoplastia. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões — Vol. 28 – n o 3 — 173 INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO A síndrome de prune belly (SPB) é doença incomum e sua expressão habitual é restrita ao sexo masculino (inci- dência populacional de até 1:35.000 nascidos vivos, 1,8% do total de defeitos abdominais congênitos 1-3 ). Caracteri- za-se por criptorquia bilateral abdominal, dimorfismo da musculatura abdominal anterior, principalmente inferior e medial, e uropatia de grau variável, à qual se associa fre- qüentemente disfunção renal secundária. Normalmente estão associadas doenças do aparelho locomotor (princi- palmente pé torto congênito e doenças da coluna) e do apa- relho respiratório, sejam elas morfológicas (hipoplasia pulmonar e deformidades torácicas do tipo (pectus exca- vatum ou carinatum), infecciosas (pneumonias de repeti- ção) ou funcionais. A preocupação médica com relação a estes pacientes está relacionada à preservação do aparelho urinário e da

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ABDOMINOPLASTIA POR PLICATURA ANTERIOR LONGITUDINALNA SÍNDROME DE PRUNE BELLY: EXPERIÊNCIA INICIAL DOHOSPITAL MUNICIPAL JESUS

ABDOMINOPLASTY BY LONGITUDINAL ANTERIOR PLICATURE IN PRUNEBELLY SYNDROME: PRELIMINARY EXPERIENCE IN HOSPITAL MUNICIPALJESUS

Lisieux Eyer de Jesus, TCBC-RJ 1

Henrique Pessoa Ladvocat Cintra 2

Isabel Cristina Soito 3

José de Ribamar Valle 3

1. Cirurgiã do Serviço de Emergência HUAP/UFF. Cirurgiã Pediátrica do Hospital Municipal Jesus/ SMS/RJ. Mestre emCirurgia Abdominal da UFRJ.

2. Cirurgião Plástico do Hospital Municipal Jesus. Titular da Sociedade Brasileira Cirurgia Plástica.3. R2 de Cirurgia Pediátrica do Hospital Municipal Jesus.

Recebido em 12/04/2000Aceito para publicação em 20/02/2000Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Municipal Jesus (RJ).

RESUMO: Objetivo: Apresentar os resultados iniciais com o uso da técnica de abdominoplastia longitudinalanterior por plicatura parietal descrita por Furness et al (1998) no Hospital Municipal Jesus. Método: Descreve-mos as características e resultados dos primeiros pacientes tratados em nosso serviço, inclusive duas modifica-ções adotadas com relação à técnica descrita, a saber, a exploração retroperitoneal sistemática para cura da crip-torquia bilateral simultânea à abdominoplastia e a celiotomia “de segurança” para todos os pacientes operados.Resultados: O seguimento dos pacientes foi de 1,5 ano, 15 meses e 10 meses, respectivamente. Foi possíveldemonstrar que a técnica adotada foi de fácil execução e pequena morbidade, com resultados estéticos satisfató-rios, grande melhora das condições psicológicas e do convívio social para os pacientes desde o pós-operatórioimediato, melhora da constipação crônica, capacidade aeróbica e postura. Quanto às repercussões urodinâmicas,aguardamos reavaliação a longo prazo, para conclusões mais efetivas. Conclusão: A abdominoplastia longitudi-nal anterior é uma técnica de fácil execução e segura para o tratamento da síndrome de prune belly e melhora acapacidade funcional muscular abdominal. Tem conseqüências urodinâmicas, que necessitam de avaliação apóslongo prazo.

Descritores: Síndrome de Prune Belly; Abdominoplastia.

Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões — Vol. 28 – no 3 — 173

INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO

A síndrome de prune belly (SPB) é doença incomume sua expressão habitual é restrita ao sexo masculino (inci-dência populacional de até 1:35.000 nascidos vivos, 1,8%do total de defeitos abdominais congênitos1-3). Caracteri-za-se por criptorquia bilateral abdominal, dimorfismo damusculatura abdominal anterior, principalmente inferior emedial, e uropatia de grau variável, à qual se associa fre-

qüentemente disfunção renal secundária. Normalmenteestão associadas doenças do aparelho locomotor (princi-palmente pé torto congênito e doenças da coluna) e do apa-relho respiratório, sejam elas morfológicas (hipoplasiapulmonar e deformidades torácicas do tipo (pectus exca-vatum ou carinatum), infecciosas (pneumonias de repeti-ção) ou funcionais.

A preocupação médica com relação a estes pacientesestá relacionada à preservação do aparelho urinário e da

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função renal, sendo a correção do defeito da parede abdo-minal relegada a um desconfortável segundo plano. Estasituação se agravava pela ausência de uma técnica eficaz ede baixa morbidade que permitisse tal correção, (emboratentativas neste sentido venham sendo elaboradas desde1967 por Randolph)4, e pelo desconhecimento quanto àimportância fisiológica da parede abdominal normal, oque considerava as reconstruções abdominais na SPBcomo fundamentalmente estéticas e relativamente supér-fluas para pacientes com problemas urológicos freqüen-temente graves 5.

Modernamente se reconhece a importância da mecâ-nica da parede abdominal na função respiratória, intestinale urodinâmica e há um novo enfoque quanto à necessidadee faixa etária preferencial para a reconstrução da paredeabdominal nos portadores da síndrome, ao lado de novastécnicas de abdominoplastia6-8. A técnica descrita por Fur-ness em 1998, que chamaremos aqui de abdominoplastiaanterior longitudinal por plicatura da parede (AALPP) sur-giu como nova alternativa com morbidade mínima paraestes casos. Não envolve perda de qualquer segmento deparede abdominal, é de execução fácil e não prejudica reo-perações abdominais, se necessário, através de incisãomediana. Relatamos aqui a experiência do HM Jesus coma AALPP em três pacientes, na que acreditamos ser a pri-meira casuística nacional com a técnica em questão.

MÉTODOMÉTODOMÉTODOMÉTODOMÉTODO

Metodologia cirúrgica (Figura 1): Paciente colocadoem decúbito dorsal e posição de Trendelenburg. Marcaçãoda pele sob tração controlada da área provável de ressec-ção cutânea (Figura 1-A). Incisão mediana infra-umbilicalpor planos e celiotomia. Dissecção dos testículos, deixan-do amplo retalho peritoneal em torno dos vasos testicula-res e deferenciais. Ligadura proximal dos vasos gonadais9,orquidopexia bilateral através de neo-anel modelado atra-vés da parede abdominal. Incisão cutânea mediana xifopu-biana com circundução completa da cicatriz umbilical,mantendo-a inserida na parede abdominal anterior (Figura1-B). Dissecção no plano subcutâneo. liberando os reta-lhos cutâneos marcados inicialmente, da aponeurose sub-jacente até os flancos, ultrapassando a marcação inicialconforme necessário para a plicatura da aponeurose a serfeita a seguir (Figura 1-C). Confecção de duas pregas in-cluindo todo o plano mioaponeurótico da parede abdomi-nal, entre a linha hemiclavicular média e a porção médiado ligamento inguinal, estabilizando-as com pontos de fioinabsorvível, protegendo as vísceras abdominais (Figura1-D). Fechamento da incisão infra-umbilical mediana. Sín-tese das pregas de parede entre si na linha média (Figura 1-E). Ressecção da sobra de pele na linha média. Síntesecutânea e refixação da cicatriz umbilical (Figuras 1-F e 1-G). Drenagem no plano do tecido celular subcutâneo atra-vés de drenos de aspiração e curativo compressivo.

O primeiro paciente operado no Hospital MunicipalJesus foi um menino de dois anos de idade (Figura 2-A), jásubmetido à orquidopexia direita por técnicas tradicionais(acesso inguinal e técnica de Fowler-Stephens)9, com atrofia

testicular ipsilateral completa. Apresentava megabexiga,megaureter e hidronefrose direita de pequena intensidade,megaureter e hidronefrose esquerda graves, com grau mo-derado de atrofia cortical à esquerda. Foi realizado esvazia-mento completo de ambos os sistemas coletores medianteinjeção de furosemida com ausência de refluxo vesicoure-teral. A urodinâmica era normal, exceto por resíduo pós-miccional significativo. No pré-operatório ocorriam, emmédia, três infecções urinárias por ano. A evacuação eraem dias alternados, muito lenta e pouco volumosa. Apre-sentava crises de “bronquite” e “resfriados” freqüentes,tórax com leve deformidade em sino e diminuição do diâ-metro anteroposterior. Foi operado em maio 1999. No pós-operatório não houve intercorrências graves e ocorreu in-fecção de parede verificada com 12 dias e tratada apenascom drenagem. O paciente permaneceu com cinta abdo-minal compressiva por três meses no pós-operatório. O tes-tículo esquerdo era tópico e sem sinais de atrofia. Os resul-tados estéticos foram satisfatórios para a criança e familiares(Figura 2-B). A fraqueza de musculatura abdominal emflanco direito, verificada desde o peroperatório, eviden-ciou melhora progressiva. A capacidade motora melhoroue a atividade física passou a ser desempenhada com menoscansaço e mais vigor. Não apresentou qualquer disfunçãoou infecção respiratória no pós-operatório, e houve me-lhora da função intestinal. Inicialmente a freqüência mic-cional estava aumentada, sem ocorrência de infecções uri-nárias. No momento a criança está com três anos de idade,continente para fezes e urina, freqüentando escola regular(seguimento de 1,5 ano).

O segundo caso operado foi de um paciente de 11anos de idade, que após exploração inguinal há dois anosvisando tratamento de criptorquia, com diagnóstico de “tes-tículo direito ausente” apresentava megabexiga, hidrone-frose moderada e dolicomegaureter bilateral. A função re-nal mantida bilateralmente simétrica e havia esvaziamentocompleto dos sistemas excretores com o uso de diurético(furosemida) e ausência de refluxo vesicoureteral. Nãohavia história conhecida de infecção urinária ou respirató-ria. Referia operação urológica com finalidade desconhe-cida com um ano de idade. Não tinha avaliação urodinâmi-ca pré-operatória e havia relativa constipação intestinal leve.Havia deformidade torácica em sino com diminuição dodiâmetro torácico anteroposterior e história de dispnéia aosmédios esforços e incapacidade de praticar esportes ou brin-cadeiras que exijam esforço físico. Apresentava problemassociopsíquicos graves, com rejeição materna declarada pelapresença da deformidade e convívio precário com as de-mais crianças. Submetido à operação em outubro 1999, opós-operatório imediato ocorreu sem qualquer anormali-dade. Permaneceu com cinta abdominal compressiva portrês meses no pós-operatórios. Os testículos eram tópicose sem sinais de atrofia no pós-operatório. O resultado esté-tico foi ótimo (Figura 3-A), deixando o paciente muito sa-tisfeito. A situação sociofamiliar melhorou, como o conví-vio com outras crianças. Houve melhora da funçãointestinal, com acentuado aumento da capacidade aeróbi-ca, executando esforços físicos moderados sem dificulda-

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Figura 1 – Metodologia cirúrgica, descrição no texto.

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Figura 2A – Paciente 1, pré-operatório.

Figura 2B – Paciente 1, pós-operatório.

de (Figura 3-B). Apresentou polaciúria, com melhora es-pontânea lenta, sem incontinência e sem episódios de in-fecção urinária no período pós-operatório, mas referindoepisódios eventuais de enurese noturna, com freqüênciaprogressivamente melhor (seguimento de 15 meses).

O terceiro caso doente é de um adolescente de 16anos de idade, tratado no Serviço de Cirurgia Pediátricadesde neonato, com diagnóstico de síndrome de prunebelly. Submetido inicialmente a pielostomias bilaterais, re-vertidas aos quatro anos de idade, após reimplante ureteralbilateral. Foi submetido a orquidopexias direita e esquerdapela técnica de Fowler-Stephens 9, realizadas respectiva-mente aos quatro e seis anos de idade, com bons resulta-dos. Assintomático no momento, exceto por urinar compouca freqüência (apenas três vezes ao dia), grande volu-me e jato “fraco”. As provas de função renal são normais,com ausência de refluxo vesicoureteral e hidroureterone-frose bilateral moderada sem sinais obstrutivos. Relata di-ficuldade em suportar exercício físico moderado (por exem-plo subir escadas), usa cinta de contenção para suportar

Figura 3A – Paciente 2, pré-operatório.

Figura 3B – Paciente 2, com dois meses de pós-operatório.

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esforços e manter aspecto “mais normal”. Procurou espon-taneamente o serviço ao saber da existência de uma chancede correção de sua deformidade, o que desejava ardente-mente desde a idade escolar. Foi submetido à operação emabril de 2000. O pós-operatório ocorreu sem problemas,exceto pequeno seroma de ferida operatória. Permaneceuusando ininterruptamente a cinta abdominal durante trêsmeses. O resultado estético foi excelente e o paciente ficouextremamente satisfeito alegando se sentir recompensadopelo tratamento. Refere melhora subjetiva em executar es-forços físicos e do padrão de evacuação. Apresenta a pola-ciúria inicial, que melhorou espontaneamente após doismeses. Está aguardando exame urodinâmico e relata me-lhora da micção, com jato urinário mais potente (segui-mento de 10 meses).

DISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃO

A abdominoplastia nos portadores de síndrome deprune belly foi descrita utilizando várias técnicas 4; 6-8. Aprimeira delas, descrita por Randolph em 1967 4 se base-ava na ressecção transversa extensa da parede, predomi-nantemente em sua porção mais defeituosa, através de umaincisão abdominal inferior transversa “em sorriso” quese prolongava até os flancos em plano total. Os resulta-dos pouco satisfatórios e principalmente pouco duradou-ros, com vários casos de recorrência, e a técnica cirúrgicarelativamente agressiva não tornaram o método ampla-mente utilizado. Posteriormente outros autores idealiza-ram novas técnicas de abdominoplastia, em que a corre-ção da parede se fazia com plásticas longitudinais daparede abdominal 7-8, sem desinserir a parede abdominalinferior e sem ressecar segmentos parietais, criando doisretalhos laterais superpostos sobre a linha média (Ehrli-ch) 6 ou retalhos medial1 e laterais2 que se superporiamna linha média (Monfort)7. Estas técnicas apresentaramresultados cosméticos e funcionais muito melhores, maspermaneceram exigindo operações extensas, com amplaexposição das vísceras intraperitoneais e grande potencialde complicações, especialmente sob forma de aderênciase bridas. A técnica de AALPP, descrita em 1998 8, pro-põe a solução destes defeitos potenciais das técnicas decorreção abdominal no sentido longitudinal, descreven-do uma correção baseada em retalhos parietais obtidospela plicatura de segmentos de parede, sem exigir res-secção ou incisão destes, originalmente abrindo mão atéda abertura da cavidade abdominal para a execução daintervenção.

Em nossa casuística realizamos a técnica com pe-quenas modificações, levados pela convicção quanto àsvantagens de executar as orquidopexias necessárias paraestes pacientes através de uma exposição retroperitonealampla, que possibilite a criação de retalhos de peritônioposterior capazes de auxiliar na preservação da rede vas-cular colateral, através das artérias deferenciais após alaqueadura obrigatória das gonadais nos testículos intra-abdominais e pela necessidade de garantir a segurança

das vísceras abdominais quando da execução dos pontosde estabilização das pregas parietais, apesar desta neces-sidade ser negada no relato original. Indicamos a AALPPpara pacientes após o primeiro ano de vida, estáveis quantoàs condições renais e urológicas, em conjunto com a or-quidopexia bilateral para a correção da criptorquia típicada síndrome, com celiotomia infra-umbilical. Temos in-dicado a operação inicialmente após a correção dos pro-blemas urológicos, embora a princípio não haja contra-indicação de executar a AALPP como etapa finalcomplementar em uma intervenção urológica e não hajapresumivelmente, dificuldades posteriores em executaralguma operação abdominal eventualmente necessáriaatravés de incisão mediana, sem lesar o reparo construí-do na AALPP.

A presença de doenças respiratórias não é uma con-tra-indicação para o tratamento cirúrgico, exceto situa-ções agudas ou que impliquem risco anestésico proibiti-vo, já que evidências recentes indicam que os distúrbiosrespiratórios presentes na síndrome podem ser ao menosparcialmente revertidos pela presença de uma parede ab-dominal com capacidade de continência restaurada. Aausência de uma parede abdominal funcional provoca al-terações graves da mecânica respiratória, com restriçãoséria da capacidade expiratória espontânea e forçada, di-ficuldade em exercer tosse efetiva para a eliminação desecreção, perda da força e amplitude do movimento dodiafragma, em especial em ortostatismo. O único estudoquanto à função respiratória mecânica na SPB 10 conside-ra pacientes maiores que seis anos de idade, em sua mai-oria > 12 anos (por restrições técnicas à execução do exa-me), nenhum deles submetido a uma abdominoplastiaconsiderada eficaz. É verificada diminuição importantena força e no fluxo expiratório, em especial em posiçãosupina. Setenta e nove por cento dos casos apresentavamrespiração paradoxal abdominal em repouso ortostático e60% em exercício. Setenta e oito por cento dos pacientestinham história pregressa de pneumonia, especialmentena primeira infância, e vários recusaram qualquer testesob esforço por não suportarem exercícios físicos. Foiinteressante notar que vários deles apresentaram relatoespontâneo de melhora respiratória, especialmente se ex-postos a esforços, através do uso de cintas abdominais decontenção. O dado de que a doença respiratória secundá-ria à SPB predomina na primeira infância é constante naliteratura 5, 10-12, mesmo após excluir os casos de hipopla-sia pulmonar, o que se explica pela presença de uma me-nor força da musculatura respiratória auxiliar e uma pa-rede torácica menos rígida, que em conjunto responderiampor uma menor capacidade de exercer toilette pulmonar emanobras respiratórias eficientes. Não foi possível a rea-lização de provas de função respiratória pré e pós-opera-tória em nossos pacientes, mas todos referem grande me-lhora da capacidade de exercer esforços aeróbicos e opaciente em idade pré-escolar deixou de apresentar ascomplicações respiratórias verificadas antes da operação.

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A análise quanto ao comportamento urodinâmico émais difícil, uma vez que é difícil separar as conseqüên-cias das alterações pressóricas abdominais das conseqüên-cias dos dimorfismos urológicos per se, especialmenteaqueles devidos à típica megabexiga que ocorre nestespacientes. Existem poucos estudos urodinâmicos dos pa-cientes portadores de SPB, e apenas um deles 13 enfocacomparativamente pacientes antes e depois de abdomi-noplastia de Monfort. Neste estudo 90% dos pacientesapresentavam dupla micção, 80% incontinência diurna ecapacidade vesical grandemente aumentada (em médiaduas vezes a capacidade normal para a idade), com resí-duo pós-miccional médio de 40% da capacidade vesicale aumento do limiar sensitivo para o desejo ou necessida-de miccional. Após abdominoplastia foi verificada gran-de melhora nos índices, com resolução dos episódios deincontinência em 57% dos pacientes, diminuição do li-miar sensitivo para a necessidade miccional e da capaci-dade vesical para 1,6 vez a normal. O volume residualmédio caiu de 47% para 13% da capacidade vesical e aincidência de infecções urinárias de três a seis para umano. Nossos pacientes aguardam ainda a avaliação urodi-nâmica formal, planejada para um ano pós-operatório, masverificamos clinicamente um aumento da freqüência mic-cional desde o pós-operatório imediato, junto a um me-nor limiar quanto à necessidade miccional, produzindopolaciúria em todos os pacientes e episódios de inconti-nência no paciente pré-escolar. Embora aguardemos umaanálise mais precisa de resultados é uma possibilidade aassociação de cistoplastia redutora em casos futuros. Po-rém, as indicações precisas deste procedimento permane-cem indistintas em literatura e há, reconhecidamente, atendência para uma abordagem urológica minimamenteinvasiva para os portadores de SPB 5.

A constipação intestinal nestes pacientes é devida àausência da prensa abdominal funcional capaz de produ-zir manobra de Valsalva eficaz no momento da evacua-ção e pode ser grave, induzindo a megacólon adquiridode difícil controle, mesmo com colostomia. Temos veri-ficado uma excelente resposta à AALPP quanto a esteaspecto, também citados por outros autores, com todas astécnicas de abdominoplastia longitudinal, muito embora osrelatos dependam de parâmetros clínicos de avaliação5, 7, 8, 13.Os resultados da AALPP quanto aos problemas ortopédi-cos associados à SPB são apenas especulativos, supon-do-se a melhora imediata de postura, provável melhoracom relação aos distúrbios envolvendo a coluna verte-bral (presumivelmente ligados a um desenvolvimentopostural desequilibrado pela aplasia assimétrica do seg-mento muscular responsável pela postura troncular ante-rior) 14 e tórax. Em nossos pacientes o tempo de segui-mento ainda não permite conclusões definitivas a esterespeito, embora já haja notadamente uma postura corpo-ral melhorada, com redução espontânea da lordose veri-ficada antes da operação.

Os aspectos sociais e psicológicos têm sido negli-genciados nos pacientes de SPB, a nosso ver de formaerrônea. Em nossa vivência clínica temos verificado uma

grande projeção destes aspectos na qualidade de vidados pacientes e suas famílias, seja na forma de comple-xos de rejeição e isolamento dos pacientes, seja pela im-possibilidade de convívio social irrestrito imposto peladeformidade por si só – bastante relevante em nossacultura e condições climáticas ou pela incapacidade deexercer atividades aeróbicas e esforços físicos signifi-cativos – relevante em escolares e adolescentes comoinstrumentos de integração no grupo escolar. Nosso pa-ciente pré-adolescente nos disse no pré-operatório, aoser avisado de que esta operação não era obrigatória,que se submeteria a qualquer procedimento, indiferenteao incômodo imediato que este pudesse causar-lhe, des-de que houvesse uma chance de se tornar “mais pareci-do com as pessoas normais”, “menos rejeitado” e pu-desse “fazer xixi em pé”, coisa que a deformidadeabdominal lhe impossibilitava. A criança em idade pré-escolar não tinha queixas ou complexos de rejeição per-ceptíveis, mas se tornou mais sociável após a interven-ção, e não perde qualquer oportunidade de exibir “abarriga nova e bonita” que agora apresenta. O pacientede 16 anos nos procurou espontaneamente ao ser infor-mado de que havia uma chance de correção de sua de-formidade, que lhe fora negada reiteradamente desde ainfância, e referiu desejo de se submeter à técnica ofere-cida “imediatamente”. Em nossa experiência há umagrande ansiedade quanto à possibilidade de correção dadeformidade entre pacientes ambulatoriais ainda nãoexpostos a qualquer forma de abdominoplastia, especi-almente em pré-adolescentes e escolares, o que é con-firmado pela totalidade dos autores envolvidos na cor-reção de casos de SPB.

Quanto aos aspectos técnicos, julgamos a opera-ção AALPP bastante simples e segura, associada facil-mente à orquidopexia bilateral com exploração retrope-ritoneal. Julgamos de alto risco realizar o procedimentosem a exposição – mesmo mínima – da cavidade perito-neal, permitindo visualizar as vísceras intracavitárias aoserem colocados pontos de sutura para a confecção daspregas parietais laterais, ainda que esta manobra não sejaaconselhada no relato original 9 e presumivelmente au-mente a morbidade do procedimento, podendo induziraderências e bridas intestinais secundárias, que seriamausentes quando não há exposição visceral. A dor pós-operatória nas primeiras 48 horas é problema sério pelaintensidade. Temos optado pela inserção de cateter pe-ridural e analgesia com opiáceos para controle, com su-cesso. Os drenos de aspiração a vácuo foram retiradoscom 48 horas de pós-operatório. Os resultados estéticosforam satisfatórios, embora a cicatriz umbilical perma-neça mais cranial que sua localização habitual. Aindaassim, a preservação da cicatriz umbilical original dopaciente, sem a confecção de neo-umbigo, é considera-da uma vantagem da técnica. Não houve em qualquerdos casos evidência de disfunção respiratória secundá-ria à compressão diafragmática ou necessidade de ven-tilação assistida no pós-operatório.

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ABSTRACTS

Background: Our aim is tis present initial results with the anterior longitudinal abdominoplasty, described byFurness et al (1998) in three patients operated at the Hospital Municipal Jesus, Rio de Janeiro, Brazil. Methods: Wedescribe pre and post-operative clinical data and surgical results for the first three patients submitted to surgicaltreatment and describe two technical modifications: retroperitoneal systematic exploration simultaneously to pari-etal abdominoplasty to treat cryptochid testicles and “for safety” celiotomy to protect abdominal viscera. Results:Follow up 1,5 year, 15 and 10 months for patients 1, 2 and 3, respectivelly. We could demonstrate that anteriorlongitudinal abdominoplasty is a safe and easily performed surgical technique, with good aesthetic results andsignificant psychological and social improvement. Chronic constipation, aerobic capacity and postural changes arealso ameliorated. Regarding urodynamic repercussions we think that a longer period of observation is necessary toreach any definitive conclusions. Conclusions: Anterior longitudinal abdominoplasty is an effective and safe tech-nique to treat prune belly syndrome patients and ameliorates functions of the abdominal parietes. It has urodynamicconsequences that need long-term follow-up.

Key Words: Prune belly syndrome; Abdominoplasty.

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Endereço para CorrespondênciaDra. Lisieux Eyer de JesusRua Presidente Domiciano, 52/80124210-270 – Niterói-RJE-mail: [email protected]