Acao social crista

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Ação Social Cristã

Hélcio da Silva Lessa

Movimento “Diretriz Evangélica” Caixa Postal 71 Zc 09

Guanabara

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DEDICATÓRIA

Aos

piorieiros de “Diretriz Evangélica”

- Herói admiráveis de uma jornada gloriosa.

A

Minha esposa

- bênção preciosa que Deus me concedeu.

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SUMÁRIO

Ponto de Partida

Definindo os Têrmos

Os Fundamentos Bíblicos

O Testemunho da História

Capacitando-nos para a Ação

Um Programa de Ação

Bibliografia

Anexos:

Manifesto da Ordem dos Ministros Batistas do Brasil

Declaração da Igreja Reformada Francesa

Manifesto da Aliança Batista Mundial sobre Liberdade Religiosa

Credo Social da Igreja Metodista do Brasil

Relatório da Comissão de Vida Cristã, da Concenção Batista do Sul dos Estados Unidos.

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PONTO DE PARTIDA

“Não cuidais que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir”

Mateus 5.17.

“A missão da Igreja é evangelizar. Não se pretende nesta hora um sucedâneo para a evangelização, nem um programa diferente para a Igreja. O que se pretende é uma conceituação adequada de evangelização, sim.”

* * * * * *

“Vamos evangelizar, porque para outra coisa não estamos neste mundo, mas cumpramos o que pretendeu o Mestre quando nos mandou fazê-lo. O que estamos querendo não é substituir o que temos feito. Vamos às praças; vamos repetir João 3.16 com toda a vivência. Continuemos a pregar dos púlpitos o mesmo Evangelho que temos pregado. Prossigamos no nosso caminho, mas levemos esta responsabilidade de proclamar a mensagem de Cristo e de estabelecer o Reino de Deus, às últimas consequências. Nada mais, nada menos. Não fujamos à inteireza da responsabilidade que Cristo nos deixou”.

Trecho de uma intervenção do Autor nos debates do I Encontro de Líderes da Juventude Batista Latino Amaricana, realizado em Porto Alegre em maio de 1964.

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DEFININDO OS TERMOS

Sempre que no seio de determinada comunidade surge uma ideia nova, ou quando uma situação social já cristalizada, estável, sofre o impacto de um fato novo, inquietam-se os espíritos que consideravam satisfatórias ou definitivas as condições em que viviam. Tanto o apego ao status quo, como a não compreensão do fato novo, geram um clima de suspeição e preconceitos grandemente prejudicial à paz, à justiça e à percepção da verdade.

Via de regra, entretanto, tal confusão resulta não propriamente da idéia em si, ou dos conceitos novos, mas da perplexidade causada pela terminologia utilizada paca traduzi-los, quer por ser inédita, e por conseguinte vazia de sentido para os não iniciados, quer por se prestar a equívocas interpretações, que a semelhança com termos conhecidos sugere. Dai a conveniência de primeiramenle proceder-se à definição dos tèrnios, para que as idáias possam ser apreciadas com objetividade e clareza.

Quer nos parecer que assim aconteceu, entre nós, com a expressão “ação social cristã”. E porque consideramos o seu conteúdo um fator importante para a comprecnsão mais adequada da nossa missão como “cooperadores de Deus”, como “sal da terra e luz do mundo”, impomo-nos a tarefa de definí-la, diferenciando-a de outras expressões que têm sentido correlato, mas de nenhuma forma idêntico.

* * *

Pelo menos, três expressões são à miúde equivocadamente associadas à preocupação e à atitude que com propriedade podem ser atribuídas à “acão social”. São elas “evangelho social”, “assistência social” e “serviço social”.

A primeira delas – “evangelho social” – refere-se a um movimento que floresceu nos Estados Unidos no princípio deste século, e que teve no batista Walter Rauschenbush um dos seus maioiores apóstolos e intérpretes, ainda que não tivesse sido ele o seu fundador. Surgiu – segundo Rauschenbush como uma reacão ao escapismo das igrejas evangélicas, que pelo exagero de sua

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preocupação escatológica e pelo cultivo exacerbado de um pietismo inconsequente, abstrairam-se do mundo em que viviam, negando qualquer implicação social à mensagem cristã, recusando-se, por isso mesmo, a assumir qualquer responsabilidade em face dos problemas de sua época. Como toda reação, foi levado, pelo inevitável movimento pendular, a extremos de secularização, chegando a pregar a plena realização do ideal do Reino de Deus neste mundo, vindo, por conseguinte, a transformar-se numa mera filosofia social. A despeito dos seus erros e excessos, cumpriu uma importante missão – despertou o evangelismo, mesmo os seus círculos mais conservadores, para uma visão mais ampla da responsabilidade dos cristãos na sociedade. Presentemente o “evangelho social”é apenas uma evocação histórica, não existindo mais como movimento organizado e atuante. Utilizar hoje a expressão adjetivamente, com sentido, via de regra, pejorativo, para recriminar os que se preocupam com a acão social cristã é revelar total desconhecimento do fato histórico.

Vejamos agora as outras duas – “assistência social”e “serviço soical”. Para evitar as definições técnicas e ao mesmo tempo para dar àquelas expressões um sopro de vida, um sentido existencial, relacionando-as com a nossa experiência e o nosso testemunho como cristãos, procuraremos iluslrá-las com uma situação social concreta.

Imaginemo-nos no Brasil, nos meados do século passado, ao tempo, portanto, em que ampla e livremente se praticava a escravatura. Hoje, essa nefanda instituição tem a repulsa de todo o mundo civilizado, sendo reconhecida como incompatível com os princípios e o espírito do Evangelho de Jesus Cristo. Naqueles dias, no entanto, ela era justificada pela sociedade, amparada pelo Estado (que lhe assegurava foros de legalidade), e não apenas tolerada, mas até mesmo teologicamente justificada pela Igreja, que abençoava os navios negreiros para propiciar-lhes uma “boa caçada”.

Várias atitudes poderiam ser tomadas, pêlos cristãos, ao tempo, para com as vítimas daquela hedionda instituição. A

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primeira seria estimular os indivíduos, e até mesmo organizá-los numa sociedade de benemerência, para levar água e pão aos negros açoitados que pendiam no pelourinho, tratando-lhes as feridas deixadas pela chibata. Seria um gesto nobre, e meritório, sem dúvida; oportuno, mas não satisfatório. Esta atitude tipifica o que poderíamos chamar de assistência social.

Espíritos mais sensíveis e de visão mais ampla, sem deixar de fazer aquela caridade, poderiam cogitar de auxílio mais eficaz aos infelizes. Organizar-se-iam, por, exemplo, para coletar recursos entre os livres, a fim de comprar a liberdade dos servos, assegurando-lhes um emprego, iniciando-os na vida, para que nunca mais precisassem ter as suas feridas pensadas no pelourinho. Seria, para os poucos que viessem a ser objeto daquela graça, uma solução total de seu problema pessoal; mas só para uns poucos. Isto equivaleria a um programa de serviço social.

Para levar aqueles sentimentos caridosos às suas últimas consequências, para permitir ao amor a sua completa florescência, bem como para revestir os seus esforços de maior inteligência, deveriam, no entanto, ir mais longe. Mantê-los no nível assistencial seria impor-se a uma tarefa sem fim, pois todos os dias seriam encontrados novos escravos no pelourinho para cuidar. Seria ainda tal gesto um paliativo apenas. Reunir, com entusiasmo crescente, sacrificial mesmo, ofertas para comprar a liberdade de um número cada vez maior de servos, seria, irônica e paradoxalmente, estimular o mercado de escravos. Haveria que lançar-se à ofensiva contra a própria instituição da escravatura, para abolí-la, de sorte a que não mais houvesse escravos para curar ou comprar. Não se estanca uma hemorragia absorvendo-se com um algodão o sangue que jorra, nem se pode manter um torniquete indefinidamente. Impõe-se fazer as suturas definitivas, ou eliminar as suas causas orgânicas. Este é o espírito e o sentido da ação social.

Tal atitude, entretanto, no que tange à escravidão, por mais justa e razoável que hoje nos pareça, teria sido naquela época, como realmente o foi, uma fonte de profundas amarguras

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e provações. Por ceder assim aos impulsos da consciência e da caridade cristãs, os que militaram contra a escravidão foram considerados “subversivos”, pois a escravatura era legal, merecendo o pleno endôsso moral e formal das “forças vivas” da sociedade de então. Tornaram-se também “herejes” e “heterodoxos”, pois os cânones da religião organizada forneciam cobertura doutrinária às razões dos escravagistas. Os que se esforçaram para fazer conformar a estrutura social com os “claros princípios do Evangelho, para assegurar aos indivíduos o direito à liberdade e à dignidade, foram identificados como “agentes” a soldo de potências estrangeiras, preocupados apenas com adivulgação, no país, de doutrinas políticas e filosofias sociais consideradas esdrúxulas e anti-cristãs, quais foram os princípios de “igualdade, liberdade e fraternidade”, da Revolução Francesa, e da “democracia representativa” dos Estados Unidos da América do Norte, que começavam a empolgar o mundo ocidental civilizado!

* * *

Não se modificaram até hoje, os têrmos da questão. Subsiste como legítima e iniludível responsabilidade dos cristãos, a par dos seus esforços pela eterna salvação de cada alma, lutar para que sejam erradicados da estrutura social do mundo em que vivemos, os vícios morais, políticos, econômicos, etc., que militam contra o bem estar do homem e aviltam a criatura de Deus impedindo-a de realizar plenamente a sua humanidade.

E mais: vivemos numa época de rápidas transformações sociais. O mundo de amanhã vai hoje tomando forma. Seus lideres fazem, cada dia, opções de extraordinária significação para o destino dos povos. Muitos, de boa fé, anseiam por soluções satisfatórias para os problemas humanos. E os arautos de todos os credos se apressam a apontar-lhes caminhos, a oferecer-lhes soluções. Faltarão, porventura, ao Deus Altíssimo, profetas que digam como quer o Senhor de toda a terra que vivam os homens no mundo?

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OS FUNDAMENTOS BÍBLICOS

Antes de nos determos na meditação de qualquer das inúmeras circunstâncias e preceitos escriturísticos que entendemos justificar plenamente as nossas preocupações, como cristãos, com a realidade social, impõe-se ressaltar um fato que deverá ser aclarado para poupar-nos esforços inúteis ou frustrações supérfluas. Ele envolve uma regra elementar de exegese ou hermenêutica: não devemos esperar achar sempre nas Escrituras uma situação análoga às que enfrentamos, para informarmo-nos do proceder aconselhável a nós, hoje. Assim como a Bíblia não é um livro de ciência, ou de sociologia, ou de história, tambem não é um manual de serviço ou acão social. Isto, não só porque a complexidade do mundo moderno nos situa em meio a problemas e realidades absolutamente inéditos, nunca vividos, ou suspeitados siquer, pelos profetas ou pelos primitivos cristãos, como também, e principalmente, porque ela é antes um veículo de princípios que Deus nos revelou para que nos situássemos no mundo e orientássemos a nossa vida de testemunho e serviço em todas as circunstâncias e em todos os tempos.

Se tivéssemos de resumir em um texto as razões inspiradas da nossa preocupação social, citaríamos Levítico 19.18 – “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. A justificar a escolha está o fato de que sendo um preceito da Lei, foi endossado por Cristo, e por ele próprio e pelos seus discípulos afirmado elemento imprescindível a uma verdadeira e completa experiência cristã (Mateus 19.19; Marcos 12.31; I João 4.20). São bastante amplas as implicações desse mandamento, que nos constrange a procurarmos assegurar ao nosso semelhante todas as circunstâncias e elementos que consideremos necessários ou desejáveis para o nosso crescimento, para a nossa paz, para o nosso aprimoramento, para a nossa felicidade terrena, para a nossa segurança eterna; enfim, para a plena realização da nossa humanidade. Mas essa mesma virtude do mandamento – sua universalidade – nos obriga a cogitações mais objetivas. Vejamos, pois, como sentiram e expressaram os profetas, o Senho Jesus, e

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os primitivos cristãos, segundo os .dados que o Espírito Santo preservou nas Sagradas Escrituras.

A Mensagem dos Profetas

Quando afirmamos que aos cristãos dos nossos dias cabe a tarefa ingente, mas gloriosa, de intervir (ou pelo menos participar) ativa e conscientinente no processo histórico da nossa nacionalidade, particularmente nesse momento de crise, a fim de fazer conformar a realidade porvir com os padrões do Reino de Deus, não estamos criando uma responsabilidade nova para o povo de Deus, nem o desviamos de seus caminhos próprios. Fazémo-lo impelidos pelo exemplo dos profetas de antanho, a quem devemos imitar hoje.

Nos dias críticos da escravidão no Egito, levantou Deus a Moisés, que “é reconhecido nas Escrituras não somente como libertador, organizador e estadista, mas também como grande profeta e doador da lei que recebeu diretamente de Deus, e transmitiu ao seu povo”. “No período dos Juizes, quase todos os libertadores de seu povo do poder dos inimigos receberam a sua orientação diretamente de Deus, ou por intermédio de outro que exercia a função de mensageiro ou profeta de Deus”.1

Quando a idolatria de Jezabel ameaçava suplantar a religião pura de Jeová, Elias, e depois Eliseu, se opuseram aos governantes, mostrando-lhes os caminhos de Deus. Outros, que se lhe seguiram, esforçaram-se por orientar os reis de Judá segundo a revelação divina. Obadias, Joel, Jonas, Oséias, Amos, Isaías, Miquéias foram todos portadores de uma mensagem viva, atual, objetiva, pugnando pela religião ética e espiritual de Jeová, combatendo a injustiça, a hipocrisia e a. incredulidade. “Foi nesse tempo que os profetas se apresentaram como estadistas que entenderam, melhor do que os próprios reis, o perigo de alianças políticas e a confiança no poder militar dos aliados pagãos para a defesa de Israel”2. Este foi, por exemplo, o caso de Natã, que no fim do reinado de Davi, em 961 AC, teve importante participacão                                                             1 A. R. Crabtree, Os Profetas e a Promessa, Rio 1947, pg 8 2 A. R. Crabtree, Op Cit., pg 9

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nas maquinações que levaram Salomão ao trono (I Reis 1.11-31), e o de Aias, que insuflou a divisão do Reino (I Reis 11.29-32), ou dos “bandos de profetas que se empenharam em despertar o fervor patriótico do povo e incitá-lo a limcar-se numa guerra santa contra os filisteus “ (I Samuel 10.5-13). Profetas que lutavam contra uma determinada ordem política, em nome de Deus. Na Babilônia, durante o cativeiro, foram ainda os abnegados homens de Deus que confortaram, instruíram e prepararam o povo para a restauracão e o cumprimento de sua missão. Onde quer que sobreviesse a crise e a provação ao povo, suscitava Deus os seus arautos para apontar melhores rumos do que os trilhados até então. Mas nem sempre a sua voz soou agradavelmente aos ouvidos do povo e dos dirigentes, como quando Jeremias reconheceu em Nabucodonozor, rei inimigo de Israel, um “servo” de Deus (27.6, 7), o instrumento de seu propósito na história, e aconselhou aos líderes de seu próprio povo: “metei o vosso pescoço no jugo do rei de Babilônia, servi-o… e vivereis” (Jeremias 27.12).

Os profetas, portanto, não só eram homens de seu povo, como de seu tempo; “eram, antes de tudo intérpretes do presente, da história contemporânea que eles e seus ouvintes estão vivendo”, ainda que “tenham falado, às vezes, de um futuro mais distante, não causal ou imediatamente relacionado com sua situação contemporânea”, como observa o Rev. Joaquim Beato.3

Talvez em nenhuma outra época tenha sido tão acentuada essa preocupação dos profetas com os problemas sociais do seu povo, quanto no século oitavo. Amós, um dos mais eloqüentes desses arautos de Deus, verberou as guerras de conquista movidas nelos povos vizinhos, que desrespeitaram tratados de amizade (1.9, 11, 13); denuncia a iniquidade dos que “venderam o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sapatos” (2.6), e a exploração econômica desumana dos que “ao lado de todos os altares deitam-se sobre roupas recebidas em penhor e na casa do seu Deus bebem o vinho dos que têm sido multados” (2.8),                                                             3 “Os profetas em épocas de transformações políticas e sociais”, in Cristo e o processo revolucionário brasileiro, 2º vol., pg. 22

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“entesourando nos seus palácios a violência e a rapina” (3.10). Lança-se ainda contra os que converteram o juizo em absinto e lançaram por terra a justiça, afligindo o justo e aceitando suborno (5.7, 14). Ataca aqueles que pisam aos pés o pobre e deles recebem pesadas taxas em trigo, edificando para si ricas mansões (5.11), onde repousam em camas de marfim (6.4). Não era, pois, de estranhar-se que dele viessem a dizer ao rei; “Amós tem conspirado contra ti no meio da casa de Israel; a terra não pode sofrer todas as suas palavras” (7.10). E foi “Amazias, o sacerdote de Betel”, quem assim o denunciou!…

Outro grande profeta daqueles dias foi Miquéias. Sua mensagem foi endereçada aos que “cobiçam campos e apoderam-se deles; cobiçam casas, e. arrebatam-nas; oprimem um homem e sua herança” (2.2); àqueles “que mordem contra quem não lhes mete na boca alguma coisa” (3.5); aos que “dão sentenças por peitas”, aos “sacerdotes que ensinam por interesse e os profetas que adivinham por dinheiro” (3.9); aos que usam medidas fraudulentas, balanças injustas e pesos enganosos (6.11). E sua mensagem é de juizo, advertência e apelo à retidão; uma mensagem de esperança nos dias em que Deus “julgará entre muitos povos, e reprovará nações poderosas e longinqüas; eles converterão as suas espadas em arados, as suas lanças em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra” (4.3).

Habacuque. que inicia o seu livro com uma mensagem tranqüila de esperança e consolação – “o justo viverá pela sua fé” (2.4), não julgou que o anúncio daquela verdade redentora o eximisse da responsabilidade de exprobrar o “que adquire para a sua casa lucros criminosos” (2.9), e “edifica uma cidade com derramamento de sangue, e funda uma cidade na iniquidade” (2.12) !

Os Ensinos de Jesus

Se o exemplo dos profetas do Velho Testamento não bastar (e várias são as razões que poderia alguém invocar para pretender justificar a sua insatisfação), lemos o ensino do Mestre.

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Ao iniciar o seu ministério terreno, o Mestre evidenciou de forma inequívoca, essa percepção da problemática humana (Lucas 1.17-21), ao definir a sua missão redentora em termos proféticos (Isaías 61), emprestando-lhe uma tal dimensão que se revelou, desde logo, como solução cabal para as necessidades todas da criatura. Isto é o que nos mostra a análise do texto em que Jesus se baseou.

Atribuiu-se assim o Senhor (a) um ministério de restauração material, pois se afirma enviado “a restaurar os contritos de coração”, v. 1; (b) um ministério de libertação social, desde que anuncia “liberdade aos cativos e abertura de prisão aos presos”, v. 1b; (c) um ministério de redenção espiritual, porquanto veio “apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus”, v. 2a; (d) um ministério de consolação moral, uma vez que se propõe “consolar todos os tristes”, v. 2b.4

Os frutos desse ministério profético também se encontram claramente referidos no texto inspirado para aferição da autenticidade e inteireza do nosso próprio testemunho: (a) alegria no coração, pois que aos “tristes de Sião” se lhes dará “ornamento por cinza, óleo de gôzo por tristeza, vestido de louvor por espírito angustiado”, “e terão perpétua alegria”, v. 3, 7b; (b) abundância na terra – “edificarão”, “restauração”, “renovarão as cidades asoladas”, “estranhos serão os vossos lavradores e vinheiros”. e “comereis a abundância das nações”, v. 4-6 – são as figuras da prosperidade prometida; (c) dignidade diante dos homens – “a sua posteridade será conhecida entre as nações”, e “os conhecerão como sementes benditas do Senhor”', v. íf; (d) comunhão com Deus, porque “sereis chamados sacerdotes do Senhor”, “ministros de nosso Deiis”, v. 6.

Não é por nenhuma dessas bênçãos em particular, mas por todas elas que o mesmo profeta dá graças quando exclama: “regozijar-me-ei muito no Senhor”, “porque me vestiu de vestidos de salvação”, v. 9. E a difinicão do Mestre nos sugere

                                                            4 E. Stanley Jones, Christ’s Alternative to Communism. Abingdon-Cokesbury Press, New York, pg 39 ss.

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fidelidade, esforço e coragem para cumprirmos na sua inteireza o ministério cristão, de sorte a podermos repetir a cada geração – “hoje se cumpriu esta Escritura”.

* * *

A parábola que Cristo utilizou para descrever o juízo final (Mateus 25.31-16), encerra verdades basilares ilos seus ensinos. Uma delas é a da sua presença entre os homens, da sua preocupação com a condição da criatura, da sua perene identificação amorosa com os mortais. “Quando te vimos?”, indagaram eles. E o Senhor respondeu: “quando fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 39, 40) .

Outra implicação da parábola é a importância que assume a nossa atitude para com o próximo, na determinação de nossas relações com Cristo. E há ainda algo a aspeito da natureza dessa atitude: não se satisfaz o Mestre com uma preocupação abstrata ou romântica com os nossos semelhantes. Ele entrega aos nossos cuidados os famintos, para lhes darmos de comer; os forasteiros, para os recebermos: os nus, para os vestirmos; os maus, para os vestirmos, os enfermos, para os vesitarmos; os presos, para os consolarmos; os sedentos, para lhes darmos de beber. Isto é, os necessitados de toda sorte, para que supramos a necessidade de cada um.

Se buscamos a Cristo, saibamos que junto aos homens, principalmente dos que sofrem, o encontraremos. Se seguimos a Cristo, não poderemos evitar o encontro com os angustiados desse mundo. E foi ele, e não nós (é bom recordarmos), quem fez da nossa atitude para com o próximo a pedra de toque, o teste, a evidência que legitima a nossa fé.

* * *

Na grande Comissão, que se encontra registrada em Atos 1.8 – “Ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até nos confins da terra’, empresta o Senhor um sentido dinâmico à nossa condição de crentes, enquanto define não só a natureza, mas também o alcance da

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nossa missão na terra. Ele coloca como objeto imediato de nossa preocupação, Jerusalém, o lugar onde encontraríamos aqueles que subiam a adorar, preocupados, portanto, com os seus pecados ou ansiosos por uma experiência mais profunda com Deus. Como etapa seguinte, o Mestre menciona a Judéia, centro das atividades mercantis por excelência, para nos endereçar depois a Samaria, onde habitava uma minoria racial desprezada. Por fim, aponta-nos os confins da terra. Era a afirmação da universidade realidade do seu Evangelho – resposta cabal, solução satisfatória tanto para as indagações espirituais dos que subiam a Jerusalém, como para as preocupações materiais dos que habitavam na Judéia; certeza de eternidade, mas também esperança de liberdade e justiça para os samaritanos e inspiração segura para os que vivem nos confins da terra, sejam quais forem as suas condições, problemas ou aspirações. Porque “Cristo é tudo em todos” (Col. 3.11).

O Exemplo dos Primitivos Cristãos

Abrem-se os evangelhos com um cântico – o cântico de Maria (Lucas l.46-55), que traz para a experiência cristã sugestivo elemento do antigo judaísmo, emprestando assim à fé neo-testamentária, desde os seus primórdios, um sentimento intensamente profético, associando a ela a preocupação com as injustas desigualdades entre os homens, atentando para as angústias dos “humildes” e dos “famintos”, verberando a injustiça da riqueza e do poder excessivamente acumulados (v. 52, 53).

O autor da carta aos Hebreus, inspirado em Levítico 16.27, encontra uma significação especial no fato de Jesus ter sido crucificado fora de Jerusalém (Hebreus 13.11-14). Ele vê a “Cristo lá fora, no meio do mundo por cuja redenção do pecado deu seu sangue”. Vê ainda o sentido vetorial do testemunho e do serviço cristãos – “saiamos pois a ele fora do arraial” (v. 16) – que nos constrange à busca e à identificação com Cristo, impelindo-nos ao encontro do “povo” com o qual ele se acha, fora dos nossos arraiais (cf. Lucas 17.21; João 12.26; 1.26; 17.18). Vê ainda a natureza desse serviço prestado ao Senhor, que caracteriza como “louvor… dos lábios que confessam o seu nome”, e

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“beneficência” (o “repartir com outros” os nossos bens, segundo a Versão Brasileira). E a não esquecermos esta ele nos exorta enfaticamente (v. 16). “A verdadeira vocação cristã”, diz William Neill, citado por Rodolfo Obermüller, “é sair e tomar o seu lugar ao lado do Cristo crucificado no meio de um mundo hostil, e até morrei com ele, se necessário, em vez de olhar para trás para as comodidades do judaismo, sentir nostalgia de Jerusalém e de seu templo, ou retirar-se temerosamente para a segurança da sinagoga”.5

* * *

Os apóstolos reconhecem a necessidade de se identificarem solidariamente como os pecadores para levar-lhes a mensagem de redenção, da revelação do Reino de Deus em Cristo, e do estabelecimento do senhorio de Cristo sobre o mundo, na criação, em sua morte e na ressurreição. O apóstolo Paulo escreve à Igreja em Corinto: “… tenham os membros igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele. Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (I Corintios 12.25-27). “Quem enfraquece, que eu também não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu me não abrase?” (II Coríntios 11.29). “Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns” (I Coríntios 9.22). O apóstolo segue a mesma linha de testemunho do profeta Ezequiel: “Vim aos do cativeiro, a Tel-Abibe, que moravam junto do rio Quebar; e eu morava onde eles moravam, e fiquei ali sete dias, pasmado no meio deles” (3.15). E é isto mesmo que se recomenda na epístola aos Hebreus: “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo” (13.3).6

                                                            l5 “Bases bíb icas de La preocupación social del Cristiano”, in

Responsabilidad social del Cristiano (Guia de Estudios), ISAL, 1964. 6 Idem Idem

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Tiago insiste na expressão da nossa fé através de atos de amor e de justiça para com o nosso próximo, fazendo destes a evidência indispensável daquela (Tiago 2.1 1-26) . Sua ética, que considera uma decorrência natural da fé redentora, é tanto pessoal como social, manifestando-se sempre a par, como quando nos exorta a “visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo” (1.27). Preocupa-se tanlo com a pureza do coração (1.21), a sobriedade do falar (1.26), a sabedoria no trato e as atitudes piedosas (5.13-15), como com a discriminação entre pessoas baseada nos bens que possuam (2.1-4), a injustiça feita aos pobres pelos ricos e poderosos (2.6, 7), os nus e famintos desamparados (2.15, 16), e as causas das guerras e tensões entre os homens (4.1-3), a exploração do trabalhador que teve os seus salários diminuidos e seus pagamentos atrasados, para que seus ricos senhores ainda mais entesourassem (5.1-4), e a ignominia daquele que mataram e condenaram o justo, que não lhes resistiu (5.6). Sentimos que subsiste, ainda hoje o mesmo imperativo tão eloqüente e objetivamente ilustrado por aquele servo de Deus – o de mostrarmos a nossa fé pelas nossas obras (2.18-20), numa perfeita adequação da doutrina à vida.

* * *

Entendem alguns que tais pronunciamentos, que consideram incidentais ou acessórios, não nos autorizam hoje a ação social, uma vez que o próprio apóstolo Paulo, por exemplo, a despeito de por eles informado, nunca denunciou as estruturas sociais ou as instituições que ao tempo contrariavam fragrantemente os princípios da doutrina cristã. O incidente de Onésimo é a ilustração preferida pelos que assim entendem o problema. Consideremo-lo, pois.

Para a compreensão da atitude de Paulo no tocante a Onésimo, precisamos acentuar (1) a despreocupação relativa dos primitivos cristãos com as estruturas sociais, desde que as suas convicções escatológicas lhes sugeriam a vinda iminente do Messias, e o fim do mundo. (2) Tampouco, existiam ao tempo do apóstolo, as condições indispensáveis para a criação de um

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movimento de natureza social por parte de uma minoria heterogénea e sem qualquer consistência econômica, organização política ou filosofia própria, como era o caso da primitiva Igreja cristã no contexto do ainda poderosíssimo império romano. (3) Finalmente, nos primórdios do cristianismo não se poderia pretender uma percepção plena de todas as implicações da fé cristã, que se ampliava de um para outro dos escritos inspirados e que continuaria a definir-se na experiência da Igreja através dos tempos.

As sementes da justiça, no entanto, estavam no bojo dos preceitos e atitudes daqueles que seriam os instrumentos, muitas vezes inconscientes da significação total dos seus gestos, da revelação de Deus. Foi assim quando Paulo escreveu a Filemon. Recebendo Onésimo como um escravo, devolve-o a Filemon “não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado” (v. 16). A concessão do status de homem livre a um escravo – um fato eminentemente social – é subentendido como a resultante óbvia do impacto do evangelho na vida daqueles homens, como conteúdo legítimo da salvação que receberam de Deus.

O fato serve ainda para definir a atitude típica dos verdadeiros cristãos em face dos problemas da mesma ordem, (a) Paulo assumiu a iniciativa pela modificação da sorte e da condição de Onésimo, empenhando-se pessoal e diretamente naquele mister, v. 1; (b) Associou toda a Igreja àquela tarefa, que considerou ser tanto da grei, como sua própria, v. 2; (c) Situa em primeira instância o problema no âmbito da “caridade” (v. 9), embora reconheça o direito que tem, a possibilidade de utilizar recursos mais enérgicos – v. 8 = “te mandar”; (d) Identifica-se profundamente com Onésimo, a quem chama de “meu filho”, rogando que fosse recebido como ele próprio, v. 10, 17; (e) Dispõe-se a arcar com todo o ónus resultante de sua iniciativa, v. 18; (f) Exorta Filemon a que considere todas as implicações possíveis do sentimento cristão, pelo que acredita que não só obedecerá às suas exigências mínimas, mas ainda fará muito mais”, v. 21. E esse “muito mais”, de conteúdo não precisado

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pelo apóstolo, tornar-se-ia, não só para Filemon, mas para todos os cristãos, um constrangimento perene à ampliação e ao aprofundamento do sentido e do alcance do amor cristão; (g) E no anúncio de sua próxima visita a Filemon (v. 22), parece insinuar o apóstolo a sua intenção zelosa de verificai pessoalmente o cumprimento dado às suas instruções.

* * *

Em suma, as Escrituras nos oferecem todas as evidências necessárias à fundamentação dos imperativos que a teologia contemporânea encontra para a ação social cristã, e que poderíamos enunciar nos seguintes termos: (a) Deus, em Cristo, identificou-se com toda a humanidade, afirmando-se o senhor tanto da Igreja como do mundo; (b) Nós somos, pela graça de Deus, instrumentos para a realização do seu propósito redentor, pelo que a Igreja não existe para si mesma, mas para redimir o mundo; (c.) O amor de Deus pelas suas criaturas nos constrange a buscarmos justiça e bem estar para todos os homens; (d) A certeza da vitória final de Deus assegura-nos que. seja qual for a situação em que nos encontramos, os nossos esforços terão significação para o cumprimento dos desígnios divinos para a sociedade; (e) O homem é uma unidade de corpo e espírito, sujeito à influência profunda das circunstâncias, pelo que a Igreja e os cristãos devem preocupar-se com todas as situações (políticas, sociais ou econômicas) que possam ameaçar o bem estar e a dignidade dos indivíduos; (f) A verdade cristã, revelada a nós, pela Bíblia, constitui-se num instrumenlo de libertação de toda tendência absolutista de qualquer ideologia.7

     

                                                            7 The common Christian responsability toward áreas of rapid social change (2nd statement), Departament on Church and Society WCC, Genève, 1956.

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O TESTEMUNHO DA HISTORIA 

Este encontro de nossas preocupações e responsabilidades cívicas com a nossa experiência e convicções cristãs, não é um fenômeno recente, nem de um grupo em particular. Apenas, por força do momento histórico que vivemos, adquiriu hoje maior intensidade e amplitude, logrando envolver a muitos mais, revestindo-se de maior consistência bíblica e teológica.

Vamos encontrar, nos primórdios do evangelismo brasileiro, as suas primeiras manifestações positivas entre nós. Parecem merecer crédito afirmações insistentes segundo as quais missionários evangélicos teriam sido ouvidos pêlos redatores da nossa primeira Constituição republicana, que deles colheram não só a experiência americana, mas também a inspiração evangélica.

Bastante mais expressivas foram as experiências vividas, nesse sentido, por volta de 1636, com o advento do Integralismo. A insistência com que os adéptos daquela agremiação política citavam as Escrituras e a doutrina cristã, entusiasmou a muitos evangélicos. As características totalitárias, eivadas de absurdos preconceitos, daquele movimento, no entanto, evidenciaram logo a inautenticidade da experiência, desfazendo, inclusive, as esperanças e a disposição daqueles entusiasmados de utilizarem os princípios e preceitos escriturísticos como elementos normativos da vida pública brasileira.

Coube à Igreja Metodista, entre os evangélicos brasileiros, a primazia nesse compo, com a criação de uma Junta Geral de Ação Social em 1930. O VIII Concílio Geral, reunido em julho de 1960, aprova “O Credo Social da Igreja Metodista do Brasil” (Vide anexos). Além de cultivar a preocupação dos fiéis pela realidade nacional, através de mensagens e documentos diversos, nos momentos de crise para o país, sempre procuraram os seus elementos representativos sugerir à nação, diretrizes que emanavam da Palavra de Deus.

Surge depois, como produto da preocupação de alguns crentes, a Comissão de Igreja e Sociedade, logo transformada em Setor de Responsabilidade Social da Igreja, da Confederação

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Evangélica do Brasil, que através de estudos, conferências e de Reuniões de Consulta Regionais (das quais a mais expressiva foi a chamada Conferência do Nordeste, realizada em Recife, em julho de 1962, sob o lema – “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”), contribuiu para a criação de uma consciência profética no seio do evangelismo brasileiro.

Essas cogitações permearam a imprensa evangélica, aparecendo mais frequentemente nas páginas de Cruz de Malta, a apreciada revista da mocidade melodista. Divulgaram-se alguns pronunciamentos da Diretoria da Confederação Evangélica do Brasil sobre a realidade brasileira. Criaram-se nos estados, Centros de Estudo para análise dos problemas nacionais à luz da Palavra de Deus. Editam-se os primeiros boletins que veiculam os frutos dessas cogitações.

Entre os batistas brasileiros, talvez tenha cabido ao grande servo de Deus que foi o Dr. Alberto Mazzoni de Andrade, a honra de erguer, pela primeira vez, essa bandeira. Certa feita, perante a 45ª Assembléia da Convenção Batista do Distrito Federal (hoje, Guanabara), quando lhe coube proferir o discurso de encerramento, escolhe como tema O ministério social, e profeticamente exorta e vaticina: “o verdadeiro Cristianismo não deixará de atentar para as suas rosponsabilidades sociais pelo simples receio de que o chamem sumariamente de evangelho (“social gospel”) ou quejando”.

Seu pensamento, sua cultura, sua coragem inspiraram a outros. Surge, eiilão, em 1949, o jornal Diretriz Evangélica, trincheira heróica onde militaram Lauro Bretones, David Malta, Mário Barreto Franca, H. C. Lacerda. José dos Reis Pereira, Luiz Antônio Curvacho, e mais uma excelente equipe de colaboradores eventuais. Adquiriu de pronto, a forca de um movimento de idéias, empolgando a muitos. Não se publicou por muito tempo, mas o seu espírito não desapareceu, nem o seu esforço se perdeu. Tampouco, se limitou a empresa à edição de um periódico. Sob seus auspícios, Lauro Bretones (que mais tarde publicaria estudo mais específico sobre Cristãos e Comunistas), discute a responsabilidade social dos cristãos no mundo moderno

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em opúsculo ousado, que intitula Idéias para hoje e para sempre (1951). É da mesma época a divulgação do discurso de formatura de David Malta Nascimento no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil sobre O Cristianismo e a nossa época, quando verbera as doutrinas materialistas, entre as quais inclui o comunismo e o capitalismo, para preceituar soluções nitidamente cristãs como alternativa de solução para os problemas temporais. São contribuições que se vêm juntar á de H. C. Lacerda – Nossa época e as implicações sociais do cristianismo, produzido em 1948.

Diretriz Evangélica foi uni marco colocado bem à frente nessa caminhada para a compreensão plena da nossa missão como cristãos no mundo. Inspiraria mais tarde um programa radiofônico, que leva o seu nome, readquirindo vigor, agora como Movimento organizado, em 1961, ampliando a sua programação radiofónica, promovendo a I Conferência Evangélica de Ação Social (vide anexos), criando uma Editora e publicando o jornal Cristianismo Hoje.

No âmbito da Denominação Batista, no entanto, alguns eventos muito significativos ainda ocorreriam nesse campo. Um deles foi a criação, em regime provisório, de uma Comissão de Ação Social pela Convenção Batista Brasileira. Surgiu ela de uma proposição subscrita pelos pastores Helcio da Silva Lessa, A. Antunes de Oliveira, Alcides Telles de Almeida, Ernani de Souza Freitas, Éber Vasconcellos, José dos Reis Pereira, Merval Rosa, José Lins de Albuquerque e David Malta Nascimento, aprovada pela 45ª Assembléia daquela Convenção, em Vitória, Espírito Santo, em 1968. Sem quaisquer recursos, cumpriu no seu primeiro ano um modesto programa de conferências sob o tema geral de “Cristianismo e Sociedade”. Após árdua “batalha” no plenário da 46ª Assembléia da CBB, em Recife, prossegue, por mais um ano ainda suas atividades. Promove um Ciclo de Estudos sobre “O Cristianismo e a Realidade Brasileira”, conferências, um simpósio sobre “Juventude Transviada”, e elabora um Plano de Ação para justificar a sua existência perante a -17ª Assembléia convencional, que, no entanto, suspende as

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suas atividades, deixando a matéria sobre a mesa para posterior decisão quanto à conveniência de uma tal Comissão no seio da Denominação.

Outro fato foi a publicação do Manifesto da Ordem dos Ministros Batistas do Brasil (vide anexos), como resultado de uma memorável reunião de Pastores realizada na cidade de Vitória, em 1963, ao ensejo da Assembléia Convencional, quando mais de duzentos ministros, inspirados nas referências candentes que então foram feitas à realidade brasileira, unanimemente, determinaram comunicar à Denominação e ao povo brasileiro a sua preocupação coïn os problemas nacionais.

Vale ainda mencionar a apresentação, pelo pastor David Malta Nascimento, perante a Junta Executiva da Convenção Batista Brasileira, de um trabalho sobre “Os Batistas e sua Responsabilidade Social”, que não só ali, mas também mais tarde, na primeira reunião plenária daquela Junta com as Missões de Richmond no Brasil, receberia entusiástica acolhida e meditação.

* * *

Esta não é, no entanto, como dissemos a principio, uma cogitação recente, nem apenas nossa. Católicos e protestantes a têm expressado mais ou menos intensamente através dos tempos. A natureza do nosso trabalho não nos permitirá considerar aqui a apreciável contribuição que nesse campo têm dado ao Cristianismo os Católicos Romanos, particularmente após o Concilio Ecumênico Vaticano II. Ater-nos-emos, portanto, à evolução do pensamento evangélico a esse respeito.

Têm sido unânimes os historiadores, em notar a inegável relação existente entre a Bíblia e às conquistas no campo dos direitos humanos em nosso tempo. Foi um devotado estudioso das Escrituras, William Wilberforce, quem empreendeu, a grande cruzada para libertar os escravos do Império Britânico. Foi um contemporâneo de Wilberforce, Anthony Asheley Cooper, quem, empolgado pela Bíblia desde a sua juventude, defendeu com êxito a causa dos trabalhadores das fábricas na Inglaterra industrial, conseguindo a aprovação pelo Parlamento de leis que atenuaram

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as desumanas condições dos operários de então. E é por demais conhecida o alcance da obra de Wesley, cujo movimento espiritual modificou profundamente a realidade social da Inglaterra, assegurando-lhe padrões mais compatíveis com os ideais de justiça que emanam dos evangelhos.

Depois do movimento do “evangelho social” (social gospel), onde se destacou o batista norte-americano Walter Rauschenbush, houve, é verdade, um hiato, para ressurgir o interesse, pelo tema com as preocupações novas que trouxeram uns problemas oriundos da II Guerra Mundial .

No âmbito internacional, é inconteste o valor da contribuição feita pelo Conselho Mundial de Igrejas através do seu Departamento de Igreja e Sociedade e do seu Instituto Ecumênico em Bossey, Suíça. Pesquisas sérias, literatura abundante, conclaves internacionais, cursos, serviços de socorro (principalmente a emigrantes e deslocados de guerra), etc., são algumas das facetas de um labor consequüente.

Na América Latina, é digna de menção a atividade da Junta Latino-Americana de Igreja e Sociedade (ISAL), que com a edição de livros, a publicação da revista Cristianismo y Sociedad, a promoção de Institutos para Líderes, tanto de zonas rurais como urbanas, etc., tem contribuído para relacionar diretamente a mensagem cristã com os fatos específicos da vida em nosso hemisfério neste continente.

No que concerne aos Batistas, a inspiração para aquelas cogitações nos vem da própria Aliança Batista Mundial, cujos anais registram ousados pronunciamentos a propósito da liberdade de pensamento (Vide anexos), das condições de trabalho dos operários, da oposição aos regimes ditatoriais, e das responsabilidades sociais do cristão, desde o seu primeiro Congresso, em 1905. O programa elaborado para a Aliança em 1965, em Miami, revela a mesma atitude preocupada em face dos problemas específicos do mundo, pois inclui um “Manifesto sobre Liberdade Religiosa e Direitos Humanos”, e discute “Liberdade e Responsabilidade”, “Paz Corn Liberdade e Justiça”, e “A verdade muna Sociedade Secular”. E é magnífica a obra por

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ela realizada no campo do socorro aos refugiados de guerra na Alemanha, na Hungria, no Congo e em Angola.

Enquanto a União Batista de Grã-Bretanha e Irlanda publica um opúsculo sob o titulo “O Evangelho e a Vida Moderna”, para discutir o relacionamento entre o evangelho e o indivíduo, a igreja, a nação e o mundo, os nossos irmãos da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos mantém, oficialmente, para todo o país, com o endosso e cooperação das Convenções Estaduais, Comissões de Vida Cristã (The Christian Life Commission of the Southern Baptist Convention, 161 Eight Avenue, N. Nashville 3, Tenn.), que editam e distribuem literatura (folhetos e opúsculos) sobre “Cidadania”, “Guerra e Paz”, “Sexo”, “Relações Raciais – um Ponto de Vista Cristão”, “Alcoolismo”, “Problemas Econômicos” – estes são alguns dos seus títulos, e ainda farta matéria sobre a família e os problemas do mundo moderno.

Essa mesma Comissão produziu um documento de grande alcance e significação (vide anexos), que foi aprovado pela Assembléia da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos em julho de 1965, onde se lê; “Nós confessamos perante Deus e o mundo que somos culpados do pecado de conformidade com o mundo; que temos muitas vezes seguido as vãs tradições dos homens, ao invés da mente de Cristo, e que o nosso silêncio e temor têm também frequentemente feito de nós, pedras de tropeco, ao invés do degraus de pedra no campo das relações raciais. No espírito de verdadeiro arrependimento, em atitude de oração, nos reconsagramos ao ministério cristão da reconciliação entre negros e brancos” (“Time”, 16-6-1965).

Longe de se aterem apenas às generalidades dos temas sociais, levam os batistas americanos as suas preocupações aos temas especifico, quer ideológicos, quer político-partidários. Assim é que a candidatura de John Kennedy à Presidência dos Estados Unidos, foi motivo nãò só de inúmeros artigos na imprensa batista daquele pais, como também para os púlpitos das igrejas sulinas, em cujos Bolelins aparecia incluído, naturalmente,

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na ordem dos cultos. Discutia-se a conveniência de votar-se ou não num católico para Presidência…

A Baptist Training Union Magazine (Revista da União de Treinamento Batista) daquela mesma Convenção, em seu número de junho de 1963 (à semelhança do que ocorreu antes e depois daquela data), assim como a Sunday School Builder – um periódico destinado aos Obreiros da Escola Dominical – da mesma ocasião, anunciam, com várias e impressionantes fotografias posadas, quatro filmes de longa metragem preparados para serem utilizados nas igrejas: intitulava-se um A ameaça, comunista, e três outros discutiam os conceitos comunistas de Deus, da Vida e do Homem à luz da doutrina cristã.

Dentre as contribuições dos nossos irmãos batistas o estudo e vulgarização dos problemas sociais sob um prisma cristão, entretanto, avulta, pela sua profunda seriedade, a obra de T. B. Maston, ex-missionário na América Latina e atualmente professor de Ética Cristã no Seminário Teológico Batista do Sudoeste, em Fort Worth, Texas. Homem de vasta cultura, escreveu várias obras, inclusive sobre o cruciante problema racial em sua pátria (“The Bible and Race”). Sua obra básica – O Cristianismo e os Problemas do Mundo, que está sendo publicada em português pelo Departamento de Treinamento da Junta de Escoals Dominicais e Mocidade, graças à visão do seu Diretor, Pr Luís Schettini Filho, discute as relações entre a Igreja e o Mundo, a tensão racial, o comunismo, a Igreja e o Estado, a Guerra e a consciência cristã, a crise do mundo moderno, etc.

Finalmente, não poderíanids omitir, a essa altura, o nome do pastor batista Martin Luther King, prémio Nobel da Paz, campeão na luta pelos direitos humanos em seu país, onde pugna, pacífica mas energicamente, pela aplicação dos princípios cristãos às relações raciais, assim como há algum tempo um outro cristão ilustre, Toyuhiko Kágawa, o fizera em relação aos problemas econômicos do Japão.

* * *

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Não se pretendeu aqui fazer uma referência exaustiva aos esforços que vêm sendo feito no sentido de emprestar à nossa fé uma dimensão maior. Servem-nos os exemplos para evidenciar confortadosamente a existência de uma preocupação profunda, da parte de muitos, por esse aspecto do nosso testemunho de serviço cristão. Traduzem ainda a legitimidade daquelas mesmas preocupações, que se revelam aqui não serem – mesmo nas suas formas mais ousadas e discutíveis – uma peculiaridade de um grupo esdrúxulo. Finalmente, tipificam essas referências, ainda que de um modo muito geral e insatisfatório, a natureza das contribuições possíveis, da nossa parte, para a cristianização da ordem social.

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CAPACITANDO-NOS PARA A AÇÃO

Tão amplas e significativas responsabilidades certamente que não poderiam ser enfrentadas sem uma preparação adequada, que nos capacitasse para a ação. Esta capacitação exigirá, de nós, uma compreensão clara da natureza da nossa missão, o exercício de um juízo profético sobre a Igreja, e o estudo acurado da nossa realidade social.

A Compreensão da Nossa Tarefa

Embora encontremos a cada passo, nas Escrituras, enunciada a nossa responsabilidade social mais ou menos objetivamente, em duas ocasiões, no entanto, ela aparece definida de forma particularmente existencial – quando Cristo nos assemelha ao “sal da terra” (Mateus 5.13), e quando nos identifica, com “o bom samaritano” (Lucas 10.25-37).

Quando o Senhor nos assemelhou ao “sal da terra”, estabeleceu ele algumas coordenadas básicas da ação social cristã. Uma delas é o estarmos no mundo. Este não é, na mente de Cristo, um fato incidental, mas parte dos desígnios de Deus; é uma posição que devemos assumir conscientemente, no mesmo espírito com que o próprio Cristo aceitou a encarnação. Só o estarmos assim no mundo empresta significado á nossa existência e a relaciona com o propósito do Mestre (João 17.15).

Outra dessas coordenadas é a definição que a ilustração nos sugere para a nossa missão no mundo. Leva-nos o paralelo à compreensão de que como “sal da terra” compete-nos preservar as realidades e os valores positivos do espírito humano, tais como' o cultivo das virtudes morais, o zelo pelos padrões de justiça, os gestos de caridade, as preocupações espirituais, o esforço nobre pelo progresso em todos os. campos, que por serem consentâneos com os ideais e os desígnios do Criador, deverão ser preservados como ingredientes úteis ao mundo novo que vamos construir segundo os padrões do Salvador.

A figura nos sugere, de igual modo, a responsabilidade de temperar a massa, de emprestar sabor novo ao contexto em que nos situamos. Assim como o Evangelho é capaz de levar o

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pecador a assemelhar-se ao “Varão perfeito”, também aproxima a realidade social dos padrões do “Reino de Deus”. É nossa missão levar às estruturas e instituições deste mundo o espírito do Evangelho, esforçando-nos para que venham a ser cada dia mais por ele permeadas e informadas.

O paradigma utilizado pelo Mestre também caracteriza a atuação do crente na sociedade. A nossa presença no mundo adquire aqui um sentido de identificação com os homens em todas as situações de sua existência terrena (I Coríntios 9.20), assim como o sal permeia a massa, tornando-se parte dela, para emprestar-lhe sabor e preservar-lhe as qualidades essenciais. Resulta daí o repúdio do ascetismo e do espírito do “gheto”, de segregação, em favor da participação no processo histórico da nossa comunidade; leva-nos aquela atitude a abolir a falsa distinção entre o sagrado e o secular, para empreendermos como verdadeiros vocacionados de Deus todas as tarefas, qualquer que seja a sua natureza; constrange-nos essa compreensão de nossa presença atuante no mundo a fugirmos da teorização doutrinária inconseqüente, para aplicarmos os ensinos escriturísticos aos problemas da vida, da qual participamos em sua plenitude.

Outro elemento característico da ação cristã no mundo, que a afirmação de Jesus revela, é a nossa condição de minoria. Para que se cumpram os seus desígnios no mundo, não pressupõe o Mestre a necessidade de que todos se transformem em sal, embora isto fosse o desejável. A massa a ser temperada é sempre extraordinariamente maior do que a do sal. Não é quantitativo, mas qualitativo o padrão de avaliação no Reino de Deus. O que realmente importa é que o sal não se torne insípido, “inútil” para os propósitos de Deus, para que não aconteça que seja lançado fora e “pisado” pelo próprio mundo.

A outra passagem, a que narra a história do “bom samaritano”, bem poderia ser referida como “um manual de ação social cristã”. Impõe-se como um protótipo, pelo menos.

Inicialmente, situa a parábola, a nossa responsabilidade para com o próximo no seu contexto adequado – como parte integrante e indissociável da nossa experiência cristã, a par do

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nosso amor a Deus, traduzindo assim a inviabilidade de cultivarmos a comunhão com Deus enquanto despreocupados da sorte do nosso semelhante, e a do exercício da verdadeira caridade sem uma relação de amor com o Criador. Doutrina, aliás, contundentemente exposta por Tiago (2.11-26) e João (I João 2.9; 3.10, 17; 4.20).

Constitui-se ainda o texto numa verberação da religiosidade alienada e insensibilizada, representada na história pelo sacerdote e pelo levita, preocupados apenas com os seus ritos, seus privilégios, suas virtudes convencionais.

Ela acrescenta a preocupação pela condição humana como um traço marcante do caráter verdadeiramente conformado pelo Espírito de Deus, virtude capaz de revestir de mérito e dignidade até mesmo a um desprezível samaritano, fazendo-o instrumento da obra redentora de Deus, no mundo.

Revela-nos ainda o Mestre, na sua história, ser o amor a motivação adequada para a ação cristã no mundo. Não o fez o samaritano apenas por dever moral, cívico ou religioso, mas por amor, que é a fonte da própria justiça .

A caracterização prossegue com a referência a determinação de ajudar como qualidade indispensável ao homem de Deus. Não anotou a necessidade de serviço para sugeri-la a outros, ou a qualquer instituição, mas entendeu-a e aceitou-a como tarefa sua; como se fora apenas sua. Esta mesma lição nos deu Jesus ao assumir a iniciativa de multiplicar os pães.

Mas o incidente nos sugere ainda o método da ação social cristã. Variam as circunstâncias, mas as etapas, o processo da nossa atuação frente aos problemas do homem subsistem os mesmos. Analisemo-los:

a) A primeira ilação que tiramos é a de que o serviço prestado não era profissional, nem excepcional, mas inseria-se no rol das experiências do cotidiano daquele samaritano, que prosseguiu depois no trato dos seus próprios afazeres.

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b) A referência imediata diz que o samaritano “chegou ao pé dele”, isto é, que observara o infeliz estendido sobre o pó da estrada. Este “deter-se” na meditação da sorte dos homens é o ponto de partida de toda verdadeira e conseqüente ação cristã no mundo.

c) Acrescenta o texto que ele se “moveu de íntima compaixão”. Não basta a análise fria da problemática humana; há nuances que só se revelam quando expostas à luz do amor. Não basta a consciência de um dever a cumprir; a certas tarefas somente uma “profunda compaixão” é capaz de mover-nos.

d) Movido pelo amor, “aproximou-se” do homem: abatido. Há neste verbo a idéia de identificação. Já não é um expectador interessado, mas distante; é agora um homem totalmente comprometido com a situação, em virtude de assim haver-se aproximado da criatura no caminho.

e) “Atando-lhe as feridas, deitando-lhe azeite e vinho”, prestou o samaritano a assistência imediata que estava ao seu alcance no momento – o gesto simples, que sem ser uma solução cabal para o problema, assegurava, no entanto, o alivio imediato, impedia o agravamento do mal e oferecia o ensejo de providenciar-se o atendimento das necessidades totais do homem em provação.

f) O que até agora se fez somente adquire sentido e alcance mais profundos quando o samaritano o “leva a uma estalagem”. É a suplementação do esforço meramente individual pela obra institucionalizada, organizada, que assegura eficácia, oferece proteção, garante a recuperação completa da criatura.

g) “Tudo o que gastares, então pagarei”. Eis uma atitude de transcendental significação moral e prática – a disposição de assumir o ônus de seu gesto de amor, mesmo quando este é imprevisível. O apóstolo Paulo evidenciou, em sua missiva a Filemon, o haver assimilado esta lição de Jesus (v. 18).

E concluiu o Mestre: “Vai, e faze da mesma maneira”. Mas que significará para nós, neste tempo, revivermos o exemplo do bom samaritano? Que situações concretas enfrentaremos hoje

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ao percorrermos a estrada de Jericó? A seu tempo o Mestre mesmo nos revelará a resposta.

Juízo Profético da Igreja

Tendo adquirido uma consciência clara da nossa missão, segue-se, como medida imprescindível, ainda que constrangedora, por vezes, uma análise crítica da nossa experiência eclesiástica.

A Igreja deve ser um modelo para o mundo. Não importa o seu tamanho ou situação. Ela precisa refletir, perante os homens, os padrões divino para o homem e a sociedade. Daí, a necessidade de submetê-la continuamente a esse juízo profético, para que não careça de autoridade e eloqüência o seu testemunho, nem de eficácia e significado o seu serviço.

Abstraindo-nos das peculiaridades doutrinárias, que a despeito de serem importantes, não são relevantes para o efeito desse trabalho, mencionaremos três ângulos sob os quais deveríamos julgar continuamente a nossa realidade eclesiástica: a relação entre o espiritual e o temporal, a acuidade de sua ética, e a propriedade de sua estrutura.

O amor de Deus e o cuidado com o próximo foram referidos pelo Mestre como aspectos essenciais e indissociáveis da experiência cristã (Lucas 10.27, 28). Freqüentes vezes, no entanto, nós os encontramos divorciados, erigidos – ora um, ora outro como virtude absoluta e suficiente. Um juízo profético teria uma exortação oportuna a fazer tanto aos “pietistas”, quanto aos “humanistas” de nossas greis. E não somente isso. O texto estabelece também uma primazia que deverá ser sempre mantida – a do amor a Deus, sem o qual o cuidado com o próximo perde a sua perspectiva cristã.

Não só deverá a Igreja reconhecer e aceitar os padrões éticos que fluem das Sagradas Escrituras para inspirar os seus atos como instituição e nortear todas as relações entre os seus membros, como também deverá zelar pela sua observância e aplicação, para que não lhe faleça a força moral indispensável ao seu ministério no mundo. “Uma Igreja (ou Denominação, ou crente) que afirma a necessidade do seguro social contra doença,

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velhice e desemprego, deve providenciar tais garantias para seus próprios empregados. Uma Igreja que condena as igualdades econômicas deve procurar eliminar tais males dentre aqueles cujos problemas econômicos estão, alguma maneira, sob seu controle. Uma Igreja que prega o princípio da fraternidade para os operários da indústria, deve gerir as suas instituições pelos mesmos princípios, e deveria, até onde lhe fosse possível, somente cooperar com aquelas instituições e organizações que se norteiam por esses princípios. Uma Igreja que proclama um Evangelho que transcende todas as distinções de raça, classe e nação, deve tomar o máximo cuidado para não negar aquele Evangelho em virtude de uma política ou atitude que denote arrogância racial, cultural ou nacional”.8

Embora seja uma cogitação nova para nós neste Continente, é já uma verdade evidente, para muitos, o fato de que sempre que “a Igreja se dispõe a servir a uma situação social concreta, esta determina a sua estrutura”.9 “No Novo Testamento encontram-se várias concepções sociólogas (estruturais) da Igreja. Todas elas são a conseqüência do encontro da Igreja (comunidade que atende ao chamado de Cristo) com e em determinadas formas sociais que, por sua vez, são o resultado de condicionamentos históricos geográficos, raciais, políticos, culturais, econômicos, etc.”10 Por isso, cada geração, ao confrontar-se com as suas responsabilidades peculiares como testemunhas do Evangelho para o seu tempo, deverá provar as estruturas eclesiásticas, verificando a sua eficácia para a tarefa que lhe incumbe realizar, procedendo aos ajustes e adaptações indispensáveis, sem se deixar deter pelo receio das coisas novas, pelo zelo das tradições, ou pelo conservantismo apático e sem propósito. O Rev. Roberto Rios nos dá conta da acuidade de que o problema já se reveste em sua pátria, a Argentina, nessas                                                             8 International Missionary Council, Tambaram, 1938 (Section XIII). 9 Rubem Alves, El Ministério Social de la Iglesia Local, in “La

Responsabilídad social del cristiano” (Guia de Estudios), ISAL, 1964, pg. 65

10 Augusto Fernàndez Arlt, Renovacion da estructuras en la historia de la Iglesia, in “Cuadernos Teológicos”, n° 51, 1964, pg. 95.

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palavras: “Herdamos certa estruturas que implicam na divisão das congregações em sociedade feminina, sociedade de homens, jovens, intermediários, etc. Esta divisão já não corresponde às novas divisões sociológicas da comunidade, onde pesam muito mais as comunidades de interesse, como de estudo, trabalho, ele.”11 Cuidemos, pois, que as exterioridades eclesiásticas herdadas não nos impeçam o cumprimento eficiente de nossa missão no mundo.

* * *

Para que adquiramos, entretanto, essa consciência de nossa missão e exerçamos eficazmente esse juízo profético sobre a nossa realidade eclesiástica, é desejável que se- assegure um “clima” adequado a tais cogitações. O estimulo de uma liderança esclarecida. seria o bastante para levar o povo à meditarão ousada e despreconcebida. Mas mesmo quando tais condições não se verificam, restam aos crentes o direito e o dever de insistirem humilde, honesta e corajosamente na análise critica e criadora da vida e da missão da Igreja, convidando a todos para o diálogo, e a todos oferecendo o produto de suas inquirições como subsídio para uma compreensão mais perfeita da vontade de Deus para o seu povo.

Essas mesmas observações deveriam ser cuidadosamente consideradas pelos Concílios, Juntas, Ordens e demais Órgãos administrativos eclesiásticos, não só para aprofundá-las, mas também para incorporá-las á sua experiência, do que resultaria um enriquecimento do seu, conceito de missão e o aprimoramento da sua contextura denominacional.

Estudo da Realidade Social

A alienação tem caracterizado o comportamento do homem moderno, muito mais identificado com o sacerdote e o levita da parábola, do que com o samaritano. De muitas maneiras Deus está procurando despertar-nos dessa letargia e interessar-

                                                            11 Roberto E. Rios, Que estructuras de las congregaciones locales impidem la

obra misionera?, in “Cuadernos Teologicos”, n° 51, 1064, pg. 94.

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nos na sorte do nosso próximo – quer conduzindo-nos a presença do miserável, quer trazendo a miséria a nós. Somos livres para atender ao, seu convite ou aguardar o seu juízo. Cabe reiterar aqui, entretanto, que não será legítimo nos deixarmos mover a tanto pelo receio de situações mais graves, ou pelo medo de ver a desgraça do nosso irmão transformar-se em adubo para as ervas daninhas dos totalitarismos de qualquer matiz. Só uma “íntima compaixão” nos deve inspirar; mesmo porque, não entenderemos verdadeiramente a condição humana se não a auscultarmos com o coração.

Várias medidas deveriam convergir para a consecução desse propósito – o de dar ao nosso povo uma visão clara, objetiva, universal da problemática do homem em nosso país e no mundo. Aqui estão, á guisa de exemplo, algumas delas:

a) Nossos Seminários e Institutos Teológicos deveriam criar Departamentos ou Cadeiras sobre Realidade Brasileira para todos os níveis e de Sociologia para estudos mais avançados. Cursos intensivos, a cargo de professores experientes, mesmo dos quadros seculares, ofereceriam a especialização e a atualização, tendo em vista os vários tipos de ministério e as diversas regiões em que os obreiros servirão ou servem.

b) Poderia a liderança das Igrejas, senão promover, pelo menos estimular os crentes a participar de cursos, conferências, exposições e outros certames culturais que possam contribuir para a compreensão dos problemas humanos, enquanto o púlpito se esforçaria no sentido de interpretar a realidade social à luz da Revelação de Deus, evidenciando os seus aspectos mais dramáticos como temas para meditação e oração.

c) Grupos de discussão, ou “Centros de Estudos”,12 poderiam ser criados nas Igrejas, nos colégios ou em quaisquer comunidades, para o tratamento franco e informal dos problemas atuais, dos aspectos vários da realidade nacional, buscando não só a sua compreensão exata, mas tambéem as suas soluções cristãs,                                                             12 Hélcio da Silva Lessa, Centro de Estudos, do Departamento de

Treinamento da JEDEM, da Convenção Batista Brasileira, Rio, 1964. 

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além de uma definição da nossa responsabilidade específica, como cristãos em tais circunstâncias.

d) Deveriam ser incluídos, mais amiúde, nos programas dos nossos conclaves (Congressos, Assembléias, Institutos, Retiros, etc.), para informação e discussão, trabalhos caracterizando o nosso campo de serviço e testemunho, tanto do ponto de vista moral e espiritual, como também político, social, econômico e cultural, onde igualmente se manifesta embora sob formas nem sempre facilmente identificáveis, o pecado que há no mundo e que avilta o homem.

e) Seria de conveniência inserir-se no património das bibliotecas das nossas Igrejas e colégios (além de também recomendar-se aos indivíduos), livros e periódicos, nacionais e estrangeiros, que tratem dos problemas humanos à luz da Revelação de Deus, suplementando-se a informação necessária com obras de autores alheios, à nossa comunidade, mas merecedores da nossa confiança.

f) Visitas de observação e estudo às instituições, religiosas ou seculares, empenhadas na solução dos problemas e no atendimento das necessidades dos homens, serviriam para dar-nos uma visão mais real da nossa sociedade, além de sugerir-nos formas possíveis de participacão naqueles esforços.

g) Excursões, devidamente organizadas, poderiam servir para dar-nos uma idéia mais precisa da sociedade em que vivemos, evidenciando, “in loco”, as diferenciações entre regiões de um mesmo Estado ou bairro de uma mesma cidade; as condições das populações, as suas necessidades, as suas possibilidades; sugerindo-nos as nossas possibilidades de auxilio. Aos participantes poder-se-ia solicitar trabalhos escritos onde constassem as anotações das observações feitas. Inquirições mais sérias poderiam levar o grupo, como tal, a tentar determinar as causas dos problemas observados, e as possibilidades, mesmo remotas, de uma eliminação.

Alistamento para a Acão

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O serviço cristão em qualquer das suas formas deveria ser entendido pelos crentes como uma autêntica vocação divina, como uma preciosa contribuição para o cumprimento dos desígnios de Deus no mundo. “O leigo cristão não precisa entrar para o ministério a fim de obedecer ao chamado de Cristo para a ação”. O aspecto do testemunho cristão que poderia ser definido como “ação social” deveria inserir-se no contexto da experiência do crente, exercido com a mesma naturalidade com que se espera que ele cumpra as suas demais responsabilidades no Reino de Deus. A ação social cristã é, pois, uma tarefa para todos. Esta, a convicção que se precisa comunicar à grei, dos púlpitos, nas classes, pela literatura, insistentemente, se alguma coisa significativa se pretende realizar.

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UM PROGRAMA DE AÇÃO

Depois de havermos meditado sobre o ensino das Escrituras e o exemplo histórico da Igreja a respeito da natureza e do alcance da nossa responsabilidade, como cristão, para com a sociedade, não nos poderíamos furtar à caracterização de um programa de ação social, consentâneo com aqueles testemunhos, para o tempo e as circunstâncias em que vivemos.

Não se pretende, entretanto, que exponhamos aqui, no espiríto e no estilo em que se elabora para a ação governamental um “plano trienal”, as promoções específicas que a Igreja deverá empreender para cumprir a sua responsabilidade social. Tampouco se poderia esperar que alinhássemos uns tantos preceitos éticos (à maneira dos manuais de escotismo), que necessariamente devêssemos observar para que nos tornássemos em cidadãos exemplares, segundo as expectativas de Deus. Por mais consequentes que desejemos ser ao tratarmos das implicações práticas das nossas cogitações sobre a ação social cristã, não poderemos deixar de expressar-nos ainda em termos bastante gerais, servindo as referências particulares que fizermos apenas como sugestões que ilustram a ação possível. Não poderíamos fazê-lo de outra maneira. A tanto nos obrigam a natureza do Evangelho e dos fatos sociais. Passemos, pois, às considerações que julgamos necessárias à informação de toda atividade da grei nesse campo.

* * *

Oportunidades de serviço existem que só poderão ser satisfatòriamente aproveitadas mediante um esforço bastante amplo, de caráter internacional ou interdenominacional; outras já estão na esfera das possibilidades denominacionais, num pais ou região; outras atividades serão accessíveis e até mais próprias, para as congregações locais, enquanto ao indivíduo caberá cooperar com todas elas, além de se desincumbir das responsabilidades que só o testemunho pessoal poderá promover. A chave do êxito está em discernir as circunstâncias próprias, para não intentar promover numa dada esfera aquilo que só é viável, eficientemente, num outro âmbito.

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Nem sempre a ação da Igreja se exercerá através de seus projetos e inicativas particulares, promovidos sob sua responsabilidade exclusiva. Aquele mesmo sentimento de amor ao próximo, aquela mesma disposição de serviço, poderão levá-la a emprestar a sua cooperação a outras instituições, particulares ou estatais que já se encontrem empenhadas nas causas que preocupam a Igreja e que porventura tenham maiores possibilidades de prestar aos homens auxílio mais efetivo, pois quando o serviço é prestado por amor, importa, sobretudo, o maior bem que se possa fazer.

Desde que sabemos ser o homem, por natureza, um ser gregário, não poderemos pretender cuidar das suas necessidades “pessoais” abstraindo-nos das circunstâncias em que ele vive. Todas as experiências significativas para o homem são de caráter social – inclusive a da sua relação com Deus, que está condicionada ao seu comportamento para com o próximo (I João 2.9; 3.10, 17; 4.20; Tiago 2.11-26). A comunidade é, pois, um fator de extraordinária importância na determinação do comportamento do indivíduo. Assim sendo, se pretendemos a libertação do homem, não poderemos deixar de promover, concomitantemente, a dignificação das estruturas da sociedade.

A pensarmos num programa de ação social para a Igreja, devemos ter em mente o fato elementar de que este não se poderá restringir a medidas meramente assistenciais, de alcance imediato, ineficazes como solução para a quase totalidade dos problemas humanos, mas que deveremos ampliar as nossas preocupações e esforços até incluírem o combate às causas daquelas angústias, mesmo que isso implique a verberação de regimes e estruturas vigentes, o que nos levaria através de caminhos mais longos, ásperos e delicados, mas necessários à realização plena dos desígnios redentores de Deus no mundo.

Mas, quais as implicações práticas dessas considerações, afinal? O que promover? Como fazê-lo? A resposta a essas indagações leva-nos ao fim do nosso trabalho e ao início da nossa experiência. Deus tem um programa específico para cada um de nós e de nossas organizações. A seu tempo ele nos colocará no

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caminho que teremos de trilhar, apontando-nos a nossa tarefa peculiar. As atividades que mencionaremos a seguir, servirão para tornar mais clara a visão que atrás procuramos definir, oferecendo-nos ainda um ponto de partida válido. A meditação das nossas circunstâncias, com o concurso do Espírito Santo, nos dirá precisamente por onde começar, quando do que aqui vai sugerido promover e o que mais lhe acrescentar.

A Acão Individual

Inegavelmente, a esfera mais restrita de serviço e testemunho do cristão é a individual, no âmbito do sua influência e responsabilidade pessoais, na medida dos seus dons e recursos peculiares.

É evidente, que as preocupações de natureza social de que se ocupa este estudo, não se propõem substituir as cogitações atuais e usuais (particularmente as práticas piedosas, de estrito sentido espiritual) das nossas Igrejas. Propomo-nos apenas acrescentar-lhes algo, ampliar-lhes as visões, enriquecer-lhes o testemunho. Dai a nossa presuposição de estarmos falando sempre a crentes cônscios de suas responsabilidade óbvias como membros da Igreja de Cristo, zelosos do cultivo de suas virtudes espirituais e ansiosos por desenvolver os seus dons, alargando os limites do seu testemunho e serviço até ao máximo de suas reais possibilidades.

a) A primeira solicitação que a tais crentes se faz é que se revistam de uma disposição perene de valer a seu semelhante, não permitindo que o seu amor ao próximo não se traduza apenas na “coleta para os pobres” que na sua Igreja se faz, no apoio relativo que empreste aos seus eventuais esforços assistenciais ou na esmola constrangida que distribui pelas esquinas. Não nos compete, aqui, enumerar todas as circunstâncias em que aquela disposição poderá expressar-se; basta certificarmo-nos de que ela existe. Os apelos dos necessitados, o constrangimento da miséria ao redor de nós, e o sussurro do Espírito Santo, nos dirão como, quando e a quem manifestarmos o nosso cuidado caridoso.

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b) Não basta, entretanto, lançarmo-nos à prática individual da caridade. Impõe-se comunicarmos aos que convivem conosco essa mesma preocupação, não só ganhando-os para esse ministério individual mas também levando-os a se associarem (ou a emprestarem o seu concurso a associações já existentes) para a prestação de um serviço mais eficaz. Muitos empreendimentos de valor estão somente à espera da sua iniciativa ou cooperação para virem a existir ampliar o alcance do serviço que já prestam.

c) Como membros de uma Igreja, eventualmente despreocupada de suas responsabilidade sociais, assiste-nos o dever profético de despertar a nossa grei para esse aspecto do seu testemunho. Servirão, para tanto, o nosso exemplo, a exortação constante e humilde aos irmãos, o estudo dos fundamentos bíblicos de tais preocupações perante as organizações da Igreja, o apelo ao Pastor, a intercessão continua para o despertamento da congregação pelo Espirito do Senhor.

d) Qualquer esforço mais sério de prestarmos serviço ao próximo, no entanto, carecerá da perspectiva adequada se não cultivarmos uma ética cristã para normalizar todas as nossas relações. Esta atitude é uma segunda etapa da experiência cristã iniciada com a conversão. Ela resultará de uma adequação dos preceitos éticos das Escrituras, às relações humanas; do juízo da realidade do mundo à luz dos padrões do Reino de Deus. Desta sorte, já não seremos, por exemplo, advogados e cristãos, mas advogados cristãos; não mais seremos estudantes e cristãos, mas estudantes cristãos, por conduzirmos a nossa vida profissional e secular segundo os princípios da ética cristã. Aquela dicotomia entre o homem eclesiástico e o homem secular foi a grande mistificação da nossa era. E, logicamente, só deveríamos consentir em cooperar com indivíduos e organizações que se submetessem aos mesmos critérios do comportamento.

e) A consciência de que somos “sal da terra” nos deveria constranger a estarmos presentes onde as decisões se fazem, onde os destinos do mundo são definidos para levar-lhes a sugestão de caminhos e soluções mais compatíveis com os

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desígnios de Deus e, conseqüentemente, com os reais interesses dos homens. Para aqueles que são a “luz do mundo”, colocar-se no velador não implica apenas subir aos púlpitos, mas também aos cargos diretivos nas agremiações estudantis, à participação nos sindicatos, nas associações culturais, nos partidos políticos, na administração pública, na concorrência aos cargos eletivos e, em um sem número de outros ensejos de atuar nas fontes dos problemas sociais, para não somente remediá-los, mas corrigi-los e preveni-los.

f) Ainda que não nos sejam accessiveis as oportunidades de atuação referidas, resta-nos, pelo menos, o direito (que é para o cristão uma questão de consciência) de juntarmos a nossa voz às daqueles que através de todas as formas legítimas de pressão (a palavra, a imprensa, as manifestações de massa, os protestos formais, as reivindicações dos órgãos de classe, as representações junto aos poderes constituídos, etc.), procuram assegurar a promulgação e a aplicação de leis justas, que atendam às necessidades fundamentais do homem . Momentos há que em que o amor ao próximo só encontra afirmação satisfatória e cabal, através de atos de natureza política. Foi assim com a abolição da escravatura, os direitos da mulher e do menor, o direito de propriedade, a justa remuneração do trabalhador, a liberdade de pensamento e de expressão, o juízo em tribunais populares e em tantas outras vitórias evidentes do espírito do Cristianismo sobre as tradições dos homens e as estruturas do mundo.

A Ação da Igreja Local

A ação individual, no entanto, não esgota de maneira alguma, as possibilidades e responsabílidades de atuação do Cristianismo na sociedade. Há uma faixa dentro da qual o esforço individual só tem sentido prático quando integrado num projeto da Igreja local. Essas iniciativas, além de prestarem relativo serviço ao povo, ilustram eloqüentemente a sua mensagem de amor.

a) A primeira responsabilidade da Igreja local no que tange à ação social, é a de inculcar nos seus membros a idéia de uma cidadania responsável. É fazê-los entender que o ideal

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do amor cristão os faz responsáveis não somente pela sorte eterna de suas almas, mas também pela sua condição terrena. É tarefa para o púlpito, o magistério da Escola Dominical, os líderes das Organizações de Treinamento, para os Centros de Estudos. É tema e motivo para mensagens, conferências, debates, institutos, retiros, etc. A simples comemoração de datas cívicas pela Igreja poderia contribuir para a comunicação dessa verdade elementar, mas fundamental, de que somos cidadãos de dois reinos e, responsáveis portanto, perante ambos.

b) A par dessa preocupação com a nossa responsabilidade social, deveria a Igreja local estimular os crentes a relacionar a mensagem cristã com os problemas da comunidade, o que pressupõe o seu estudo carinhoso e objetivo. Além dos instrumentos e circunstâncias já mencionados, poder-se-ia promover visitas a bairros e regiões onde certos problemas se revelam mais caracterizados, para observação “in loco”. Instituições que se dedicam ao estudo e à solução desses problemas deveriam ser objeto também de visitas orientadas. Técnicos, observadores e estudiosos poderão comunicar os seus conhecimentos da realidade humana em circunstâncias várias, capacitando assim os crentes a um testemunho e a um serviço mais inteligentes e conseqüentes.

c) Essa disposição de serviço poderia ser exemplificada pela Igreja, como tal, através de iniciativas de natureza assistêncial, tais como a criação de um ambulatório; distribuição de gêneros e roupas; organização de creches e centros recreativos; clínicas pastorais de aconselhamento; apoio financeiro eventual (particularmente aos da própria grei); serviços de auxilio para internamento hospitalar; assistência jurídica, ctc.

d) No âmbito do serviço social, transcendendo, portanto, a ação paliativa das promoções assistenciais e contribuindo para a integração do homem em níveis sociais condígnos e estáveis, poderia a Igreja realizar Cursos de capacitação para a vida, tais como alfabetização de adultos; de orientação pré-matrimonial, vocacional, profissional, de artes domésticas (corte e costura, culinária, trahalhos manuais),

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secretariado, etc. A oportunidade de cada promoção será determinada pelas necessidades comunitárias, pelos recursos da Igreja, pela visão e pela disposição de serviço da grei.

e) Aquelas congregações que operam em bairros pobres, pequenas localidades, proximidade das favelas, etc., poderiam manter uma assistente social, mesmo em regime de tempo parcial, para a visitação dos lares, levantamento de suas necessidades maiores (para orientação da beneficência da própria Igreja), ministracão de instrução elementar sobre alimentação, higiene, puericultura, cuidados médicos, etc. Tal assistente, ofereceria às populações uma imagem auspiciosa da Igreja e a esta uma caracterização preciosa do seu campo de testemunho além do serviço efetivo que prestaria à comunidade.

f) As Associações de Bairro, as Associações de Favelados, as Organizações de Desenvolvimento de Comunidades, etc., que coordenam os esforços das forças vivas da comunidade em prol da melhoria das condições de vida e da aceleração do progresso da região, constituem-se para a Igreja local num excelente ensejo de integração na vida comunitária, manifestando, destarte, o seu interesse pelo bem geral e conquistando a atenção e o respeito da população. Tal gesto, além do seu sentido cívico, tem uma profunda significação para a obra de evangelização da grei.

g) Poderia a Igreja participar de certames culturais artísticos promovidos pela comunidade ou promovê-los para a comunidade, ampliando assim a faixa onde o “encontro com o mundo” seria possível e útil aos propósitos morais e espirituais da Igreja. A doação de obras de bons autores evangélicos às Bibliotecas de Colégios, Faculdades e Instituições diversas, se constituiria num gesto de cordialidade, além de tornar possível uma presença atuante, um testemunho perene.

h) As autoridades locais – sejam Administradores Regionais, Prefeitos, Autoridades Policiais, Governadores. Representantes do Povo, etc. – deveriam ser alvos da cortezia das igrejas representadas pelos seus Oficiais que, àquelas autoridades, levariam não só a Palavra de DEUS, mas a sua disposição de com elas cooperarem no serviço do povo. Essa atitude, além de sua

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extraordinária significação moral e espiritual, poderia tornar-se no ponto de partida de uma cooperação profícua para a dignificação e melhoria da comunidade.

No Âmbito de Ação Cooperativa

O Cristianismo organizado em nossos dias, caracteriza-se pela tendência cada vez mais acentuada, para as formas de ação cooperativa. Deve-se esse fato, em parte, à necessidade de dar aos problemas humanos que adquirem proporções ciclópicas, respostas e atendimentos cabais que fugiam à capacidade do testemunho pessoal, e mesmo das congregações locais.

a) Como a maior parte do programa de ação social da Igreja recairá sobre o testemunho e o serviço dos crentes como indivíduos e das congregações locais, é de esperar-se que as Denominações não descurem do despertamento, da prepararão e da orientação de seus fiéis para o exercício desse ministério. Literatura, palestras, conclaves, cursos, treinamento seminarístico e tantos outros recursos, deveriam ser amplamente utilizados no cumprimento de tal responsabilidade.

b) Mas há iniciativas de caráter prático que os grupos eclesiásticos, como tais, poderão assumir. Há, por exemplo, inúmeros problemas crônicos em nossas comunidades que subsistem como campos quase virgens de serviço para os cristãos. Exigem, quase todos, a congregação de esforços e recursos para um atendimento eficaz. Estão entre eles: o estabelecimento de educandários de todos os níveis; a criação de hospitais; a organização de cooperativas de produção, consumo e crédito; a criação de casas de estudantes, pensionatos para moças, orfanatos, asilos para anciãos, lares de mães solteiras; serviços de recuperação de penitenciários, alcoólatras e prostitutas, manutencão de albergues, etc. Em muitas localidades, estas promoções seriam pioneiras, prestando por isso mesmo, relevantes serviços à comunidade e credenciando a Igreja perante as populações. As vítimas que tais problemas fazem são tantas que o seu número assume as proporções das consequências dos grandes conflitos bélicos. Mas parece que os nossos corações só se enternecem por aqueles que tombam ceifados pela metralha…

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c) Com o apoio de organismos internacionais, por vezes, mas sempre como uma promoção de entidades nacionais, têm sido envidados esforços no sentido de levar a assistência espiritual, moral e material aos participantes dos movimentos migratórios internos. Fenômenos característicos das nações grandes e subdesenvolvidas, têm sido para o Brasil um motivo de lírica preocupação; para os evangélicos é um desafio ao serviço cristão. Hospedarias, mesmo improvisadas para pernoite na rota dos emigrantes; a sopa pobre que lhes permite prosseguir reconfortados, a jornada; a consolação moral e a orientação espiritual; a mão amiga no lugar de destino, quando não sabem para onde ir; as oportunidades de trabalho; sua integração numa comunidade eclesiástica – que será, talvez, para ele a única sensação de segurança e de valor pessoal naquela fase da vida; tudo isso, significa oportunidade de serviço. Ninguém poderá aproveitá-las todas, mas algo poderá ser feito onde você e sua Igreja estão. Talvez, para tanto, seja necessário reunir os esforços de várias congregações, arregimentar homens de boa vontade. Talvez, tudo dependa apenas de que você tome a iniciativa de despertar-lhes a consciência ou comunicar-lhes a visão.

d) Ainda não se desvaneceram as gratas impressões do magnífico trabalho de socorro realizado no após-guerra pelos organismos cristãos mundiais. À guisa de ilustração nos referimos à obra realizada pelo Conselho Mundial de Igrejas, protestante, e por organizações denominacionais como a Aliança Batista Mundial que, nos últimos meses da guerra, durante a revolta dn povo polonês contra a ocupação russa, em vários conflitos na Ásia e na África, receberam, cuidaram e providenciaram novo lar para milhões de refugiados. Nestes dias, quando as áreas de conflito só ampliam e se multiplicam, provocando a emigração em massa nessas regiões, subsiste a necessidade daquelas providências que continuam ser tarefa de organizações como aquelas, apoiadas por todos nós.

e) Campeões natos da justiça e da liberdade, têm os cristãos responsabilidades iniludíveis na sua promoção e preservação entre os povos. Essa missão profética, que nos

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tempos modernos foi vivida por homens como Knox aquele que mudou o destino da Escócia, Wesley – o libertador dos deserdados ingleses, Niemüeller – o profeta da Alemanha, Bergrav – o inspirador da resistência norueguesa, Bonhoeffer - o ousado opositor de Hitler, e tantos outros, têm encontrado, em nossos dias, fiéis continuadores. Érik Rudén o Secretário Geral da Federação Batista Européia, falando em nome da Aliança Batista Mundial, foi o instrumento de Deus para a liberalização da política religiosa do Governo de Franco, na Espanha. Em nome do mesmo organismo, Josef Nordenhaung, obteve do Governo comunista de Varsóvia, autorização para que se erguesse no centro daquela capital, majestoso templo batista, enquanto um veemente memorial enviado às autoridades espanholas, em nome dos evangélicos do pais, lograva suspender as restrições legais aos casamentos protestantes e ao sepultamento de evangélicos em cemitérios públicos. Essa voz profética não poderá calar enquanto houver tais lides para enfrentar!

f) Mas não só para protestos específicos deverá o povo de Deus, como tal, erguer a sua voz – também, para proclamar aos homens, os juízos e desígnios do Senhor no que tange à vida na terra, particularmente nos instantes de crise para a humanidade. São exemplos disso os Manifestos sobre Liberdade Religiosa e Direitos do Homem que, em cada assembléia, divulga a Aliança Batista Mundial; os documentos sociais de diversos organismos protestantes, o Manifesto dos Pastores Batistas do Brasil sobre a realidade nacional e tantos outros notáveis pronunciamentos (vide anexos). Os cristãos se constituem, portanto, com propriedade, em consciência do mundo. São uma luz nas trevas. Uma luz que não se deve apagar.

Conclusão

O que aqui ficou dito não é um roteiro obrigatório nem exaustivo, insistimos. São pontos de partida. Só o Senhor conhece a vereda que traçou para cada um de nós. E Ele é quem nos conduzirá.

Mas, “convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode

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trabalhar” (João 9.1). Nossa tarefa é urgente e imensa. Temos de nos esforçar “até que tudo esteja levedado” (Mateus 13.33). “Enquanto um desgraçado trouxer a marca do cativo no pulso, toda a raça estará no cativeiro; sempre que um indivíduo permanecer na podridão do vício, a humanidade se arrastará na lama; todo o tempo que uma criatura de Deus carecer de pão, o gênero humano se achará faminto; enquanto um homem for objeto de exploração econômica pelo homem, o mundo não terá um homem livre… Enquanto não levantarmos o último que estiver caído todos nós estaremos no chão” (H. C. Lacerda).

Este é um serviço que devemos ao Senhor, desde que Ele próprio nos afirma: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mateus 25.40). Cumpre-nos dar o testemunho que salva a alma e praticar a ação que alimenta o corpo e dignifica o espírito se queremos a plena realização do homem à imagem e semelhança de Deus criado.

“Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis se as fizerdes” (João 13.17).

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BIBLIOGRAFIA

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NOSSA ÉPOCA E AS IMPLICAÇÕES SOCIAIS DO CRISTIANISMO, H.C. Lacerda, Rio, 1948

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ALTERNATIVA AO DESESPERO, M. Richard Shaull, Confederação Evangélica do Brasil, 1962.

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ANEXOS

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MANIFESTO DOS MINISTROS BATISTAS DO BRASIL

A Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, entidade que congrega os pastores que servem às Igrejas da Convenção Batista Brasileira, em sua última Assembléia Geral, realizada na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, resolveu apresentar à Nação Brasileira e à Denominação Batista em particular, o seguinte

MANIFESTO

Reconhecemos ser um privilégio dos Batistas Brasileiros a iniludível responsabilidade de contribuir não somente para a solução dos problemas que no momento assoberbam o nosso povo, como também para a determinação do seu destino histórico. Não o afirmamos apenas porque sejamos uma parcela apreciável desse mesmo povo, mas porque entendemos ser essa participação inerente à missão de “sal da terra e luz do mundo”, que o Senhor mesmo nos outorgou.

Nossas preocupações estão em consonância não só com as dos Profetas bíblicos, que se constituíram nos intérpretes da vontade de Deus para os seus povos nos momentos de maior gravidade de sua história, como também do próprio Cristo, que além de partilhar, quando da encarnação, na sua inteireza a condição humana, afirmou ser o seu Evangelho uma resposta satisfatória a todos os anseios da criatura, e uma solução cabal para todos os problemas da humanidade (Lucas 4.16-21).

Entenderam-no assim também Guilherme Carey, o pai das missões modernas, e corajoso batalhador contra o sistema das castas na índia, Roger Williams, o pioneiro da liberdade religiosa em nosso continente, Walter Rauschenbush, o arauto das implicações sociais do Evangelho, Martin Luther King Jr., o campeão da luta pelos direitos da minoria negra oprimida, e tantos outros batistas através dos tempos.

Resulta daí não só a legitimidade, mas também a necessidade de os membros das nossas Igrejas assumirem as suas responsabilidades como cidadãos, participando efetivaraente na vida política do país e integrando-se nas organizações de classe, a

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fim de influírem nas decisões de que resulta a configuração do nosso destino como nação.

Os Direitos da Pessoa Humana

Ainda que reconheçamos a importância e a significação das instituições, acreditamos ser o homem o fulcro das nossas preocupações, porquanto “criado à imagem e semelhança de Deus”. Porisso, entendemos estar a legitimidade de qualquer regime, sistema ou instituição condicionada à medida em que possibilite à criatura a plena realização da sua humanidade.

Esta convicção nos fez, desde sempre, intransigentes defensores da liberdade em todas as suas formas de expressão – liberdade de consciência, de religião, de imprensa, de associação, de locomoção, etc., bem como de auto-determinação dos povos livremente manifesta como condição imprescindível à vida humana.

Por corresponderem à nossa concepção dos direitos e deveres da pessoa humana, insistindo em que os princípios a esse respeito consagrados na Constituição Federal de 1946, na Carta das Nações Unidas e da Declaração dos Direitos dos Homens, sejam universalmente aplicados, de sorte a serem banidos da face da terra a exploração do homem pelo homem ou pelo Estado, em qualquer das suas formas, e os totalitarismos de toda espécie, assegurando-se a prática da verdadeira democracia.

Igreja e Estado

Inspirados no preceito bíblico “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21), temos propugnado pela existência de Igrejas livres num Estado livre, preconizando a delimitação inteligente e respeitosa das esferas de responsabilidade e ação da Igreja e do Estado, sem interferências abusivas ou relações aviltantes de dependência, embora permitindo a cooperação construtiva entre ambos. Por isso, temos repugnado a concessão de privilégios ou de favores financeiros destinados ao sustento e promoção do culto de quaisquer grupos religiosos.

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Assim é que, entendendo ser o ensino religioso uma atribuição específica dos lares e da Igreja, consideramos imperiosa a reforma do dispositivo constitucional que estabelece o ensino religioso nas escolas mantidas pelo governo, que deverão continuar leigas, assim como é leigo o Estado que as mantém, para que não se propicie a criação de um clima de intolerância e de preconceito religioso em nossas instituições de ensino público.

Justiça Social

Embora nos regozijemos pelas conquistas sociais do povo brasileiro, reconhecemos a inadequação da presente estrutura social, política e econômica para a realização plena da justiça social, pelo que insistimos na necessidade de um reexame corajoso, objetivo e despreconcebido da presente realidade brasileira, com vistas à sua estruturação em moldes que possibilitem o atendimento das justas aspirações e necessidades do povo.

Essa necessidade ressalta da constatação da ineficiência dos institutos assistenciais do Estado, que transformam num favor concedido a custo, direitos líquidos dos trabalhadores; da irracional aplicação dos recursos públicos, que deveriam antes de se destinar, mais liberalmente, aos ministérios da Saúde, Educação e Agricultura, para a solução de problemas sociais angustiantes; da sobrevivência de regimes feudais de propriedade e exploração da terra; da generalizada pobreza das populações carentes mesmo do alimento indispensável à sobrevivência; da injustiça na distribuição das riquezas, e da utilização destas para o cerceamento das liberdades essenciais; da inadequada exploração das nossas riquezas naturais, cujo aproveitamento não só deveríamos intensificar, como fazer revestir-se de significação social; do crescente empobrecimento do patrimônio nacional pela remessa para o exterior dos lucros, extraordinários auferidas em nosso país; da corrução que tem campeado nos pleitos eleitorais, na prática policial (quer preventiva, quer corretiva), na previdência social, no preenchimento de cargos públicos, na aplicação dos recursos sindicais, etc.

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São ainda evidências daquela afirmação o tratamento meramente policial dado aos movimentos populares da cidade e do campo, que mereciam ser antes objetiva e carinhosamente estudados, para que viessem a ser orientados construtivamente para o bem geral, através do atendimento das suas justas reivindicações; como também aos movimentos de greve, que, se muitas vezes desvirtuados, se constituem, entretanto, num instrumento legítimo de reivindicação social e de preservação dos direitos dos trabalhadores, e que deveriam, porisso mesmo, ser objeto de uma cuidadosa regulamentação.

Embora afirmemos ser a renovação do homem, mediante a transformação da personalidade, operada por Jesus (Visto, o fundamento básico sobre que terá de se alicerçar uma sociedade realmente nova, propugnamos também pela realização de reformas de base na vida nacional, de sorte a possibilitar à criatura a concretização de seus legítimos anseios terrenos. Porisso, preconizamos a promoção urgente de reformas tais como: a) reforma agrária, que venha atender ás reivindicações do homem do campo explorado; b) reforma eleitoral, que venha liquidar as circunstâncias que possibilitam e estimulam os nossos maus costumes políticos; c) reforma administrativa, que ponha termo ao nepotismo, ao filhotismo e à ineficiência tão generalizada quanto onerosa dos serviços públicos; d) reforma da previdência social, que venha por em funcionamento as nossas leis sociais com o pleno reconhecimento e o efetivo atendimento dos direitos dos que trabalham.

Recomendação Final

No cumprimento, pois, da missão profética que recebemos do Senhor, concitamos o Povo Batista Brasileiro a integrar-se cada vez mais no processo histórico da nossa nacionalidade, contribuindo para que o futuro corresponda aos desígnios de Deus para a nossa Pátria. Debrucemo-nos, portanto, sobre a realidade brasileira, procurando compreender-lhe os problemas, sentir-lhe as angústias, partilhando as suas dores. Busquemos nas Escrituras as soluções divinas para os problemas do homem. E, corajosamente, desfraldemos, em nome do Cristo,

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a bandeira da redenção total da criatura. Da redenção temporal e eterna do povo brasileiro!

Pela

Ordem dos Ministros Batistas do Brasil,

a Diretoria:

Presidente – José dos Reis Pereira

1°. Vice-Presidente – José Lins de Albuquerque

2°. Vice-Presidente –Hélcio da Silva Lessa

Secretário Geral – Tiago Nunes Lima

1°. Secretário – Irland Pereira de Azevedo

2°. Secretário – José dos Santos Filho

Tesoureiro – Otávio Felipe Rosa

Procurador – David Malta Nascimento

Bibliotecário – Tércio Gomes Cunha

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DECLARAÇÃO DA IGREJA REFORMADA FRANCESA

ELEMENTOS PERMANENTES DE UMA ÉTICA SOCIAL CRISTÃ

Durante os últimos anos, o Conselho da Federação Protestante tem deparado com situações políticas e sociais que levantam graves problemas para as Igrejas cristãs. Tentou, então, definir as razões, os fundamentos e as modalidades de sua eventual intervenção ou de seu silêncio no curso desses acontecimentos. O Conselho não está tão interessado em justificar sua ação no passado – que certamente não está isenta de erros – mas deseja definir, de maneira mais clara que puder, as regras de sua ação no futuro.

O Conselho acredita que a forma essencial de intervenção da Igreja, no mundo, reside na pregação fiel e atual do Evangelho e na intercessão de todas as comunidades em que o Corpo de Cristo se manifesta. Deseja que participem destas reflexões todos os pastores e conselheiros presbiteriais que exerceu seu ministério nas Igrejas ligadas à Federação Protestante da França.

É este o objetivo da presente carta, que não pretende ser documento definitivo. O Conselho faz votos para que ela desperte pensamentos e reações que serão recebidos com reconhecimento.

RAZÕES

Acreditamos que a Igreja não pode ficar estranha aos problemas políticos e sociais, imaginando que sua missão e testemunho só têm relação com a vida particular dos fiéis. O testemunho dos profetas do Antigo Testamento lembra-nos, com forca singular, que a relação pessoal estabelecida pelo Deus que é Justiça com o seu povo, dirige as relações que os homens devem estabelecer entre si: a justiça de Deus exige o estabelecimento da justiça social. O amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, tem, como conseqüência necessária, o serviço ao próximo. Ora, o

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serviço ao próximo só se pode realizar de maneira eficaz quando são estabelecidas pelo poder político, instituições sociais, cada vez mais numerosas. A caridade tem por objeto o próximo, e além disso faz de num o próximo de todos aqueles que estão em necessidade; ultrapassa, portanto, qualquer forma de justiça social, mas não prescinde dela como decorrência obrigatória .

É este impulso de amor que nos leva a querer bem a nossos filhos e a exigir do Estado leis que assegurem proteção à infância.

Qualquer intervenção do Conselho das Igrejas levanta imediatamente reações em sentido contrário: alguns acham que as Igrejas devem manter-se no domínio puramente espiritual, afirmando que na Igreja não deve haver política. Outros, ao contrário, desejam que as Igrejas multipliquem suas declarações e intervenções junto aos poderes públicos e que entrem, de maneira menos medrosa, no campo político e social. São dois perigos opostos, aos quais devemos prestar grande atenção.

É verdade que os problemas políticos e sociais ocupam lugar bastante reduzido em o Novo Testamento. Cristo se limitou a nos prevenir contra a confusão entre a autoridade de Deus e a autoridade dos chefes políticos (Mateus 22.24); também acentuou a tentação da tirania ligada ao poder (Lucas 22.25). O Apóstolo Paulo só recomendou aos cristãos que se submetessem às autoridades estabelecidas que exercem o ministério que vem de Deus para o bem dos homens (Romanos 13.1-7). Igualmente, o Apóstolo Paulo (I Timóteo 2.2) e o Apóstolo Pedro (I Pedro 2.13-17) pediram aos fiéis que orassem pelas autoridades e que as respeitassem, não somente por medo, mas por motivos de consciência.

É conveniente observar que, contrariamente a uma interpretação muitas vezes dada no decorrer da história, a obediência exigida de nós à autoridade, não é obediência incondicional: o Estado é servo de Deus para o nosso bem, para proteção daqueles que fazem o bem e para a repressão do mal. Como o poder político não está livre do pecado, acontece que ele esquece sua missão, ou até confunde o bem com o mal. O cristão

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é então chamado a exercer um ministério de vigilância, que pressupõe a faculdade do julgamento político. Orar pelas autoridades só significa oração autêntica quando os fiéis têm consciência das dificuldades concretas que as autoridades enfrentam, quando medem o jogo tantas vezes dramático das decisões políticas.

Além disso, importa não esquecer que na época apostólica a política só envolvia pequeno número de homens e o Estado só intervinha na vida dos cidadãos de maneira muito limitada e exterior (impostos, polícia, justiça civil e penal, às vezes serviço militar).

Hoje, não acontece o mesmo. A política influencia a nossa vida cotidiana; somos constantemente chamados exercício de nossas responsabilidades de cidadão. E cada vez mais o Estado intervém em campos mais extensos (educação, informação, segurança, trabalho, saúde, justiça social). Em política, importam não apenas problemas técnicos e administrativos mas em primeiro lugar problemas humanos e morais que tratem não somente do bem estar e conforto do homem, mas também de suas relações com o próximo, do futuro de seus filhos, do respeito a que tem direito toda criatura humana, da paz e da guerra. De que maneira poderiam as Igrejas pensar que a pregação do Evangelho não tem relação com problemas semelhantes e que o serviço ao próximo nada tem a ver com a política?

Pode ser que a expectativa da vinda iminente do Reino de Deus tenha afastado os cristãos primitivos dos problemas políticos (da mesma forma como Paulo desaconselhava o casamento em virtude desta iminência). No entanto, o cristianismo outrora, confrontado com as exigências do culto imperial e do serviço militar, logo se viu na obrigação de resolver problemas de caráter político, sem dúvida pouco numerosa. A fidelidade ao único Kyrios assim o exigia.

Veremos, em seguida, que a expectativa do Reino de Deus, longe de desvalorizar as exigências éticas, dá-lhes, ao contrário, particular relevo.

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Além do mais, a política é campo em que se exercem paixões ligadas à conquista e obtenção do poder; nela os homens tendem a apresentar seus ideais em termos absolutos e a fazer julgamentos inapeláveis a respeito daqueles que não partilham das suas próprias opiniões. A Igreja pode ensinar-nos a situar os problemas políticos em seu verdadeiro lugar, e a tirar a paixão tão característica dos debates políticos, lembrando-nos de que só existe obediência absoluta para com Deus.

As únicas razões que podem obrigar a Igreja a intervir no domínio político e social são a obediência a Deus e o serviço ao próximo. Ela se afasta de sua função quando combate pela vitória de determinado partido político. E ao contrário exerce seu ministério autêntico quando nossas intervenções estão estreitamente relacionadas com a pregação do Evangelho, sendo o serviço ao próximo o único objetivo.

FUNDAMENTOS

Qualquer intervenção política da parte da Igreja deve ter relação muito precisa com seu duplo ministério: de pregação e de diaconia; é importante, pois, que ela conheça perfeitamente os fundamentos de sua ética política e social.

Salientamos, em primeiro lugar, para evitar qualquer equívoco, que a Igreja não pode de forma alguma estar a reboque de uma ideologia ou partido político, porque não existe doutrina humana que se possa chamar de cristã. É necessário que ela vigie constantemente para que não se deixe levar por ideologias cujo caráter humanitário e generoso pode redundar em ilusão ou confusão. Por outro lado, a Igreja não deve condená-las sistematicamente; deve prestar atenção a que não se estabeleça qualquer dúvida entre a mensagem cristã e essas doutrinas, mesmo quando elas trazem a marca de influência cristã (por exemplo, o liberalismo democrático e o socialismo humanista).

Em segundo lugar, a norma das intervenções da Igreja não está nunca em princípios abstratos. “A tentação de procurar refúgios em princípios espreita sempre a Igreja e deve ser repelida. Em moral social, assim como em moral pessoal,

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princípios isolados do senhorio vivo e contemporâneo de Jesus Cristo correm sempre o risco de se tornarem objeto de idolatria, terminando por esconder de nós a vontade de Deus, e dando-nos simplesmente meios para nos justificássemos”.13

A ética cristã só tem como fundamento a pessoa e a obra de Jesus Cristo.

1) Ele é o Senhor vivo, elevado à direita de Deus Pai, a quem todo o poder foi concedido, e cuja vinda marcará o cumprimento dos tempos e o estabelecimento do Reino de Deus. A Igreja espera a vinda deste Reino de justiça e de paz que se aproximou de nós em Jesus Cristo. O Reino, em sua iminência, introduz nova dimensão na existência humana. A história não está mais unicamente dominada pelas fatalidades e determinismos do passado, mas aberta ao futuro e à esperança. Conseqüentemente, a precação do Reino de Deus não teria seriedade se não estivesse acompanhada de esforço para edificar em o nosso mundo pecador sinais do Reino. A Igreja deverá intervir para obter mais justiça, mais liberdade, mais solidariedade entre os homens, e tudo isso porque, consciente, das exigências do Reino de Deus, ela não pude esperar sua vinda sem qualquer tipo de ação. Qualquer esperança escatológica que não signifique uma ética concreta degenera em falso messianismo e em mitologia.

2) Ele é, até o fim dos tempos, o Senhor crucificado, aquele que deu sua vida para que nós tenhamos paz com Deus. Através de sua morte, Ele nos reconciliou com Deus, “a saber, que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões; e nos confiou a palavra da reconciliação” (II Co. 5.19). Não podemos guardar para nós a paz que Cristo nos deu. A Igreja deve anunciar aos homens que eles estão reconciliados, e, mais ainda, deve trabalhar para tornar evidente esta reconciliação. Todas as intervenções políticas e sociais da Igreja devem, portanto, ter como objetivo a

                                                            13 “Plan d’étude sur 1’Eglise et lê probléme algérien”, publicado pelo

Conselho Nacional da Igreja Reformada da França, pg. 11.

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reconciliação entre os homens, nações, raças e classes. Mesmo que esta reconciliação só signifique apaziguamento provisório, certo armistício, ordem de cessar fogo, ela conserva o valor de um indício da reconciliação realizada de uma vez por todas na cruz. No plano político, esta reconciliação pode tomar particularmente o aspecto do direito, isto é, o conjunto de garantias jurídicas destinadas a assegurarem a ordem e a tranqüilidade, e a reprimirem os atentados contra a justiça. Por isso mesmo, por causa da mensagem da reconciliação que lhe foi confiada, a Igreja deve freqüentemente pedir ao Estado que desempenhe seu papel, isto é, seja o guardião do direito.

3) Ele é o Senhor encarnado, aquele que de rico se fez pobre, aquele que não quis prevalecer-se de sua igualdade com Deus, “antes, de si mesmo se esvaziou assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens” (Filipenses 2.7). A encarnação e a humilhação do Cristo obrigam a Igreja a ficar do lado daqueles que se humilharam, do lado dos pobres e de todos os maltratados pela vida. Não se trata aqui de afirmação de princípios que ligaria a Igreja a determinada classe social. Tendo em mente a narrativa do julgamento final, expressa em Mateus 25, a igreja deve esforçar-se por discernir os verdadeiros pobres, os antigos e os novos pobres: todos aqueles que estão abandonados, doentes, perseguidos, em prisão, qualquer que seja a origem de sua miséria, têm direito à sua solicitude. Se, por um lado, a Igreja deve lembrar sempre aos poderosos e aos vencedores do momento as exigências de uma justiça rigorosa, por outro lado ela deve anunciar aos fracos e aos vencidos a graça e a misericórdia de Deus. A uns e a outros deve ensinar que a lei é sempre uma das faces do Evangelho da Graça. Além disso, a vinda do filho de Deus encarnado confere valor inestimável a toda criatura humana. A Igreja incessantemente lembrará certo valor que o ser humano tem, e intervirá todas as vezes que este valor for ameaçado, ou pelo poder arbitrário, ou por instituições desumanas.

Em resumo, a ética cristã deve achar-se não sob a autoridade de princípios abstratos, mas no tríplice foco da

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escatologia, da reconciliação pela cruz e da encarnação. Este mistério tríplice nos indica os três aspectos do dom que Deus nos conferiu em Jesus Cristo.

Se é este o fundamento da ética cristã, o objetivo de qualquer ação cristã e de qualquer intervenção da Igreja no domínio político e social só poderá ser a gratidão para com Deus. A seriedade de nossa gratidão deve ser comprovada pela qualidade de nosso serviço para com os homens.

Premida por este sentimento de gratidão, a Igreja não poderá ficar confortavelmente alheia ao drama político e social, mesmo que não possa entrar na competição técnica do mundo. Em civilização como a nossa, em que a técnica reclama uma espécie de primazia, é particularmente importante que a Igreja manifeste sua voz bem inconformada, embora sem competência técnica, agindo em conta de pura gratidão para com o Deus que a satisfez em Jesus Cristo.

MODALIDADE DE APLICAÇÃO

Tomando como ponto de partida as observações anteriores, é possível estabelecer algumas regras e limites em relação às intervenções da Igreja no domínio político e social.

1) A oração em favor das autoridades e das vítimas da injustiça deve ser a primeira forma do serviço político da Igreja. Não deve ter caráter abstrato e intemporal. Deve apresentar, perante Deus, as preocupações e as infelicidades do momento.

2) Para marcar bem a distância que existe entre as exigências absolutas da revelação bíblica e os imperativos mui relativos dos sistemas humanos, a Igreja não se fundamentará nunca em determinada doutrina política e social. Suas intervenções e declarações visarão unicamente situações concretas, em que, tanto para os homens como para as comunidades, estejam em jogo a justiça, a liberdade, a dignidade e a paz.

No momento em que seja necessário formular certo número de diretivas sobre justiça social, vida política e

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econômica, deve a Igreja procurar estabelecer estreita relação entre estes princípios e as exigências da revelação bíblica, a fim de mostrar, inequivocamente, que ela não se inspira em nenhuma ideologia particular.

3) A Igreja não se preocupa em saber se tem oportunidade de ser ou não seguida pela opinião pública, ou de defender uma causa popular ou não. Mas, por outro lado, fundamentando sua atitude nas exigências do Evangelho, ela não receia ter aliados comprometedores; ela não fica ressentida em ver que a causa que defende é igualmente, defendida por outras organizações, mesmo se algumas delas têm posições anti-cristãs.

4) Não separando nunca suas intervenções no domínio político-social do testemunho que ela deve a Jesus Cristo, Senhor da Igreja e do mundo, a Igreja se esforça por indicar mais claramente possível os motivos que a levam à ação. Julgará essencial que sua linguagem seja accessível a todo homem de boa fé.

5) A fim de não dar a impressão de se considerar a si mesma como potência, exercendo pressões ocultas, a Igreja dará, na medida do possível, às suas intervenções, caráter público. A pregação do Evangelho não pode ficar clandestina. Contudo, poderá acontecer que a Igreja seja chamada a exercer ministério de advertência junto a determinados responsáveis políticos, ou mesmo certo ministério de consolo. É lógico que nestas condições a intervenção da Igreja deve ter caráter secreto.

6) Os problemas políticos e sociais se revestem, às vezes, de tal complexidade e tecnicismo, que se torna impossível perceber onde está o dever do cristão e de que forma se podem aplicar as exigências do Evangelho. É evidente que as Igrejas devem mobilizar todas as autoridades competentes para ficar informadas, de maneira mais séria e científica, dos problemas que enfrentam. No entanto, poderá ser necessário também que, não podendo ver claramente, as Igrejas se vejam obrigadas a manter silêncio e a resistir a todos aqueles que desejam constrangê-las a falar. Igualmente, devem reconhecer com honestidade que, em numerosos assuntos, razões autenticamente cristãs podem ser

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alegadas em favor de opções diferentes, ou mesmo contraditórias. As Igrejas devem estar conscientes de que não podem impunemente invocar a autoridade da Palavra de Deus a favor de escolhas pessoais ou contra elas, razoáveis ou não, nem ter como certo que todos os cristãos estejam de acordo por motivos de fé. Não é possível determinar, antecipadamente, que assuntos derivam do livre arbítrio razoável de cada qual, e que questões estão em relação estreita com as exigências evidentes da fé evangélica. É muito possível que um problema puramente técnico manifeste de chofre um ponto fundamental a respeito do qual as Igrejas se devam manifestar com toda clareza.

7) As Igrejas não precisam pensar em manifestar uma opinião média, mas explicar, se puderem, o julgamento e a promessa de Deus a respeito de uma situação concreta. Elas não poderiam, portanto, justificar seu silêncio, alegando a divisão de opinião de seus fiéis; pois devem exercer, para com eles, um ministério de advertência e de ensino. Contudo, cada comunidade deverá esforçar-se por agir dentro da comunhão da Igreja inteira, tomando muito cuidado para não levantar seus fiéis uns contra os outros, por motivos ideológicos e apaixonados.

Todo pastor e paróquia devem lembrar-se que não constituem sozinhos a Igreja de Jesus Cristo, e devem tomar cuidado em não confundir suas convicções particulares com a Palavra de Deus.

8) Preocupada em pronunciar-se somente em o nome da Palavra de Deus, à qual devem estar sempre subordinados os argumentos racionais, a Igreja dá ás suas declarações e intervenções certa solenidade, sem exagero, para que não percam seu alcance. Contudo, em certas circunstâncias, perante algum perigo particularmente grave, ela não hesita em multiplicar suas advertências.

9) A Igreja só preenche seu ministério profético se ela previne a tempo os homens e as nações, indicando-lhes a tempo perspectivas para o futuro.

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10) A Igreja está consciente de que, por motivos de consciência, um crente pode assumir compromissos políticos e sociais que ela mesma, como comunidade, não poderia assumir, nem aprovar, nem desaprovar em nome da Palavra de Deus. Por isso, não procura, numa espécie de legalismo, definir um sistema político ou social considerado cristão. Ela mantém-se em comunhão com todos os seus filhos que crêem, conscientemente, ter de tomar posições diferentes das tomadas pela maioria dos crentes. Ela se esforça por ter um diálogo constante com aqueles, para que não se sintam abandonados, e possam receber conselhos ou de prudência ou de audácia.

11) Esforça-se a Igreja por formar homens responsáveis, capazes de correr corajosamente os riscos deste mundo. Ela se lembra da palavra do Apóstolo: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou” (Gálatas 5.1).

Conselho da Federação Protestante

29 de março de 1963 (Transcrito do “Bulletin d’Information”, da Igreja Reformada da França, número especial de março de 1963. Tradução de Maria Luiza César. Editado no Brasil pelo setor de Responsabilidade Social da igreja, da Confederação Evangélica do Brasil).

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MANIFESTO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA

Congresso Batista Mundial, Cleveland, Ohio, 25 de Julho de 1950

Nós, os Batistas de todo o mundo, ENCARAMOS com grave preocupação o condicionamento das consciências e as deliberadas perseguições religiosas que presentemente estão ocorrendo em várias partes do mundo.

Afligimo-nos ao saber que limitações são impostas à pregação da Palavra de Deus; que a instrução religiosa, particularmente da juventude, tem sido dificultada, e que os movimentos de mocidade são proibidos; que se interfere no treinamento do ministério e na indicação dos oficiais das Igrejas; e que obstáculos são postos à evangelização pública e à obra missionária.

O princípio da separação entre a Igreja e o Estado tem sido seriamente questionado, mesmo naquelas áreas onde vem sendo praticado; oficiais e membros das Igrejas têm sido presos e encarcerados numa escala crescente tanto nos países comunistas como naqueles em que a Igreja Católica Romana predomina.

Além disso, lamentamos observar que em algumas nações onde existem Igrejas Protestantes, oficialmente ligadas ao Estado, grupos religiosos minoritários têm sido objeto de discriminações legais.

Os Perigos Atuais

Em face desta violação da liberdade religiosa e dos direitos básicos do homem, somos levados a DECLARAR que em nenhuma outra ocasião na história do Cristianismo houve maior risco de perdermos a visão dos princípios e ideais pelos quais ele existe. O perigo se agrava pelo fato de estar sendo a liberdade negada por aqueles que afirmam amá-la. A violação das consciências não ocorre somente nos paises comunistas, mas também no seio das próprias Igrejas. Não somente os comunistas encarceram Católicos Romanos e Protestantes; os Católicos Romanos têm perseguido Protestantes e certos Protestantes,

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ainda que em menor escala, têm negado aos Católicos Romanos e a outros grupos, a completa liberdade.

Os governos totalitários, as alianças entre a Igreja e o Estado, e o secularismo materialista se conjugam para fazer da sorte das igrejas livres um tema para a nossa mais profunda preocupação.

O Desafio

Tendo-nos identificado, desde sempre, com os princípios de liberdade religiosa nos termos em que fluem da Palavra de Deus, nós, como Batistas, REAFIRMAMOS agora a nossa posição histórica, e nos comprometemos a conquistar para todos os homens o direito de livre acesso a Deus, bem como o direito de formar e propagar a sua opinião religiosa sem a interferência dos poderes civis e eclesiásticos.

Nós cremos que todas as pessoas têm o direito de expressar as suas convicções religiosas através da adoração, do ensino e da prática, sem recear repressões políticas, sociais ou morais. Situamo-nos contra a tirania, seja ela do Estado ou da Igreja, e condenamos como contrários à vontade e ao propósito de Deus quaisquer atos que violentem as consciências dos que amam a liberdade.

Apoiamos a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pelas Nações Unidas, que inclui entre aqueles direitos “a liberdade de mudar de religião ou crença, e de manifestá-las, individual ou coletivamente, pelo ensino, pela prática e pelo culto”.

Apelo à Ação

Entendemos que o desafio a certas Igrejas é um desafio a todos nós, e que não estamos sozinhos nesta lula pela liberdade:

Apelamos às Igrejas Batistas em todo o mundo para que assumam a liderança na proclamação e prática da liberdade religiosa.

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Apelamos às Igrejas Protestantes ligadas ao Estado, bem como as demais Igrejas que desfrutam de condição majoritária, para que zelem e promovam os princípios da liberdade religiosa, assegurando-a aos Católicos Romanos, Judeus e membros de outros grupos religiosos, assim como àqueles que não têm fé, os mesmos direitos e privilégios que exigem para si mesmos, sem discriminações ou restrições.

Apelamos à Igreja Católica Romana para que abandone a sua atitude de discriminação e perseguição aos Protestantes e Evangélicos na Espanha, Itália, Portugal, Congo Belga, México, Argentina, Colômbia etc., e a unir-se fraternalmente com todos os amantes da liberdade contra o totalitarismo e em prol da completa liberdade religiosa.

Apelamos aos dirigentes dos países comunistas para cessarem a sua política de discriminação contra a religião e de intimidação das Igrejas cristãs e seus líderes em virtude de prisões e ameaças de prisão, bem como o impedimento de a juventude cristã se organizar e publicamente proclamar o evangelho.

Apelamos ás Nações Unidas para aplicarem os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos às nações e territórios presentemente sob o domínio de qualquer grupo religioso específico (seja ele o Islamismo, o Catolicismo Romano ou o Protestantismo), assim como tem procedido em relação aos países dominados pelo comunismo, colocando-os perante o juízo da opinião mundial, e recusando-lhes o privilégio de associar-se ás nações amantes da liberdade, até que tenham demonstrado que pretendem submeter-se àquela declaração em espírito e prática.

Apelamos a todas as nações para demonstrarem o seu apoio à Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ratificação do pacto destinado a legalizá-la.

Causas de Regozijo

Regozijamo-nos por nos encontrarmos em um pais que possui uma nobre tradição de liberdade religiosa, preservada na Constituição dos Estados Unidos da América e na sua Carta de Direitos, mantida através de gerações de uma tradição de igrejas

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livres em um estado livre, que, estamos certos, sob a direção e a bênção de Deus, jamais serão destruídos.

Pedimos a Deus, único Senhor das consciências, para conduzir a humanidade das trevas, à luz, da falsidade à verdade, do medo à liberdade.

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O CREDO SOCIAL DA IGREJA METODISTA DO BRASIL

I – NOSSA HERANÇA

A Igreja Metodista do Brasil, organizada como igreja autônoma em 1930, e vinculada ao Metodismo Universal por suas relações fraternais e de ordem estrutural estabelecidas nos Cânones, está profundamente interessada no bem-estar social do povo brasileiro. Este seu interesse tem base nos evangelhos, nas obras de João Wesley, o organizador da Igreja Metodista, e na tradição metodista que tem sido mantida secularmente em todo o mundo.

A Igreja Metodista do Brasil, neste momento histórico por que passa a pátria brasileira, reafirma sua posição tradicional, como guardiã das liberdades humanas e da ordem social e econômica, de acordo com os princípios cristãos.

Outrossim, concita a todos os seus adeptos a colocar toda sua vida, suas atividades, suas posses e suas relações de acordo com a vontade de Deus.

II – BASE TEOLÓGICA

A Igreja Metodista do Brasil encara a complexidade dos problemas brasileiros de acordo com o espírito do ensino de Jesus. Ele nos ordena a amar ao próximo como a nós mesmos. Esta ordem nos impõe a busca da justiça para o nosso próximo. Silenciar, pois, em face das necessidades, da injustiça e da exploração é negar a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Cremos que Deus é Pai de toda a raça humana, que Jesus Cristo é Seu Unigênito Filho e que os homens são todos irmãos.

Cremos que o homem é de valor infinito como filho de Deus.

Cremos que “ao Senhor pertence a terra e a sua plenitude” e, portanto, nossas capacidades, nossos bens, nossos talentos, tudo que possuímos, vem do Criador e devem ser usados para o serviço de Deus.

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Cremos que a comunidade cristã é essencial para o desenvolvimento da pessoa humana, em sua plenitude.

Cremos que o pecado, tanto individual como coletivo, está sob o julgamento divino e que a graça de Deus é suficiente para a redenção da vida humana, em todos os seus aspectos, quando buscamos, em penitência e fé, realizar a vontade de Deus.

Cremos no valor real das pessoas aos olhos de Deus e assim devemos nós encará-las.

Julgamos as instituições e suas práticas pela maneira como influem elas na pessoa humana. Existe opressão em muitos setores da nossa sociedade. Nosso propósito é a emancipação dos oprimidos e a busca dos meios de enriquecimento e redenção da humanidade. Aceitando o princípio bíblico de que Jesus morreu para a redenção do homem cremos que é nosso dever viver para ajudá-lo a libertar-se do pecado e de tudo que o possa prejudicar ou destruir. Em virtude dos princípios acima enumerados, a Igreja Metodista do Brasil assim se expressa:

III – ORDEM POLÍTICO-SOCIAL-ECONÔMICA

A Igreja Metodista do Brasil não identifica o Cristianismo com nenhum sistema político-social e econômico. Julgamos o conteúdo e os métodos de qualquer sistema, segundo o Evangelho, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.

Acreditamos que é dever da Igreja não somente salvar o indivíduo, mas contribuir para que a sociedade em que ele vive seja dirigida e orientada pelos princípios cristãos.

A sociedade brasileira está caracterizando-se cada vez mais pela vida industrial e urbana. A cidade é um centro poderoso para o bem ou para o mal e suas populações mutáveis necessitam de orientação cristã e do poder curativo da religião.

Por outro lado, o Brasil, pela sua vasta extensão territorial inexplorada, não pode ignorar a importância da zona rural como fonte de riqueza e produção. Para o campo voltam as vistas os órgãos governamentais e para eles a Igreja Metodista deve atentar.

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Como pleno reconhecimento da nossa mordomia perante Deus e da responsabilidade a Ele devida, somos a favor da aquisição de propriedades para uso próprio, por processos cristãos.

A família moderna está lutando com grandes dificuldades: tensões criadas pela situação mundial. Habitação inadequada. Desmembramento devido às rápidas transformações no organismo social e influência maléfica da maioria sobre as crianças e a juventude. O resultado de tudo isto se evidencia no aumento do número de lares desfeitos, de desquites (de delinqüência juvenil, de desajustados de toda classe, e da frouxidão dos costumes). É somente quando a família cumpre suas mais elevadas funções e é realmente cristã que seus membros podem sobrepor-se a todas estas dificuldades e ajudar a afastar as ameaças que pesam sobre os lares. A família cristã é aquela em que os pais vivem a vida cristã e praticam a presença de Deus de tal maneira que os filhos, normalmente aceitam a Deus como a suprema realidade da vida.

Julgamos que todo o adulto deve ocupar-se, na medida de sua capacidade, em alguma atividade produtiva para o bem-estar coletivo. Qualquer que seja o ramo de sua atividade ele a deve encarar como um chamado de Cristo e, seu trabalho diário, a esfera de seus serviços prestados a Deus, através do próximo, contribuindo deste modo para o avanço do Reino de Deus.

As raças foram criadas por Deus para melhor adaptação do homem ao meio ambiente. Constitui, pois, grave ofensa ao espírito criador de Deus todo e qualquer preconceito de raça.

Consideramos contrários ao princípio cristão o conceito de salário em que as famílias dos operários e demais trabalhadores possam satisfazer apenas os requisitos mínimos de subsistência. Os direitos do homem, como criatura de Deus, feita à sua imagem e semelhança, vão muito além desse nível.

Os metodistas brasileiros, na mais alta consciência de seus deveres para com o próximo, lutarão para que se dê aos

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trabalhadores um salário justo, compatível com a dignidade humana.

Propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Direitos iguais e justiça rápida e econômica para todos os homens.

2. Proteção do indivíduo e da família pelo estabelecimento de padrões de moral elevada, a ser exigida tanto do homem como da mulher.

3. Educação cristã e orientação da juventude para as responsabilidades do matrimônio, exercício da paternidade e administração do lar.

4. Exigência de exame pré-nupcial.

5. Legislação civil que vise a solução do problema dos lares desfeitos pelo desquite – e a moralização da vida social, em face dos casos de segundas uniões ilegais.

6. Provisão de habitação adequada para todas famílias, tanto nos perímetros urbanos como nos rurais.

7. Regulamentação e proteção do trabalho da mulher, especialmente da mulher mãe, e providência social que lhe assegure proteção física, social e moral.

8. Abolição do emprego de menores em condições que prejudiquem seu desenvolvimento normal e sua educação espiritual, física, intelectual e moral.

9. Proteção da criança e dos adultos contra enfermidades, da subnutrição, de hábitos e vícios que atentam contra sua saúde.

10. Regulamentação do trabalho e direito de todos os homens a uma oportunidade de manutenção própria.

11. Proteção do operário contra toda usurpação exploração injusta, e de acidentes do trabalho.

12. Descanso semanal e ajustamento razoável das horas de trabalho.

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13. A santificação do Domingo.

14. Salário que garanta a subsistência do trabalhador rural e urbano e de suas famílias, em circunstâncias que assegurem a dignidade da pessoa humana.

15. Previdência social que assegure ao homem uma aposentadoria condizente com suas necessidades reais e proteja o trabalhador em caso de acidente ou falta de trabalho.

16. :Direito de patrões e empregados se organizarem para ação social coletiva, a fim de facilitar os meios de conciliação e arbitragem em casos de disputas.

17. Direito de greve como intangível para dirimir injustiças sociais. Os operários devem ser orientados a fim de não exercerem esse direito ilegitimamente.

18. Dever de patrões e empregados de trabalharem pelo bem-estar público.

19. Um programa educativo que leve o homem do campo à consciência de suas relações com Deus, com o solo e com todas as riquezas naturais, bem como à consciência de seus deveres para com a família, a Igreja e o bem-estar da comunidade.

20. Melhor distribuição das terras agricultáveis e contra toda a forma de exploração do trabalhador rural.

21. Extensão à família do lavrador de todas as oportunidades educacionais e assistenciais necessárias ao seu bem-estar moral e material.

22. Direito da propriedade privada sem o comprometimento com acúmulo de riquezas que não sejam usadas para o bem da comunidade.

23. Legislação e providências governamentais combinadas com o esforço dos cristãos no sentido de aliviar o sofrimento humano; prover assistência ao necessitado e buscar, por todos os meios, a extinção do desemprego, da vadiagem e das condições que levam à pobreza e à miséria.

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IV – MALES SOCIAIS

Males Sociais são os diferentes vícios e as manifestações do erro, da ignorância, do pecado, que deturpam a personalidade, arruínam a vida e trazem mal-estar para a comunidade.

A Igreja Metodista do Brasil sempre se opôs a eles, combatendo-os veementemente: pela palavra falada e escrita, pelas atitudes e ações. A abstinência é a posição histórica de nossa Igreja.

Não se coadunam, pois, com o sistema de vida que pregamos e vivemos: o alcoolismo, tabaquismo, os narcóticos de qualquer natureza, assim também a prostituição, a má literatura, o jogo de azar, a guerra e a pena de morte e tudo mais que destoa, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.

No tratamento dos males sociais temos por norma: combater tenazmente o mal e amar profundamente o ser humano atingido por ele, proporcionando-lhe os meios de redenção e recuperação.

Visando o bem-estar individual e social propugnamos, pois, pelo seguinte:

l. Combate tenaz e decidido aos vícios causados por tóxicos e narcóticos que envenenam o homem, e males que corrompem a sociedade:

a) ao alcoolismo que tira completamente o homem do raciocínio normal e avilta sua personalidade.

b) ao tabaquismo que se torna dia a dia um vício grandemente danificador, tanto que invade praticamente todas as idades do homem e da mulher.

c) aos narcóticos que viciam o homem, incapacitando-o para a realização de uma vida normal na sociedade.

d) à prostituição que é desrespeito e verdadeiro insulto à dignidade humana, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.

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e) à má literatura que através de linguagem imprópria e argumentos falsos traz influências negativas, notadamente para a infância o a juventude.

f) aos maus programas de cinema, rádio e televisão, pelos prejuízos morais ao indivíduo e à sociedade.

g) ao jogo que é o mais triste retrato de uma sociedade em desintegração pelo alheiamento aos valores que lhe garantem estabilidade e progresso.

h) à guerra como solução inadequada aos problemas humanos, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.

i) repúdio incondicional a toda espécie de preconceito racial e religioso.

2. Apoio decidido ao esforço educacional que se fizer, com o objetivo de:

a) pregar a abstinência como norma de conduta e dar instrução sobre os efeitos dos vícios e males sociais.

b) estudar as causas dos males sociais, removendo-as para combatê-los.

c) ensinar que a pureza do corpo e do espírito, de acordo com a ética do ensino de Jesus, é sistema de vida próprio dos seus seguidores.

d) proclamar a grande necessidade de redimir, de amar e salvar especialmente àqueles que andam desgarrados, como ovelhas sem pastor, vitimas das diferentes manifestações dos males sociais.

e) expor as vantagens da boa literatura, do bom cinema e do bom rádio e boa televisão, como agentes poderosos na formação do caráter e da conduta em sociedade.

f) promover por todos os meios ao alcance uma educação que dê respeito e decoro pessoal ao espírito de compreensão e bem-estar social.

V – RESPONSABILIDADES CIVIS

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Como indivíduos pertencemos a uma sociedade organizada que se rege por leis civis. Nesta sociedade devemos estar habilitados para o cumprimento dos nossos deveres e o exercício dos direitos no uso dos privilégios que se nos oferecem.

A Igreja Metodista do Brasil instrui os seus membros no sentido de serem elementos integrados na vida nacional, onde devem levar a contribuição do Evangelho de Jesus Cristo.

Como Igreja propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Liberdade de Imprensa e de credo político e religioso como direitos que assistem ao ser humano grupado em sociedade, sempre que esta liberdade não fira direitos alheios, não cause mal-estar coletivo, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.

2. Exercício do voto dentro dos padrões da ética de Cristo.

3. Patriotismo sadio e construtivo como filosofia política, visando o desenvolvimento da vida do Pais, salvaguardando o espírito de boa vizinhança que deve fazer com que vejamos os seres humanos como uma só família e a cooperação com instituições de âmbito internacional, apoiadas nos postulados cristãos de liberdade, igualdade e fraternidade.

VI – ECUMENISMO

A Igreja Metodista do Brasil é una em sua natureza essencial. Cremos que esta unidade essencial deve se refletir na sua estrutura.

O metodismo sempre se caracterizou pelo espírito ecumênico, pela tolerância e respeito à opinião alheia. . A Igreja participa ativamente dos movimentos de cooperação interdenominacional. Em alguns países a Igreja Metodista já encontrou o caminho para tomar parte em programas de união, que resultaram na formação, com outras Igrejas cristãs, da Igreja Unida do Canadá, da Igreja Unida do Japão e da Igreja Cristã do Sul da Índia.

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A Igreja Metodista do Brasil é parte integrante do Conselho Mundial de Igrejas.

Seu fundador, João Wesley, tinha uma visão universal da obra da Igreja quando disse: “O mundo é a minha paróquia”, Ele mesmo considerava todos os crentes como irmãos e por isso dizia: “Se teu coração é reto perante Deus como é o meu coração, dá-me a tua mão, somos irmãos”.

O ecumenismo não somente manifesta a unidade da Igreja, mas é a prova da fraternidade dos crentes e seu testemunho de fé perante o mundo. Com esta atitude responde a Igreja à oração sacerdotal de Jesus, quando disse: “Que eles sejam um… para que o mundo creia que tu me enviaste”.

Em vista do exposto propugnamos pelo seguinte:

1. Estreitamento dos laços de amizade com as denominações irmãs, através da troca de informações, encontro com os lideres e participação nos movimentos especiais de confraternização.

2. Promoção de trabalhos em conjunto nos setores social, educativo e evangelístico.

VII – NOSSA ORDEM: LER, ESTUDAR, APLICAR

O VII Concílio Geral que aprovou este Credo Social ordena que o mesmo seja apresentado às Igrejas, pelos pastores, ao menos uma vez por ano, oralmente ou em forma impressa. Que em cada Igreja se organize uma classe de estudos do Credo Social e que os metodistas se esforcem para por em prática os princípios e sugestões nele exarados. Que os ministros da Igreja Metodista, por palavras e atos, prestigiem a expressão da Igreja contida neste credo e sejam eles mesmos a encarnação destes princípios em suas paróquias.

Aprovado pelo VIII Concílio Geral

de julho de 1960.

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RELATÓRIO ANUAL DA COMISSÃO DE VIDA CRISTÃ À CONVENÇÃO BATISTA DO SUL DOS ESTADOS

UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE

JULHO, 1965

PROGRAMA DE CULTIVO DA MORALIDADE CRISTÃ

Como uma agência especial operando no campo do Cristianismo aplicado, a Comissão de Vida Cristã utilizou a maior parte dos seus recursos durante o ano de 1964 para ajudar os Batistas do Sul a aplicar os princípios cristãos aos grandes problemas morais e sociais que presentemente confrontamos. Através da pregação, do ensino, da imprensa, da correspondência, de consultas, e de organizações, os dirigentes da Comissão mantiveram um apelo contínuo aos Batistas do Sul para que pratiquem o que pregam. Centenas de sermões sobre Cristianismo aplicado foram pregados em dezenove Estados diferentes, e dezenas de milhares de pessoas foram ainda alcançadas por essas mensagens ao serem elas divulgadas nos jornais batistas, referidas na imprensa diária, distribuídas nas Igrejas locais, e transcritas em pelo menos três livros. Uma ênfase especial foi dada em 1964 à preparação e distribuição de material escrito através dos meios de divulgação das várias organizações dos Batistas do Sul. Esforços foram feitos para atingir todos os setores da vida dos Batistas do Sul, incluindo os intelectuais, que lêem as publicações teológicas, o Programa e o Quaterly Review; as senhoras foram informadas através das publicações da União Feminina Missionária (W. M. U.); os rapazes e os homens, através dos periódicos de suas Uniões; os estudantes pela revista Baptist Student; centenas de milhares de jovens e adultos foram atingidos através das inúmeras publicações destinadas à União de Treinamento, enquanto o grande público dele tomava conhecimento por intermédio dos jornais batistas estaduais.

Segundo cuidadosas estimativas, o material produzido pela Comissão alcançou uma circulação total de 29.613.413 durante o ano findo. Dois livros de autoria de membros diretores da Comissão foram publicados no Broadman Readers Plan em

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1964 e estão sendo amplamente usados como textos para estudos nas Igrejas. Um terceiro livro, sobre cidadania cristã, deverá aparecer em 1965. Alguns manuscritos de livros sobre o jogo e o alcoolismo estão sendo preparados e deverão ser entregues para publicação em 1965. Uma edição especial da Revista da União de Treinamento, distribuída em setembro último, tratando de alguns dos mais urgentes problemas morais do nosso tempo, vem sendo largamente utilizada em virtude dos seus “Planos de Ação” sugeridos para os vários tópicos estudados. Uma bibliografia selecionada de livros básicos sobre cristianismo aplicado foi estampada na revista Church Librarian, tendo encontrado grande aceitação. Além disso, 162.268 exemplares dos 39 folhetos diferentes editados pela Comissão, foram distribuídos, sob solicitação, aos Batistas do Sul. A Convenção reconhece que esses impressos se revelaram de grande eficiência na educação do povo e no estabelecimento de uma grande base de apoio para as preocupações da Comissão. As conferências de verão em Glorieta e Ridgerest sobre “Cristianismo e Relações Raciais” atraíram uma assistência de 3.290 pessoas, que foi a maior na história daquelas conferências; e 1.500 cópias das mensagens ali proferidas foram impressas e estão sendo distribuídas. Cerca de cento e cinqüenta lideres Batistas do Sul participaram de um importante seminário sobre Cidadania Cristã, em março último, na cidade de Washington. Quatro novas Comissões Estaduais de Vida Cristã foram organizadas nos moldes do manual intitulado “Guia para as Comissões de Vida Cristã”. O trabalho cooperativo com as Comissões Estaduais de Vida Cristã tem já produzido frutos expressivos na forma de conferências regionais, seminários estaduais, a formação de um competente e consagrado grupo de obreiros e uma ampla preocupação com o cristianismo aplicado.

Esforço especial tem sido feito no sentido da coordenação de todas as atividades dos Batistas do Sul em prol do cultivo da moralidade cristã, procurando assegurar-se a colaboração de lideres competentes para escrever e falar sobre o assunto, despertando outros para fazê-lo também através do ensino, da pregação, dos programas radiofônicos, da produção

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cinematográfica e ainda do planejamento do currículo dos colégios e seminários.

SERVIÇOS ESPECIALIZADOS E PROGRAMA DE COORDENAÇÃO

Como uma agência de serviço dos Batistas do Sul, interessada em tudo que concerne ao bem estar humano, a Comissão de Vida Cristã serve, como um secretariado I permanente, à (1) Conferência Batista do Sul sobre Aconselhamento e Orientação, (2) Associação de Serviço Social dos Batistas do Sul, (3) Associação de Executivos de Lares de Anciãos dos Batistas do Sul. O auxílio é prestado na forma de planejamento de programas, coordenação de esforços serviços contábeis, e manutenção de arquivos permanenetes de tais organizações. Estudos especiais têm sido feitos no sentido de relacionar as convicções dos Batistas do Sul com as responsabilidades administrativas das instituições hospitalares e de bem estar do menor. Serviços especiais em relação ao problema da paz têm igualmente sido prestados a vários grupo de líderes Batistas do Sul. Nossa posição como observadores junto às Nações Unidas não só foi mantida como também fortalecida.

A atenção dos Batistas do Sul tem sido particularmente solicitadas para três aspectos do nosso crítico problema moral:

A REVOLUÇÃO MORAL

A atenção do pais tem sido frequentemente chamada para a crise em curso da moralidade moderna. As manifestações de imoralidade, desde o alcoolismo ao adultério, da deslealdade intelectual (“cola”) ao monopólio, das simples expressões da avareza às complexas formas de jogo, do materialismo à idolatria, são demasiado familiares para que as refiramos todas. O mundo inteiro parece à deriva em um vasto mar de relativismo moral. O preceito dos antigos libertinos – “Comamos, bebamos e nos alegremos, porque amanhã morreremos” – foi tornado assustadoramente atual por Ernest Hemingway ao afirmar: “É moral tudo aquilo que parece bom e imoral tudo quanto lhe pareça mau”. A imoralidade de nosso tempo não é coisa nova,

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mas está se manifestando numa escala sem precedentes. Os pensadores cristãos impressionam-se profundamente com o fato de que, muito freqüentemente, até mesmo o povo de Deus se tem conformado moralmente com este mundo ao invés de nele ser moralmente transformado.

Os homens sofisticados de nosso tempo podem fugir à indagação – “Isto é certo ou errado?” – mas não poderão nunca agir assim. Em virtude de terem sido criados à imagem de um Deus moral, o homem não tem outra alternativa senão preocupar-se com a pergunta “Que devo fazer?” O homem moderno enfrenta um grave problema moral, não porque os Dez Mandamentos não tenham mais validade no século vinte, mas sim porque ele continua ignorando a perene validade da lei de Deus. Ele não tem tanto quebrado os mandamentos quanto os tem ignorado. Entendemos que a base da moralidade cristã é a graça de Deus que opera redentoramente nas vidas do seu povo para produzir um incomensurável amor a Deus; e compreendemos que a manifestação da moralidade cristã é um amor aos semelhantes tão intenso e tão profundo quanto o amor à própria vida (Mateus 22.36-40).

Cremos que os Batistas do Sul têm grandes responsabilidades, perante Deus na presente crise moral. (1) Nós, portanto, reafirmamos a nossa convicção de que ainda que nem todos os homens morais sejam cristãos, todos os cristãos são homens morais, chamados para serem moralmente conformados com a mente de Cristo. (2) Reafirmamos a nossa convicção de que embora a moralidade jamais salve alguém, ela é a característica de um cristão que busca, ao longo de sua vida alcançar a verdadeira moralidade cristã, que é o fruto do Espírito. (3) Reiteiramos a Deus a nossa disposição de procurarmos fielmente exemplificar os ideais moirais do Novo Testamento em todas as áreas e relações de nossa vida pessoal. (4) Reconhecemos que a nossa própria falta de liderança moral em nossa nação, contribuiu significativamente para precipitar a presente crise moral. (5) Nós reafirmamos a nossa determinação de apoiar aqueles candidatos a cargos eletivos que mais realisticamente se

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tenham empenhado na dignificação dos padrões morais da comunidade, do estado e do país. (6) Solenemente, declaramos a nossa intenção em meio a esta revolução moral, de sermos “homens de Cristo da cabeça aos pés, não dando chances à carne de sobrepujar-nos” (Romanos 13.14, Phillips).

O DESAFIO DA PAZ

Neste mundo ameaçado pelo sacrifício nuclear, os ideais do Príncipe da Paz parecem estranhamente remotos. As passagens bíblicas que falam de “guerras e rumores de guerras” e que profetizam o Armagedon, a lua tornando-se em sangue e os céus se derretendo com um grande calor, parecem hoje de certo modo, mais atuais e mais realísticos. A fim de que as espectativas bíblicas de paz na terra e de boa vontade entre os homens não desapareçam da terra e de que os cristãos não se conformem com este mundo belicoso, nós fazemos as seguintes afirmações: (1) a moderna guerra nuclear entre os Estados Unidos e os nossos adversários comunistas não pode ser justificada à base das guerras entre Israel e os seus vizinhos pagãos, conforme encontramos no Velho Testamento; (2) a paz com a qual a Bíblia está preocupada é aquela que resulta de fazermos a vontade do Senhor, e a paz nacional, racial, econômica, de classes ou internacional, derivam dessa paz mais profunda; (3) não é justo que os cristãos que já experimentaram esta paz de Deus, que sobrepuja a todo entendimento, repousem e comam abundantemente em Sião, enquanto o mundo ao redor de nós tropeça cegamente no caminho para o genocídio; (4) o povo de Deus não pode esperar manter a paz, a menos que encontremos novas e mais significativas formas de proporcioná-la aos demais; e (5) esta paz não depende de Deus, mas do povo de Deus, que tendo os seus pés calçados com a preparação do Evangelho da paz, está disposto a lutar com coragem e convicção pelas coisas que contribuem para a paz.

Em face dessas afirmações, expressamos a ardente esperança de que os Batistas do Sul tomarão todas as iniciativas possíveis para promover a paz. (1) Ao proclamarmos o evangelho do Príncipe da Paz esperamos que se avive em nossas mentes o

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grande ideal da paz entre os homens. (2) Como cidadãos cristãos estamos dispostos a nos deixar envolver creadoramente na solução dos urgentes problemas nacionais e internacionais como o preconceito, a pobreza, a injustiça e a imoralidade, assegurando-nos uma base mais sólida sobre que nos apoiarmos enquanto procuramos cooperar no estabelecimento da paz entre as nações. (3) A estratégia da ameaça e riscos calculados, em expressões macabras tais como “massacre” e “arrazamento”, jamais trarão soluções cabais para os problemas da tensão mundial, pelo que não deveriam ser considerados substitutos para a redenção e a compaixão cristãs. (4) Prometemos o nosso apoio moral, financeiro e político àqueles líderes que responsavelmente se situam contra a guerra e em favor da paz. O realismo nos sugere que os exércitos podem vir a ser empregados como um recurso extremo na defesa da liberdade, mas que a paz pela justiça deveria sempre ser o principal objetivo dos líderes políticos do mundo. (5) Como cristão, nós reafirmamos a nossa profunda convicção de que é preferível que os diplomatas discutam ardorosamente em debate franco nas Nações Unidas, a que os soldados se matem no campo de combate e que a maquinária política de uma organização mundial como as Nações Unidas, fortalecida e apoiada, é absolutamente necessária se é que as nações pretendem viver juntas e trabalhar em paz.

A CRISE RACIAL

Damos graças a Deus porque uma importante transfoemação ocorreu no campo das relações raciais no curso do ano findo. A força do ideal democrático e o fermento do Evangelho de Cristo se combinaram para constranger a nossa sociedade a um grande passo em frente no setor das relações humanas. Através de vasta área de nossa nação, verificou-se amplo acatamento da lei dos direitos civis, uma pacífica observância da dessegregacão nas escolas públicas, um encorajador progresso no sentido da justa distribuição das oportunidades de trabalho, de habitação e de exercício do voto e uma firme e crescente ampliação do ministério da Igreja, independente de restrições raciais. Enquanto a mensagem de ódio

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está se esmorecendo no mundo político, a mensagem do amor cristão no mundo da religião começa a tornar-se mais claramente ouvida.

A franqueza exige, entretanto, que não nos consideremos já vitoriosos. As forças malignas do preconceito racial continuam a dividir homens e movimentos nestes dias tumultuosos. As chamas da desunião a propósito de raça e racismo continuam a arder em grande extensão da terra. Estas chamas jamais poderão ser apagadas por um lençol de silêncio e de neutralidade. Elas deverão antes, ser vencidas pelo nosso suficiente e eterno Senhor que oferece a unidade de todos os homens em uma família onde Deus é o Pai e Jesus Cristo o Primogênito.

O testemunho de Jesus Cristo, pelos Batistas do Sul, tem sido mais séria e fundamentalmente ameaçado pela crise racial do que por qualquer outro movimento ideológico ou problema moral de nosso tempo. Ainda que sejamos gratos a Deus pelo progresso jurídico, sociológico e econômico feito no campo das relações raciais no transcurso do ano passado, nós reafirmamos a nossa profunda convicção de que a solução definitiva do problema racial depende de princípios nitidamente espirituais. Como cidadãos, estamos gratos pelo progresso jurídico, mas como cristãos ansiamos por um maior progresso espiritual. A lei pode dessegregar as escolas públicas, ampliar as acomodações públicas e garantir o direito de votar; mas somente o evangelho pode transformar as vidas humanas. As leis podem abrir portas, mas somente Cristo pode ensinar-nos a amar aqueles que as transpõem. Temos em mente que o ensino do Novo Testamento é muito mais exigente do que a Lei de Direitos Civis e que os padrões da Igreja são muito mais severos do que as exigências do Congresso. O amor cristão nunca significa menos do que a justiça. Ele cumpre a lei e vai além.

Destacados líderes Batístas do Sul têm incisivamente analisado os desastrosos efeitos do preconceito racial sobre o nosso testemunho perante o mundo não cristão. Os que estão empenhados, entre os Batistas do Sul, na evangelização, têm-nos recordado o fato de que o preconceito racial tem restringido o

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nosso trabalho evangelístico mais do que qualquer outra circunstância, porque é impossível amar e odiar com o mesmo coração. Os nossos missionários no estrangeiro se têm associado – e continuam a fazê-lo – nos mais tocantes e pungentes apelos aos Batistas do Sul para que repudiem o racismo e se ergam acima dos preconceitos raciais, para assim desatarem as suas mãos, a fim de que possam realizar a sua missão para Cristo entre os povos de todo o mundo. Os nossos mais profundos estudiosos do Novo Testamento têm inequivocamente declarado que o orgulho racial, que gera a segregação e a discriminação, é uma afronfa ao Evangelho, uma violência ao altar de Deus, e adequadamente classificado como um pecado contra Deus e a humanidade.