ACOMPANHAMENTO PLENUS MINISTÉRIO PÚBLICO• Da controvérsia do julgado: Voto do Relator Min. Dias...

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ACOMPANHAMENTO PLENUS MINISTÉRIO PÚBLICO -------------------------------------------------------------- STF 920 SEMANA 14 #SouPlenus #AquiéMP #TôDentro

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ACOMPANHAMENTO PLENUS

MINISTÉRIOPÚBLICO

--------------------------------------------------------------STF 920

SEMANA 14

#SouPlenus#AquiéMP#TôDentro

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1) DIREITO CONSTITUCIONAL

1.1) Competência: lei municipal e competência privativa:

• Lei 1.566/05 do município de Caxias/MA

A lei 1.566/2005 do município de Caxias/MA criou uma loteria local com o objetivo de angariar recursos financeiros para a assistência social.

A lei prevê que a execução do serviço municipal de concurso de prognóstico numéri-co de múltiplas chances será explorada pelo próprio município, através da Secretaria Municipal de Solidariedade e Desenvolvimento Social, podendo também ser delegado a entidade privada por meio de licitação.

Esta lei foi questionada pela PGR por meio de ADPF. Segundo a PGR, a Lei municipal 1.566/2005 usurpa a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, nos termos do que dispõe o artigo 22, inciso XX, da Constituição Federal.

Para a PGR, ao se imiscuir em matéria reservada ao ente federal, o município de Caxias invadiu o espaço da reserva legal (artigo 5º, II, da Constituição da República) e subverteu o sistema de distribuição de competências consagrado pelo constituinte.

A PGR ainda acrescentou que o Decreto-Lei n° 204, de 27 de fevereiro de 1967, define a atividade de loteria como serviço público a ser exercido exclusivamente pela União.

“Com efeito, o Decreto-Lei 204/67 criou o ‘monopólio’ da União sobre o serviço público de loteria, destituindo os demais entes políticos de ex-plorar esse tipo de atividade. Cabe ressaltar, ainda, que o artigo 32 deste decreto-lei veda ‘a criação de novas loterias estaduais’, o que corrobora o argumento de que os demais entes políticos não possuem competên-cia para criar e manter a atividade prevista na lei municipal”.

O STF concordou com a PGR? SIM!

• Como entendeu o STF:

O STF converteu a apreciação da medida cautelar em exame de mérito e julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.566/2005 do município de Caxias/MA, que estabeleceu, como serviço público municipal, o concurso de prognósticos de múltiplas chances.

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Nesse sentido, o STF entendeu que: “Compete privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcio e sorteios, nos termos do art. 22, XX, da Constituição Federal”. (ADPF 337/MA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17.10.2018).

1.2) Representação estudantil – criação de centros e diretórios acadêmicos (famosos CA’s): competência privativa da União x autonomia universitária:

• Caso concreto: ADI em face da lei 14.808/05 do estado do paraná:

A Confederação Nacional Dos Estabelecimentos De Ensino - CONFENEN- ajuizou ADI em face da Lei 14.808/2005 do Estado do Paraná, que possui o seguinte conteúdo:

Art. 1º. É assegurada, nos estabelecimentos de ensino superior, públi-cos e privados, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes, para representar os interesses e expressar os pleitos dos alunos. Art. 2º. É de competência exclusiva dos estudantes a definição das for-mas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organi-zação dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Cen-trais dos Estudantes. Art. 3º. Os estabelecimentos de ensino a que se refere o artigo 1º da pre-sente lei deverão garantir espaços, em suas dependências, para a divul-gação e instalações para os Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais Estudantis, além de garantir: I - a livre divulgação dos jornais e outras publicações dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes, bem como de suas Entidades Estudantis Estaduais e Nacionais; II - a participação dos Cen-tros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estu-dantes nos Conselhos Fiscais e Consultivos das instituições de ensino; III - aos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e do Diretório Central dos Estudantes o acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos das instituições de ensino; IV - o acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula e demais espaços de circulação dos estudantes, respeitando-se o bom senso. Art. 4º. Os espaços aos quais se refere o artigo anterior, deverão ser cedi-dos, preferencialmente, no prédio correspondente ao curso que o órgão estudantil representa, um para cada curso, em local que permita fácil acesso do aluno ao Centro Acadêmico de seu curso. Art. 5º. No caso de descumprimento das disposições desta lei, os estabelecimentos parti-culares de ensino superior estarão sujeitos à aplicação de multa, a ser fixada entre R$ 5.000,00 e R$ 50.000,00, corrigidos anualmente a partir da publicação desta lei. Parágrafo único. A multa prevista no caput será

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cobrada mensalmente, até o total cumprimento dos dispositivos previs-tos neste diploma legal. Art. 6º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Em suma, a lei assegura, nos estabelecimentos de ensino superior públicos e priva-dos, a livre organização de centros e diretórios acadêmicos.

Dispõe, ademais, ser de competência exclusiva dos estudantes a definição das for-mas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à sua organização.

Ainda, dispõe que é os estabelecimentos de ensino devem ceder espaço para ins-talação dos centros acadêmicos e garantir livre divulgação dos jornais e outras publicações, participação nos conselhos universitários, acesso à metodologia de elaboração das planilhas de custos, acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula.

Por fim, a norma estabelece que os espaços cedidos devem ser preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos e prevê aplicação de multa às instituições particulares que não observarem essas regras.

A autora da ADI (CONFENEN) sustenta que a lei impõe aos estabelecimentos de en-sino superior públicos e privados, normas de competência privativa da União, por se tratar de diretrizes e base da educação nacional. Além de ferir a autonomia universitária, a livre iniciativa privada, previstas na Constituição Federal (CF). Afirma, ainda, ofensa ao princípio da autonomia universitária, bem como afronta ao preceito segundo o qual o ensino é livre à iniciativa privada, cumpridas as normas gerais de educação nacional.

Assim, a discussão principal da ADI em questão girou em torno de saber se a norma impugnada invade matéria de competência legislativa privativa da União e se ofende os prin-cípios da livre iniciativa, da autonomia universitária, da razoabilidade e da isonomia.

• Da controvérsia do julgado: Voto do Relator Min. Dias Toffoli x Voto de vista – Min Roberto Barroso:

De início, o relator da matéria, ministro Dias Toffoli, afastou a alegação trazida pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná de ilegitimidade ativa da CONFENEN.

Porém, quando ato mérito, em um primeiro momento, o relator julgou procedente o pedido. Segundo ele, apesar da alta relevância social e cultural da medida, tendo em vista a importância do movimento estudantil no país, os dispositivos questionados atentam contra a competência legislativa privativa da União, relativamente ao direito civil, e também em relação à autonomia conferida às entidades de ensino superior.

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Em relação aos artigos 1º e 2º da lei paranaense, o ministro Dias Toffoli entendeu que eles são formalmente inconstitucionais porque tratam da liberdade de organização e da forma de constituição dos órgãos de representação estudantil “cujo conteúdo é nitidamente de direi-to associativo, ramo do Direito Civil, matéria privativa da União na forma do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal”. Ele também observou a existência de uma lei federal – Lei nº 7.395/85 -, editada pela União sobre o tema.

O ministro julgou materialmente inconstitucional os artigos 3º e 4º, que asseguram as entidades de representação estudantil o direito de alocação nos prédios dos estabelecimen-tos de ensino superior.

Segundo o Min. Dias Toffoli, “neste ponto há ofensa a sua autonomia administrativa e financeira porque gera impacto nos orçamentos públicos ou nos custos operacionais de entes privados na medida em que a manutenção dos referidos espaços constitui um ônus o qual não se prevê que seja repartido com o órgão de representação”, observou, ao ressaltar a inconsti-tucionalidade por arrastamento do artigo 5º porque, ao estabelecer sanções, apresenta depen-dência em relação aos demais dispositivos.

“Não se está aqui a negar a liberdade de manifestação protegida cons-titucionalmente ocorre que tal situação, se levada ao extremo, acaba-rá por inviabilizar o exercício do poder organizacional de que dispõe as universidades sobre suas instalações bem como sobre a própria ativida-de letiva que poderia ser prejudicada devendo, portanto ser regulada internamente pela própria instituição”1.

Porém, o Min. Roberto Barroso apresentou voto de vista em que declarou constitu-cional a lei do Paraná que assegura aos estabelecimentos públicos estaduais e privados de en-sino a livre organização de centros e diretórios acadêmicos de estudantes.

No voto de vista, o Min Roberto Barroso afirmou que a Lei 14.808/2005, em seu art. 1º, assegura a livre organização dos centros e diretórios acadêmicos nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados. No art. 2º, dispõe ser de competência exclusiva dos estu-dantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes a sua organização.

Para ele, esses dois artigos são constitucionais, não dispõem sobre matéria atinente a direito civil e versam apenas sobre liberdade de associação. Dessa maneira, ausente violação à competência da União.

1 Extraído do próprio voto do ministro relator, disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3757.pdf

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O art. 3º preceitua que os estabelecimentos de ensino devem ceder espaço para ins-talações dos centros e diretórios acadêmicos e garantir: livre divulgação dos jornais e outras publicações (inciso I); participação nos conselhos universitários (inciso II); acesso à metodolo-gia da elaboração das planilhas de custos (inciso III); e acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula (inciso IV). O art. 4º preconiza que os espaços cedidos devem ser preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos.

Para o Ministro, ambos os dispositivos não invadem a autonomia universitária (CF, art. 207). Ao contrário, concretizam os valores constitucionais de liberdade de expressão, asso-ciação e reunião, asseguram a gestão democrática das universidades públicas e, por conseguin-te, permitem a construção de tais universidades como um espaço de reflexão, de exercício da cidadania e de fortalecimento democrático.

Nesse sentido, cumpre salientar antes de analisar o entendimento do STF como um todo que o voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso foi acompanhado pela maioria dos co-legas, inclusive pelo relator, ministro Dias Toffoli, que reajustou seu voto, anteriormente dado pela declaração de inconstitucionalidade de toda lei, para seguir a conclusão de Barroso.

“Votei diante de posicionamento sobre visão da autonomia universitá-ria que, logo após a Constituição, se tinha uma ideia que abrangia todo o mundo universitário e não se poderia ter interferência do Estado legis-lador em relação a esses parâmetros. Partindo dessas premissas que dei meu voto proferido em 2015, que tinha liberado em 2011. Mas eu evolui no sentido de não ter mais visão tão fechada da autonomia universitária que impeça todo tipo de regramento do mundo acadêmico”, explicou.

• Como entendeu o STF:

A Lei 14.808/2005, em seu art. 1º, assegura a livre organização dos centros e diretórios acadêmicos nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados. No art. 2º, dispõe ser de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes a sua organização.

Esses dois artigos são constitucionais, não dispõem sobre matéria atinente a direito civil e versam apenas sobre liberdade de associação. Dessa maneira, ausente violação à com-petência da União.

O art. 3º preceitua que os estabelecimentos de ensino devem ceder espaço para ins-talações dos centros e diretórios acadêmicos e garantir: livre divulgação dos jornais e outras publicações (inciso I); participação nos conselhos universitários (inciso II); acesso à metodolo-gia da elaboração das planilhas de custos (inciso III); e acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula (inciso IV). O art. 4º preconiza que os espaços cedidos devem ser

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preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos.

Ambos os dispositivos não invadem a autonomia universitária (CF, art. 207). Ao contrário, concretizam os valores constitucionais de liberdade de expressão, associação e reunião, asseguram a gestão democrática das universidades públicas e, por conseguinte, permitem a construção de tais universidades como um espaço de reflexão, de exercício da cidadania e de fortalecimento democrático.

O ministro Dias Toffoli (relator), ao reajustar seu voto na linha do proferido pelo mi-nistro Roberto Barroso, esclareceu que a participação dos centros acadêmicos e diretórios nos conselhos fiscais e consultivos das instituições de ensino pode ser lida de várias formas, não no sentido de ter direito a voto.

Por sua vez, o ministro Edson Fachin assinalou que a autonomia da universidade de-limitará a densidade da participação. O art. 209 da CF – que garante o ensino, a livre iniciativa – determina o atendimento de algumas condições, entre as quais o cumprimento de normas gerais da educação. Nessas normas, está, precisamente, a gestão democrática (art. 206, VI), que se concilia com a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patri-monial (CF, art. 207). No tocante à metodologia, ressaltou não se tratar de interferir na gestão.

O STF, portanto, deu interpretação conforme à Constituição aos arts. 1º a 4º para excluir do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior, haja vista integrarem o sistema federal de que tratam os arts. 209 e 211 da CF combinados com os arts. 16 e 17 da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Além disso, assentou a inconstitucionalidade do art. 5º da lei paranaense, no qual se prevê a aplicação de multa às instituições particulares que não observem as regras contidas nos artigos anteriores. A norma viola a competência legislativa da União para dispor sobre o sistema federal, bem como a isonomia, uma vez que estabelece multa exclusivamente em des-favor das universidades privadas.

Cumpre salientar que a ministra Cármen Lúcia elogiou a iniciativa paranaense e afir-mou que é saudável estimular a participação dos jovens em movimentos estudantis.

“Devo dizer que para uma geração como a nossa, que tivemos que lutar para ter o direito de votar para o diretório acadêmico, a legislação na-cional e as legislações estaduais que se preocupam com esse tema me parecem um avanço, que talvez a gente tenha até que divulgar, porque os estudantes hoje, às vezes, nem comparecem para votar nos diretórios acadêmicos. E na verdade essa é uma conquista de uma geração”, afir-mou.

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Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou:

“Constitucional lei do Paraná que assegura aos estabelecimentos públicos esta-duais de ensino a livre organização de centros e diretórios acadêmicos e centrais dos estu-dantes.

Assim, o Plenário, por maioria, ao julgar procedente, em parte, pedido formulado em ação direta, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei paranaense 14.808/2005 e conferiu interpretação conforme à Constituição Federal (CF) aos arts. 1º a 4º da mencionada norma, excluindo do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensi-no superior”(ADI 3757/PR, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 17.10.2018).

1.3) Débito trabalhista e regime de precatórios:

• Regime de precatórios:

Em primeiro lugar, cumpre salientar que o art. 100 da Constituição Federal prevê que se a Fazenda Pública for condenada por sentença judicial transitada em julgado a pagar deter-minada quantia a um particular, este pagamento deve ser feito por meio de um procedimento (regime) especial chamado de precatório, vejamos o que dispõe a CF:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Esta-duais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Nesse sentido, claramente o regime de precatórios é um “benefício” ao ente públi-co, porque embora devedor, o estado não poderá sofrer penhora, tampouco ir à falência ou à insolvência. Assim, o vencedor numa demanda contra a Fazenda Pública, suas autarquias e fundações públicas, possui o direito de exigir do estado seu pagamento que se dará através da emissão de um precatório, consistente numa ordem judicial expedida contra a Fazenda Pública obrigando-a a incluir no orçamento valor suficiente para quitar sua dívida.

Harrison Leite explica com maestria o que seria precatório:

Consiste numa requisição formal de pagamento em que o Poder Público é condenado judicialmente a realizar. Dito de outro modo, o precatório é um ato do Judiciário, de cunho mandamental, decorrente de decisão judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública, por intermédio do qual o Estado-Poder judiciário comunica-se com o Estado-Poder Exe-

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cutivo, dando-lhe notícia da condenação, a fim de que, ao elaborar o or-çamento para o próximo exercício, aludido valor seja incluído na fixação da despesa. Seu montante se constitui em dívida consolidada do Poder Público correspondente. (LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 5. ed. Salvador: Juspodivm. 2016. p. 290-291)

• Quem tem privilégio de pagar por meio de precatório?

Segundo a lição doutrinária, as Fazendas Públicas: Federal, Estadual, Distrital e Mu-nicipal.

O STF, em recente julgado (Informativo 858 e 910), possui interpretação de que a ex-pressão fazenda pública no que tange ao pagamento por precatórios inclui:

- Administração direta: União, Estados, DF e Municípios

- Autarquias2

- Fundações Públicas

- Emprestas públicas prestadoras de serviços públicos (Ex: EBCT)

- Sociedade de economia mista prestadora de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não correcional.

Assim, como podemos observar, o regime de precatórios só é aplicável a empresas públicas que prestem serviços públicos. Exemplos: Correios (ECT), Casa da Moeda, Infraero e companhias estaduais de saneamento básico (nas hipóteses em que o capital social seja ma-joritariamente público e o serviço seja prestado em regime de exclusividade e sem intuito de lucro).

Esse é o entendimento consolidado do STF:

A Casa da Moeda do Brasil executa e presta serviço público mediante ou-torga da União. A CF/88 conferiu a ela, em regime de monopólio, o encar-go de emitir moeda (art. 21, VII). Em razão disso, o STF atribuiu à Casa da Moeda as prerrogativas de Fazenda Pública, como imunidade tributária e execução pelo regime de precatórios. STF. 1ª Turma. RE 1009828 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/08/2018.

2 Com exceção dos conselhos profissionais: CUIDADO! STF. Plenário. RE 938837/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/4/2017 (repercussão geral) (Info 861)

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Porém, a contrário sensu, se tratar-se de uma empresa pública que desenvolva atividade economia sem monopólio e com finalidade de lucro o regime de precatório não poderá ser aplicado.

Esse é o entendimento consolidado do STF:

Não se submetem ao regime de precatório as empresas públicas dota-das de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio pró-prio e autonomia administrativa que exerçam atividade econômica sem monopólio e com finalidade de lucro. STF. 1ª Turma. RE 892727/DF, rel. orig. Min. Alexandre de Morais, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 7/8/2018 (Info 910).

• Do caso concreto:

O governador da Paraíba ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal (STF) ADPF na qual pediu liminar para que fosse determinada a suspensão de decisão do juiz da 2ª Vara do Tra-balho de Campina Grande (PB), que determinou o bloqueio de R$ 806.796,43 de um convênio firmado por aquele estado com o Ministério da Integração Nacional.

O convênio se destina à obtenção de recursos necessários para aquisição de equipa-mentos para enfrentar períodos de seca no Nordeste, no âmbito do PAC (Programa de Acelera-ção do Crescimento) – Equipamentos.

No mérito, o governador pede seja julgado procedente o pedido para reconhecer a impossibilidade de utilização de valores oriundos de convênio, firmado entre o Estado da Paraí-ba com a União ou suas autarquias, para bloqueio ou penhora em processos trabalhistas, posto que tais práticas violam preceitos fundamentais.

O bloqueio foi determinado pelo juiz para pagamento de verba trabalhista de empre-gado público da Companhia de Desenvolvimento de Recursos Minerais do Estado da Paraíba (CDRM/PB), sociedade de economia mista estadual executora do convênio por meio da presta-ção de assessoria gratuita em projetos de extração mineral. A verba bloqueada refere-se a uma reclamação trabalhista movida contra essa empresa.

Poderia o juiz do trabalho ter determinado o bloqueio da Sociedade de economia mista prestadora de serviço público em virtude do não pagamento de débitos trabalhistas? O STF entendeu que NÃO!

• Como decidiu o STF:

O STF entendeu que sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios (CF, art. 100) e, por isso, impossibilitada

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de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da le-galidade orçamentária (CF, art. 167, VI) e da separação funcional dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 60, § 4º, III).

Diante desse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Nesse sentido, o STF entendeu que: “É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista, prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas”. (ADPF 275/PB, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 17.10.2018).

2) DIREITO PROCESSUAL PENAL

2.1) Embargos infringentes e calúnia eleitoral

• Calúnia Eleitoral (art. 324 do Código Eleitoral):

O delito de calúnia eleitoral possui previsão no art. 324 do Código Eleitoral, vejamos:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias--multa.§ 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a pro-pala ou divulga.§ 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é ad-mitida:I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absol-vido por sentença irrecorrível.

O delito em questão é um delito especial do art. 138 do CP. A esse tipo penal, o legis-lador apenas enxertou a elementar: “na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda”.

A conduta do tipo consiste, portanto, imputar falsamente a alguém fato definido como crime, na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda. Também é típica a condu-ta de propalar ou divulgar a falsa imputação.

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José Jairo Gomes explica as especificidades do delito em questão, vejamos:

A imputação falsa deve ocorrer: a) na propaganda eleitoral; ou b) visan-do fins de propaganda. No primeiro caso, a especificação feita no tipo deixa claro que só haverá calúnia eleitoral se ela for realizada na pro-paganda eleitoral. Abrange-se, pois, tanto a propaganda eleitoral feita no período regular (a partir de 5 de julho do ano das eleições), quanto a extemporânea ou antecipada. Outrossim, não importa a forma nem a mídia em que a propaganda é veiculada, abarcando a efetuada em co-mício, carro de som, autofalante, folheto, horário gratuito de rádio e te-levisão, Internet.No segundo caso, a imputação falsa deve visar “fins de propaganda”. As-sim, faz-se uma comunicação em local, mídia ou contexto que não são próprios de propaganda eleitoral. Entretanto, ressai da comunicação o propósito de propaganda e, pois, a intenção de que apresente alguma relevância nas eleições. Trata-se, então, de comunicação eleitoral dissi-mulada. Como exemplo dos aludidos locais, mídias e contextos, citem--se entrevistas veiculadas em rádio, televisão, blog na Internet, jornal e revista, propagandas partidária e intrapartidária; comunicação oficial em cadeia de rádio e televisão.Também é típica a conduta de “propalar ou divulgar” a falsa imputação. Esses termos são sinônimos, significando espalhar, difundir, apregoar. Pelo que, o agente leva a falsa imputação ao conhecimento de outras pessoas ou providencia para que elas a conheçam. (GOMES, José Jairo. Crimes e Processo Penal Eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. Pág. 107)

• Embargos infringentes:

Em primeiro lugar, é mister ressaltar que estamos tratando de processo penal. Essa advertência é importantíssima, uma vez que o NCPC acabou com os embargos infringentes e trouxe, em seu lugar, uma técnica de julgamento.

Vejamos:

CPC 73 CPC 15Art. 530. Cabem embargos infringentes quan-do o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosse-guimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que se-rão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em núme-ro suficiente para garantir a possibilidade

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de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. (...)

Cabe ressaltar que a técnica de julgamento trazida pelo NCPC não é considerada re-curso, uma vez que será implementada de ofício sem qualquer iniciativa da parte.

Explica Daniel Assumpção:

O Novo Código de Processo Civil retira o recurso de embargos infringen-tes do rol recursal, como se pode notar da mera leitura do art. 994, que prevê o rol das espécies de recursos.Entretanto, em seu art. 942 cria uma inovadora técnica de julgamento com propósitos muito semelhantes aos do recurso de embargos infrin-gentes, mas com natureza de incidente processual e não de recurso. (NE-VES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC comentado artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. Pág. 1.534).

Superada essa análise, no processo penal os embargos infringentes possuem previ-são no parágrafo único do art. 609 do CPP, vejamos:

Art. 609. (...) Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de se-gunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringen-tes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

Segundo Renato Brasileiro:

No âmbito do CPP, os embargos infringentes e de nulidade funcionam como a impugnação destinada ao reexame de decisões não unânimes dos Tribunais de 2ª instância no julgamento de apelações, recursos em sentido estrito e agravos em execução, desde que desfavoráveis ao acu-sado. Portanto, à semelhança do revogado protesto por novo júri, trata--se de recurso exclusivo da defesa. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de direito processual penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. Pág. 1742)

Qual a diferença entre os embargos infringentes e embargos de nulidade no processo penal?3

3 Tabela confeccionada de acordo com os ensinamentos de Renato Brasileiro.

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EMBARGOS INFRINGENTES EMBARGOS DE NULIDADEEmbargos infringentes são cabíveis quando o acórdão impugnado possuir divergência em matéria de mérito.

Embargos de nulidade são cabíveis quando o acórdão impugnado possuir divergência em matéria processual.

• Caso concreto:

De acordo com os autos, em outubro de 2010, o comitê de campanha do PDT foi ar-rombado e, na ocasião, foram furtados do local dois computadores. Em entrevista divulgada no jornal Gazeta de Alagoas, Ronaldo Lessa, então candidato ao cargo de governador de Alagoas, teria afirmado que o maior suspeito do crime era o governo, referindo-se, de acordo com a denúncia, ao então governador e candidato a reeleição, Teotônio Vilela Filho.

Em outubro de 2015, a Segunda Turma do Supremo manteve a condenação imposta ao deputado pela Justiça Eleitoral de Alagoas à pena de oito meses de detenção, convertida em prestação de serviços à comunidade, e 20 dias-multa de um salário mínimo cada.

A defesa interpôs os embargos infringentes e o relator, ministro Luiz Fux, negou se-guimento ao argumento de que o Plenário, no julgamento de embargos na AP 863, fixou como requisito de cabimento dos infringentes a existência de dois votos minoritários absolutórios em sentido próprio, conferindo nova interpretação ao artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Tribunal.

Em agravo regimental, a defesa do parlamentar defende o cabimento dos embargos diante da ausência, no julgamento da ação penal, de um dos ministros da turma. Salienta que foram proferidos três votos condenatórios, razão pela qual não se pode, para fins de rejeição dos infringentes, ter por contrário ao réu o voto não proferido pelo ministro ausente.

• Cabem embargos infringentes em matérias de competência originária dos tribu-nais?

Ao interpretar o parágrafo único, do art. 609 do CPP, a doutrina majoritária entende que não é cabível interposição de embargos infringentes contra decisões proferidas pelos Tri-bunais no âmbito de sua competência originária.

Nas palavras de Renato Brasileiro:

(...) tampouco se afigura cabível a interposição de embargos infringen-tes contra decisões proferidas pelos Tribunais no âmbito de sua compe-tência originária (foro por prerrogativa de função). Afinal, o art. 609, pa-rágrafo único, do CPP, refere-se expressamente à decisão não unânime de segunda instância. (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo

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Penal comentado: artigo por artigo. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. Pág. 1468)

Porém, há previsão no regimento interno4 do STF de embargos infringentes, vejamos:

Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Ple-nário ou da Turma.I – que julgar procedente a ação penal; II – que julgar improcedente a revisão criminal; III – que julgar a ação rescisória; IV – que julgar a representação de inconstitucionalidade; V – que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado.Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.

Portanto, não resta dúvidas que é possível embargos infringentes no âmbito da com-petência originária do STF. Ocorre que o parágrafo único traz somente o quorum de julgamento do plenário (composto pelos 11 ministros, onde deve haver o voto de 4 para que seja possível a interposição dos embargos infringentes).

Isso porque, à época da elaboração do Regimento interno do STF as ações penais eram julgadas tão somente pelo Plenário.

Isso quer dizer que não cabem embargos infringentes para turma do STF? NÃO!

O STF já decidiu isso no informativo 898 (AP 863 EI-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18 e 19/4/2018; HC 152707/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18 e 19/4/2018):

Cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida em sede de ação penal de competência originá-ria das Turmas do STF.O requisito de cabimento desse recurso é a existência de dois votos mi-noritários absolutórios em sentido próprio. (AP 863 EI-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18 e 19/4/2018; HC 152707/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18 e 19/4/2018).

4 Recepcionado pela CF/88 com força de lei ordinária.

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• Como entendeu o STF:

Afastada a preliminar de prescrição, o Supremo Tribunal Federal (STF) rememorou entendimento firmado na AP 863, segundo o qual os embargos infringentes são cabíveis contra acórdão condenatório não unânime, desde que proferidos dois votos absolutórios, em sentido próprio, no julgamento de mérito de ação penal pelas Turmas da Corte.

Consignou que, no entanto, o caso concreto impõe distinguishing, a permitir os in-fringentes com um voto absolutório em sentido próprio. O quórum na sessão estava incom-pleto. A Turma contava com quatro ministros e a exigência de dois votos conduziria, por si só, à absolvição do acusado. Além disso, a admissibilidade dos embargos deu-se em momento anterior à mencionada construção jurisprudencial.

Dessa maneira, excepcionalmente, o Tribunal reiterou a admissão dos embargos. A parte não pode ser prejudicada pela ausência do quórum completo.

Os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso aduziram que, havendo quatro votos com um divergente na linha da absolvição própria, o procedimento a ser adotado é aguardar-se a composição plena. A ministra Cármen Lúcia registrou conhecer dos embargos sem se vincu-lar ao posicionamento. O ministro Marco Aurélio frisou que a Turma funcionou com o quórum exigido regimentalmente suplantado e atuou como órgão revisor. O enfoque jurisprudencial a exigir dois votos vencidos ocorreu dois anos após o surgimento do interesse em recorrer. A situação jurídica em apreço se enquadrou no parágrafo único do art. 609 (1) do Código de Pro-cesso Penal (CPP).

Nesse sentido, o STF: “conheceu de embargos infringentes opostos de acórdão da Segunda Turma e deu-lhes provimento para absolver o acusado da prática do crime de calú-nia eleitoral”. (AP 929 ED-2º julg-EI/AL, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17.10.2018).

2.2) Prorrogação de competência e prerrogativa de foro:

• Conceito de foro por prerrogativa de função:

Alguns agentes, por conta de suas funções desempenhadas, possuem o direito de serem julgados em processos criminais5 por tribunais, chamamos a isto de foro por prerrogativa de função.

Renato Brasileiro explica:

5 Veja: o foro por prerrogativa de função é apenas para processos criminais, não englobando processos cíveis.

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Em face da relevância das funções desempenhadas por certos agentes, a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e a legislação infra-constitucional lhes conferem o direito de serem julgados por Tribunais. Cuida-se da denominada competência ratione funcionae. (LIMA, Rena-to Brasileiro de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. Pág. 483)

Observe que a competência é em razão da função e não em razão da pessoa. Isto porque a prerrogativa de foro busca resguardar a função exercida pelo agente6.

O instituto em debate possui razão de ser no sentido de que o legislador presumiu que os Tribunais possuem uma maior independência para julgar o acusado, sem que esse pos-sa utilizar de sua influência para interferir no resultado do processo.

• Onde pode-se prever regras acerca do foro por prerrogativa de função?

Em primeiro lugar, é mister ressaltar que, em regra, o foro por prerrogativa de função possui previsão apenas na Constituição Federal.

A exceção fica a cargo do art. 125, caput, §1º da CF/88 que autorizam as constituições estaduais a previsão de prerrogativa de foro para algumas autoridades, vejamos o dispositivo:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Es-tado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Desse modo, é possível, por exemplo, que a Constituição Estadual preveja foro por prerrogativa de função de vereadores e do vice-governadores7.

• Quais são as autoridades com foro por prerrogativa de função?

Em sua obra, Renato Brasileiro8 traz uma tabela com o resumo de onde serão jul-gadas as autoridades com foro por prerrogativa de função, vejamos:

6 É justamente por isso que é incorreto chamar o instituto de foro privilegiado, pois a palavra privilégio remete a uma espécie de reverência por conta da pessoa.

7 Nesse caso, lembrar da Súmula Vinculante 45: A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.

8 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. Pág. 521

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FUNÇÃO ESPÉCIE DE INFRAÇÃO ÓRGÃO JURISDICIONAL COMPETENTE

Presidente da RepúblicaCrime Comum STF

Crime de Responsabilidade SENADO FEDERAL

Vice-presidenteCrime Comum STF

Crime de Responsabilidade SENADO FEDERALDeputados federais e

SenadoresCrime Comum STF

Crime de Responsabilidade SENADO FEDERAL

Ministros do STFCrime Comum STF

Crime de responsabilidade SENADO FEDERALProcurador Geral da

RepúblicaCrime Comum STF

Crime de responsabilidade SENADO FEDERAL

Ministros de Estado e Co-mandantes da marinha, do Exército e da Aeronáutica

Crime Comum STFCrime de Responsabilidade STF

Crime Conexo com o presidente da república SENADO FEDERAL

Advogado Geral da UniãoCrime Comum STF

Crime de Responsabilidade Senado FederalMembros dos Tribunais Superiores, do TCU e os

chefes de missão diplomática de caráter

permanente

Crime Comum e de Responsabi-lidade STF

Governador de estadoCrime comum STJ

Crime de Responsabilidade Tribunal especial

Vice-Governador Crime comum e de Responsabi-lidade

Depende da constituição estadual

Desembargadores dos Tribunais de justiça dos

estados

Crime comum e crime de respon-sabilidade STJ

Desembargadores Fede-rais, membros dos TRE’s e

do Trabalho

Crime comum e crime de respon-sabilidade STJ

Deputados Estaduais

Crime Comum Depende da constituição estadual

Crime de responsabilidade Assembleia legislativa do estado.

Crime Federal TRFCrime eleitoral TRE

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Prefeitos

Crime comum TJCrime de Responsabilidade Câmara de vereadores

Crime Federal TRFCrime eleitoral TRE

• Entendimento anterior do STF:

Em primeiro lugar, cumpre salientar que os deputados federais e senadores possuem foro por prerrogativa de função que vai do ato de diplomação até o término do mandato, na forma do art. 53, §1º, da CF/88, vejamos:

Art. 53. (...) § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diplo-ma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Fede-ral.

Diante desse dispositivo, o entendimento que prevalecia no STF é que, se o deputa-do ou senador está sendo processado em 1ª instância por algum crime e é diplomado, os autos deveriam ser remetidos ao STF para julgamento.

• Da questão de ordem proposta pelo Min. Luís Roberto Barroso: mutação constitu-cional acerca do foro por prerrogativa de função9:

Ocorre que no julgamento da ação penal 937, o Min. Luís Roberto Barroso apresen-tou questão de ordem com proposta de debate de duas questões para que o supremo se mani-festasse:

Questão 1: restrição do foro por prerrogativa de função para que seja aplicado ape-nas aos crimes praticados após o exercício do mandato e em razão dele.

Nas palavras do Ministro:

A primeira diz respeito à possibilidade de se conferir interpretação res-tritiva às normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função, de modo a limitar tais competências jurisdicionais às acusações por crimes que tenham sido cometidos: (i) no cargo, i.e., após a diplomação do parlamentar ou, no caso de outras autoridades, após a investidura na posição que garanta o foro especial; e (ii) em razão do cargo, i.e., que guardem conexão direta ou digam res-

9 Todo o resumo do julgado foi extraído do voto do Rel. Min. Roberto Barroso: https://www.conjur.com.br/dl/voto--barroso-foro-especial.pdf

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peito ao desempenho do mandato parlamentar ou de outro cargo ao qual a Constituição assegure o foro privilegiado.

Questão 2: discussão do momento quando deveria ser fixada em definitivo a compe-tência do STF e, a partir daí não poderia mais ser modificada, evitando o que o ministro chamou de “sobe e desce” processual, que muitas vezes leva à prescrição10. O ministro sugeriu que fosse fixada após a instrução penal, por observância do princípio da identidade física do juiz.

Nas palavras do Ministro:

A segunda questão está relacionada à necessidade de se estabelecer um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais – seja do STF ou de qualquer outro órgão – não será mais afetada em razão de posterior investidura ou desinvestidura do cargo por parte do acusado (e.g., renúncia, não reeleição, eleição para cargo diverso). Em outras palavras: é preciso definir um determinado momen-to processual (como o fim da instrução processual) a partir do qual se dá a prorrogação da competência para julgamento da ação penal, indepen-dentemente da mudança de status do acusado, em razão, por exemplo, de ter deixado de ser Deputado Federal para se tornar Prefeito ou vice--versa. A esse propósito, o caso em exame é exemplo emblemático de como o “sobe e desce” processual frustra a aplicação do direito, geran-do prescrição de eventual punição, quando não em razão da pena em abstrato, ao menos tendo em conta a pena aplicada em concreto.

• Da disfuncionalidade do foro por prerrogativa de função:

Na visão do relator, o modelo atual do foro por prerrogativa de função acarreta duas consequências graves para justiça e para o STF e por isso precisa ser revista:

A primeira delas é afastar o tribunal de seu verdadeiro papel que é o de suprema corte, e não tribunal de primeiro grau. Tribunais superiores são criados para serem tribunais de teses jurídicas, e não para o julgamento de fatos e provas. Para embasar seu posicionamento, o ministro lembra do julgado do mensalão que ocupou o STF por 69 sessões. Ademais, como regra, o juízo de primeiro grau tem melhores condições para conduzir a instrução processual, tanto por estar mais próximo dos fatos e das provas, quanto por ser mais bem aparelhado para processar tais demandas com a devida celeridade, conduzindo ordinariamente a realização de interrogatórios, depoimentos, produção de provas periciais, etc.

10 Como esquecer a manobra que os políticos se utilizavam de quando o processo estava prestes a ser julgado re-nunciavam o mandato só para perder o foro especial e voltar para primeira instância?

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A segunda consequência é a ineficiência do sistema de justiça criminal. O Supremo Tribunal Federal não tem sido capaz de julgar de maneira adequada e com a devida celeridade os casos abarcados pela prerrogativa. O foro especial, na sua extensão atual, contribui para o congestionamento dos tribunais e para tornar ainda mais morosa a tramitação dos processos e mais raros os julgamentos e as condenações. Para embasar seu posicionamento, o ministro lembra que atualmente há no STF mais de 500 processos contra agentes políticos.

• Questão 1: quais os argumentos do Min. Roberto Barroso para justificar a redução do foro por prerrogativa de função?

O Min. Roberto Barroso justificou a necessidade de restrição do foro por prerrogativa de função em dois argumentos: a) exceções à isonomia devem ser interpretadas restritivamente e b) redução teleológica da norma.

a) Exceções a isonomia devem ser interpretadas restritivamente:

A prerrogativa de foro é, claramente, uma exceção ao principio republicado e ao prin-cípio da igualdade. Nesse sentido, toda exceção ao princípio da isonomia deve ser interpretada restritivamente, porque este possui preferência axiológica frente a outros princípios.

Nas palavras do Ministro:

A atual conformação do foro por prerrogativa de função constitui uma violação aos princípios da igualdade e da república, conferindo um pri-vilégio a um número enorme de autoridades, sem fundamento razoável. A igualdade formal veda as discriminações arbitrárias e todos os tipos de privilégios. Trata-se de fundamento central da noção de república. Nas Repúblicas, todos os cidadãos são iguais e devem estar sujeitos às mesmas normas. O princípio republicano, consagrado no art. 1º, caput, traduz também a ideia fundamental de responsabilização político-jurí-dica de todos os agentes estatais, sem exceção, pelos atos que pratica-rem. (...)Não há dúvida de que direitos e princípios fundamentais da Constitui-ção, como o são a igualdade e a república, ostentam uma preferência axiológica em relação às demais disposições constitucionais. Daí a ne-cessidade de que normas constitucionais que excepcionem esses princí-pios – como aquelas que introduzem o foro por prerrogativa de função – sejam interpretadas sempre de forma restritiva, de modo a garantir que possam se harmonizar ao sistema da Constituição de 1988

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b) Redução teleológica da norma:

Para o Ministro, não há qualquer impedimento para que o Supremo Tribunal Fede-ral interprete de forma restritiva as normas constitucionais que instituem o foro privilegiado. No caso, tais competências constitucionais são sobreinclusivas, já que, ao abrangerem a possi-bilidade de que autoridades sejam processadas originariamente perante tribunais por ilícitos inteiramente desvinculados de suas funções, distanciam-se da finalidade que justificou a cria-ção da prerrogativa.

Por isso, é possível fazer uma “redução teleológica” das mesmas para que sejam in-terpretadas como aplicáveis somente quanto aos crimes praticados no cargo e em razão dele.

Entenda: a proposta do ministro foi reduzir o alcance da norma para que ela possa ser interpretada de acordo com sua real finalidade.

A isso se chama redução teleológica da norma: o intérprete inclui uma exceção à nor-ma que está implícita em sua real finalidade.

Nas palavras do Ministro:

Embora se viesse interpretando a literalidade desse dispositivo11 no sentido de que o foro privilegiado abrangeria todos os crimes comuns, é possível e desejável atribuir ao texto normativo acepção mais restri-tiva, com base na teleologia do instituto e nos demais elementos de in-terpretação constitucional. Trata-se da chamada “redução teleológica” ou, de forma mais geral, da aplicação da técnica da “dissociação”, que consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente uma ou algumas das situações de fato previstas por ela se-gundo uma interpretação literal, que se dá para adequá-la à finalidade da norma. Nessa operação, o intérprete identifica uma lacuna oculta (ou axiológica) e a corrige mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo, mas extraída de sua própria teleologia. Como resultado, a norma passa a se aplicar apenas a parte dos fatos por ela regulados. A extração de “cláusulas de exceção” implícitas serve, assim, para concretizar o fim e o sentido da norma e do sistema normativo em gera.

11 O art. 102, I, ‘b’ e ‘c’, estabelece a competência do STF para “processar e julgar, originariamente, (...) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”, bem como “os Ministros de Estado e os Comandantes Militares, os membros dos Tribu-nais Superiores, os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”

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• Questão 2: necessidade de fixação definitiva da competência após o final da instru-ção processual:

Além da redução da interpretação quanto ao foro, o ministro também levou a discus-são acerca do marco temporal a partir do qual a competência para julgar ações penais não fosse mais afetada, a fim de evitar o chamado “sobe e desce” processual.

O ministro propôs que fosse ao final da instrução o momento para fixação da compe-tência em definitivo em respeito a identidade física do juiz, nas palavras do Ministro:

Por isso, proponho que a partir do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, seja prorrogada a competência do juízo para julgar ações penais em todos os graus de jurisdição. Desse modo, mesmo que o agente pú-blico venha a ocupar outro cargo ou deixe o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, isso não acarretará modificações de competência.

• Como decidiu o STF no caso em tela? Concordam com os argumentos do Rel. Min. Roberto Barroso?

SIM! O STF concordou com os argumentos do relator e firmou duas importantes teses acerca do foro por prerrogativa de função, vejamos quais foram:

Tese 1: O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções de-sempenhadas. (AP 937 QO/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 2 e 3.5.2018).

Tese 2: Após o final da instrução processual, com a publicação do despa-cho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. (AP 937 QO/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 2 e 3.5.2018).

SÍNTESE DA TESE 1:

SE O CRIME FOR PRATICADO ANTES DO EXER-CÍCIO DO MANDATO

A competência será sempre do juiz de 1ª ins-tância.

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SE O CRIME FOR PRATICADO APÓS O EXERCÍCIO DO MANDATO

Possui relação com as funções? SIM! Terá foro privilegiado. Ex: Corrupção passiva. Possui relação com as funções? NÃO! Então não terá foro privilegiado. Ex: lesão corporal.

SÍNTESE DA TESE 2:

Ex: se um deputado federal estiver respondendo a um processo criminal no STF e renunciar ao mandato, cessa a competência do STF para julgá-lo, a não ser que a instrução processual já estiver concluída com intimação para apresentação de alegações finais.

• A partir de quando essa nova interpretação começa a valer?

O STF registrou que essa nova linha interpretativa deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedente firmado no Inq 687 QO/SP (DJU de 25.8.1999).

• Agravo Regimental:

Da decisão supramencionada, foi interposto agravo regimental.

Finalizada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para serem apresentadas as alegações finais, mantém-se a competência do Supremo Tribunal Fede-ral (STF) para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que referen-temente a crimes não relacionados ao cargo ou função desempenhada.

Sob essa orientação, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regi-mental interposto em face de decisão que, com base no que decidido na Ação Penal (AP) 937, deslocou o processo para a primeira instância a fim de que fosse julgado o delito cometido quando o réu exercia cargo público estadual em momento anterior ao início do exercício do mandato de parlamentar federal .

O Colegiado entendeu que, no caso em comento, toda a instrução processual penal ocorrera no STF, tendo sido apresentadas as alegações finais pela acusação e pela defesa. Uma das teses firmadas no julgamento da AP 937 foi precisamente a de que, após a instrução crimi-nal, a competência do Tribunal se prorroga.

No referido precedente, o Plenário firmou as seguintes teses: a) “O foro por prer-rogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”; e b) “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência

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para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. A tese “b” – preservação da competência após o final da instrução processual – deve ser aplicada mesmo quando não for o caso de aplicação da tese “a”, ou seja, preserva-se a competência do STF na hipótese em que tenha sido finalizada a instrução processual, mesmo para o julgamento de acusados da prática de crime cometido fora do período de exercício do cargo ou que não seja relacionado às funções desempenhadas. (AP 962/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 16.10.2018).

3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL

3.1) Indeferimento de “Amicus curiae” e irrecorribilidade:

JULGADO MUITO IMPORTANTE! ATENÇÃO! VAI CAIR!

• Intervenção de Amicus Curiae:

Segundo Didier, o amicus curiae é o terceiro que, espontaneamente, a pedido da par-te ou por provação do órgão jurisdicional, intervém no processo para fornecer subsídios que possam aprimorar a qualidade da decisão.

Segundo o autor:

A intervenção do amicus curiae não se confunde com a participação do perito. A perícia é meio de prova, e, pois, de averiguação do substrato fático. O perito é auxiliar do juízo. O amicus curiae, que é parte, dá a sua opinião sobre a causa, em toda a sua complexidade, sobretudo nas questões técnico-jurídicas. Além disso, não há honorários para o amicus curiae, nem se submete ele às regras de impedimento e suspeição. (DI-DIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: Volume 1. Salva-dor: Juspodivm, 2017. 19ª edição Pág. 588-589).

Cumpre salientar que com a edição das leis que regulamentam os processos de con-trole concentrado de constitucionalidade (leis 9.868/99 e 9882/99), a intervenção do amicus curiae aprimorou-se: não mais se identificava previamente quem deva ser o auxiliar e se permi-tiu a intervenção espontânea, pois até então a intervenção era somente provocada.

Destarte, pela primeira vez o Código de Processo civil de 2015 regulou a intervenção do amicus curiae. O art. 138 do referido código trata do assunto, vejamos:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a es-pecificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da con-

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trovérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especia-lizada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de compe-tência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Assim, verifica-se que com a edição do novel código, a intervenção do amicus curiae passou a ser possível em qualquer processo, desde que se trate de causa relevante ou com tema muito específico ou que tenha repercussão social.

• Recorribilidade da decisão que admite ou solicita a intervenção de animus curiae:

Conforme podemos observar claramente do art. 138 do NCPC supramencionado, o juiz poderá por decisão irrecorrível admitir ou solicitar intervenção de animus curiae.

Porém, a decisão DENEGATÓRIA do amicus curiae gerava grande polêmica na dou-trina, de modo que uma boa parte dos estudiosos entendiam que essa decisão era recorrível. Vejamos, nesse sentido, o que ensina Fredie Didier:

A decisão que admite ou solicita a intervenção do amicus curiae é irrecorrível (art. 138, caput, CPC). A decisão que rejeita o pedido de intervenção do amicus curiae é recorrível.

O STF concorda com esse entendimento doutrinário? NÃO! ATENÇÃO PARA ESSE EN-TENDIMENTO!

• Como entendeu o STF:

O STF, por maioria, não conheceu de agravo regimental em recurso extraordinário interposto pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP) e pelo Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (SINDIPROESP) contra a decisão que indeferiu sua admissão no processo como interessados.

No recurso extraordinário, discute-se a possibilidade de, ante o mesmo credor, exis-tir a distinção do que recebido, para efeito do teto remuneratório, presentes as rubricas proven-tos e pensão.

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O Colegiado considerou que a possibilidade de impugnação de decisão negativa em controle subjetivo encontra óbice

(i) na própria ratio essendi da participação do colaborador da Corte; e

(ii) na vontade democrática exposta na legislação processual que disciplina a matéria.

Asseverou que o art. 138 do Código de Processo Civil (CPC) é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a participação, no processo, de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso contra essa decisão. O art. 7º da Lei 9.868/1999, de igual modo, é inequívoco nesse sentido.

O Colegiado afirmou, também, que o amicus curiae não é parte, mas agente cola-borador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita.

Ressaltou, ainda, os possíveis prejuízos ao andamento dos trabalhos da Corte decor-rentes da admissibilidade do recurso, sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae.

Com base nesse entendimento, o STF entendeu que: “É irrecorrível a decisão DENE-GATÓRIA de ingresso, no feito, como amicus curiae”. (RE 602584 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, 17.10.2018).

4) DIREITO TRIBUTÁRIO

4.1) Imunidade recíproca e Programa de Arrendamento Residencial (PAR):

• Imunidade:

Em primeiro lugar, cumpre salientar que imunidades são limitações constitucionais ao poder de tributar. Portanto, pode-se dizer que é uma norma constitucional de desoneração tributária. Assim, a imunidade tributária é uma hipótese de não incidência do tributo.

Nesse sentido, ensina o Ricardo Alexandre:

As imunidades são limitações constitucionais ao poder de tributar con-sistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmen-te conferida aos entes políticos. (ALEXANDRE. Ricardo. Direito tributá-rio. 11ª Edição. 2017. Editora Juspodivm. Pág 202)

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É preciso não confundir isenção, não incidência e imunidade. Vejamos a tabela abai-xo para melhor elucidação12:

ISENÇÃO NÃO INCIDÊNCIA IMUNIDADEÉ a dispensa legal do pagamen-to do tributo: feita por lei.

É a situação em que a regra ju-rídica de tributação não incide porque não se realiza a sua hi-pótese de incidência, ou seja, não se configura seu suporte fático.

É o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determi-nada pessoa.Obs: É possível dizer-se que a imunidade é uma forma qualificada de não incidên-cia.

• Imunidade recíproca:

Dentre as várias espécies de imunidade tributária, uma delas é a imunidade recípro-ca prevista no art. 150, VI, “a”, da CF/88, vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

O Supremo Tribunal Federal (na ADI 939) já entendeu que se trata de cláusula pétrea, por configurar importante regra protetiva do pacto federativo ao impedir a sujeição de um ente federativo ao poder de tributar do outro.

Veja que o texto constitucional é claro ao mencionar que a imunidade recíproca abrange tão somente os impostos. Ricardo Alexandre explica:

Conforme já ressaltado, a imunidade recíproca somente se aplica aos impostos, não impedindo, a título de exemplo, que um Município insti-tua taxa pela coleta domiciliar de lixo, cobrando-a, também, pelo servi-ço prestado nas repartições públicas federais e estaduais localizadas em seu território. (ALEXANDRE. Ricardo. Direito tributário. 11ª Edição. 2017. Editora Juspodivm. Pág. 210).

12 Tabela confeccionada com base na obra: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. Pág. 233

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Também, é importante relembrar que, por força do §2º do citado art. 150, a imuni-dade em questão também é extensiva às autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. É o que a doutrina chama de imunidade tributária recíproca extensiva.

• O programa de arrendamento residencial (PAR) possui imunidade recíproca?

O STF entendeu que SIM!

• Como entendeu o STF:

O acórdão recorrido, proferido por tribunal regional federal, manteve decisão que rejeitara a exceção de pré-executividade, sob fundamento de que a Caixa Econômica Federal (CEF) não goza de imunidade tributária na hipótese de propriedade fiduciária em programa de arrendamento residencial.

A parte recorrente alegou que o imóvel tributado pela municipalidade pertence ao apontado programa residencial, de propriedade da União, razão pela qual é abrangido pela imunidade tributária recíproca.

De início, o Colegiado discorreu sobre os pressupostos dogmáticos que determina-ram a positivação das normas de imunidade nos ordenamentos constitucionais. A partir deles seria possível verificar se os requisitos e pressupostos da criação, existência e manutenção de imunidades recíprocas, num regime federalista, estariam presentes na hipótese.

Com base no histórico da Suprema Corte norte-americana sobre o tema, foram iden-tificados dois requisitos para fins de reconhecimento da imunidade. O primeiro se refere à tri-butação de um ente federado em relação ao outro. Haverá imunidade se essa tributação for ca-paz de impedir, reduzir ou interferir, ainda que potencialmente, na independência do exercício das competências constitucionais de outro. Como segundo requisito, a imunidade recíproca somente deve ser reconhecida no exercício de políticas públicas decorrentes de competências governamentais, não tendo incidência em questões de natureza comercial.

Entretanto, os fatores subjetivo e finalístico não são os únicos a condicionar a in-cidência da norma constitucional de imunidade, apesar de relevantes. É preciso considerar a existência de estratégias de organização administrativa do Estado que podem implicar conse-quências prejudiciais para o equilíbrio econômico.

Quando, além da desvinculação às finalidades públicas, houver risco de perturbação para a ordem econômica, a subsistência da norma imunizante torna-se criticável, ante a neces-sidade de preservar o equilíbrio concorrencial decorrente da livre iniciativa. Essa é a razão da previsão do art. 173, § 2º, da CF, que exclui da imunidade recíproca o patrimônio de empresas públicas e sociedades de economia mista, por não poderem gozar de privilégios fiscais não ex-tensíveis ao setor privado.

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Assim, a proteção imunizante em análise será inaplicável quando inconteste que bem imóvel do patrimônio de ente federativo não está afetado a qualquer destinação social, funcionando apenas como elemento para alavancar o desempenho de atividade particular de propósitos exclusivamente econômicos.

No julgamento do Tema 385 da Repercussão Geral (RE 594015), esta Corte fixou a tese de que a imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público quando esta explorar atividade econômica com fins lucrativos.

Para o Colegiado, no entanto, esse precedente não se aplica à presente hipótese, pois há tanto o fator subjetivo quanto o finalístico da imunidade, além de a estratégia de orga-nização administrativa utilizada pelo Estado não implicar qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico ou à livre iniciativa, não havendo cogitar a possibilidade de atividade comercial.

O Colegiado asseverou que a União criou uma estrutura organizacional para cumprir uma competência que a Carta Magna determina, ligada diretamente à efetividade do direito de moradia – uma das mais importantes previsões de direitos sociais – e em consonância com o objetivo fundamental de redução de desigualdades sociais, consagrados respectivamente nos arts. 6º, caput , e 3º, III, da Carta Magna.

Não há desigualdade maior, nada que marginalize mais, do que não ter um lar para si e para a sua família para, a partir daí, desenvolver todas as suas atividades do dia a dia. Isso é mais do que uma política pública, mais do que uma atividade governamental, são determina-ções expressas da Constituição.

A partir desses mandamentos, a União – tanto o Executivo quanto o Legislativo – implementou o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), por meio de medida provisória, posteriormente convertida na Lei 10.188/2001.

E como a União não pode gerir esse programa por meio de sua Administração Direta, a tarefa coube à CEF, braço instrumental do programa. Não há exploração de atividade econô-mica, mas prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União e cuja operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, vi-sando à consecução de direito fundamental.

A CEF é apenas a administradora do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), cons-tituído de patrimônio único e exclusivo da União Federal e somente administrado e operaciona-lizado pela empresa para fins de consecução do programa. A CEF não teve aumento patrimonial nem se beneficiou do programa. Não houve confusão patrimonial, e o serviço não concorreu com o mercado privado.

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O PAR destina-se à população cuja renda familiar mensal não ultrapasse, em média, dois mil reais, sendo excepcionalmente elevado para dois mil e oitocentos reais no caso de mi-litares das forças armadas e profissionais da área de segurança pública.

Esses limites de renda ressaltam o caráter eminentemente social do programa e de-monstram que a concessão de imunidade tributária em relação aos imóveis que o integram não representa risco relevante à livre concorrência, uma vez que os arrendamentos residenciais a ele vinculados abrangem grupo específico de pessoas de baixa renda. A iniciativa privada, por sua vez, não oferece nenhum programa nesse sentido.

Ainda que seus beneficiários façam o pagamento de contraprestação pelo uso e pela eventual aquisição das moradias arrendadas, as receitas provenientes das operações de arren-damento e das aplicações de recursos destinados ao programa são utilizadas para amortização das operações de crédito contratadas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma compensação.

Ademais o art. 3º, § 4º, da Lei 10.188/2001 impõe que o saldo positivo existente ao final do programa seja integralmente revertido à União. Assim, não só o programa é financiado essencialmente por recursos da União como também terá, ao seu final, o saldo positivo inte-gralmente revertido em seu benefício.

Em conclusão, o Tribunal asseverou que todos os pressupostos da incidência da imu-nidade recíproca foram cumpridos. O PAR representa política habitacional da União, tendo a finalidade de garantir a efetividade do direito à moradia e a redução da desigualdade social. Tra-ta-se do legítimo exercício de competências governamentais, mesmo que a CEF seja instrumen-to de sua execução. Não existe nenhuma natureza comercial ou prejuízo à livre concorrência.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 884 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a execução fiscal relativamente aos valores cobrados a título de IPTU.

O STF, com base nesse entendimento, entendeu que: “Os bens e direitos que inte-gram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado pela Lei 10.188/2001, beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal (CF)”. (RE 928902/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 17.10.2018).