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329 CAPÍTULO 21 ABORDAGEM DO PACIENTE COM CÓLICA RENAL José Anacleto Dutra Resende Júnior Rodrigo Ribeiro Vieiralves Paulo Henrique Pereira Conte Iuri Arruda Aragão Carlos Alberto de Freitas Ribeiro Introdução A dor aguda proveniente do trato urinário superior, chamada de cólica ureteral, cólica renal ou cólica nefrética, é um dos quadros álgicos mais intensos observados na medicina. É caracteriza- da por dor paroxística súbita, de localização predominantemente lombar que pode irradiar para o flanco, para a fossa ilíaca, para os órgãos genitais, podendo até se localizar na face interna da coxa. Náuseas e vômitos estão frequentemente associados aos episódios mais intensos de cólica e num grande número de pacientes também são observadas palidez, sudorese e taquicardia. Representa uma das urgências urológicas mais frequentes, exigindo do especialista ou do plantonista em uni- dades de emergência, diagnóstico rápido e preciso além de terapêutica eficiente. A litíase ureteral é a causa mais comum de cólica nefrética. Outros fatores que também podem estar relacionados ao início do quadro álgico são: a passagem de coágulos ureterais, ligaduras cirúrgicas inadvertidas e compressões extrínsecas do trato superior. Quadro Clínico da Nefrolitíase As principais formas clínicas de apresentação da litíase do trato urinário são: • Assintomática • Dor (cólica renal) A grande maioria dos cálculos urinários manifesta-se com dor intensa de início agudo, po- dendo atingir o seu pico em menos de 1 hora (fase de ataque), manter-se por algumas horas (ha- bitualmente 2 a 3 horas de duração – fase constante) e, logo após, a intensidade da dor diminui (habitualmente em 1 a 2 horas – fase de remissão), podendo melhorar completamente. Este padrão lhe confere as características do “tipo cólica” e é muito frequente que ela seja redicivante e que não melhora com a posição do paciente. A dor surge quando há aumento da tensão na parede uretero-

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CAPÍTULO 21

ABORDAGEM DO PACIENTE COM CÓLICA RENALJosé Anacleto Dutra Resende Júnior

Rodrigo Ribeiro VieiralvesPaulo Henrique Pereira Conte

Iuri Arruda AragãoCarlos Alberto de Freitas Ribeiro

Introdução

A dor aguda proveniente do trato urinário superior, chamada de cólica ureteral, cólica renal ou cólica nefrética, é um dos quadros álgicos mais intensos observados na medicina. É caracteriza-da por dor paroxística súbita, de localização predominantemente lombar que pode irradiar para o � anco, para a fossa ilíaca, para os órgãos genitais, podendo até se localizar na face interna da coxa. Náuseas e vômitos estão frequentemente associados aos episódios mais intensos de cólica e num grande número de pacientes também são observadas palidez, sudorese e taquicardia. Representa uma das urgências urológicas mais frequentes, exigindo do especialista ou do plantonista em uni-dades de emergência, diagnóstico rápido e preciso além de terapêutica e� ciente. A litíase ureteral é a causa mais comum de cólica nefrética. Outros fatores que também podem estar relacionados ao início do quadro álgico são: a passagem de coágulos ureterais, ligaduras cirúrgicas inadvertidas e compressões extrínsecas do trato superior.

Quadro Clínico da Nefrolitíase

As principais formas clínicas de apresentação da litíase do trato urinário são:

• Assintomática

• Dor (cólica renal)

A grande maioria dos cálculos urinários manifesta-se com dor intensa de início agudo, po-dendo atingir o seu pico em menos de 1 hora (fase de ataque), manter-se por algumas horas (ha-bitualmente 2 a 3 horas de duração – fase constante) e, logo após, a intensidade da dor diminui (habitualmente em 1 a 2 horas – fase de remissão), podendo melhorar completamente. Este padrão lhe confere as características do “tipo cólica” e é muito frequente que ela seja redicivante e que não melhora com a posição do paciente. A dor surge quando há aumento da tensão na parede uretero-

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pielocalicial ou cápsula renal, pelo aumento da pressão no sistema coletor secundário à obstrução do � uxo urinário.

A distensão da parede piélica leva ao estímulo nervoso nociceptivo com de� agração do me-canismo álgico (Figura 1). Com frequência, a forte intensidade da dor, leva a agitação do paciente na busca de uma posição antálgica, sem sucesso. Tal peculiaridade ajuda no diagnóstico diferencial (Quadro 1), visto que pacientes com doenças abdominais (peritonite) ou dor lombar de origem os-teomuscular, apresentam-se em repouso, pois a movimentação desencadeia a dor.

Figura 1. Fisiopatogênese da dor da cólica renal.

A intensidade e a localização da dor irão de acordo com a sensibilidade individual de cada indivíduo, bem como de acordo com a posição do cálculo. A dor pode ser lombar ou no � anco, ou até mesmo nos quadrantes inferiores do abdômen com irradiação para escroto ou vulva (Figura 2). Vale lembrar que o número e o tamanho dos cálculos, não estão associados diretamente com a intensi-dade dos sintomas.

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JOSÉ ANACLETO DUTRA RESENDE JÚNIOR, RODRIGO RIBEIRO VIEIRALVES, PAULO HENRIQUE PEREIRA CONTE, IURI ARRUDA ARAGÃO, CARLOS ALBERTO DE FREITAS RIBEIRO

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Figura 2. Características e localização da cólica renal (origem renal e ureteral).

• Infecção

Os cálculos de estruvita estão comumente associados à infecção por Proteus, Pseudomonas, Klebsiella e Staphylococcus. Além destes, os cálculos de fosfato de cálcio representam o segundo tipo mais associados às infecções. Neste contexto, sintomas como dor suprapúbica, disúria e estragúria, comuns na cistite, podem não estar sendo causados por infecções e sim por cálculos localizados no ureter distal / intramural ou dentro da bexiga. Por outro lado, a febre, taquicardia e hipotensão são sinais de alerta, indicando maior gravidade e possível complicação associada aos cálculos, como por exemplo, pielonefrite, pionefrose ou abscessos.

• Hematúria

A presença de hematúria é um achado comum da litíase renal. A maioria dos pacientes irá cursar com microhematúria sendo mais rara a hematúria macroscópica. A presença de cristalúria, bem como a documentação do pH urinário, são dados relevantes que o exame sumário de urina pode revelar.

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• Náuseas e Vômitos

A obstrução do trato urinário superior desencadeia um re� exo que, em decorrência das diver-sas conecções na medula com o plexo mesentérico e celíaco, levam a alterações gastrointestinais como náuseas, vômitos e diminuição da peristalse intestinal.

• Insu� ciência Renal

Se a obstrução total do � uxo urinário permanecer por mais de duas semanas pode ocorrer � brose intersticial, atro� a tubular progressiva e nefropatia obstrutiva crônica (Holm-Nielsen, et al., 1981). Nos casos em que observamos cálculos obstrutivos bilaterais ou unilaterais em rim único, estes indivíduos podem vir a desenvolver um quadro de insu� ciência renal aguda ou até mesmo crônica. Os principais achados clínicos podem se dar através da associação dos sintomas da cólica renal com os sinais e sintomas da insu� ciência renal aguda (elevação das escórias renais, uremia).

O exame clínico detalhado é essencial na avaliação inicial quando se suspeita de nefrolitíase. Deve-se atentar para os sinais sistêmicos de cólica renal como: taquicardia, náuseas e vômitos. A presença de febre ou hipotensão podem ocorrer na sepse urinária e todos os cuidados devem ser instituídos com emergência. O exame físico do abdômen apesar de não ser rico na litíase, é funda-mental para exclusão de doenças intraperitoneais (Quadro 1). Um achado que pode ser evidente na cólica renal é a distensão abdominal, associada ao retardo da peristalse. A punho-percussão lombar, quando positiva (Sinal de Giordano +) é um dos sinais típicos de pielonefrite.

Quadro 1. CÓLICA RENAL: Diagnósticos diferenciais da cólica renal

Causas Abdominais e Retroperitoneais:• Apendicite aguda• Úlcera duodenal• Colecistite aguda• Diverticulite aguda• Carcinoma de cólon• Infarto esplênico• Abscesso esplênico• Hemorragia ou tumor de adrenal• Aneurisma de aorta

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Causas Neuromusculares e Esqueléticas:• Dor muscular• Herpes Zoster• Osteomielite ilíaca

Causas Torácicas:• Dor pleural• Infarto agudo de miocárdio

Causas Ginecológicas:• Doença pélvica in� amatória• Gravidez ectópica• Ruptura de cisto de ovário• Torção de ovário

Conduta Conservadora na Cólica Nefrética por Cálculo no Trato Urinário

As indicações de observação e conduta conservadora irão depender dos seguintes fatores:

- Tamanho do cálculo

Para os cálculos considerados pequenos (inferiores à 10 mm), as taxas de eliminação espon-tânea podem chegar à 77% quando tratados com terapia médica expulsiva (Assimos et al., 2016a; 2016b).

- Localização

1. A passagem espontânea também foi afetada pela localização do cálculo, variando de 48% para cálculos em ureter proximal até 79% para cálculos na junção ureterovesical (Preminger et al., 2007).

- Repercussão

Cálculos que não estejam causando dores intensas, fáceis de se manejar com usos de analgé-sicos e alfa-bloqueadores, e que não estejam causando dilatações renais ou perda de função, podem ser tratados clinicamente.

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- Condições associadas (Insu� ciência Renal Aguda e/ou Sepse)

Essas condições demandam um tratamento de emergência e hospitalização.

- Condições clínicas do paciente (riscos, comorbidades, pro� ssão...)

Pacientes idosos, diabéticos descompensados, portadores de anomalias urinárias e que apre-sentam um risco aumentado de evoluírem para insu� ciência renal ou sepse, bem como indivíduos cujas pro� ssões possuem maior risco de acidentes individuais ou coletivos (ex.: pilotos de aviões, mergulhadores, etc...) não devem ser conduzidos de forma conservadora.

Analgesia

O alívio da dor é o primeiro passo no tratamento de pacientes com episódio agudo de cólica nefrética (Micali et al., 2006; Holdgate et al., 2005; Ebell et al., 2004; Seitz et al., 2009; Phillips et al., 2009). Antin� amatórios não-esteroidais (AINH) são efetivos na cólica nefrética e têm maior e� cácia analgésica que opióides pois agem bloqueando a produção de prostaglandinas E2 que diminuem a vasodilatação capilar glomerular, diminuindo o � uxo sanguíneo renal e aumentando a ação do hormônio antidiurético, culminando consequentemente na diminuição da pressão intrapiélica e diminuição da dor (Figura 1). Pacientes utilizando AINH têm menos chance de necessitar de nova analgesia em curto prazo, além disso, opióides estão associados com maior freqüência de vômitos e utilização de analgesia mais precoce (Ramos-Fernandez et al. 2009; Engeler et al. 2008; Cohen et al. 1998; Shokeir et al. 1999).

O uso diário de alfa-bloqueadores também reduz a recorrência das cólicas (Dellabella et al. 2005; Resim et al. 2005).

Não se recomenda hidratação abundante no momento da cólica renal, pois pode piorar do quadro álgico.

Se não houver sucesso no tratamento medicamentoso com analgesia e alfa-bloqueadores, a drenagem utilizando cateterização ureteral, nefrostomia percutânea ou remoção do cálculo deve ser realizada.

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Pontos importantes no tratamento da cólica nefrética:

- Primeira linha: AINH

- Segunda linha: Opióides

- Reduzir recorrência e aumentar a taxa de eliminação espontânea: Alfa-bloqueadores

- Hidratação

- Sintomáticos

- Intervir, se não houver melhora

Referências

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Assimos D., Krambeck A., Miller N. L., Monga M., Murad M. H., Nelson C. P., Pace K. T., Pais V. M. Jr, Pearle M. S., Preminger G. M., Razvi H., Shah O., Matlaga B. R. Surgical Management of Stones: American Urological Association/Endourological SocietyGuideline, PART II. J Urol. 2016b Oct;196(4):1161-9. doi: 10.1016/j.juro.2016.05.091. Epub 2016 May 27.

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