Açao afif praia da baleia

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1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SOCIAL DA CAPITAL Rua Riachuelo n. 115, 7 o andar, São Paulo SP - tel. (11) 3119 9542 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO – ESTADO DE SÃO PAULO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital infra-assinado, no uso de suas atribuições legais, com fundamento nos arts. 37, § 4º, 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, no art. 1º, inciso IV, da Lei Federal 7.347/1985 e nos arts. 11/12 da Lei 8.429/1992, vem perante este Egrégio Juízo propor a presente AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, sob o rito híbrido do art. 17 da Lei 8.429/1992 e dos arts. 282 e segs. do Código de Processo Civil, em face de: 1) GUILHERME AFIF DOMINGOS, brasileiro, casado, Ministro-Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, RG n. 2.947.254-4, CPF n. 004.981.738-87, residente na Rua Desembargador Mamede n. 23, Jardim Paulistano, São Paulo - SP; 2) MARIE SUGIYAMA, brasileira, solteira, bióloga, pesquisadora científica, RG n. 7.973.700 SSP/SP, CPF n. 019.812.228-47, residente na Avenida Fagundes Filho n. 789, apto. 65, São Paulo - SP; 3) ELISABETE APARECIDA LOPES, brasileira, solteira, bióloga, RG n. 5.046.137-0 SSP/SP, CPF n. 951.162.578-00, residente na Rua dos Jornalistas n. 68/71, São Paulo - SP; 4) KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA., sociedade empresária limitada de propósitos específicos, CNPJ n. 10.355.562/0001-01, com sede na Rua João Lourenço n. 250, sala 8, Vila Nova Conceição, São Paulo - SP; e de 5) SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA., sociedade empresária limitada, CNPJ 02.254.138/0001-42, com sede na Rua Barão do Triunfo n. 520, 6º andar, conjunto 61, São Paulo – SP, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SOCIAL DA CAPITAL

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO – ESTADO DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital infra-assinado, no uso de suas atribuições legais, com fundamento nos arts. 37, § 4º, 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, no art. 1º, inciso IV, da Lei Federal 7.347/1985 e nos arts. 11/12 da Lei 8.429/1992, vem perante este Egrégio Juízo propor a presente AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, sob o rito híbrido do art. 17 da Lei 8.429/1992 e dos arts. 282 e segs. do Código de Processo Civil, em face de: 1) GUILHERME AFIF DOMINGOS, brasileiro, casado, Ministro-Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, RG n. 2.947.254-4, CPF n. 004.981.738-87, residente na Rua Desembargador Mamede n. 23, Jardim Paulistano, São Paulo - SP; 2) MARIE SUGIYAMA, brasileira, solteira, bióloga, pesquisadora científica, RG n. 7.973.700 SSP/SP, CPF n. 019.812.228-47, residente na Avenida Fagundes Filho n. 789, apto. 65, São Paulo - SP; 3) ELISABETE APARECIDA LOPES, brasileira, solteira, bióloga, RG n. 5.046.137-0 SSP/SP, CPF n. 951.162.578-00, residente na Rua dos Jornalistas n. 68/71, São Paulo - SP; 4) KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA., sociedade empresária limitada de propósitos específicos, CNPJ n. 10.355.562/0001-01, com sede na Rua João Lourenço n. 250, sala 8, Vila Nova Conceição, São Paulo - SP; e de 5) SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA., sociedade empresária limitada, CNPJ 02.254.138/0001-42, com sede na Rua Barão do Triunfo n. 520, 6º andar, conjunto 61, São Paulo – SP, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

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1 – DOS FATOS

No dia 13 de abril de 2012, foi encaminhada à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital uma representação subscrita por Maria Fernanda Carbonelli Muniz, advogada que atua na defesa de questões ambientais, noticiando supostas irregularidades praticadas no processo administrativo decorrente do protocolo n. 9533, que tramitou perante o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo – GRAPROHAB, e que tinha por objetivo a aprovação do empreendimento denominado “Condomínio Praia da Baleia”, na Praia da Baleia, no Município de São Sebastião - SP. Tal representação deu ensejo à instauração do inquérito civil n. 14.0695.0000485/2012-1, cuja cópia segue anexa.

Apurou-se no referido inquérito civil que as sociedades empresárias KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA. e SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA. ingressaram com o protocolo n. 9533, perante o GRAPROHAB, visando à edificação do “Condomínio Praia da Baleia” em imóvel descrito nas matrículas 24.892, 38.870 e 38.869 do Registro de Imóveis de São Sebastião (fls. 42/45, 99/110 do inquérito civil n. 485/2012), localizado na Avenida Deble Luíza Derano, sem numeração, de propriedade da SUNDAYS. Referida sociedade tem como sócio o demandado GUILHERME AFIF DOMINGOS, que exerceu as funções de Secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo (janeiro de 2007 a março de 2010), Secretário de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de São Paulo (janeiro a maio de 2011), vice-Governador de São Paulo (a partir de janeiro de 2011) e que desde maio de 2013 exerce a função de Ministro-Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.

O referido empreendimento teve o seu projeto indeferido considerando a constatação da existência de floresta paludosa, composta por espécimes da flora e fauna ameaçadas de extinção, e por haver Área de Preservação Permanente (APP) no imóvel, constatadas em pareceres elaborados pela Agência Ambiental de São Sebastião da CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU, Parecer Técnico n. 1/09-LMS e Termo de Indeferimento para Supressão de Vegetação n. 92763/2009-CETESB-LMS).

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Contudo, em 29/01/2010 a KPB apresentou recurso contra o indeferimento, resultando na revisão da decisão do GRAPROHAB, com espeque em laudos periciais produzidos pelas técnicas do Instituto de Botânica MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES e do engenheiro agrônomo da Agência Ambiental de Ubatuba da CETESB CLÁUDIO LUIZ DIAS, com ratificação do Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião RONALDO ANTONIO DE SOUZA, que negaram a existência de floresta paludosa no local. Foi, então, concedido o alvará de construção n. 090/2011, licenciando a execução do projeto de construção de condomínio residencial, com 50 unidades habitacionais, denominado “Condomínio Praia da Baleia”.

Ocorre que, como será visto a seguir, a revisão do ato administrativo de indeferimento foi cercada de irregularidades, notadamente: a) a tramitação intencionalmente anômala do processo de licenciamento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”; b) o descumprimento da legislação ambiental por parte de agentes da CETESB e do Instituto de Botânica; e c) a ocorrência de pressão em favor da aprovação do empreendimento, por parte do ex-Secretário de Estado e então Vice-Governador GUILHERME AFIF DOMINGOS, exercida sobre agentes da CETESB e do Instituto de Botânica.

1.1 – Da tramitação intencionalmente anômala do processo de licenciamento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”

Em 18 de março de 2009, a empresa KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA., representada por Edison Kara José Santos, protocolou na Agência Ambiental de Ubatuba da CETESB uma Solicitação de Parecer Técnico GRAPROHAB para o sistema de tratamento de esgoto do “Condomínio Praia da Baleia” (Protocolo GRAPROHAB n. 9533), resultando na abertura do Processo n. 35/00035/09 (fl. 02 do vol. 1 do apenso I do Inquérito civil n. 485/2012). Nesse processo administrativo, figurou como incorporadora do empreendimento a empresa SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA., cujos administradores eram ou são Cláudio Afif Domingos e GUILHERME AFIF DOMINGOS (fl. 10 do vol. 1 do apenso I do inquérito civil n. 485/2012).

É oportuno observar que o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo – GRAPROHAB consiste em um órgão vinculado à Secretaria da Habitação

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do Governo do Estado de São Paulo. Ele foi reestruturado por meio do Decreto Estadual n. 52.053/2007 e tem por objetivo “centralizar e agilizar os procedimentos administrativos de aprovação do Estado, para implantação de empreendimentos de parcelamentos do solo para fins residenciais, conjuntos e condomínios habitacionais, públicos ou privados”1.

Em 24 de abril de 2009, o projeto do “Condomínio Praia da Baleia” foi enviado para o Núcleo Técnico de São Sebastião do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais – DEPRN, sendo aberto o Processo SMA n. 6.644/2009 (fl. 02 do vol. 1 do apenso II do inquérito civil n. 485/2012).

Elaborou-se, em junho de 2009, o Parecer Técnico de Fauna n. 82/09-CR-7, para instruir o Processo SMA n. 6.644/2009. O referido parecer identificou a existência de animais ameaçados, ou quase ameaçados de extinção, conforme o Decreto Estadual n. 53.494/2008, no imóvel inscrito nas matrículas 24.892, 38.870 e 38.869 do Registro de Imóveis de São Sebastião. Porém, concluiu-se que esse fato não obstaria a implementação do empreendimento da KPB e da SUNDAYS, desde que: a) fosse averbado no mínimo 60% do terreno como área verde, constituída em um único bloco; b) não houvesse supressão do sub-bosque na área averbada, já que a prática do bosqueamento é ilegal (art. 48 da Lei 9.605/1998); e c) fossem implantadas medidas para impedir a entrada de animais domésticos na área verde, com o fim de impedir a degradação do sub-bosque e a competição com a fauna silvestre (fls. 160/161 do vol. 1 do apenso II).

O DPRN emitiu a Informação Técnica CR7-20/2009, em 10 de julho de 2009, concluindo pela necessidade de elaboração de parecer SMA para o GRAPROHAB sobre o cumprimento das exigências técnicas, bem como pela necessidade de apreciação superior sobre a proposta de utilização da área dos 300 metros da restinga com a área de lazer proposta e de caracterização da existência ou não de espécies nativas típicas da vegetação paludosa e Tabebuia cassinoides (caxeta) na área em que seria implantado o “Condomínio Praia da Baleia” (fls. 160/170 do vol. 1 do apenso II). Então, a Secretaria do Meio Ambiente elaborou o Parecer Técnico 04/2009 CR7 ao GRAPROHAB, para 1 Informação disponível em: <http://www.habitacao.sp.gov.br/secretariahabitacao/ graprohab.aspx>. Acesso em: 21/07/2014.

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cumprimento de exigências (fls. 171, no vol. 1, e 180/182-verso, no vol. 2 do apenso II).

A KPB protocolou junto ao GRAPROHAB documentação em resposta à maioria dos quesitos da Informação Técnica CR7-20/2009 (fls. 206/297). Após reunião na sede da CETESB, a mesma empresa protocolizou, em 13 de novembro de 2009, um novo projeto para o condomínio (fls. 302/320 do vol. 3 do apenso II). Em seguida, em 27 de novembro de 2009, foi realizada vistoria no local em que seria implantado o “Condomínio Praia da Baleia”. No Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU, concluído cinco dias após a realização da vistoria, sugeriu-se o indeferimento do empreendimento em razão de o imóvel:

A) estar inserido em Área de Preservação Permanente (art. 2º, alínea “a”, item 4, da Lei 4.771/1965, com redação similar à do art. 4º, inciso I, alínea “d”, da Lei 12.651/2012, ora em vigor), onde somente é permitida intervenção nos casos de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental, conforme a Resolução CONAMA n. 369/2006);

B) conter espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção, de acordo com o art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei 11.428/2006; e

C) abrigar floresta paludosa, primária (climax edáfica), onde só é permitida a supressão nos casos de utilidade pública, pesquisa científica ou práticas conservacionistas, conforme o art. 20 da Lei 11.428/2006 (fls. 327/333 do vol. 3 do apenso II).

Esse trabalho técnico foi elaborado pelos engenheiros agrônomos da Agência Ambiental de Ubatuba da CETESB, Ricardo de Azevedo Lourenço e Cláudio Luiz Dias, com ratificação do Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião Ronaldo Antonio De Souza. Diante disso, foi emitido o Termo de Indeferimento para Supressão de Vegetação n. 92763/2009-CETESB-LMS (fl. 334).

A CETESB também elaborou o Parecer Técnico n. 01/09-LMS, que concluiu pela inviabilidade do pedido para empreender no local, considerando que a supressão de vegetação foi indeferida (fls. 336/338).

Em 04 de dezembro de 2009, o protocolo GRAPROHAB 9533 foi indeferido, por determinação do engenheiro agrônomo da

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CETESB, Cláudio Luiz Dias e do Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião, Ronaldo Antonio de Souza. Na decisão de indeferimento constaram expressamente as seguintes condições para a reabertura do processo:

“Para o caso de reabertura do processo, fica o interessado, obrigado a apresentar resultados de estudos de ciclos sazonais completos (com metodologia que propicie confiabilidade estatística) através de medições do nível d’água aflorante e da profundidade do aquífero freático, de modo a comprovar que a área fica seca em algum período significativo do ano e de modo a definir qual o limite da área inundável do rio Preto, a partir da qual deverá ser medida a faixa de Área de Preservação Permanente – APP” (fl. 339 do vol. 3 do apenso II).

De acordo com Maria Fernanda Carbonelli Muniz, advogada militante na questão da preservação ambiental, somente um pedido de “Recurso Administrativo, com cumprimento das condicionantes”, teria o condão de reabrir o processo de licenciamento e tentar reverter o seu resultado (fl. 11 do inquérito civil n. 485/2012).

Entretanto, conforme se verá a seguir, o empreendedor não realizou as medidas previstas na decisão de indeferimento, nem apresentou um pedido de “Recurso Administrativo, com cumprimento das condicionantes”, mas conseguiu reabrir o Processo SMA n. 6.644/2009 e obter a aprovação do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”.

A única medida tomada pela KPB foi a apresentação de um simples pedido de reconsideração da decisão de indeferimento da Agência Ambiental de São Sebastião, protocolado em 29 de janeiro de 2010 (fls. 345/380 do vol. 3 do apenso II).

A CETESB, sem se atentar para a irregularidade formal dessa impugnação administrativa, que não comprovava o cumprimento das condicionantes mencionadas na decisão de indeferimento, determinou a elaboração de informação técnica com o fim de subsidiar a análise do recurso (fl. 382 do vol. 3 do apenso II).

Na sequência, em 18 de fevereiro de 2010, o engenheiro agrônomo Claudio Luiz Dias, da Agência Ambiental de São Sebastião, emitiu a Informação Técnica n. 007/10-LMS, com o aval do também

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engenheiro Ronaldo Antonio De Souza, Gerente da mesma agência ambiental. Nesse ato, os agentes da CETESB reiteraram as conclusões do Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU, argumentaram as questões levantadas no recurso interposto e sugeriram a adoção das seguintes medidas para subsidiar uma avaliação mais ampla pela instância superior:

“No caso da demarcação dos limites de APP, sugiro encaminhar solicitação ao Instituto de Geologia aos cuidados da Dra. Célia Regina de Gouveia Souza (autora do livro sobre Restinga e a Legislação Ambiental), citada no Recurso Interposto. E para a questão de classificação do tipo de vegetação, sugerimos o Dr. Ricardo Rodrigues Ribeiro da ESALQ/Projeto Biota.

Quanto à fauna, seria interessante o pedido de manifestação da Assessoria Técnica de Fauna da Secretaria, sobre a alínea ‘d’, artigo 3º da Lei Federal nº 4771/65, que considera APP, as florestas, que abrigam exemplares da fauna e flora ameaçada de extinção, desta maneira leva a área, as restrições da Resolução CONAMA 369/06 e as penalidades da Lei Federal 9605/98” (fl. 392 do vol. 3 do apenso II).

Ocorre que nenhuma dessas medidas foi efetivada pelo empreendedor. Não foram realizadas, igualmente, as condições mencionadas expressamente na decisão de indeferimento para reabertura do Processo SMA n. 6.644/2009 (“estudos de ciclos sazonais completos (com metodologia que propicie confiabilidade estatística) através de medições do nível d’água aflorante e da profundidade do aquífero freático, de modo a comprovar que a área fica seca em algum período significativo do ano e de modo a definir qual o limite da área inundável do rio Preto, a partir da qual deverá ser medida a faixa de Área de Preservação Permanente – APP” – fl. 339 do vol. 3 do apenso II).

Trata-se da primeira anomalia notável na tramitação do processo de licenciamento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, que teve prosseguimento, apesar do inadimplemento, pelo empreendedor, de todas as condicionantes impostas pela CETESB.

Na sequência, a pedido da KPB, foi realizada na CETESB uma reunião no dia 14 de abril de 2010, da qual participaram Edson Kara José dos Santos (representante da KPB), GUILHERME AFIF DOMINGOS (representante da SUNDAYS), Arnaldo Domingos e o

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engenheiro florestal Otávio Soares do Couto (consultor técnico da KPB). Saliente-se que, nessa data, o demandado GUILHERME AFIF DOMINGOS já havia deixado o cargo de Secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Governo do Estado de São Paulo2. Em tal reunião, foi acordado que seria efetuada uma nova vistoria no local, com a presença do assistente técnico da KPB, que havia feito um levantamento de vegetação no campo.

De fato, em 13 de julho de 2010 foi realizada uma vistoria conjunta no imóvel, da qual participaram técnicos da CETESB, os proprietários do imóvel e o consultor técnico Otávio Soares do Couto. Nessa vistoria, ficou fixado “como ponto a ser esclarecido apenas a classificação da tipologia vegetal de uma pequena faixa de terra nas adjacências da casa de caseiro existente no imóvel” (fl. 395 do vol. 3 do apenso II). Também foi demarcado o leito maior sazonal do Rio Preto e solicitado que, após levantamento topográfico, o limite desse leito maior fosse colocado em planta e, a partir desse limite, fosse respeitada a faixa de 30 metros de APP do curso d’água (fl. 402 do vol. 3 do apenso II).

Estranhamente, a reunião do dia 14 de abril de 2010 e a vistoria conjunta de 13 de julho de 2010 não foram formalmente registradas nos autos do Processo n. 6.644/09, por meio de atas ou outros documentos, tendo ocorrido apenas menção a elas a fls. 395 e 401 do referido procedimento, que consta do apenso II do inquérito civil n. 485/2012. Em razão desse vício formal, não é possível saber, por exemplo, quais engenheiros da CETESB participaram, efetivamente, dessa vistoria conjunta, para dar subsídios técnicos ao órgão estatal.

Ato contínuo, foi juntado aos autos do Processo n. 6644/09 um “Parecer Técnico Sobre Classificação de Vegetação Nativa”, elaborado pelo engenheiro florestal e consultor da KPB Otávio Soares do Couto, em 13 de agosto de 2010, opinando que a formação existente na faixa de terra próxima à casa do caseiro, existente no terreno, consiste em floresta alta de restinga úmida, e não em floresta paludosa (fls. 395/398 do vol. 3 do apenso II).

Diante do impasse acerca da tipologia vegetal da faixa de terra nas adjacências da casa de caseiro, o Gerente de Divisão de Apoio IV – Em Conservação – LAC, Minoru Iwakami Beltrão, decidiu, por

2 A exoneração do demandado se deu em 31 de março de 2010 (fl. 481 do inquérito civil n. 485/2012).

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meio no despacho n. 64/2010 (fls. 401/402 do vol. 3 do apenso II), remeter o caso ao Instituto de Botânica, para que este órgão realizasse a devida classificação da vegetação e informasse se, caso houvesse a intervenção, haveria risco à sobrevivência das espécies ameaçadas de extinção (Euterpe edulis e calophyllum brasiliensis). No mesmo ato, ressaltou que os aspectos relativos à existência de espécies da fauna ameaçadas de extinção já teriam sido objeto de análise pelo grupo de fauna da SMA (Parecer 082/09) e que a delimitação da faixa considerada de preservação permanente deveria observar o leito normal do rio (supostamente menor que 10 metros) a ser medida a partir do leito maior sazonal. Tal despacho foi ratificado pela engenheira Renata Inês Ramos, Gerente do Departamento de Apoio Técnico – Proteção dos Recursos Naturais (fl. 403 do vol. 3 do apenso II).

Nesse ponto reside a segunda grande “peculiaridade”, para dizer o mínimo, na tramitação anômala do processo de licenciamento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, dado o ineditismo da remessa dos autos para análise do Instituto de Botânica. Consoante informações colhidas no inquérito civil n. 485/2012, os outros sete casos de indeferimento de supressão de vegetação na Praia da Baleia, em decorrência da existência de floresta paludosa, não foram submetidos à análise do Instituto de Botânica (v.g., Processos SMA n. 15.21234/09, n. 83.367/07, n. 2.099/08, n. 16.185/08) (fls. 15/16, 18, 267 e 284 do inquérito civil n. 485/2012)3.

O expediente foi, então, encaminhado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, onde o Chefe de Gabinete Tiago Morais, no dia 4 de novembro de 2010, determinou o encaminhamento dos autos ao Instituto de Botânica para apreciação e manifestação (fl. 405 do vol. 3 do apenso II).

No laudo de fls. 406/409 do Processo SMA n. 6.644/2009, que consta do apenso II do inquérito civil n. 485/2012, as técnicas do Instituto de Botânica MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, ora demandadas, concluíram que “a área que

3 A CETESB mencionou somente um exemplo no qual também teria havido consulta ao Instituto de Botânica: no licenciamento ambiental do Contorno Sul – Caraguatatuba – São Sebastião, da rodovia Nova Tamoios (fl. 514 do inquérito civil n. 485/2012). Tal informação foi confirmada pelo engenheiro agrônomo CLÁUDIO LUIZ DIAS, em depoimento prestado na Promotoria de Justiça de Caraguatatuba (fl. 708 do mesmo procedimento investigatório).

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provocou dúvidas, demarcada com fitas zebradas, onde o solo se apresenta encharcado é na realidade floresta alta de restinga (...)”.

Esse parecer, contudo, se mostra ilegítimo, pois as suas autoras não o elaboraram com o intuito de analisar problemática relativa à existência de risco à sobrevivência das espécies ameaçadas de extinção (Euterpe edulis e Calophyllum brasiliensis), em caso de intervenção humana no local. Somente no final do parecer MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES afirmaram que “(...) indivíduos jovens e plântulas de Euterpe edulis e Calophyllum brasiliensis devem ser transplantados para a área de preservação” (fl. 407 do vol. 3 do apenso II), sem citar qualquer fundamento para essa conclusão.

É digno de nota o fato de o aludido “laudo” ter sido todo escrito em menos de 24 horas, pois as técnicas do Instituto de Botânica vistoriaram a área no dia 22/11/2010 e apresentaram o parecer em 23/11/2010, enquanto o Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU foi concluído por Ricardo de Azevedo Lourenço e Cláudio Luiz Dias somente cinco dias após a realização da diligência in locu.

A exiguidade do tempo de elaboração do trabalho técnico chama ainda mais atenção quando se considera que “a área é alagadiça, e somente se consegue adentrar nos pontos críticos, com facões, botas, equipamentos, inclusive GPS e no mínimo com duas ou mais pessoas, eis que existe grande risco de vida, em razão do solo alagadiço” [...] e “no mínimo dias e dias seriam necessários para percorrer a totalidade da mesma” (fl. 17 do inquérito civil n. 485/2012).

Ouvidas na Promotoria de Justiça, MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES justificaram a agilidade espetacular na emissão do laudo com a alegação de análise prévia de mapas e imagens de satélite da região em questão e de trabalhos técnicos e científicos sobre a vegetação do litoral norte. Mas reiteraram que a vistoria feita no dia 22/11/2010 abrangeu “toda a área a partir da margem do rio Preto até o limite Sul. A área da margem do rio para o Norte do terreno, que será reserva (área de preservação permanente), não precisava ser vistoriada” (fl. 437 do inquérito civil n. 485/2012).

Ocorre que, em depoimento prestado nesta Promotoria de Justiça em 7 de agosto de 2012, a advogada Maria Fernanda Carbonelli Muniz afirmou:

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“Para a declarante, era impossível realizar em um dia a vistoria numa área de mais de 128.000m2, alagada, de difícil acesso, na qual é possível ingressar com caiaque e equipamentos de proteção. As duas técnicas, no entendimento da declarante, apenas visitaram uma pequena área existente atrás da casa do caseiro do imóvel (...). A declarante também entende que seria impossível o deslocamento das referidas pesquisadoras do Instituto de Botânica da Comarca de São Sebastião para a Capital paulista e ainda elaborar o referido parecer no mesmo dia” (fls. 265/266 do inquérito civil n. 485/2012).

A suspeita de vistoria apenas parcial da área foi confirmada no depoimento que ELISABETE APARECIDA LOPES prestou a esta Promotoria de Justiça, no qual se lê o seguinte:

“(...) a convite de MARIE, compareceu à referida área, onde havia uma área demarcada com fita amarela e preta (fl. 442), em relação à qual havia dúvida sobre o tipo de vegetação. A declarante e MARIE analisaram a referida área e também outros locais onde haveria implantação de um condomínio residencial. Informa que a propriedade é cortada pelo Rio Preto, mas apenas uma parte da área, entre a margem do rio e a antiga rodovia SP-55 foi vistoriada pela declarante e por MARIE” (fls. 711/712 do inquérito civil n. 485/2012, g.n.).

Também é ratificada no seguinte trecho da manifestação do Instituto de Botânica de fl. 753 do inquérito civil n. 485/2012, assinada pelas próprias MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES:

“Em vistoria realizada no dia 23/11/2010 as técnicas do Instituto de Botânica Marie Sugiyama e Elisabete A. Lopes vistoriaram toda a área do empreendimento e em especial a área delimitada pelas ‘fitas zebradas’ ” (g. n.).

Também é notável a extensão do “laudo”: sem contar a bibliografia, tem duas folhas incompletas, escritas apenas no anverso, com fundamentação bem menos detalhada que o Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU, que foi elaborado em cinco páginas. Obviamente, MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES não levaram em

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consideração todos os elementos fáticos que Ricardo de Azevedo Lourenço e Cláudio Luiz Dias examinaram no laudo da CETESB.

Com o escopo de demonstrar o tamanho excepcionalmente pequeno do “laudo” em análise e, consequentemente, a sua pouca ou nenhuma credibilidade, a advogada Maria Fernanda Carbonelli Muniz juntou aos autos do inquérito civil n. 485/2012 a cópia de um parecer técnico subscrito pelo engenheiro agrônomo Eduardo Luís Martins Catharino, integrante do Instituto de Botânica, contendo mapeamento da cobertura de vegetação na Praia da Baleia. Segundo Muniz, tal estudo se refere a uma área inferior à do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, mas, diferentemente do laudo de MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, sua feitura demandou a realização de quatro visitas in loco, feitas no período de mais de um ano (entre 18/01/2008 e 18/02/2009), e é composto de 32 páginas (fls. 543/579 do inquérito civil n. 485/2012).

De fato, a exiguidade do tempo de elaboração e dimensão diminuta minam a credibilidade do parecer confeccionado pelas técnicas do Instituto de Botânica, pois deixam entrever que se trata de ato consultivo nitidamente menos fundamentado que o Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU e que não corresponde à realidade da vegetação do imóvel do empreendimento. Merece destaque o fato de GUILHERME AFIF DOMINGOS estar exercendo a função de Vice-Governador do Estado de São Paulo quando da elaboração do “laudo” do Instituto de Botânica.

A despeito da pouca credibilidade do laudo oriundo do Instituto de Botânica, por meio do Despacho n. 72/2010, o Gerente de Divisão de Apoio IV em Conservação – LAC, Minoru Iwakami Beltrão, determinou o encaminhamento dos autos à Agência Ambiental de São Sebastião para produção de novo Parecer do GRAPROHAB, pois, na sua opinião, as questões apontadas no indeferimento teriam sido rediscutidas, chegando-se a novos entendimentos a respeito da forma de aplicação das áreas de preservação permanente ao longo do curso d’água e da classificação da vegetação (fl. 413 do vol. 3 do apenso II).

Ao assim proceder, Minoru Iwakami Beltrão, induzido em erro, ratificou a primeira anomalia do processo de licenciamento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, mencionada supra, consistente na total desconsideração do descumprimento, pelo

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empreendedor, das condições mencionadas na decisão de indeferimento para reabertura do Processo SMA n. 6.644/2009 e das medidas anunciadas na Informação Técnica n. 007/10-LMS, reputadas necessárias para o exame do recurso da KPB.

Em 29 de dezembro de 2012, foi emitido o Parecer Técnico n. 06/10-LMS, concluindo que o projeto do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia” era passível de aprovação no âmbito das atribuições da CETESB, “desde que atendidas as exigências técnicas elencadas pelos diversos agentes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente” (fls. 417/425 do vol. 3 do apenso II).

Saliente-se que o aludido parecer técnico é de autoria do engenheiro agrônomo da Agência Ambiental de Ubatuba da CETESB Cláudio Luiz Dias, com ratificação do Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião Ronaldo Antonio de Souza, que também assinaram o supramencionado Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU, com conteúdo avesso ao deste último ato consultivo.

Diante dos derradeiros pareceres técnicos favoráveis, em 11 de janeiro de 2011, o protocolo GRAPROHAB 9533 foi aprovado, com condicionantes, pelo engenheiro agrônomo da Agência Ambiental de Ubatuba da CETESB Cláudio Luiz Dias e pelo Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião Ronaldo Antonio de Souza (fls. 426/430 do vol. 3 do apenso II).

A seguir, a KPB apresentou pedido de Termo de Averbação de Área Verde (fls. 438/442 do vol. 3 do apenso II), que foi aprovado pelo mesmo engenheiro agrônomo da CETESB Cláudio Luiz Dias, com ratificação do Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião Ronaldo Antonio de Souza (fls. 451/460 do vol. 3 do apenso II).

Posteriormente, foi apresentado pedido de autorização de supressão de vegetação nativa (fls. 463/564 do vol. 4 do apenso II). Tal requerimento estava pendente de análise (fls. 565/569), quando a 1ª Vara Cível de São Sebastião determinou o embargo da área objeto da autorização GRAPROHAB 9533, proibindo o corte de vegetação ou a realização de qualquer obra no local até decisão final, nos autos da ação civil pública ambiental com pedido liminar (autos n. 587.01.2011.001988-3), proposta pelos Promotores de Justiça Matheus Jacob Fialdini e Alexandre Petry Helena, integrantes do Núcleo Litoral

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Norte do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA (fl. 570 do vol. 4 do apenso II).

Consta da fl. 577 dos autos do Processo SMA n. 6.644/2009 (vol. 4 do apenso II) relatório de inspeção que não constatou supressão ou indícios de supressão de vegetação nativa no local.

1.2 – Do descumprimento doloso da legislação ambiental por parte de agentes da CETESB e do Instituto de Botânica

É sabido que a Praia da Baleia, localizada no litoral norte do Estado de São Paulo, na Zona de Amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar, abriga extenso fragmento florestal bem conservado e é habitat de dezenas de espécies de animais ameaçados de extinção. Nessa região, são encontrados trechos da chamada “floresta paludosa”, tipologia florestal típica da zona costeira de São Paulo, conhecida popularmente como “caxetal”, devido à dominância da caxeta (Tabebuia cassinoides).

Noticiou-se nos autos do inquérito civil n. 485/2012 que, justamente em razão da presença da floresta paludosa, a Agência Ambiental de São Sebastião da CETESB havia, anteriormente, indeferido sete pedidos de supressão de vegetação na Praia da Baleia (fl. 284). A mesma lógica foi, inicialmente, adotada com relação ao empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, cujo projeto foi indeferido prima facie em razão da inserção do imóvel em Área de Preservação Permanente (art. 2º, alínea “a”, item 4, da Lei 4.771/1965, com redação similar à do art. 4º, inciso I, alínea “d”, da Lei 12.651/2012, ora em vigor), da presença de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção (art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei 11.428/2006) e da existência de floresta paludosa, primária (climax edáfica).

Todavia, conforme narrado anteriormente, o resultado do pedido administrativo foi posteriormente revertido, com base em “laudo” pericial elaborado pelas técnicas do Instituto de Botânica MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, que induziram em erro o engenheiro agrônomo da Agência Ambiental de Ubatuba da CETESB Cláudio Luiz Dias e o Gerente da Agência Ambiental de São Sebastião Ronaldo Antonio de Souza, resultando na aprovação do empreendimento e na concessão do alvará de construção n. 090/2011.

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A revisão da decisão de indeferimento desconsiderou inúmeras restrições ambientais e até mesmo urbanísticas que pesavam sobre o imóvel destinado ao empreendimento, as quais outrora haviam sido reconhecidas pela própria CETESB.

Não há dúvida de que o imóvel descrito nas matrículas 24.892, 38.870 e 38.869 do Registro de Imóveis de São Sebastião, de propriedade da SUNDAYS, destinado à edificação do “Condomínio Praia da Baleia”, se encontra em área de preservação permanente (APP), quer por se situar à margem de curso de água, quer por se localizar em área de restinga, na faixa de 300 metros medidos a partir da preamar máxima, e a partir da área de influência da maré ao longo do Rio Preto (art. 4º, inciso I, alínea “d”; e inciso VI, da Lei 12.651/20124 c/c art. 3º, inciso I, alínea “d”; inciso IX, alínea “a”; e inciso XIV, da Resolução CONAMA n. 303/20025). Ou seja, há dupla incidência de área de preservação permanente no local.

Essa realidade foi constatada pelos próprios técnicos da CETESB Cláudio Luiz Dias e Ricardo de Azevedo Lourenço no Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS-LMU, onde se lê expressamente:

“Discordamos da afirmação apresentada (folha 17) de que o rio Preto possui largura variável de 1m a 5m. Para definição

4 “Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: [...]

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012) [...]

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; [...]

VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”.

Esses dispositivos revogaram o art. 2º, alínea “a”, item 4, e alínea “f”, da Lei 4.771/1965, que estava em vigor na época dos fatos narrados nesta petição inicial.

5 “Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de: [...]

d) duzentos metros, para o curso d’água com duzentos a seiscentos metros de largura; [...]

IX - nas restingas:

a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;

[...]

XIV - nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal”.

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da faixa de APP é necessário partir do seu nível mais alto para delimitar a faixa incidente, conforme alínea ‘a’, art. 2º da Lei 4771/65.

Se partirmos da demarcação da Floresta Paludosa apresentada na planta da folha 296, (onde o canal do Rio Preto encontra-se no centro) a largura do nível mais alto do rio Preto varia de 170 à 260 metros (conforme escala apresentada), desta forma incidirá sobre a propriedade o item 4, da alínea ‘a’ (e não o item 1, como foi sugerido pelos consultores) levando a faixa de APP para 200 metros, a partir do limite apresentado.

Conforme exposto, entendemos que toda a área de ocupação está em Área de Preservação Permanente de acordo com item 4, alínea ‘a’, art. 2º da Lei nº 4771/65”

[...]

“5.4.2- Área de Preservação Permanente - APP: Sem entrar no mérito dos 300 metros de restinga (alínea ‘a’, inciso IX, art. 3º da Resolução CONAMA 303/02), a incidência de APP na propriedade se deve principalmente ao Rio Preto onde sua faixa é definida pelo item 4, art. 2º da lei 4771/65, com faixa de 200 metros a partir do nível mais alto do curso d’água, conforme já exposto no item 5.1 deste relatório” (fls. 327/328 e 329 do vol. 3 do apenso II).

No inquérito civil n. 485/2012, também foram colhidas diversas provas técnicas e testemunhais da existência de floresta paludosa no imóvel da empresa SUNDAYS. De fato, no Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS-LMU, os técnicos da CETESB Cláudio Luiz Dias e Ricardo de Azevedo Lourenço declararam:

“A vistoria coincidiu com a florada da Tabebuia cassinoides, sendo possível visualizar (pela exuberante florada alva) que o número de exemplares é superior e mais distribuído na área do que o demarcado nas plantas folhas 271 e 316.

Toda a área faz parte de grande contínuo de Floresta Paludosa, (conforme se observa na foto acostada à folha 40), que sofre o efeito de borda oriundo dos aterros do condomínio em frente (entre a área e o mar) e da estrada lateral (...).

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Analisando a Resolução CONAMA 07/1996, fica evidente pelo exposto acima que trata-se de Floresta Paludosa, em virtude:

da dominância de caxeta (Tabebuia cassinoides) e/ou guanandi (Calophyllum brasiliense), alínea ‘h’, inciso IV; e

do substrato arenoso de origem marinha, permanentemente inundado, com deposição de matéria orgânica ... (alínea ‘j’, inciso IV).

Discordamos portanto da classificação apresentada no ‘Laudo de Caracterização do Meio Biótico’ (fl. 36), que considera a área de intervenção como Floresta Alta de Restinga.

Sendo a Floresta Paludosa considerada vegetação associada as depressões de Restinga, caracterizando-se como vegetação de primeira ocupação Climax Edáfico, ou primária” (fl. 328 do vol. 3 do apenso II).

Ao prestar depoimento junto à Promotoria de Justiça de Caraguatatuba, Ricardo de Azevedo Lourenço confirmou o seu entendimento técnico, e ainda declarou que a caracterização da vegetação da área do empreendimento como “floresta alta de restinga úmida” contrariaria a legislação ambiental brasileira:

“(...) que se recorda que opinou pelo indeferimento do licenciamento por conta da existência de floresta paludosa, bem como por conter espécimes da fauna em extinção; quanto à flora existente no local, informa que a espécie Tabebuia, conhecida por caxeta, caracteriza vegetação primária, e por isso possui restrição de corte pela Lei 11.428/06, sendo percebido isso durante a vistoria; que o corte da espécie é permitido apenas no manejo, se referindo a corte raso, o que não era o caso da instalação do Condomínio, pois ocorreria a supressão parcial; que havia proposta de deixar parte da vegetação, mas não seria suficiente porque ela é de ambiente alagado e para construção do Condomínio, teria que aterrar; que soube que a Dra. Beth, do Instituto de Botânica afirmou que a região referida não seria de floresta paludosa; que a Dra. Beth é pesquisadora do jardim Botânico e que a mesma teve por pesquisa de doutorado sugestão de alteração da Resolução

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do Conama 07, o que não foi feito; que nos estudos da Dra. Beth, quanto à definição da área da Praia da baleia, ela classificou como sendo floresta alta de restinga úmida, salvo engano, sendo que essa forma de definição não consta da Resolução do Conama 07, e como funcionário público, deve obedecer a lei” (fls. 701/702 do inquérito civil n. 485/2012, g.n.).

A presença de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção no local destinado ao “Condomínio Praia da Baleia” também é evidente e inviabiliza a aprovação, mesmo que futura, do empreendimento. A esse respeito, os técnicos da CETESB Cláudio Luiz Dias e Ricardo de Azevedo Lourenço constataram no Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS-LMU o seguinte:

“Foi registrada a presença de Euterpe edulis planta incluída na lista da Resolução SMA 48/04 que dispõe sobre a flora do Estado de São Paulo, ameaçada de extinção.

Existe grande número de indivíduos de Calophyllum brasiliense, na área, inclusive exemplares de grande porte; Na lista oficial da Resolução SMA 08/08, foi conferido status de ‘Quase ameaçada’ de extinção (QA), para esta espécie”

[...]

“Os resultados obtidos no levantamento de fauna (fl 44), registraram 11 espécies de mamíferos e 93 espécies de aves; destas, 4 espécies de aves e 2 de mamíferos estão relacionadas na lista oficial da fauna Silvestre ameaçada de extinção no Estado de São Paulo, conforme Decreto Estadual 42838/98, ou seja:

Mamíferos: Lutra longicaudis (lontra) e Agouti paca (paca);

Aves: Penelope obscura (jacu-guaçú), Tinamus solitarius (macuco), Anhima cornuta (anhuma) e Leucopternis lacernulatus (gavião-pombo-pequeno);

Consta informação de que, dentre as aves registradas, 25 espécies são endêmicas da Mata Atlântica.

O autor reforça que a espécie Anhima cornuta (anhuma) é muito rara no Estado de São Paulo e nunca foi registrada a ocorrência da mesma no Litoral do Estado. Menciona com destaque que a espécie Leucopternis lacernulatus (gavião-

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pombo-pequeno) apresenta grande dependência de ambientes primários (...).

Diante do exposto entendemos que a supressão da área solicitada, irá por em risco a sobrevivência das espécies ameaçadas de extinção, que ocorrem no local, e desta forma em desacordo com alínea ‘a’, inciso I, art. 11º da Lei 11428/06” (fls. 328/329 do vol. 3 do apenso II, g.n.).

Na Informação Técnica n. 007/10-LMS, o engenheiro agrônomo da Agência Ambiental de São Sebastião CLAUDIO LUIZ DIAS e o Gerente da mesma agência ambiental RONALDO ANTONIO DE SOUZA reiteraram as conclusões do Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS/LMU, a respeito da inserção do imóvel em Área de Preservação Permanente (art. 2º, alínea “a”, item 4, da Lei 4.771/1965, com redação similar à do art. 4º, inciso I, alínea “d”, da Lei 12.651/2012, ora em vigor), da presença de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção (art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei 11.428/2006) e da existência de floresta paludosa. Nesse mesmo trabalho técnico, tais profissionais contra argumentaram as questões levantadas no recurso interposto pela KPB e reconheceram que o empreendedor não cumpriu as condições mencionadas na decisão de indeferimento para reabertura do Processo SMA n. 6.644/2009, ou seja, não apresentou um estudo hidrológico dos riscos de inundação e caracterização detalhada do nível do lençol freático (fls. 384 e 385 do vol. 3 do apenso II).

No entanto, no Parecer Técnico n. 06/10-LMS, que contribuiu significativamente para a reconsideração do termo de indeferimento, os mesmos técnicos da CETESB (Claudio Luiz Dias e Ronaldo Antonio de Souza) desprezaram totalmente as restrições ambientais que pesavam sobre o imóvel destinado ao empreendimento e afirmaram que o “Condomínio Praia da Baleia” é passível de aprovação no âmbito das atribuições da CETESB, “desde que atendidas as exigências técnicas elencadas pelos diversos agentes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (...)” (fls. 417/425 do vol. 3 do apenso II).

Reitere-se que, se não fosse o laudo das demandadas, não havia qualquer motivo plausível para a alteração das conclusões de Claudio Luiz Dias e Ronaldo Antonio de Souza, uma vez que o empreendedor: a) não apresentou “estudos de ciclos sazonais completos (com metodologia que propicie confiabilidade estatística) através de

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medições do nível d’água aflorante e da profundidade do aquífero freático, de modo a comprovar que a área fica seca em algum período significativo do ano e de modo a definir qual o limite da área inundável do rio Preto, a partir da qual deverá ser medida a faixa de Área de Preservação Permanente – APP” (fl. 339 do vol. 3 do apenso II), mencionados na decisão de indeferimento como condição para a reabertura e o reexame do Processo SMA n. 6.644/2009; b) nem realizou as medidas anunciadas na Informação Técnica n. 007/10-LMS, reputadas necessárias para o exame do recurso (quais sejam, a solicitação de análise da demarcação dos limites da APP pela Dra. Célia Regina de Gouveia Souza, do Instituto de Geologia; a solicitação de análise da classificação do tipo de vegetação pelo Dr. Ricardo Rodrigues Ribeiro, da ESALQ/Projeto Biota; e a solicitação de manifestação da Assessoria Técnica de Fauna da Secretaria sobre a alínea “d” do art. 3º da Lei 4.771/1965 – fl. 392 do vol. 3 do apenso II).

É certo, ainda, que foram colacionados nos autos do inquérito civil n. 485/2012 elementos de convicção no sentido de que o “laudo” do Instituto de Botânica teve seu conteúdo viciado em decorrência de pressão a favor da aprovação do empreendimento, exercida pelo então Vice-Governador GUILHERME AFIF DOMINGOS.

Saliente-se que o simples fato de, no imóvel de propriedade da SUNDAYS, predominar a floresta alta de restinga, ao lado de áreas de floresta paludosa, por si só, inviabilizaria o empreendimento pretendido, pois a construção do “Condomínio Praia da Baleia” irremediavelmente implicaria supressão de vegetação nativa que abriga fauna e flora ameaçadas de extinção.

É oportuno mencionar que, diante de tais ilegalidades cometidas no processo de licenciamento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, que foram apuradas com mais profundidade no inquérito civil n. 24/2011, por Promotores de Justiça do Núcleo Litoral Norte do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA, que propuseram ação civil pública ambiental com pedido liminar originalmente em face de SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA. e KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA., pleiteando:

A) a condenação das empresas demandadas à obrigação de não fazer consistente em cessar a atividade degradadora do meio ambiente, com a paralização imediata e integral de

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toda a atividade de desmatamento, construção e ampliação das edificações e construções, plantio de espécies exóticas, impermeabilização do solo, ou qualquer outra geradora de poluição, inclusive visual, proibindo-se qualquer ocupação da área em questão, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00, vigente à época da cobrança, corrigido monetariamente, cujo escopo é servir como meio de compelir ao adimplemento voluntário da obrigação;

B) a condenação, solidariamente, à obrigação de fazer consistente em providenciar a demolição da casa de caseiro e o desfazimento das intervenções (estradas de acesso, tanque de peixes, captação irregular de água etc.), retirada das espécies exóticas, restaurando integralmente as condições primitivas da vegetação, solo e corpo d’água, no prazo de 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 vigente à época da cobrança, corrigido monetariamente, como meio indireto de coerção. O projeto de recuperação das áreas degradadas deverá ser apresentado ao órgão ambiental competente para aprovação no prazo de 60 dias. Após, a implantação às expensas das rés;

C) caso a obrigação de fazer referida no item “B” acima se impossibilite, total ou parcialmente, a condenação das empresas demandadas ao pagamento de indenização quantificada em perícia, corrigida monetariamente, correspondente aos danos que se mostrarem irrecuperáveis, a ser recolhida ao Fundo Especial de Despesa de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual n. 6.536/1989;

D) a declaração da nulidade, de pleno direito, dos atos administrativos de autorização do empreendimento, particularmente aquele emanado do GRAPROHAAB, nos autos do Protocolo 9.533, sem prejuízo dos demais atos de autoria dos órgãos ambientais consultados no âmbito do procedimento de aprovação do empreendimento, e de eventual ato do Poder Público Municipal que, no interregno entre o encerramento dos autos do inquérito civil e a propositura da ação civil pública ambiental, tenha licenciado o empreendimento;

E) a concessão de medida liminar inaudita altera parte determinando: 1) o embargo do imóvel em exame na ação,

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ou seja, toda a área inserida na faixa de 300 metros medidos a partir da preamar máxima e da área de influência de marés ao longo do Rio Preto, proibindo-se outros cortes de vegetação, edificação ou acabamento da edificação, muro e outras construções já existentes, introdução de espécies exóticas, ou qualquer outra forma de ocupação; 2) a abstenção das empresas demandadas de comercializar unidades residenciais afetas ao empreendimento; 3) a averbação à margem da matrícula da propositura da ação e o embargo judicial da área do imóvel, com vista a conferir ampla publicidade à restrição, evitando-se lesão a potenciais consumidores; 4) a afixação de placa indicativa da propositura da ação em local e em dimensões de fácil visualização pelos transeuntes, próximo à porteira de entrada do local de frente para a rua Deble Luiza Derani, s/n, Praia da Baleia.

Posteriormente, houve o aditamento da petição inicial, para:

A) incluir o ESTADO DE SÃO PAULO, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB e a PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO como demandados;

B) pleitear a condenação desses mesmos entes públicos a promover todas as medidas tendentes à recuperação dos danos já verificados no imóvel e a se absterem de licenciar e autorizar na área em comento qualquer nova intervenção; e,

C) por fim, pedir a anulação dos seguintes atos administrativos: 1) da lavra da MUNICIPALIDADE DE SÃO SEBASTIÃO: Certidão n. GRH – 03/2009, de lavra da Secretaria de Obras da Municipalidade, pela qual manifestou anuência quanto à viabilidade do empreendimento do ponto de vista urbanístico; Alvará de construção n. 090/2011; e Aprovação do projeto do empreendimento pela Secretaria de Obras; 2) da lavra do ESTADO DE SÃO PAULO: Declaração de Anuência Prévia n. 233/09, de lavra da Secretaria da Habitação; Certificado Graprohab n. 001/2011, pelo qual houve a aprovação do projeto habitacional e o respectivo Termo de Compromisso n. 001/2011; Certificado n. 001/2011, de aprovação do projeto habitacional junto ao Graprohab; e 3) da lavra da CETESB: Aprovação (com condicionantes) do protocolo em razão do Parecer Técnico

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n. 06/10-LMS, da Agência Ambiental de São Sebastião, elaborado com base no Parecer Fauna n. 82/09-CR-7, na Informação Técnica CR7 n. 20/2009, no Parecer do Instituto de Botânica e nas Avaliações da Divisão de apoio IV – Em Conservação – LAC.

Em 13 de maio de 2011, o MM. Juiz da 1ª Vara Cível do Foro de São Sebastião concedeu a medida liminar, determinando: a) o embargo da área em questão, proibindo o corte de vegetação ou a realização de qualquer obra, até ulterior decisão; b) a afixação de placa indicativa no local, informando sobre o embargo da área em razão de decisão judicial, a fim de preservar o interesse de terceiros e evitar que outros se insiram na relação. Inconformada, a SUNDAYS interpôs o agravo de instrumento n. 0149976-04.2011.8.26.0000, ao qual a Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento.

Ao final, a medida liminar foi ratificada na sentença, publicada em 11 de julho de 2013, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, extinguindo o feito com resolução de mérito (art. 269, inciso I do Código de Processo Civil), para os fins de: “anular os atos administrativos de autorização do empreendimento ‘Condomínio Praia da Baleia’, notadamente o expedido pelo GRAPROHAB no protocolo nº 9533 e reproduzido às fls. 540/544 dos fólios, sem prejuízo de novas análises no âmbito administrativo, desde que atendidas as exigências antes feitas pelos órgãos ambientais competentes por ocasião do seu primeiro indeferimento, notadamente a que diz respeito ao estudo de ciclos sazonais completos de medições dos níveis d’água aflorante e da profundidade do aquífero freático no local de implantação do projeto, no qual venha constatada de forma explícita a calha do Rio Preto e suas dimensões, bem como para condenar os corréus SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA e KPB EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA à obrigação de não fazer consistente em não efetivar qualquer intervenção na área de preservação permanente inserida nos trinta metros equidistantes do curso d’água existente no local e, quanto ao remanescente do lote, restringir sua ocupação ou utilização a prévio licenciamento ambiental, ratificando-se a liminar antes deferida nestes termos, bem como na obrigação de fazer consistente na retirada de qualquer material que impermeabilize o solo, demolição das edificações existentes, da casa do caseiro, tanque de peixes e retirada de espécies exóticas da área descrita na inicial, sob pena de multa

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diária de R$ 500,00. Por via de consequência, considerando a sucumbência dos demandados, arcarão os mesmos com as custas processuais”. Atualmente, o processo encontra-se em fase recursal.

Constata-se que, no processo n. 0001988-61.2011.8.26.0587, o órgão jurisdicional de primeira instância confirmou que a revisão da decisão de indeferimento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia” desconsiderou inúmeras restrições ambientais e urbanísticas que pesavam sobre o imóvel, as quais haviam sido anteriormente reconhecidas pela CETESB.

A sentença foi ratificada pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos da apelação 0001988-61.2011.8.26.0587, da 1ª Câmara Reservada ao meio Ambiente (Rel. Desembargador Ruy Alberto Leme de Carvalho, j. 7/5/2015, v.u.), que ainda determinou a expedição de ofício ao D. Procurador-Geral de Justiça para a apuração de atos de improbidade administrativa, objeto da presente demanda (fls. 776/783 do inquérito civil 485/2012).

1.3 – Da influência de GUILHERME AFIF DOMINGOS para aprovar o empreendimento

No âmbito do inquérito civil n. 485/2012, foram amealhadas diversas provas e indícios da ocorrência de pressão por parte do ex-Secretário de Estado e então vice-Governador GUILHERME AFIF DOMINGOS a favor da aprovação do “Condomínio Praia da Baleia”, já que ele era um dos sócios da SUNDAYS, responsável pelo empreendimento.

As demandadas MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, por sua vez, cederam à influência de GUILHERME AFIF DOMINGOS e, consequentemente, praticaram atos tendentes à revisão da decisão de indeferimento do empreendimento da SUNDAYS e da KPB. Inclusive, o “laudo” por elas elaborado foi suficiente para modificar o entendimento dos técnicos da CETESB que haviam se manifestado pelo indeferimento do empreendimento.

A influência do ex-Secretário de Estado e então vice-Governador GUILHERME AFIF DOMINGOS por trás do resultado do Processo SMA n. 6.644/2009, que tramitou perante a CETESB, ficou demonstrado no depoimento de Minoru Iwakami Beltrão, que exercia o cargo de Gerente de Divisão de Apoio IV em Conservação – LAC na época

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dos fatos. Esse ex-funcionário público, Minoru afirmou que a decisão tomada no caso do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia” foi técnica, porém, admitiu que:

“(...) não pode desconsiderar certa pressão a favor do empreendimento e a influência ainda que silenciosa da figura de pessoa com a notoriedade de Afif Domingos. Mas a própria presença do vice-governador em uma reunião fez sentir a sutileza de certa pressão, só por sua presença” (fl. 498 do inquérito civil n. 485/2012, g.n.).

É certo que um grupo de agentes públicos que quer fraudar a lei para favorecer alguém jamais declararia, perante o órgão do Ministério Público ou o juízo, sua verdadeira intenção. Sendo assim, ganha importância, no presente caso, a prova indiciária do concílio fraudatório dos demandados, a favor do empreendimento da empresa de GUILHERME AFIF DOMINGOS.

A imprescindibilidade da prova indiciária do conluio fraudulento, quer no âmbito negocial, quer no âmbito processual (como é o caso em análise), é amplamente reconhecida pela doutrina. Lê-se na obra de Moacyr Amaral Santos6 que “a prova indiciária tem grande aplicação, principalmente na apuração do dolo, da fraude, da simulação e, em geral, dos atos de má-fé”. O doutrinador também cita jurisprudência no sentido de que “nas ações para invalidar ato simulado pode-se recorrer a quaisquer meios de provas, às presunções, como às testemunhas, sem dependência de qualquer começo de prova escrita”. No mesmo sentido, mais recentemente, Luiz Flávio Yarshell7 afirma que “na simulação (...), é decisiva a prova dita indiciária”.

Voltando aos elementos de convicção colhidos no inquérito civil n. 485/2012, em suas diversas intervenções, a advogada Maria Fernanda Carbonelli Muniz denunciou a tramitação anômala do Processo SMA n. 6.644/2009, apontando que as peculiaridades desse procedimento administrativo sempre visaram a beneficiar o empreendimento de GUILHERME AFIF DOMINGOS. Em seu depoimento, afirmou o seguinte:

6 Prova Judiciária no Cível e Comercial. vol. I. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1952, n. 58, p. 85.

7 Simulação e Processo de Execução, in Processo de Execução e Assuntos Afins, Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, pp. 226-245.

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“Conforme carta n. 189/2012 (DOC 2), o engenheiro RONALDO ANTONIO DE SOUZA, da CETESB, informou que foram indeferidos oito pedidos de empreendedores diversos, em razão da existência de floresta paludosa, impassível de supressão. A declarante diligenciou e descobriu que em nenhum desses processos os autos do procedimento da CETESB foram encaminhados ao Instituto de Botânica. Por isso, a declarante estranha que apenas no caso envolvendo o empreendimento da empresa do Vice Governador do Estado GUILHERME AFIF DOMINGOS tenha havido tal remessa ao Instituto de Botânica” (fl. 267 do inquérito civil n. 485/2012, g.n.).

O caráter excepcional do encaminhamento para o Instituto de Botânica foi confirmado pela própria técnica do Instituto de Botânica MARIE SUGIYAMA, que asseverou:

“A determinação para elaboração do parecer não seguiu o procedimento normal, pois veio do Gabinete do Secretário do Meio Ambiente em uma pasta, e não da CETESB. Quem assinou tal solicitação foi o chefe de gabinete da referida Secretaria de Estado do Meio Ambiente TIAGO MORAIS, conforme ofício assinado em 04/11/2010 (fl. 136). Sabe que a diretora do Instituto de Botânica, Vera Bononi, recebeu telefonemas do gabinete do Secretário de Estado do Meio Ambiente para agilizar a elaboração do parecer pela declarante e por Elisabete. Não sabe se Vera Bononi (hoje aposentada) recebeu telefonemas do próprio ex-Secretário de Estado do Meio Ambiente, FRANCISCO GRAZIANO. Ela apenas dizia que os telefonemas vinham do ‘Gabinete do Secretário’ ” (fl. 690 do inquérito civil n. 485/2012, g.n.).

Esses indícios da interferência de GUILHERME AFIF DOMINGOS na tramitação do Processo SMA n. 6.644/2009 tornam-se mais palpáveis caso se considere que o encaminhamento para o Instituto de Botânica resultou na emissão de um parecer, assinado pelas técnicas MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, claramente ilegítimo, por não ter analisado toda a problemática que lhe foi submetida. O mesmo documento é destituído de credibilidade, dada a exiguidade do tempo destinado à sua elaboração e a pequena dimensão, desprovido de fundamentação adequada, sem correspondência com a

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realidade vegetacional do imóvel do empreendimento. E o que é mais importante: favorável à aprovação do “Condomínio Praia da Baleia”.

Em suma, a prova consistente no depoimento de Minoru Iwakami Beltrão é corroborada não apenas por outros depoimentos que mencionaram da existência da pressão, por parte do demandado GUILHERME AFIF DOMINGOS, sobre agentes da CETESB e do Instituto de Botânica, mas também pelo próprio resultado final do Processo SMA n. 6.644/2009, favorável ao empreendimento da KPB e da SUNDAYS.

Diante disso, é lícito concluir que todas as irregularidades que cercaram a revisão da decisão de indeferimento do “Condomínio Praia da Baleia”, notadamente a tramitação anômala do processo de licenciamento do empreendimento e o descumprimento doloso da legislação ambiental por parte de agentes do Instituto de Botânica, foram corolários da influência de GUILHERME AFIF DOMINGOS, na qualidade de ex-Secretário de Estado e vice-Governador, a favor do empreendimento de sua empresa, SUNDAYS, e da KPB.

2 – DOS FUNDAMENTOS

As provas produzidas no inquérito civil n. 485/2012 demonstram a contento que GUILHERME AFIF DOMINGOS, na qualidade de ex-Secretário de Estado e vice-Governador, exerceu influência sobre diversos agentes públicos da CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e do Instituto de Botânica a favor do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, de sua empresa SUNDAYS e da KPB, infringindo princípios administrativos e normas constantes da Constituição Federal, da Lei 8.429/1992 e da legislação ambiental.

2.1 – Infração a princípios constitucionais

O caput do art. 37 da Constituição Federal e o art. 4º da Lei 8.429/1992 relacionam princípios administrativos, que se desdobram em diversos subprincípios, aos quais se devem submeter todos os agentes públicos:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”;

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“Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”.

O esquema ímprobo capitaneado por GUILHERME AFIF DOMINGOS, com a participação de MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES (técnicas do Instituto de Botânica), voltado à aprovação do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, violou patentemente três desses postulados fundantes da atuação da Administração Pública, quais sejam, os princípios da moralidade, da legalidade e da impessoalidade.

A) Infração ao princípio da moralidade administrativa

O princípio da moralidade estatui que todos os agentes públicos devem-se conduzir sempre com ética, boa-fé e honestidade no desempenho de suas atribuições e competências. Trata-se de princípio intimamente relacionado ao dever de probidade, que deve ser observado pelas autoridades e servidores públicos no trato dos interesses públicos (art. 37, § 4º, da Constituição Federal).

Segundo o magistério de José dos Santos Carvalho Filho8, o princípio da moralidade administrativa “está indissociavelmente ligado à noção do bom administrador, que não somente deve ser conhecedor da lei como dos princípios éticos regentes da função administrativa”. Sendo assim, o agente público “deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto”.

A moralidade administrativa é considerada um dos pressupostos de validade dos atos emanados dos órgãos e entidades estatais, cujos representantes não podem utilizar seus poderes-deveres para fins que não sejam o de realizar o bem comum.

Ao se aproveitar da influência decorrente da sua condição pessoal de ex-Secretário de Estado e vice-Governador para interferir na tramitação do Processo SMA n. 6.644/2009, perante a CETESB, a favor do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”,

8 Manual de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2012, 25ª ed., pp. 21-22.

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GUILHERME AFIF DOMINGOS certamente agiu de forma desonesta, ao arrepio do dever de probidade.

As técnicas do Instituto de Botânica MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES também infringiram o referido postulado porque cederam à pressão exercida por AFIF e, consequentemente, confeccionaram um parecer flagrantemente ilegítimo (por não ter analisado a problemática relativa à existência de risco à sobrevivência das espécies ameaçadas de extinção, em caso de intervenção humana no local do empreendimento), destituído de credibilidade (eis que foi elaborado em tempo exíguo e com dimensão diminuta), desprovido da fundamentação adequada e favorável à aprovação do “Condomínio Praia da Baleia”.

É oportuno lembrar que, segundo parcela da doutrina administrativista, um dos corolários do princípio da moralidade administrativa é o postulado que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) do Poder Público (g.n.):

“Com efeito, ainda que, por hipótese, se pretenda restringir a aplicabilidade da boa-fé objetiva às relações privadas, por se cuidar de princípio normativamente tratado pelo vigorante Código Civil (arts. 113, 187, e 422), deve-se admitir a aplicação do princípio de vedação ao comportamento contraditório nas relações jurídico-administrativas como decorrência lógica da aplicação dos valores constitucionais da solidariedade social, segurança jurídica e dignidade humana e da observância dos princípios constitucionais dirigidos à Administração Pública, em especial a moralidade administrativa (art. 37, caput, CRFB/88)”9.

Segundo o doutrinador lusitano Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro10, o “venire contra factum proprium” caracteriza-se pela prática de duas condutas pela mesma pessoa, ambas lícitas em si, diferidas no tempo, sendo que a primeira (o factum proprium) é contraditada pela segunda (o venire), que pode ser tanto uma ação (venire positivo), quanto uma omissão (venire negativo).

9 Lúcio Picanço Facci, A proibição de comportamento contraditório no âmbito da Administração Pública: a tutela da confiança nas relações jurídico-administrativas, in Revista da EMERJ, vol. 14, n. 53, pp. 197-229, jan./mar. 2011, p. 218.

10 Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “in Agendo”, Coimbra, Almedina, 2011, 2ª ed., p. 92.

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Conforme já se afirmou anteriormente, o fundamento da adoção desse comportamento contraditório foi, justamente, a submissão à pressão por parte do então Vice-Governador GUILHERME AFIF DOMINGOS, a favor da aprovação do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”.

B) Infração ao princípio da legalidade

O princípio da legalidade implica subordinação completa do agente público à lei. Sua origem remonta à criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar os atos normativos que ele próprio edita.

Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello11, enquanto na atividade privada pode-se fazer tudo o que não é proibido, na atividade administrativa só se pode fazer o que é permitido. Não basta a simples relação de não contradição, mas exige-se uma relação de subsunção do ato a uma norma permissiva. Aduz o mesmo autor, ainda, que o princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas, típicas dos países subdesenvolvidos.

Trata-se de preceito ao qual todos os agentes públicos estão circunscritos e cujo desvirtuamento ou inobservância causa a nulidade dos respectivos atos, decisões e medidas administrativas, bem como a eventual responsabilização pessoal dos infratores.

Ao se conluiarem a favor da aprovação do empreendimento da SUNDAYS e da KPB, na Praia da Baleia, os demandados GUILHERME AFIF DOMINGOS, MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES desrespeitaram indelevelmente a legislação ambiental pátria.

No âmbito do inquérito civil n. 485/2012, foram amealhadas diversas provas e indícios de que o imóvel descrito nas matrículas 24.892, 38.870 e 38.869 do Registro de Imóveis de São Sebastião, destinado à edificação do “Condomínio Praia da Baleia”: A) encontra-se em área de preservação permanente (APP), quer por se

11 Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2010, 27ª ed., pp. 100 e 105.

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situar à margem de curso de água, quer por se localizar em área de restinga, na faixa de 300 metros medidos a partir da preamar máxima, e a partir da área de influência da maré ao longo do Rio Preto; B) contém floresta paludosa; e C) abriga espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção.

Os próprios técnicos da CETESB Cláudio Luiz Dias e Ricardo de Azevedo Lourenço e o Gerente da mesma agência ambiental Ronaldo Antonio de Souza reconheceram essas restrições ambientais no Laudo de Vistoria n. 402/09-LMS-LMU e na Informação Técnica n. 007/10-LMS. Tal entendimento apenas foi modificado após a elaboração do “laudo” das demandadas MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES.

Consequentemente, a aprovação do “Condomínio Praia da Baleia” deu-se ao arrepio do art. 4º, inciso I, alínea “d”; e inciso VI, da Lei 12.651/2012 c/c art. 3º, inciso I, alínea “d”; e inciso IX, alínea “a”, da Resolução CONAMA n. 303/2002 (g.n.):

“Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

[...]

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012)

[...]

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

[...]

VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”12.

12 Tais normas revogaram as previstas no art. 2º, alínea “a”, item 4, e alínea “f”, da Lei 4.771/1965, que vigoravam na época dos fatos tratados nesta ação.

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“Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:

[...]

d) duzentos metros, para o curso d`água com duzentos a seiscentos metros de largura;

[...]

IX - nas restingas:

a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima”.

Foram contrariados, outrossim, os arts. 11 e 20 da Lei 11.428/2006 (g.n.):

“Art. 11. O corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica ficam vedados quando:

I - a vegetação:

a) abrigar espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, em território nacional ou em âmbito estadual, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a intervenção ou o parcelamento puserem em risco a sobrevivência dessas espécies;

b) exercer a função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão;

c) formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou secundária em estágio avançado de regeneração”;

“Art. 20. O corte e a supressão da vegetação primária do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados em caráter excepcional, quando necessários à realização de obras, projetos ou atividades de utilidade pública, pesquisas científicas e práticas preservacionistas.

Parágrafo único. O corte e a supressão de vegetação, no caso de utilidade pública, obedecerão ao disposto no art. 14 desta

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Lei, além da realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA”.

É certo que a violação da legislação ambiental, no caso em tela, foi intencional, ou seja, dolosa, e não decorrente de mera culpa dos demandados. No caso de GUILHERME AFIF DOMINGOS, o dolo pode ser inferido da própria pressão que ele teve de exercer sobre os agentes da CETESB e do Instituto de Botânica para que seu empreendimento na Praia da Baleia fosse aprovado, utilizando-se indevidamente da influência decorrente da sua condição pessoal de então Secretário de Estado e Vice-Governador.

Com relação às técnicas do Instituto de Botânica MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, o seu intuito de desrespeitar a legislação ambiental transparece da elaboração de um parecer flagrantemente ilegítimo e sem credibilidade, desprovido da fundamentação adequada, que não corresponde à realidade vegetacional do imóvel do empreendimento.

Reitere-se que, nos autos da ação civil pública ambiental n. 0001988-61.2011.8.26.0587, ajuizada pelos Ilustres Promotores de Justiça do Núcleo Litoral Norte do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA, o MM. Juízo de primeiro grau já confirmou que a revisão da decisão de indeferimento do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia” desconsiderou inúmeras restrições ambientais e urbanísticas que pesavam sobre o imóvel, as quais haviam sido anteriormente reconhecidas pela CETESB. O Tribunal de Justiça bandeirante igualmente considerou ilegal o empreendimento.

C) Infração ao princípio da impessoalidade

O princípio da impessoalidade exige que o ato administrativo seja praticado sempre com objetivo público e não em favor ou contra uma pessoa em particular. Trata-se de princípio que baliza a atividade administrativa como um todo e, em consequência, os atos dos administradores públicos, que têm o dever de agir com justeza em relação aos particulares.

José dos Santos Carvalho Filho13 esclarece que referido princípio se relaciona intimamente com outros dois postulados: a) com o

13 Manual de Direito Administrativo, 25ª ed., São Paulo, Atlas, 2012, pp. 20-21.

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princípio da isonomia, pois objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica; e b) com o princípio da finalidade, eis que, para que haja verdadeira impessoalidade, os agentes públicos devem voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, evitando o favorecimento de alguns indivíduos em detrimento de outros.

In casu, constata-se que a decisão de indeferimento do “Condomínio Praia da Baleia”, prolatada em 04 de dezembro de 2009, no Processo SMA n. 6.644/2009, levou em consideração o interesse público, notadamente o escopo de proteger o meio ambiente na região da Praia da Baleia, no litoral norte do Estado de São Paulo.

Entretanto, em 29/01/2010, a KPB apresentou recurso contra o indeferimento, resultando na revisão da decisão do GRAPROHAB e na concessão do alvará de construção n. 090/2011, em decorrência da influência exercida por GUILHERME AFIF DOMINGOS sobre agentes públicos da CETESB e do Instituto de Botânica a favor do empreendimento, infringindo princípios administrativos e normas constantes da Constituição Federal, da Lei 8.429/1992 e da legislação ambiental.

Pode-se afirmar, então, que, até a prolação da primeira decisão no Processo SMA n. 6.644/2009, que teve teor contrário à concretização do empreendimento, houve total respeito ao princípio da impessoalidade. Todavia, a partir da interposição do recurso administrativo pela KPB, o escopo de zelar pelo bem comum deu lugar ao intuito de satisfazer o interesse particular do ex-Secretário de Estado e então vice-Governador GUILHERME AFIF DOMINGOS.

Saliente-se que o descumprimento do princípio da impessoalidade, na sua faceta relacionada ao princípio da isonomia, ficou bastante evidenciado na remessa do Processo SMA n. 6.644/2009 ao Instituto de Botânica.

De acordo com as informações colhidas no inquérito civil n. 485/2012, os outros sete casos de indeferimento de supressão de vegetação na Praia da Baleia, em decorrência da existência de floresta paludosa, não foram submetidos à análise do Instituto de Botânica (v.g., Processos SMA n. 15.21234/2009, n. 83.367/07, n. 2.099/08, n. 16.185/08) (fls. 15/16, 18, 267 e 284 do inquérito civil n. 485/2012).

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2.2 – Atos de improbidade administrativa

Os termos de declarações e documentos anexos indicam que o demandado GUILHERME AFIF DOMINGOS aproveitou-se da influência decorrente da sua condição pessoal de ex-Secretário de Estado e de vice-Governador para interferir na tramitação do Processo SMA n. 6.644/2009, perante a CETESB, a favor da aprovação do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, de sua empresa SUNDAYS e da KPB, infringindo os princípios administrativos da moralidade, da legalidade e da impessoalidade.

Por sua vez, MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES (técnicas do Instituto de Botânica), cederam à pressão exercida por GUILHERME AFIF DOMINGOS e, consequentemente, incorreram na violação dos mesmos princípios.

Diante disso, todos os demandados devem ser condenados pela prática de ato de improbidade administrativa doloso, nos termos do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/1992:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (...)”

Consequentemente, devem sofrer as cominações previstas no art. 12, inciso III, da Lei 8.429/1992:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[...]

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber

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benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. (...)”

Obviamente, as cominações deverão ser aplicadas conforme a responsabilidade dos demandados e sempre visando ao restabelecimento da probidade administrativa.

Como bem explica o jurista Sérgio Turra Sobrane14, “o princípio da probidade administrativa constitui bem jurídico de interesse difuso, pois representa o conjunto de atributos da sociedade que o Estado, por meio de sua Carta Política, pretende ver seguido e respeitado por seus agentes”.

2.3 – Responsabilidade dos demandados

Os demandados devem ser responsabilizados, nos termos da lei, pelos seguintes motivos:

A) GUILHERME AFIF DOMINGOS aproveitou-se da influência decorrente de sua condição pessoal de Secretário de Estado e de Vice-Governador para interferir na tramitação do Processo SMA n. 6.644/2009, perante a CETESB, a favor da aprovação do empreendimento “Condomínio Praia da Baleia”, de sua empresa SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA. e da KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA., infringindo os princípios administrativos da moralidade e da impessoalidade, além de desrespeitar dolosamente a legislação ambiental em vigor. Assim, é evidente que violou princípios constitucionais e, destarte, deverá responder nos termos do art. 37 da Constituição Federal e art. 12, III, da Lei 8.429/1992;

B) MARIE SUGIYAMA e ELISABETE APARECIDA LOPES, técnicas do Instituto de Botânica, cederam à pressão exercida por GUILHERME AFIF DOMINGOS e elaboraram, no âmbito do Processo SMA n. 6.644/2009, um parecer flagrantemente ilegítimo e destituído de credibilidade, desprovido da fundamentação adequada, que não correspondia à realidade vegetacional do imóvel do empreendimento. O mesmo laudo era favorável à aprovação do “Condomínio Praia da Baleia”, contrariando intencionalmente as Leis ambientais vigentes. Logo, elas

14 Improbidade Administrativa – Aspectos materiais, dimensão difusa e coisa julgada, São Paulo, Atlas, 2010, p. 117.

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deverão também responder nos termos do art. 37 da Constituição Federal e art. 12, III, da Lei 8.429/1992;

C) KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA. e SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA. devem ser responsabilizadas por improbidade administrativa, pois são as beneficiárias dos atos praticados pelos outros demandados, também nos termos art. 37 da Constituição Federal e arts. 3º e 12, III, da Lei 8.429/1992.

3 – DA COMPETÊNCIA

Os interesses e direitos em exame na presente ação são difusos, ou seja, transindividuais, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas (os cidadãos do Estado de São Paulo) e ligadas por circunstâncias de fato.

Embora os danos ambientais pudessem ocorrer no Município de São Sebastião, os órgãos públicos envolvidos têm sede na Capital paulista, onde, aliás, foram proferidas as principais decisões que levaram à aprovação ilegal do empreendimento.

Assim, a competência territorial para apreciar o pedido é do foro de São Paulo, tendo em vista o disposto no art. 2º da Lei 7.347/1985:

“Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

Para todos os termos e atos processuais, deverá ser intimado pessoalmente o 4o Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, nos termos do art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil, no endereço acima mencionado.

4 – DO PEDIDO

Em face do exposto, distribuída e autuada esta com os documentos que a instruem, requer o Ministério Público a Vossa Excelência:

A) a prévia notificação e posterior citação dos demandados para que, querendo, apresentem resposta no prazo legal, sob pena de se submeterem aos efeitos da revelia (art. 17 da Lei 8.429/1992).

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B) a intimação pessoal do 4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital de todos os atos e termos processuais.

C) a intimação do Estado de São Paulo, por intermédio do Dr. Procurador Geral do Estado para que, em 15 dias, intervenha na relação processual como litisconsorte ativo ou se abstenha de se manifestar.

D) Seja julgada procedente a presente ação para:

I) condenar o demandado GUILHERME AFIF DOMINGOS, nos termos do art. 11, caput e inciso I, e art. 12, III, da Lei 8.429/1992, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, ao pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração bruta mensal por ele percebida como Secretário do Estado na época (tudo devidamente corrigido e com juros), à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

II) condenar a demandada MARIE SUGIYAMA, nos termos do art. 11, caput e inciso I, e art. 12, III, da Lei 8.429/1992, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, ao pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração mensal por ela percebida na época da elaboração do laudo supramencionado (tudo devidamente corrigido e com juros) e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de três anos; e

III) condenar a demandada ELISABETE APARECIDA LOPES, nos termos do art. 11, caput e inciso I, e art. 12, III, da Lei 8.429/1992, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, ao pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração mensal por ela percebida na época da elaboração do laudo supramencionado (tudo devidamente corrigido e com juros) e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou

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indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de três anos;

IV) condenar, nos termos do art. 11, caput e inciso I, e art. 12, III, c.c. art. 3º da Lei 8.429/1992, a KPB – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA. e a SUNDAYS PARTICIPAÇÕES LTDA. ao pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração mensal recebida por GUILHERME AFIF DOMINGOS na época dos fatos (tudo devidamente corrigido e com juros) e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócias majoritárias, pelo prazo de três anos.

E) Sejam os valores pagos pelos demandados destinados aos cofres do Estado de São Paulo.

F) Sejam os demandados condenados ao pagamento de quaisquer custas processuais, mas dispensados dos honorários advocatícios, que são incabíveis em ações do Ministério Público.

5 – VALOR DA CAUSA

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Nestes termos,

p. deferimento.

São Paulo, 24 de junho de 2015.

SILVIO ANTONIO MARQUES

Promotor de Justiça