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Maria SOUSA GALITO 1 CI-CPRI, AI, N.º 17 SOUSA GALITO, Maria (2012). Sahel – Terrorismo, Etnicidade e Extremismo Religioso. CI-CPRI, Artigo de Investigação, º17, pp. 1-11. SAHEL – TERRORISMO, ETICIDADE E EXTREMISMO RELIGIOSO 18 de Junho 2012 RESUMO O terrorismo é uma ameaça na região do Sahel onde os povos e os governantes parecem estar a perder o controlo à situação, mas as verdadeiras raízes da instabilidade são questionáveis. Duas das principais razões apontadas pelas fontes bibliográficas são os conflitos étnicos e as clivagens religiosas, sobretudo relacionadas com a difusão do extremismo islâmico entre as populações locais. Este artigo de investigação confronta as teorias e tenta chegar a algumas respostas. Palavras-chave: Terrorismo, Sahel, fronteiras, clivagens étnicas, fanatismo religioso. ABSTRACT Terrorism is a threat in the Sahel region where people and governments seem to be losing control of the situation, but the real roots of instability are questionable. Two of the main reasons cited by bibliographic sources are ethnic conflicts and religious cleavages, particularly related to the spread of Islamic extremism among local populations. This research paper compares theories and tries to get some answers about the subject. Keywords: Terrorism, Sahel, frontiers, Ethnicity, Religious Extremism. CI-CPRI

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SOUSA GALITO, Maria (2012). Sahel – Terrorismo, Etnicidade e Extremismo Religioso. CI-CPRI, Artigo de Investigação, 'º17, pp. 1-11.

SAHEL – TERRORISMO, ET'ICIDADE E EXTREMISMO RELIGIOSO

18 de Junho 2012 RESUMO O terrorismo é uma ameaça na região do Sahel onde os povos e os governantes parecem estar a perder o controlo à situação, mas as verdadeiras raízes da instabilidade são questionáveis. Duas das principais razões apontadas pelas fontes bibliográficas são os conflitos étnicos e as clivagens religiosas, sobretudo relacionadas com a difusão do extremismo islâmico entre as populações locais. Este artigo de investigação confronta as teorias e tenta chegar a algumas respostas. Palavras-chave: Terrorismo, Sahel, fronteiras, clivagens étnicas, fanatismo religioso. ABSTRACT Terrorism is a threat in the Sahel region where people and governments seem to be losing control of the situation, but the real roots of instability are questionable. Two of the main reasons cited by bibliographic sources are ethnic conflicts and religious cleavages, particularly related to the spread of Islamic extremism among local populations. This research paper compares theories and tries to get some answers about the subject. Keywords: Terrorism, Sahel, frontiers, Ethnicity, Religious Extremism.

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1. I'TRODUÇÃO O artigo de investigação centra a sua análise no contexto africano do Sahel. Do ponto de vista metodológico, estudam-se algumas hipóteses consideradas pertinentes que são subsequente e devidamente fundamentadas com recurso a fontes científicas especializadas. Primeiro, questiona-se se a instabilidade crescente naquela região estratégica resulta de um problema de fronteiras e, se sim, quais as razões que o possam justificar. Segundo, se há de facto conflitos étnicos insanáveis e se estes são o principal fundamento do terrorismo e de este estar a alastrar. Terceiro, se a responsabilidade deve ser incutida às clivagens religiosas, nomeadamente aos líderes do extremismo religioso em grupos terroristas como os Boko Haram na Nigéria, ou os AQUIM enquanto célula regional da Al-Qaeda.

2. SAHEL – TERRORISMO, ET'ICIDADE E EXTREMISMO RELIGIOSO

O Sahel é uma região que atravessa o continente africano de Este a Oeste. Fica a sul do Magreb e inclui países como o Senegal e a Mauritânia, o Mali e o Níger, Burkina Faso, a Nigéria e o Chade, o Sudão do Sul e o Sudão do Norte, a Eritreia e a Etiópia – tal como se visualiza no Mapa 1. Outros países podem relacionar-se pela proximidade ou forte relação com o Sahel. A Somália, pela porosidade das suas fronteiras com a Etiópia. Os Estados junto à costa africana entre o Senegal e a Nigéria, ou seja, a Gâmbia, a Guiné-Bissau, a Guiné Conacri, a Serra Leoa, a Libéria, a Costa do Marfim, o Gana, o Togo e o Benim. Ou o próprio Magreb, levando em consideração o conflito do Sahara ocidental; a queda dos regimes do Egipto, da Tunísia e da Tunísia na sequência da “Primavera Árabe” com consequências na mobilidade de mercenários e bombistas de Norte para Sul; e a Argélia com o seu historial marcado pela violência e pelo terrorismo. Trata-se de uma área especialmente ampla, onde habitam diferentes povos e culturas, pelo que não é fácil analisá-la. Algumas características comuns a este espaço podem ser enunciadas, tais como: instabilidade junto às fronteiras políticas, aumento significativo dos focos de violência e incapacidade dos governos nacionais para controlar as actividades do crime organizado – seja porque são instáveis, corruptos ou porque logisticamente estão mal equipados para combater o terrorismo. O que poderá justificar a situação? Este artigo procura encontrar algumas explicações.

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MAPA 1: SAHEL – GEOGRAFIA

Fonte: Qantara.de (Deutsche Welle)1

Primeiro, a Conferência de Berlim (1884/85) foi um marco histórico neste contexto, pois criou um problema de fronteiras no continente africano. As potências que nela participaram (treze europeias, mais os EUA e a Turquia) preocuparam-se em negociar um acordo que fosse pacífico na balança de poderes da época, mas este não respeitou a realidade político-social de cada grande área, pelo que separou nações e uniu povos rivais sem medir as consequências de tal impacto no longo prazo2, para além de ter aberto a porta à exploração massiva e abusiva das populações que lá viviam. O Sahel foi sobretudo administrado pela Grã-Bretanha (Nigéria, Sudão Sul e Sudão Norte) e pela França (Mauritânia, Senegal, Burkina Faso, Mali, Níger, Chade). A Itália teve alguma influência na parte oriental (Eritreia, Etiópia e Somália). As potências que conseguiram direitos internacionais sobre grandes territórios no Sahel aperceberam-se que a sua presença em África seria mais tolerada se os povos não estivessem unidos contra elas. O objectivo era dividir para dominar, pelo que se aproveitaram das rivalidades locais – e, nalguns casos, exacerbaram-nas. Ao fazê-lo, as empresas europeias poderiam continuar a explorar, sem grandes contrariedades, os recursos naturais indispensáveis aos seus processos de industrialização. 1DORSEY, James M (2010). Islamic Terrorism – Drugs Money Fills al Qaeda Coffers in West Africa. Qantara.de, Deutsche Welle, Federal Center for Political Education, January 22, URL: http://en.qantara.de/Drugs-Money-Fills-al-Qaeda-Coffers-in-West-Africa/6973c7042i1p447/ 2 «Estados Artificiais são aqueles em que as fronteiras políticas não coincidem com a divisão das nacionalidades desejadas pelas populações no terreno. Ex-colonizadores ou acordos pós-guerra estabelecidos entre vencedores desconsiderando marcos muitas vezes criaram monstruosidades em que grupos étnicos ou religiosos ou linguísticos eram unidos ou separados sem respeito pelas aspirações dos povos. 80% das fronteiras africanas seguem linhas latitudinárias e longitudinais e muitos estudiosos acreditam que estas divisões artificiais (…) estão na génese da tragédia económica africana.» [ALESINA, Alberto et al. (2006). Artificial States. Harvard University Working Papers, February, p. 2. URL: http://www.economics.harvard.edu/faculty/alesina/files/artificial_states.pdf]

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Segundo, no final da II Guerra Mundial, a Grã-Bretanha, a França e a Itália estavam semi-destruídas e deixaram de ter condições de manter um domínio económico e militar sobre o Sahel. A Etiópia participou na Conferência de Bandung em 1955. Não demorou muito tempo até que as independências se sucedessem em catadupa, sobretudo no decurso da década de 60 do séc. XX, e desenvolveu-se o Movimento dos �ão Alinhados com reuniões regulares. Curiosamente, estabeleceu-se um certo consenso em manter as fronteiras herdadas do colonialismo e a então Organização da Unidade Africana (OUA) foi uma grande apoiante dessa opção estratégica3. Terceiro, os novos Estados independentes parecem ter concentrado os seus esforços de controlo militar e administrativo das capitais nacionais, deixando o resto do país um pouco ao abandono. Seguem-se fortes migrações e um intenso êxodo rural, sobretudo evidente em regiões áridas ou semi-áridas nas proximidades do deserto do Sahara, pelo que pouco férteis e parcamente povoadas4. De qualquer forma, é importante compreender porque é que as dificuldades subsistem décadas depois da independência. Embora se reconheça a existência de problemas de raiz criados por intervenção externa potencialmente destabilizadora, do ponto de vista teórico seria de prever que estes povos já teriam tido tempo de propor ou mesmo de impor ajustamentos nas suas áreas de influência. O que nos remete para a próxima questão sobre a existência de conflitos étnicos nos países do Sahel. Para responder a esta pergunta é preciso indagar se a pendência em consideração divide efectivamente duas ou mais etnias (ou apenas grupos populacionais desavindos). E se sim, se estão em conflito. O caso do Ruanda não se insere na geopolítica do Sahel mas é paradigmático. O massacre de 1994 foi durante muito tempo interpretado à luz da rivalidade étnica entre hutus e tutsis. Todavia, anos depois e já num período de reconciliação nacional, as autoridades nacionais e locais estão convencidas que os ex-colonizadores (os belgas) foram os verdadeiros responsáveis pela criação de uma divisão artificial entre grupos populacionais que apenas tinham estatutos sociais diferentes. Qual é a verdade? Seria possível testá-la através de uma análise de ADN (ácido desoxirribonucleico). Mas de uma perspectiva pragmática e objectiva, o mais importante é saber se os dois povos conseguem conviver entre si de forma pacífica e assim contribuir positivamente para a coesão nacional; ou se é melhor separarem-se e instituírem dois Estados no lugar de um.

3 «Ao manter as fronteiras e o Estado moderno como principais organizadores, os países africanos mantiveram também as condições de consolidação do poder existentes no período colonial. A Organização da Unidade Africana (OUA) endossou os novos países, salientou a importância da manutenção das fronteiras e rejeitou qualquer tipo de autodeterminação, a não ser aquele de países ainda subjugados pelas potências europeias.» [SCHNEIDER, Luíza G. (2008). As Causas Políticas do Conflito do Sudão: Determinantes Estruturais e Estratégicos, WP Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Económicas; p. 14. URL: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/16012/ 000685618.pdf?sequence=1] 4 «(…) estes novos países não tinham capacidade estatal suficiente, o que reflectiu na concentração de poder nas capitais e em enclaves económicos, deixando o resto dos territórios nacionais sem atenção.» [SCHNEIDER, Luíza G. (2008), op. cit., p. 14]

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Agora analisa-se o tema no contexto do Sahel. Por exemplo, no Senegal actua uma guerrilha que luta pela independência de Casamansa5 que é acusada de praticas de terrorismo no país. Por um lado, os habitantes de Casamansa são mormente Diolas (Jolas) e Mandingos, mas também Balantas, Fulas e Manjacos, pelo que sentem afinidades ou mesmo familiaridades com alguns dos povos que habitam a Guiné-Bissau, país que fica a sul junto à orla marítima. Recorda-se que inicialmente o Senegal também foi colonizado pelos portugueses antes de ter sido invadido pelos franceses no séc. XIX. Ou seja, a balança de poderes entre potências externas pode ter sido a causa do problema, pois a invasão francesa pode ter separado grupos populacionais que até então estavam unidos aos do sul e os quais não se identificavam com os Wolof, culturalmente distintos a viver a norte do território. Por outro lado, os Diolas começaram por ser animistas, depois as tradições foram postas em causa por outras religiões, ao passo que as principais etnias do país (a começar pelos Wolof) professam declaradamente o islamismo. As dimensões religiosa e étnica podem estar relacionadas, porém, é a vontade autonómica e o nacionalismo fortemente enraizado na região que advém desde os primeiros tempos do colonialismo6, o grande responsável pelo conflito. Na Mauritânia também vivem membros da etnia Wolof, mas é sobretudo constituída por árabes berberes subdivididos em duas categorias: os “mouros brancos” e os “mouros negros”7 que são principalmente muçulmanos. Temos aqui uma questão étnica? O problema da Mauritânia é que leis anti-escravatura não são respeitadas em certas regiões do país, de tão enraizada que certas mentalidades se mantêm entre uma população que, no fundo, se descrimina fortemente com base na cor da pele8. Sendo assim, a questão é mais político-social do que étnica.

5 «O conflito na Casamansa nasceu de um problema de integração (…) Assim, a lógica da obsessão pela construção da nação, de que comungaram totalmente os Estados africanos independentes, fez com que no Senegal surgisse um modelo de "contrato social" baseado no "islamismo Wolof", um modelo cuja origens podem ser traçadas no período colonial, mas que depois teve o seu máximo desenvolvimento nos primeiros 15 anos de independência. Um modelo baseado na aliança com marabus, no apoio à produção de amendoim, na troca de favores entre políticos e irmandades que atingiram o resultado de "paz social". Finalmente, um modelo incapaz de funcionar bem para além da “bacia de amendoim”, para lá da área das confraternidades e especialmente entre os grupos étnicos que não fossem Wolof /Tukolor.» [SERRENTI, Maria (2007). Casamance: Storia di un Conflito. Facoltà di Scienze Politiche, Università di Cagliari, Tesi di Laurea, pp. 257-258. URL: http://www.conoscere.it/documenti/24_38_20090226130553.pdf]. 6 Cf. DIALLO, Baconta (2009). La Crise Casamençaise: Problematique et Voies de Solutions. Paris: L’Harmatan. 7 «A complexa política racial da Mauritânia também afecta o terreno em que os Islâmicos operam. A Mauritânia tem três principais grupos raciais: os Bidan ou "Mouros Brancos", que falam árabe; os Haratin ou "Mouros Negros" que também falam árabe; e populações negras que não falam língua árabe, incluindo etnias como os Wolof e os Soninke.» [THURSTON, Alex (2012). Mauritania’s Islamists. The

Carnegie Papers, Middle East, Carnegie Endowment for International Peace, March, Washington DC, p. 6]» 8 «Os Mouros Brancos são descendentes de esclavagistas e que há muito tempo ocupam o topo da hierarquia política e social na Mauritânia, e a escravatura de mouros não brancos tem persistido até o presente apesar das leis que proíbem a prática repetida. Desde os anos 1970, os mouros não brancos tornaram-se cada vez mais vocais na luta contra a escravidão, exigindo uma parcela de poder político. Os líderes islâmicos os activistas têm sido essencialmente Mouros Brancos. No entanto, à medida que os Haratin se tornaram mais influente e assumiram papéis de liderança, não só na política mas também

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Outro exemplo. No Sahel são comuns as alusões ao “terrorismo Touregue”. Antes de mais, a referência é aos extremistas religiosos de uma etnia em particular, pelo que a actuação da parte não se deve confundir com o todo. Os Touregues (cuja palavra árabe significa “abandonados pelos deuses”) foram vítimas evidentes da Conferência de Berlim. Trata-se um povo muçulmano de origem berbere e de vida nómada, que conserva estilos de vida tradicionais ligados à terra. Os Touregues são numerosos, pelo que potencialmente formariam um país se a situação actual não o inviabilizasse quase completamente, pois ainda hoje se distribuem ao longo do deserto do Sahara em países como a Argélia, o Mali, a Líbia, o Níger e Burkina Faso. Quando os Touregues entram em choque com povos vizinhos, será que tal resulta de um conflito étnico? Sim, mas poderia ser evitado com a criação de um Estado que os institucionalizasse e lhes permitisse uma coexistência pacífica na área em que vivem. No entanto, como são pelo menos cinco os Estados que os albergam, tal projecto exigiria uma forte coesão nacional entre os Touregues e uma negociação no plano multilateral que incluísse os países envolvidos, e organizações internacionais como a União Africana ou a própria ONU. Aqui está a principal fonte de preocupação. Como não há solução à vista para a situação, certas forças externas lideradas por extremistas islâmicos estão a aproveitar-se desta situação para recrutar novos terroristas e espalhar caos na região. Como por exemplo a Al-Qaeda, ou mais precisamente o AQUIM (Al-Qaeda no Magreb Islâmico) que vai ganhando fama e consequentemente adeptos na região do Sahel 9. Quando se discute a Al-Qaeda, recordam-se os ataques às Torres Gémeas e ao Pentágono. Haim Malka (2010) até defende que o terrorismo no Norte de África era localizado e controlado antes da campanha internacional anti-terrorista que resultou dos ataques de 11 de Setembro 2001 nos EUA, mas que depois tudo se alterou. Para confirmar esta ideia, consulte-se o Mapa 2.

como imãs e estudiosos muçulmanos, os islamistas que parecem interessados em usar o Islão como uma plataforma de mobilização política pan-racial podem agora ser capazes de aliciar em novos grupos.» [ THURSTON, Alex (2012), op. cit., pp. 6-7] 9 «Qualquer insurgente violento no mundo muçulmano, seja ele um político ou um cidadão comum, e independentemente dos seus motivos, facilmente percebe que tem de agir publicamente em nome da Al-Qaeda se deseja ser levado a sério, se almeja agir com a legitimidade de ser reconhecido pelos outros, e se quer chamar a atenção internacional para as suas actividades.» [TAJE, Mehdi (2010). Vulnerabilities and Factrors of Insecurity in the SAHEL. Sahel and West Africa Club (Swac/OECD), West African Challenges, N.º 1, August, p. 6]

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MAPA 2: Ataques Terror

As mudanças de regime reinstabilidade político-social na região do Sahel e do Manúmero na zona do Magrebfavoráveis aos seus autores. Na ampla região do SahelBoko Haram (na Nigéria)semelhantes às dos colonizestratégia que continua a prgrandes espaços onde há dmuçulmanos ou que não sepela Al-Qaeda ou pelo AQUpopulares na área de intervepalco estratégico bastante ren O AQUIM dedica-se sobretuos pedidos de resgate implicum grande intermediário emfraudulentos, de humanos e dSempre que o AQUIM venmilitares, mantém o control

10 ALEXANDER, Yonah (2010). and other Terrorists in North anPotomac Institute for Policy Studi

erroristas na África do 'orte e Central/Oeste d

Fonte: Yonah Alexander (2010)10

ime resultantes da “Primavera Árabe” também social e a uma maior liberdade de actuação do crido Magreb. De facto, os ataques terroristas estão agreb e do Sahel, e em parte pode justificar-se ptores.

ahel destacam-se talvez dois grupos terroristas: géria). Admite-se que o AQUIM esteja a adolonizadores no séc. XIX que dividiam para ga produzir resultados. Se por alguma razão é d

e há demasiados grupos a disputá-los (alguns ão se identificam com o tipo de práticas extrem AQUIM) instigam-se os separatismos e nacionalintervenção e facilitam a integração das células tnte rentável.

sobretudo a raptos (em regra de pessoas estrangeirimplicam elevadas maquias. Mas este grupo terroio em diferentes tráficos, inclusive o de drogas, denos e de órgãos, que geram rendimentos elevados e

ende armas aos insurgentes locais para as suontrolo sobre as chefias que lhes devem dinheiro

010). Magreb & Sahel Terrorism: Addressing the Rising thrrth and West/Central Africa. International Center for T

Studies, January, p. 4. 7

este desde 09/2001

bém abriram alas à do crime organizado estão a aumentar em se pelos resultados

istas: o AQUIM e o a adoptar medidas para governar. Uma ão é difícil controlar guns dos quais não xtremistas utilizadas cionalismos que são lulas terroristas num

angeiras), sendo que terrorista é também as, de medicamentos ados e cobiça alheia. as suas campanhas inheiro. Manipula as

ing threat from al-Qaeda or Terrorism Studies,

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rivalidades entre líderes e povos para que não se unam contra o AQUIM nem contra as suas principais fontes de financiamento que são estrangeiras e brotam do Médio Oriente. Mas, portanto, as rivalidades sociopolíticas e as alianças religiosas são geridas consoante as conveniências e aproveitadas para controlar a situação de uma perspectiva mais ampla. A instabilidade resulta sobretudo da manipulação das rixas internas por parte de grupos terroristas que são muitas vezes financiados e controlados do exterior. Tanto civis como guerrilheiros acabam por ser fortemente manipulados por criminosos mal intencionados que apenas aparentam preocupar-se com a miséria alheia ou com a justiça das proclamações autonómicas mas que, no fundo, são, os usam em função dos seus interesses que muitas vezes até são económicos. A questão também é eminentemente económica na Nigéria, um país rico em recursos naturais que incluem enormes jazidas de petróleo e de gás natural. Aqui actuam os Boko Haram uma organização fundamentalista islâmica que defende a aplicação das leis da Sharia e que se aproveita dos elevados índices de corrupção governamentais para agir no país com alguma impunidade11. Na Nigéria a questão étnica está muito politizada. Cada grupo luta por uma maior representação dos seus interesses em lugares de chefia e de governo, e reivindica uma maior parcela na distribuição dos recursos nacionais. Ou seja, a questão étnica neste momento é incontornável no seio daquele país que praticamente se divide em dois, norte e sul, também acompanhando a concentração de populações por religião (sendo que a norte reina o islamismo). O Delta do Níger é particularmente afecto a ataques terroristas. A sul da Nigéria, a população é maioritariamente cristã ou anemista. A principal etnia é a Ijaw e os extremistas que emergem do seu seio são em grande medida dissidentes do exército, com ambições de controlo dos recursos naturais locais. Os Hausa-Fulani são islâmicos e dominam o norte da Nigéria, sendo que possuem fortes relações com irmandades muçulmanas noutras regiões de África e até no Médio Oriente

Mas a questão coloca-se: se desde a independência a Nigéria tivesse sido governada por líderes credíveis sem fama de corruptos, se tivesse sido uma verdadeira Democracia Estado de Direito que garantisse uma equitativa distribuição dos recursos pelas diferentes populações a Norte e a Sul do país, será que teria hoje uma tão grande politização étnica? Será que a população seria tão vulnerável às ideologias extremistas dos Boko Haram? É difícil responder a essa pergunta, pois seria necessário testá-lo no terreno. Mas é bem possível que as clivagens não fossem tão evidentes. Bons vizinhos conseguem-se com base na confiança e na reciprocidade fraternal; tal como cidadãos

11 «O governo da Nigéria tem tentado lidar eficazmente com as queixas e as fontes de tensão em todo o país, e há uma crença difundida particularmente entre os nigerianos do norte que o governo continuamente falha em atender às necessidades críticas daqueles que aspiram a um futuro melhor. Enquanto os recursos são limitados, certamente é desigual a distribuição desses recursos, e os níveis de corrupção amplamente reconhecidos entre as elites prejudicam a eficácia do governo. Em contrapartida, a corrupção e combustível uma percepção geral de que os funcionários do governo na aplicação da lei não são confiáveis, o que mina ainda mais a capacidade do governo para influenciar o comportamento de membros locais da comunidade em direcções positivas, longe da tentação das ideologias radicais dos extremistas como os Boko Haram.» [FOREST, James J. (2012). Confronting the Terrorismo of Boko Haram in Nigeria. Joint Special Operations University – JSOU Reports, May, p. 111]

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pacíficos se obtêm através de políticas justas e integrativas, que velem pela paz e reflictam a actuação transparente dos seus governantes. Caso contrário, tudo se torna mais complexo e problemático com o passar do tempo. Ou seja, independentemente de haver conflitos étnicos ou religiosos (ou de estes apenas aparentarem sê-lo como consequência de outras variáveis), admite-se a possibilidade de soluções para a região envolverem políticas de crescimento económico que confiram oportunidades de trabalho honesto para as populações carenciadas, e a ascensão ao poder de uma elite menos concentrada em interesses pessoais/grupais e mais nas reais carências do país e das suas populações. No âmbito da segurança, é certamente necessário mais equipamento na luta contra o terrorismo mas se os níveis de corrupção se mantiverem de pouco vai servir o investimento. É importante negociar uma maior coordenação dos serviços de segurança, tanto a nível interno como regional, pois o esforço precisa ser conjunto entre países caso se almeje algum tipo de sucesso. No fundo, com maior coesão social e “todos a remarem para o mesmo lado”, as dificuldades poderão transformar-se em oportunidades para construir países mais sólidos, democráticos e economicamente estáveis que permitam às suas populações uma vida mais tranquila e segura, livre de terrorismo.

3. CO'CLUSÃO As fronteiras dos países no Sahel foram herdadas do colonialismo que as estabeleceu arbitrariamente. Estas foram mantidas depois de proclamada a independência mas são em grande medida artificiais pois não respeitam a forma como os povos se organizam e distribuem no terreno. Governar a capital como se fosse o país tem sido um erro recorrente entre os governantes destes Estados, pois negligencia a supervisão de grandes áreas onde o crime organizado muitas vezes actua livremente. É importante compreender que o Sahel é mormente populado a sul, sendo que o norte tem uma média muito baixa de ocupação do território (em regra menos de dez habitantes por Km²). A forma de erradicar o terrorismo no Sahel exige, antes de mais, soluções no âmbito da defesa e segurança, pois sem controlo sobre as actividades desenvolvidas pelo crime organizado (tráfico de armas, de drogas e medicamentos contrafeitos, de seres humanos e de órgãos) será muito difícil manter a ordem nestes territórios. Os povos precisam sentir-se em segurança, mas também necessitam compreender que incorrer em actividades ilícitas tem consequências negativas para as suas vidas. Os governos destes países devem ser capazes de impor regras que sejam consentâneas com o seu próprio exemplo de actuação, pois se forem corruptos e desordeiros as populações não os respeitam, aliás, imitam-nos. O que nos remete para a segunda questão, a política. Devem promover-se boas práticas de governança num ambiente de paz e de confiança generalizadas. O terrorismo tende a propagar-se no seio de populações mal governadas, pobres e desesperadas em função das dificuldades que atravessam. Simultaneamente, não se pode esquecer que o medo é instrumental para atingir objectivos de controlo sobre os

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recursos naturais e os seus principais canais de distribuição. E se estivermos a falar de petróleo e de gás natural, os rendimentos daqui resultantes são tão elevados que atraem marginais à sociedade dispostos a usar todos os meios para atingir os seus fins. Outra variável é a étnica, mas esta é mais difícil de balizar. Primeiro, porque nem sempre há uma real divisão étnica entre as populações desavindas. Depois é preciso concluir se de facto há uma disputa insanável resultante da ruptura de relações. Ou se a instabilidade não é verdadeiramente representativa de conflitos étnicos mas fruto de altercações conjunturais ou derivadas de outras circunstâncias. Ainda temos a dimensão religiosa, que também é cultural. Independentemente do que está escrito nos livros sagrados, há sempre líderes religiosos que os interpretam à sua maneira. Se esta for extremada ou levar a comportamentos fanáticos entre os seus seguidores, podem surgir rivalidades e conflitos que se consideram religiosos mas que são mais político-económicos ou socioculturais, do que a tradução terrena da palavra divina. Isto porque as religiões são diferentes e cada povo adapta-as às suas raízes culturais e hábitos de vida característicos. Grupos fundamentalistas islâmicos como os Boko Haram e o AQUIM almejam a implantação da Sharia, das leis islâmicas. Mas independentemente da leitura religiosa que façam dos textos sagrados ou da sua leitura nas culturas em que actuam, tem-se verificado que manipulam grandemente as populações com vista a controlá-las mais facilmente; para que sigam as suas demandas e participem nas redes de tráfico de armas e de drogas, mas também de medicamentos fraudulentos, de pessoas e de órgãos humanos que são altamente rentáveis mas constituem a verdadeira ameaça à integridade física e moral dos povos do Sahel. Enquanto estes elevados níveis de violência, de corrupção, de falta de governança e de valores coexistirem com elevadas taxas de desemprego e uma desequilibrada distribuição dos recursos, dificilmente as medidas governamentais anti-terrorismo e em prol da segurança a nacional serão eficazes, e se poderá incutir uma mudança profícua em prol da paz e dos direitos humanos na região.

4. BIBLIOGRAFIA ALESINA, Alberto et al. (2006). Artificial States. Harvard University Working Papers, February, pp. 1-39. URL: http://www.economics.harvard.edu/faculty/ alesina/files/artificial_states.pdf ALEXANDER, Yonah (2010). Magreb & Sahel Terrorism: Addressing the Rising threat from al-Qaeda and other Terrorists in North and West/Central Africa. International Center for Terrorism Studies, Potomac Institute for Policy Studies, January, pp. 1-75. DIALLO, Baconta (2009). La Crise Casamençaise: Problematique et Voies de

Solutions. Paris: L’Harmatan.

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Maria SOUSA GALITO 11 CI-CPRI, AI, N.º 17

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