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          TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 02 Relator: Juiz Fernando Armando Ribeiro Revisor: Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos Origem: Ação Civil Pública n° 0702.06.312850-9 - 2ª Fazenda Pública - Comarca de Uberlândia Julgamento: 15/07/2009 Publicação: 30/07/2009 Decisão: majoritária: SUSCITADO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA PERANTE O STJ. VENCIDOS OS JUÍZES CEL.PM JAMES FERREIRA SANTOS E CEL. BM OSMAR DUARTE MARCELINO. SUMÁRIO Ação de Improbidade Administrativa – Rediscussão sobre a competência da Justiça Militar – Conflito negativo de competência suscitado. EMENTA - A decisão sobre a perda do posto e da patente dos oficiais, bem como da graduação das praças, está inserida na competência que foi deferida pela Constituição Federal à Justiça Militar. - O raciocínio a ser adotado para analisar a competência para o julgamento das ações de improbidade administrativa deve estar alinhado com a compreensão que prevalece neste Tribunal de Justiça Militar a respeito da abrangência do ato administrativo disciplinar. São inúmeros os precedentes desta Corte no sentido de que tais atos não podem ser entendidos em um sentido restritivo, como atos meramente punitivos. - Os atos administrativos disciplinares tampouco se resumem àqueles decorrentes do exercício da efetiva aplicação do poder disciplinar da Administração Pública. Estabelecer uma diferenciação entre ato disciplinar e ato indisciplinado gera uma distinção que a própria lei não faz. - A moderna hermenêutica vem-nos ensinar que a interpretação sistemática, no Direito, muito mais do que um método é condição de possibilidade. Vale dizer, nunca podemos acessar o sentido de qualquer texto normativo isoladamente, mas AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 02

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AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 02Relator: Juiz Fernando Armando RibeiroRevisor: Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos AnjosOrigem: Ação Civil Pública n° 0702.06.312850­9 ­ 2ª Fazenda Pública ­ Comarca

de UberlândiaJulgamento: 15/07/2009Publicação: 30/07/2009Decisão:  majoritária:  SUSCITADO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIAPERANTE O STJ. VENCIDOS OS JUÍZES CEL.PM JAMES FERREIRA SANTOSE CEL. BM OSMAR DUARTE MARCELINO. 

SUMÁRIOAção   de   Improbidade   Administrativa   –   Rediscussão   sobre   a   competência   daJustiça Militar – Conflito negativo de competência suscitado.

EMENTA­  A decisão  sobre  a perda do posto  e da patente  dos oficiais,  bem como dagraduação   das   praças,   está   inserida   na   competência   que   foi   deferida   pelaConstituição Federal à Justiça Militar. 

­ O raciocínio a ser adotado para analisar a competência para o julgamento dasações de improbidade administrativa deve estar alinhado com a compreensão queprevalece  neste  Tribunal   de   Justiça  Militar   a   respeito   da  abrangência  do  atoadministrativo disciplinar. São inúmeros os precedentes desta Corte no sentido deque  tais  atos  não podem ser  entendidos  em um sentido   restritivo,  como atosmeramente punitivos.

­ Os atos administrativos disciplinares tampouco se resumem àqueles decorrentesdo exercício da efetiva aplicação do poder disciplinar da Administração Pública.Estabelecer uma diferenciação entre ato disciplinar e ato indisciplinado gera umadistinção que a própria lei não faz.

­ A moderna hermenêutica vem­nos ensinar que a interpretação sistemática, noDireito, muito mais do que um método é condição de possibilidade. Vale dizer,nunca podemos acessar o sentido de qualquer texto normativo isoladamente, mas

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apenas inserido numa trama de outros sentidos que de várias maneiras com elese relacionam.

­   Partindo   dessas   premissas,   sobretudo   considerando   as   mais   modernascontribuições  da hermenêutica,  e  buscando   recuperar  o  arquétipo  sistemático­normativo que consolida a edificação da Justiça Militar, a decisão mais coerente eadequada,   não  apenas   com as   construções   jurisprudencial   ou  doutrinária   atéentão promovidas – que devem ter como característica mesmo serem sempremutáveis   e   passíveis   de   revisão   –,   mas,   sobretudo,   com   o   sistema   jurídicobrasileiro – este sim pressuposto primacial garantidor da unidade do Direito sob opálio  da  constitucionalidade –,  é  no sentido de  que a competência  da JustiçaMilitar   prevista   no   art.   125,   §   4º,   da   Constituição   da   República   abrange   ojulgamento dos atos de improbidade administrativa.

­ Nossos Tribunais, no intuito de conferir efetividade às normas constitucionais,respeitando   os   princípios   ali   insertos,   realizam   sua   interpretação   de   formaampliativa. ­ Não podemos interpretar o ditame do § 4º do   art. 125 da Constituição senãoampliando a sua incidência para entender que o ato disciplinar é todo ato afeto àdisciplina e à organização da instituição ou do órgão do qual o militar faz parte.Sendo da competência da Justiça Militar o julgamento da ação de improbidadeadministrativa, a consequência imediata é que cabe a essa justiça especializadaaplicar todas as penas previstas na Lei n° 8.429, de 1992, quais sejam: perda dafunção pública; suspensão dos direitos políticos de 03 (três) a 05 (cinco) anos;pagamento  de  multa  civil  no valor  de  até  cem vezes o valor da  remuneraçãopercebida pelo agente; proibição de contratar com o Poder Público, ou receberbenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda quepor intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de trêsanos. Neste sentido, destacamos o entendimento do Ministério Público Federal noConflito de Competência n.º 90.547/MG. 

­ Competência da Justiça Militar. Todavia, em vista do posicionamento adotadopor esta Corte Castrense nas Ações de Improbidade Administrativa nº 01 e 04, epela   necessidade   da   análise   e   aprofundamento   da   matéria   pelos   Tribunais

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Superiores,   por   medida   de   cautela,   faz­se   necessário   suscitar   o   conflito   decompetência. 

­ Conflito negativo suscitado.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os presentes autos da Ação Civil de ImprobidadeAdministrativa nº 02, sendo autor o Ministério Público do Estado de Minas Gerais,réus  Renato  dos  Reis,  Antônio  Pires  Maciel   e  Maximiano   Eduardo  Pereira   eadvogados  o  Dr.  Leandro  Araújo  Lúcio,  o  Dr.  Marcos  Tadeu  Quirino  e  o  Dr.Alberto Pablo Costa Silveira, acordam os Juízes do Tribunal Pleno, por maioria devotos, em suscitar conflito negativo de competência perante o Superior Tribunalde Justiça. Vencidos  os  Juízes  Cel  PM James  Ferreira  Santos  e  Cel  BM Osmar  DuarteMarcelino, que firmaram a competência da Justiça Militar para processar e julgar ofeito.

RELATÓRIOTrata­se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, com pedidoliminar de afastamento de servidor público, em face de Renato dos Reis, AntônioPires Maciel e Maximiano Eduardo Pereira, pela prática de tortura e violação aprincípios da Administração Pública, ajuizada perante a vara cível da Comarca deUberlândia/ Minas Gerais. Narra o Ministério Público que, para extrair informações acerca de furto ocorridona   casa   de   um   dos   Requeridos,   eles   efetuaram   a   prisão   ilegal   de   MárcioFernandes  e  Alexandre  Benedito  da  Silva  e  contra  estes  desferiram  diversaspauladas nas pernas, nádegas, pés e mãos. O Ministério Público pediu, liminarmente, o afastamento dos Requeridos de seuscargos   públicos.  Ao   final,   pediu  a   condenação  dos  deles  à   perda  da   funçãopública;  suspensão dos  direitos  políticos  de   três a cinco  anos;  pagamento  demulta civil no valor de 80 (oitenta) vezes da remuneração recebida; proibição decontratar   com o  poder  público,  ou   receber  benefícios  ou   incentivos   fiscais  oucreditícios, pelo prazo de três anos.A MMa. juíza de Direito da Vara Cível da Comarca de Uberlândia determinou quefossem os autos encaminhados para a Vara da Fazenda Pública e Autarquias. O

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e.   juízo da Vara da Fazenda,  porém, declinou da competência,  suscitando­se,assim, o conflito negativo, julgado procedente pelo TJMG, no sentido de fixar acompetência  do  Juiz  de  Direito  da  Vara  da  Fazenda  Pública  e  Autarquias  daComarca de Uberlândia. Resolvido o conflito e dado prosseguimento ao feito, foram, então, os Requeridosnotificados a apresentarem suas manifestações escritas. Nestas, os Requeridosalegaram,   em   síntese,   carência   de   ação   por   falta   de   interesse   processual,argumentando que não existe previsão legal que autorize o ajuizamento de açãocivil   pública   para   a   responsabilização   do   agente   público   acusado   de   ato   deimprobidade administrativa; carência de ação, por falta de interesse processual,tendo em vista que os atos combatidos foram praticados contra particular, e nãocontra   a   Administração   Pública,   direta   ou   indireta,   como   exige   a   lei   para   aconfiguração de improbidade administrativa. Pediu, assim, que fosse rejeitada, inlimine, a ação, com a consequente extinção do processo.O Estado de Minas Gerais apresentou contestação alegando que ao MinistérioPúblico falta interesse em propor a presente ação, tendo em vista que os fatosenumerados  na   inicial   já   ensejaram procedimento  administrativo.  Argumentou,ainda,   que   se  mostra   curioso  o   fato   de  o  Ministério  Público   valer­se  da   “viaespecial”   para   o   caso   dos   autos,   quando   há   procedimentos   próprios,administrativos e penais e até mesmo civis para a análise e solução das questõesaqui debatidas; que a utilização da ação civil pública para o caso dos autos estáalém da competência constitucional atribuída ao MP.Às   fls.   312/319,  o  Ministério  Público  manifestou­se  sobre  a  defesa  preliminarapresentada pelo Estado de Minas, argumentando que a legitimidade do MP paraa ação civil  pública  encontra  supedâneo  legal  e que os atos  praticados pelosmilitares   estão   inseridos   dentro   da   conceituação   de   “ato   de   improbidadeadministrativa”   oferecida   pela   Lei   n°   8.429/92.   Argumentou,   ainda,   que   aspreliminares alegadas constituem uma defesa periférica, “que não leva em contao tratamento jurídico e sistemático que a matéria reclama para conclusões maisacertadas”  (fl.   319).   Pede,   assim,   sejam   as   alegações   do   Estado   de   Minasinteiramente  rechaçadas,  e  recebida a ação,  com o deferimento do pedido deafastamento cautelar dos Requeridos.Às fls. 320/324, o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquiasda Comarca de Uberlândia/MG recebeu a inicial e deferiu o pedido liminar paraafastar preventivamente os Requeridos do exercício de seus respectivos cargos

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na Polícia Militar, enquanto perdurar o processamento do feito, sem prejuízo desua remuneração. Contra a decisão de deferimento da liminar, foi interposto agravo de instrumentoperante o Tribunal  de Justiça de Minas Gerais,  no qual   foram alegadas pelosRequeridos incompetência absoluta da Justiça comum para o conhecimento dofeito, falta de autorização legal ao MP para ajuizar a ação civil pública no caso emquestão e não configuração de ato de improbidade administrativa, tendo em vistaque a infração, em tese, cometida pelos Requeridos foi contra um particular, enão contra a Administração Pública. Argumentaram, ainda, os então Agravantes,que os motivos que  fundamentaram a decisão pela  concessão da  liminar  sãoinconsistentes, tendo em vista que a presença dos militares na Corporação nãoofereceria risco à sociedade, considerando­se que os fatos que deram ensejo aoprocesso ocorreram há mais de quatro anos e que a decisão proferida está contraas provas apresentadas nos autos. O   Desembargador   Plantonista   concedeu   o   efeito   suspensivo   pleiteado,determinando a reintegração dos policiais às suas funções. (fls. 397/398)Às   fls.   621/633,   o   Ministério   Público   apresentou   impugnação   à   contestação,reafirmando   as   teses   já   apresentadas,   acrescendo,   ainda,   a   defesa   dacompetência  da  Justiça comum para  o  julgamento  do   feito  e  manifestando­secontra a suspensão do processo até o julgamento da ação penal em trâmite na 1ªVara Criminal. O Tribunal  de Justiça de Minas Gerais deu provimento ao agravo,  acatando apreliminar de incompetência absoluta da Justiça Comum determinando a remessados autos da ação civil pública a esta Justiça Militar, conforme cópia juntada àsfls. 635/639.Foram, então, os autos encaminhados a este Tribunal e, regulamente distribuídos,vieram­me conclusos. É o relatório.

RELATÓRIO COMPLEMENTAR Após o relatório de fls. 642/644, os autos do presente processo foram conclusosao Juiz Revisor. Realizada a revisão, os autos do processo foram novamente remetidos ao JuizRelator,  que determinou  a  abertura  de   “vista”  ao  douto  Procurador  de  Justiçaoficiante nesta e. Corte Castrense (fl. 646). 

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O i. Procurador de Justiça, Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto manifestou­se às fls.647/651, informando que a questão do presente feito assemelha­se à Ação Civilde Improbidade Administrativa n°  01/07,  na qual  esta e.  Corte Castrense,  porunanimidade de votos, declarou a incompetência da Justiça Militar para conhecerda aludida ação e suscitou o conflito negativo de competência para o ColendoSuperior Tribunal de Justiça.Discordando   do   entendimento   apresentado   no   julgamento   retromencionado,manifestou­se no sentido de que a matéria  em questão é  de competência  daJustiça Especializada, fundamentou seu entendimento no disposto no art. 125, §4°,   da   CF/88,   bem   como   no   parecer   apresentado,   no   mencionado   ConflitoNegativo de Competências, pelo Subprocurador­Geral da República, Dr. MoacirGuimarães Morais Filho. Deixou de manifestar­se sobre o mérito do processo, porentender que haveria supressão de instância.Ao final, pugnou pela competência da Justiça Militar para atuar na presente açãoe pela remessa dos autos ao primeiro grau de jurisdição militar, para que, destaforma, haja o regular desenvolvimento processual. É o relatório complementar. 

VOTOSJUIZ FERNANDO ARMANDO RIBEIRO, RELATORTrata­se  de  ação  civil  pública  ajuizada  pelo  Ministério  Público  contra  policiaismilitares por ato de improbidade administrativa consistente na prática de torturacontra civis. A ação iniciou­se perante a Justiça Comum e, no bojo de agravo de instrumentointerposto pelos Requeridos, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,acolhendo a preliminar de incompetência da Justiça Comum, determinou fossemos autos encaminhados a esta Justiça Militar. A primeira questão a ser enfrentada diz respeito, pois, a competência da JustiçaCastrense para o conhecimento do presente feito. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais fundamentou sua posição nas alteraçõespromovidas   pela   EC/45,   considerando   que  a  competência   para   apreciação   ejulgamento de matéria envolvendo militares é exclusiva da Justiça Militar (fl. 637).Apoiou­se, ainda, em jurisprudência daquela Corte, que firma a competência daJustiça Castrense para processar e julgar a perda de função pública do militar,

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inclusive   quando   tal   pedido   for   realizado   no   bojo   de   ação   de   improbidadeadministrativa.Diante  da  alteração  constitucional   levada  a  efeito  pela  EC/45,     vêm surgindopontos  de  vista  diversos,   como  é   natural  e   salutar  para  o  aprimoramento  daaplicação da norma. E um dos pontos que desperta controvérsia é justamente aquestão da competência para o julgamento de militares pela prática de atos deimprobidade administrativa.A   discussão   sobre   a   competência   da   Justiça   Militar   Estadual   para   julgar   osprocessos   referentes   a   improbidade   administrativa   iniciou­se   com   a   Ação   deImprobidade Administrativa n° 01, na qual o Pleno desta Corte, por unanimidadede   votos,   decidiu   suscitar   conflito   negativo   de   competência   perante   o   STJ,entendendo  ser  da  competência  da  Justiça Comum Estadual  a  análise  de   talquestão.Inicialmente, a discussão cingia­se em torno da definição se o ato de improbidadeadministrativa  seria  ou  não  um ato  disciplinar.  O   i.   Juiz  Fernando  Galvão  daRocha, no voto proferido na ação retromencionada, sustentou que a Justiça MilitarEstadual   somente   seria   competente   para   julgar   a   ação   de   improbidadeadministrativa quando o ato ímprobo se consubstanciasse em ato administrativodisciplinar   militar,   afastando­se   a   competência   da   Justiça   Militar,   quando   setratasse de mero ato indisciplinado, cuja competência para o julgamento recairiasobre a Justiça Comum Estadual. No agravo de instrumento nº 71, o  i.  Juiz Cel PM Sócrates  Edgard dos Anjosentendeu que deveria haver um desmembramento do julgamento, de forma que àJustiça   Comum   de   primeiro   grau   caberia   julgar   a   ação   de   improbidadeadministrativa, ficando reservado ao TJM apreciar a perda do cargo ou funçãopública do militar. Segue passagem extraída do voto do nobre colega, que ilustrao referido entendimento:  

Desta forma, primeiramente, caberá à Justiça Comum de primeiro grau apreciar ejulgar a ação de  improbidade administrativa e,  após  transitada a sentença emjulgado, se for o caso, caberá a este egrégio Tribunal Castrense, julgar e decretara perda do cargo ou função pública de policial militar.

O Juiz Cel PM Rúbio Paulino Coelho seguiu a mesma tese, apoiando­se em votoemitido   pelo   Ministro   Joaquim   Barbosa   na   Reclamação   nº   2.138,   no   qual   o

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eminente Ministro  fixou o entendimento que a  justiça de primeiro grau poderiadecretar todas as sanções previstas na lei de improbidade administrativa contraautoridades detentoras da prerrogativa de foro, com exceção da perda do cargopolítico, conforme se vê a seguir:  A EC 45/2004 conferiu competência cível à Justiça Militar, porém, limitada essacompetência para o processamento e julgamento das ações judiciais contra atosdisciplinares militares, o que não atrai, por si só, a competência para conhecertodo e qualquer tipo de ação cível, como a prevista na Lei nº 8.429/92 (Lei deImprobidade Administrativa), sob pena de se criar competência material onde aConstituição   não  previu,   salvo,  é   claro,   se   a  ação   de   improbidade   tiver   sidointentada exclusivamente contra ato disciplinar,  o que,  num primeiro momento,seria de competência da Justiça Militar de primeira instância para dela conhecere, havendo possibilidade de decretação da perda do cargo, remetê­la ao Tribunalde Justiça Militar respectivo.Dessa forma, com exceção às ações judiciais contra atos disciplinares militares,as demais ações de natureza civil são de competência da Justiça Comum.

Com o advento de novas ações de improbidade administrativa, que possibilitaramum aprofundamento  maior  das   reflexões  sobre  o   tema,  abriu­se  oportunidadepara novos posicionamentos. De   minha   parte,   depois   de   profunda   reflexão   sobre   o   tema,   reformuloentendimento anteriormente sustentado e, na linha do posicionamento abraçadopelo e. Juiz Cel. Osmar Marcelino (Ação de Improbidade Administrativa n°  04,Relator: Juiz Fernando Galvão da Rocha, julgado no dia 15/04/2009), concluo queo raciocínio a ser adotado para analisar a competência para o julgamento dasações de improbidade administrativa deve estar alinhado com a compreensão queprevalece  neste  Tribunal   de   Justiça  Militar   a   respeito   da  abrangência  do  atoadministrativo disciplinar. São inúmeros os precedentes desta Corte no sentido deque  tais  atos  não podem ser  entendidos  em um sentido   restritivo,  como atosmeramente punitivos. É esse, inclusive, o posicionamento que perfilho, com baseem justificativas  já  apresentadas em diversas oportunidades.  Por   todas,  cito  oconflito de competência nº 04, do qual extraí a seguinte passagem:  

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(...)   nos   parece   o   entendimento   que   melhor   acolhe   o   espírito   da   EmendaConstitucional nº 45, que veio conferir maiores garantias aos litigantes que estãosob o manto de nossa  jurisdição, ao ampliar  a competência da Justiça Militar.Parecem­nos desautorizadas tentativas de limitar a previsão constitucional. (CONFLITO DE COMPETÊNCIA  Nº  004.  Origem:  Mandado  de  Segurança  nº498/07 – AC – 2ª AJME. Relator: Juiz Jadir Silva)

Acrescento, na oportunidade, que os atos administrativos disciplinares tampoucose   resumem  àqueles  decorrentes  do  exercício   da  efetiva  aplicação  do  poderdisciplinar   da   Administração   Pública.   Ouso,   nesse   ponto,   discordar   do   nobrecolega Fernando Galvão, quanto à importância por ele conferida à diferenciaçãoentre ato administrativo disciplinar e ato indisciplinado para o caso em apreço. Emque pese a  consistência analítica  da fundamentação de seu ponto de vista, oseu posicionamento cria uma distinção que a própria lei não o fez. Além disso,penso  que   tão   importante  quanto  a   coerência   interna  da   fundamentação  dasdecisões  judiciais  é  a  necessidade de coerência  dos argumentos  em vista  dosistema jurídico, consideradas aqui a legitimidade e segurança das decisões. Éque, como ressalta Alexandre Pasqualini:

No fundo,  a coerência formal é  apenas a primeira, a mais  inferior  e a  menossólida expressão de unidade. Unidade das unidades será sempre a que emergirda coerência materialmente valorativa, no permanente e aberto jogo concertadodos fins intrínsecos a cada uma e a todas as normas jurídicas. Em se tratando desistema  jurídico,  não se pode,  pura e singelamente,  pressupor  uma coerêncianormativa anterior ou apartada do mundo da vida. É  diante do caso concreto,pleno   de   contradições   axiológicas,   que   se   realiza   a   autêntica   e   atualizadacompatibilização dos múltiplos segmentos do ordenamento jurídico. (PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 1999. p. 78)

A moderna hermenêutica  vem­nos ensinar  que a  interpretação sistemática,  noDireito, muito mais do que um método é condição de possibilidade. Vale dizer,nunca podemos acessar o sentido de qualquer texto normativo isoladamente, masapenas inserido numa trama de outros sentidos que de várias maneiras com elese relacionam. Aliás, este vem a ser mesmo o grande embate do denominado

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movimento   pós­positivista,   que   aponta   para   as   desvantagens   do   movimentoanalítico justamente no que tange a perda da unidade do Direito. Neste sentido,inolvidáveis  são  as  contribuições,  no  cenário   internacional  de  Hans  Gadamer,Ronald Dworkin e, entre nós, Lênio Streck (STRECK, Lênio Luiz.  Hermenêuticajurídica  e(m)  crise.  Porto  Alegre:  Livraria  do  Advogado),  Eros  Grau   (Ensaio  ediscurso   sobre   a   interpretação/aplicação   do   direito.   São   Paulo:   Malheiros),Marcelo   Cattoni   (Jurisdição   e   hermenêutica   constitucional.   Belo   Horizonte:Mandamentos, 2004), Álvaro de Souza Cruz (Hermenêutica jurídica em debate.Salvador: Lumen Juris, 2007), Joaquim C. Salgado (Princípios hermenêuticos dosdireitos   fundamentais),   Luiz   Roberto   Barroso   (Interpretação   e   aplicação   daconstituição. São Paulo: Saraiva), entre tantos outros.Nas palavras do respeitado professor Juarez Freitas, a interpretação sistemática: 

decididamente   não   pode   ser   confundida   com   um   mero   elemento   ou   métodointerpretativo, porque somente uma exegese que realize tal ordenação é capaz deestabelecer   o   alcance   teleológico   dos   dispositivos,   realizando   o   mister   deharmonizar os comandos, de sorte a guardar a unidade em meio à multiplicidadeaxiológica.

Como continua o doutrinador: 

não se pode considerar a  interpretação sistemática como um processo, dentreoutros, da interpretação jurídica. É, pois, a interpretação sistemática o processohermenêutico, por essência, do Direito, de tal maneira que se pode asseverar queou  se  compreende  o  enunciado  jurídico  no  plexo  de  suas  relações  com  oconjunto  dos  demais  enunciados,  ou  não  se  pode  compreendê­loadequadamente.  Neste  sentido,  é  de  se  afirmar,  com  os  devidostemperamentos,  que  a  interpretação  jurídica  é  sistemática  ou  não  éinterpretação. (FREITAS,   Juarez.  A   interpretação   sistemática  do   Direito.   2.   ed.,   São   Paulo:Malheiros. p. 53­56).

Partindo   dessas   premissas,   sobretudo   considerando   as   mais   modernascontribuições  da hermenêutica,  e  buscando   recuperar  o  arquétipo  sistemático­normativo que consolida a edificação da Justiça Militar, penso que a decisão mais

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coerente e adequada, não apenas com a construção jurisprudencial ou doutrináriaaté então promovidas – que devem ter como característica mesmo serem sempremutáveis   e   passíveis   de   revisão   –,   mas,   sobretudo   com   o   sistema   jurídicobrasileiro – este sim pressuposto primacial garantidor da unidade do Direito sob opálio  da  constitucionalidade –,  é  no sentido de  que a competência  da JustiçaMilitar   prevista   no   art.   125,   §   4º,   da   Constituição   da   República   abrange   ojulgamento dos atos de improbidade administrativa. Afinal, pensar de outra formaensejaria problemas de difícil solução, e cuja configuração, esta sim, apresentar­se­ia como violadora de alicerces fundamentais e da estrutura lógica do sistema.E   a   concretude   trazida   pelo   mundo   da   vida,   ou   pela   dinâmica   concreta   daaplicação, não pode ser jamais desconsiderada!  Como seria  executada  a pena  que condenasse o agente  à  perda da  funçãopública, considerando o disposto no art. 125, § 4°, da CF/88? Esta sim se revelauma   norma   constitucional   cuja   textura   dificilmente   permitiria   a   restrição   ouextensão de sentidos que pudessem conferir à Justiça Comum competência paradeterminar   a   perda   de   posto   ou   de   patente   de   militares,   uma   vez   que   estacompetência constitui verdadeiro epicentro e eixo fundamental de estruturação detoda a Justiça Militar. O Juiz da Justiça Comum determinaria/estipularia a pena e depois remeteria osautos do processo a esta justiça especializada para viabilizar a sua execução? E   se   esta   Corte   possuir   entendimento   diverso   do   proferido   na   sentençaproveniente   da   justiça   comum?   Qual   decisão   prevalecerá?   Como   se   vê,   autilização de tal racionalidade analítica para interpretar a norma em apreço, muitoembora talvez corroborada em alicerces da lógica formal, colocar­nos­ia diante desérios   problemas   de   aplicação,   pondo   em   risco   a   unidade   hermenêutica   doDireito.   É   que,   como   conclui   o   Min.   Eros   Grau,   traduzindo   didaticamente   ospostulados na nova hermenêutica, “o Direito não se interpreta em tiras!” (GRAU,Eros Roberto.  Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. SãoPaulo: Malheiros, p. 40).Ademais, é de se destacar que a Constituição não deve ser lida como possuidorade um texto rigorosamente técnico e conceitualmente perfeito. Ao contrário, porser obra que se pretende do povo e voltada para todos, não poderíamos mesmointerpretar seus termos e expressões com o rigor que se espera da doutrina ou dajurisprudência.  Neste  sentido  é  o  entendimento  de  abalizados  autores.  Sacha

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Calmon Navarro Coelho, ao refletir sobre a linguagem do constituinte, assim seposiciona:

É  conveniente prevenir que o legislador, inclusive o constituinte, ao fazerleis,   usa  a   linguagem   comum   do   povo,   o   idioma   correntio.  Duas   razõesexistem para isso:  primus – o legislador não é necessariamente um cientista doDireito, um jurista. Provém da sociedade, multiforme como é, e a representa. Sãoengenheiros,   advogados,   fazendeiros,   operários,   comerciantes,   sindicalistas,padres, pastores,  rurícolas etc;  secundus  –  utilizam para expressar o direitolegislado as palavras de uso correntio do povo, cujo conteúdo é equívoco,ambíguo,   polissêmico   e,   muita   vez,   carregam   significados   vulgares,sedimentados   pelo   uso   e   pela   tradição.   É   dizer,   incorporam   na   lei   ascontradições da linguagem. Esta é uma fenomenologia comum a todos os povos.Nem   poderia   ser   diverso,   já   que   o   legislador   hodiernamente   representa   associedades de que participa. São eleitos pelos diversos estamentos sociais parafazerem   as   leis.  A   idéia   de   uma   Constituição   ou   de   leis   escorreitas,   emlinguagem culta, incorporando a metalinguagem dos juristas não passa depreconceito elitista quando não de pretensão tecnicista que mal esconde odesejo das classes dominantes de controlar a sociedade pela utilização doDireito. (Comentários   à   Constituição   de   1988   –  Sistema   Tributário,   Forense:   Rio   deJaneiro, p. 8­9). 

Aliás, na Constituição de 1988,  exemplos não faltam a atestar a  falta de rigortécnico de seus termos. A título de exemplos, podem­se citar os seguintes. Nocapítulo referente aos direitos fundamentais, ao ler­se o caput do art. 5º da MagnaCarta,   depara   o   exegeta   com   uma   redação   que,   não   fora   a   interpretaçãoelastecida   que   lhe   deram   a   doutrina   e   jurisprudência   pátrias,   terminaria   porimpingir grandes injustiças e situações verdadeiramente canhestras. Do seu textoconsta que, verbis:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo­seaos  brasileiros  e  aos  estrangeiros  residentes  no  País  a   inviolabilidade  dodireito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. 

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Ora,   se   nos   ativéssemos   a   uma   interpretação   literal   de   tal   dispositivo,terminaríamos   inevitavelmente  por   excluir   a   proteção  dos  direitos  e  garantiasfundamentais a brasileiros e estrangeiros que não tivessem residência fixada noPaís, mas por aqui estivessem apenas em trânsito, ou estada temporária! Mas oconstituinte não é técnico e essa não se faz a interpretação correta e que melhoratende aos desideratos do sistema.Outro exemplo de tal atecnicidade legislativa encontra­se no vocábulo  privativo,de que o constituinte se vale por vezes para dizer de competências que podemser   estendidas,   como   no   caso   do   art.   22   que,   ao   tratar   das   competênciaslegislativas   da   União,   abre   a   possibilidade   de   sua   extensão   aos   Estadosfederados.   Noutros   casos,   porém,   por  privativa  entende­se   competênciasexclusivas, que não podem ser de maneira alguma estendidas ou delegadas. Esteé  o  caso da  utilização  do vocábulo  no  caput  do  art.  52,  que   regulamenta  ascompetências do Senado Federal, dentre as quais figura a de processar e julgar oPresidente e o Vice­Presidente da República nos crimes de responsabilidade. Ademais,   nossos   Tribunais,   no   intuito   de   conferir   efetividade   às   normasconstitucionais, respeitando os princípios ali insertos, realizam sua interpretaçãode forma ampliativa. Cito como exemplo a interpretação que é conferida à norma referente à pensãopor   morte   no   que   se   refere   à   união   homoafetiva.   Embora   esta   não   estejaexpressamente prevista na Constituição de 1988, implicitamente ela se encontraassegurada  pela  Carta  Constitucional,   inclusive  no  que  se   refere  a  benefíciosprevidenciários. Tal assertiva tem como fundamento, primeiramente, o direito e agarantia fundamental da igualdade de todos perante a lei,  insculpido no art.  5ºdeste mesmo diploma.  Além disso, o art. 226, § 3º, do mesmo texto, reconhece aunião estável como entidade familiar a ser tutelada pelo Estado. Embora o textolegal utilize­se da expressão “união entre homem e mulher”, ao tomar por base ojá  mencionado  art.   5º,   bem como  o   fundamento  máximo  da  CR/88,  que  é   apromoção da dignidade humana, inserida neste dispositivo, implicitamente passa­se a considerar a entidade familiar homoafetiva. Portanto, ao se estabelecer odireito à pensão por morte ao cônjuge ou companheiro e dependentes, o inciso Vdo art.  201 da CR/88 deve ser  interpretado como estando aí   incluída a uniãohomoafetiva.   Igual   entendimento   encontra­se,   inclusive,   pacificado   najurisprudência  de  nossos   tribunais   (STJ  ­  Resp 39504/RS – Recurso  Especial2001/0189742 – 6T – Min. Hélio Quaglia Barbosa – DJ 06/02/2006, P. 365).  

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Com estas considerações, entendo que não podemos interpretar o ditame do § 4ºdo art. 125 da Constituição senão ampliando a sua incidência para entender queo ato disciplinar é todo ato afeto à disciplina e à organização da instituição ou doórgão  do  qual  o  militar   faz  parte.  Sendo  da  competência  da  Justiça Militar  ojulgamento da ação de  improbidade administrativa,  a consequência   imediata éque cabe a essa justiça especializada aplicar todas as penas previstas na Lei n°8.429, de 1992,  quais sejam, perda da função pública; suspensão dos direitospolíticos de 03 (três) a 05 (cinco) anos; pagamento de multa civil no valor de atécem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; proibição de contratarcom o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio   majoritário,   pelo   prazo   de   três   anos.   Neste   sentido,   destacamos   oentendimento   do   Ministério   Público   Federal   (Conflito   de   Competência   n.º90.547/MG): 

(...)23.  Relevante   também  é   lembrar   que  a   Justiça  Militar   tem competência  para

aplicação das penas de suspensão de direitos políticos e inabilitação para oexercício  de   função  pública.  Estas  penas  estão  previstas  no  art.  98  comopenas acessórias,  muito antes portanto, do advento da Lei de ImprobidadeAdministrativa (Lei n.º 8.429/92): 

CAPÍTULO VDAS PENAS ACESSÓRIAS Penas Acessórias Art. 98. São penas acessórias: I ­ a perda de posto e patente; II ­ a indignidade para o oficialato; III ­ a incompatibilidade com o oficialato; IV ­ a exclusão das forças armadas; V ­ a perda da função pública, ainda que eletiva; VI ­ a inabilitação para o exercício de função pública; VII ­ a suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela; VIII ­ a suspensão dos direitos políticos. Função pública equiparada 

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Parágrafo  único.  Equipara­se  à   função  pública  a  que é  exercida  em empresapública, autarquia, sociedade de economia mista, ou sociedade de que participe aUnião, o Estado ou o Município como acionista majoritário.  24.  Assim, não parece absurdo uma ação de improbidade administrativa contra

servidor militar ser processada e julgada na Justiça Militar. (...).

Pode, portanto, a Justiça Militar aplicar a lei, em sua plenitude. É esse o entendimento que, em nosso sentir, melhor está afinado tanto com osistema   jurídico­constitucional   pátrio   quanto   com   os   objetivos   da   lei   deimprobidade administrativa, que prevêem um rigor redobrado,  de forma a inibircomportamentos lesivos à Administração Pública. Entretanto, por medida de cautela, em vista do posicionamento adotado por estaCorte Castrense nas Ações de Improbidade Administrativa n°  01 e 04,  e pelanecessidade da análise e aprofundamento da matéria pelos Tribunais Superiores,voto no sentido  de que este Tribunal  Castrense suscite o conflito  negativo  decompetência perante o Superior Tribunal de Justiça. É como voto.

JUIZ CEL PM SÓCRATES EDGARD DOS ANJOS, REVISORCuida­se   de   ação   civil   de   improbidade   administrativa   aviada   pelo   MinistérioPúblico,  com pedido  liminar de afastamento dos policiais militares,  Renato dosReis,   Antônio   Pires   Maciel   e   Maximiano   Eduardo   Pereira,   de   seus   cargospúblicos. Ao final, o RMP requer a condenação dos mesmos à perda da funçãopública,  suspensão dos  direitos  políticos  de   três a cinco  anos;  pagamento  demulta civil no valor de oitenta vezes o valor da remuneração recebida; proibiçãode contratar com o poder público, ou receber incentivos fiscais ou creditícios, peloprazo de três anos.Mantenho o meu entendimento já esposado quando do julgamento da Ação Civilde   Improbidade   Administrativa   nº   01,   ação   esta   pendente   de   julgamento   noegrégio Superior Tribunal de Justiça até a presente data. Na referida ação, meposicionei   desfavoravelmente   ao   reconhecimento   da   competência   da   JustiçaMilitar   para   julgar   ação   de   improbidade   administrativa,   considerando   que   acompetência   da   justiça   castrense   se   restringe   às   ações   judiciais   contra   atos

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disciplinares militares e crimes militares, expressamente prevista na ConstituiçãoFederal, em seu art. 125, § 4º, do CPM.Entendo que quando o caso concreto  remeter­se a  improbidade administrativarelacionada  a  policiais  militares,  a   justiça comum deverá  ser  acionada  para  aobtenção,   se   for   o   caso,   da   suspensão   dos   direitos   políticos   do   agente,ressarcimento do dano causado pelo agente ao erário, decretação da perda dosbens   acrescidos   ilicitamente,   proibição   de   contratar   com   o   poder   público,   oureceber  incentivos fiscais ou creditícios, direta ou  indiretamente, ainda que porintermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,  já que se trata dematéria de caráter eminentemente civil, e que não pode ser examinada na esferacastrense,  pois,  como mencionado alhures,  apenas processa e  julga  feitos  decunho penal e relativos a ações cíveis contra atos disciplinares.Mister   frisar   que  mesmo   tendo   a  EC   45/2004  atribuído   competência   cível,   àJustiça Militar para processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinaresmilitares,  não conferiu  à  Justiça Castrense competência para  conhecer   toda equalquer ação cível relacionada a militares.Assim, a competência para processar e julgar a presente ação de improbidadeadministrativa é da Justiça Comum. Entretanto, a decretação da perda do cargopúblico caberá  exclusivamente  a esta Corte  Castrense processá­la e  julgá­la,com supedâneo no art. 125, § 4º, parte final, da Constituição Federal.A referida norma constitucional não se refere apenas à competência quando aperda do cargo ou função pública constituir pena acessória de uma condenaçãoCriminal, mas fixa a competência do Tribunal de Justiça Militar para decidir sobrea  perda  do  posto  e  da  patente  dos  oficiais  e  da  graduação  das  praças,  emqualquer situação.Reafirmo,  ainda,  o meu entendimento de que,  para o policial  militar,  a  funçãopública  está   atrelada  ao  posto  e  patente  e  à   graduação,   não   concebendo  aexistência   de   um   militar,   principalmente   da   ativa,   que   possua   um   posto   ougraduação e não possa exercer uma função. O militar tem este direito previsto noEstatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais (Lei nº 5.301/69). Sendo, assim,inseparáveis, caberá sempre ao TJM decidir sobre a perda do posto e da patentedos oficiais e da graduação das praças.Neste   sentido   têm­se   a   resolução   do  Habeas   Corpus  nº   34.453   –   MG2004/00401591   a   Sexta   Turma   do   Colendo   Superior   Tribunal   de   Justiça,publicado em 26/02/2007. Por unanimidade, afirma que:

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(...) Entretanto, no que se refere à competência para condenação acessória deperda do cargo ou função, verifico que o art. 125, § 4º da Constituição Federal éexpresso em determinar que: (grifei)

Art.   125.   Os   Estados   organizarão   sua   justiça,   observados   os   princípiosestabelecidos nesta Constituição.§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militaresnos crimes militares,  definidos  em  lei,  cabendo ao  tribunal  competente  decidirsobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Opreceito é inequívoco: só por decisão do tribunal competente é que as praças daspolícias  militares   poderão   perder   sua  graduação.   (segunda   parte   do  §   4º   daCF/88). Destaco por oportuno, que em Minas Gerais, a Justiça Militar foi criadapela  Lei  nº  226,  de  09  de  novembro  de  1937   (Organiza  a  Justiça  Militar  doEstado).(...)Contudo,  deve  ser  concedida  ordem  tão  somente  quanto  à  incompetência  dajustiça  comum  de  primeiro  grau  para  aplicação  da  pena  acessória  de  perda  dafunção ou cargo público do militar. (grifei)Por isso,  CONCEDO EM PARTE A  ORDEM, para a Incompetência do juízo deprimeiro  grau  do  Tribunal  Estadual  para  a  decretação  de  perda  do  cargo  oufunção do militar, assim como a nulidade da pena correspondente imposta. (grifei)

Diante de tais considerações, tendo em vista que na Justiça Militar não se aplica aLei  Federal  nº  8.429,  de 02  de  junho de 1992,  suscito  o  conflito  negativo  decompetência, com a remessa dos presentes autos ao Colendo Superior Tribunalde Justiça.Entretanto,   mais   uma   vez   ressalto   que   é   competência   exclusiva   desta   CorteCastrense processar e julgar a perda do cargo dos policiais militares.É como voto.

JUIZ CEL PM JAMES FERREIRA SANTOS, VENCIDOConheço o processo, porque presentes os seus pressupostos de admissibilidade.

A   competência   desta   Justiça   Militar   para   apreciar   a   Ação   Civil   deImprobidade Administrativa, quando se tratar de perda da função pública pelos

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militares   estaduais,   já   constituiu   objeto   de   conflito   negativo   de   competência,suscitado na Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 001, que foi remetido aocolendo   Superior   Tribunal   de   Justiça.   Contudo,   no   presente   caso,   estouentendendo que a competência pertence a esta Justiça Militar Estadual, tendo emvista que a Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou o artigo 125, §§ 4º e 5º daConstituição   Federal   de   1988,   para,   além   de   crimes   militares,   incluir   acompetência cível da Justiça Militar Estadual, que passou a ser competente paraprocessar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares, verbis:

§   4º   Compete   à   Justiça   Militar   estadual   processar   e   julgar   os   militares   dosEstados,  nos crimes militares definidos em lei  e  as  ações  judiciais  contra  atosdisciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil,cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dosoficiais e da graduação das praças.  (Redação dada pela Emenda Constitucionalnº 45, de 2004)

§   5º   Compete   aos   juízes   de   direito   do   juízo   militar   processar   e   julgar,singularmente,  os  crimes  militares  cometidos  contra  civis  e  as  ações  judiciaiscontra  atos  disciplinares  militares,   cabendo   ao   Conselho   de   Justiça,   sob   apresidência  de   juiz   de   direito,   processar   e   julgar   os   demais   crimes  militares.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)         Além da competência para decidir a perda do posto e da patente dos oficiais, porcrime   militar,   nos   termos   do   art.   125,   §§   4º   e   5º,   há   que   se   reconhecer   talcompetência também em relação aos crimes comuns, segundo os artigos 42, § 1º,e 142, §§ 2º e 3º, VI e VII, que assim estabelecem: 

Art. 42 (...)§ 1º. Aplicam­se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios,além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do artigo 14, § 8º; do artigo 40,§ 9º; e do artigo 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre asmatérias do artigo 142, § 3º,  X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelosrespectivos governadores.

Art. 142 (...)

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(...)VI – O oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato oucom ele  incompatível,  por decisão de tribunal  militar de caráter  permanente,  emtempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;

VII – O oficial condenado na Justiça comum ou militar a pena privativa de liberdadesuperior a 2 (dois) anos, por sentença transitada em julgado, será submetido aojulgamento previsto no inciso anterior;

Como se vê, em caso de crime comum, combinando­se o artigo 42 com o art. 142,incisos VI e VII, da CR/88, constata­se que não só os oficiais, mas também a praça,somente  perderão o posto  ou  a  graduação,  por  decisão do Tribunal  de JustiçaMilitar, nos Estados que os possuem ou Tribunal de Justiça onde não existirem osprimeiros. Além disso, o art. 111 da Constituição Estadual assim estabelece:

Art. 111 – Compete à Justiça Militar processar e julgar o policial militar e o bombeiromilitar em crime militar definido em lei, e ao Tribunal de Justiça Militar, decidir sobrea perda do posto e da patente de oficial e da graduação de praça.   A Lei nº 8.429/92 dispõe sobre os atos de improbidade administrativa, impondo,entre outras sanções, a decretação judicial da perda da função pública, conformedisposto   no   art.   12,   impondo   que   todos   os   servidores   públicos,   incluindo   osmilitares  estaduais,   submetam­se  às   sanções  prescritas  na   aludida   legislaçãoespecial.  Tal entendimento da referida lei não nos parece correto, pois fere todosos dispositivos constitucionais acima informados.No caso em lide, ao que se extrai dos autos, os militares teriam cometido tantocrime quanto ato disciplinar e, por isso, compete à Justiça Militar Estadual avaliarse o militar deve ou não permanecer na Corporação.

É como voto. 

JUIZ FERNANDO GALVÃO DA ROCHASrs. Juízes, continuo a entender que a Justiça Militar é incompetente para julgar aação civil pública que não visa desconstituir um ato administrativo disciplinar. Estefoi o entendimento unânime desta Corte no julgamento da Ação Civil Pública nº

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01,  que suscitou  o conflito  negativo  de  competência  e   remeteu  a  questão  aoColendo Superior Tribunal de Justiça.O provimento judicial pleiteado na presente ação, que visa à perda da graduaçãodas praças, não está inserido no âmbito da competência civil que foi deferida pelaConstituição da República à Justiça Militar, no § 4º de seu art. 125. Na  alusão  que  o  dispositivo  constitucional   faz  à   competência  civil   da   JustiçaMilitar  estadual,   está   expressa  a  sua  vinculação  às  ações   judiciais  propostascontra  atos disciplinares.  Como a ação civil  pública  por  ato  de   improbidadeadministrativa somente pode provocar a jurisdição civil, só será da competênciada Justiça Militar a ação que venha a ser proposta contra um ato ímprobo queconstitua manifestação administrativa disciplinar.Cabe observar que a ação deve ser proposta contra o ato disciplinar e não contraa pessoa que o praticou. A competência civil da Justiça Militar é restrita aos casosem que a ação visa desconstituir um ato administrativo disciplinar. Neste aspecto,importa notar que, se a infração e a sanção são atos administrativos disciplinares,apenas será possível propor ação civil contra o ato administrativo sancionador. Acompetência  da  Justiça Militar  não  admite  ação   judicial  contra  o  autor  do  atoinfracional ou em decorrência do ato que constitui infração disciplinar. No caso concreto, o ato de improbidade administrativa narrado na petição inicialnão é ato administrativo disciplinar. Aos réus, está sendo imputada a prática decrime de tortura, que pode constituir infração disciplinar (ato indisciplinado), masnunca um ato disciplinar que define a competência cível da Justiça Militar. Poroutro   lado,  não se pode  considerar  que a presente  ação  tenha  sido  propostacontra um ato disciplinar.  A ação foi  proposta com base em um ato disciplinar(infração disciplinar), mas contra a pessoa que o praticou. A questão foi cuidadosamente examinada pelo Superior Tribunal de Justiça, emConflito Negativo de Competência nº 100.682 – MG envolvendo caso concretosubmetido a exame de nossa Justiça Estadual, quando ficou decidiu que:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.  AÇÃO CIVIL  DE  IMPROBIDADEADMINISTRATIVA PROPOSTA PELO MP CONTRA SERVIDORES MILITARES.AGRESSÕES   FÍSICAS   E   MORAIS   CONTRA   MENOR   INFRATOR   NOEXERCÍCIO   DA   FUNÇÃO   POLICIAL.   EMENDA   45/05.   ACRÉSCIMO   DEJURISDIÇÃO   CÍVEL   À   JUSTIÇA   MILITAR.   AÇÕES   CONTRA   ATOSDISCIPLINARES   MILITARES.   INTERPRETAÇÃO.   DESNECESSIDADE   DE

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FRACIONAMENTO DA COMPETÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 125, § 4º,IN   FINE,   DA   CF/88.   PRECEDENTES   DO   SUPREMO.   COMPETÊNCIA   DAJUSTIÇA COMUM DO ESTADO.

1. Conflito negativo suscitado para definir a competência ­ Justiça EstadualComum ou Militar  ­ Para julgamento de agravo de instrumento tirado de açãocivil por improbidade administrativa proposta contra policiais militares pela práticade agressões físicas e morais a menor  infrator no âmbito de suas funções, naqual o Ministério Público autor requer, dentre outras sanções, a perda da funçãopública.

2. São três as questões a serem examinadas neste conflito: a) competência para a causa ou competência para o recurso; b) limites da competência cível da Justiça Militar; e c) necessidade (ou não) de fracionar­se o julgamento da ação de improbidade.

3. Competência para a causa ou competência para o recurso:3.1. O julgamento do conflito de competência é realizado secundum eventum litis,ou   seja,   com   base   nas   partes   que   efetivamente   integram   a   relação,   e   nãonaqueles que deveriam integrar. De igual modo, o conflito deve ser examinadocom   observância   ao   estágio   processual   da   demanda,   para   delimitar­se,   comprecisão,   se   no   incidente   se   discute   a   competência   para   a   causa   ou   acompetência para o recurso.3.2.  Na  espécie,  o   juízo  estadual  de  primeira   instância  concedeu  em parte  orequerimento de suspensão cautelar dos réus na ação de  improbidade,  o quegerou recurso de agravo interposto pelo MP perante a Corte Estadual que,  semanular a decisão de primeira instância,  determinou a remessa dos autos aoTribunal Militar.3.3.  Discute­se, portanto,  a competência para o recurso, e não a competênciapara a causa. Nesses termos, como o agravo ataca decisão proferida por  juizestadual, somente o respectivo Tribunal de Justiça poderá examiná­lo, ainda queseja   para   anular   essa   decisão,   encaminhando   os   autos   para   a   Justiçacompetente. Precedentes.

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4. Neste caso, excepcionalmente, dada a importância da matéria e o fato decoincidirem a competência para o recurso e a competência para a causa,passa­se ao exame das duas outras questões: especificamente, os limitesda jurisdição cível da Justiça Militar e a necessidade (ou não) de fracionar­se o julgamento da ação de improbidade.

5. Limites da jurisdição cível da Justiça Militar:5.1.  O texto original da atual Constituição,  mantendo a tradição inaugurada naCarta  de  1946,  não  modificou  a  jurisdição exclusivamente  penal  da JustiçaMilitar dos Estados, que teve mantida a competência apenas para "processar ejulgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidosem lei".5.2. A Emenda Constitucional 45/04, intitulada "Reforma do Judiciário", promoveusignificativa alteração nesse panorama. A Justiça Militar Estadual, que até entãosomente detinha jurisdição criminal, passou a ser competente também para julgarações civis propostas contra atos disciplinares militares.5.3.   Esse   acréscimo   na   jurisdição   militar   deve   ser   examinado   com   extremacautela  por  duas   razões:   (a)   trata­se  de  Justiça  Especializada,  o  que  veda  ainterpretação tendente a elastecer a regra de competência para abarcar situaçõesoutras que não as expressamente tratadas no texto constitucional, sob pena deinvadir­se a jurisdição comum, de feição residual; e (b) não é da tradição de nossaJustiça Militar estadual o processamento de feitos de natureza civil.Cuidando­se de novidade e exceção,   introduzida pela "Reforma do Judiciário",deve ser interpretada restritivamente.5.4. Partindo dessas premissas de hermenêutica, a nova jurisdição civil da JustiçaMilitar Estadual abrange, tão­somente, as ações judiciais propostas contra atosdisciplinares militares, vale dizer, ações propostas para examinar a validade dedeterminado ato disciplinar ou as conseqüências desses atos.5.5. Nesse contexto, as ações judiciais a que alude a nova redação do § 4º do art.125   da   CF/88   serão   sempre   propostas   contra   a   Administração   Militar   paraexaminar a validade ou as consequencias de atos disciplinares que tenham sidoaplicados a militares dos respectivos quadros.5.6.   No   caso,   a   ação   civil   por   ato   de   improbidade   não   se   dirige   contra   aAdministração   Militar,   nem   discute   a   validade   ou   consequência   de   atosdisciplinares militares que tenham sido concretamente aplicados. Pelo contrário,

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volta­se a demanda contra o próprio militar e discute ato de "indisciplina" e nãoato disciplinar.

6. Desnecessidade de fracionar­se o julgamento da ação de improbidade:6.1.  Em face do que dispõe o art.  125,  § 4º,  in fine,  da CF/88, que atribui aoTribunal competente (de Justiça ou Militar, conforme o caso) a tarefa de "decidirsobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças",resta saber se há, ou não, necessidade de fracionar­se o julgamento desta açãode improbidade, pois o MP requereu, expressamente, fosse aplicada aos réus apena de perdimento da função de policial militar.6.2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou que a competênciapara decidir sobre perda do posto ou da patente dos oficiais ou da graduação dospraças somente será da competência do Tribunal (de Justiça ou Militar, conformeo caso)  nos casos de perda da  função como pena acessória  do crime que àJustiça Militar couber decidir, não se aplicando à hipótese de perda por sançãoadministrativa, decorrente da prática de ato incompatível com a função de policialou  bombeiro  militar.  Precedentes  do  Tribunal  Pleno  do  STF  e  de  suas  duasTurmas.6.3. Nesse sentido, o STF editou a Súmula 673,  verbis  :  "O art.  125, § 4º,  daConstituição não impede a perda da graduação de militar mediante procedimentoadministrativo".6.4. Se a parte final do art. 125, § 4º, da CF/88 não se aplica nem mesmo à perdada função decorrente de processo disciplinar, com muito mais razão, também nãodeve  incidir  quando a perda da patente ou graduação resultar  de condenaçãotransitada  em  julgado  na  Justiça  comum em  face  das  garantias   inerentes  aoprocesso   judicial,   inclusive   a   possibilidade   de   recurso   até   as   instânciassuperiores, se for o caso.6.5.   Não   há   dúvida,   portanto,   de   que   a   perda   do   posto,   da   patente   ou   dagraduação   dos   militares   pode   ser   aplicada   na   Justiça   Estadual   comum,   nosprocessos sob sua  jurisdição,  sem afronta  ao que dispõe o art.  125,  § 4º,  daCF/88.

7.  Conflito  conhecido para  declarar  competente  o Tribunal  de Justiça doEstado de Minas Gerais, o suscitado.

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Com tais considerações, entendo que deva ser reconhecida a incompetência daJustiça   Militar   para   conhecer   de   ação   de   improbidade   administrativa   que   seconsubstancie em prática de crime totalmente desvinculada da produção de umato administrativo disciplinar.Considerando que a Justiça Comum também declinou da competência, voto nosentido  de  que  esta  Corte   suscite  o  devido  conflito  negativo  de  competênciaperante o Superior Tribunal de Justiça. 

JUIZ CEL BM OSMAR DUARTE MARCELINO, VENCIDOTrata­se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, com pedidoliminar de afastamento de servidor público, em face de Renato dos Reis, AntônioPires Maciel e Maximiano Eduardo Pereira, pela prática de tortura e violação aprincípios da Administração Pública. A presente ação foi inicialmente distribuída perante a vara cível da Comarca deUberlândia/ Minas Gerais, sendo, posteriormente, declinada a competência paraesta JME, com fundamento na Emenda Constitucional nº 45/2004.Quanto  à   competência  para  processar  e   julgar  esta  ação,  meu  entendimentopermanece   o   mesmo   manifestado   no   processo   de   Ação   de   ImprobidadeAdministrativa número 04/09, ou seja, de que é deste e. Tribunal de Justiça Militara   competência   para   julgar   a   presente   ação,   principalmente   em   razão   doentendimento   não   restritivo   que   a   Câmara   Cível   e   o   Pleno   desta   Corte   têmconferido à expressão ato disciplinar.A   Emenda   Constitucional   nº   45/2004   alterou   o   artigo   125,   §§   4º   e   5º,   daConstituição Federal de 1988, para neles incluir a competência cível da JustiçaMilitar Estadual, que passou a ser competente para processar e julgar as açõesjudiciais contra atos disciplinares, verbis:

§   4º   Compete   à   Justiça   Militar   estadual   processar   e   julgar   os   militares   dosEstados,  nos crimes militares definidos em  lei  e  as  ações  judiciais  contra  atosdisciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil,cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dosoficiais e da graduação das praças.  (Redação dada pela Emenda Constitucionalnº 45, de 2004) (g. n).

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§   5º   Compete   aos   juízes   de   direito   do   juízo   militar   processar   e   julgar,singularmente,  os  crimes  militares  cometidos  contra  civis  e  as  ações  judiciaiscontra  atos  disciplinares  militares,   cabendo   ao   Conselho   de   Justiça,   sob   apresidência  de   juiz   de   direito,   processar   e   julgar   os   demais   crimes  militares.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (g. n).

A Lei nº 8.429/92 dispõe sobre os atos de improbidade administrativa, impondo,entre outras sanções, a decretação judicial da perda da função pública, conformedisposto   no   art.   12,   após   o   trânsito   em   julgado   da   sentença   condenatória,conforme dicção do art. 20 da referida lei. Todos os servidores públicos, incluindoos militares estaduais, submetem­se às sanções prescritas na aludida legislaçãoespecial.A  ação civil  pública  por  ato  de   improbidade administrativa   tem como objeto  oressarcimento do dano causado pelo ato ímprobo, mediante aplicação de sançõesaos   agentes   públicos   que,   nessa   qualidade,   causarem   prejuízo   aos   cofrespúblicos, ou ofenderem princípios da administração pública.O ato  ímprobo pode constituir  simultaneamente um crime,  pelo  qual  o  agentedeve   responder   a   um  processo   criminal,   e   uma   transgressão  disciplinar,   queenseja responsabilidade administrativa, de competência da Administração Militar.Nesta última hipótese infere­se a competência da Justiça Militar Estadual.Considerando que compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar as açõescíveis contra atos disciplinares militares, sempre que a improbidade administrativafor concretizada por meio de um ato disciplinar, a ação civil pública por ato deimprobidade administrativa será de competência desta JME.No entanto, para definir a competência cível desta Corte Castrense é necessário,antes,   delimitar   a   que   corresponde   a   expressão   “ato   disciplinar”,   prevista   naConstituição Federal de 1988.Nesta   linha,   verifica­se  que,  não  obstante  existir   divergência  na   interpretaçãoconstitucional, esta Corte tem conferido interpretação ampliativa, não restringindoa expressão atos disciplinares aos atos punitivos disciplinares. Neste sentido, játivemos a oportunidade de decidir que:

(...)Quanto à disciplina, dispõe o § 2º do art. 6º da Lei nº 14310/02, CEDM, in verbis: 

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§ 2º A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares doEstado e manifesta­se pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalõese em todos os graus da hierarquia, quanto aos seguintes aspectos:

I – pronta obediência às ordens legais;II – observância às prescrições regulamentares;III – emprego de toda a capacidade em benefício do serviço;IV – correção de atitudes;V – colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a efetividade dosresultados pretendidos pelas IMEs.

De se ver que o termo atos disciplinares militares é amplo, indo muito além dotermo   punição   disciplinar.   Tudo   que,   direta   ou   indiretamente,   for   capaz   deinterferir na disciplina das Instituições Militares do Estado deve ser consideradocomo ato disciplinar militar, portanto, de competência da Justiça Militar Estadual.(CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº  003.  Relator:   Juiz  Cel  BM Osmar  DuarteMarcelino.  Origem: Proc.  nº  543/07­  Mandado de Segurança ­ AC ­  2ª  AJME.Julgamento: 20/02/2008. Publicação: 07/03/2008) 

No  mesmo   sentido,   o   ilustre   Juiz   Jadir   Silva,   em   artigo  publicado   na   revistaEstudo e Informações número 14 – Ed. TJM:

(...) tudo aquilo que no dia a dia envolver a disciplina militar seja com relação apunições, elogios, dispensas, férias, direitos, deveres, promoções, formaturas emcursos, enfim, que implique em “moral de tropa”,  é considerado ato disciplinar,pois assim quis o legislador ao alargar a competência das IME, exatamente pelaspeculiaridades da profissão.

A compreensão não reduzida do ato disciplinar foi adotada por este Tribunal nojulgamento dos Agravos de Instrumento nº 02 e 08. Os Conflitos de Competêncianºs 03 e 04 são registros de quão ampliativo tem sido o entendimento desta CorteCastrense acerca da expressão “ato disciplinar”, assim entendido como todo atoque direta ou indiretamente guarde relação com a disciplina militar, seja por meiode um ato regulamentar, normativo, punitivo, de transferência, ou, até mesmo, aprática de uma transgressão disciplinar. 

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Nestas decisões, firmou­se a compreensão de que as ações judiciais de naturezacível, cuja causa de pedir remota seja um ato disciplinar, são de competência daJME, muito embora não tenham como objeto a anulação de um ato administrativopunitivo.   Este   entendimento,   nas   felizes   palavras   do   Juiz   Fernando   ArmandoRibeiro:

(...)   nos   parece   o   entendimento   que   melhor   acolhe   o   espírito   da   EmendaConstitucional nº 45, que veio conferir maiores garantias aos litigantes que estãosob o manto de nossa  jurisdição, ao ampliar  a competência da Justiça Militar.Parecem­nos desautorizadas tentativas de limitar a previsão constitucional. (CONFLITO DE COMPETÊNCIA  Nº  004.  Origem:  Mandado  de  Segurança  nº498/07 – AC 2ª AJME. Relator: Juiz Jadir Silva)

Este entendimento nos autoriza concluir que os atos disciplinares a que se refereo   art.   125,   §§   4º   e   5º,   da   Constituição   Federal   não   se   restringem   a   atosadministrativos disciplinares punitivos. Uma conduta transgressiva, que é ofensivaaos princípios ético­disciplinares, é um ato de natureza disciplinar.Nesta  linha de raciocínio,  a  conduta  narrada na  inicial  é  qualificada como atodisciplinar ímprobo exatamente por violar princípios e normas ético­disciplinares, alegalidade e a moralidade administrativa.Por outro lado, ressalvada a competência do Comandante­Geral da Polícia Militare do Corpo de Bombeiros Militar para demitir, por razões de ordem administrativa,os   militares   incompatíveis   com   a   disciplina   e   a   hierarquia   vigentes   nestasinstituições, compete ao Tribunal de Justiça Militar decretar a perda do posto, dapatente dos oficiais e da graduação das praças das polícias militares estaduais. Dentre outras sanções, a ação civil pública por ato de improbidade administrativa,visando punir os responsáveis e reparar o dano à moralidade pública lato sensu,ocasionado por um ato disciplinar, tem como principal sanção a perda da funçãopública. Tratando­se de agentes públicos militares, a perda da função ou do cargo públicotem como consequência a perda do grau hierárquico correspondente.Com   esteio   neste   entendimento,   peço   vênia   para   reproduzir   o   parecer   doMinistério Público, na Ação de Improbidade Administrativa 04/09, in verbis:

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(...) os atos disciplinares dos servidores militares e suas conseqüências jurídicas(perda do posto, patente e graduação), ainda que decorrentes de demandas denatureza civil e associadas ao patrimônio moral do Estado (lato sensu), somentepodem ser apreciadas pelos órgãos jurisdicionais militares.Seria ilógico e contrário ao princípio da economia processual e da continência queas sanções de menor gravidade,  expressamente previstas na Lei  nº 8.429/92,fossem   aplicadas   pelo   juízo   cível   estadual,   com   a   remessa   do   feito,posteriormente,   ao   juízo   militar   para   análise,   processo   e   julgamento.   Poderiahaver  conflito   insanável,  entendendo um  juízo pela existência  do  fato   jurígeno(transgressão  disciplinar),  e  outro  pela   inexistência  ou   insuficiência  probatória,levando  em consideração  a  probabilidade  de   tramitação  de  ações  penais  porcrimes militares perante o juízo especializado (ou representações administrativaspor   transgressões   militares)   e   ações   civis   públicas   por   ato   de   improbidadeadministrativa no juízo comum.Assim,  poderia  acontecer  absolvição  no  juízo  especializado,  por  entender  nãoexistente o ato ilícito,  e,  no juízo comum, ocorrer a condenação com todas asconseqüências da Lei de improbidade administrativa. Qual prevalecerá? Portanto,evitando­se situações de bis in idem, ou decisões antagônicas, se ao juízo militarcabe decidir  a pena de perda de graduação e de patente,  este  também devedecidir sobre as penalidades de menor extensão.Deambulando pela conjuntura das circunstancias indiciárias narradas na exordialcoletiva,   depreende­se   que   a   causa   de   pedir   –   embora   não   mencionadosdispositivos   explícitos   –   estruturou­se   em   condutas   incompatíveis   com   osprincípios e valores policiais militares, nos termos do Decreto nº 23.085/83. Nestediapasão,  se a pretensão ministerial  tem por escopo averiguar se as condutasnarradas   transgrediram   ou   não   o   regramento   militar   (Administração   PúblicaMilitar),   questão   intrincada   com   os   princípios   do   art.   11   da   Lei   nº   8.429/92,conclui­se que a demanda deverá ser processada e julgada pela Justiça MilitarEstadual. 

Da mesma forma, no conflito negativo de competência nº 01, suscitado por esta e.Corte, o Subprocurador da República emitiu parecer pugnando pela competênciada JME para  processar  e   julgar  ações de  improbidade administrativa,  com osseguintes argumentos, os quais, mais uma vez, peço vênia para reproduzir,  inverbis:

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Embora o objeto da ação civil por improbidade administrativa tenha foco principalna  conduta  do  agente,  de  modo  a  verificar  se  ela   feriu  ou  não  os  princípiosestabelecidos no art. 11, caput, da Lei n.º 8.429/92, não se pode perder de vistaque toda a sua conduta vai ser estabelecida com base nos referidos regulamentosmilitares, conforme preceitua a própria Lei n.º 8.429/92 em seu art. 14, § 3.º: § 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará aimediata  apuração dos  fatos que,  em se  tratando de servidores  federais,será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11de  dezembro  de  1990  e,  em  se  tratando  de  servidor  militar,  de  acordo  com  osrespectivos regulamentos disciplinares. (grifo nosso) Parece  assim,   não   ser  possível  analisar  a   ação  civil   por   ato  de   improbidadeadministrativa de servidor militar sem se levar em conta o caráter disciplinar dafalta  cometida.  E,  neste  caso,  conforme preceitua  o  art.  125,  §  5.º,  da  CF/88compete ao Juiz de Direito do Juízo Militar julgar as ações judiciais contra atosdisciplinares militares: § 5º (...)Embora se trate aqui de uma ação de improbidade administrativa, devemos terem vista que a falta de probidade se deu contra a administração pública militar,sendo, portanto, nesta órbita que a mesma deve ser analisada. Conforme   preceitua   a   própria   Lei   n.º   8.429/92   em   seu   art.   14,   §   3.º,   oprocessamento   da   ação   deverá   ser   na   forma   prevista   nos   regulamentosdisciplinares  militares,  ou seja,  no caso do Ministério  Público  da  União,  quemdetém a competência para realizar o inquérito policial­militar é o Ministério PúblicoMilitar  (arts.  116 e 117 da LC n.º  75/93)...  CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº90.547/MG.

Ressalvada   a   competência   do   Comandante­Geral   para   proceder   à   demissãoadministrativa por motivos disciplinares, a parte final do art. 125, § 4º, da CF/88 éclara   no   sentido   de   que   judicialmente,   apenas   o   Tribunal   de   Justiça   MilitarEstadual,  onde houver, pode decidir sobre a perda do posto e da patente dosoficiais e da graduação das praças.

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Se não  compete  ao   juiz  atuante  na  primeira   instância  determinar  a  perda  dafunção pública do militar, que, no presente caso, se confunde com a decretaçãoda   perda   da   graduação   dos   réus,   o   juízo  primevo  do   mesmo   modo   não   écompetente para processar e julgar a presente ação.Quando se trata de ação penal em desfavor de um militar, primeiro se julga ocrime na Justiça Comum ou Militar, para, depois do trânsito em julgado, examinar­se  a  conveniência  em se  manter  na  Corporação  o  militar   condenado  à   penaprivativa   de   liberdade   superior   a   02   (dois)   anos,   mediante   julgamento   derepresentação ministerial. Não é  o  que  deve  ocorrer,  por  sua  vez,  com a  ação   judicial  de   improbidadeadministrativa. Nesta, não se avalia tão somente se a conduta perpetrada torna omilitar   inconveniente   para  permanecer   na   instituição   militar,   vez   que   tem  porobjeto examinar se a conduta é ímproba por ofender os artigos 9, 10 ou 11 da Leinº 8.429/92, e aplicar, após entender ilícito o ato disciplinar, uma das penalidadesprevistas na lei de improbidade. Julga­se, como bem observou o autor, o fato jurígeno para depois, se consideradailícita  a  conduta  manifestada por  meio de um ato  disciplinar  ou de  um crime,avaliar se é o caso de dar provimento ao pedido de perda da função pública. Data venia o respeitável parecer do ilustre Procurador de Justiça atuante nesta e.Corte, a repartição do julgamento, com exame do fato jurígeno pelo juízo primevoe apreciação do cabimento da perda da função pública do condenado neste TJM,além   de   não   ser   recomendável,   encontra   óbice   de   natureza   constitucional,previsto no art. 125, § 4º, in fine. Esta Corte apreciou a questão no julgamento do agravo de instrumento nº 08, inverbis:

(...) A previsão constitucional de competência para decretar a perda do posto e dapatente, bem como da graduação das praças, é o critério absoluto que define aJustiça Militar Estadual como competente para julgar a ação civil de improbidadeadministrativa. Como se pode facilmente constatar do exame do art. 12 da lei deregência,   a   pena   de   perda   da   função   pública   é   a   conseqüência   direta   dacondenação por ato de improbidade. Não seria possível conceber que a JustiçaComum   fosse   competente   para   decidir   sobre   a   condenação   e,   em   seguida,remetesse   os   autos   à   Justiça   Militar   para   a   aplicação   da   pena.   Tal   soluçãoimplicaria em fracionamento do julgamento, o que fere toda a lógica do sistema

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Page 31: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 02 · militares estão inseridos dentro da conceituação de “ato de improbidade administrativa” oferecida pela Lei n° 8.429/92.

          TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS

processual. Se a Justiça Militar é competente para aplicar a pena, também o épara processar e julgar a ação que tem como pedido direto a aplicação da penade perda da função pública.

­ A decisão concessiva de tutela antecipada foi proferida por juiz absolutamenteincompetente, devendo o recurso ser provido para anular a decisão hostilizada. 

­ Reconhecida a competência originária deste E. Tribunal, é necessário avocar­seos   autos   da  ação   principal   para   que   esta   tenha   curso  no   órgão   jurisdicionalcompetente.

­ Recurso provido para anular a decisão hostilizada e determinar a avocação dosautos ao Tribunal. (Agravo de Instrumento nº 008. Origem: Processo nº 1.0702.05.218259­0/002 ­ 5ªCâmara Cível. Relator: Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos)

Finalmente,   há   que   se   ressaltar   a   mudança   de   posicionamento   do   i.Representante   do   Ministério   Público  atuante   nesta   Corte,   tendo,   na   presenteação, se manifestado no sentido de que a matéria em questão é de competênciada  Justiça  Especializada.  Fundamentou  seu  entendimento  no  disposto  no  art.125, § 4°, da CF/88, bem como no parecer apresentado, no Conflito Negativo deCompetências   01/09,   pelo   Subprocurador­Geral   da   República,   Dr.   MoacirGuimarães Morais Filho. Com estes argumentos, pedindo vênia aos entendimentos divergentes, voto pelacompetência originária do Tribunal de Justiça Militar para processar e julgar apresente ação de improbidade administrativa.

JUIZ CEL PM RÚBIO PAULINO COELHOSuscito o conflito negativo de competência perante o Superior Tribunal de Justiça,acompanhando o bem fundamentado voto do eminente Juiz relator.

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          TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Belo Horizonte, sala das sessões do Tribunal de Justiça do Estado de MinasGerais, aos 15 de julho de 2009.

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