ACESSO À JUSTIÇA NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO: UM … VERSÃO... · Acesso à justiça no...

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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Curso de Graduação em Ciências Sociais RODRIGO CUNHA DE MELO ACESSO À JUSTIÇA NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO: UM ESTUDO SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Niterói 2018

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Universidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e FilosofiaCurso de Graduação em Ciências Sociais

RODRIGO CUNHA DE MELO

ACESSO À JUSTIÇA NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO:

UM ESTUDO SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

Niterói

2018

Universidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e FilosofiaCurso de Graduação em Ciências Sociais

RODRIGO CUNHA DE MELO

ACESSO À JUSTIÇA NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO:

UM ESTUDO SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

Monografia apresentada ao Curso de Graduaçãoem Ciências Sociais da Universidade Federal Flu-minense, como requisito parcial para a obtençãodo título de Bacharel em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Mauricio Mello Vieira Martins

Niterói

2018

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

M528 Melo, Rodrigo Cunha de.Acesso à justiça no município de São Gonçalo: um estudo sobre os

Juizados Especiais Federais / Rodrigo Cunha de Melo. – 2017.59 f. : il.Orientador: Maurício Mello Vieira Martins.Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal

Fluminense. Coordenação de Ciências Sociais, 2017.Bibliografia: f. 58-59.

1. Juizado Especial Federal. 2. Acesso à justiça. 3. Poder judiciário.4. Oficial de justiça. 5. Magistratura. I. Martins, Maurício Mello Vieira.II. Universidade Federal Fluminense. Coordenação de Ciências Sociais.III. Título.

Bibliotecária: Mahira de Souza Prado CRB-7/6146

Universidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e FilosofiaCurso de Graduação em Ciências Sociais

RODRIGO CUNHA DE MELO

ACESSO À JUSTIÇA NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO:

UM ESTUDO SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

BANCA EXAMINADORA

.............................................................Prof. Dr. Mauricio Mello Vieira Martins

Universidade Federal Fluminense

.............................................................Prof. Dr. Napoleão Miranda

Universidade Federal Fluminense

.............................................................Prof. Dr. Daniel Veloso Hirata

Universidade Federal Fluminense

Niterói

2018

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia de Bacharelado em Ciências Sociais

ao meu irmão Bruno, personificação de toda inquietação e

indignação que sinto com o estado atual de injustiças praticadas em

nossa sociedade. Este trabalho lhe teve como inspiração em cada

uma de suas páginas.

AGRADECIMENTO

Pela profundidade das discussões travadas, pela seriedade

e envolvimento em cada opinião emitida, pelo carinho incentivador

nos momentos mais desanimadores, deixo meu muito obrigado a

Flavia, minha esposa, estrutura fundamental na conclusão deste

curso.

Ao professor Mauricio Mello Vieira Martins, meu orientador

neste trabalho e mestre ao longo desta graduação, meus profundos

agradecimentos por todos os esclarecimentos teóricos recebidos, e

por sua condução séria e exigente para com o resultado alcançado

nesta monografia.

EPÍGRAFE

Quem sucumbe sem que sua coragem

se abata; “quem, se cai, combate de joelho”1;

quem, apesar das ameaças de morte não

perde sua altivez; quem, agonizante,

permanece impassível e com o olhar desafia

ainda o inimigo, não é por nós abatido e sim

pelo destino. Morre mas sem ser vencido.

Montaigne

1 Sêneca

RESUMO

O trabalho em discussão pretende investigar o serviçopraticado no âmbito da Justiça Federal do município de SãoGonçalo2, mais especificamente, em seu segmento mais aproximadoà população em geral, os Juizados Especiais Federais.

Ao tentar se estabelecer o elo entre a letra da lei, bem comoda decisão judicial com as pessoas envolvidas, verificou-se queexiste uma lacuna de entendimento e compreensão bastanterelevante, porém, silenciosa, quase invisível. A presente pesquisateve por objetivo identificar questões que envolvem estes hiatos decomunicação, estes fragmentos e ruídos que tendem a passardespercebidos pelos aplicadores da lei (servidores, promotores,magistrados, advogados etc).

Por meio de entrevistas, análise documental e depoimentospessoais registramos as diferentes formas pelas quais a justiça épraticada perante o segmento hipossuficiente financeiramente, ouseja, a clientela que utiliza o foro dos Juizados Especiais Federais.Associados a estes dados, utilizou-se o subsídio teórico de autorescomo Mauro Cappelletti, Pierre Bourdieu, Marc Galanter, Karl Marx,dentre outros, na tentativa de melhor compreender as realidadesenfrentadas por esta população.

Palavras-chave: 1. Juizados Especiais Federais; 2. Acesso àJustiça; 3. Poder Simbólico; 4. Poder Judiciário; 5. Oficial de Justiça;6. Magistrados.

2 São Gonçalo, é um município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro,no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Sua população é de 1.044.058 habitantesem 2016, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,sendo, atualmente, o segundo município mais populoso do estado (atrás apenasda capital) e o 16º mais populoso do país (incluindo as capitais) e a 3° maiorcidade não capital do Brasil.

ABSTRACT

The work under discussion intends to investigate the servicepracticed within the scope of the Federal Court of the municipality ofSão Gonçalo, more specifically, in its segment closer to the generalpopulation, the Federal Special Courts.

In attempting to establish the link between the letter of thelaw and the judicial decision with the persons involved, it was foundthat there is a very relevant and silent, almost invisible,understanding and understanding gap. The present research aimedto identify issues that involve these communication gaps, thesefragments and noises that tend to go unnoticed by law enforcers(servers, prosecutors, magistrates, lawyers, etc.).

Through interviews, documentary analysis and personaltestimonies we record the different ways in which justice is practicedbefore the financially hyposufficient segment, that is, the clientele thatuses the forum of Federal Special Courts. Associated with thesedata, the theoretical allowance of authors such as Mauro Cappelletti,Pierre Bourdieu, Marc Galanter, Karl Marx, among others, was usedin an attempt to better understand the realities faced by thispopulation.

Keywords: 1. Federal Special Courts; 2. Access to Justice; 3.Symbolic Power; 4. Judiciary Power; 5. Justice Officer; 6.Magistrates.

LISTAS

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa, Mapa de Bairros de São Gonçalo...........................13

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................ 12

2 O PODER SIMBÓLICO JUDICIÁRIO .................................... 14

2.1 O Direito enquanto objeto de investigação ............................ 14

2.1.1 Autoridade jurídica .................................................................. 15

2.1.2 A linguagem como artifício de dominação .............................. 17

3 ACESSO À JUSTIÇA ............................................................. 21

3.1 Solucionando conflitos e garantindo direitos .......................... 22

3.2 Prestação jurisdicional à sociedade como um todo ............... 25

3.3 Evolução histórica institucional dos Juizados Especiais ........ 29

3.4 A permanência de obstáculos à efetivação da Justiça .......... 30

3.4.1 A questão financeira ............................................................... 31

3.4.2 A questão da assistência judiciária ........................................ 32

3.4.3 A questão temporal ................................................................. 33

4 PRÁTICAS, EXPERIÊNCIAS E COTIDIANO DOS JUIZADOS

ESPECIAIS FEDERAIS ..................................................................... 37

4.1 Crítica ao princípio do Conhecimento obrigatório da lei ........ 37

4.2 O oficial de justiça como tradutor dos comandos judiciais; . . . 39

4.3 Práticas questionáveis ............................................................ 40

4.3.1 O arcaísmo e suas consequências; ....................................... 40

4.3.2 Intimações para manifestação sobre laudos de especialistas; 42

4.4 O idealismo do processo versus o materialismo do cotidiano dos jurisdicionados ............................................................................ 47

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................... 55

6 FONTES ................................................................................. 58

6.1 Referências Bibliográficas ...................................................... 58

6.2 Outras Referências ................................................................. 59

12

1 INTRODUÇÃO

O trabalho em discussão pretende investigar o serviço praticado no âmbito

da Justiça Federal do município de São Gonçalo3, mais especificamente, em seu

segmento mais aproximado à população em geral, os Juizados Especiais Federais.

Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, a constituição cidadã, o movimento de expansão e alargamento dos direitos

individuais parece nortear as expectativas de importantes segmentos de nossa

sociedade. Isto se deve, em parte, ao fato de termos ultrapassado um período cruel

de intensa repressão política provocada pela Ditadura Militar de 1964.

O Direito Objetivo4 que sucedeu o período ditatorial carrega a preocupação

de preservar e garantir o Estado Democrático de Direito. Uma vez resgatados, ainda

que não por completo, direitos fundamentais como a vida e a liberdade, passamos a

reivindicar, exponencialmente, a tutela jurisdicional como forma de exercer Direitos

Subjetivos5. Temos, a partir de então, exercitado sobremaneira sua dimensão

solucionadora de conflitos sociais, tais como o acesso à Saúde, à Educação, à

Assistência e à Previdência Social .

O Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS, é, sem sombra de dúvida, um

litigante gigantesco e contumaz, quando tratamos de conflitos sociais. Concessão,

prorrogação, indeferimento e revisão de benefícios têm se mostrado como objeto

recorrente de contendas entre os cidadãos e a instituição mencionada, sendo que,

por se tratar de uma autarquia federal, a competência para dirimir suas causas

pertence à Justiça Federal. O mesmo podemos dizer a respeito da Caixa Econômica

Federal – CAIXA, empresa pública federal detentora de estatísticas expressivas, no

que tange ao percentual de ações perante a Justiça Federal.

3 São Gonçalo, é um município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no estado do Rio deJaneiro, no Brasil. Sua população é de 1.044.058 habitantes em 2016, segundo o censo do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística, sendo, atualmente, o segundo município mais populoso doestado (atrás apenas da capital) e o 16º mais populoso do país (incluindo as capitais) e a 3° maiorcidade não capital do Brasil.4 Ao conjunto de normas, leis, decretos e demais espécies de prescrições e determinações legaischamamos de Direito Objetivo. Trata-se do somatório das regras positivadas que nos servem defundamento e orientação para nossa conduta social.5 Direito subjetivo é a prerrogativa de utilizar ou de valer-se de um direito previsto em lei. Trata-se dafaculdade de exercer ou não uma potência jurídica que nos foi conferida pela legislação. De acordocom Tercio Sampaio Ferraz Junior, o interesse juridicamente protegido constitui o direito subjetivo.

13

Através do presente trabalho, pretendo descrever como se dá a busca pela

solução jurídica dos inúmeros conflitos de interesses que chegam às portas dos

Juizados Especiais Federais, requerimentos de auxílio-doença, aposentadorias não

concedidas administrativamente, Pensão por Morte ou por Invalidez etc. Para a

realização desta monografia utilizaremos entrevistas com jurisdicionados, cujos

processos tramitem nos Juizados Especiais Federais de São Gonçalo, análise de

casos concretos, bem como discussão bibliográfica.

Figura 1: Mapa, Mapa de Bairros de São Gonçalo.

Fonte: Prefeitura de São Gonçalo6

6 Disponível em <http://www.saogoncalo.rj.gov.br/mapas.php.>, acesso em 24/11/2017.

14

2 O PODER SIMBÓLICO JUDICIÁRIO

Para que possamos compreender melhor quais são as realidades, e em que

condições o Direito é operado no município de São Gonçalo, é conveniente que

façamos uma contextualização, bem como, uma ampliação do campo de

observação a ser analisado.

Temos por certo que o mundo em que vivemos passou, e passa, por

mudanças cuja velocidade é absolutamente impressionante, entretanto, algumas

transformações em especial merecem a nossa atenção mais detida, tais como, o

vigoroso incremento e a ascendente relevância que o direito vem assumindo em

nossa sociedade.

Muito embora tenhamos a liberdade individual e a igualdade entre os

cidadãos claramente preceituados em nosso ordenamento jurídico, não podemos

dizer que na prática eles sejam universalmente exercitados e distribuídos de forma

equânime, disto trata o presente trabalho, investigar sob que condições, e para que

pessoas, o Poder Judiciário presta sua função social na cidade de São Gonçalo.

2.1 O Direito enquanto objeto de investigação

Pensar o Direito, refletir sobre a ciência jurídica implica questionar o seu

formalismo e o seu instrumentalismo. Demanda que façamos perguntas tais como, a

quem ele serve? Porque é praticado da maneira que verificamos em nosso dia a

dia? A que interesses atende? Que patrimônios protege? Quem são aqueles que

efetivamente lhe têm acesso?

De acordo com Pierre Bourdieu, já em Hans Kelsen e sua “Teoria pura do

Direito” era possível percebermos o quão relevante para o corpo jurídico era

estabelecer preceitos e regras “independentes” dos vetores sociais. Existia, e ainda

existe, um profundo esforço entre profissionais jurídicos, para atribuir ao Direito uma

absoluta imparcialidade perante as pressões políticas e sociais (pretensão

inatingível). Na divisão do trabalho jurídico, diferentemente da hermenêutica literária

ou filosófica, a prática teórica de interpretação de textos jurídicos não tem nela

própria a sua finalidade.(BOURDIEU, 2007, p.211).

15

Há décadas, de forma perversa, o Supremo Tribunal Federal brasileiro

demonstra para a sociedade como são frequentes as interferências externas em

decisões jurisprudenciais, advindas de setores políticos, financeiros, econômicos

etc.

Esta retórica da autonomia, da neutralidade e da universalidade, que podeser o princípio de uma autonomia real dos pensamentos e das práticas, estálonge ser uma simples máscara ideológica. Ela é a própria expressão detodo o funcionamento do campo jurídico e, em especial, do trabalho deracionalização, no duplo sentido de Freud e de Weber, a que o sistema dasnormas jurídicas esta continuamente sujeito, e isto desde há séculos.(BOURDIEU, 2007, p.216)

Temos que a interpretação das normas jurídicas volta-se sobremaneira para

o atingimento de fins práticos, concretos, por mais que os juristas insistam em

defender o contrário. A imparcialidade e a abstração defendidas quando da

aplicação das leis não passa de ilusão teórica, elucubração, cuja finalidade é

transmitir uma sensação de que entre os cidadãos, e entre as partes que chegam ao

Poder Judiciário existe uma cristalina igualdade de forças, armas e possibilidades.

2.1.1 Autoridade jurídica

A autoridade jurídica, tão disputada em nossa sociedade, é forma por

excelência de violência simbólica legítima, ainda segundo Bourdieu, seu exercício

concentra-se em poder do Estado que, por vezes, pode associá-la ao legítimo uso

da violência física.

Para que se esclareça o que mencionamos, é preciso recordar que no

campo jurídico existe uma permanente e feroz concorrência pela privilegiada

posição de “dizer o Direito”. Esta disputa entre os seus operadores é repleta de

artifícios, estratégias, violências e hierarquias, muito embora a organização final

pareça ser natural, quase lógica.

Segundo Bourdieu, a tradição Marxista privilegia as funções políticas dos

sistemas simbólicos e esse funcionalismo se encontra a serviço dos interesses da

classe dominante. A cultura dominante serve de amalgama entre seus membros o

que se traduz numa franca e direta comunicação entre si, ao mesmo tempo em que

estabelece a distinção perante as demais classes.

No estabelecimento destas distinções e na sua legitimação surgem as

hierarquias sociais as quais, por sua vez, reproduzirão a mesma dinâmica dentro do

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universo jurídico. A mesma cultura que promove a integração e a comunicação entre

os membros da classe dominante, produz a segmentação e a distinção em relação

às outras classes. Além disso, a hierarquia será estabelecida entre as classes

dominadas na exata medida em que as mesmas se distanciarem da classe

dominadora.

Nesse sentido, institui-se o monopólio através do qual é dado aos

representantes das classes dominantes a possibilidade de dizer o direito, restando

às demais categorias atender fielmente às determinações estabelecidas, sob pena

de descumprimento da lei, tal como nos aponta Bourdieu.

A constituição do campo jurídico é inseparável da instauração do monopóliodos profissionais sobre a produção e da comercialização desta categoriaparticular de produtos que são os serviços jurídicos. A competência jurídicaé um poder específico que permite que se controle o acesso ao campojurídico, determinando os conflitos que merecem entrar nele e a formaespecífica de que se devem revestir para se constituírem em debatespropriamente jurídicos: só ela pode fornecer os recursos necessários parase fazer o trabalho de construção que, mediante uma seleção daspropriedades pertinentes, permite reduzir a realidade a sua definiçãojurídica, essa ficção eficaz. (BOURDIEU, 2007, p.235)

Uma vez instituída esta esfera, alternativa de resoluções dos conflitos, ficam

estabelecidas também, dentro campo judiciário, uma série de subdivisões que

indicarão o grau de pertencimento, de enquadramento, de comunicação e utilização

do universo jurídico e seus meandros. Existe uma substancial diferença entre

aqueles que detêm o pleno domínio do discurso jurídico, que conhecem os melhores

e mais curtos canais de atendimento, que voluntariamente recorrem ao judiciário em

busca de reparação, e aqueles que se veem alcançados por ele, alheios à sua lógica

e ignorantes de suas representações. Estes últimos participam do jogo, mas de certa

forma, continuam excluídos através da violência simbólica que lhes é praticada.

Ao longo desta pesquisa, pude presenciar diversas situações em que os

jurisdicionados deixaram de emitir sua versão sobre os fatos e acontecimentos

relacionados ao processo em razão de se sentirem diminuídos perante servidores,

promotores e juízes. Muitas foram as oportunidades em que o comportamento de

homens e mulheres, ao buscarem os Juizados Especiais Federais de São Gonçalo,

calaram-se, pouparam-se ou alteraram as suas respectivas narrativas quando se

encontravam em sede judicial.

Estas mesmas pessoas, quando alcançadas por mim, na qualidade de oficial

de justiça, em suas casas, empregos, ou em locais públicos demonstravam muito

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mais articulação, inquietação, inconformismo em relação as decisões judiciais que

lhes eram transmitidas. O ambiente judiciário e a autoridade judiciária, por muitas

das vezes, desfavorecem a busca pela verdade real dos fatos, fazendo emergir, tão

somente, a verdade dos autos processuais.

A decisão judicial inscreve-se dentro de um sistema impregnado de

representações e estruturas que tem por função referendar, endossar e chancelar

aquilo que é dito pela autoridade jurídica.

Até mesmo a indumentária utilizada pelo corpo jurídico, completamente

desidentificada da população em geral, de maneira silenciosa e intencional,

estabelece mais um abismo na relação jurisdicionado-judiciário. A excessiva

hierarquia dentro de secretarias, cartórios e tribunais, verificada entre magistrados e

servidores impede, ou, pelo menos, obstaculiza soluções, sugestões, bem como o

franco e necessário diálogo dentro do Poder Judiciário. A posição de destaque

ocupada pela magistratura dentro de uma sala de audiência também contribui para o

distanciamento entre os envolvidos no processo.

O lugar de onde se diz o Direito é cuidadosamente pensado e construído

para rechaçar questionamentos e reivindicações. O ordenamento jurídico busca em

si mesmo a solução para todos os litígios, cabendo aos especialistas da área

encontrar a interpretação da norma que será capaz de apaziguar a demanda social.

Mais uma vez, nos ensina Pierre Bourdieu:

O desvio entre a visão vulgar daquele que se vai tornar um “justiciável”, querdizer, num cliente, e a visão científica do perito, juiz, advogado, conselheirojurídico, etc nada tem de acidental; ele é constitutivo de uma relação depoder, que fundamenta dois sistemas diferentes de pressupostos, deintenções expressivas, numa palavra, duas visões de mundo. Este desvio,que é o fundamento de um desapossamento, resulta do fato de, através daprópria estrutura do campo e do sistema de princípios de visão e de divisãoque está inscrito na sua lei fundamental, na sua constituição, se impor umsistema de exigências, cujo coração é a adoção de um sistema global,visível sobretudo em matéria de linguagem. (BOURDIEU, 2007, p. 226)

2.1.2 A linguagem como artifício de dominação

Seja através da redação dos códigos, seja nas enunciações das decisões ou

na terminologia utilizada nos balcões de atendimento, uma coisa se mostra cada vez

mais relevante, o protagonismo que a linguagem jurídica desempenha no exercício

do poder simbólico do direito.

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Em que pese sua legitimidade perante a população, a norma legal que

expressa o Direito possui parcela significativa de arbitrariedade em seu surgimento.

Quem fabrica as leis não as discute verdadeiramente, de maneira sensata e

cristalina, com aqueles que a ela terão de se submeter. Os patrimônios a serem

resguardados nas codificações demonstram claramente haver uma hierarquia de

proteção que os qualifica, de maneira que as diferentes classes sociais não veem

seus respectivos interesses recebendo a mesma tutela e tratamento por parte do

legislador.

A primazia do poder simbólico verifica-se exatamente em sua capacidade de

se fazer exercer, de atingir seus fins sem que para isso aqueles, que por ele são

subjugados, percebam que o estão sendo. Neste aspecto, o linguajar jurídico age de

forma estupenda.

Os ditames e as normas buscam incessantemente revestirem-se de

neutralidade e imparcialidade, numa verdadeira empreitada pela despersonificação

daqueles que preenchem os requisitos da hipótese legal. Ao mesmo tempo em que

se apresentam de modo impessoal, as leis transparecem uma generalização quanto

ao seu alcance. No capítulo intitulado “A força do direito” Bourdieu nos demonstra

isso de forma bastante clara:

A crença que é tacitamente concedida à ordem jurídica deve serreproduzida sem interrupção e uma das funções do trabalho propriamentejurídico de codificação das representações e das práticas éticas é a decontribuir para fundamentar a adesão dos profanos aos própriosfundamentos da ideologia profissional do corpo dos juristas, a saber, acrença na neutralidade e na autonomia do direito e dos juristas.(BOURDIEU, 2007, p.243)

Dentre as muitas funções do corpo de juristas, uma delas é a de instituir e

nomear através de seus atos decisórios, tornando públicas as vontades e os

interesses que o Estado desejaria ver aplicados diante do caso concreto. As

querelas tendem a dissipar-se quando do surgimento do veredito judicial, mais pela

autoridade e preponderância do lugar ocupado por quem diz o direito, do que

propriamente pela conformidade e adequação dos fundamentos e preceitos

invocados como sustentáculos da sentença.

A ciência jurídica precisa permanentemente questionar e criticar o poder do

qual o direito é dotado de produzir efeitos concretos a partir de si mesmo. Enquanto

grande detentor desta capacidade de “fabricar” o mundo social, o Direito merece

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sofrer os maiores e mais eficazes mecanismos de fiscalização. Entretanto, o que se

tem na prática é justamente o contrário, o corpo jurídico demonstra gigantesca

blindagem ao controle social externo, seja ele praticado por outros profissionais, seja

por outras ciências.

O efeito de hermetismo que o próprio funcionamento do campo tende aexercer manifesta-se no fato de as instituições judiciais tenderem a produzirverdadeiras tradições específicas, e em particular, categorias de percepçãoe de apreciação perfeitamente irredutíveis às dos não-especialistas,gerando os seus problemas e as suas soluções segundo uma lógicatotalmente hermética e inacessível aos profanos. (BOURDIEU, 2007, p.232)

Outro traço fundamental que incrementa o poder de comunicação/restrição

realizado pela linguagem jurídica é a identificação e a sensação de pertencimento a

um mesmo grupo, experimentada pelas funções dirigentes dentro do Poder

Judiciário. Verifica-se entre procuradores federais, juízes federais, defensores

públicos da união, dentre outras carreiras, uma capacidade de diálogo

substancialmente distinta daquela travada com os demais atores interessados no

processo.

Esta é mais uma faceta da violência simbólica praticada nos tribunais

brasileiros, que afasta a população destes serviços e repele o profícuo controle

social que deveria, por ela, ser exercido sobre os detentores destas funções.

A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada aformações familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco dasvisões de mundo. Segue-se daqui que as escolhas que o corpo deve fazerem cada momento, entre interesses, valores e visões de mundo diferentesou antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes,de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua origem e a lógicaimanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para os justificarcomo para os inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e àvisão do mundo dos dominantes….a pertença dos magistrados à classedominante está atestada em toda parte. (BOURDIEU, 2007, p.242)

No decorrer das entrevistas realizadas, nos atendimentos prestados em

sede judicial verificamos de maneira contundente como o discurso teórico trazido por

Pierre Bourdieu se aplica ao cotidiano da população gonçalense, cliente dos

Juizados Especiais Federais. Mais à frente nesta monografia, em capítulo próprio

sobre o cotidiano no Poder Judiciário, traremos as narrativas concretas associadas

às críticas sociológicas, de modo a complementar a aproximação percebida entre

experiência e teoria.

Por ora, nos interessa trazer a reflexão de que, mais do que o aparelho

judicial, através de seus servidores, magistrados e tribunais, a própria lei em si,

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enquanto expressão da vontade estatal e classista, nasce de um lugar particular,

defende interesses específicos e resguarda determinados patrimônios, que em

determinada data e local representam a vontade da respectiva classe dominante, tal

como nos ensina Althusser ao descrever o Estado como ‘[…] uma máquina de

repressão que permite às classes dominantes assegurar a sua dominação sobre a

classe operária, para submetê-la ao processo de extorsão de mais-valia’

(ALTHUSSER, 1980, p. 62)

Ao cobrarmos o devido cumprimento da lei, ao reivindicarmos que haja

aplicação universalizada para todos os cidadãos, quaisquer que sejam as classes a

que pertençam, não podemos nos dar por satisfeitos. Precisamos ir além, realizando

a discussão sobre a lei em si, através da crítica de suas dimensões prática e teórica.

Não podemos perder de vista que a regra positivada nos códigos é resultado

de lutas históricas travadas por homens reais que, ao alcançarem o poder, utilizam o

arcabouço jurídico como ferramenta de dominação, no atendimento e perpetuação

de seus interesses.

21

3 ACESSO À JUSTIÇA

Nos séculos XVIII e XIX, de acordo com os professores Mauro Cappelletti e

Bryant Garth, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, nos

Estados liberais burgueses da Europa, os direitos naturais não necessitavam de

uma ação do Estado para sua proteção. Eram considerados anteriores ao Estado; a

atuação estatal restringia-se a impedir que fossem infringidos por terceiros, diante de

uma expropriação, um furto ou um roubo praticado, o ordenamento legal respaldava

a vítima e trazia consigo a correspondente punição à ofensa cometida. O

compromisso de combater a pobreza e a incapacidade que muitos têm de se valer

da justiça e de suas instituições, não era propriamente um dever/preocupação do

Estado.

No antigo sistema do laissez-faire, a justiça só poderia ser obtida por

aqueles que pudessem suportar seus custos, sendo assim estabelecido o acesso

formal à Justiça, não necessariamente, o efetivo acesso da justiça. Afinal de contas,

de que adianta a previsão legal da possibilidade de se dar entrada num processo se,

na prática material, a posse de expressivo numerário inicial ou a manutenção de

seus custos servem de obstáculo à viabilização do pleito.

Dados o crescimento e a complexificação das sociedades do laissez-faire,

os direitos humanos transformaram-se radicalmente, assumindo caráter mais

coletivo do que individual. Deu-se o reconhecimento de direitos e deveres sociais

dos governos, comunidades, associações e indivíduos. “Tornou-se lugar-comum

observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de

todos esses direitos sociais básicos”.(CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p.4)

Com o passar dos séculos, fica historicamente comprovado o incremento

substantivo do patrimônio jurídico dos cidadãos residentes em democracias

republicanas. Entretanto, isto não significa que este patrimônio esteja sendo

satisfatoriamente utilizado, ou fielmente respeitado em benefício de seu público-alvo.

As legislações do inquilinato, trabalhista, de consumo, etc, demonstram que houve

uma considerável expansão do direito positivo. Entretanto, de nada disso se poderá

tirar proveito, enquanto não estiverem instituídos os mecanismos necessários para

sua efetiva reivindicação. Neste sentido, os sistemas jurídicos ainda têm muito o que

caminhar:

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Os juízes precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servema questões sociais; que as cortes não são a única forma de solução deconflitos a ser considerada e que qualquer regulamentação processual,inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciárioformal tem um efeito importante sob a forma como opera a lei substantiva –com que frequência ela é executada, em benefício de quem e com queimpacto social. (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p.5)

Com a finalidade de aproximarmos a doutrina especializada da presente

pesquisa, passamos a observar a Missão Institucional da Justiça Federal, transcrita

a partir do próprio sítio eletrônico da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Assegurar o acesso à Justiça Federal, solucionando conflitos e garantindodireitos, por meio da entrega da prestação jurisdicional à sociedade comoum todo, de forma eficaz, com celeridade e comprometimento, obedecendoaos princípios legais e considerando sua responsabilidade social. (JUSTIÇAFEDERAL RJ, ano nd)

3.1 Solucionando conflitos e garantindo direitos

Antes de mais nada, é preciso que tenhamos em mente que a vida em

sociedade jamais será uma vida absolutamente imune ou blindada quanto à

existência de conflitos. Enquanto seres humanos, divergimos, disputamos e nos

confrontamos em busca da prevalência de nossos respectivos interesses.

Muito embora o tecido social seja um verdadeiro campo de batalha, essas

investidas e retaliações apresentaram um significativo incremento nas últimas

décadas. Diante disso, podemos, ou melhor, devemos desenvolver, cada vez mais,

mecanismos de redução dos conflitos, identificando suas causas sociais e intervindo

de maneira eficaz e preventiva.

A estrutura de sociedade na qual estamos inseridos, com divisões de

classes acentuadas, distribuição desigual de riqueza e de acesso aos serviços

fundamentais, só torna mais premente a necessidade dos cidadãos hipossuficientes

de recorrer ao Poder Judiciário.

O Estado previne e reduz a quantidade desses embates através de

elaboração legislativa de melhor qualidade e maior sensibilidade aos dramas sociais,

através deste caminho, é possível se evitar enormes montantes de reivindicações,

que terminam por desaguar no Poder Judiciário sob a forma de processos, ações,

mandados de segurança etc.

Uma vez estabelecidas as leis de prevenção, é preciso também que o

próprio Estado cumpra de maneira satisfatória, e por que não dizer, exemplar, os

23

comandos estipulados por ele mesmo. Não custa lembrar que este Estado é

desenvolvido, construído e eleito de acordo com os interesses econômicos e sociais

dominantes. As classes que detêm o poder político continuarão a desenvolver no

Estado, e, através do Estado, os meios de perpetuarem-se no controle dos rumos de

nosso país.

A Administração Pública diretamente, ou através de suas empresas públicas

e autarquias, demonstra ao longo dos anos índices vergonhosos de descumprimento

da lei, ensejando um sem fim de processos judiciais, que têm por objeto, tão

somente, o respeito a acordos que ela previamente estabeleceu com a população.

O Poder Judiciário e toda sua estrutura, em via de regra, atuam a posteriori,

depois de ocorrida a lesão ao patrimônio jurídico dos sujeitos. Uma vez ocorrido o

dano, e já estabelecido o conflito, é chegada a hora da intervenção de um terceiro

para o atingimento de uma solução imparcial, obtida à luz da legislação. Para maior

esclarecimento, valemo-nos dos ensinamentos do professor Pontes de Miranda:

[…] no momento em que alguém se sente ferido em algum direito, o que porvezes é fato puramente psicológico, o Estado tem interesse em acudir à suarevolta, em pôr algum meio ao alcance do lesado, ainda que tenha havidoerro de apreciação por parte do que se diz ofendido. A Justiça vai recebê-lo,não porque não tenha direito subjetivo, de direito material, nem, tampouco,ação: recebe-o como a alguém que vem prestar perante os órgãosdiferenciados do Estado a sua declaração de vontade, exercendo a suapretensão à tutela jurídica"....o Estado só organizou a lide judiciária com ointuito de pacificação, como sucedâneo dos outros meios incivilizados dedirimir as contendas, e o de realização do direito objetivo, que é abstrato.Paz, mais do que revide, é a razão da Justiça. Moreira (apud, PONTES DEMIRANDA, 1995, p.nd)

Diante disso, fica claro que a atuação do judiciário serve como uma espécie

de mecanismo de reparação, cujo intuito é fazer cessar a injustiça previamente

praticada. Não custa ressaltar que, na visão de autores de influência marxista, a

imparcialidade descrita por Pontes de Miranda não reflete de maneira fiel a realidade

social. Este mecanismo de pacificação, em verdade, é atravessado por interesses e

configurações que estão para além dos limites da causa em questão, o acesso à

justiça, as ferramentas processuais e o patrimônio jurídico a ser preservado fazem

parte de um conjunto de forças políticas e econômicas que, em geral, tende a

permanecer despercebido.

A evolução da vida em sociedade desenvolveu diferentes maneiras e

soluções na tentativa de se restabelecer a ordem social violada, sendo o processo

judicial uma delas. Segundo o jurista Athos Gusmão Carneiro, “o processo é um

24

meio de que o Estado se vale para a justa composição da lide, ou seja, a atividade

jurisdicional visa à composição, nos termos da lei, do conflito de interesses

submetido à sua apreciação”. (CARNEIRO, 2010, p.5)

Seguindo a tão propalada definição de Carnelutti (1999), lide é conflito de

interesses qualificado por uma pretensão resistida. Na tentativa de pacificar estes

conflitos o Estado utiliza-se de seu poder jurisdicional que, de maneira soberana,

disciplina as situações jurídicas concretas, fazendo recair sobre elas a intenção

prévia legislativa. A palavra “jurisdição” vem da expressão em latim juris dictio, que

significa “dizer o direito”. O exercício da atividade jurisdicional ocorre exatamente no

momento em que aquele que se intitula ofendido comparece diante do Estado-Juiz,

para que este lhe diga qual o direito a ser aplicado em seu caso concreto.

É bem verdade que existem inúmeros casos onde o Poder Judiciário é

procurado antes da ocorrência do fato danoso, como em medidas cautelares e

decisões liminares em antecipações de tutela. Nestas situações o interessado busca

socorro por entender que, caso não sejam adotadas as medidas necessárias, seu

patrimônio jurídico sofrerá graves perdas, quiça irreparáveis. Em outras situações,

tal como diante de alguma lacuna legislativa não corrigida a tempo, o Estado-Juiz é

chamado a atuar fazendo as vezes de Estado-Legislador, como na hipótese de

mandados de injunção.7

Esta pesquisa tem especial preocupação com o trecho garantindo direitos,

presente na Missão Institucional da Justiça Federal, acima mencionada. Trata-se de

um reconhecimento evidente de que a população fluminense já é detentora de

direitos previstos no ordenamento jurídico pátrio, que por muitas das vezes são

fundamentados em pactos e declarações internacionais. O que interessa por ora não

é saber a extensão dos direitos previstos, ou tampouco o grau de contemplação das

situações e dramas sociais carentes de disciplina legislativa. Trata-se de investigar

7O Mandado de Injunção é uma ação (remédio) constitucional de caráter civil e de procedimentoespecial que visa à garantia da efetividade, aplicabilidade e eficácia das normas contidas no textoconstitucional. Tal instituto encontra previsão legal no Art. 5º, inciso LXXI, da Carta da República eserá concedido “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitose liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e àcidadania”.(Aristócrates Carvalho) Por exemplo o MI 107/DF, que foi o primeiro mandado de injunçãoa ser exaustivamente analisado pelo STF, tendo sido o teor de sua decisão seguido por outrosjulgados desde a data de seu julgamento em dois de agosto de 1991. Nesse caso o impetrantepleiteava que fosse suprida a ausência da norma integradora a que se refere o artigo 42, § 9º daConstituição Federal, possibilitando, assim, o exercício do direito de estabilidade do servidor públicomilitar.

25

se aquilo que já foi previsto e conferido aos cidadãos, sob a forma de direito objetivo,

está sendo assegurado, respeitado, garantido.

Neste momento, o interessa é de investigar se o Poder Público cumpre com

sua obrigação constitucional. Se o Poder Judiciário, especificamente em seu

segmento de Juizados Especiais Federais, no município de São Gonçalo, tem

realizado de maneira satisfatória sua Missão Institucional.

Garantir direitos importa em assegurar sua eficácia, traduzir sua previsão

legal em decisões judiciais de implicações práticas substantivas. É não se contentar

com a obediência aos ritos, é não superestimar formalidades em detrimento dos

fatos sociais.

3.2 Prestação jurisdicional à sociedade como um todo

Para avançarmos nesse ponto é preciso estabelecer que a expressão “um

todo” não pode ser compreendida como um conjunto uniforme. É necessário que

tenhamos a percepção, bastante clara, de que estamos tratando de uma reunião de

situações, sujeitos, capitais culturais e capacidades bastante plurais. Sobretudo,

trata-se de submeter a exame as disputas, os conflitos e as divergências que

aparecem perante o Judiciário, em razão da marcante divisão de classes a que está

submetida nossa sociedade. A intenção não é dar conta de demandas e

demandantes idênticos, é sobre ser capaz de estabelecer estratégias e mecanismos

satisfatórios, para um público que se constitui a partir da diferença profunda

existente entre seus segmentos.

Nesse sentido, ao tratarmos do acesso à Justiça, temos que discutir a

Capacidade Jurídica de cada cidadão. A “capacidade jurídica” pessoal se relaciona

com as vantagens de recursos financeiros e diferenças de educação, meio e status

social, é um conceito muito mais rico, e de crucial importância na determinação da

acessibilidade da justiça. Ele enfoca as inúmeras barreiras que precisam ser

pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado

através de nosso aparelho judiciário.(CAPPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 8)

O primeiro fator de distinção entre os jurisdicionados consiste em

perceberem, ou não, a violação de seu patrimônio jurídico. Quantos não são os

exemplos possíveis em nossa sociedade de violações que passam despercebidas

pelas respectivas vítimas. Sem sombra de dúvida, a carência de nossa população a

26

torna excessivamente vulnerável aos desrespeitos e ilegalidades, praticadas por

outros particulares ou por agentes públicos. Desta forma, as considerações aqui

trazidas, sobre os resultados sofríveis obtidos pelo sistema educacional do município

de São Gonçalo, indicam o quanto à clientela atendida pelos Juizados Especiais

Federais necessita do amparo judicial.

Por razões óbvias, a capacidade financeira está intimamente vinculada com

a capacidade jurídica pessoal. Desde a possibilidade de arcar com as custas do

processo, passando pelo investimento em assessoria dos melhores advogados e

profissionais da área, até as condições de suportar a excessiva duração que os

processos apresentam em nosso sistema. Haja vista, a infinidade de recursos que

as decisões podem sofrer, desde que o recorrente tenha o suficiente investimento

financeiro para subsidiar o prosseguimento na causa.

Na segunda metade do século passado, houve três posicionamentos, em

ordem cronológica, relacionados ao acesso à Justiça, que foram descritos por Mauro

Cappelletti e Bryant Garth como as três Ondas de Acesso.

A primeira onda tinha por objeto os movimentos de ampliação e maior

adequação dos serviços de assistência jurídica prestados aos pobres, aos

desassistidos, aos desamparados economicamente. A segunda onda tratava da

preocupação com a defesa dos interesses difusos, coletivos, grupais, não se trata

mais de somente defender interesses individuais. Neste campo, observamos a

garantia do direito a um meio ambiente saudável, às causas ecológicas de um modo

geral, enfim, ficam aqui englobadas as ações de proteção de interesses da

coletividade.

Mais particularmente, nos interessa tratar da terceira onda identificada por

aqueles autores, “Do acesso à representação em juízo a uma concepção mais

ampla de acesso à justiça. Um novo enfoque de acesso à Justiça.”

Neste segmento, temos que o novo enfoque de acesso demanda estudo

crítico e reforma de todo o aparelho judicial. Trata-se de desenvolver novos

mecanismos e novas ferramentas processuais que garantam o acesso à justiça de

maneira eficaz. É preciso repensar o papel da advocacia judicial e extrajudicial, essa

assistência judiciária pode e deve representar maiores possibilidades para as

classes desprivilegiadas. Novas formas de processar e de prevenir disputas nas

sociedades modernas precisavam ser alcançadas.

27

No dizer de Boaventura de Souza Santos, a terceira onda se caracterizou

por ser um movimento que procurava a expansão da concepção clássica de

resolução de litígios, desenvolvendo um conceito mais amplo de justiça no qual os

tribunais seriam apenas uma parcela de um conjunto integrado de meios alternativos

a serem desenvolvidos como instrumentos e mecanismos de pacificação.

Um dos caminhos identificados como possível solução foi a maior

especialização das cortes, restringindo seus campos de atuação em razão da

matéria a ser tratada. Pretendia-se com isso que uma maior simplificação dos

procedimentos gerasse economia nos custos sem que houvesse a correspondente

perda qualitativa nas decisões. Inclusive esta preocupação já havia sido objeto de

alerta por parte dos professores Cappelletti e Garth.

Além da enorme relevância que o critério econômico é capaz de estabelecer,

entre as classes sociais e seu respectivo acesso à Justiça, outro importante fator de

distinção entre os litigantes é a frequência com que procuram, ou são procurados,

pelo Poder Judiciário.

O professor Marc Galanter estabeleceu os seguintes conceitos em sua

pesquisa sobre o tema, os litigantes dividem-se em Habituais e Eventuais

dependendo do número de vezes com que se relacionam com o sistema judicial.

Esta distinção corresponde, em larga escala, a que se verifica entreindivíduos que costumam ter contatos isolados e pouco frequentes com osistema judicial, e entidades desenvolvidas, com experiência judicial maisextensa. As vantagens dos “habituais”, de acordo com Galanter, sãonumerosas: 1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes maiorplanejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidade de desenvolverrelações informais com os membros da instância decisória; 4) ele pode diluiros riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testarestratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa maisfavorável em relação a casos futuros. Parece que, em função dessasvantagens, os litigantes organizacionais são, sem dúvida, mais eficientesque os indivíduos. Galanter (nd. apud CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 9)

Partindo desse pressuposto, verificamos em nossa pesquisa que a imensa

maioria dos litigantes dos Juizados Especiais Federais de São Gonçalo são

Eventuais. Tratam-se de pessoas físicas, em geral de baixo poder econômico,

reduzido grau de escolaridade, e que, via de regra, recorrem ao Poder Judiciário de

maneira esporádica.

Em oposição a eles, encontramos um gigantesco e contumaz litigante, o

INSS, Instituto Nacional do Seguro Social. Esta autarquia representa de maneira

28

muito cristalina a figura do litigante Habitual. Seus procuradores, dada a reincidência

de processos similares especializam-se de maneira formidável quanto ao objetos de

suas causas. Acabam desenvolvendo uma relação informal com magistrados e

servidores da justiça federal que vai muito além daquelas experimentadas pelos

litigantes eventuais individualmente.

Graças ao montante colossal de demandas judiciais em que está envolvida a

referida autarquia, seus custos e riscos são consideravelmente diluídos. Ou seja,

quando aproximamos a lente, percebemos que não há que se falar em paridade de

armas entre as partes.

A redução das formalidades, a simplificação dos ritos, a oralidade, a

dispensa de advogados não podem ser confundidas com a renúncia a direitos e

garantias fundamentais. Na medida em que novas soluções são desenvolvidas, para

que o enfoque de acesso à justiça seja efetivado, não podemos esquecer da

necessária manutenção de patrimônios jurídicos duramente conquistados ao longo

dos séculos. Açodamentos e atropelos processuais podem trazer prejuízos

irreparáveis, ainda que praticados com a melhor das intenções, sobre a importância

de considerarmos as ações e seus resultados práticos nos ensina Karl Marx:

É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e opoder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ounão-realidade do pensamento isolado da práxis – é uma questão puramenteescolástica (MARX, 1991, p. 12).

As reformas que apresentaram significativos avanços em determinadas

sociedades podem não atingir os mesmos índices de satisfação em outras. O Direito

precisa caminhar atento às especificidades e características da comunidade que é

por ele disciplinada. Os novos mecanismos precisam se submeter ao crivo da

aplicação prática, sob pena de não traduzirem uma modificação tangível e

substancial, ou de se tornarem prematuramente obsoletos.

A lógica de produtividade, estatísticas e resultados objetivos, que domina os

tempos atuais, indica que o acesso à justiça vem melhorando, pois o número de

processos, o tamanho do Poder Judiciário, o número de servidores, Cartórios, a

ramificação territorial só tendem a se expandir. Entretanto, se retornarmos agora à

mencionada periodização de Garth e Cappelletti, diríamos que a preocupação da

Terceira Onda de acesso vai além. É fundamental investigarmos qual a qualidade do

29

serviço prestado, não basta cumprir um protocolo, uma meta aritmética, o

atingimento de determinada quantidade de decisões.

A justiça precisa ser substancialmente exercitada, as consequências práticas

de transformação social precisam ser protagonistas e não somente meras

coadjuvantes de uma sentença formal escrita em papel. O magistrado não pode se

dar por satisfeito com a prolação de sua sentença, é necessário que toda a

sociedade exija do mesmo a devida fiscalização, para que sua ordem receba o

devido e fiel cumprimento no plano concreto.

3.3 Evolução histórica institucional dos Juizados Especiais

Historicamente, a estrutura organizacional do Poder Judiciário no Brasil

mostrou-se bastante debilitada, com relação ao acesso à Justiça. Por razões

econômicas, geográficas ou até mesmo de perfil social, a imensa maioria da

população não se encontrava em condições de recorrer ao Poder Judiciário.

Com a advento da Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, surgiram os

Juizados de Pequenas Causas que tinham por finalidade combater a morosidade e a

dificuldade de acesso do Poder Judiciário. Dado o sucesso alcançado, tiveram sua

recepção assegurada pela CRFB 1988, agora sob a nomenclatura de Juizados

Especiais.

A segunda experiência a tomar lugar se deu em âmbito estadual através da

Lei nº 9.099, de 5 de outubro de 1995, tendo por competência causas de menor

complexidade, tais como, conflitos originados de relações de consumo,

ressarcimento por dano moral e material, que não ultrapassassem 40 salários-

mínimos. Aproximadamente seis anos depois, foram criados os juizados especiais

federais, mediante o advento da Lei nº 10.259, de 7 de dezembro de 2001, cuja

competência se restringe a causas até 60 salários-mínimos.8

Conforme se depreende do sítio eletrônico oficial da Justiça Federal9, os

juizados especiais federais (JEF) são representações do Poder Judiciário federal,

responsáveis por julgar as ações com causas até 60 salários-mínimos ou pena até

dois anos ou multa.8Segundo os autores Cândido Dinamarco e Alexandre Câmara as Leis 9.099 e 10.259 incluíram emnosso ordenamento jurídico práticas como: gravação de atos processuais, utilização de meioseletrônicos, simplificação e informalização do processo, turmas recursais compostas por juízes deprimeiro grau;9 Disponível em <https://www.jfrj.jus.br/node/9248>. Acesso: 12 de junho de 2017.

30

Na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, há juizados especiais federais na

capital e nas 19 subseções em todo o estado. Na capital e nos municípios de Niterói,

São João de Meriti, São Gonçalo, Resende, Volta Redonda, Campos, Nova

Friburgo, Petrópolis, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, os juizados não estão

vinculados à nenhuma vara federal – ou seja, são autônomos. Nas demais

localidades do estado, eles pertencem à estrutura da vara federal, portanto, são

adjuntos.

Os Juizados Especiais Federais são divididos em duas seções principais: a

secretaria (ou cartório), onde há o atendimento ao público e é realizada a tramitação

processual, e o gabinete, onde oficia o juiz federal responsável, titular ou substituto.

Em cada Juizado Especial Federal, há também uma sala destinada para audiências.

É durante a realização das audiências que podemos vivenciar de maneira

mais concreta e personificada todas as assimetrias que os autos processuais, físicos

ou virtuais, costumam esconder. Quando colocados frente a frente, presididos por

um magistrado, dimensionamos melhor as disparidades apontadas por Galanter,

existentes entre demandantes Habituais e demandantes Eventuais. Desde a postura

corporal, o tom de voz utilizado, a convicção no olhar, a calma para transmitir seus

argumentos perante o juiz, absolutamente tudo isso comprova a grande diferença

existente entre as espécies litigantes.

3.4 A permanência de obstáculos à efetivação da Justiça

A reforma sugerida pelos autores Cappelletti e Garth, já completou meio

século desde seu primeiro movimento, denominado pelos mesmos de primeira onda.

No início da segunda metade do século passado o alerta quanto à precariedade da

assistência judiciária aos mais carentes já nos fora transmitido.

Desde então, é preciso reconhecer que muitas tentativas foram realizadas

com o intuito de assegurar a defesa de seus interesses, tais como, a instituição da

Defensoria Pública, a gratuidade quanto às custas nos juizados, maior divulgação de

conhecimentos jurídicos, a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, etc.

Entretanto, analisaremos a seguir pontos que, ainda no ano de 2017,

demandam especial atenção, tendo sido verificados nos processos dos Juizados

Especiais Federais do município de São Gonçalo.

31

3.4.1 A questão financeira

Em razão da menor complexidade, as questões enfrentadas em sede de

juizados em geral envolvem menores cifras. O que não significa dizer que as partes

hipossuficientes economicamente implicadas estejam diante de menores sacrifícios.

Executando a função de oficial de justiça nesta cidade, com frequência, me deparo

com realidades de pobreza considerável. Em São Gonçalo, ainda existem áreas

rurais em número expressivo, intensificado processo de favelização e desordenado

crescimento urbano.

Esses fatores geram uma demanda judicial de altíssima carência, grande

desconhecimento da legislação protetiva e baixa capacidade de reivindicação junto

ao Poder Público.

3.4.1.1 Verificações Socioeconômicas

As verificações socioeconômicas são diligências realizadas sob a forma de

entrevistas, visitas, acompanhamento e direcionamento correto e proveitosos quanto

aos serviços públicos. Deveriam ser primordialmente efetuadas por assistentes

sociais, dado seu maior grau de preparo e conhecimento técnico quanto às

situações enfrentadas pelos autores do processo, e as mazelas sociais a que estão

submetidos. Entretanto, esta tão relevante tarefa, na maioria das vezes, é

desempenhada por oficiais de justiça, cuja respectiva formação jurídica não lhes

habilita para tal desempenho. Tais verificações são utilizadas em ações que tem por

pedido a implementação do Benefício da Prestação Continuada (BPC) da Lei

Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Consiste este benefício em uma prestação pecuniária no valor de um

salário-mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos, ou, à pessoa com deficiência de

qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial

de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o

impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de

condições com as demais pessoas.

Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja

menor que 1/4 do salário-mínimo vigente. Por se tratar de um benefício assistencial,

não é necessário ter contribuído ao INSS para ter direito a ele. Provavelmente, estas

32

são as diligências aonde percebo de modo mais grave o sofrimento em razão do

desamparo salarial dessa parcela da população.

Seguem abaixo trechos das entrevistas que foram realizadas com essa

clientela:

“[…] não tive dinheiro para comparecer a perícia”

“[…] minha família só pode me ajudar com a comida e o aluguel, os examesvão ter que esperar.”

“[…] se eu soubesse que isso era direito meu, tinha corrido atrás antes.”

“[…] ninguém me disse que eu podia receber benefício sem ter contribuído,pra mim eu sempre fui do lar.”

O desconhecimento quanto ao próprio patrimônio jurídico ainda é bastante

grande junto a essa população, passagens, exames, ausência de um dia de trabalho

continuam sendo fatores que dificultam a busca por socorro judicial. Embora as

custas estejam suprimidas para instauração do processo, caso desejem recorrer da

decisão, os demandantes precisarão de um advogado ou defensor e terão de arcar

com os ônus sucumbenciais (custas judiciárias, despesas processuais além de

honorários advocatícios próprios e de seu adversário) se não pertencerem ao grupo

de beneficiários da gratuidade judiciária.

Para além disso, devemos destacar que essas entrevistas, essas

investigações, esses diagnósticos deveriam ser realizados por assistentes sociais,

cuja formação lhes permite a elaboração de laudos mais completos e melhor

fundamentados. Infelizmente, por uma questão de contenção de despesas, o Poder

Judiciário delega essa função tão relevante para o quadro de oficiais de justiça,

simplificando expedientes, reduzindo o alcance de proteção estatal e limitando o

poder reivindicatório das classes desfavorecidas.

3.4.2 A questão da assistência judiciária

De acordo com Boaventura Souza Santos, a revolução democrática da

justiça exige a criação de uma outra cultura de consulta jurídica e de assistência e

de patrocínio judiciário, em que as defensorias públicas terão um papel muito

relevante. Sendo instituições essenciais à justiça, seu objetivo é prestar orientação

jurídica e defender a população mais carente.

33

Da forma como está prevista no ordenamento jurídico pátrio, a atuação da

defensoria pode se dar na universalização do acesso, através da assistência

prestada por profissionais formados e recrutados especialmente para este fim, no

esclarecimento e na divulgação do conhecimento jurídico, na defesa judicial e

extrajudicial dos direitos da população, na proteção de interesses difusos e coletivos,

na conciliação entre as partes e na mediação dos conflitos sociais.

Estas particularidades distinguem a defensoria, de entre outras instituiçõesdo sistema de justiça, como aquela que melhores condições tem decontribuir” para desvelar a procura judicial suprimida. Noutras palavras,cabe aos defensores públicos aplicar no seu quotidiano profissional asociologia das ausências, reconhecendo e afirmando os direitos doscidadãos intimidados e impotentes, cuja procura por justiça e oconhecimento do/s seu/s direito/s têm sido suprimidos e ativamentereproduzidos como não existentes.(SANTOS, 2011, p.33)

Entretanto, nesta batalha pela efetivação de direitos daqueles que são mais

necessitados, verificamos que:

• Existe um desnível considerável entre os orçamentos do Defensoria

Pública frente aos orçamentos do Ministério Público e da Magistratura

(Poder Judiciário);

• A estrutura da Defensoria Pública da União não é capaz de atender

geograficamente às populações mais carentes;

• O quadro de pessoal é bastante reduzido diante da necessidade

social brasileira, poucos funcionários, regime de trabalho precário,

estrutura física debilitada, acúmulo de serviço etc.

Ou seja, não por acaso os resultados alcançados encontram-se aquém do

esperado pela população. A parcela que necessita fazer uso do serviço público para

ver assegurados seus direitos, continua padecendo de atendimento satisfatório e

eficaz.

3.4.3 A questão temporal

Por questão temporal, trazemos à discussão o problema da morosidade

excessiva que os tribunais brasileiros apresentam, inclusive em sede de juizados

especiais, os quais deveriam ter por inerente a característica de celeridade.

A morosidade não se restringe à justiça brasileira, tampouco aos tempos

atuais. Trata-se de um obstáculo de abrangência geográfica e temporal de ampla

34

incidência. Muitas foram as tentativas de pôr fim a este imbróglio, porém a realidade

nos mostra que ainda estamos distantes de, enfim, solucioná-lo.

O sistema processual brasileiro permite infelizmente que uma quantidade

vergonhosa de recursos sejam admitidos em sede de Juizados Especiais Federais,

antes do advento da solução final. Segundo José Maria Rosa Tesheiner, são eles,

Embargos declaratórios, recurso da decisão que defere medida cautelar, recurso da

sentença, uniformização de jurisprudência e recurso extraordinário10. Os

demandantes são obrigados a suportar lapsos temporais gigantescos até que a

jurisdição nacional decrete a sua decisão.

Isto traz consigo prejuízos consideráveis pois quanto mais nos distanciamos

do momento em que o fato social ocorreu, mais reduzidas são as chances de

recuperá-lo fidedignamente. Os testemunhos, a produção probatória, a clareza da

reivindicação vão se diluindo no tempo, de modo que a verdade se torna cada vez

mais opaca.

Além disso, permanecer em indecisão é infligir sobre os litigantes mais

sofrimento, posto que a incerteza, quando estendida no tempo, gera desconforto,

sentimento de impunidade, desconfiança das instituições públicas e aumenta o risco

da impunidade. O desestímulo em recorrer ao judiciário num caso futuro também

pode ser apontado como mais um revés trazido pela morosidade.

Nos aproximando um pouco mais da pesquisa em tela, trago um caso

ocorrido em um dos juizados especiais federais de São Gonçalo. Trata-se de uma

reivindicação interposta por uma viúva, pleiteando a correção de sua pensão pelos

índices devidos. Para seu proveito em menos de três meses foi obtida uma sentença

favorável.

São Gonçalo, 5 de outubro de 2009

Início do processo

São Gonçalo, 9 de dezembro de 2009

S E N T E N Ç A (Tipo B2)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO DEDESEMPENHO (GDATA / GDPGTAS / GDPGPE). VANTAGEM DENATUREZA GERAL E IMPESSOAL. FORMA DE REAJUSTE DOSPROVENTOS E PENSÕES. PEDIDO PROCEDENTE EM PARTE.

10 Disponível em <http://www.tex.pro.br/artigos/158-artigos-ago-2001/6293-recursos-nos-juizados-especiais-federais,>. Consultado em 18/09/2017.

35

Entretanto, em dezembro de 2009, sua via-crúcis estava apenas

começando, desde então, a União Federal, perdedora em primeira instância

recorreu da decisão repetidas vezes procrastinando o processo por quase oito anos

(sobre o caso, ainda não houve a plena satisfação da causa).

Rio de Janeiro, 27 de setembro de 2010.

TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

Recurso de Sentença Cível

Recorrente(s): UNIAO FEDERAL

DECISÃO MONOCRÁTICA REFERENDADA EMENTA: GRATIFICAÇÕESDE DESEMPENHO. ISONOMIA COM ATIVOS. SENTENÇAPARCIALMENTE PROCEDENTE. SÚMULA VINCULANTE 20 DO STF.ENUNCIADO 68. RECURSO DO RÉU NEGADO. SENTENÇA MANTIDA.

_____________________________________________________________

Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 2011.

2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

RECURSO DE SENTENÇA CÍVEL

RECORRENTE(S): UNIAO FEDERAL

DECISÃO MONOCRÁTICA REFERENDADA EMBARGOS DEDECLARAÇÃO QUE NÃO APONTAM QUALQUER OMISSÃO,CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NA DECISÃO. PROVIMENTONEGADO.

_____________________________________________________________

Rio de Janeiro, 14 de março de 2011.

TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

DECISÃO

Tendo em vista o disposto no artigo 543_B, §§ 1º e 2º, do Código deProcesso Civil e na Portaria GP 177/STF, de 26/11/2007, determino osobrestamento dos presentes autos, pois foi reconhecida pelo STF aexistência de repercussão geral da questão constitucional suscitada emprocesso versando sobre matéria análoga à dos presentes autos, quandoda apreciação do Recurso Extraordinário nº RE 631.389/CE, acerca daGratificação de Desempenho de Plano Geral de Cargos do Poder Executivo(GDPGPE) prevista na Lei 11.357/2006, que resta pendente de julgamentode mérito por aquela Suprema Corte.

36

_____________________________________________________________

Rio de Janeiro, 29 de julho de 2016.

TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

DECISÃO

JULGO PREJUDICADO O RECURSO EXTRAORDINÁRIO, devendo sermantido, ipso facto, o r. acórdão recorrido. Intimadas as partes, certifique-seo trânsito em julgado e remetam-se os autos ao Juizado de origem.

Estamos no segundo semestre de 2017, e o caso concreto acima ainda não

teve seu encerramento definitivo. Celeridade, conciliação, informalidade, eficiência

são Princípios e valores que deveriam nortear a atividade dos Juizados. A mera

existência do processo é tão somente o pontapé inicial da partida, é preciso

permanecermos atentos para além do momento de entrada na causa.

Assegurar o acesso à justiça é cuidar para que autores, como a senhora

acima mencionada, recebam o devido respaldo e amparo do judiciário, trata-se de

monitoramento permanente dos autos processuais, para que a solução seja a mais

breve possível, sem que para isso, ocorra perda na qualidade jurisdicional decisória.

37

4 PRÁTICAS, EXPERIÊNCIAS E COTIDIANO DOS JUIZADOS ESPECIAISFEDERAIS

O objetivo deste capítulo é colocar em evidência os contratempos,

empecilhos e obstáculos que são interpostos, pelo próprio sistema jurídico, quando

pretende a aplicação da lei sobre os cidadãos e, de igual maneira, quando são os

próprios cidadãos a buscar amparo junto ao Poder judiciário. Para isso foi utilizada a

combinação da análise de fundamentos doutrinários com fundamentos legais, bem

como, a sustentação do argumento através de casos concretos observados ao longo

de minha experiência profissional atuando em processos de Juizados Especiais

Federais em São Gonçalo.

4.1 Crítica ao princípio do Conhecimento obrigatório da lei

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com redação dada pela

Lei nº 12.376 de 30 de dezembro de 2010 em seu artigo 3º diz: Ninguém se escusa

de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Quis o legislador reforçar o princípio da Segurança jurídica fazendo com que

a nenhum dos cidadãos fosse permitido se isentar de qualquer responsabilidade

legal sob a alegação de desconhecimento da norma. Trata-se de uma ficção de

pretensões e presunções colossais, posto que, a julgar pelo número de Leis,

Medidas Provisórias, Decretos, Portarias e demais tipologias normativas, não há,

nem poderia haver, um único ser humano capaz de guardar em sua memória a

totalidade de tantos comandos legais.

Por um lado, caso fosse facultado ao jurisdicionado livrar-se de suas

responsabilidades com a mera alegação de desconhecimento da norma, certo é que

estaríamos a enfrentar um verdadeiro caos social, dada a dificuldade em se

demonstrar o contrário daquilo que fora declarado pelo comitente da infração. Seria

requisito preliminar de qualquer ação comprovar que o réu teria o pleno

conhecimento da lei que ele próprio afirma desconhecer.

Outro princípio fundamental a nortear o legislador foi o da Igualdade.

Presente nas mais diversas constituições ocidentais pós Revolução Francesa, a

igualdade tem sido, cada vez mais, reivindicada e tutelada judicialmente. Em um

mundo que venera a “igualdade de oportunidades”, o passo fundamental consiste

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em assegurar a todos de maneira idêntica, qualitativa e quantitativamente, a tutela

jurisdicional de seus direitos subjetivos.

Dessa forma, elegendo a premissa do Conhecimento obrigatório da lei,

parte-se do princípio de que a Igualdade foi respeitada entre os cidadãos, todos

aparentam terem sido disciplinados normativamente de maneira semelhante.

Entretanto, o que se tem como resultado é substancialmente diferente, e o Direito,

enquanto codificação taxonômica, não é capaz de esclarecer sozinho os

desequilíbrios daí decorrentes. “Neste domínio, a contribuição da sociologia

consistiu em investigar sistemática e empiricamente os obstáculos ao acesso efetivo

à justiça por parte das classes populares com vista a propor as soluções que melhor

os pudessem superar”. (SANTOS, 1986, p.18)

A lei surge com a intenção de disciplinar um mundo social preexistente,

aonde homens já possuem entre si conflitos concretos, materiais e historicamente

condicionados. Com o surgimento dos regimes democráticos, o que se pretende é

que a lei tenha o mesmo alcance e as mesmas consequências para todos, a norma

legal deveria recair sobre a universalidade dos integrantes da comunidade.

Sendo assim, almeja-se que todo e qualquer cidadão tenha a completa

compreensão e apropriação do ordenamento legal ao qual está submetido. No

entanto, infelizmente, a uniformidade desta ficção jamais será possível, cada um

destes sujeitos possui uma história distinta e um percurso único, que lhes conferiu

uma particular e específica visão de mundo.

Ao serem disciplinados e regidos por um complexo objetivo de normas e

regras de conduta, os sujeitos participam, pertencem e submetem-se a um

ordenamento legal sobre o qual não lhes foi dada a possibilidade de discussão.

Dada a representatividade de nosso sistema político, a participação direta na

construção e elaboração das leis torna-se exceção entre a população. Somente uma

ínfima parcela dos cidadãos, a partir de determinada idade, é que consegue ter

acesso ao privilégio de debater e confeccionar as regras que orientarão a sociedade.

Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sualivre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sobaquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelopassado. (MARX, 1852)

Temos em razão do exposto que, quando do advento da lei, os homens que

a ela se submeterão, necessariamente, terão sobre ela compreensões distintas.

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Fatores múltiplos que variam desde poder econômico, educação, localização

geográfica até a constituição familiar influenciarão sobremaneira a capacidade de

conhecer, e de se valer do ordenamento jurídico. É preciso que o princípio do

Conhecimento obrigatório da lei seja relativizado para que sua intenção fundamental

seja preservada.

Essa presunção absoluta de que todos conhecem a lei é algo que colidecom a realidade social brasileira, senão vejamos. A presunção legal é ummétodo tradicional romano[ii], quase necessário ao sistema positivista, queserve ao legislador como uma maneira de enfrentar com celeridade asindeterminadas e repetidas questões do direito, impondo, através do juízode probabilidade ou dedução um determinado fato como verdadeiro,considerando a generalização de como um evento se desenvolve.(ALVES,2017)

4.2 O oficial de justiça como tradutor dos comandos judiciais;

Atualmente, no município de São Gonçalo, existem dezessete oficiais de

justiça federais, lotados numa central de mandados, com atribuição para atender a

três juizados especiais, uma vara de execução fiscal e duas varas federais. O

cotidiano permite verificar o quanto a população gonçalense carece de assistência

jurídica.

Muitos dos cidadãos que buscam os juizados desconhecem a existência da

justiça federal, muitos a confundem com o INSS, e uma grande parcela acredita que

nós oficiais estamos a serviço da polícia federal. Creio que o primeiro passo para

solução dos conflitos trazidos até a justiça federal é esclarecer o seu papel perante a

sociedade. Dar a conhecer ao cidadão a sua existência, assegurar à população

acesso a nossa instituição.

Enquanto oficial de justiça com atuação em juizados especiais, parte

considerável das funções do cargo consiste em comunicar pessoas sobre atos,

fatos, decisões e, principalmente, o atual estado de seus respectivos processos.

Informar, esclarecer, participar aqueles que, por outras vias, não teriam condições de

acompanhar suas ações.

O público atendido nos juizados, em sua maioria, não possui advogado, em

geral, não são assistidos por um especialista, detentor dos conhecimentos e das

técnicas jurídicas. Trata-se de uma massa desprivilegiada cujo o sucesso, ou

insucesso, nas respectivas causas, dependerá exclusivamente da própria

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capacidade de se manifestar nos autos, e de atentamente responder aos comandos

judiciais.

4.3 Práticas questionáveis

4.3.1 O arcaísmo e suas consequências;

Importa neste momento analisarmos os bônus e os ônus acarretados pela

utilização erudita da língua portuguesa ao longo de todo o decurso processual. Em

que pese a intenção legislativa de incrementar a oralidade em sede dos Juizados

Especiais, a presente pesquisa pode constatar que a regra geral continua sendo a

franca utilização da via escrita para confecção da petição inicial, contestação,

comunicação dos atos processuais, recursos, decisões e certificações cartorárias.

Ora, imediatamente, percebemos a relevância do domínio da língua em sua

dimensão escrita como instrumento poderoso de reivindicação e defesa de direitos.

Entretanto, o que mais incomoda, obstaculiza e impede o exercício de alguns

direitos é a excessiva manifestação rebuscada da língua.

Muito embora o teor da norma, ou da decisão jurídica pudesse ser

transmitido através de termos e expressões de fácil compreensão popular, os

operadores do direito insistem em se valer da via mais dificultosa e excludente

reforçando uma distinção social entre leigos e especialistas que por diversas vezes

não deveria ocorrer.

A compreensão do ordenamento legal, sua correta decodificação e as ações

que serão praticadas pelos cidadãos passam, invariavelmente, pelo grau de domínio

e proficiência na língua portuguesa que os mesmos detiverem, uma vez que,

enquanto idioma oficial, será ela a ferramenta utilizada para estabelecer a

comunicação entre as partes e o Juízo, e das partes entre si.

Vejamos o que diz o direito positivo:

ARTIGO 13: A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativado Brasil. (CRFB/1988);

ARTIGO 192: Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso dalíngua portuguesa.

Parágrafo único: O documento redigido em língua estrangeira somentepoderá ser juntado aos autos quando acompanhado de versão para a língua

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portuguesa tramitada por via diplomática ou pela autoridade central, oufirmada por tradutor juramentado. (Novo CPC, Lei 13.105/2015)

De acordo com Marcelo Caetano e Alexandre Chini, o legislador brasileiro

pretende que os documentos constituintes do processo sejam confeccionados nos

moldes da “gramática normativa, cujo objeto ulterior é o domínio da norma-padrão

do idioma oficial” (CAETANO e CHINI, 2017, p.26). Dizia um dos artigos do revogado

Código de Processo Civil:

ARTIGO 156: Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso dovernáculo. (Antigo CPC, Lei 5869/1973)

Resta agora, imaginarmos o que pretendia com isso o legislador da época.

Ao prescrever a utilização do vernáculo ficaria impedida a utilização de petições,

recursos e decisões formuladas em outra língua que não fosse o português.

Intencionava o legislador que a utilização de nossa língua materna fosse um veículo

facilitador de comunicação. A compreensão daquilo que estava sendo dito e decidido

no processo deveria dotar-se do maior alcance possível, por razões óbvias de

transparência e publicidade.

O que a sociologia jurídica deve se perguntar é, o fato de estar escrito em

registro normativo, forma culta e padrão significa ser compreensível à população?

Significa estar acessível à clientela atendida pelos Juizados Especiais? Mais

especificamente, no que diz respeito ao presente trabalho, estaria em condições de

ser corretamente apropriado pela população do município de São Gonçalo?

Para darmos prosseguimento ao tópico em questão é necessário situar o

leitor com relação à situação educacional do município de São Gonçalo, para tal,

utilizaremos dados obtidos junto ao IBGE.

Em 2015, os alunos dos anos inicias da rede pública do município tiveramnota média de 4.3 no IDEB. Para os alunos dos anos finais, essa nota foi de3.2. Na comparação com municípios do mesmo estado, a nota dos alunosdos anos iniciais colocava este município na posição 90 de 92.Considerando a nota dos alunos dos anos finais, a posição passava a 92 de92. A taxa de escolarização (para pessoas de 6 a 14 anos) foi de 96.7 em2010. Isso posicionava o município na posição 72 de 92 dentre osmunicípios do estado e na posição 3987 de 5570 dentre os municípios doBrasil. (IBGE, 2015, nd.)

Não resta dúvida de que estamos diante de uma tragédia escolar. Os dados

apresentados estão a demonstrar que a população deste município está longe de

preencher os mínimos requisitos para fiscalização, reivindicação e defesa de seus

direitos perante o Poder Judiciário. Somente a título ilustrativo, vejamos a

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quantidade de incertezas e incompreensões que um mínimo ato processual,

praticado em juizado, pode gerar perante a população:

CERTIDÃO

CERTIFICO E DOU FÉ que, em 24/02/2017, ocorreu aCITAÇÃO/INTIMAÇÃO do(a) UNIAO FEDERAL, POR CONFIRMAÇÃO, nostermos do art. 5º da Lei 11.419/2006. Para constar, lavro esta.

Sobre a certidão acima, a autora do processo me perguntou:

• o que significava CERTIFICO E DOU FÉ;

• o que significava CITAÇÃO/INTIMAÇÃO;

• o que significava UNIÃO FEDERAL;

• o que significava POR CONFIRMAÇÃO;

• o que diz o artigo 5º da lei 11.419/2006;

• o que significa LAVRO ESTA;

Note-se que estamos diante de uma das menores manifestações

processuais existentes, uma pequenina certidão cartorária elaborada por um técnico

judiciário, de cunho meramente formal, cuja principal finalidade consiste em

comprovar o regular andamento do processo e estabelecer os limites para o decurso

dos prazos legais.

4.3.2 Intimações para manifestação sobre laudos de especialistas;

No âmbito dos juizados, são muitíssimo frequentes as demandas

envolvendo questões de saúde e assistência social. Normalmente, estas ações têm

como pedido a concessão de benefícios do INSS tais como: auxílio-doença,

aposentadoria por invalidez, benefício assistencial ao idoso e à pessoa com

deficiência (BPC), etc.

Um estudo realizado pela professora Ana Paula de Barcellos demonstra que

a Dignidade da pessoa humana vincula-se intrinsecamente com o dever do Estado

em garantir o mínimo existencial, isto é, educação básica, saúde básica, assistência

aos desamparados e acesso à justiça:

Na linha do que se identificou no exame sistemático da própria Carta de1988, o mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatroelementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educaçãofundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso àJustiça. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondemao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia

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jurídica positiva, e a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante oPoder Judiciário. (BARCELLOS, 2002, p.259)

A partir de agora veremos alguns casos concretos nos quais fica evidenciado

como a participação dos jurisdicionados se torna tão menos relevante do que as

formulações dos especialistas, sejam eles juristas ou acadêmicos de outra

formação.

Caso concreto “I”

SENTENÇA (TIPO B2)

Pleiteia a parte autora a condenação do Instituto Nacional do Seguro Social– INSS a proceder ao restabelecimento do benefício de auxílio-doença, bemcomo ao pagamento das parcelas retroativas a data da cessaçãoadministrativa. Alega ser portadora de patologias que a incapacitam pararealizar suas atividades laborativas.

Deferida a gratuidade de justiça (fls. 49/53). O INSS apresentou suacontestação às fls. 55/60. Além disso, juntou aos autos laudosadministrativos (relatório SABI - fls. 74/81), o INFBEN (fl. 73) e o CNIS (fls.69/72), que registra recebimento dos benefícios (NB xxxxxxx) de 01/02/2012até 10/04/2012 e (NB xxxxxxxx) de 03/07/2013 até 02/06/2016. Laudomédico pericial às fls. 83/105.

Passo a decidir.

O art. 59 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, prevê que: "O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for ocaso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seutrabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) diasconsecutivos”.

Quanto à aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei 8.213/91 prevê que areferida aposentadoria “será devida ao segurado que, estando ou não emgozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível dereabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, eser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição”.

No caso dos autos, o perito judicial, no laudo de fls. 83/105, ao responder sea pericianda se encontra acometida de alguma doença ou deficiência que aincapacite para o trabalho, afirmou que não, acrescentando que ela temfunções dentro dos limites da normalidade, com ressalvas (quesito 07, fl.98).

Indagado se havia incapacidade entre a data do indeferimento e a data derealização da perícia judicial, declarou que “não há incapacidade porpsicopatologia” (quesito 17 – fl. 100).

Cabe frisar que as partes foram intimadas para se manifestarem a respeitodo laudo (fl. 106).(grifos nossos)

O INSS solicitou a improcedência do pedido autoral (fl. 110).

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A parte autora, por outro lado, não se pronunciou, conforme certificado à fl.111.(grifos nossos)

Assim, não preenchido o requisito da incapacidade, o pedido derestabelecimento deverá ser indeferido, por falta de amparo legal. Quantoao pedido das parcelas retroativas, não assiste direito à parte autora, umavez que não há provas suficientes para comprovar a inaptidão laboral noperíodo compreendido entre o indeferimento administrativo e a produção dolaudo pericial.

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, resolvendo o mérito, naforma do art. 487, I, do NCPC, lei nº 13.105/15. Sem custas nem honoráriosnos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95. JFRJ Fls 113 Assinadoeletronicamente.

À Secretaria para certificar se já houve pagamento de honorários periciaispelo sistema AJG. Caso negativo, proceda-se à devida solicitação depagamento no referido sistema. Interposto recurso (art. 5º, da Lei10.259/2001), em analogia e em observância ao disposto no artigo 1.010,§§ 1º e 3º, do Código de Processo Civil, intime-se o recorrido paraapresentar contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias.

Em caso de apresentação de recurso, remetam-se os autos às TurmasRecursais. Desde logo, fica ciente a parte autora de que na hipótese deeventual oferecimento de recurso ou contrarrazões recursais, deverá a parteestar obrigatoriamente assistida por advogado, conforme disposto no art.41, § 2º da Lei 9.099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/01, podendo utilizar-se, nahipótese de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública da União.Transitada em julgado, arquivem-se os autos com baixa. P.R.I.

O processo da senhora “I” tinha como pedido o restabelecimento do

benefício de auxílio-doença que fora indeferido pelo INSS após o resultado negativo

na perícia da autarquia, na especialidade de psiquiatria.

Analisando os autos verifica-se que a parte autora exercia atividades numa

fábrica de maneira repetitiva e por grande período de tempo. Fica demonstrado

também que seus patrões não negaram seu afastamento pois, em momento algum

foi interposta qualquer objeção a pretensão da autora em se ausentar para cuidar de

seu quadro clínico.

Em primeiro lugar, chamo atenção para a padronização dos casos, no topo

da sentença selecionada verifica-se a anotação “tipo B2”. Trata-se de estabelecer

um modelo a ser reproduzido em larga escala de maneira que quanto menor o

tempo em se analisar o caso concreto e suas especificidades melhor, pois o

incremento numérico dos resultados é o fim a ser atingido.

As situações e seus respectivos detalhes, cada vez mais, perdem relevância

em relação a quantificação dos processos julgados e das estatísticas a serem

alcançadas. A lógica produtivista, a preocupação quase exclusiva na apresentação

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de indicadores numéricos que domina a nossa sociedade, também se espraia pelo

Poder Judiciário e acaba transformando vidas, sujeitos, relações sociais em meros

dados estatísticos.

O segundo fato a ser percebido consiste em não haver um laudo pericial

apresentado pela parte autora. Não consta no processo a versão de um médico

especialista (psiquiatra, no caso) que referendasse as alegações da senhora “I”.

Veja-se que o INSS já havia realizado uma perícia com um médico de seus quadros

administrativos, o Juízo, por sua vez, também nomeou um perito neutro para realizar

novo exame no decorrer do processo.

Entretanto, por razões econômicas, a jurisdicionada não realizou nenhuma

perícia com um médico de sua escolha, não pôde se consultar com um profissional

da área, como é de costume, nas hipóteses em que financeiramente o interessado

pode suportar os custos. A situação aqui apresentada faz pensar nas considerações

de Bourdieu sobre a assimetria existente entre os tratamentos recebidos pelas

diferentes classes econômicas quando recorrem ao judiciário.

Com efeito, o conteúdo prático da lei que se revela com o veredicto é oresultado de uma luta simbólica entre profissionais dotados decompetências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes de mobilizar,embora de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos disponíveis, pelaexploração das “regras possíveis”, e de os utilizar eficazmente, quer dizer,como armas simbólicas, para fazerem triunfar a sua causa; o efeito jurídicoda regra, quer dizer, a sua significação real, determina-se na relação deforça específica entre os profissionais, podendo-se pensar que essa relaçãotende a corresponder (tudo mais sendo igual do ponto de vista do valor naequidade pura das causas em questão) à relação de força entre os queestão sujeitos à jurisdição respectiva. (BOURDIEU, 2007, p.224)

No exemplo em questão, nos parece que a possibilidade de estar

acompanhada por um intérprete das leis, ou ao menos de um especialista clínico,

faria com que os desdobramentos processuais do caso e sua consequente sentença

sofressem significativas alterações, de maneira que o mínimo de dialética no

processo fosse preservado.

Não estou com isso querendo dizer que até que encontremos um perito que

concorde com a versão da autora não poderemos encerrar o processo, não, isto

seria, para dizer pouco, leviano. O que quero salientar é que não foi dado a ela nem

sequer a possibilidade de debater, discutir o resultado do laudo elaborado pelo perito

judicial. Esta senhora não compreendeu o que dizia o resultado da perícia, pior do

que isso, ela não tinha com quem buscar maiores informações.

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Como oficial de justiça, sem qualquer formação na área médica, o limite de

minha atuação se deu em esclarecer a ela que o laudo do perito judicial lhe teria

sido desfavorável. Faltavam-me argumentos para informá-la por que razão, ou com

base em que, os quesitos tinham sido respondidos pelo perito de maneira prejudicial

a sua causa. Estávamos os dois diante de um documento técnico indecifrável dada

nossa ignorância na área psiquiátrica.

Conforme consta na sentença selecionada, a parte autora não se manifestou

sobre o laudo, tampouco recorreu da decisão judicial. Como ela poderia se

manifestar? Como ela poderia recorrer? A justiça não foi capaz de elucidar o

resultado de sua causa de maneira digna e exaustiva. Enquanto oficial de justiça

designado para realizar a intimação da senhora “I”, tenho certeza de que minha

visita a sua casa não foi satisfatória pois, assim como ela, não saberia dizer com

clareza os fundamentos e as razões pela qual o perito discordou de sua pretensão.

Além da ignorância clínica, a autora também padece de ignorância jurídica,

fato que só se agrava com a redação da sentença, a qual demonstra mais uma vez,

resquícios de arcaísmos de linguagem, excessivo tecnicismo jurídico e

fundamentações legais que não ajudam na compreensão de seu teor.

O derradeiro e mais relevante ponto a ser analisado, trata-se do fato de que

o laudo pericial é a base, o pilar, o fundamento primeiro sobre o qual se baseou a

decisão do magistrado. Sim, basta que recuperemos o teor da sentença para que

fique claro que a pretensão autoral foi negada com base no que afirmou a perícia, o

núcleo gravitacional da decisão foi o laudo técnico, e não poderia ser de outra forma.

O que poderia e deveria ser de outra maneira é a compreensão da cidadã

envolvida sobre o feito em questão. Esta desprivilegiada, leiga que, por razões

econômicas, cognitivas, intelectuais não conseguiu se manifestar minimamente

sobre o resultado apresentado pelo perito, viu seu processo se encerrar diante de si,

sem participar de maneira eficaz sobre a decisão judicial. Faltou a ela voz efetiva

sobre os desdobramentos do laudo, principalmente tendo ele a relevância

constatada ao final do processo.

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4.4 O idealismo do processo versus o materialismo do cotidiano dosjurisdicionados

Na presente seção, a pesquisa pretende demonstrar a existência de um

descolamento entre as decisões judiciais e o cotidiano experimentado pela clientela

dos juizados especiais federais. Trata-se de um descompasso entre duas

dimensões, que faz com que a trajetória do processo caminhe de maneira apartada

à trajetória concreta da vida prática dos sujeitos.

Importa agora chamar a atenção para o baixo grau de comunicação entre

estas dimensões, por razões que tentamos explicitar ao longo do trabalho, a

realidade fática dos conflitos de interesses não recebe o devido acompanhamento e

tutela das decisões e manifestações dos magistrados. Este

distanciamento/desconhecimento da realidade termina por apresentar “soluções” de

pouca, ou nenhuma eficácia para os jurisdicionados.

Vale ressaltar que, por ser o juiz quem preside o processo e quem sentencia

o litígio, sua figura fica em evidência quando realizamos a análise crítica das

decisões judiciais. Entretanto, o magistrado é somente um, dentre os muitos

profissionais que atuam junto ao Poder Judiciário, a desconsiderar ou minorar, a

relevância da voz dos sujeitos. Promotores, defensores, advogados e servidores

também o fazem, infelizmente.

Selecionei para este momento um caso repleto de incoerências e

contradições processuais, e que devido a sua vasta extensão demandou a

elaboração de um relatório, por mim confeccionado, contendo a apresentação

cronológica dos atos e eventos processuais. A partir de agora, farei uma reflexão

sobre os desvios que considerei mais relevantes com base em fragmentos retirados

dos autos processuais.

Caso concreto “CMS”

São Gonçalo, 11 de janeiro de 2016

SENTENÇA A

Trata-se de ação, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, atravésda qual “"CMS"” objetiva que a parte ré (UNIÃO, ESTADO DO RIO DEJANEIRO E MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO) seja condenada a fornecermedicamento que sustenta ser indispensável à sua saúde.

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Às fls. 23/24, laudo e receituário prescrito por médico do HospitalUniversitário Antônio Pedro. Decisão que deferiu o pedido de antecipaçãodos efeitos da tutela às fls. 33/35.

Contestação da UNIÃO (fls. 38/51), sustentando, em síntese, que o SUSdisponibiliza medicamentos eficazes para o tratamento da doença queacomete a autora e que é de responsabilidade dos Estados e Municípios ofornecimento dos mesmos. Pugna pela improcedência dos pedidos.

Contestação do Estado do Rio de Janeiro às fls. 111/114, alegando que nãohá resistência ao fornecimento dos medicamentos “PREDNISONA 5MG;ÁCIO FÓLICO 5MG, ALENDRONATO DE SÓDIO 70MG; OSTEONUTRI eIBUPROFENO 300MG” e requerendo a extinção do processo semresolução do mérito.

O Município de São Gonçalo apresentou contestação às fls. 124/129,informando que os medicamentos requeridos não estão disponíveis na redepública municipal.

O Estado do Rio de Janeiro peticionou às fls. 137/138, informando que osmedicamentos “PREDNISONA 5 MG, ALENDRONATO SÓDICO 70 MG,ÁCIDO FÓLICO 5 MG E CARBONATO DE CÁLCIO 600 MG +COLECALFIFEROL 400 UI são de competência do município de residênciado autor por fazerem parte do Elenco de Referência Nacional doComponente Básico de Assistência Farmacêutica”. Quanto aosmedicamentos “PREDNISONA 5 MG E ALENDRONATO SÓDICO 70 MG”,informa que estão disponíveis em estoque no momento e quanto ao“IBUPROFENO 300 MG”, alega não estar relacionado em nenhuma listaoficial de medicamentos.

Procuração conferindo poderes ao Sr “L” (fl. 331). Parecer do NAT às fls.349/354. A autora juntou receituários atualizados e orçamento dosmedicamentos às fls. 415/418. Foi determinado pelo Juízo o bloqueio devalores na conta do Estado do Rio de Janeiro para a aquisição dosmedicamentos. Alvará de levantamento às fls. 446. Notas fiscais referentesà aquisição de medicamentos às fls. 456/457.

Decido.

De início, convém registrar que compete à União Federal, Estado do Rio deJaneiro e Município de São Gonçalo, garantir a saúde da autora, conformedefinição constitucional, ressalvando-se a compensação entre os entes, namedida de suas atribuições administrativas….

Trata-se, portanto, de um direito que exige prestações de Estado. A autoralogrou êxito em comprovar, através da documentação adunada aos autos, anecessidade do tratamento para sua enfermidade e a mantença da suasaúde….

...Embora conste do parecer do NAT que alguns dos medicamentosrequeridos pela autora estavam disponíveis na Rede Pública, mesmo diantede diversas tentativas deste Juízo de compelir os Entes Públicos afornecerem os medicamentos após o deferimento do pedido de antecipaçãodos efeitos da tutela, já decorreram quase dois anos da decisão e os EntesFederativos ainda não tinham disponibilizado tais medicamentos. (“Constados autos nada menos do que 8 (oito) decisões judiciais (fls. 33; 153; 166;

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172; 206; 220; 238; 335) intimando o Estado do Rio de Janeiro para quecumpra a determinação de entregar os medicamentos à autora.” – fl. 426)

Por conta do reiterado descumprimento da ordem judicial a autora precisoujuntar aos autos 4 receituários com a lista de medicamentos necessários aoseu tratamento. Assim, já foi observado por este Juízo: “A pequena variaçãonos medicamentos listados explica-se pelo fato de a autora encontrar-se há1 ano e 8 meses sem conseguir medicar-se de forma regular, como bempontuou o zeloso oficial de justiça na certidão de fls. 371.”

Em 17//12/2013, foi determinado pelo Juízo que os Réus, através do Estadodo Rio de Janeiro, fornecessem à parte autora a medicação requerida nainicial. (fls. 33/35). No entanto, em junho de 2015, o Estado não haviacumprido a tutela deferida (fls. 425/427). Assim, o Juízo determinou obloqueio do valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), suficiente para aaquisição dos medicamentos, em quantidade suficiente para 3 meses detratamento.

Verifica-se que autora juntou notas às fls. 456/457, mas não comprovou atotalidade do valor recebido, no entanto, em se tratando de medicamento deuso contínuo, as demais notas deverão ser anexadas ao processoposteriormente.

Isto posto, CONFIRMO A DECISÃO QUE ANTECIPOU OS EFEITOS DATUTELA (fls. 33/35) e JULGO PROCEDENTE o pedido formulado nos autosdo processo em epígrafe, com fulcro no art. 269, I do CPC, para condenaros réus, solidariamente, a providenciarem os medicamentos prescritos noreceituário de fl. 415 (prednisona 20mg, sulfasalazina, ácido fólico,omeprazol 20mg, ibuprofeno e suprad), de uso contínuo, nas dosagens equantidades indicadas, mediante apresentação de receituário médicoatualizado nas datas de entrega dos medicamentos. Havendodescumprimento da presente determinação, estarão os réus sujeitos àfixação de multa cominatória, também na pessoa do responsável pelodescumprimento da decisão, após apuração....

Trata-se de ação cuja finalidade seria o fornecimento de medicamentos para

tratamento de uso contínuo, em razão da autora, senhora "CMS", ser portadora de

artrite reumatoide. Diferentemente do caso anterior, neste a autora do processo

ingressou com a ação através da Defensoria Pública da União - DPU, logo,

teoricamente, estaria acompanhada de um especialista jurídico, de um técnico capaz

de defender com dignidade seus interesses.

Entretanto, conforme já salientamos, a falta de comunicação e o

distanciamento experimentado por aqueles que procuram o judiciário não se dá de

maneira exclusiva com relação ao juiz do processo. No caso da senhora "CMS", a

própria defensoria, por mais de uma vez, deu causa a um possível encerramento do

processo em razão de manifestações equivocadas. Em uma delas, orientou o

esposo e procurador da autora, sr “L”, a retirar medicamentos em local equivocado,

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e por não ter comparecido ao local de dispensa correto, o juiz do presente feito

ameaçou encerrar o processo por falta de interesse da autora.

Em outra oportunidade, a defensoria declarou ao juiz que não poderia

cumprir a determinação em razão de não conseguir estabelecer contato com a sua

cliente, o que também indicaria falta de interesse da mesma em prosseguir com o

processo. Entretanto, este fato foi desmentido pela certidão do oficial de justiça, a

partir da realidade verificada in locu.

Niterói, 2 de julho de 2015. - A Defensoria Pública da União vem,respeitosamente, perante Vossa Excelência, requerer a intimação pessoalda parte assistida, vez que todas as tentativas de contato restaramfrustradas. Termos em que pede deferimento.

_____________________________________________________________

São Gonçalo, 08 de julho de 2015 - Oficial contradiz a informação daDefensoria e contata com facilidade a autora,

[…] CERTIFICO que, […] , INTIMEI a Sra. “"CMS"”… Em tempo, esclareçoao juízo que nunca tive qualquer dificuldade em conseguir contato com ostelefones indicados pela autora. Dei-lhe ciência do inteiro teor do mandado,sendo-lhe entregue a contrafé após exarar o respectivo ciente. O referido éverdade e DOU FÉ.

Por se tratar de uma questão de saúde, há neste caso uma urgência em se

garantir a prestação jurisdicional, e, desde o início, foi solicitada pela defensoria a

antecipação dos efeitos da tutela11. Entretanto, mesmo sendo deferida essa

antecipação, mais de quatro anos já se passaram sem que o caso da Sra.. "CMS"

fosse solucionado. Isto demonstra o quanto ainda temos que caminhar para que o

acesso à justiça seja um direito efetivo e eficaz, conforme pretendido por Cappelletti

e Garth.

Infelizmente o fato de serem rebuscadas, cerimoniosas e até mesmo

instituidoras de multas, não garante às decisões judiciais o seu fiel cumprimento.

Inclusive, entre as próprias decisões, percebemos contradições flagrantes. O que se

idealiza no papel não se concretiza em ações, e desta forma, as injustiças seguem

sendo praticadas contra as classes desassistidas e desprivilegiadas.

11 Trata-se, portanto, de decisão interlocutória (e não de sentença), por via da qual o juiz concede aoautor o aditamento de efeitos da sentença de mérito com caráter satisfativo. Não se cuida, pois, dejulgamento antecipado da lide, mas de medida de caráter provisório que visa a tutelar mais eficaz eprontamente o direito do autor sempre que ele preencher os requisitos exigidos pela lei. (LOPES,2003, p.50)

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São Gonçalo, 18 de março de 2015. - DECISÃO

[…] Após manifestação da parte autora em 27/05/2014 informando que nãorecebeu a medicação requerida, restou determinada a intimação do Estadodo Rio de Janeiro, na pessoa do Subprocurador Geral do Estado, para que,no prazo de 5 dias, cumprisse a decisão sob pena de majoração da multadiária para R$200,00 (fls. 153).

[…] sob pena de responsabilidade pessoal (fls. 166). Porém, quedou-seinerte mais uma vez o Estado do Rio de Janeiro (certidão de fl. 171).

[…] , no prazo de 48h, sob pena de majoração da multa diária (fl. 206). Nãoobstante isso, mais uma vez permaneceu silente o Estado do Rio deJaneiro.

[…] renovação da intimação …. da Procuradora-Chefe, ... para quecumprisse a decisão de fl. 206 e 153, no prazo de 48 horas, já ciente de quea multa diária em desfavor do Estado passaria a R$ 500,00…..

[…] Mais uma vez descumprida a decisão, foi determinada a intimação, poroficial de justiça, do Secretário de Estado de Saúde, ...sob pena demajoração da multa diária para R$1.000,00…

[…] Consoante bem delineado acima, caracterizado está o reiteradodescumprimento pelo Estado do Rio de Janeiro de ordem judicial quedeterminou a entrega de medicamentos à parte autora...(grifos nossos)

Somente entre o início do processo no ano de 2013 e março de 2015,

percebemos pelo menos 5 descumprimentos de decisões por parte de um dos réus.

Em que pese terem sido seguidos de majorações das respectivas multas, nada disto

foi capaz de solucionar na prática a demanda.

Muitos outros descumprimentos ocorreram até agora, conforme o relatório

ao final está a demonstrar, porém, é estarrecedor que em maio do ano de 2017

ainda tenhamos no processo da senhora "CMS" uma decisão contendo tamanha

contradição:

São Gonçalo, 08 de maio de 2017 – DECISÃO

….Ressalto que a atuação do Judiciário nas causas que envolvemmedicamentos somente é devida diante da recusa dos entes Federativos aofornecimento dos mesmos, quando são indispensáveis à saúde da parte.

No caso, não identifico nos autos prova de recusa por parte dos réus aofornecimento dos novos medicamentos, nem requerimento expresso desubstituição de alguns dos fármacos concedidos na sentença. (grifosnossos)

Por mais absurdo que possa parecer, o fato é que mesmo diante de tão

gritante equívoco, não consta nos autos qualquer manifestação da parte, e

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principalmente da defensoria, enquanto técnico/especialista para salvaguardar o

direito da senhora "CMS". Seria concebível imaginar o mesmo silêncio eloquente se

a parte em questão estivesse sendo patrocinada por poderosos escritórios de

advocacia?

A esta altura do percurso processual, questionar a autora sobre a razão de

ser do processo, pior, não vislumbrar provas da recusa do réu em cumprir a

determinação judicial, mesmo após sucessivas decisões anteriores em sentido

contrário! É esquizofrênico, irresponsável e indiferente à realidade que nos cerca.

Ao final da mesma decisão, outro trecho chama bastante atenção pela falta

de sensibilidade e compreensão com que foi tratada a autora. Nele, o juiz da causa

reconhece que o médico responsável pelo tratamento da Sra. "CMS" alterou a

conduta terapêutica prescrevendo novos medicamentos, medicamentos esses,

distintos da receita previamente indicada no processo. Em razão disto a autora

adquiriu os novos fármacos prescritos pelo perito especialista, de maneira a ajustar

e atualizar seu tratamento.

Em que pese a gravidade da patologia em questão, artrite reumatoide, e o

quadro de agravamento de seu estado clínico, a Sra. "CMS" não foi poupada de

receber duras repreensões por parte do magistrado em razão de ter somente

adquirido os medicamentos determinados por seu médico responsável.

São Gonçalo, 08 de maio de 2017 – DECISÃO

[…] O valor disponibilizado deveria ter sido utilizado para a aquisição dosmedicamentos determinados em Sentença ou no caso de ter sidoautorizado pelo Juízo. Assim, o uso dos valores pela autora para a aquisiçãodos novos medicamentos indicados pelo seu médico assistente foi indevidoe deverão ser compensados, no caso de liberação de novo alvará, oudevolvidos.

Diante de tal decisão, me parece estar completamente configurada a

inversão que o sistema jurídico, de maneira contumaz, pratica em relação aos leigos

e desassistidos, provenientes das classes econômicas hipossuficientes, qual seja, a

preponderância do formal sobre o material. A conduta do magistrado determina que

a Sra. "CMS" utilize o valor depositado em seu favor para adquirir, exclusivamente,

os medicamentos relacionados em sentença, ou previamente autorizados.

Ou seja, a Sra. "CMS" fica, desde então, obrigada a aguardar a consciência

do juiz, manifestar-se sob a forma de nova decisão, para adquirir os medicamentos

que irão lhe assegurar a sua saúde. Mesmo que já tenham sido depositados, a seu

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favor, valores necessários para lhe garantir o mínimo indispensável ao seu

tratamento. Vejam que, nem a prévia alteração de conduta terapêutica, determinada

pelo médico neurologista responsável pelo caso, bastou para eximir de

responsabilidade a enferma demandante.

A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo vital deindivíduos determinados; mas desses indivíduos não tais como aparecemnas representações que fazem de si mesmos ou nas representações que osoutros fazem deles, mas na sua existência real, isto é, tais como trabalhame produzem materialmente; portanto, do modo como atuam em bases,condições e limites materiais determinados e independentes de suavontade.12(MARX e ENGELS, 1846, p.18)

O que parece mais surpreendente é que o nosso Poder Judiciário não

enxerga o óbvio diante de seus olhos, o que urge, o que não espera, o que não

respeita qualquer agenda ou conveniência é a piora do quadro clínico da paciente.

Não custa lembrar que estamos tratando aqui de uma doença cujo um dos principais

sintomas são as intensas e persistentes dores pelo corpo, que, se não tratada

adequadamente, pode levar ao comprometimento das juntas, provocando

deformidades e limitações nas atividades do dia a dia.

Não obstante, entende o juiz da causa que, sem a autorização de sua

caneta, a autora não deve comprar os remédios recomendados por seu médico

mediante receita atualizada. Independentemente da fungibilidade, da fluidez e da

liquidez que a quantia depositada em conta lhe proporciona, deve ela suportar todos

os males e os ônus decorrentes do agravamento da doença, até que a formalidade

jurídica esteja satisfeita. É o formal se sobrepondo ao concreto, o idealismo das

decisões querendo determinar a materialidade da vida real dos sujeitos. Tal situação,

remonta ao alerta que Marx e Engels nos fizeram há quase dois séculos atrás, sobre

a correta aproximação a ser feita entre estrutura e superestrutura.

Em outras palavras, não partimos do que os homens dizem, imaginam erepresentam, tampouco do que eles são nas palavras, no pensamento, naimaginação e na representação dos outros, para depois se chegar aoshomens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua atividade real,é a partir de seu processo de vida real que representamos também odesenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desseprocesso vital.13(MARX e ENGELS, 1846, p.19)

A construção de um poder judiciário mais acessível, eficaz e célere é tarefa

que demandará esforços gigantescos diante do cenário em que nos encontramos

atualmente. A pesquisa aqui desenvolvida pretende colaborar, denunciando12 Fragmento retirado do livro A ideologia alemã.13 Idem.

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realidades e práticas tão perversas contra a população mais carente de amparo

judicial.

Provavelmente, a supressão de condutas e métodos de violência simbólica

nos permitirá almejar uma distribuição de justiça social mais equânime. O privilégio

da forma sobre a matéria deve ser permanentemente combatido em nossos

tribunais, a justiça precisa ser implementada de maneira satisfatória em todo e

qualquer extrato social, ainda que para isso suas práticas necessitem ser revistas e

relativizadas, conforme os fatos da vida real apontarem.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo oficial de justiça há 12 anos aproximadamente, em três diferentes

municípios (Angra dos Reis, Rio de Janeiro e São Gonçalo), percebi no cotidiano da

função que os preceitos legais estudados no curso de Direito não correspondiam, e

ainda não correspondem, à dinâmica da vida real verificada junto à população mais

carente de nosso estado.

Desta constatação nasceu meu desejo de me dedicar ao estudo das , mais

propriamente da Sociologia. Desde o início imaginei que retornar à universidade me

seria de grande valor para compreender melhor as causas que nos trouxeram ao

estado atual de desigualdades praticadas no Poder Judiciário. Hoje, ao concluir o

curso, confirmo a previsão inicial e acrescento a ela uma série de questionamentos e

inquietações que sequer desconfiava que existiam, sobre as injustiças presentes em

nossa sociedade de modo geral.

Os relatos aqui trazidos fizeram parte de um sem número de casos

concretos vivenciados no dia a dia da profissão de oficial. Algumas entrevistas

puderam ser previamente agendadas, entretanto, a maior parcela dos dados obtidos

foi colecionada durante o próprio exercício de meu trabalho, pessoalmente, ou por

consulta ao sistema processual da justiça federal.

A hierarquia excessiva praticada nos tribunais pode ser percebida desde o

primeiro atendimento ao cidadão até a decisão final de seu processo. Ainda que a

maior parte de minhas atribuições se desenvolva fora do ambiente judicial, a

atuação de todo oficial de justiça está diretamente subordinada ao magistrado

emissor da respectiva ordem.

No que tange ao campo teórico, vale ressaltar que não foi intenção desta

monografia discutir de maneira mais aprofundada os possíveis desdobramentos, os

mais atuais questionamentos, bem como as aplicações práticas da obra de

Cappelletti e Garth sobre o acesso à justiça no Brasil. O intuito foi tão somente de

me valer do brilhantismo de sua pesquisa de maneira a demonstrar que ainda existe

um enorme caminho, repleto de possibilidades e alternativas quanto à solução de

conflitos, a ser percorrido até a universalização deste acesso.

Tendo sofrido qualquer aviltamento em seu patrimônio jurídico, cada cidadão

pode, e deve, recorrer ao poder judiciário em busca de reparação. Entretanto, não o

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fará de maneira idêntica, uniforme, tampouco, com a mesma acessibilidade.

Consequência disto é que os resultados obtidos também não serão os mesmos, a

justiça, em nosso país, acaba sendo praticada de modo bastante variável.

As classes sociais, em razão de seu poder econômico e da capacidade de

traduzir seus interesses políticos em feitos concretos, recebem distintos tratamentos

quando batem à porta do judiciário.

Seja pelo número de alternativas processuais das quais podem lançar mão,

pela facilidade de interlocução com as autoridades decisórias envolvidas, ou pela

capacidade de contratação de melhores peritos, advogados, assistentes etc, o

resultado final é que o produto jurídico (sentença ou acórdão), nunca foi, não é, e

provavelmente jamais será distribuído, reparativamente, de maneira equânime entre

os distintos segmentos sociais existentes em nosso país.

No presente trabalho, me propus a investigar os contornos da prática

judiciária realizada nos Juizados Especiais Federais do município de São Gonçalo,

no estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um município que ocupa a 77ª posição de

92 possíveis no ranking do PIB per capita dentro estado fluminense.14 Tendo quase

um milhão de habitantes, com um elevado grau de dependência dos serviços

públicos, podemos perceber que a população gonçalense, de um modo geral, ainda

está distante de ver supridas suas garantias e direitos fundamentais.

Enquanto oficial de justiça federal lotado no município de São Gonçalo, tive,

ao longo de mais de 3 anos, acesso às duas dimensões da aplicação da atividade

jurisdicional, pois, se por um lado, lidamos com toda a burocracia e as formalidades

exigidas nos autos processuais, que carregam e fundamentam as decisões judiciais,

por outro, contatamos as partes interessadas, os requerentes desafortunados em

seu meio social, em seus locais de trabalho, em suas casas, em sua realidade.

As contradições apontadas por Karl Marx, há quase dois séculos, não

poderiam ser mais atuais. O poder velado descrito por Bourdieu, há mais de quatro

décadas, ainda se faz sentir sobre a camada mais vulnerável de nossa gente. A

análise conjuntural de nosso Poder Judiciário, realizada por Boaventura de Sousa

Santos, converge para tal avaliação:

É preciso que os cidadãos se capacitem juridicamente, porque o direito,apesar de ser um bem que está na sabedoria do povo, é manejado eapresentado pelas profissões jurídicas através do controle de umalinguagem técnica ininteligível para o cidadão comum. Com a capacitação

14 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/sao-goncalo/panorama

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jurídica, o Direito converte-se de um instrumento hegemônico de alienaçãodas partes e despolitização dos conflitos a uma ferramenta contra-hegemônica apropriada de baixo para cima como estratégia de luta.(SANTOS, 2011,p.46)

Falta aos homens e mulheres de nosso país o devido conhecimento jurídico

sobre as normas e leis que ditam suas vidas e que determinarão o seu futuro e o de

seus filhos. É preciso que as novas gerações conquistem a democratização do

acesso à justiça, a fim de que aquilo que hoje é somente previsto em lei, se torne

efetivo e concreto em suas vidas. Para que uma mudança tão significativa seja

operada em nossa sociedade, não nos resta dúvida de que deverá vir

acompanhada, necessariamente, de profundas transformações sociais e

econômicas.

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6 FONTES

6.1 Referências Bibliográficas

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 3 ed. Lisboa: Edi-torial Presença/Martins Fontes, 1980.

ALVES, Pedro H. A. A relativização do conhecimento obrigatório da lei. Disponí-vel em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7402/A-relativizacao-do-conheci-mento-obrigatorio-da-lei>. Acesso em: 13/06/2017.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais.Rio de Janeiro: Renovar. 2002

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, 10. ed. Rio deJaneiro: Bertrand Brasil, 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

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CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência: exposição didática: áreado direito processual civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. São Paulo: Ed. Lejus, 1999.

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GALANTER, Marc. Why the ‘Haves’ Come Out Ahead: Speculations on the limits oflegal change. Law and Society Review, Amherst, n. 9, 1974.

GONÇALVES, Gabriella V. O.; BRITO, Lany Cristina S.; FILGUEIRA, Yasmin vonGlehn (organizadoras). IV diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, -- Brasí-lia: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2015. 138 p. : il. color.-- (Diálogos da justiça)

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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle, NélioSchneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Forense,vol.1,13ª ed., p. 34.

6.2 Outras Referências

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SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. SãoPaulo. 2011. Disponível em <http://sociologial.dominiotemporario.com/doc/REVOLU-CAO_DEMOCRATICA_JUSTICA.pdf>. Acesso em: 12/06/2017

SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justi-ça. 1986. Disponível em<http://boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Introducao_a_sociologia_da_adm_justica_RCCS21.PDF>. Acesso em: 24/11/2017