Ação judicial Cinesercla Venda Casada alimentos

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA CÍVEL DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – MINAS GERAIS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através do Promotor de Justiça que esta subscreve, com lastro na Notícia de Fato nº 0105.16.001047-3 , no exercício de suas atribuições institucionais, embasado nos artigos 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigos 1º e 25, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625/1993; e com base na Lei nº 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública e demais disposições legais que regem a matéria, vem à presença de Vossa Excelência, AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face de EMPRESA DE CINEMAS SERCLA LTDA – EPP (CINESERCLA) , CNPJ nº 86.608.171/0009-70, pessoa jurídica de direito privado, com endereço na Avenida Sete de Setembro, nº 3500, loja 145, em Governador Valadares (GV Shopping), pelos fatos e fundamento que passa a expor: 1 – DOS FATOS: A presente ação civil pública tem como objetivo a proteção dos interesses dos consumidores, em relação aos serviços prestados pela empresa de cinema requerida, a fim de que se adote a obrigação de não fazer consistente em se abster de impedir a entrada e o consumo por seus clientes (espectadores) de alimentos, bebidas e/ou 15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA

CÍVEL DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – MINAS GERAIS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS,

através do Promotor de Justiça que esta subscreve, com lastro na Notícia de Fato nº

0105.16.001047-3, no exercício de suas atribuições institucionais, embasado nos artigos

127 e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigos 1º e 25, inciso IV, da Lei Federal

nº 8.625/1993; e com base na Lei nº 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública e demais

disposições legais que regem a matéria, vem à presença de Vossa Excelência,

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de EMPRESA DE CINEMAS SERCLA LTDA – EPP

(CINESERCLA), CNPJ nº 86.608.171/0009-70, pessoa jurídica de direito privado,

com endereço na Avenida Sete de Setembro, nº 3500, loja 145, em Governador

Valadares (GV Shopping), pelos fatos e fundamento que passa a expor:

1 – DOS FATOS:

A presente ação civil pública tem como objetivo a proteção dos interesses

dos consumidores, em relação aos serviços prestados pela empresa de cinema requerida,

a fim de que se adote a obrigação de não fazer consistente em se abster de impedir a

entrada e o consumo por seus clientes (espectadores) de alimentos, bebidas e/ou

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qualquer outro produto alimentícios que não os comercializados pela ré e/ou que dela

tenham sido adquiridos.

A empresa Cinesercla é detentora do único cinema existente na cidade de

Governador Valadares, a qual conta com uma população de aproximadamente 278.363

habitantes (IBGE) e situada na Região do Vale do Rio Doce que é composta de 49

(quarenta e nove) municípios e com uma população de 646.879 habitantes (ano 2010).

Segundo consta, trata-se do único cinema instalado no único Shopping da

região (GV Shopping), o qual possui capacidade de 554 lugares, distribuídos em 4

(quatro) salas.

A atividade principal da empresa se resume à exibição cinematográfica e,

paralelamente, explora os serviços de lanchonete (bomboniere), onde comercializa

pipocas, balas, refrigerantes e chocolates. Vale destacar que após a aquisição dos

ingressos, o consumidor se dirige ao corredor que dá acesso às entradas das salas, sendo

que à esquerda da fila encontra-se instalada a bomboniere (como chamariz).

A Cinesercla comercializa em sua bomboniere os seguintes alimentos:

doces (balas e chocolates), pipoca, refrigerante, sucos e água. Em relação a esses

produtos, cumpre salientar que os preços cobrados pela requerida são sempre superiores

aos praticados no mercado, haja vista o noticiado à fl. 33.

A prática abusiva praticada pela requerida consiste em impedir os

consumidores, os quais se direcionam ao único cinema da região, de entrarem no seu

estabelecimento com qualquer tipo de alimento (e/ou bebida).

Ainda, consta ressaltar que a empresa requerida não disponibiliza

nenhuma alternativa ao consumidor para acondicionar os produtos, restando a seus

clientes (consumidor) o descarte do alimento/bebidas ou seu consumo imediato, ocasião

em que perderá minutos do filme escolhido.

Ademais, da Investigação Preliminar anexa (0105.16.001047-3) consta o

REDS 2016-008770594-001, lavrado por consumidora que foi impedida de ingressar à

sala de cinema por levar consigo um lanche (hambúrguer) adquirido em outro

estabelecimento. (fls. 5-9 e 33)

Inclusive, durante a apuração do procedimento realizou-se a oitiva de

funcionários da reclamada, os quais confirmaram a prática abusiva (fls. 17 e 34/35 - IP).

Desta forma, os consumidores que tentam ingressar no interior do cinema

(com alimentos e/ou bebidas, que não os previamente estabelecidos pela ré) adquiridos

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em outros estabelecimentos são impedidos pelos funcionários do local (porteiros),

passando por situação constrangedora, como aquela vivenciada pela consumidora

mencionada à fl. 33.

É indubitável que a imposição da ré se mostra abusiva e ilegal, estando

em desconformidade com as regras relativas aos direitos dos consumidores.

2 – DO DIREITO

A) DA IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR

Discute-se, fundamentalmente, nesta demanda, a existência de venda,

casada efetuada pela Requerida, a consequente limitação do direito de liberdade de

escolha do consumidor, e a utilização de propaganda enganosa por omissão de dados

essenciais, práticas estas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Precipuamente, é relevante a feitura de uma análise do que venha ser a

liberdade, uma vez que tal direito integra o rol dos direito fundamentais. Em um estudo

preliminar, José Afonso da Silva expõe as modalidades de liberdade interna e externa,

conceituando a primeira como sendo a possibilidade de escolha “entre alternativas

contrárias, se se tiver conhecimento objetivo e correto de ambas1”.

No direito do consumidor, a liberdade de escolha pode ser entendida

como uma consequência da liberdade de contratar, ou seja, do princípio da autonomia

privada, da livre iniciativa. Assim, nos termos do que preleciona Tiago Goulart Vargas,

pode-se dizer que “a liberdade de escolha consiste na livre escolha de consumir o

produto ou contratar serviço que considerar adequado a sua necessidade”. 2

O direito de escolha deve ser respeitado, principalmente na seara do

Direito do Consumidor, em que a vulnerabilidade é regra absoluta na relação jurídica

consumidor/fornecedor, imposta pelo Código de Defesa do Consumidor como alicerce

ao cumprimento do princípio constitucional da isonomia.

Em suma, a hipossuficiência exigida pela lei é a técnica ou de

conhecimento, ou seja, aquela diminuição da capacidade do consumidor que diz

respeito à falta de conhecimentos técnicos inerentes à atividade do fornecedor, ou 1SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 231.

2Disponível em: http://www.upf.br/balcaodoconsumidor/images/stories/materiais/seminario/tiago_vargas.pdf. Consulta realizada em 12 de abril de 2012.

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retidos por ele, isto é, a falta de conhecimento técnico sobre o objeto de uma relação de

consumo (produto ou prestação de serviços).

Além de ter o dever de garantir a liberdade de escolha ao consumidor, o

fornecedor deve assegurar-se de que o consumidor, em virtude de sua hipossuficiência

técnica ou de conhecimento, seja bem esclarecido sobre o produto ou serviço oferecido.

Assim, o artifício criado pela Requerida, gerou para si uma vantagem

manifestamente excessiva, em total afronta aos princípios de proteção do consumidor.

Através de sua conduta, a qual configura prática abusiva, viola o direito

de escolha do consumidor, previsto no artigo 6º, inciso II, do CDC.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos

produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a

igualdade nas contratações.

B) DA “VENDA CASADA”

Por praticas abusivas entendem-se “ações e/ou condutas que, uma vez

existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não

algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem

de fato no mundo fenomênico”. 3

Assim, a conduta da requerida é abusiva e ilegal ante a vedação prevista

no artigo 39, inciso I e V do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre

outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao

fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa

causa, a limites quantitativos;

V – exigir do consumidor vantagem manifestadamente

excessiva.

3 (NUNES, Rizzato, Curso de Direito do Consumidor. 6 ed., rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 588)

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À evidencia, a política adotada pelo Cinesercla é abusiva, pois marcara

uma espécie de venda casada.

Na doutrina, o Min. Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, que

colaborou para a elaboração do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor e

acompanhou sua evolução até a promulgação da lei, pontuou:

“As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades

enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da

veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de

opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos

substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de

uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como

propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem

defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a

exercê-las. (...)

O Código proíbe, expressamente, duas espécies de

condicionamento do fornecimento de produtos e serviços. Na

primeira delas o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou

serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir

também um outro produto ou serviço. É a chamada venda

casada. Só que, agora, a figura não está limitada apenas á

compra e venda, valendo também para outros tipos de negócios

jurídicos, de vez que o texto fala em fornecimento, expressão

muito mais ampla.”4

Ainda, no mesmo sentido são as lições de Claudia Lima Marques:

Tanto o CDC como a Lei Antitruste proíbem que o fornecedor

se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para

determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor.

Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada

venda “casada”, que significa condicionar o fornecimento de

4 (GRINOVER, Ada Pellegrinni. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos e. FINK, Daniel Roberto. FILOMENO, José Geraldo Brito. NERY JUNIOR, Nelson. DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Vol. I. 10ª ed., rev., atual., reform. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 382).

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produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço.

O inciso ainda proíbe condicionar o fornecimento, sem justa

causa, a limites quantitativos. A jurisprudência assentou que a

prática de venda casada não pode ser tolerada, mesmo se há uma

bebesse para o consumidor incluída nesta prática abusiva, pois

apenas os limites quantitativos é que podem ser valorados como

justificados ou com justa causa. 5

A razão de ser da proibição à chamada venda casada se justifica na

vedação ao fornecedor de, utilizando-se de sua superioridade econômica ou técnica,

estipular condições negociais em prejuízo ao consumidor, prejudicando sua liberdade de

escolha entre os produtos e serviços, no que tange à qualidade e aos preços

competitivos.

Com efeito, a requerida condiciona o fornecimento de seus serviços ao

fornecimento de produtos comercializados no interior de seu estabelecimento, na

medida em que exige o descarte (vez que não fornece outra possiblidade) de alimentos

e/ou bebidas, que não aqueles por ela comercializados, adquiridos em outros locais, para

o ingresso dos frequentadores.

Os consumidores compram ingressos para um determinado evento

(sessão de cinema) e se dirigem às instalações da requerida interessados nos serviços

prestados, mas acabam sendo obrigados, ainda que indiretamente, a consumir os

alimentos e bebidas vendidos no local. Assim, a Cinesercla condiciona a entrada dos

consumidores no interior das salas de cinema à aquisição dos produtos

comercializados em sua bomboniere.

Desta forma, estamos vivenciando a venda casada transversa, ocasião em

que a requerida impede a entrada de produtos alimentícios que não os fornecidos por si,

obrigando o consumidor, de certa forma, a consumidor determinados gêneros

alimentícios (escolhidos previamente pela ré).

Durante julgamento de caso idêntico ao presente, o Ministro Benedito

Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça, reafirmando a decisão anteriormente

proferida pela Egrégia Primeira Turma do STJ (RESP 744602/RJ) decidiu:

5 (MARQUES, Claudia Lima Marques. BENJAMIM, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: 3ª ed., ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 p. 763

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“No recurso especial, aponta-se violação dos artigos 188, I, do

Código Civil, 462 do Código de Processo Civil e 39 do Código

de Defesa do Consumidor (fls. 226-238).

Contrarrazões ao apelo nobre às fls. 272-292.

Nas razões do agravo, alega-se que a irresignação em comento

preenche os requisitos de admissibilidade recursal, de modo que

o seu provimento é mister.

Contraminuta ao agravo de instrumento às fls. 465-469.

É o relatório. Passo a decidir.

Tendo em vista o cumprimento dos requisitos de

admissibilidade da irresignação recursal de que trata o art. 544

do CPC, conheço do agravo de instrumento e, considerando que

estão presentes os documentos necessários para o julgamento do

recurso especial, passo, doravante, a enfrentar o mérito da causa,

com arrimo nos artigos 544, § 3º, e 557, caput, do Código de

Processo Civil.

A pretensão recursal não merece guarida, porque a Primeira

Turma do STJ ostenta entendimento segundo o qual constitui

venda casada a proibição de empresa que exibe filmes

cinematrográficos, de ingressar em suas salas de exibição com

produtos alimentícios que não os fornecidos por si.

Confira-se, por oportuno, a ementa do julgado supra, ipsis

litteris:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO

DE MULTA PECUNIÁRIA POR OFENSA AO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR. OPERAÇÃO DENOMINADA

'VENDA CASADA' EM CINEMAS. CDC, ART. 39, I.

VEDAÇÃO DO CONSUMO DE ALIMENTOS

ADQUIRIDOS FORA DOS ESTABELECIMENTOS

CINEMATOGRÁFICOS.

1. A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na

livre iniciativa, deve observar os princípios do direito do

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consumidor, objeto de tutela constitucional fundamental especial

(CF, arts. 170 e 5º, XXXII).

2. Nesse contexto, consagrou-se ao consumidor no seu

ordenamento primeiro a saber: o Código de Defesa do

Consumidor Brasileiro, dentre os seus direitos básicos "a

educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos

e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas

contratações" (art. 6º, II, do CDC).

3. A denominada 'venda casada', sob esse enfoque, tem como

ratio essendi da vedação a proibição imposta ao fornecedor

de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica,

opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os

produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços

competitivos.

4. Ao fornecedor de produtos ou serviços, consectariamente,

não é lícito, dentre outras práticas abusivas, condicionar o

fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de

outro produto ou serviço (art. 39, I do CDC).

5. A prática abusiva revela-se patente se a empresa

cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos

na suas dependências e interdita o adquirido alhures,

engendrando por via oblíqua a cognominada 'venda casada',

interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de

produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade

comercial como, verbi gratia, os bares e restaurantes.

6. O juiz, na aplicação da lei, deve aferir as finalidades da

norma, por isso que, in casu, revela-se manifesta a prática

abusiva.

7. A aferição do ferimento à regra do art. 170, da CF é

interditada ao STJ, porquanto a sua competência cinge-se ao

plano infraconstitucional.

8. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de

origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e

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suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o

magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos

trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham

sido suficientes para embasar a decisão.

9. Recurso especial improvido (REsp 744.602/RJ, Relator

Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 15/3/2007).

Ante o exposto, conheço do agravo de instrumento e, desde

logo, nego seguimento ao recurso especial”.

(STJ – AG 1362633, Rel. Min. Benedito Gonçalves, d.p. DJe

02/03/2011)

Não se está afirmando, contudo, que qualquer um que pretenda assistir a

uma sessão de cinema deva obrigatoriamente adquirir os produtos alimentícios

comercializados pela empresa, mesmo que nada pretenda consumir.

Todavia, a requerida somente autoriza os espectadores (consumidor) a

adentrarem nas salas com os produtos alimentícios adquiridos (ou similares) àqueles

comercializados em sua bomboniere.

Importante destacar que a ré exige do consumidor vantagem

manifestamente excessiva, posto que tolhe do consumidor sua liberdade em escolher o

alimento que deseja consumir e lhe oferece (comercializa) produtos a preços excessivos.

Também, a ré não possibilita ao consumidor alternativas senão o descarte

do produto alimentícios que trazem consigo antes de ingressar nas salas de cinema ou

adentrar após o inicio da sessão (filme).

3 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público de Minas Gerais tem legitimidade para mover a

presente ação civil pública, para a defesa dos interesses difusos e indisponíveis

envolvidos na questão: a integridade física das pessoas.

Afinal, nos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal, ao

Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabelece que o

Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

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Nesse sentido, A Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, no artigo 129, atribuiu ao Ministério Público a função de promover ação civil

pública para a proteção de direitos difusos e coletivos, zelando pelo efetivo respeito dos

Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais.

Consultem-se os arts. 25, inciso IV, a, e 27 da Lei Federal 8.625/93 (Lei

Orgânica Nacional do Ministério Público) e os arts. 1º e 5º da Lei 7.437/85 (Lei de

Ação Civil Pública), os quais confere legitimidade ao Parquet para propositura de ação

em defesa dos direitos dos consumidores.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 81 e 82,

prescreve ser o Ministério Público legitimado para a defesa dos interesses e direitos dos

consumidores.

4 – DO DANO MORAL COLETIVO

Impõe-se, nessa esteira, a condenação da demandada ao pagamento de

valor, a ser revertido ao fundo criado pelo artigo 13 da Lei nº 7.347/85, a título de dano

extrapatrimonial coletivo, também denominado dano moral coletivo.

O dano moral está previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 1º

da Lei nº 7.347/85, por meio do qual é assegurada a responsabilização por danos morais

e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, aos

bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer

outro interesse difuso ou coletivo.

O dano moral coletivo tem arrimo no ordenamento jurídico pátrio. A

redação do artigo 6º da Lei nº 8.078/90, elenca a reparação desse como um dos direitos

básicos do consumidor.

Não é demasiado lembrar que o dano moral atinge direitos da

personalidade. Necessário, sobre o assunto, fazer menção à proposital alteração

implementada no caput do art. 1º da Lei nº 7.347/85, promovida em junho de 1994 pela

Lei nº 8.884/94, onde estabeleceu:

“Art. 1º. Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da

ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e

patrimoniais causados”.

Evidente, portanto, o propósito da nova redação: proteger, por meio de

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ação de responsabilidade, aspectos morais (não-patrimoniais) dos direitos coletivos. Na

verdade, a alteração legal colimou explicitar que os danos ali referidos são os morais e

patrimoniais.

Nessa senda, com base na expressa previsão legal, tanto a doutrina como

a jurisprudência têm destacado a importância do dano moral coletivo na proteção dos

direitos metaindividuais, sobressaltando seu caráter punitivo.

Como argumento adicional ao reconhecimento do caráter punitivo do

dano extrapatrimonial coletivo, indique-se que o valor da condenação não vai para o

demandante, sendo convertido em benefício da própria comunidade, destinando-se a

fundo, conforme indicado no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Portanto, o dano moral coletivo constitui hipótese de condenação em

dinheiro com função punitiva e reparadora, face à ofensa a direitos coletivos.

Também há previsão sobre o tema na Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa

do Consumidor, que garante a prevenção e a reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos e o acesso aos órgãos judiciais e administrativos, além

de trazer o avanço das definições cabíveis dentro de direito coletivo (art. 81).

A indenização pelo dano moral sofrido tem previsão, ainda, nos incisos V

e X do art. 5º da Constituição Federal. Vejamos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes:

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,

além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo

dano material ou moral decorrente de sua violação”.

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No presente caso, como restou fartamente demonstrado, a conduta da

empresa de cinema é ilegal, por afrontar as normas infraconstitucionais que impedem a

prática da venda casada.

Há, no caso, o dever de indenizar porque a conduta ilícita praticada

ofendeu valores fundamentais compartilhados por todos os brasileiros.

Ensina Carlos Alberto Bittar Filho6:

O DANO MORAL COLETIVO É A INJUSTA LESÃO DA

ESFERA MORAL DE UMA DADA COMUNIDADE, OU SEJA,

É A VIOLAÇÃO ANTIJURÍDICA DE UM DETERMINADO

CÍRCULO DE VALORES COLETIVOS. Quando se fala em

dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o

patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou

menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira

absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer

isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura,

em seu aspecto imaterial.” (grifos nossos). (BITTAR FILHO,

Carlos Alberto. “Do dano moral coletivo no atual contexto

jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.)

Além disso, necessário considerar o flagrante e habitual desrespeito aos

consumidores, sendo que a requerida se aproveita de suas inexperiências, bem como das

expectativas geradas pelo evento que produz, para lesar os seus direitos.

5 – DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (LIMINAR)

Consoante o artigo 12 da Lei nº 7.347/85, é cabível a concessão de tutela

de urgência, com ou sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil pública,

sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar.

Requer-se liminarmente, sem a necessidade de prévia oitiva da parte

adversa, por estarem presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano, vez que a

cada dia (sessão) os consumidores são tolhidos em seu direito.

6 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.

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A probabilidade do direito está cabalmente demonstrada pelos

documentos que acompanham a presente, e, ainda, pelas normas mencionadas.

Por outro lado, se for possibilitado à requerida continuar com sua

atividade danosa enquanto corre o processo — o que poderá durar anos —, estar-se-á

permitindo a lesão irreversível ao direito coletivo dos consumidores.

Outrossim, a perda monetária reiterada por parte de inúmeros

consumidores que assistem às sessões de cinema. Muitos são os que vêm de outras

cidades para participarem, vez ser a requerida detentora do único cinema da região.

Disso resulta a necessidade de tutela de urgência, determinando que a

requerida se abstenha de impedir que consumidores adentrem em suas salas de cinema

instaladas no GV Shopping, com alimentos e bebidas (de qualquer espécie) adquiridos

de terceiros (que não em sua bomboniere), é bom ressaltar, tudo com base no artigo 12

da Lei 7347/85 e sob pena de pagamento de multa cominatória pelo descumprimento.

A não adoção de medidas imediatas e eficazes, inquestionavelmente,

gerará na comunidade sentimento de abandono, de desprezo e, pior, de total descrença

nos Poderes constituídos, além daquela desconfortável sensação de que “aos grandes e

poderosos nada acontece”.

Ademais, os consumidores tem direito à liberdade de escolha acerca dos

alimentos e bebidas que pretendem adquirir, no que tange à qualidade e aos preços

competitivos, não podendo ser obrigados pela requerida a adquirir somente

determinados alimentos e bebidas.

6 – DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DEMINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

MINAS GERAISMINAS GERAIS:

1) nos termos do art. 12 da Lei 7.437/85, a concessão de MEDIDA

LIMINAR (TUTELA DE URGÊNCIA), sem oitiva da parte contrária, impondo-se

ao requerido a obrigação de não fazer, no sentido de abster-se de impedir o acesso

de consumidores às sessões (salas) de cinema portando alimentos e bebidas (de

quaisquer espécie) que não sejam adquiridos e/ou comercializados na bomboniere

da empresa Sercla de Cinema (Cinesercla);

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Page 14: Ação judicial Cinesercla Venda Casada alimentos

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG

1.A) em caso de descumprimento da liminar, seja fixada a multa

cominatória, a título de tutela inibitória, de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser paga

pela demandada, nos termos dos arts. 12, § 2º, e 21 da Lei 7.347/85 c/c o art. 84, § 4º,

da Lei 8.078/90;

1.B) O valor resultante da multa por inadimplemento será integralmente

revertido em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85, observado o disposto

no parágrafo único da referida norma jurídica;

2) a citação da demandada, para responder aos termos da presente ação;

3) a intimação pessoal do autor de todos os atos e termos processuais,

na pessoa do 15o Promotor de Justiça de Governador Valadares, especializado na

Defesa do Consumidor;

4) A procedência do pedido, para o fim de que seja a requerida

condenado à obrigação de não fazer, no sentido de abster-se de impedir os

consumidores de adentrem às suas salas portando alimentos e bebidas (de qualquer tipo

e espécie) e independente daqueles comercializados pela requerida e/ou do

estabelecimento onde foram adquiridos;

5) A condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos

morais coletivos, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), acrescidos de juros e

correção monetária a partir da citação, importância que deverá ser revertida ao Fundo de

Direitos Difusos previsto na Lei nº 7.347/85;

6) A imposição de multa cominatória no valor de R$10.000,00 (dez mil

reais), pelo descumprimento de qualquer decisão judicial, inclusive eventual liminar

(tutela de urgência), a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses

Difusos e Coletivos.

7) Requer ainda seja o requerido condenado ao pagamento das custas e

demais despesas processuais.

8) Que seja admitido ao autor fazer prova dos fatos alegados via da

juntada dos documentos em anexo e, se necessário for, através do depoimento pessoal

do requerido, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas a serem oportunamente

arroladas, perícias, juntada de documentos novos e todas as demais provas em direito

admitidas.

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15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 200.000,00 (duzentos

cem mil reais).

Governador Valadares, 29 de junho de 2016.

Lélio Braga CalhauPromotor de Justiça

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