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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC
CURSO DE PS-GRADUAO ESPECIALIZAO EM PREPARAO PARA A
MAGISTRATURA ESTADUAL
VANESSA GEREMIAS CASAGRANDE
ABORTO EUGNICO
CRICIMA, DEZEMBRO DE 2010
1
VANESSA GEREMIAS CASAGRANDE
ABORTO EUGNICO
Monografia apresentada Diretoria de Ps-graduao da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, para a obteno do ttulo de especialista em Preparao para a Magistratura Estadual. Orientadora: Prof. MSc. Sheila Martignago Saleh.
CRICIMA, DEZEMBRO DE 2010
2
Aos meus pais, pelo exemplo de vida e
dedicao.
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo imensamente a Deus,
por sempre me dar a fora necessria para
concretizar meus objetivos.
Ao meu anjo de luz, que me protege de todas
as formas e auxiliou a enfrentar os obstculos
que apareceram no meu caminho.
A minha famlia e meus amigos, por sempre
estarem presentes em todos os momentos da
minha vida, obrigada por existirem.
A minha orientadora Sheila, por mais uma vez
aceitar o convite de me orientar, obrigada por
compartilhar teu conhecimento comigo
novamente, aqui tens uma grande admiradora.
Enfim, registro aqui meu muito obrigada a
todos que de forma direta ou indireta
contriburam para realizao do presente
trabalho.
4
...Oh, admirvel mundo novo, que encerra
criaturas tais...
Willian Shakespeare
5
RESUMO
O presente trabalho teve como tema central o aborto eugnico. O aborto eugnico visto na atualidade como uma modalidade de aborto que visa a eliminao de seres indesejveis frente aos avanos trazidos pela gentica. No h previso legal para tal feito, porm so muitos os debates em torno desta temtica e projetos que foram realizados para que este tipo de aborto fosse inserido na legislao penal ptria. Tal trabalho tem como objetivo geral: estudar o aborto eugnico como uma forma de seleo de seres humanos; e como objetivos especficos: examinar as questes referentes Biotica e ao Princpio da Dignidade Humana, verificar o Projeto Genoma Humano e o retorno da Eugenia e suas prticas e analisar o aborto eugnico. Para realizao do presente trabalho, com o intuito de atingir os objetivos propostos, far-se- uso da seguinte metodologia: quanto ao mtodo de pesquisa o primrio ser o dedutivo, onde h uma lei e analisa-se como ela se aplica ao caso concreto, secundariamente ser utilizado o comparativo, onde sero analisados os benefcios e malefcios para assim compar-los; quanto ao tipo de pesquisa o tipo a ser utilizado a terica, ou seja, a pesquisa qualitativa, ser apoiada no levantamento bibliogrfico, ser buscada a maior quantidade de obras escritas sobre o tema; e por fim a tcnica de pesquisa ser atravs de materiais bibliogrficos e documental legal. O presente trabalho foi dividido em trs partes principais. No primeiro captulo se estudar a Biotica e o Biodireito, os princpios bioticos bsicos, os Direitos Fundamentais e Humanos, em especial o Direito Vida e a Declarao Universal do Genoma Humano e o Princpio da Dignidade Humana. O segundo captulo visa verificar o Projeto Genoma Humano, a Eugenia e as prticas eugnicas. No terceiro captulo se analisar o crime de aborto, o aborto eugnico, a diferena entre aborto eugnico e descarte de fetos inviveis e o aborto eugnico na jurisprudncia. Foi realizada uma busca jurisprudencial no Egrgio Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul utilizando a palavra-chave aborto eugnico e desta busca foram encontradas sete decises as quais sero analisadas no presente trabalho. Verificou-se que o aborto eugnico j realizado na atualidade, mesmo no tendo ainda sua normatizao. A principal importncia do presente trabalho est no fato desta modalidade de aborto ser uma forma de seleo de seres humanos, estando esta questo envolvida em muitos debates ticos e jurdicos. Palavras-Chave: Biotica. Dignidade. Genoma. Eugenia. Aborto Eugnico
6
SUMRIO
1 INTRODUO.......................................................................................................... 7
2 BIOTICA E O PRINCPIO DA DIGNIDADE DA HUMANA ............................ .......9
2.1 Biotica e Biodireito ............................................................................................ 9
2.2 Princpios da Biotica ....................................................................................... 14
2.3 Direitos Fundamentais e Humanos: Direito vida e a Declarao Universal
do Genoma Humano ................................................................................................ 18
2.4 O princpio da dignidade humana .................................................................... 23
3 PROJETO GENOMA HUMANO E O RETORNO DA EUGENIA E SUAS
PRTICAS................................................................................................................. 28
3.1 Projeto Genoma Humano .................................................................................. 28
3.2 Eugenia ............................................................................................................... 33
3.3 Prticas Eugnicas ............................................................................................ 39
3.4 O diagnstico pr-implantatrio e o diagnstico pr-natal ........................... 44
4 ABORTO EUGNICO ............................................................................................ 51
4.1 Aborto ................................................................................................................. 51
4.2 Aborto Eugnico ................................................................................................ 56
4.3 Aborto eugnico x Descarte de Fetos Inviveis ............................................. 63
4.4 O aborto eugnico na jurisprudncia .............................................................. 67
5 Concluso.............................................................................................................. 78
REFERNCIAS ......................................................................................................... 80
ANEXOS .................................................................................................................... 87
http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130001#_Toc142130001http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130002#_Toc142130002http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130003#_Toc142130003http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130004#_Toc142130004http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130005#_Toc142130005http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130005#_Toc142130005http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130006#_Toc142130006http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130007#_Toc142130007http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130007#_Toc142130007http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130008#_Toc142130008http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130009#_Toc142130009http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130010#_Toc142130010http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130011#_Toc142130011http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130012#_Toc142130012http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130013#_Toc142130013http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130014#_Toc142130014http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130015#_Toc142130015http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130016#_Toc142130016http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130017#_Toc142130017http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130018#_Toc142130018http://200.18.15.19/intranet/info/publico/documentos_28/tcc_tutorial.doc#_Toc142130001#_Toc142130001
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1 INTRODUO
O objeto do presente trabalho a obteno final do trabalho monogrfico
que tem como tema central o aborto eugnico. A Eugenia uma cincia que estuda
o melhoramento da raa humana, selecionando desta forma os seres humanos
perfeitos, sendo assim, o aborto eugnico nada mais que o descarte dos seres
humanos ditos imperfeitos.
Tal trabalho tem como objetivo geral: estudar o aborto eugnico como
uma forma de seleo de seres humanos; e como objetivos especficos: examinar as
questes referentes Biotica e ao Princpio da Dignidade Humana, verificar o
Projeto Genoma Humano e o retorno da Eugenia e suas prticas e analisar o aborto
eugnico.
Para realizao do presente trabalho, com o intuito de atingir os objetivos
propostos, far-se- uso da seguinte metodologia: quanto ao mtodo de pesquisa o
primrio ser o dedutivo, onde h uma lei e analisa-se como ela se aplica ao caso
concreto, secundariamente ser utilizado o comparativo, onde sero analisados os
benefcios e malefcios para assim compar-los; quanto ao tipo de pesquisa o tipo a
ser utilizado a terica, ou seja, a pesquisa qualitativa, ser apoiada no
levantamento bibliogrfico, ser buscada a maior quantidade de obras escritas sobre
o tema; e por fim a tcnica de pesquisa ser atravs de materiais bibliogrficos e
documental legal.
O presente trabalho ser dividido em trs captulos, com eles tentar se
chegar a uma concluso de como o aborto eugnico vem se manifestando na
sociedade e se ele verdadeiramente um instrumento utilizado para a criao de
uma nova sociedade sem imperfeies.
Assim, o primeiro captulo, estudar a Biotica e o Biodireito, cincias
surgidas recentemente com o avano da cincia. Tambm sero analisados os
princpios da Biotica. Posteriormente sero verificados os Direitos Fundamentais,
em especial o direito vida e a Declarao Universal do Genoma Humano. E para
finalizar este captulo ser visto o princpio de grande importncia quando se trata da
vida, o princpio da dignidade humana.
No segundo captulo ser verificado o Projeto Genoma Humano, sua
historicidade e a repercusso que os objetivos dele trouxe ao mundo. Na seqncia
8
ser analisada a Eugenia como forma de seleo de seres humanos. E por fim
sero estudadas as praticas eugnicas utilizadas na atualidade.
O terceiro e ltimo captulo analisar o aborto eugnico. Primeiramente se
analisar o crime de aborto. Posteriormente se adentrar na temtica do crime de
aborto eugnico, verificando-se sua conceituao e a sua figura na legislao ptria.
Estudar-se- no mesmo captulo a diferenciao de aborto eugnico e descarte de
fetos inviveis. E por fim, sero analisadas jurisprudncias do Egrgio Tribunal de
Justia do Rio Grande do Sul que tratam de casos de aborto eugnico. Vale
ressaltar aqui que primeiramente foi realizada uma busca jurisprudencial no Egrgio
Tribunal de Justia de Santa Catarina utilizando a palavra-chave aborto eugnico e
nenhum registro foi encontrado. Por este motivo que se buscaram, no Tribunal de
Justia do Rio Grande do Sul, jurisprudncias utilizando tambm a palavra-chave
aborto eugnico sendo encontradas sete decises, as quais sero analisadas neste
trabalho.
Sendo assim, com o avano da cincia j se pode diagnosticar se um ser
ter ou no certas enfermidades ou se at mesmo conseguir chegar vida. Frente
a isto se pode constatar que a legislao ptria est em desconformidade com este
avano, no tendo ainda em seu ordenamento a permisso ou proibio para este
tipo de aborto, sendo este um tema de relevante importncia a toda a sociedade e
por este motivo que se faz necessrio um estudo sobre o mesmo.
9
2 BIOTICA E O PRINCPIO DA DIGNIDADE HUMANA
2.1 Biotica e Biodireito
O Direito surgido h muitos anos dita, atravs das leis, comportamentos
que os seres humanos devero ter. Estas leis so normas de proibio ou de
permisso dependendo de cada caso concreto. Porm, o Direito no imutvel, ou
seja, no pra no tempo, at porque com a evoluo da humanidade faz-se
necessria a reformulao ou at mesmo a criao de novas leis. Novos campos de
estudo do Direito vo surgindo, seu contato com outras cincias, quais sejam:
Medicina, tica, Sociologia, determinam uma nova forma de se analisar o avano da
sociedade e aqui nasce a Biotica e o Biodireito.
Mas o que seria a Biotica e o Biodireito. O que estudam estas novas
cincias? Para que foram criadas?
Inicialmente, S em sua obra relata que h muitas questes a serem
levantadas na relao mdico-paciente, alm do enfoque teraputico h que se
ressaltar que existe o aspecto jurdico dentro e fora desta relao. Antigamente
existia o binmio confiana do paciente e conscincia do mdico, porm na
atualidade o que vigoram so as lacunas da lei devido aos avanos tecnolgicos,
resultando assim num ordenamento jurdico conflitante e por muitas vezes omisso.
Por este motivo o Direito comea a ter relao com a tica, Medicina e as Relaes
Sociais, j que os avanos da tecnologia exigem que novas leis sejam criadas para
se adequarem s novas relaes e at mesmo imporem limites s pesquisas
cientficas realizadas. (1999, p. 15).
Segundo Vieira a Biotica vai alm do estudo da Medicina, segundo ela
[...] seu estudo vai alm da rea mdica, abarcando psicologia, direito, biologia, antropologia, sociologia, ecologia, teologia, filosofia, etc., observando as diversas culturas e valores. Esta pesquisa no tem fronteiras, dificultando, inclusive, uma definio, uma vez que os problemas so considerados sob vrios prismas, na tentativa de harmonizar os melhores caminhos. (1999, p. 16).
10
A biotica nasce da preocupao tica com as aplicaes dadas aos
novos conhecimentos cientficos e biotecnolgicos tanto ao ser humano quanto ao
ecossistema. O avano tecnolgico ter que ter freios e por muitas vezes at mesmo
proibies, sendo a biotica aqui a cincia que juntamente com o Direito dar estas
restries. (MLLER, 2009, p. 42).
Reiterando este posicionamento Santos entende que com o avano que a
cincia vem tomando o homem ter um grande poder sobre a vida de todos os
seres, sendo necessrio assim que sejam tomadas decises ticas para que a
humanidade no sofra danos e quem delimitar as restries para estas decises
ser a biotica. (1998, p. 37).
Segundo Oliveira
A biotica aspira a ser uma reflexo, uma proposta capaz de abarcar todas as vivncias, de abordar todos os problemas das relaes sociais do ponto de vista das especulaes filosficas, procurando despertar conscincias e abrir caminhos para os comportamentos considerados ticos na rea das biocincias. (2004, p. 163).
De acordo com os ensinamentos de Diniz a Biotica trata-se de um
estudo deontolgico, que determinar as diretrizes morais com que os seres
humanos devero agir quando tiverem problemas referentes biomedicina, estes
problemas so encontrados quando se tem que realizar uma ponderao entre os
direitos entre a vida e a morte, direitos da liberdade da me, de proteo ao feto
gerado por reproduo assistida e at mesmo da proteo dos direitos das pessoas
envolvidas em tcnicas cientficas e das suas futuras geraes. (2001, p. 13).
O vocabulrio biotica indica um conjunto de pesquisas e prticas
pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questes ticas provocadas pelo
avano das tecnocincias biomdicas. (VIEIRA, 1999, p. 15).
Reiterando este posicionamento est o pensamento de Oliveira segundo
ela a palavra biotica [...] formada por dois vocbulos de origem grega: bios (vida)
e tica (costumes; valores relativos a determinado agrupamento social, em algum
momento de sua histria). (2004, p. 75).
Para Pessini e Barchifontaine a Biotica estuda a conduta do ser humano
nas relaes com a cincia da vida, sendo esta conduta analisada luz dos valores
e princpios morais da sociedade. (2000, p. 32).
11
Biotica segundo Santos [...] o estudo sistemtico da conduta humana
na rea das cincias da vida e dos cuidados da sade, na medida em que esta
conduta examinada luz dos valores e princpios morais. (1998, p. 38).
Mas como a Biotica surgiu? Segundo Vieira O termo biotica apareceu
pela primeira vez em 1971 no ttulo da obra de Van Rens Selaer Potter (Bioethics:
bridge to the future, Prenctice Hall, Englewood Clifs, New York). (1999, p. 15).
Relatando um breve histrico da Biotica Oliveira diz que a mesma se
popularizou em janeiro de 1971 quando o bilogo e oncologista Rensselaer Potter
pertencente Universidade de Wisconsin, Madison, EUA, publica o livro Biotica: a
ponte para o futuro, neste livro ele escolheu o bio para representar o conhecimento
biolgico e a tica para representar o conhecimento dos valores humanos. Porm
em julho de 1971 Andr Hellegers, obstetra, fisiologista fetal e demgrafo holands
passa a tratar Biotica como a tica aplicada na medicina e nas cincias biolgicas.
Sendo assim, conclui-se que Potter deu um sentido macro a Biotica, esta seria
voltada mais a ecologia, enquanto para Hellegers ela seria voltada ao ser humano,
sendo a ltima conceituao a que prevaleceu. (2004, p. 75-76).
Vindo ao encontro do posicionamento anterior est o ensinamento de
Clotet, para ele
A Biotica uma tica aplicada que se ocupa do uso correto das novas tecnologias na rea das cincias mdicas e da soluo adequada dos dilemas morais por elas apresentados. [...] O significado originrio atribudo por Potter ao conceito de Biotica era o de uma reflexo sobre as possveis conseqncias negativas do desenvolvimento cientfico. Contudo, foi o obstetra de origem holandesa Andr Hellegers quem usou a mesma palavra de modo institucional, na Universidade de Georgetown, para significar o novo campo de pesquisa da tica biomdica. Esse mesmo significado consolidou-se na forma de uma nova disciplina de grande interesse para a medicina, a tica e o direito. (2003, p. 33-34).
O sentido dado por Potter diverso do dado na atualidade por Hellegers,
este passou a definir a biotica como a tica das cincias da vida, ou seja, ela passa
a ser, como diria Jean Pierre Marc-Vergnes, uma tica biomdica. Ficou ainda mais
evidente esta definio com a divulgao da obra The principles of bioethics, escrita
por Beauchamp e Childress, em 1979. (DINIZ, 2001, p. 10).
Segundo Vieira em 1971 em Washington o obstetra Andr Hellegers cria
o Kennedy Institute (The Joseph and Rose Kennedy Institute for Study of Human
Reproduction and Bioethics), tendo por objetivo estudar os problemas relativos
12
Biotica, sendo exemplos deles: eutansia, manipulao gentica, aborto e
experimentao humana. (1999, p. 19).
A Biotica a princpio se deparou com os dilemas levantados pelo avano
cientfico. Casos como experimentao humana, eutansia e eugenia fazem parte
das indagaes sobre biotica na dcada de 90. Nesta poca a diminuio da
mortalidade e o aumento da expectativa de vida se tornam o principal objetivo da
biotica, utilizando-se para isto de meios cientficos para que se chegasse ao ser
desejado. Vale ressaltar que aqui a cincia dever respeitar os limites ticos e
legais. (SANTOS, 1998, p. 39).
Depois de relatar o que seria a Biotica faz-se necessrio descrever o
que seria o Biodireito.
No campo da Medicina surgiu uma disciplina chamada Biotica, que trata
das questes referentes aos limites ticos dados as cincias biolgicas. No mbito
do Direito surge uma nova disciplina chamada de Biodireito, que procurar criar
atravs da lei os limites ticos que a engenharia gentica dever seguir. (LEIVAS,
2002, p. 552).
De acordo com Junges a Biotica surge com o intuito de analisar e avaliar
os principais problemas ticos que afetam a vida humana. Esta cincia para ser
eficaz e incidir nos procedimentos que implicam a vida humana necessita de um
Biodireito. Aos poucos a sociedade comea a viver esta realidade e assim sendo
nasce uma nova rea nas cincias jurdicas. (1999, p. 124).
A Biotica surgiu como a dimenso moral da Medicina; posteriormente,
quando comeam a surgir os princpios e as regras jurdicas, se transforma em
Biodireito. (S, 1999, p. 19).
Durante dcadas o Direito passou a ser confrontado pelo progresso
cientfico, principalmente na rea gentica com a revelao da seqenciamento do
genoma humano, sem que o legislador se preparasse para as implicaes legais
que tais descobertas passaram a apresentar. Aqui entra o Biodireito, que tem por
objetivo discutir e tentar encontrar solues jurdicas para trilhar os caminhos que as
novas tecnologias esto abrindo e que por muitas vezes esto sendo aplicadas sem
freios. (GOZZO, 2009, p. 392).
Para Coan o Biodireito um ramo que surge da relao entre a cincia da
vida e o Direito. (2001, p. 246).
Segundo os ensinamentos de Mller
13
Recebendo a influncia das discusses iniciadas no mbito da biotica, o direito vem refletindo acerca do estabelecimento de limites jurdicos s prticas biomdicas e dando incio sua regulamentao seja no interior dos ordenamentos jurdicos nacionais, na forma de legislaes sobre temas especficos; seja no plano internacional, por meio de declaraes que incorporam valores partilhados por diferentes culturas e sociedades nacionais. Ao que vem sendo considerado como um novo campo do direito, prprio do estudo e da normatizao das questes bioticas, convencionou-se chamar de biodireito. (2009, p. 42).
De acordo com Leite O Direito deve, seguramente, intervir no campo das
tcnicas biomdicas, quer para legitim-las quer para proibir ou regulamentar
outras. (2001, p. 107).
Com o avano tecnolgico j se pode postergar o envelhecimento e at
mesmo a morte, h quem diga que se pode chegar imortalidade. O que se tem que
pensar que todas estas questes devero ser colocadas em benefcio de toda a
humanidade, no havendo distino entre raa, situao socioeconmica ou poltica.
O Direito ter a funo de regulamentar estas situaes, impondo limites sem
impossibilitar com isso o avano da cincia. Dever assim existir um equilbrio entre
a biotica e o Direito. (CASTRO FILHO, 2001, p. 351).
Para Teodoro o Biodireito o conjunto de normas jurdicas que
regulamentam a proteo da vida humana. Nada mais que a aplicao do Direito
aos temas da Biotica por meio da delimitao do campo de atuao dos mdicos,
bilogos e cientistas. Surgiu para proteger os direitos fundamentais, entre eles o da
dignidade humana e inviolabilidade do corpo humano. O Biodireito um meio
utilizado para tornar impositivas as regras da Biotica no cenrio dos novos conflitos
de interesse, tendo de um lado o avano tecnolgico, a engenharia gentica, a
clonagem e a evoluo da espcie e do outro o Direito vida, dignidade da
pessoa, ao nascimento e proteo irrestrita do corpo humano. (2007, p. 23).
Discorre sobre o presente tema Oliveira, segundo ela
Faz-se imperioso visualizar a possibilidade de uma legislao que venha regulamentar as situaes no previstas e que esto despontando com o desenvolvimento das pesquisas em gentica de um modo geral, que venha proteger o ser humano integralmente, para garantir, desta forma, o respeito ao princpio da dignidade humana. (2006, p. 65-66).
Sendo assim, a Biotica levantar as novas questes ticas surgidas com
o avano da cincia e caber ao Biodireito criar legislaes que restrinjam as novas
14
prticas em respeito ao princpio da dignidade humana que ainda ser estudado no
presente trabalho.
2.2 Princpios da Biotica
Como j visto a Biotica surge em resposta necessidade de se ter uma
matria que trate dos aspectos ticos levantados pelo avano tecnolgico. A
Biotica para tal feito precisa de alicerces para sua sustentao, de instrumentos
que a solidifiquem, que faam a ponderao entre o que j existe e o que est por
vir. Aqui nascem os princpios bioticos.
Antes de qualquer coisa faz-se necessria uma breve explanao do que
seria um princpio.
Segundo o ilustre autor Alexy princpios so normas que ordenam que
algo seja realizado na maior medida possvel dentro das possibilidades jurdicas e
fticas existentes. (2008, p. 90).
Mais a frente na mesma obra ressalta o autor que os princpios tm
carter prima facie, ou seja, obrigatria sua utilizao nos casos em que couber.
Porm vale ressaltar que ele no tem carter definitivo, sendo assim em
determinados casos o resultado no ser necessariamente o que o princpio exige
que seja. (2008, p. 103-104).
Adentrando na esfera Biotica ressalta Oliveira que a mesma para
garantir a dignidade humana utiliza-se de princpios orientadores como uma forma
de se ter uma conduta tica em relao vida. (2004, p. 85).
Porm aqui se faz uma indagao, quais seriam estes princpios
orientadores e como surgiram?
Segundo Junges depois que diversos casos de manipulaes realizadas
em enfermos sociais e mentais foram descobertos no incio da dcada de 70 nos
Estados Unidos o congresso americano criou a National Commission for the
Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Researc, que tinha por
objetivo a realizao de uma pesquisa que identificasse os princpios ticos bsicos
que deveriam nortear a experimentao em seres humanos. (1999, p. 39).
15
Quando se fala em princpios bioticos dois so os documentos de maior
relevncia ao tratar primeiramente do assunto: Relatrio de Belmont da Comisso
Nacional Para a Proteo dos Seres Humanos da Pesquisa Biomdica e
Comportamental de 1978 e a obra Principles of Biomedical Ethics de T. L.
Beauchamp e J. F. Childress. (PESSINI E BARCHIFONTAINE, 2000, p.43).
Porm vale ressaltar que o primeiro documento trazia somente trs
princpios, enquanto o segundo previa quatro.
De acordo com Junges foram necessrios quatro anos de pesquisa para
que sasse a publicao do Relatrio de Belmont onde vinham descritos os trs
princpios bsicos da Biotica, so eles: beneficncia (ateno aos riscos e
benefcios), autonomia (necessidade do consentimento informado) e justia
(equidade quanto aos sujeitos de experimentao). (1999, p. 39).
Segundo Oliveira ao se tratar de princpios da Biotica encontram-se
somente trs, so eles: autonomia, beneficncia e justia, os quais so
denominados de trindade biotica. (2006, p. 47-48).
De acordo com Pessini e Barchifontaine Os trs princpios identificados
pelo Relatrio Belmont foram: respeito pelas pessoas (autonomia), beneficncia e
justia. (2000, p. 45).
Na mesma obra os autores ressaltam que
O paradigma principialista est entre os modelos de anlise biotica mais divulgados e tem como protagonistas Tom Beauchamp e James. Childress, autores da obra clssica Principles of biomedical ethics (em 1994 j havia quatro edies). Esses autores propem quatro princpios orientadores da ao: beneficncia, no-maleficncia, justia e autonomia. Em sua viso, esses princpios no tm nenhuma disposio hierrquica e so vlidos prima facie. Em caso de conflito entre si, a situao em causa e suas circunstncias que indicaro o que deve ter precedncia. Esse modelo tem ampla aplicao na prtica clnica, em todos os mbitos em que a biotica se desenvolveu, com resultados bastante positivos em relao ao respeito pela dignidade da pessoa. (2000, p. 34-35).
Fica claro que num primeiro momento somente seriam trs princpios,
porm com a publicao de Principles of biomedical ethics um deles se desdobra em
dois, tendo-se, assim, quatro princpios bioticos, os quais sero vistos a seguir:
Junges relata que a apresentao dos trs princpios clssicos da
Biotica desdobrar o princpio da beneficncia em dois: no-maleficncia e
beneficncia, seguindo a sugesto de Beuchamp e Childress. (1999, p. 40).
16
De acordo com Andorno so quatro os princpios bioticos, surgidos com
a obra Principles of Biomedical Ethics dos norte-americanos Tom Beauchamp e
James Childress no ano de 1979, sendo eles a autonomia, a beneficncia, a no
maleficncia e a justia. (2009, p. 75-76).
Neste mesmo sentido est o pensamento de Santos, segundo ela em
1979 os filsofos americanos Tom I. Beauchamp e James F. Childrees publicaram o
livro Princpios de tica Biomdica e nesta obra estavam estabelecidos os quatro
princpios que seriam os pilares da Biotica, quais sejam: autonomia, beneficncia,
no-maleficncia e justia. (1998, p. 42).
Segundo Pessini e Barchifontaine [...] A autonomia entendida num
sentido muito concreto, como a capacidade de atuar com conhecimento de causa e
sem coao externa (2000, p.46).
O princpio da autonomia baseado no respeito aos direitos fundamentais
humanos. Seria o mesmo que dizer no faa ao prximo o que no queres que
faam a ti mesmo. (SGRECCIA, 2002, p. 167).
Reiterando este posicionamento est o entendimento de Oliveira,
segundo a ilustre doutrinadora o princpio da autonomia ou respeito pessoa
aquele em que o indivduo tem o direito de se responsabilizar pelos seus atos, ou
seja, vigorar a vontade do paciente, levando-se em considerao sua crena e
valores, ser respeitada pelo profissional sob pena de ter sua intimidade violada.
(2004, p. 86).
Para Junges o princpio da autonomia est totalmente ligado ao
consentimento informado, ou seja, aquele em que o paciente expressa sua vontade,
no podendo o mdico ir de encontro a ela. O paciente dever ser informado das
possibilidades que tem e assim decidir o que melhor para si, sendo assim, o ato de
consentimento deve ser voluntrio. (1999, p. 43).
Ao encontro do que foi mencionado anteriormente vem o entendimento de
Andorno, segundo o qual
O termo autonomia se constri com as palavras gregas autos (si mesmo) e nomos (norma ou governo) e significa literalmente dar normas a si mesmo ou governar-se a si mesmo. No mbito biotico, a referncia autonomia indica habitualmente o pleno reconhecimento do status de pessoa do paciente e de sua aptido para tomar decises sobre os tratamentos aos quais deseja ou no se submeter. A valorizao da autonomia do paciente constitui um dos grandes aportes da tica biomdica das ltimas dcadas, que contribuiu para superar a viso excessivamente paternalista da
17
medicina tradicional segundo a qual o mdico estava habilitado para decidir de forma unilateral o tratamento a seguir, sem ter em conta os desejos, temores e interesses do paciente. A nova forma de relao mdico-paciente, que tende a impor-se nas sociedades modernas, insiste no direito do paciente de que lhe expliquem de modo objetivo e compreensvel o tratamento que lhe proposto e no direito de dar (ou no) seu consentimento de modo explcito em cada caso. Esta moderna valorizao da autonomia do paciente encontra sua concreo mais destacada no denominado consentimento informado. (2009, p. 76).
Sob a beneficncia disserta Sgreccia que o O princpio de benefcio seria
posto no vrtice, como referncia ltima, e corresponderia ao fim primrio da
medicina, numa viso naturalista, que o de promover o bem, em relao ao
paciente ou sociedade, e de evitar o mal [...]. (2002, p. 167).
O princpio da beneficncia vem do latim bonum facere e significa fazer o
bem. Aqui sero analisadas as seguintes questes: fazer o bem, no causar dano,
cuidar da sade, favorecer a qualidade de vida e manter o sigilo mdico. (SANTOS,
1998, p. 42-43).
De acordo com Pessini e Barchifontaine o princpio da beneficncia
previsto no Relatrio de Belmont nada mais do que o prprio significado de
caridade. Tem-se aqui como regras no causar dano e aumentar os benefcios e
diminuir possveis riscos ao paciente. Neste relatrio no h distino entre
beneficncia e no-maleficncia, esta distino feita somente na obra de
Beauchamp e Childress. (2000, p.46).
Segundo os ensinamentos de Junges o princpio da no-maleficncia faz
parte do juramento hipocrtico, ou seja, non nocere (no fazer mal). Este princpio
visa impedir o mal ou o dano aos outros, remover o mal ou o dano e fazer ou
promover o bem. A maleficncia est ligada a dano, ofensa, afronta. O dano aqui
pode ser tanto psicolgico quanto reputao, mas via de regra, dano fsico.
(1999, p. 49-50).
Ainda sobre a mesma temtica Santos relata que por muitas vezes este
princpio no distinto do princpio da beneficncia, porm para ela, a no-
maleficncia significa primum non nocere, ou seja, antes de tudo no prejudicar,
este princpio determinar que no poder haver qualquer tipo de dano. (1998, p.
43).
Para Pessini e Barchifontaine o princpio da justia trata da
18
[...] imparcialidade na distribuio dos riscos e benefcios. Outra maneira de entender o princpio de justia dizer que os iguais devem ser tratados igualmente. O problema est em saber quem so os iguais. Entre os homens existem diferenas de todo tipo e muitas delas devem ser respeitadas em virtude do princpio de justia, por exemplo ideal de vida, sistema de valores, crenas religiosas etc. No obstante, existe um outro nvel em que todos devemos ser considerados iguais, de tal modo que as diferenas a devem ser consideradas injustias [...]. (2000, p. 46).
Segundo Oliveira o princpio da justia relata que a justa distribuio dos
bens e servios implica que o acesso a eles deve ser sempre universal; avaliar
quem mais necessita mais deve preceder a ateno igualitria. (2004, p. 86).
Seguindo este linha de raciocnio est o entendimento de Sgreccia, para o
doutrinador o princpio da justia est baseado na obrigao de igualdade de
tratamento, incluindo aqui a figura do Estado, que dever distribuir de forma
igualitria as verbas para sade, pesquisas, entre outros meios. No quer dizer com
isto que todos sero tratados da mesma forma, pois haver casos em que as
situaes dos pacientes no sero as mesmas, mas o que dever ser analisado o
comprometimento com o valor dado vida e o respeito a uma proporcionalidade das
intervenes que ocorrero. (2002, p. 167).
Estes sero os quatro princpios bsicos aos quais os profissionais da
rea mdica e os pacientes recorrero quando passarem por alguma situao em
que a Biotica dever proteg-los.
2.3 Direitos Fundamentais e Humanos: Direito a vida e a Declarao Universal
do Genoma Humano
Com o surgimento da Biotica cada vez mais so alcanadas respostas
s indagaes feitas a respeito dos avanos tecnolgicos. Muito se comemora o
surgimento de novas tecnologias, porm o que muitos esquecem que existe um
bem que com todo este avano pode correr um risco imensurvel: a vida.
Primeiramente h que se fazer uma distino entre os direitos
fundamentais e os direitos humanos.
19
Segundo Cunha o que pode se dizer dos direitos fundamentais que em
qualquer sociedade que eles no estiverem assegurados e garantidos no haver
uma Constituio. (2004, p. 84).
Complementando este entendimento ressalta Gonalves que os direitos
fundamentais nada mais so do que a medula das constituies. (1997, p. 35).
Quando se fala na diferena terminolgica existente entre direitos
humanos e direitos fundamentais se verifica que o termo mais utilizado entre os
escritores anglo-americanos e latinos o de direitos humanos e direitos do homem,
e entre os escritores alemes a nomenclatura mais usada a de direitos
fundamentais. (BONAVIDES, 2006, p. 560).
Os direitos fundamentais so aqueles direitos que o ser humano possui e
que j foram positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado,
enquanto que os direitos humanos so assegurados independentemente de
vinculao com um ordenamento constitucional, eles so universais, ligados a
documentos de direito internacional, e por este motivo visam a proteo de todos os
povos e tempos. (SARLET, 1998, p. 31).
Mas como surgiram os direitos humanos?
De acordo com os ensinamentos de Cunha
A Declarao dos direitos do homem e do cidado, promulgada em 26 de agosto de 1789, pelos representantes do povo francs, constitudos em Assemblia Nacional, a primeira grande declarao de direitos, concebida como base de um sistema nacional de governo. Seu germe, entretanto, estava em instrumentos da histria inglesa e norte-americana, tais como a Magna Carta (1215), a petio de direito (petition of rights) de 1628, a lei inglesa de habeas corpus (1679), a declarao de direitos (bill of rights) de 1689, o ato de estabelecimento (act of settlement)
de 1701, os instrumentos de governo das colnias inglesas na Amrica, a declarao de direitos da Virgnia (16.6.1776). (2004, p. 84).
Segundo Almeida h quem diga que o surgimento dos direitos humanos
se deu com a publicao da Magna Carta de 1215 outorgada pelo rei ingls Joo
Sem Terra, para outros este surgimento s acontecer com a Revoluo Francesa
em 1789. Contudo para ele o surgimento se deu mesmo com o Cdigo de Hamurabi
criado pelo rei da Babilnia por volta de 3.800 anos atrs. O cdigo previa limites ao
poder de governar estando estas limitaes estendidas at mesmo aos descentes e
sucessores do rei poca. Ressalta ainda que o governante inteligente aquele
20
que funda normas de direitos humanos para proteger seu povo e faz com que ele
respeite as mesmas. (1996, p. 42-44).
Ainda sobre esta temtica disserta Rabenhorst que o surgimento dos
direitos do homem se d com a preocupao em se proteger a dignidade da pessoa
humana, e estes momentos so a Revoluo Americana em 1776 e a Revoluo
Francesa em 1789. Estes dois movimentos legitimaram a idia de um direito natural
que protegeria a liberdade e a igualdade entre os homens. (2001, p. 35).
A Declarao de Direitos do Homem de 1789 considerada a fonte
essencial a garantia dos direitos fundamentais. Ela trouxe consigo a ligao entre os
direitos fundamentais com a liberdade e com a dignidade humana, passando estes
direitos a ser uma aspirao da pessoa humana. (BONAVIDES, 2006, p. 562).
H que se ressaltar que os direitos humanos passaram por etapas,
melhor dizendo, por geraes.
Em sua obra Bonavides explica o que significa cada uma das geraes
dos direitos fundamentais. Os direitos de primeira gerao so aqueles que cuidam
da liberdade, surgidos no sculo XIX e que protegiam a pessoa. Os direitos de
segunda gerao surgem no sculo XX e tratam dos direitos sociais, culturais e
econmicos, sempre visando o bem do coletivo. Os de terceira gerao so os
direitos chamados de fraternos, sendo eles: o direito do desenvolvimento, direito
paz, direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimnio comum da
humanidade e direito de comunicao. O de quarta gerao tem por objetivo a
globalizao dos direitos fundamentais, fazem parte disto: o direito democracia,
direito informao e direito ao pluralismo. (2006, p. 562-572).
Os direitos de quarta gerao so aqueles relacionados pesquisa
biolgica, tendo esta gerao aberto espao a manipulao do patrimnio gentico
da humanidade. (BOBBIO, 1992, p. 6).
Ao se tratar dos direitos fundamentais h que se falar de um dos, seno o
mais importante direito, o direito vida.
O direito vida est previsto na Constituio da Repblica Federativa do
Brasil, in verbis
Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade [...] (BRASIL, 2010).
21
De acordo com Almeida este direito de extrema importncia, visto que
at mesmo os governos agem com enorme proteo quando se trata dele. um
direito garantido constitucionalmente como o direito liberdade, igualdade e
segurana. O objetivo jurdico do direito vida a proteo da prpria vida da
pessoa humana, estando assegurada aqui a proteo tambm do nascituro. (1996,
p. 54-55).
Vale ressaltar que so evidentes os progressos cientficos no mbito da
engenharia gentica, e cada vez mais se notam os reflexos destas modificaes nas
relaes interindividuais ao passo que interferem diretamente com o bem maior da
humanidade: a vida. (PEIXOTO, 2002, p. 572).
Segundo a doutrinadora Gozzo
O direito vida est previsto no caput do art. 5 da Constituio brasileira, como integrante do rol de garantias e direitos fundamentais do homem. Sem ele praticamente no h como se falar em quaisquer outros direitos, por faltar o essencial, ou seja, o sujeito de direito. [...] Assim, a vida em si deve existir e ser preservada acima de tudo. Mas o ponto aqui diz respeito no s ao direito vida, mas o direito vida digna, que amplia aquele conceito. No basta viver. necessrio que haja dignidade nesse viver, o que implica, em primeiro lugar, que o mnimo existencial esteja disponvel. Em segundo, que o ser humano possa autodeterminar-se, de forma plena, acerca de todas as suas potncias, desenhando com mxima preciso, e dentro do que lhe permitido, ao longo de sua existncia, o livre desenvolvimento de sua personalidade. (2009, p. 403).
Tamanha a importncia deste direito Gomes e Sordi ressaltam que O
respeito vida o fundamento de todos os demais direitos humanos, j que se
constitui em pr-requisito existncia e exerccio de todos os demais direitos.
(2001, p. 178).
Para Fagundes Jnior a pessoa humana hoje considerada como a raiz
de todos os valores, devendo por este motivo ser o destinatrio final da norma, base
mesma do Direito, devendo ter sua vida protegida. (2001, p. 271).
Segundo Oliveira o diploma legal abomina toda e qualquer forma de
discriminao, declarando-se a prevalncia dos direitos humanos como um dos
princpios norteadores. (2006, p. 55).
A vida um bem em si mesmo e por si mesmo, sem referncia a outro
bem ou valor, pois a base de todos os outros. A vida humana dever usufruir de
uma valorizao igual e independente de circunstncias e situaes. necessria
uma coerncia no apreo vida, ou seja, no se pode lutar contra o aborto e ser a
22
favor da pena de morte. Todo tipo de discriminao uma forma proibida de
desvalorizao da vida, pois esta afirma que a vida de uns vale mais que a de
outros. (JUNGES, 1999, p. 117).
Quanto diminuio do direito vida relata Sgreccia que
Qualquer interveno que comporte a supresso da individualidade fsica de um ser humano, ainda que fosse diretamente desejada para a consecuo de benefcio de outros, representa uma afronta ao valor fundamental da pessoa humana, pois priva o sujeito humano do valor fundamental sobre o qual se apiam todos os outros, o valor da vida corprea. (2002, p. 231).
Vale ressaltar que quando se trata dos direitos referentes ao patrimnio
gentico dos seres humanos h um documento de extrema importncia: a
Declarao Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos.
Segundo Santos ao considerar-se o genoma humano um patrimnio
comum da Humanidade s se reafirmou os direitos e deveres de cada ser humano
sobre seu prprio patrimnio gentico. O genoma humano qualificado na
Declarao como patrimnio comum da Humanidade e esta qualificao possui
interesse especial no que diz respeito idia atual de patrimnio comum da
Humanidade, como ao status do genoma humano em sua relao com a dignidade,
igualdade, individualidade, mtuo respeito entre os seres humanos e seus direitos.
(1998, p. 68).
Seguindo os ensinamentos de Barretto ressalta-se que a Biotica se
materializa em Biodireito com o surgimento da Declarao Universal do Genoma
Humano e dos Direitos Humanos, elaborada pelo Comit de Especialistas
Governamentais da UNESCO, tornada pblica em 11 de novembro de 1997. A
declarao foi assinada por 186 pases-membros da UNESCO e estabelece os
limites ticos a serem obedecidos nos casos de pesquisas genticas, especialmente
quando envolver o patrimnio gentico do ser humano. (2001, p. 415-416).
De acordo com Junges
A Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos [...] adotada pela 29 Conferncia Geral da UNESCO, em 1997, um levantamento de princpios consensuais que deveriam servir de base para os Estados implementarem uma base jurdica que defenda a dignidade humana e os direitos das pessoas envolvidas nas pesquisas sobre o genoma que assegure as condies cientficas e as exigncias ticas para o exerccio da pesquisa gentica e promova a solidariedade e a cooperao internacionais no usufruto dos resultados do Projeto Genoma. (1999, p. 249-250).
23
O prembulo da Declarao visa a proteo do ser humano,
reconhecendo que a pesquisa do genoma humano abre muitas expectativas para o
progresso, principalmente quanto ao aprimoramento da sade da humanidade.
Todavia, deixa bem claro que devem ser respeitadas a dignidade, liberdade e os
direitos humanos. Tambm ressalta que devem ser proibidas todas as formas de
discriminao baseadas nas caractersticas genticas. Foram proclamados na
declarao princpios relacionados dignidade da pessoa humana e genoma
humano, direitos das pessoas, pesquisa sobre genoma humano, entre tantos outros
temas. (2010).
Sobre a discriminao quanto caracterstica gentica do ser humano,
este tema foi tratado no artigo segundo da declarao, in verbis
Artigo 2
a) A todo indivduo devido respeito sua dignidade e aos seus direitos, independentemente de suas caractersticas genticas. b) Esta dignidade torna imperativa a no reduo dos indivduos s suas caractersticas genticas e ao respeito sua singularidade e diversidade. (2010).
Ressalta ainda Fagundes Jnior que [...] sob justificativa de propiciar
uma vida melhor, no podem os avanos da cincia ir alm dos limites impostos
pelo Princpio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, que vem permeado,
dentre outros, pelos Direitos e Garantias Fundamentais. (2001, p. 268).
Desta forma, fica claro que a discriminao da pessoa humana tanto
proibida pela Constituio quanto pela Declarao Universal do Genoma Humano e
dos Direitos Humanos, pois caso ela ocorra estar se ferindo o Princpio da
Dignidade Humana.
2.4 O princpio da dignidade humana
Visto que o direito vida de extrema importncia quando tambm
estudado na rea da Biotica, vale ressaltar que h um princpio em especial que
deve ser analisado quando o assunto a vida: o princpio da dignidade humana.
24
A Biotica nasce com a preocupao de trazer critrios morais para as
condutas humanas nas quais est implicada a vida. Ela surge como um saber que
tem por objetivo a sobrevivncia humana numa poca em que a vida ameaada
por muitos fatores. Estas ameaas esto especialmente ligadas ao desrespeito
vida humana. (JUNGES, 1999, p. 71).
De acordo com Andorno [...] o respeito dignidade humana emerge no
recente biodireito como marco irrenuncivel em que se deve desenvolver a atividade
biomdica, tanto no mbito clnico como no da pesquisa cientfica. (2009, p. 80).
Vale lembrar que este princpio est em total sintonia com os princpios
bioticos bsicos. Segundo Oliveira os princpios bioticos devem estar presentes
nos trabalhos que so realizados atravs do avano tecnolgico, porm se em
algum momento houver algum tipo de ofensa a um deles deve-se parar e analis-los
sob pena de estar-se ferindo o valor maior que a dignidade do ser humano. (2006,
p. 58).
Para Andorno de uma grande complexidade a conceituao de
dignidade humana, porm pode-se chegar perto do que ela seja. Seria possvel dizer
que a dignidade humana de um valor nico e incondicional, todo ser humano
detentor dela, no fazendo nenhuma diferena sua idade, sexo, condies fsicas ou
mentais, origem tica, ou at mesmo condies sociais, econmicas ou religiosa.
(2009, p. 81-82).
Segundo Rabenhorst o termo dignidade, do latim dignitas, significa tudo
aquilo que merece respeito, considerao, mrito ou estima. A dignidade acima de
tudo uma categoria moral, que est relacionada com a prpria representao que
fazemos da condio humana, isto , ela a qualidade ou o valor particular que
atribumos aos seres humanos em funo da posio que eles ocupam na escala
dos seres. (2001, p. 14-15).
O ilustre autor vai mais alm e ressalta a concepo kantiana do que
seria a dignidade humana. O filsofo alemo Immanuel Kant dizia que tudo possui
um preo ou uma dignidade. Aquilo que possui um preo tem um valor relativo, ou
seja, pode ser comparado ou substitudo por algo equivalente. Todavia, a dignidade
caracterstica apenas daquilo que insubstituvel e incomparvel, isto , daquilo
que, pelo fato de ter valor absoluto, est acima de qualquer preo. Sendo assim,
apenas o ser humano, enquanto racional e autnomo, nico ser capaz de fixar
metas e planos de vida, tem dignidade. por este motivo que o homem no pode
25
ser tratado como mero meio para a obteno de alguma coisa, dever ser sempre
considerado um fim em si mesmo. (2001, p. 32-34).
Junges, seguindo esta mesma linha de raciocnio, traz em sua obra a
dignidade humana relatada por Kant. Segundo o autor Kant dizia que algo tem
dignidade quando no tem preo, ou seja, quando no pode ser trocado por algo
equivalente. A pessoa fim em si mesma, pois no tem preo e no pode ser usada
como meio para alcanar outro fim. O ser humano se diferencia das outras criaturas
por uma realidade moral, isto , a pessoa tem dignidade, pois tem a capacidade de
auto-realizao. A cada ser humano dada uma tarefa especfica e proporcionada.
A dignidade humana fundamenta-se no fato de a pessoa ser essencialmente moral.
(1999, p. 110).
O autor acima mencionado ressalta que
Portanto, o fundamento ltimo da dignidade humana est na categoria de auto-realizao. Todo ser humano tem o direito de autoconstituir-se a partir do seu dado natural, realizando o seu itinerrio histrico de expressar-se como pessoa. Por isso, o ser humano fim em si mesmo e nisso consiste justamente a sua dignidade. Ningum tem o direito de priv-lo ou impedi-lo de realizar esse itinerrio de auto-realizao como fim da sua existncia, tornando-o meio para alcanar outros fins. Dignidade no apenas uma categoria antropolgica, mas expressa tambm um contedo tico. A categoria de dignidade humana levanta exigncias ticas. A dignidade no se refere a uma natureza abstrata, mas a seres concretos. Dignidade diz respeito a seres humanos histricos e concretos. Cada ser humano pessoa por ser um indivduo nico e insubstituvel. Nesse sentido, tem valor por si, isto , goza de dignidade. (1999, p. 111).
Ainda sobre esta temtica est o entendimento de Martins, segundo ele
para Kant somente as pessoas, por serem seres racionais, so um fim em si mesmo.
Os demais seres vivos, pela sua irracionalidade, so considerados coisas. Contudo,
mesmo os seres irracionais, possuem um valor, sendo este relativo, na medida que
possui um preo e no uma dignidade. Assim, somente a pessoa humana, sendo
um ser racional, nico e insubstituvel, possui dignidade. Vale ressaltar que a
dignidade est acima de qualquer preo. (2003, p. 28-29).
Para o autor j mencionado, seguindo os ensinamentos de Kant, a
Constituio Federal utilizou o termo dignidade em seu artigo 1, inciso III inspirada
no valor intrnseco da pessoa humana. A dignidade deve acompanhar o homem
desde seu nascimento at sua morte, pois ela prpria da pessoa humana. Sendo
assim, a dignidade um valor iminente a prpria condio humana, que identifica o
26
homem como ser nico e especial, e que, portanto, pode exigir ser respeitado como
algum que tem sentido em si mesmo. (2003, p. 115).
O princpio da dignidade humana est previsto na Constituio Brasileira
como um dos fundamentos da nao. Segundo a Constituio da Repblica
Federativa do Brasil promulgada em 1988
Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 2010).
Para Martins a dignidade da pessoa humana trata-se, portanto, de um
princpio constitucional que tem a pretenso de plena normatividade (CF, art. 1,
inciso III). (2003, p. 98).
De acordo com Teodoro a Constituio conclama em seu art. 1, III, como
um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e tem este como objetivo
promover o bem de todos sem qualquer forma de distino, e, alm disto, garantir
incondicionalmente a inviolabilidade do direito vida, art. 5, caput. (2007, p. 158).
Sobre esta temtica disserta Coan, segundo ele a Carta Magna ao ser
promulgada em 1988 traz consigo o princpio da dignidade humana como
fundamento da Repblica e o da inviolabilidade do direito vida como direito e
garantia individual dos seres humanos. (2001, p. 256).
Segundo o autor anteriormente mencionado o homem no deve ser
considerado apenas um produto da natureza, mas sim um ser que poder alter-la,
porm nunca esquecendo os limites ticos aos quais dever respeitar. Quando se
fala aqui em respeito aos limites ticos o mesmo que dizer respeito ao princpio da
dignidade humana. Este princpio est previsto na Constituio da Repblica
Federativa do Brasil de 1988 como um dos fundamentos da nao em seu artigo 1.,
III e dever ser analisado em conjunto com o art. 5., caput, que trata da
inviolabilidade do direito a vida, sendo estes dois artigos responsveis pela proteo
da pessoa na atualidade com os avanos que a tecnologia vem tomando. (2001, p.
261).
Segundo a autora Oliveira o ser humano o ator principal da vida
humana, receber tudo que lhe for passado, sendo por herana gentica ou
27
patrimonial. Os seres humanos formam a sociedade que se conhece e possui. Em
conseqncia, todos os cientistas atualmente so levados a pensar em novos
problemas que podero vir a influenciar no futuro desta e de novas geraes. Nos
dias de hoje, pensa-se na biotica como a salvadora dos seres. Todavia,
necessrio que aqueles que desenvolvem novos experimentos e procedimentos nas
reas cientficas, vejam a biotica como a tica da vida. Muitos dos experimentos e
procedimentos desenvolvidos, realizados em laboratrios com fins obscuros e/ou
desconhecidos, podero proporcionar fama, dinheiro e sucesso aos cientistas e
contrapartida so ignorados por mais de noventa por cento da populao mundial.
Estes experimentos por muitas vezes so desenvolvidos sem debater qualquer
valorao: o tico e o moral so deixados de lado. Tudo em nome da Cincia, em
nome do avano tecnolgico. Deve-se repudiar tudo isto, a vida deve ser vista como
um bem fundamental, deve estar acompanhada de dignidade no viver. A dignidade
humana algo que pertence aos seres humanos sem nenhuma distino, pelo
simples fato de pertencer ao gnero humano. (2006, p. 53-54).
A dignidade humana na Biotica pode ser vista tambm na obra de
Andorno, segundo o qual
[...] O princpio da dignidade significa que, por exemplo, no se pode sacrificar a vida de uma pessoa para salvar outra que necessita de um rgo vital; que no se pode submeter um indivduo a experimentos cientficos sem seu consentimento ou quando tais experimentos pem gravemente em perigo sua vida; que no eticamente lcito tratar embries humanos como mero material de experimentao; que no se pode produzir clones humanos ou predeterminar as caractersticas genticas de uma futura pessoa para satisfazer os caprichos dos pais em potencial; que a sociedade no pode tolerar que um indivduo se veja forado a vender um rgo (por exemplo, um rim) a fim de cobrir as necessidades de sua famlia. Em todos estes casos, h uma instrumentalizao inadmissvel da pessoa humana e, portanto, uma prtica contrria dignidade humana. Deste modo, atravs da exigncia de no-instrumentalizao da pessoa, o princpio da dignidade permite ficar alguns limites ticos s intervenes biomdicas no ser humano. (2009, p. 84)
Sendo assim, fica clara a importncia do princpio da dignidade humana
nas questes referentes Biotica, sendo que ele ser o freio para as decises a
serem tomadas, visando sobrevivncia desta e de futuras geraes.
No prximo captulo ser estudado o Projeto Genoma Humano, a Eugenia
e os problemas que estas novas questes trazidas pela evoluo da cincia podero
causar aos seres humanos.
28
3 PROJETO GENOMA HUMANO E O RETORNO DA EUGENIA E SUAS
PRTICAS
3.1 Projeto Genoma Humano
Como visto no captulo anterior os avanos que a tecnologia vem
sofrendo nos dias atuais sero de uma grande importncia para toda sociedade,
todavia, estes avanos devero estar voltados para o benefcio de toda coletividade,
no podendo colocar-se em risco a vida dos seres humanos em prol do progresso
da cincia.
Quando se fala em progresso cientfico na rea Biotica logo se pensa
num dos maiores projetos j realizados a respeito do estudo do corpo humano, ele
o Projeto Genoma Humano.
Mas primeiramente h que se relatar o que a manipulao gentica e as
novas terapias genticas ou gnicas.
Manipulao gentica segundo Sgreccia uma interveno qualquer
(manipular = manusear, transformar com as mos) sobre o patrimnio gentico.
(2002, p. 213).
De acordo com os ensinamentos de Oliveira o aprendizado de criar novas
espcies s aconteceu com o advento da manipulao gentica. Muitos remdios
biolgicos foram originados atravs dela, experimentaes, erros e acertos da
seleo e da escolha dos que eram considerados melhores. Tudo isso constitui a
manipulao gentica, que viveu na situao de erros e acertos at 1971, quando
Paul Berg geneticista norte-americano, inventou a primeira tcnica de engenharia
gentica, qual seja: o DNA recombinante, com ele passou-se a manipular a vida,
embora no se saiba ainda os efeitos que podem ser causados no futuro. A
engenharia gentica integra a Terceira Revoluo Industrial, sendo que ainda no se
pode calcular onde todo este avano ir parar. (2004, p. 34).
Segundo Gomes e Sordi a manipulao gentica implica na [...]
possibilidade de os pais escolherem o sexo de seus bebs, troca de genes
supostamente defeituosos por outros sadios, escolhas de ordem esttica, racial
29
que, em ltima anlise, comportaria uma forma de seleo artificial da espcie [...]
(2001, p. 174).
Depois desta breve conceituao faz-se necessrio explicar a terapia
gentica, que juntamente com a manipulao gentica vem sendo tema de debates
a respeito das mudanas no genoma humano.
Sobre terapia gnica relata Sgreccia que o Comit Nacional para a
Biotica (CNB) italiano define a mesma como a introduo de um gene visando a
preveno e/ou a cura de uma possvel doena. (2002, p. 247).
Para Gomes e Sordi Consiste na eliminao, alterao ou troca por
genes geneticamente modificados, daqueles genes que se considerem responsveis
pelo aparecimento de determinadas enfermidades. (2001, p. 174).
A terapia gnica se subdivide em terapia de clulas somticas (aquela
feita para restituir a normalidade s clulas defeituosas) e a terapia em clulas de
linha germinal (em gametas ou embrio), a ltima visa a modificao do genoma do
sujeito que ser concebido e at mesmo de seus descendentes. Admitem-se, a
princpio, tanto a terapia gnica de clulas somticas quanto de clulas
germinativas, mas para isto a terapia dever visar o aspecto teraputico. Porm se
exclui a germinativa por duas razes diferentes: os mtodos atuais no permitem
atingir um resultado teraputico, sendo que aqui se apresentam riscos incontrolveis
e configura-se uma alterao contrria aos princpios de respeito pela vida e pela
identidade biolgica. (SGRECCIA, 2002, p. 247).
J Gomes e Sordi subdividem em trs tipos de terapia, segundo eles A
terapia gentica pode ser empregada em basicamente trs campos de ao: a) nas
clulas somticas; b) nas clulas germinativas humanas; c) no embrio. (2001, p.
174).
Os autores acima mencionados explicam brevemente as caractersticas
das terapias. Na modificao das clulas somticas h modificao no genoma,
porm esta modificao no se estende at as geraes futuras. J as modificaes
das clulas germinativas afetam as geraes futuras havendo at mesmo uma
imprevisibilidade do que acontecer com o patrimnio gentico da humanidade. Este
tipo de terapia tido em nossa legislao como crime, previsto no artigo 13 da Lei
8.974/95. A terapia gentica para embries tem por objetivo modificar a pessoa e
seus descendentes, esta no utilizada. (2001, p. 174-175).
30
As tcnicas de terapia gnica podem modificar o patrimnio gentico do
indivduo, bem como seus descendentes. A experimentao tentadora. (VIEIRA,
1999, p. 58).
Agora que j se relatou brevemente as questes da terapia gentica, ou
seja, o que se poder fazer com as informaes do genoma humano, deve-se
analisar o Projeto Genoma Humano, projeto este que visa seqenciar e mapear o
mesmo.
De acordo com os ensinamentos de Corra
A gentica e os desdobramentos do Projeto Genoma Humano, em termos de pesquisas ou de produtos, vm sendo construdos como um dos principais campos de inovaes biotecnolgicas. A possibilidade de incorporao dessas inovaes pela Medicina representaria um salto de qualidade: com a gentica teramos uma busca mais profunda das causas de doena, testes de diagnstico mais especficos, teraputicas mais eficazes, enfim mais e mais. Essa perspectiva constitui, na verdade, aquilo
com que se justifica qualquer projeto de pesquisa em qualquer rea do desenvolvimento mdico-cientfico. Para alm dos benefcios que, por motivos a serem analisados, so atribudos s inovaes genticas, h a otimista conotao da capacidade de promoo do surgimento de um novo mundo, de um outro mundo, talvez de um outro ser humano desenhado pela Medicina do amanh. Para o pblico geral, o nico limite possvel para esse admirvel mundo novo parece ser, tal como no livro de Aldous Huxley, apenas os limites ticos. (2005, p. 47).
Nos ltimos anos um projeto ambicioso foi iniciado. Visava seqenciar o
genoma humano em sua totalidade, abarcando aqui tanto os genes saudveis
quanto os patolgicos. O projeto recebeu o nome de Human Genome Project
(Projeto Genoma Humano). (SGRECCIA, 2002, p. 243)
Segundo Gomes e Sordi, atualmente os seres humanos vivem numa
poca de transio e incertezas. Questes como eugenia, discriminao, clonagem
de seres humanos, cura de doenas genticas, patentes de genes humanos so
levantadas pelo avano da cincia, especialmente com o Projeto Genoma Humano
(Hugo-Human Genome Organization). A importncia da descoberta do genoma
humano est no fato de poder realizar-se tratamentos que iro se basear nos
conhecimentos mais detalhados da fisiologia de cada pessoa. (2001, p. 169).
De acordo com a obra de Oliveira, o Projeto Genoma Humano teve seu
incio em 1990 e tinha por objetivo mapear e seqenciar o genoma humano, teve
seu trmino oficialmente concludo em 26 de junho de 2000, com aproximadamente
97% do mapeamento e o seqenciamento finalizado. No dia 14 de abril de 2003
31
surge a notcia de que a tarefa chegou a seu fim com 99,99% do mapeamento.
(2004, p. 34).
O Projeto Genoma Humano (PGH), o maior e mais promissor projeto
realizado no campo da cincia biolgica. Pretende-se identificar e mapear com ele
todos os genes humanos e seqenciar mais de trs bilhes de pares de base que
constituem o genoma humano. Aps estas tarefas o projeto ter por objetivo
descobrir como diagnosticar e tratar doenas genticas. O PGH est cercado por
incertezas ticas, legais e sociais (ELSI), por este motivo que ele dedica dez por
cento de seu oramento total a debates deste tema. A UNESCO atravs do seu
Comit Internacional de Biotica criou uma Declarao Universal do Genoma
Humano e dos Direitos Humanos. (PESSINI E BARCHIFONTAINE, 2000, p. 217).
Reiterando este posicionamento Gomes e Sordi relatam que O Projeto
Genoma Humano (Hugo) visa, em ltima anlise, decodificar as informaes
contidas nos nossos cromossomos. Ou seja, isso implica a decodificao de trs
bilhes de elementos que compem o livro da vida [...] (2001, p. 171).
Porm os mesmo autores lembram o risco de se realizar este
seqenciamento. Realizando-se o seqenciamento de cada gene e sabendo-se a
informao que ele possui, assim como o lugar que ocupa no cromossomo, podero
ser realizadas modificaes no genoma, colocando-se deste modo genes sos,
eliminando os deficientes ou at mesmo alterando-os. (2001, p. 171).
Nesta mesma linha de raciocnio Sgreccia ressalta que o homem com
toda a evoluo cientfica tem o poder nas mos de modificar todo o estatuto
gentico da sua espcie. Seria ento uma nova fase do Darwinismo, s que aqui
no seria uma mutao do corpo sob a influncia do ambiente, mas sim o homem
conhecendo o significado de cada gene humano e direcionando este conhecimento
a modificao dos seres humanos. (2002, p. 214).
Este autor relata ainda uma grande preocupao, segundo ele esta [...]
fase da nossa histria apresenta uma possibilidade oposta ou contrria: a
possibilidade por parte da humanidade de se autodestruir. (2002, p. 215).
Aqui se adentra na temtica dos benefcios e malefcios que o Projeto
Genoma Humano pode causar.
Os benefcios a princpio esperados por este projeto segundo Sgreccia
eram a possibilidade de identificar os genes que causavam doenas hereditrias,
criar um arquivo internacional com toda a base de dados dos genes que compem o
32
genoma humano e a caracterizao de alguns tipos, mediante o emprego de
polimorfismos de DNA, em geral para uso criminolgico ou de pesquisa de
paternidade, ou ainda, para conhecer as possveis doenas num determinado
ambiente de trabalho. (2002, p. 243-244).
O mesmo autor relata tambm os malefcios que este projeto poder
causar, sendo eles: a possibilidade de um diagnstico pr-natal com a finalidade
eugnica, a construo de banco de dados sobre as pessoas que se submeterem a
pesquisa e a discriminao em determinados meios de trabalho pela pessoa ser
geneticamente sensvel a certos agentes qumicos. (2002, p. 244).
O primeiro benefcio trazido por este projeto ser a diminuio do
sofrimento humano pela possibilidade de se existir diagnsticos e cura para as
doenas. Todavia, por outro lado, questionamentos negativos so trazidos tona,
sendo eles: engenharia ou desenho de embries humanos, comodificao de seres
humanos, intervenes na reproduo humana, busca de aperfeioamento de
caractersticas humanas e eugenia, discriminao de base gentica, entre tantos
outros. Os princpios da Biotica (beneficncia, no-maleficncia, autonomia e
justia) para se concretizarem no Projeto Genoma Humano tero que enfrentar
profundos conflitos morais, dadas as controvrsias que o uso da informao
gentica capaz de gerar. (CORRA, 2005, p. 47-48).
De acordo com Oliveira o benefcio do PGH est principalmente no fato
de que com a terapia gentica haver a possibilidade de diversas enfermidades
terem seu fim. Isto seria considerada a sobrevivncia das espcies futuras. (2006, p.
93).
Porm o mesmo projeto tambm possui o lado contrrio e para isto a
mesma autora relata que
A eugenia assombra novamente tanto o meio social como o cientfico, onde so desenvolvidos tantos projetos que envolvem manipulaes genticas. A herana da segunda guerra mundial ainda assusta, as experincias que foram desenvolvidas naquela poca ainda hoje perturbam. sociedade resta protestar contra toda e qualquer forma de processo que vise a melhoria gentica ou melhoria da raa humana, com objetivos claros de limitao ou de extermnio daqueles que so os considerados inaptos pelo sistema. O processo eugnico tem por objetivo a melhoria com a reproduo exclusiva dos considerados aptos. (2006, p. 97-98).
O Projeto Genoma Humano significa o caminhar para um aprendizado, e
este deve analisar os melhores mtodos para que se conhea o animal homem, sob
33
pena de o mesmo desaparecer na era ps-genoma. (GOMES E SORDI, 2001, p.
195).
Ainda sobre este tema ressalta Junges que O Projeto Genoma Humano
motivado pelo sonho do ser humano perfeito. Este um dos elementos centrais da
ideologia do progresso humano. (1999, p. 237).
Assim sendo, fica claro que todo avano necessrio para uma
sociedade, porm h que se analisar at que ponto este ser benfico, evitando-se
que suas conseqncias levem a destruio da mesma.
3.2 Eugenia
A busca pelo ser humano perfeito no de hoje uma grande aspirao. O
avano da gentica propicia que sejam estudadas as caractersticas do genoma
humano e que assim se estudem as possibilidades do melhoramento dos seres
humanos. Este melhoramento chamado de Eugenia.
De acordo com Junges a ideologia do eugenismo teve seu incio no
sculo XVIII. Eugenismo representa a f no progresso contnuo e na possibilidade
de criar o ser humano perfeito. Quem no faz parte deste ideal de perfeio alijado
e discriminado, ou seja, o ser humano defeituoso no tem lugar. uma tendncia
que se pensava ter sido rompida com a experincia nazista, mas continua presente
sob formas mais atuais. A pseudocincia nazista desapareceu, mas a ideologia da
superioridade humana continua. (1999, p. 237).
Segundo Oliveira o desejo de ter humanos melhores e mais aptos, que
no possuam nenhum defeito um anseio de todas as sociedades. A eugenia
uma cincia racista, e adquiriu uma suposta cientificidade durante a fase de prestgio
do racismo dito cientfico. O movimento eugnico apareceu na dcada de 1920 e
voltou a crescer na de 1930 com a ascenso do nazismo. Desde 1980 se tem um
retorno da eugenia de uma forma reciclada, com o objetivo de manipular
ideologicamente o saber e o poder da descoberta gentica molecular. (2004, p. 177).
Todas as descobertas feitas nas reas da biocincia e biotecnologia
propiciaram a capacidade de concretizao de um novo pensamento eugnico nos
dias atuais. A eugenia uma constante na histria da humanidade. A preocupao
34
com a melhoria dos seres humanos sempre esteve presente, tanto a melhoria de
seus caracteres biolgicos quanto dos psquicos e mentais. (OLIVEIRA, 2006, p.
123).
Mas o que a Eugenia?
O termo eugenia, por si s, tem o significado de gerar bem, mas indica
tambm a cincia que estuda as melhores condies para a reproduo e o
aprimoramento da espcie humana. (DINIZ, 2001, p. 394).
A doutrinadora Pereira, baseando-se no Dicionrio Aurlio, diz que
Eugenia a cincia que estuda as condies mais propcias para reproduo e
melhoramento da raa humana. Depois da segunda grande guerra este termo ficou
vinculado ao nazismo e a eliminao dos seres humanos ditos no-perfeitos. (2002,
p. 103).
De acordo com os ensinamentos de Oliveira, a eugenia desde o incio
percebeu que a gentica seria o grande instrumento na busca pelo melhoramento
gentico humano, segundo sua ideologia de humanidade sem defeitos ou doenas.
A eugenia se firmou enquanto doutrina racista atravs do fisiologista ingls Francis
Galton (1822-1911) que sustentava a idia de que seria necessrio um
melhoramento da raa, para preservar as dotadas de melhores caractersticas.
Galton era primo de Darwin, o qual criou a evoluo das espcies, porm vale
ressaltar que este parentesco no pode ser usado para dizer que a Teoria da
Evoluo racista. (1997, p. 111-112).
Reiterando este posicionamento est o entendimento de Varga, segundo
ele
Francis Galton considerado o pai da pesquisa moderna para melhorar a raa humana, atravs da aplicao das leis da hereditariedade. Ele cunhou o termo eugnico, que significa bem-nascido. A eugenia est baseada na cincia que investiga os mtodos pelos quais a composio gentica dos seres humanos pode ser aperfeioada. As idias de Galton esto descritas em seu livro: Gnio Hereditrio: Uma pesquisa a Respeito de Suas Leis e Conseqncias (Herditary Genius: An Inquirity into its Laws and Consequences, London, 1869). Sendo primo de Charles Darwin, ele aplicou o princpio da sobrevivncia do mais capaz raa humana. [...] O declnio deve ser interrompido, impedindo a propagao dos degenerados, dos fracos mentais, dos alcolatras, dos criminosos, isto , de todos os elementos indesejados na sociedade. [...] Caridade verdadeira significa ajudar antes os fortes do que os fracos e, assim, acabar com as raas inferiores. Seres humanos geneticamente defeituosos e raas inferiores no podem atingir uma qualidade de vida digna de ser mantida. (2001, p. 77).
35
Idias eugnicas projetam a sombra de dvida, chegando ao limite de se
criar pedigree para seres humano. Conceitos como de eugenia positiva e eugenia
negativa passa a ocupar o espao dos debates a respeito do tema. (GOMES E
SORDI, 2001, p. 170).
Para Oliveira, quando se estuda mais profundamente a eugenia a mesma
vista em duas situaes diferentes, a eugenia positiva e a eugenia negativa. A
positiva aquela que favorece a transmisso dos caracteres considerados
desejveis e queridos enquanto a negativa visa selecionar e evitar a transmisso
dos caracteres considerados indesejveis ou no queridos, neste tipo de eugenia os
cientistas utilizam procedimentos considerados eficazes tais como: inseminao
artificial, a contracepo, o aborto e at a morte do recm-nascido. (2006, p. 124-
126).
A eugenia se apresenta atravs de duas faces, ambas discriminatrias e
racistas, a eugenia positiva aquela que visa a reproduo de humanos cada vez
mais vigorosos, aptos e perfeitos e a eugenia negativa tem por objetivo limitar ao
mximo, e at extinguir, a reproduo dos seres com defeito de fabricao.
(OLIVEIRA, 1997, p. 111).
A eugenia positiva busca o melhoramento da espcie humana, seja
extinguindo, alterando ou selecionando os caracteres genticos indesejveis. J a
eugenia negativa visa evitar ou prevenir a extenso de fatores genticos danosos,
este tipo de eugenia se manifesta atravs da substituio de genes defeituosos, por
meio da eliminao fsica de seus portadores (aborto eugnico) ou para evitar que
eles sejam engendrados em unies procriativas de alto risco (controle de
natalidade). (SOUZA, 2001, p. 57). Vale ressaltar que o j mencionado aborto
eugnico, tema do presente trabalho, ser mais bem explorado no prximo captulo.
Na eugenia positiva no se h eliminao de indivduos, mas sim a
realizao de procedimentos com o fim de que nasam somente pessoas isentas de
certas caractersticas indesejveis, como por exemplo as anomalias genticas, ou
ento pessoas com certas habilidades desejveis. (LEIVAS, 2002, p. 555).
O mesmo autor relata ainda que
A experincia nazista, e a sua ideologia eugnica, freqentemente utilizada nos debates sobre o aborto. Chama-se de eugenia negativa a prtica de eliminao de indivduos que possuem certas caractersticas consideradas indesejveis. Em se adotando esta definio, o aborto de fetos malformados configuraria uma prtica eugnica. (2002, p. 555).
36
Reiterando este posicionamento est o entendimento de Diniz, segundo
esta autora a eugenia negativa tem por objetivo no s prevenir o nascimento de
pessoa com patologia congnita, mas tambm evitar a transmisso do gene
defeituoso, isto , de molstias hereditrias atravs da eliminao dos portadores
como no caso do aborto eugnico. (2001, p. 395).
Explicados os dois tipos de Eugenia vale mencionar alguns momentos em
que se pode verific-la na sociedade.
De acordo com Oliveira o movimento eugnico atinge seu apogeu na
dcada de 20. Aps ter declinado retorna com fora total nos anos 30, com a
ascenso do nazismo que tinha por bandeira a parania de Hitler, que almejava uma
raa pura e superior, chamada de raa ariana. Esta poca foi de grande terror, com
a perseguio de judeus e ciganos, o que resultou no assassinato de 30 mil ciganos
alemes, 6 milhes de judeus e de mais de 75 mil doentes mentais. Depois de
derrotada esta ideologia na Segunda Guerra Mundial, a mesma ficou hibernada
durante trs dcadas e despertou nos anos 70 com a descoberta dos avanos
cientficos. Os eugenistas atualmente visam a manipulao gentica sem limites, ou
seja, eles querem poupar os brancos sem defeitos e eliminar as demais raas tida
como inferiores. Segundo esta nova tendncia o conceito de perfeio est ligado a
esttica branca (europia) e a superioridade de um macho, resumindo, a eugenia
repousa sobre alicerces racistas e machistas. (1997, p. 112-113).
Relatando a Segunda Guerra Mundial Fraga e Aguiar destacam que O
mundo ainda assistiu, nessa poca, ao extermnio de milhares de judeus pelas
tropas do Terceiro Reich sob o pretexto da criao de uma raa superior: a ariana,
atendendo a uma ideologia francamente genocida. (2010).
Junges em sua obra sita uma vertente americana desta ideologia onde o
ser humano perfeito seria aquele de cor branca, anglo-saxo, protestante e varo,
ou seja, este homem perfeito buscado na racionalidade instrumental, no homem
da cincia. J. Rothschild acusa a viso patriarcal que sustenta esta ideologia, h
desta forma um abandono com a figura da mulher e o desprezo com outras raas
que no sejam a branca. (1999, p. 237-238).
O mencionado autor vai mais alm, ressalta ainda que na atualidade
comeam a surgir na medicina americana termos como incapacidade, imperfeio,
incompletude. Estes conceitos ligados aos seres humanos so introduzidos nas
prticas da sade em matria pr-natal. A medicina poder tanto curar disfunes
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biolgicas quanto detectar determinados defeitos e se no conseguir corrigi-los
poder no deixar nascer quem portador de uma imperfeio. (1999, p. 238).
Muitos so os que acham aceitvel a preveno do nascimento de
crianas com doenas genticas graves. Porm no se to simples assim, se
primeira vista esta fosse a opo de duas mes, um dos maiores fsicos do sculo
XX Stephen Hawkin e o presidente Abrahan Lincoln teriam sido abortados j que
respectivamente um era portador de paralisia e o outro da sndrome de Marfan.
Analisando-se no prprio Brasil o hemoflico Betinho ajudou muito mais a sociedade
do que muitas pessoas com a sade dita perfeita. Estas pessoas podem at ter
genes portadores de deficincia, todavia, possuem em contrapartida muitos genes
que foram de extrema importncia a sua espcie. (PEREIRA, 2002, p. 104).
A autora Oliveira faz a seguinte indagao: Estar-se- tentando brincar de
Deus? Segundo ela esta uma pergunta muito freqente frente s interferncias
que se tornaro possveis por meio da terapia gentica ou manipulao gentica,
podendo at mesmo com isto ocorrer alteraes nas clulas germinativas dos seres
humanos que possuem alguma enfermidade. (2006, p. 96-97).
Reiterando este posicionamento est o entendimento de Pereira, segundo
ela daqui a algum tempo sero conhecidos os genes que determinam a cor dos
olhos, que indicam a quantidade de gordura no corpo, a inteligncia e at mesmo a
preferncia sexual. Sero desenvolvidos testes pr-natais para cada um destes
genes. E ainda se muitos duvidam da tentao que os pais tero em brincar de
Deus, vale ressaltar que um bando de vulos de mulheres das melhores
universidades americanas e um banco de smen de vendedores do Prmio Nobel
fazem o maior sucesso, atraindo desta forma muitos interessados em ter filhos
superiores. (2002, p. 106).
Segundo Oliveira o pensamento eugnico sempre esteve ligado
gentica, e geneticistas reconhecidos tambm apoiaram idias eugenistas. Apesar
de a gentica no ter respaldado as pretenses da eugenia, muitos foram os abusos
e atrocidades cometidos em seu nome. A preocupao atual no so as
descobertas e as invenes da bioengenharia, mas sim o culto ao DNA. Nada
escapa aos genes, e no h o entendimento de que somos homo pela condio
biolgica e sapiens pela nossa cultura. (2004, p. 143).
Para Junges
38
As novas biotecnologias reforam ainda mais a idia de ser humano perfeito, porque esto baseadas em dados genticos. Hoje o eugenismo pode fundamentar-se em pressupostos cientficos. No se concebem anomalias biolgicas e psquicas no ser humano. Elas devem ser detectadas com antecedncia e eliminadas. Os novos mtodos de procriao assistida, os sempre mais sofisticados testes pr-natais, as intervenes cirrgicas corretivas sobre fetos pretendem gerar um ser humano sempre mais perfeito e eliminar os que no correspondem ao ideal de perfeio. (1999, p. 238).
Ressalta Pereira que com o genoma humano nas mos, temos a
pretenso de querer prever, determinar, quem merece e quem no merece nascer.
(2002, p. 105).
Nos dizeres de Oliveira
A busca do ser humano perfeito, superperfeito, encontra-se na rota das pesquisas e j adquire contornos cada vez mais obsessivos. A eugenia e a parania nazista de uma raa pura e superior reciclam-se com esses novos inventos... Um descendente perfeito onde tudo escolhido, do sexo estatura, cor da pele, olhos, cabelos e at um crebro de gnio no est fora de cogitao. O aprimoramento gentico humano o fim dessa corrida. Nada mais coerente do que tratar os embries: os superperfeitos tero direito de nascer; os portadores de qualquer defeito de fabricao sero eliminados... (1997, p. 13-14).
A seleo humana j existe, em pouco tempo se ter o poder nas mos
de prever um nmero vasto de caractersticas em fetos. Dever existir por este
motivo um limite entre doena e variao sobre o normal, para que no haja um
abuso desse novo poder. Surge a seguinte indagao: que tipos de caractersticas
justificam o aborto? Corre-se o risco com isto de homogeneizar a raa humana em
busca da perfeio. Vale lembrar que, a mesmice pobre, a perfeio subjetiva e
montona e a diversidade ainda a maior maravilha do mundo. (PEREIRA, 2002, p.
107).
Para finalizar Gomes e Sordi ressaltam que alguns tipos de deficincia
podero ser diagnosticadas a tempo e curadas graas ao avano da terapia
gentica, porm para os casos em que as enfermidades tenham uma cura
desconhecida surgir o dilema tico e jurdico sobre a legitimidade do aborto. (2001,
p. 179).
A Eugenia para alguns tida como uma forma de progresso para uma
sociedade, porm vale lembrar que ela j foi utilizada em certos fatos da histria
para dizimar milhares de pessoas. Muitos se indagam at que ponto esta cincia
benfica j que ela discrimina os seres humanos ditos imperfeitos.
39
3.3 Prticas Eugnicas
A Eugenia, como visto anteriormente, uma cincia que estuda o
melhoramento da raa humana. Durante a histria atrocidades consideradas
prticas eugnicas foram cometidas em nome deste melhoramento apesar de para
muitos elas terem sido abolidas totalmente. Porm, vale ressaltar, que com o avano
da cincia algumas destas prticas voltam tona, mas de forma mais singela.
o que ressalta Fraga e Aguiar, pois segundo elas as prticas eugnicas
atuais esto camufladas pela promessa de cura ou soluo de problemas, todavia,
visando por muitas vezes interesses econmicos e polticos possuem uma face
venenosa, especialmente quando se diz respeito aos direitos de personalidade. Vale
lembrar tambm que estas alteraes genticas podem acarretar na modificao do
genoma humano, o que levar a desvios no desenvolvimento natural da espcie e
desequilbrio nos diversos sistemas biolgicos terrestres. (2010)
Estas prticas eugnicas na atualidade visam um ser humano melhor,
aquele sem defeito e perfeito. So exemplos delas: experimentao humana,
clonagem, diagnsticos pr-implantatrio, diagnstico pr-natal e aborto eugnico.
Os diagnsticos sero estudados no prximo item e o aborto eugnico ter um
captulo s para suas questes ticas e jurdicas.
Com o avano da cincia muitas so as indagaes levantadas a respeito
dos abusos que podem ser cometidos atravs das investigaes cientficas. As
investigaes so iniciadas em laboratrios, e para um melhor resultado ser
alcanado estas muitas vezes so realizadas em seres humanos, ocasionando certo
risco aos participantes. H uma grande preocupao quando se trata de pesquisas
com seres humanos, visando o benefcio dos participantes e no s o lucro dos
investigadores. (PESSINI E BARCHIFONTAINE, 2000, p. 137-139).
Por experimentao entende Sgreccia que aquela realizada atualmente
em especial com embries. Visa em uma de suas razes o avano da cincia e o
tratamento de doenas, sobretudo das genticas. Alega-se que sem experincias a
cincia no evolui e as experincias com animais nem sempre do o resultado
esperado, principalmente no que diz respeito aos cdigos genticos, por isso os
cientistas recorrem aos experimentos humanos. (2002, p. 442).
40
De acordo com Oliveira experimentaes tanto no mundo vegetal quanto
no animal, incluindo aqui as com seres humanos, permitiram desenvolver remdios
e outros produtos importantes sendo estes responsveis por inmeros benefcios a
humanidade. Entretanto, muitas dessas experimentaes constituram verdadeiros
atentados sociedade. (2004, p. 137).
Atualmente existem dois tipos de experimentao humana: teraputica
(lcita) ou no-teraputica (ilcita). (SOUZA, 2001, p. 36).
Segundo esta temtica disserta Varga que os experimentos teraputicos
so realizados em benefcio do indivduo pesquisado, tanto no diagnstico quanto no
tratamento da sua enfermidade. J os experimentos no-teraputicos no visam o
benefcio da pessoa que sujeito da pesquisa, mas sim para ampliao de
conhecimento que poder ser usado no trat