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Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 ABORDAGEM PSICANALÍTICA SOBRE PRECONCEITO EM CANÇÕES DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: ESTUDO DE “MALDITO VÍRGULA” DE ITAMAR ASSUMPÇÃO (2010) Thaís Salgueiro Leão Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Tânia Maria Jose Aiello Vaisberg Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] RESUMO Objetivo: O presente trabalho tem como objetivo investigar imaginários coletivos sobre racismo na música popular brasileira, por meio da tematização do modo como o “ser negro” aparece em composições. Justificativa: A investigação dessa forma de produção cultural se justifica à medida que se caracteriza como um canal expressivo da população, auxiliando-nos na compreensão das diversas manifestações humanas e do sofrimento emocional. Método: Organiza-se metodologicamente a partir do estudo psicanalítico de um conjunto de composições de Itamar Assumpção, intitulado “Maldito Vírgula”. Tais produções foram escutadas em estado de atenção flutuante, segundo o uso do método psicanalítico. Num segundo momento, foram elaborados textos de impactos contratransferenciais, a partir de associações e das impressões geradas, visando à produção interpretativa de campos de sentido afetivo-emocional subjacentes. Resultados: A consideração do conjunto do material permitiu a produção interpretativa do seguinte campo de sentido afetivo-emocional: “Com dignidade, orgulho e simplicidade”. Este se organiza ao redor da crença de que ser negro é uma condição que pode ser afirmada com orgulho, em paridade com qualquer outra forma de pertença pessoal ou cultural. Discussão: O campo criado/encontrado aponta, portanto, para uma afirmação da descendência e condição com orgulho, expressando segurança, firmeza. Sob aparente simplicidade, encontramos uma imensa riqueza e complexidade de significações e possibilidades, tanto existenciais quanto artísticas, incluindo a própria negritude. Esta, no entanto, não é vivida como algo já dado e fixado, mas como a possibilidade de um processo de autoconstrução aberto. Palavras-chave: Imaginários Coletivos, Racismo, Música Popular Brasileira. Área do Conhecimento: Psicologia como Profissão e Ciência: Prevenção e Intervenção Psicológica- CNPq. INTRODUÇÃO A problemática do racismo contra negros no Brasil se configura como um campo complexo que, com o progressivo reconhecimento de que o país não está livre do problema do preconceito racial, vem demandando cada vez mais a atenção da comunidade acadêmica, do poder público e da sociedade civil como um todo (Aiello-Fernandes, 2013). É dentro deste contexto que abordaremos essa temática, partindo de uma visão psicanalítica que reconhece a importância das condições concretas de existência nos modos como a vida pode ser experimentada. Temos nos interessado em produzir conhecimento sobre uma dimensão fundamental do ambiente humano, que são, precisamente, os mundos imaginários que habitamos. Tais mundos podem ser acessados por diferentes vias, umas das quais é o estudo de produções culturais, tais como aquelas que fazem parte da chamada música popular brasileira. A investigação dessa forma de produção cultural se justifica à medida que se caracteriza como um canal expressivo da população, auxiliando-nos

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Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

ABORDAGEM PSICANALÍTICA SOBRE PRECONCEITO EM CANÇÕES DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: ESTUDO DE

“MALDITO VÍRGULA” DE ITAMAR ASSUMPÇÃO (2010)

Thaís Salgueiro Leão Faculdade de Psicologia

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Tânia Maria Jose Aiello Vaisberg Docente do Programa de Pós-Graduação em

Psicologia Centro de Ciências da Vida

[email protected] RESUMO Objetivo: O presente trabalho tem como objetivo investigar imaginários coletivos sobre racismo na música popular brasileira, por meio da tematização do modo como o “ser negro” aparece em composições. Justificativa: A investigação dessa forma de produção cultural se justifica à medida que se caracteriza como um canal expressivo da população, auxiliando-nos na compreensão das diversas manifestações humanas e do sofrimento emocional. Método: Organiza-se metodologicamente a partir do estudo psicanalítico de um conjunto de composições de Itamar Assumpção, intitulado “Maldito Vírgula”. Tais produções foram escutadas em estado de atenção flutuante, segundo o uso do método psicanalítico. Num segundo momento, foram elaborados textos de impactos contratransferenciais, a partir de associações e das impressões geradas, visando à produção interpretativa de campos de sentido afetivo-emocional subjacentes. Resultados: A consideração do conjunto do material permitiu a produção interpretativa do seguinte campo de sentido afetivo-emocional: “Com dignidade, orgulho e simplicidade”. Este se organiza ao redor da crença de que ser negro é uma condição que pode ser afirmada com orgulho, em paridade com qualquer outra forma de pertença pessoal ou cultural. Discussão: O campo criado/encontrado aponta, portanto, para uma afirmação da descendência e condição com orgulho, expressando segurança, firmeza. Sob aparente simplicidade, encontramos uma imensa riqueza e complexidade de significações e possibilidades, tanto existenciais quanto artísticas,

incluindo a própria negritude. Esta, no entanto, não é vivida como algo já dado e fixado, mas como a possibilidade de um processo de autoconstrução aberto.

Palavras-chave: Imaginários Coletivos, Racismo, Música Popular Brasileira.

Área do Conhecimento: Psicologia como Profissão e Ciência: Prevenção e Intervenção Psicológica- CNPq.

INTRODUÇÃO A problemática do racismo contra negros no Brasil se configura como um campo complexo que, com o progressivo reconhecimento de que o país não está livre do problema do preconceito racial, vem demandando cada vez mais a atenção da comunidade acadêmica, do poder público e da sociedade civil como um todo (Aiello-Fernandes, 2013). É dentro deste contexto que abordaremos essa temática, partindo de uma visão psicanalítica que reconhece a importância das condições concretas de existência nos modos como a vida pode ser experimentada. Temos nos interessado em produzir conhecimento sobre uma dimensão fundamental do ambiente humano, que são, precisamente, os mundos imaginários que habitamos. Tais mundos podem ser acessados por diferentes vias, umas das quais é o estudo de produções culturais, tais como aquelas que fazem parte da chamada música popular brasileira. A investigação dessa forma de produção cultural se justifica à medida que se caracteriza como um canal expressivo da população, auxiliando-nos

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na compreensão das diversas manifestações humanas e do sofrimento emocional. No caso do presente estudo, interessamo-nos por estudar como as manifestações de racismo são tematizadas na música popular brasileira, optando pelo modo como um artista negro –Itamar Assumpção – tematiza a questão do “ser negro” em suas músicas e como isso se relaciona ao racismo. Consideramos fundamental entender que o racismo se configura como uma realidade multifacetada, que envolve fatores históricos, econômicos, geopolíticos, institucionais, culturais e psicológicos, estreitamente ligados à expansão ultramarina da civilização europeia a partir do século XV e à formação de sociedades coloniais. Sua abordagem, portanto, requer uma adequada consideração de tal complexidade. É importante destacar a singularidade da questão racial no Brasil. Como se sabe, este país foi o que recebeu o maior contingente de africanos escravizados nas Américas (Alencastro, 2010). Desde o século XIX, com a independência de Portugal, o lugar do negro na nação se transformou em uma preocupação da elite e dos intelectuais ligados a ela, o que se intensificou com a abolição da escravidão em 1888. Em um primeiro momento, a intelectualidade aderiu às teorias do racismo científico, buscando “embranquecer” o país tanto cultural como demograficamente, através da imigração de mão de obra européia (Scharwcz, 1994; Hofsbauer, 2003). Posteriormente, na década de 1930, a obra de Gilberto Freyre (2006), escrita no período em que as antigas teorias racialistas já estavam sendo superadas por interpretações mais centradas na cultura do que na biologia, forneceu as bases para a interpretação de que a miscigenação das populações que constituíram o Brasil teria impedido que o racismo se formasse no país. Sua obra ofereceu bases para que se pensasse o Brasil como uma “democracia racial”, onde o preconceito de cor não existiria. Tal visão exerceu grande influência no imaginário nacional. Foi apenas a partir da década de 1950, e com maior intensidade a partir de 1970, que tal teoria passou a ser seriamente questionada. Novos estudos mostraram que a hierarquia social no Brasil

era também pautada em critérios de cor e que o racismo seria um fator que impediria o exercício pleno de cidadania da população negra. No entanto, ainda levaria algumas décadas para que tais investigações fossem assimiladas no debate público, de modo que foi somente durante as preparações para a Conferência de Durban, em 2001, que os movimentos negros e os intelectuais brasileiros conseguiram que o governo federal reconhecesse oficialmente que o Brasil sofre com o problema do racismo (Skidmore, 1991; Andrews 1997; Guimarães, 2004). Desde então, adentramos em uma nova fase, na qual as autoridades passaram a manifestar a disposição de, efetivamente, criar mecanismos de “discriminação positiva”, com o intuito de combater o preconceito racial. Do lado acadêmico, a questão do racismo também ganhou nova relevância e destaque. Atualmente é amplamente aceito que não exista o racismo em si, mas diversas formas de expressão deste fenômeno, em estreita vinculação com contextos específicos. No bojo de tal percepção, o estudo das particularidades do racismo à brasileira ganha relevo e convoca, a nosso ver, a psicologia enquanto ciência comprometida com a experiência emocional de indivíduos e coletivos humanos. Tendo isso em mente, acreditamos ser necessário desenvolver um enfoque adequado, considerado as suas dimensões epistemológicas e metodológicas, para o estudo dos efeitos do racismo na subjetividade. A nosso ver, o referencial psicanalítico pode contribuir de modo significativa nesta discussão. Existem evidentemente diversos caminhos para a realização de pesquisas empíricas sobre o racismo a partir do uso do método psicanalítico. Neste trabalho, escolhemos a abordagem da musica popular como fenômeno cultural, por meio do qual a dramática do viver pode ser expressa. METODOLOGIA Fundamentamo-nos, para tanto, no referencial de uma psicanálise intersubjetiva concreta, inspirada na obra do psicanalista argentino José Bleger (1958; 1963). Este, a partir de sua leitura de Georges Politzer (1928), salientou a necessidade de retorno à

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concretude da experiência na psicanálise, compreendendo toda manifestação humana como conduta, ou seja, em sua totalidade significativa, que tem sempre um caráter social e vincular. No que tange especificamente ao estudo psicanalítico de composições da música popular brasileira, que focalizamos anteriormente em trabalhos de iniciação científica (Oliveira & Aiello-Vaisberg, 2012; Figueredo & Aiello-Vaisberg, 2012; Figueiredo & Aiello-Vaisberg, 2013a; Figueiredo & Aiello-Vaisberg, 2013b; Leão & Aiello-Vaisberg, 2013; Silva & Aiello-Vaisberg, 2013 e Corbett et al, 2012), temos optado por dois diferentes tipos de trabalho. Na primeira vertente, articulamos as produções com a possibilidade de, via web, ter conhecimento acerca do que é mais frequentemente buscado pelo internauta, o que evidencia um interesse inegável pela obra. Deste modo, podemos trabalhar com preferências populares (Oliveira & Aiello-Vaisberg, 2013; Leão & Aiello-Vaisberg, 2013; Figueiredo & Aiello-Vaisberg, 2013b e Silva & Aiello-Vaisberg, 2013). Na segunda vertente, temos nos dirigido a obras reconhecidas como, histórico, cultural e esteticamente significativas, tais como aquelas de Chico Buarque de Holanda e de Adoniran Barbosa (Figueiredo & Aiello-Vaisberg, 2013a; Oliveira & Aiello-Vaisberg, 2013) Estas duas vertentes, cada uma a seu modo, tem-se revelado terreno fecundo para o estudo de imaginários coletivos. No presente trabalho, não focalizamos preferências de internautas para, em lugar disso, interrogar uma produção reconhecidamente valiosa, em termos de criar/encontrar os campos de sentido afetivo emocional a partir dos quais emerge. Claro que tal proposta exige um recorte, que corresponde ao nosso interesse de pesquisa: a questão do racismo. Isso não significa que buscaremos manifestações explícitas sobre racismo, já que tomamos outro caminho, inclusive por sabermos que o racismo à brasileira não se caracteriza necessariamente como fenômeno de visibilidade imediata. As estratégias metodológicas configuram-se, na presente investigação, em termos de quatro procedimentos investigativos: 1) procedimento de seleção do material e configuração do corpus

pesquisado; 2) procedimento de apresentação do corpus pesquisado e 3) procedimento de produção interpretativa dos campos de sentido afetivo. No que diz respeito à questão prévia de seleção do material, cabe comunicar que o interesse pelo racismo nos conduziu à busca de um compositor da música popular brasileira afrodescendente, produtor de uma obra inovadora e esteticamente sofisticada. A escolha de Itamar Assumpção se deu a partir de critérios que incluíram: 1) ser afro descendente; 2) apresentar uma obra extensa 3) ter participado de um movimento cultural e 4) ter tido a qualidade estética da obra reconhecida pela crítica musical. Dado que a obra musical do autor é bastante extensa, optamos pelo exame selecionando um dos álbuns, intitulado “Isso vai dar repercussão”. Num primeiro momento, selecionamos as músicas que tematizam o “ser negro” em suas letras, com o objetivo de analisar como se dá a tomada de posição frente ao racismo. Posteriormente, a fim de completar o procedimento de configuração do acontecer clínico, as canções selecionadas foram escutadas em estado de atenção flutuante. Em seguida, adotamos, como procedimento de registro do acontecer clínico a elaboração de textos de impactos contratransferenciais, em que registramos as impressões, ideias, memórias, ressonâncias afetivas e os impactos emergentes no encontro com as músicas. A partir disto, como procedimento de interpretação do material clínico, seguimos as palavras de ordem metodológicas de Herrmann: “deixar que surja”, “tomar em consideração” e “completar a configuração de sentido” (Herrmann,1979). Deste modo, podemos chegar à “criação/encontro” de campos de sentido afetivo-emocionais ou inconscientes relativos.

RESULTADOS O álbum Maldito Vírgula é composto por 13 canções de autoria de Itamar Assunpção: Samba Enredo, Je T’Aime Mais que o Jérome, Todo Esse Tempo I, Todo Esse Tempo II, Ir Pra Berlim, Procurei, Más Línguas, Breu da Noite, Os Incomodados que se Mudem, Agora é que são Elas, Longe de Mim e Elza Soares.

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Dentre essas, três abordam o “ser negro” em seu conteúdo manifesto: Ir Pra Berlim, Breu da Noite e Elza Soares. Deste modo, o corpus da pesquisa é composto por estas três composições.

A consideração do material pesquisado permitiu a produção interpretativa do campo de sentido afetivo-emocional que denominamos “Com dignidade, orgulho e simplicidade”. Este se organiza ao redor, da crença de que ser negro é uma condição que pode ser afirmada com orgulho, em paridade com qualquer outra forma de pertença pessoal ou cultural. Podemos aqui utilizar, como exemplo de manifestação emergente deste campo, o seguinte trecho da canção Ir para Berlim: “Sou Mulato, sou mestiço/ Sou corajoso de sobra/ Só brigo quando preciso”.

DISCUSSÃO

O campo criado/encontrado, “Com dignidade, orgulho e simplicidade, aponta para uma afirmação da descendência e condição com orgulho, ao mesmo tempo em que expressa segurança.

Focar a canção que usamos como exemplo, pensando-a como manifestação dialógica, permite que observemos aspectos interessantes desta produção. Nela se trava, visivelmente, uma conversa do eu lírico com alguém que deseja se evadir do local em que se encontra para transportar-se para uma das capitais culturais do mundo. A isso, Itamar Assumpção contrapõe uma autoafirmação de seu contexto e cultura, assumindo que a aparente simplicidade e humildade que o cerca apresenta, na verdade, uma imensa riqueza e complexidade de significações e possibilidades, tanto existenciais quanto artísticas. Isso inclui, segundo nossa interpretação, também a sua negritude. Esta, no entanto, não é vivida como algo já dado e fixado, mas como a possibilidade de um processo aberto de autoconstrução.

Assim, as referências que circundam a negritude podem ser usadas e combinadas de diversas maneiras, como podemos ver nas referências musicais que utiliza, que vão desde artistas

internacionais até àqueles conhecidos por sua contribuição específica para a música negra brasileira. Há, portanto, uma utilização criativa de diversos elementos, inclusive aqueles considerados “globais”, a partir de uma especificidade local.

Contudo, um aspecto fundamental, a destacar é o fato da autoafirmação não implicar, de modo algum, tentativa de defender uma superioridade do próprio local de fala, pois este é apresentado através de palavras como humildade e simplicidade, sem necessidade de proclama-lo como intrínseca e essencialmente melhor que outros. Coerentemente, fica patente, por outro lado, que nenhuma atribuição de inferioridade será passivamente aceita: “Só brigo quando preciso”.

Se, portanto, podemos pensar o discurso racista como um modo de essencializar e hierarquizar as diferenças, na qual certos grupos humanos são circunscritos a certas posições e possibilidades estereotipadas, cabe considerar que Itamar Assumpção problematiza essa concepção, vivendo sua particularidade e singularidade como um modo de conexão e criação que permite uma auto-invenção constante, que não abdica de seu contexto próprio.

Podemos perceber como Itamar Assumpção toca em questões extremamente atuais nas discussões sobre os direitos e reivindicações políticas de minorias, seja no que se refere à questões de gênero (Butler,2007), seja no que se refere às desigualdades raciais. Sua obra insere-se, inegavelmente, como importante manifestação para o debate sobre o essencialismo e as políticas de identidade.

No que se refere ao combate ao racismo, podemos perceber como Assumpção pode ser proveitosamente interpretado a partir de autores contemporâneos ligados aos estudos culturais, como Stuart Hall (2009) e Paul Gilroy (2001), que analisam exatamente como a diáspora negra possibilitou uma profusão de modos de subjetividade diversos, que podem reivindicar sua autodeterminação e legitimidade à partir justamente de suas

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singularidades e diferenças, sem precisar recorrer a discursos que fecham a dinâmica de suas histórias em essências fixas.

Podemos pensar que, pelo menos nestas obras em que o ser negro é questionado, o artista se apresenta diante do brasileiro – afrodescendente ou não - para um diálogo que provoca e exige profundo reexame de velhos posicionamentos que podem concorrer para a manutenção deste fenômeno singular que é o racismo à brasileira. Se sua produção não se limita a esta problemática, parece-nos não ser precipitado afirmar que aí realiza uma contribuição de inegável valor.

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Corbett, E. ; Aiello-Fernandes, R. ; Figueiredo, P. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2012). Jean Charles e o preconceito contra imigrantes: considerações psicanalíticas preliminares. Anais da X Jornada Apoiar: Laboratório de Saúde Mental e Psicologia

Clínica Social 20 anos - o percurso e o futuro. São Paulo: IP/USP 1, 266- 271. Figueiredo, P. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2012). “Em caso de dúvida, atire”: imaginário coletivo sobre adolescência e juventude em produções cinematográficas brasileiras. Campinas, PUC-Campinas Anais do XVII Encontro de Iniciação Cientifica. Disponível em: http//www.puccampinas.edu.br/websist/Rep/Sic08/Resumo/2012821_183749_3 23823635_resris.pdf Figueiredo, P. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2013a) Abordagem Psicanalítica de Imaginários Coletivos sobre (DES) Esperança em Canções da Música Popular Brasileira: CHICO BUARQUE. In: XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, 2013, Campinas. Anais-XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Campinas: PUC-Campinas. Figueiredo, P. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2013b) Abordagem Psicanalítica de Iimaginários Coletivos sobre (DES) Esperança em Canções da Música Popular Brasileira: RENATO RUSSO. In: XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, 2013, Campinas. Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Campinas: PUC-Campinas. Freyre, G. (2006). Casa Grande e Senzala – Formação da Família Brasileira Sob o Regime da Economia Patriarcal. Recife. Global Editora. Original de 1933. Gilroy, P. (2001) O atlântico Negro – modernidade e dupla consciência. São Paulo – Sp, Brasil, Editora 34

Guimarães, A. S. A. (2012). Cidadania e retóricas negras de inclusão social. Lua Nova, São Paulo, v.85, p.13-40. NÃO ESTÁ NO CORPO DO TEXTO

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Herrmann, F. (1979). O Método da Psicanálise. Editora Brasiliense. São Paulo. Hofsbauer. A. (2003). O Conceito de “Raça” e o Ideário Do Branqueamento no Século XIX – Bases Ideológicas do Racismo Brasileiro. Teoria e Pesquisa, 63 -110. Leão, T. S. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. A. (2013). Abordagem Psicanalítica de Imaginários Coletivos sobre (DES) Esperança em Canções da Música Popular Brasileira: CAZUZA. In: XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, 2013, Campinas. Anais-XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Campinas: PUC-Campinas. Oliveira, A. C. S. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2013). Abordagem Psicanalítica de Imaginários Coletivos sobre (DES) Esperança em Canções da Música Popular Brasileira: Adoniran Barbosa. In: XVIII

Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, 2013, Campinas. Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Campinas: PUC-Campinas. Politzer, G. (1928). Crítica dos Fundamentos da Psicologia: a Psicologia e a Psicanálise. Editorial Unimep, edição de 2004. Schwarcz, L. M. (1994). Espetáculo da Miscigenação. Estudos Avançados 8 (20), 137 – 152. Silva, R. D. M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2013). Abordagem Psicanalítica de Imaginários Coletivos sobre (DES) Esperança em Canções da Música Popular Brasileira: Tico Santa Cruz. In: XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, 2013, Campinas. Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica e III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Campinas: PUC-Campinas. Skidmore, T. E. (1991). Fato e Mito: Descobrindo um Problema Racial no Brasil. Cadernos de Pesquisas. São Paulo, 79, 5-16.