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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA MMª VARA DA FAZENDA PUBLICA DO FORO CENTRAL DE PORTO ALEGRE-RS 1 Distribuição urgente Votação de normas prevista para 15/12/2016 SINDICATO DOS ENGENHEIROS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - SENGE, pessoa jurídica de direito privado, inscrito no CNPJ sob o n° 92.675.362/0001-09, com sede na Av. Érico Veríssimo, nº 960, Bairro Menino Deus, na cidade de Porto Alegre-RS, com endereço eletrônico [email protected]’, por meio de seus procuradores, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido liminar em desfavor do Exmo. Sr. GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Sr. José Ivo Sartori, a ser citado do Palácio Piratini, Praça Marechal Deodoro, s/nº, nesta cidade, pelas razões de fato e de direito que se seguem: 1 Lei nº 7.347/85: Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA

MMª VARA DA FAZENDA PUBLICA DO FORO CENTRAL DE PORTO ALEGRE-RS1

Distribuição urgente

Votação de normas prevista para 15/12/2016

SINDICATO DOS ENGENHEIROS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - SENGE, pessoa

jurídica de direito privado, inscrito no CNPJ sob o n° 92.675.362/0001-09, com sede na Av. Érico

Veríssimo, nº 960, Bairro Menino Deus, na cidade de Porto Alegre-RS, com endereço eletrônico

[email protected]’, por meio de seus procuradores, vem, respeitosamente, à presença de

Vossa Excelência, promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

com pedido liminar

em desfavor do Exmo. Sr. GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Sr. José

Ivo Sartori, a ser citado do Palácio Piratini, Praça Marechal Deodoro, s/nº, nesta cidade, pelas

razões de fato e de direito que se seguem:

1 Lei nº 7.347/85: Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

DO FUNDAMENTO LEGAL PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Entidade Requerente pretende, por meio da presente ação, a tutela de interesses

públicos, ou seja, proteger direitos difusos, que dizem respeito a todos os cidadãos do

Estado do Rio Grande do Sul.

O “interesse público” é a principal justificativa para a presente ação. “Interesse público”,

no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, é o “interesse resultante do conjunto de interesses

que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da

Sociedade e pelos simples fato de o serem”2.

A via processual eleita – Ação Civil Pública – é disciplinada pela Lei nº 7.347/85, que rege

especificamente a ação em relação aos temas relacionados no artigo 1º:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente; ll - ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. V - por infração da ordem econômica; VI - à ordem urbanística. VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. VIII – ao patrimônio público e social.

O inciso IV dá guarida à proteção de qualquer interesse difuso ou coletivo pleiteado sob a

via da ação civil pública, possuindo a pretensão da Entidade Requerente, portanto, suficiente

amparo legal.

A Ação Civil Pública, conforme leciona Alexandre de Moraes, se trata de via processual

adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração

2 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Ed. Malheiros, 13ª edição, 2001, p. 59.

pública e para repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos,

ilegais ou imorais [. . .].3

Como será demonstrado adiante, pleiteia a Entidade Requerente ver cumpridos os deveres

do Administrador Público e coibir atos lesivos à sociedade e ao desenvolvimento do Estado do Rio

Grande do Sul.

DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO

As entidades legitimadas a propor ação civil pública estão elencadas no artigo 5º da Lei nº

7.347/85:

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A Requerente, sob o amparo do artigo 8º da Constituição Federal, pode ser classificada no

inciso V do artigo acima transcrito. O dispositivo constitucional prevê expressamente a garantia

das entidades sindicais para a defesa de interesses e direitos coletivos, em ações judiciais ou

administrativas:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [. . .] III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

3 MORAES, de Alexandre. Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2004, p. 350

Hugo Nigro Mazzili, ao discorrer acerca da defesa dos interesses difusos em juízo, elucida:

“Nessa linha, a lei ordinária conferiu às entidades sindicais a possibilidade de atuarem como substitutos processuais não apenas de seus sindicalizados, mas também de todos os integrantes da categoria. Assim, detêm hoje legitimação para a defesa judicial não só dos interesses individuais, mas dos interesses coletivos, em sentido lato, de toda a categoria. Nesse sentido, já se admitiu, com acerto, possa o sindicato, como substituto processual, buscar em juízo a reposição de diferenças salariais, em favor da categoria que represente. [...] O sindicato está, portanto, legitimado à defesa judicial de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos integrantes da categoria, pouco importa estejam eles sindicalizados ou não”.4

Vale referir que desse entendimento compartilha o Supremo Tribunal Federal, que tem se

manifestado no seguinte sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. SINDICATO. ART. 8º, INC. III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Processual: agravo de instrumento corretamente instruído. Matéria constitucional examinada pelo Tribunal a quo. Impugnação do acórdão proferido na ação rescisória. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da ampla legitimidade dos sindicatos para atuar na defesa dos direitos subjetivos individuais e coletivos de seus integrantes. 3. Imposição de multa de 1% do valor corrigido da causa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, inc. II e III, e 17, inc. VII, do Código de Processo Civil. (STF - AI n. 453.031- AgR/SP, Relatora Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, publ. DJe: 7.12.2007).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SINDICATO. ART. 8º, III, DA CB/88. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. ALTERAÇÃO NA COMPOSIÇÃO DO STF. ORIENTAÇÃO MANTIDA PELA CORTE. 1. A orientação firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os sindicatos têm legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria por ele representada [CB/88, art. 8º, III] vem sendo confirmada em sucessivos julgamentos. 2. A nova composição do Tribunal não ensejou mudança nessa orientação. Precedente. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - RE nº 226.205-AgR, Relator Min. Eros Grau, 2ª Turma, publ. DJe: 22.5.2007).

Está a entidade Requerente, portanto, legal e constitucionalmente amparada para o

exercício do seu direito de propor a presente Ação Civil Pública.

DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA – REPRESENTATIVIDADE DO POSTULANTE

4 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p.336/338

A Entidade Requerente atua com vigor na defesa e valorização das carreiras dos

representados e busca, sobretudo, ser participativa nas discussões e projetos que conduzem o

País e o Estado ao desenvolvimento econômico e social.

O Sindicato Postulante, na condição de representante de categoria profissional que possui

muitos associados vinculados a empresas e fundações do Estado do Rio Grande do Sul, busca

por meio deste feito, ver assegurado direito não apenas de seus assistidos, mas de toda a

população gaúcha.

Dito isso, a pertinência temática, que perfaz um dos requisitos exigidos para a proposição

da ação civil pública, encontra-se satisfeito, pois o objeto desta ação consiste em assegurar um

direito subjetivo dos associados da Requerente, enquanto integrantes do Estado gaúcho e titulares

de direitos e interesses coletivos ou difusos.

O requisito “representatividade” da Postulante para configurar sua legitimidade na presente

ação está, portanto, igualmente perfectibilizado.

DO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O que move a Entidade Requerente a ingressar com a presente ação é o PACOTE DE

PROJETOS DE LEI e de PROPOSTAS DE EMENDA CONSTITUCIONAL encaminhado pelo

Governador do Estado do Rio Grande do Sul, à Assembleia Legislativa do Estado, na data de 22

de novembro do presente ano, mediante a justificativa de “dar continuidade às reformas na

estrutura da Administração Pública do Estado, dando cumprimento às metas de controle de

despesas de custeio e de reorganização no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado

do Rio Grande do Sul”.

Entre as mais de vinte proposições que compõe o Pacote apresentado constam:

(1) a retirada de obrigatoriedade de plebiscito para fins de alienação, cisão, função

ou extinção da:

o Companhia Estadual de Energia Elétrica-CEEE,

o Companhia Rio-grandense de Mineração-CRM e

o Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul-SULGAS;

(2) a extinção da Superintendência de Portos e Hidrovias-SPH;

(3) a extinção da Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas-CORAG e,

(4) a extinção das seguintes Fundações:

Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (FIGTF) – PL 240/2016;

Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO) – PL 240/2016;

Fundação Zoobotânica – PL 246/2016;

Fundação de Ciência e Tecnologia (CIENTEC) – PL 246/2016;

Fundação de Economia e Estatística (FEE) – PL 246/2016;

Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) – PL 246/2016;

Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) – PL 246/2016;

Fundação Piratini (TVE )– PL 246/2016;

Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) – PL 301/2015.

Os Projetos de Lei foram encaminhados à Assembleia Legislativa EM REGIME DE

URGÊNCIA, com fundamento no artigo 62 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.

A Entidade Requerente, em defesa do patrimônio público e das fundações e

companhias e, buscando proteger os inúmeros servidores (entre os quais, engenheiros)

que poderão ser atingidos pelas austeras medidas, vem a Juízo propor a presente Ação

Civil Pública, com o objetivo de que quer seja observado na tramitação o devido processo

legislativo, determinando ao Governador do Estado a retirada do REGIME DE URGÊNCIA

imposto às proposições apresentadas, especialmente aquelas que extinguem de empresas

e fundações, a fim de possibilitar correta e completa análise das matérias.

Não há pretensão de que haja interferência de um Poder do Estado sobre o(s) outro(s).

Pelo contrário, pretende-se que as ações de cada um dos Poderes sejam claras e atendam aos

princípios constitucionais estaduais e federais, que são pilares do Estado Democrático de Direito.

Busca-se preservar a garantia de que tenham os Poderes condições de bem cumprir o seu papel,

especialmente o Poder Legislativo, que possui a maior das atribuições concedidas pelo povo: a

representatividade.

Esse poder de representação da sociedade oferecido ao Poder Legislativo é sinônimo da

Democracia. Segundo Paulo Bonavides, Democracia é aquela forma de exercício da função

governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as

questões do governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito

ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo.5

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, no voto proferido no MS

n. 22.503, do qual foi relator, muito bem se pronunciou quanto à importância dos trabalhos

legislativos e à necessidade de observância da norma jurídica que rege o processo legislativo,

como forma de preservação do Estado Democrático de Direito:

“Ora, os participantes dos trabalhos legislativos, porque representantes do povo, quer de segmentos majoritários, quer de minoritários, tem o direito publico subjetivo de ver respeitadas na tramitação de projetos, de proposições, as regras normativas em vigor, tenham estas, ou não, estatura constitucional. Mais do que isso, é possível dizer-se serem destinatários do dever de buscarem, em qualquer campo, a predominância de tanto quanto esteja compreendido na ordem jurídico-constitucional. Ao fazê-lo, honram o compromisso inerente aos mandatos em que investidos, contribuindo para a manutenção do almejado – e hoje proclamado pela Lei Básica – Estado Democrático de Direito.

Ao votar proposições legais ou de emendas constitucionais estão os Parlamentares agindo

como emissários do povo, em sua representação. Devem atribuir ao processo legislativo,

portanto, o melhor trabalho e dedicação possíveis. Aprovar ou não uma proposição é tarefa difícil,

é necessário estudo sobre a norma e as consequências geradas em cada situação; prever de que

os cidadãos serão por ela atingidos.

5 BONAVIDES, Paulo. A Democracia Direta, a Democracia do Terceiro Milênio. In: A Constituição Aberta. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 17.

É fundamental que as discussões em torno das proposições legislativas sejam claras, que

estejam os parlamentares aptos a se posicionarem quanto à matéria. O ato de aprovar uma norma

jurídica compreende um conjunto complexo de medidas, necessita de exames de admissibilidade,

de constitucionalidade, de juridicidade, análise de adequações financeiras e orçamentárias, estudo

de legalidade e de técnica legislativa no âmbito do Parlamento. Nesse sentido, vem bem a calhar

as palavras de Wolkmer, que assevera:

A Democracia de hoje deve atender a um equilíbrio de poderes entre os legitimados pelos votos, os legitimados por suas iniciativas de base e os legitimados por seus conhecimentos técnico-profissionais. Nenhum deles, sozinho, pode pretender ter a verdade da vontade democrática.6

O processo legislativo exige, portanto, prévio e vasto conhecimento acerca do efetivo teor

e abrangência do objeto da proposição, devendo ser observadas as seguintes características em

relação à norma jurídica:

a generalidade, que implica sua ação sobre todos aqueles que compõem seu universo de atuação; a abstração, de sentido similar, porém aludindo ao conjunto de todas as situações e não de indivíduos; a imperatividade, complementa as outras duas ao conceder um caráter impositivo, compulsório, não opcional; por fim, a sancionabilidade, alter ego da anterior, ao estabelecer um encargo decorrente ao não cumprimento da norma. Em seu conjunto, estas características comunicam-se com o Processo Legislativo ao impor a necessidade de exames, prévios e posteriores, quanto à conformação da lei elaborada ao ordenamento jurídico.7

.

É imprescindível, dessa forma, que haja tempo hábil para o estudo da proposta legislativa,

permitindo que sejam analisados os requisitos intrínsecos à sua aprovação e estudadas as

possíveis consequências dela decorrentes. Para o melhor e correto desempenho do cargo que

lhe foi confiado pelos cidadãos, é admissível que o Parlamentar consulte a sociedade de sua

região de origem e busque a opinião de seus eleitores nas questões de maior interesse da

sociedade e de expressivas consequências ao Estado como um todo.

6 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. p. 95 apud CRUZ, Paulo Marcio. A Democracia Representativa e a Democracia Participativa. In: Direitos Fundamentais & Justiça. Nº 13 – OUT.-DEZ/2010. p. 211. 7 LOPES, Fabio Almeida. Princípios do Processo Legislativo: uma perspectiva interdisciplinar e sistêmica. Brasília: Câmara dos Deputados - Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento Programa de Pós-Graduação. 2009, p. 32.

Moreira, acertadamente, refere que é indispensável que haja espaço e tempo para a

correta tramitação do processo legislativo:

nota-se a complexidade do processo legislativo que obedece a estrutura legislativa (procedimento) juridicamente preordenada por normas infraconstitucionais (Lei Complementar), regimentais e constitucionais. Portanto, para que esse procedimento se desenvolva com validade e transforme-se em genuíno processo deverão estar presentes na preparação do provimento (lei) os princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia (Art. 5º, inciso LV da CR/88). Ausente um desses pressupostos constitucionais o processo converte-se em mero procedimento. Conclui-se, portanto, que a lei no trâmite de sua formação sempre exige a observância do Processo Constitucional. Assim, o Direito no seu espaço de produção há de se desenvolver pelo devido processo legislativo e seus elementos teóricos, os quais exigem estrutura espácio-temporal necessária à produção do provimento, caracterizadora do Processo.8

No caso concreto, a imposição de regime de urgência de tramitação dos projetos de lei

que fora imposto pelo Governador do Estado às várias proposições enviadas à Assembleia

Legislativa em 22/11/2016, impede a tramitação do devido processo legislativo.

As normas propostas, consoante será demonstrado adiante, demandam exames

apurados, análises detalhadas e, se aprovadas, gerarão consequências e resultados

irreversíveis para o Estado do Rio Grande do Sul. Não pode ser exigido dos Parlamentares

que tomem decisões, sob pressão, no prazo exíguo de trinta dias.

É de notar que o Regimento Interno da Assembleia Legislativa estabelece às

Comissões Técnicas Permanentes, que realizem estudos, façam análises, busquem informações,

realizem audiências públicas relacionadas a temas de sua área, como estabelece o artigo 57:

Art. 57 - Às Comissões Técnicas Permanentes, na respectiva área de atuação, compete: I - iniciar o processo legislativo em leis complementares e ordinárias, nos casos permitidos pela Constituição; II - emitir parecer sobre as proposições sujeitas à deliberação do Plenário, opinando pela aprovação ou rejeição, total ou parcial, ou pelo arquivamento, e, quando for o caso, formular projetos delas decorrentes; III - apresentar substitutivos, emendas e subemendas; IV - sugerir ao Plenário o destaque de parte de proposições para constituir projeto em separado, ou requerer ao Presidente da Assembléia a anexação de proposições análogas; V - requisitar, por intermédio de seu Presidente, diligências sobre matéria em exame; VI – [...];

8 MOREIRA, Guilherme Henrique Martins. Controle De Constitucionalidade Durante O Processo Legislativo.

VII - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; VIII - promover estudos, pesquisas e investigações sobre problemas de interesse público, relacionados com a sua competência; IX - receber petições, reclamações ou representações de qualquer pessoa contra atos ou omissões de autoridades ou entidades públicas; X - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão para prestar informações, obedecido o rito previsto nos §§ 2º ao 5º do art. 262-B; XI - apreciar programas de obras, planos estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

Parece evidente que os temas propostos nos PL e PEC apresentados pelo Govenador

deveriam obrigatoriamente passar pelas Comissões Técnicas, dado a sua relevância e

consequências para o Estado. Entretanto, em que pese a aparente obviedade, as Comissões

Técnicas não poderão realizar os estudos por uma única razão: imposição de regime de

urgência.

O inciso V do artigo acima estabelece que propostas enviadas à Assembleia em regime

de urgência não sofrerão a análise por parte das Comissões Técnicas. Lê-se no dispositivo:

V) discutir e votar projetos de lei e decretos legislativos, excetuados os: a) de lei complementar; b) de código; c) de iniciativa de Comissão; d) em regime de urgência; e) com parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça; f) de iniciativa popular; g) de leis orçamentárias;

Além da notória pressão por celeridade na votação das proposições, resulta claro que o

regime de urgência foi imposto pelo Governador para que não pudesse ser realizada a devida

análise por parte das Comissões Técnicas pertinentes na Assembleia Legislativa, para que não

fossem realizadas audiências públicas com a presença da sociedade, aí incluídos os servidores

de companhias e fundações atingidas pelas medidas.

Seguem apresentadas as razões que demonstram que a pretensão da Entidade

Requerente é plausível, ou seja, que há necessidade de maior tempo para que possam os

deputados estaduais ter completo domínio das matérias discutidas; de suas reais

motivações; do seu cabimento e necessidade e das consequências e, para que possam as

proposições passar pelo crivo das Comissões Técnicas da Assembleia, com a garantia de

realização estudos técnicos aprofundados e de audiências públicas e debates com a

sociedade:

1. Os parlamentares precisam ter acesso aos dados financeiros que amparam as medidas

propostas pelo Governo

O Governador, ao anunciar as medidas que entende necessárias para a solução da crise

financeira do Rio Grande do Sul, limitou-se a informar que faria economia de R$ 67 bilhões.

Deixou de informar, entretanto, o que seria suprimido do patrimônio público.

Quanto representaria ao Estado a dilapidação do patrimônio público adquirido e

conquistado há muito anos, com o esforço e dedicação de milhares de cidadãos? Mesmo que

houvesse economia imediata e ingresso de recursos decorrente da alienação de empresas, por

quanto tempo restaria mantida a saúde financeira do Estado?

Essas e outras discussões inerentes aos Projetos de Lei apresentados são inevitáveis.

Entretanto, dependem, primeiro, do repasse de informações por parte da Casa Civil e,

posteriormente, de estudos técnicos relativos às questões financeiras. Esses estudos, complexos,

são indispensáveis para seja possível aos Deputados compreenderem a real necessidade das

medidas mais severas e terem tranquilidade e, acima de tudo, responsabilidade, para definirem o

seu voto.

O prazo de trinta dias concedido pelo Governador não é suficiente para essas avaliações,

desrespeitando o objetivo do processo legislativo – que é a construção de normas justas, coesas

entre com ordenamento jurídico.

2. Necessidade de antever a destinação dos empregados/servidores

Merece especial atenção por partes dos Parlamentares a questão concernente aos

prováveis mais de 1200 funcionários das fundações e instituições sujeitas à extinção. Mesmo que

a demissão de todos esses cidadãos eventualmente viesse a gerar economia ao Estado, cumpre

investigar qual seria esse montante em comparação à importância total das despesas existentes.

Há informações de que a remuneração dos empregados das entidades que podem ser

extintas corresponderia a menos de 1% (um por cento) do total de despesas do Estado. Se assim

for, o percentual apontado não tem qualquer expressão frente ao total de gastos, sendo inócuas

as medidas previstas.

A Administração deveria ter repassado à Assembleia Legislativa, juntamente com as

proposições, as respectivas informações acerca dos valores de economia que seriam obtidos por

meio de cada uma das instituições, revelando, também, o montante que cada uma agrega aos

cofres públicos por meio de sua função. Os Deputados devem realizar essa avaliação para terem

condições de votar acertadamente, com base em dados sólidos e confiáveis.

Não terão os Legisladores condições de adotar posições sobre os projetos de lei sem que

haja divulgação do número exato de cidadãos que restariam desempregados por conta da

extinção das instituições. Sem esses dados, não é possível aos Legisladores avaliar, no exíguo

prazo de trinta dias, a destinação dos trabalhadores e o que representaria esse número nos índices

de desemprego do Estado, medindo as suas consequências.

3. Impossibilidade de conhecimento das funções das entidades e de análise das

consequências geradas pelas leis, se aprovadas.

Os Deputados desconhecem muitas das funções das Fundações e companhia que serão

extintas se os Projetos de Lei forem aprovados. Todas são de grande importância para o Estado,

possuindo atuação marcante no desenvolvimento do Estado.

Apenas para citar um exemplo, vale registrar que a Fundação de Ciência e Tecnologia –

CIENTEC é responsável por produzir soluções tecnológicas para o desenvolvimento da

sociedade, efetuando a análise técnica da maior parte dos produtos e alimentos utilizados e

consumidos no Estado. Segundo o seu Estatuto, a Fundação se destina ao estudo e à aplicação

de métodos científicos e tecnológicos na solução de problemas peculiares de entidades privadas

e governamentais para estimular o crescimento econômico do Estado e do País.

A CIENTEC realiza serviços para empresas privadas de todo o País mediante

remuneração, ou seja, possui fonte de receita, não dependendo única e exclusivamente do

Estado. Vale mencionar, aliás, que além de ser contratada para pesquisas e estudos em diversas

áreas (química, geotecnia, alimentos, meio ambiente, tecnologia metal-mecânica, engenharia de

processos, engenharia de edificações, materiais de construção civil, entre outras), tem papel

fundamental junto à Administração Pública. Uma intervenção recente se deu no conhecido caso

da montadora de automóveis FORD, no qual a colaboração da CIENTEC foi decisiva para a

apuração de valores relativos aos prejuízos acarretados ao Estado, possibilitando o acordo

realizado em processo judicial indenizatório na importância de R$ 216 milhões.9

A CIENTEC recentemente atuou, também, na identificação de fraude em fertilizantes, que

lesou milhares de agricultores e onerou o agronegócio gaúcho em centenas de milhões de reais.

Com a apuração da CIENTEC, foi possível a tomada de providências pelo Estado. Participou,

ainda, do desenvolvimento de fornos de produção mais sustentáveis de carvão vegetal e de

análises que permitirão que o Estado duplique a sua capacidade produtiva e exporte para outros

países.

Ainda em relação à CIENTEC cabe ressaltar que, nos termos da Lei nº 6.719/1974 e seu

Decreto nº 32.74/88, nas licitações efetuadas pela Administração Direta e Indireta do Estado, que

tenham por objeto a realização de obras e serviços de engenharia, cujo valor ultrapasse 3.000

Salários Mínimos de Referência, deverá constar, no edital ou convite e, posteriormente, no

instrumento contratual decorrente, a obrigatoriedade de recolhimento antecipado, por parte do

vencedor, de 1% (um por cento) sobre o valor de cada fatura à Fundação de Ciência e Tecnologia

- CIENTEC. O recolhimento é devido por conta de prestação de serviços, de caráter obrigatório,

pela Fundação, que consiste na verificação da qualidade dos materiais a serem empregados, bem

como na execução de ensaios de desempenho dos componentes construtivos das obras.

Esse papel de grande importância da CIENTEC nas licitações efetuadas no Estado,

garantidor de cumprimento dos contratos realizados com o ente público não mais será exercido,

vez que no mesmo Projeto de Lei que prevê a extinção das Fundações, há previsão expressa de

revogação da norma que instituiu essa obrigação. É impossível avaliar o prejuízo e a insegurança

9 Informação disponível em: http://www.cientec.rs.gov.br/?model=conteudo&menu=110&id=2706

que será gerada à Administração Pública em razão da falta de verificação da qualidade de

materiais a serem empregados em obras licitadas, como por exemplo, na construção de estradas.

Este é apenas um dos exemplos relativo às Fundações, que permite demonstrar que

não é razoável que os Parlamentares decidam, em apenas trinta dias, sobre a extinção de

entidades sobre as quais sequer possuem informações.

Mesmo que solicitassem a todas as entidades envolvidas no Pacote as devidas

informações, não haveria prazo hábil para as análises relativas à sua atuação; os estudos

referentes às vantagens oferecidas ao Estado e à sociedade, bem como, as consequências

geradas pela sua extinção.

4. Busca de outras soluções possíveis. Análise de incentivos fiscais. Falta de

transparência das informações financeiras

Há soluções financeiras diferentes das propostas pelo Governador, sem que haja a

necessidade de dilapidação de empresas públicas que prestam serviços essenciais e de

fundações que possuem funções importantes no Estado.

Uma das soluções seria a efetiva fiscalização e controle de incentivos fiscais concedidos

pelo Estado sem os devidos critérios. Em que pese consistam os incentivos em importante ação

para o crescimento econômico do Estado, é indispensável o conhecimento por parte da sociedade

acerca das renúncias realizadas com alicerce em programas de isenção fiscais, como por

exemplo: valores envolvidos nas concessões; o cumprimento das contraprestações decorrentes

dos contratos; retornos em favor do Estado advindos por meio dos incentivos percebidos e as

empresas beneficiadas pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Impende ressaltar que nem mesmo para o Tribunal de Contas do Estado – TCE as

informações relativas às concessões a programas de incentivos fiscais são claras, o que fica

evidente nos Relatórios e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governador do Estado Exercício

de vários anos. O Relatório do Exercício de 2014 repetiu o teor dos anos anteriores:

A SEFAZ/Subsecretaria da Receita Estadual permanece sem fornecer ao órgão de Controle Externo os valores dos impostos apropriados pelas empresas via renúncia fiscal - 82 - (gastos tributários), muito embora, para estarem aptos a fruírem os benefícios, esses contribuintes tenham firmados Contratos e Termos de Ajustes onde constam direitos e deveres de ambas as partes – (Estado e Contribuintes).

Mais uma vez observa-se que os valores fruídos em 2014, os quais estariam mais adequados ao contexto deste trabalho, não foram disponibilizados pela SEFAZ.

Por conseguinte, tendo em vista que esta Corte de Contas não tem acesso a esses valores, resta inviabilizada a emissão de qualquer consideração mais detalhada a respeito da renúncia fiscal promovida pelo Executivo Estadual no ano em análise neste Relatório. [...] Em 2013, os benefícios fruídos, correspondentes aos recursos que deixaram de ingressar no Tesouro Estadual devido ao enquadramento no FUNDOPEM-RS, alcançaram o montante de R$ 282,525 milhões, equivalente a 1,17% do ICMS arrecadado, o menor índice da série em análise para relação com o total do ICMS arrecadado no exercício.10

Toda e qualquer renúncia fiscal realizada pelo Estado está diretamente vinculada à

diminuição de investimentos em prol da sociedade.

O montante de ICMS renunciado por meio de incentivos fiscais consiste em recursos que

deveriam pertencer ao Estado, mas que, por conta desses programas, não são recolhidos. As

concessões não são gratuitas, exigem contraprestações que sejam convenientes à população. A

sociedade, na condição de contribuinte e titular de direitos que advêm do Estado, merece ter

acesso à informação sobre todos os valores dispendidos e dispensados pelo Governo, bem como

a quem são concedidos e como revertem em seu favor.

Houvesse efetiva fiscalização de contraprestações de programas de incentivos fiscais por

parte do Estado, certamente muitos deles não seriam dados ou seriam suspensos, culminando na

arrecadação e cobrança de valores não recolhidos por conta de impostos para integrar os cofres

públicos. Houvesse, portanto, a correta ação do Estado, observando a concessão de novos

incentivos com maior rigor e, principalmente, fiscalizando a contraprestação de contratos já

vigentes, certamente haveria uma arrecadação considerável de impostos.

O Governo Estadual deve à sociedade gaúcha, deve ao Poder Legislativo e deve ao

Tribunal de Contas do Estado esclarecimentos sobre os repetidos programas de incentivos

10 Disponível em http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/consultas/contas_estaduais/contas_ governador/pp_2014.pdf pg. 81/82. Acesso em 28/11/2015.

fiscais concedidos e NUNCA FISCALIZADOS, NUNCA COBRADOS, cuja importância

envolvida seria suficiente à manutenção do patrimônio público, empresas e fundações

públicas, evitando as medidas de austeridade propostas pelo Governo.

Como é possível concluir, sem informações precisas sobre os programas de

incentivos fiscais, o que decorre da falta de transparência por parte da Administração, não

possuem os Parlamentares condições de tomar decisões no prazo limitado de trinta dias e

enfrentar votações de temas tão desconhecidos e que têm consequências tão drásticas ao

Estado e à sociedade.

Esses são alguns dos vários impeditivos ao regime de urgência que deveriam ter sido

observados pelo Governador ao encaminhar as proposições ao Legislativo.

DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS E LEGAIS PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no artigo 62 permite ao Governador

encaminhar à Assembleia Legislativa projeto de lei solicitando regime de urgência:

Art. 62. Nos projetos de sua iniciativa o Governador poderá solicitar à Assembléia Legislativa que os aprecie em regime de urgência. § 1.º Recebida a solicitação do Governador, a Assembléia Legislativa terá trinta dias para apreciação do projeto de que trata o pedido. § 2.º Não havendo deliberação sobre o projeto no prazo previsto, será ele incluído na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação de qualquer outro assunto até que se ultime a votação. § 3.º O prazo de que trata este artigo será suspenso durante o recesso parlamentar.

Cumpre atentar que o caput do dispositivo estabelece que ´poderá’ o Governador, nos

projetos de sua iniciativa, solicitar à Assembleia Legislativa que os aprecie em regime de

urgência. Não é regra, portanto, a atribuição de regime de urgência.

A norma estadual é clara e inequívoca ao dar ao Governador a OPÇÃO de solicitar o

regime de urgência, que consiste em imposição de votação, pelos Deputados, no prazo de trinta

dias, sob pena de sobrestar a pauta da Casa Legislativa.

É natural concluir que não é toda e qualquer norma que poderá tramitar sob esse regime,

pois se trata de um permissivo excepcional, a ser utilizado quando estritamente necessário.

A Constituição Estadual não deixa expressos os casos que admitem regime de urgência,

limitando-se a prescrever a possibilidade dessa exceção. Apesar de não arrolar critérios que

poderiam permitir a utilização desse regime, certo é que deve ser usado de forma razoável.

Não parece possível e, tampouco razoável, impor ao Poder Legislativo que examine

no prazo de trinta dias número tão expressivo de projetos de lei, que possuem tanta

relevância para o Estado e para a sociedade, conforme já explanado.

A imposição de ‘urgência’ para a votação de norma não possui critérios fixados em lei,

tampouco possui conceituação no ordenamento jurídico. Trata-se de um conceito subjetivo, no

dizer que Mendes, que apresenta importante análise sobre a matéria:

Mesmo considerando que o conceito de urgência é subjetivo, expresso por um juízo de valor ou juízo axiológico, e que o critério de avaliação é preponderantemente político, não havendo, portanto garantia de objetividade jurídica, há de se reconhecer que o entender subjetivo-discricionário do Presidente da República sobre a necessidade de urgência para a apreciação de um projeto não deve se diferenciar muito do senso comum que predomina que entre os parlamentares. Além do mais, há de se reconhecer que o entendimento dos deputados, representantes do povo, se aproxima mais dos interesses do cidadão do que da estrutura do poder central. Já que ao Poder Legislativo foi concedida a função de legislar sobre os assuntos que são de interesse da sociedade e do governo. 11

Não obstante o enfoque desse estudo tenha sido a lei federal, são os ensinamentos

totalmente aplicáveis à norma estadual. Isso porque o princípio da simetria impõe que o

processo legislativo estadual seja simétrico ao da Constituição Federal (artigo 25), não podendo

desse divergir.

Segundo o mesmo estudo antes mencionado, o regime de urgência fora criado como

mecanismo excepcional para atender situações realmente urgentes. Relata Mendes que:

Em reunião de audiência pública realizada pela Comissão Especial para a reformulação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o então Deputado Prisco Viana lembra que o regime

11 MENDES, Simone Crema. A urgência constitucional e o seu reflexo no processo legislativo. Brasília: Câmara dos Deputados-Empreendimentos UnB, 2002. p. 23-24

de urgência foi concebido como mecanismo excepcional - extraordinário -, para atender situações urgentes realmente, mas que acabou se tornando regra para a tramitação legislativa. O Deputado ressalta ainda que: "tem se verificado que a urgência é utilizada não como mecanismo para acelerar propriamente dito a tramitação, mas para se adotarem decisões que escapam da avaliação mais responsável, mais cuidadosa, por parte de toda a Casa. A urgência, como se sabe, elimina diversas etapas de tramitação ordinária exatamente para acelerar o exame da proposição beneficiada com esse rito especial. Com isso, as Comissões e o Plenário sofrem grandes limitações no exercício de suas competências (...) O Plenário é quase sempre surpreendido, e acaba homologando essas decisões sem adequado conhecimento de causa, com graves danos para o processo legislativo. As Comissões técnicas são, assim, colocadas à margem, e os pareceres são dados em plenário, por relatores designados pela Mesa, que acabam se pronunciando apressada e até irresponsavelmente sobre matéria de que tiveram conhecimento naquele instante" 12

O relato transcrito é o espelho do que ocorre no Poder Legislativo do Estado em face

das proposições enviadas em 22/11/2016. A urgência foi utilizada pelo Governador como

um mecanismo para acelerar a tramitação, ignorando várias etapas que seriam exigíveis

numa tramitação normal, tentando impedir que haja aprofundamento no estudo das

matérias.

Vale novamente citar Mendes, que enfrenta o problema dos pedidos de urgências de

tramitação, afirmando que a finalidade desse meio excepcional tem sido desvirtuado pela

prática desmedida e desnecessária do recurso:

No entanto intenção do constituinte foi adulterada pela prática excessiva o recurso da urgência constitucional para matérias sem que muitas vezes não possuem têm o caráter de urgência e relevância. Analisando os reflexos da Urgência Constitucional na Pauta, pode-se afirmar que hoje quem organiza a pauta de votação é o Presidente da República e não o Presidente da Câmara dos Deputados, conforme determinam os arts 17, I, s, e arts. 83, 86 e 143, 111 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Ou seja, o dispositivo constitucional da urgência que tinha o objetivo de limitar a interferência do Executivo nas funções do Legislativo, tem tido esta finalidade desvirtuada.13

12 MENDES, Simone Crema. A urgência constitucional e o seu reflexo no processo legislativo. Brasília: Câmara dos Deputados-Empreendimentos UnB, 2002. p. 24. A autora cita as Notas taquigráficas da Reunião de audiência pública realizada pela Comissão Especial do Regimento interno, Câmara do Deputados Federais, em 08/06/1999. 13 MENDES, Simone Crema. A urgência constitucional e o seu reflexo no processo legislativo. Brasília: Câmara dos Deputados-Empreendimentos UnB, 2002. p. 21

A urgência não pode ser sobreposta à relevância da norma a ser examinada. Se

analisada com celeridade, porém sem a devida atenção que a norma merece em face do seu

objeto, ela não atingirá o fim desejável e não estará atendido o devido processo legislativo.

O Ministro Gilmar Mendes reconhece a existência de questões complexas perante o

Legislativo e refere a necessidade de um olhar mais atendo à proposição diante dessas normas:

A complexidade de algumas obras legislativas não permite que elas sejam concluídas em prazo exíguo. O próprio constituinte houve por bem excluir do procedimento abreviado os

projetos de código (CF, art. 64, § 4º), reconhecendo expressamente que obra dessa envergadura não poderia ser realizada de afogadilho. Haverá trabalhos legislativos de igual ou maior complexidade. Não se deve olvidar, outrossim, que as atividades parlamentares são caracterizadas por veementes discussões e difíceis negociações, que decorrem mesmo do processo democrático e do pluralismo político reconhecido e consagrado pela ordem constitucional (art. 1º, caput, I). [ADI 3.682, voto do rel. min. Gilmar Mendes, j. 9-5-2007, P, DJ de 6-9-2007.]

É fácil concluir que o Governador do Estado impôs aos projetos de lei medida de

urgência com a finalidade de, justamente, não lhes proporcionar tempo para estudos e para

análises das questões inerentes às normas. Impôs pressa aos Parlamentares para que não

pudessem apreciar com profundidade as propostas e as consequências de sua validação.

Dessa forma, é necessário que seja o Governador compelido a prestar todas as

informações indispensáveis para a análise das propostas, valendo citar:

- todas as funções e responsabilidades das Fundações, da SPH e da CORAG;

- relatórios financeiros relativos às instituições que pretende extinguir;

- destinação de servidores;

- pretensa destinação dos recursos hoje empregados nas instituições;

- montante gasto atualmente com remuneração de pessoal das instituições que

pretende sejam extintas e percentual que representa perante a totalidade dos gastos;

- montante que as fundações e demais empresas arrecadam mediante serviços,

produtos e outras formas;

- indicação de quem ou qual entidade executará/continuará os serviços atualmente

prestados pelas instituições que estão passíveis de serem extintas. A CIENTEC, por

exemplo, presta serviços essenciais, como análises, testes e ensaios, vinculada a diversas

secretarias do Estado (Secretaria de Obras, Secretaria da Agricultura e outras), estando

algumas com editais já em andamento.

O Poder Executivo, ao deixar de prestar tais informações a fim de impossibilitar aos

Parlamentares uma decisão consciente, descumpre seus deveres de publicidade e transparência,

princípios esses que devem conduzir os atos da Administração Pública, nos termos do que

preceitua o artigo 37 da Constituição Federal de 1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

O Estado possui o dever de informar ou conferir o acesso à informação de interesse

público, tanto que a Constituição Federal de 1988 elevou à categoria de direito fundamental ao

acesso à informação de interesse público, após inserir o direito no seu artigo 5º:

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

O direito à informação está previsto, inclusive, na Declaração Interamericana de Direitos

Humanos, que assegurou como direito fundamental do indivíduo o direito de obter informações do

Estado:

Item 4 – O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental do indivíduo. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício desse direito. Este princípio só admite limitações excepcionais que devem estar previamente estabelecidas em lei para o caso de existência de perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas.

Sobre o princípio da Publicidade, vinculado à efetivação da transparência na gestão, o

consagrado doutrinador Hely Lopes Meirelles expõe que:

A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. [...] Lamentavelmente, por vício burocrático, sem apoio em lei e contra a índole dos negócios estatais, os atos e contratos administrativos vêm sendo ocultados dos interessados e do povo em geral, sob

o falso argumento de que são ‘sigilosos’, quando na realidade, são públicos e devem ser divulgados e mostrados a qualquer pessoa que deseje conhecê-los e obter certidão. 14 [...] A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes.15

A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/12) igualmente ordena a máxima divulgação

das informações públicas, inclusive por meio de sítio eletrônico (internet), independentemente de

requerimento.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) e a Lei Complementar

nº 131/2009, que inseriu modificações naquela, deixaram inequívoco o dever de publicização dos

atos administrativos, inclusive por meio eletrônico acessível ao cidadão, consolidando o

PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA na gestão da administração financeira.

Por meio do princípio da Publicidade, o qual estabelece a transparência da gestão

financeira, é possibilitado o controle social das contas públicas, facilitando o acesso a dados

relativos a despesas, investimentos, gestão de pessoal, orçamentária e financeira. Dessa forma,

é possível limitar a margem de atos de improbidade e corrupção, ou seja, a divulgação de dados

para os administrados pode caracterizar uma medida de caráter preventivo e fiscalizador,

objetivando o direito a uma boa administração pública.

Nesse sentido preleciona Wallace Paiva Martins Junior:

A publicidade ampla é o primeiro estágio de democratização da gestão pública, mas não se esgota em si própria. Ela desempenha importante papel formal para a motivação e a participação. Entre elas se estabelece um círculo virtuoso porque “o conhecimento do fato (acesso, publicidade) e de suas razões (motivação) permite o controle, a sugestão, a defesa, a consulta, a deliberação (participação)”. Círculo virtuoso que tem efeitos formidáveis, bem aquilatados: a transparência é um dos deveres funcionais que alcançam a ética, articulada através de expedientes de sua

14 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31ª ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 94. 15 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31ª ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 95.

instrumentalização, como a motivação, o acesso às informações, o contraditório e a participação popular.16

DO REQUERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR

Diante dos argumentos apresentados, conclui-se que o Poder Executivo impôs ao

Legislativo a votação de projetos de lei e propostas de emenda constitucional sem as devidas

informações e, sem tempo hábil para a compreensão e estudo da matéria, realizando um

processo legislativo inadequado.

Considerando que os projetos têm previsão de votação para a próxima semana

(19/12/2016 ou 20/12/2016), que não há elementos suficientes a ensejar a tomada de decisão e,

que os principais atingidos serão os cidadãos que atuam nas instituições, requer a concessão de

medida liminar para determinar ao Governador do Estado que RETIRE O REGIME DE

URGÊNCIA IMPOSTO ÀS PROPOSIÇÕES APRESENTADAS À CASA LEGISLATIVA.

Estão presentes os requisitos necessários à concessão de medida liminar, na forma do

art. 12 da Lei 7.347/85, sem que seja necessária justificação prévia, a saber:

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

16 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Princípio da publicidade. In: Princípios de Direito Administrativo. Organizador: Thiago Marrara. São Paulo: Atlas. 2012. p. 235.

Requer, ainda, seja notificada a Exma. Sra. PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA

LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Deputada Silvana Covatti acerca da

liminar concedida.

DOS PEDIDOS

Ante todo o exposto, requerem as Entidades Postulantes seja recebida a presente petição

inicial, citando-se o Demandado para, querendo, contestá-la e apresentar as informações

pleiteadas. Além disso, requer a intimação do Ministério Público Estadual, na forma do

determinado no artigo 5º, § 1º da Lei nº 7.347/85.

Requer, em análise de mérito, seja a ação julgada procedente, a presente ação, com a

confirmação da liminar concedida para retirar o regime de urgência das proposições apresentadas

à Assembleia e ordenado ao Governador do Estado que preste aos Parlamentares e aos cidadãos

gaúchos as seguintes informações, indispensáveis para a análise das propostas do Pacote em

questão:

- todas as funções e responsabilidades das Fundações, da SPH e da CORAG;

- relatórios financeiros relativos às instituições que pretende extinguir;

- destinação de servidores;

- pretensa destinação dos recursos hoje empregados nas instituições;

- montante gasto atualmente com remuneração de pessoal das instituições que

pretende sejam extintas e percentual que representa perante a totalidade dos gastos;

- montante que as fundações e demais empresas arrecadam mediante serviços,

produtos e outras formas;

- indicação de quem ou qual entidade executará/continuará os serviços atualmente

prestados pelas instituições que estão passíveis de serem extintas. A CIENTEC, por

exemplo, presta serviços essenciais, como análises, testes e ensaios, vinculada a diversas

secretarias do Estado (Secretaria de Obras, Secretaria da Agricultura e outras), estando

algumas com editais já em andamento.

Requer seja permitida a produção de provas, em todos os meios em Direito admitidos.

A presente demanda é isenta de custas processuais, na forma do disposto no artigo 18 da

Lei nº 7.347/85.

Dá-se à causa o valor de R$ 8.657,50.

Espera deferimento.

Porto Alegre-RS, 13 de dezembro de 2016.

Angela Von Mühlen Pedro Inácio von Ameln Ferreira e Silva OAB/RS 49.157 OAB/RS 69.018 Sandra Mendonça Suello da Silva Eduardo Machado Mildner

OAB/RS 81.139 OAB/RS 81.302

Marcus Eduardo Von Mühlen

OAB/RS 101.956