Acórdão da RP de 18/09/2013

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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 67/10.3IDPRT.P1 Nº Convencional: JTRP000 Relator: ÉLIA SÃO PEDRO Descritores: RGIT CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADO PREJUÍZO DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A 15.000€ Nº do Documento: RP2013091867/10.3IDPRT.P1 Data do Acordão: 18-09-2013 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO Área Temática: . Sumário: O crime de fraude fiscal apenas será qualificado se, para além da ocorrência de, prelo menos, duas das suas circunstâncias agravativas, as mesmas forem aptas a causar um prejuízo ou a diminuição de vantagens tributárias no valor de, pelo menos, 15.000€. Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso Penal 67/10.3IDPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No Tribunal Judicial de Matosinhos, 2º Juízo Criminal, procedeu-se ao julgamento em processo comum e perante tribunal singular, dos arguidos: 1º - “B…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º .., …, em …, com o NIPC ………, representada até 9 de Maio de 2007 pelo arguido C… e após essa data por D… e E…; 2º - F…, divorciado, nascido em 25 de Julho de 1968, na freguesia …, concelho da Maia, filho de G… e de H…, titular do B.I. n° ……..; 3º - “I…, Lda.”, com sede na Rua …, n° …, .° frente, em …, Porto, com o NIPC ………, representada pelo arguido J…; e 4º - J…, nascido em 19 de Julho de 1951, na freguesia …, concelho de Celorico de Basto, filho de K…, titular do C.C. n° …………, residente na Rua …, …, ….-… …, Maia, Aos referidos arguidos foi imputada a prática de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelo art. 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 05-06). Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida a seguinte decisão condenatória (transcrição): Nestes termos e pelos fundamentos aduzidos, o tribunal decide: a) Condenar o arguido J…, como co-autor, na forma consumada, de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses; b) Condenar a arguida “I…, Lda.”, como co-autora, na forma consumada, de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euro), perfazendo a multa global de € 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta euro); c) Condenar a arguida “B…, Lda.”, como co-autora, na forma consumada, de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 120,00 (cento e vinte euro), perfazendo a multa global de € 18.000,00 (dezoito mil euro); d) Condenar cada um dos arguidos referidos nas alíneas a) a c) deste dispositivo no pagamento das custas do processo fixando-se a taxa de justiça em 3 UC para cada um”. Inconformada com a sua condenação, a arguida “B…, Lda.” recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as conclusões seguintes (transcrição): “1ª.Conforme consta dos autos, os factos de que a arguida vem acusada foram

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Crime de fraude fiscal

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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do PortoProcesso: 67/10.3IDPRT.P1Nº Convencional: JTRP000Relator: ÉLIA SÃO PEDRODescritores: RGIT

CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADOPREJUÍZO DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A 15.000€

Nº do Documento: RP2013091867/10.3IDPRT.P1Data do Acordão: 18-09-2013Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REC PENALDecisão: PROVIDO PARCIALMENTEIndicações Eventuais: 1ª SECÇÃOÁrea Temática: .Sumário: O crime de fraude fiscal apenas será qualificado se, para além da ocorrência de, prelo

menos, duas das suas circunstâncias agravativas, as mesmas forem aptas a causar umprejuízo ou a diminuição de vantagens tributárias no valor de, pelo menos, 15.000€.

Reclamações:Decisão Texto Integral: Recurso Penal 67/10.3IDPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. RelatórioNo Tribunal Judicial de Matosinhos, 2º Juízo Criminal, procedeu-se ao julgamento emprocesso comum e perante tribunal singular, dos arguidos:1º - “B…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º .., …, em …, com o NIPC ………, representadaaté 9 de Maio de 2007 pelo arguido C… e após essa data por D… e E…; 2º - F…, divorciado, nascido em 25 de Julho de 1968, na freguesia …, concelho daMaia, filho de G… e de H…, titular do B.I. n° ……..; 3º - “I…, Lda.”, com sede na Rua …, n° …, .° frente, em …, Porto, com o NIPC ………,representada pelo arguido J…; e4º - J…, nascido em 19 de Julho de 1951, na freguesia …, concelho de Celorico deBasto, filho de K…, titular do C.C. n° …………, residente na Rua …, …, ….-… …, Maia, Aos referidos arguidos foi imputada a prática de um crime de fraude (fiscal) qualificada,p. e p. pelo art. 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 05-06).Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida a seguinte decisãocondenatória (transcrição):“Nestes termos e pelos fundamentos aduzidos, o tribunal decide:a) Condenar o arguido J…, como co-autor, na forma consumada, de um crime de fraude(fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001,de 05.06), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na suaexecução pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses;b) Condenar a arguida “I…, Lda.”, como co-autora, na forma consumada, de um crimede fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT(Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, àtaxa diária de € 15,00 (quinze euro), perfazendo a multa global de € 6.750,00 (seis mil,setecentos e cinquenta euro);c) Condenar a arguida “B…, Lda.”, como co-autora, na forma consumada, de um crimede fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT(Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxadiária de € 120,00 (cento e vinte euro), perfazendo a multa global de € 18.000,00(dezoito mil euro);d) Condenar cada um dos arguidos referidos nas alíneas a) a c) deste dispositivo nopagamento das custas do processo fixando-se a taxa de justiça em 3 UC para cadaum”. Inconformada com a sua condenação, a arguida “B…, Lda.” recorreu para este Tribunalda Relação, terminando a motivação com as conclusões seguintes (transcrição):“1ª.Conforme consta dos autos, os factos de que a arguida vem acusada foram

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praticados por um sócio e gerente que nada tem que ver com a actual gerência, emperíodo anterior à actual gerência e foi esta gerência e não a outra que deu toda acolaboração às autoridades tributárias e que cumpriu com o pagamento dos impostosque a autoridade tributária apurou e ainda com todos os acréscimos legais a que estavaobrigada.Dito isto,2ª Considerou o Tribunal “a quo” que o quantitativo diário da pena de multa considerou“(…) os elementos disponíveis sobre a situação económica das arguidas – relevandoactividade regular e consistente da B…, incluindo com lucro, e a inactividade total daI…, ainda que seja sociedade por quotas”.3ª Tal situação é penalizadora pois que a arguida B… que pagou tudo o que resultou dainvestigação das autoridades tributárias e acréscimos, que tem actividade regular, e terátido lucro, tem um quantitativo diário de pena de multa superior à sociedade I… queemitiu as facturas em causa em data posterior à sua cessação de actividade – comoresulta provado -, pelas quais auferiu um rendimento – ainda que o valor do mesmo nãotenha sido apurado – e que sai beneficiada pelo facto de não ter qualquer actividade.4ª. O pagamento pela recorrente do montante de € 18.000,00 de multa corresponde acerca de 32% do valor da vantagem patrimonial por ela obtida e que foi apurada pelaautoridade tributária,5ª. Vantagem patrimonial essa que já foi restituída a quem de direito!6ª. A avaliação da situação económica da recorrente pelo Tribunal a quo não especificaa que ano se refere: se ao ano da prática dos factos, se ao ano transacto, se ao anoactual.7ª. Em 2011 o lucro da arguida recorrente foi de € 24.399,00 antes de impostos e depoisde impostos cerca de € 13.142,00 (treze mil cento e quarenta euros), representado €18.000,00 de condenação um valor que ultrapassa largamente o valor do lucro do anotransacto.8ª. No ano de 2012, a recorrente não espera sequer ter esse lucro!Acresce que,9ª A actual conjuntura do mercado, a crise vivida pelo sector empresarial, aliada aoincumprimento por parte de alguns clientes da recorrente e à condenação da arguida nopagamento de € 18.000,00, poderá colocar em causa o futuro da empresa. 10ª. A condenação da recorrente surge apenas e só porque o Tribunal a quo nãoprocedeu ao correcto enquadramento dos factos de que aquela vinha acusada.11ª. O Tribunal a quo afirmou que “(…) o artigo 103º, nº. 2 do RGIT não se aplica aocrime de fraude fiscal qualificado previsto no artigo 104º do RGIT (ou às alíneas b) a f)do nº. 3 do RJIFNA), e, por conseguinte, que se mantém a responsabilidade criminalmesmo que o valor da vantagem patrimonial associada seja inferior a € 15.000,00”.12ª. E concluiu que, “(…) devem os arguidos ser condenados com referência a todos osvalores provados e não apenas quanto aos valores das declarações fiscais queexcedem a quantia de € 15.000,00.”Porém, 13ª. O artigo 104º, n.º 1 do RGIT refere que “os factos previstos no artigo anterior (…)”sem impor qualquer limitação ao número do antigo 103º que deverá ser tido em conta -é a própria lei que remete para o corpo de todo o artigo 103º do RGIT, incluindo o seunúmero 2 que limita a existência de fraude qualificada à vantagem patrimonial ilegítimaquando for superior a € 15.000,00.14.ª E o artigo 103º, n.º 3 do RGIT estabelece que “para efeitos do disposto nosnúmeros anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislaçãoaplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”15ª. No caso em apreço, o Tribunal a quo deu como provado que a vantagempatrimonial ilegítima em sede de IVA da sociedade arguida recorrente foi no ano de2005, correspondente a:- 1º trimestre - € 6.108,89;- 2º trimestre - € 3.828,76;- 3º trimestre - € 4.097,66;- 4º trimestre - € 5.318,05, e em sede de IRC de € 26.713,49. Já no ano de 2006, o Tribunal a quo deu como provado que a vantagem patrimonialilegítima em sede de IVA da sociedade arguida recorrente foi, no ano de 2006,correspondente a:- 1º trimestre - € 2.762,27;- 2º trimestre - € 563,62;- 3º trimestre - € 499,04;

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- 4º trimestre - € 631,26, e em sede de IRC de € 6.180,05.16ª. Assim, e de acordo com o previsto no artigo 103º, nº. 2 e 3 do RGIT, apenas avantagem patrimonial ilegítima obtida na declaração de IRC do ano de 2005 seenquadra no crime de fraude fiscal qualificada, porquanto todas as outras declaraçõesapresentam valores muito inferiores a € 15.000,00 sendo contra-ordenações.17ª. A condenação da arguida relativamente a apenas uma declaração de IRC de 2005no montante de € 26.713,49 deveria respeitar uma especial atenuação da pena querquanto ao número de dias (conforme aconteceu), mas também quanto ao quantitativodiário da pena de multa, a qual nunca poderia ser superior à que foi aplicada àsociedade co-arguida I….”

Respondeu o MP junto do Tribunal recorrido, pugnando pela manutenção da decisãorecorrida. Nesta Relação, o Ex.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do parcialprovimento do recurso, por entender que a “fraude simples ou qualificada só assumedignidade penal quando a conduta do agente se mostre idónea a obter uma vantagempatrimonial ilegítima igual ou superior a € 15.000,00 euros, nos termos do art. 103º, n.º2, do RGIT”. Daí que a arguida/recorrente apenas possa ser condenada relativamente àdeclaração apresentada à Administração Fiscal referente ao ano de 2005, uma vez quesó nesse caso a vantagem fiscal ilegítima (no valor de € 26.713,49) se reporta a umvalor superior a 15.000,00 euros. Considerou todavia o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto que “… o quantitativo da taxa diáriadas multas fixadas para cada uma das sociedades arguidas (…) se mostra adequado erazoável, face à situação económica e financeira e aos encargos que cada uma delassuporta (…)”. E concluiu que “… as restantes condutas dos arguidos são susceptíveis de integrar aprática de contra-ordenação, de falsificação e viciação de documentos fiscalmenterelevantes, da previsão do art. 118º do RGIT, pelo que, nessa parte, devem os autosprosseguir para julgamento, por convolação daquelas condutas de crimes em contra-ordenações.”

Cumprido o disposto no art. 417º, 2 do CPP, a recorrente respondeu, aceitando aqualificação do Ex.º Procurador-Geral Adjunto relativamente aos factos dados comoprovados, mas pugnando pela aplicação de uma taxa diária da multa bastante inferiorao que foi aplicado.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência. 2. Fundamentação2.1. Matéria de factoA sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto (transcrição):“(…)Factos provados.Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa e comexclusão de conclusões e conceitos jurídicos:a) A “B…, Lda — adiante apenas designada por “B…” — é sujeito passivo de Impostosobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrado no regime normal de periodicidademensal, e é tributada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)pelo exercício da actividade de “cedência temporária de trabalhadores” (CAE …..).b) O arguido C… foi gerente da “B…” desde a data de constituição da sociedade até aodia 9 de Maio de 2007, data em que renunciou à gerência (que passou a ser exercidapor D… e por E…).c) A “I…, Lda.” — adiante apenas designada por “I…” — é tributada em Imposto sobre oRendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo exercício da actividade de “construçãode edifícios” (CAE …..) desde 5 de Agosto de 1999, tendo cessado para efeitos de IVAem 31 de Agosto de 2007. d) O arguido J… é gerente da “I…” desde a data de constituição da sociedade. e) A “I…” não possuiu trabalhadores inscritos na segurança social, não celebrouqualquer contrato de trabalho nos anos de 2005 e de 2006 e tem o alvará de construçãocancelado desde 31 de Janeiro de 2005. f) Contudo, durante o exercício dos anos de 2005 e de 2006, a “I…” emitiu as seguintesfacturas em nome da empresa “B…” que, segundo a descrição nelas inscrita, respeitama “recuperação de peças, triagem e recuperação de peças, serviços prestados demanutenção e horas da responsabilidade da B…”, e sem que nelas sejam especificados

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os trabalhos realizados, nem sejam referidos contratos, orçamentos ou autos demedição:

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g) Nenhuma das mencionadas facturas corresponde a serviços efectivamente prestadosà “B…”, pois a “I…” não prestou à “B…” os serviços indicados nas facturas. h) Consequentemente, a utilização por parte da “B…” das aludidas facturas teve comoconsequência a dedução indevida de IVA, o empolamento dos custos, e a diminuição damatéria tributável, para efeitos de IRC, que implicaram a obtenção de vantagempatrimonial. i) Assim, a “B…”: a. em sede de IVA, ao fazer constar o imposto suportado nas facturas sabendo que elasnão correspondiam a serviços efectivamente prestados, obteve as seguintes vantagenspatrimoniais: i. -Em 2005:1. 1º 1ºtrimestre — 6.108,89€; 2. 2ºtrimestre — 3.828,76€;3. 3°trimestre — 4.097,66€; 4. 4ºtrimestre — 5.318,05€;ii. -Em 2006:5. 1ºtrimestre — 2.762,27€;6. 2°trimestre — 563,62€; 7. 3°trimestre — 499,04€; 8. 4ºtrimestre — 63 1,26€;b. E, em sede de IRC (em que a vantagem patrimonial corresponde ao imposto quedeixou de ser pago, por força dos custos indevidamente declarados):ii. Em 2005: 26.713,49€;iii Em 2006: 6.180,05€. j) Assim, nos exercícios do ano de 2005 e do ano de 2006, a “B…” obteveilegitimamente as vantagens patrimoniais acima indicadas, k) Tendo a obtenção dessas vantagens patrimoniais sido, conscientemente, facultadapelo arguido J… e pela arguida “I…”.l) O arguido C… actuou sempre com o propósito, conseguido, de obter para a sociedade

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por si representada, a arguida “B…”, benefícios económicos que sabia serem ilegítimos,à custa da diminuição do património do Estado, e ainda de utilizar as importânciasmonetárias correspondentes pelo menos em proveito da arguida “B…”, não obstantesaber que tais quantias não lhe pertenciam, nem à sociedade arguida, mas sim aoEstado.m) O arguido J… e a arguida “I…”, por aquele representada, tinham igual conhecimentoe propósito, tendo concretamente atuado com a intenção de que a sociedade B…obtivesse os aludidos benefícios patrimoniais com a utilização das ditas faturas semcorrespondência com serviços prestados.n) Todos os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, em acção conjuntae concertada, tendo perfeito conhecimento de que as suas condutas não erampermitidas. o) A arguida “B…” já regularizou a sua situação tributária através de declarações fiscaisrectificativas e do pagamento integral dos montantes de imposto acima referidos (IVA eIRC dos anos de 2005 e de 2006) e acréscimos legais.Outros factos provadosp) Quanto à arguida “B…”:a. Fatura cerca de € 1.300.000,00 anuais;b. Tem lucro de pelo menos € 50.000,00 anuais;c. Tem cerca de 70 trabalhadores.q) Quanto à arguida “I…”:d. Está inativa.r) Quanto ao arguido J…:a. Está reformado;b. Reside sozinho em casa arrendada, sendo a renda mensal de € 6,00;c. Tem dois filhos maiores de idade;d. Tem a 4ª classe;e. Não tem antecedentes criminais. i. Factos não provados.Não se provaram os seguintes factos relevantes: O arguido C… locupletou-se dos valores referidos nos factos provados em benefício doseu património pessoal e em detrimento da sociedade por si representada na altura.Motivação (…)”.2.2. Matéria de DireitoApenas a arguida “B…, LDA” recorreu da decisão condenatória, insurgindo-sefundamentalmente contra a medida da pena de multa aplicada, embora com ofundamento de que as condutas que isoladamente consideradas não causaram umprejuízo igual ou superior a € 15.000,00 não podiam ter sido consideradas comointegrando a prática do crime de “fraude fiscal qualificada” por que foi condenada.Pugna assim, e em suma, por uma medida concreta da pena de multa maisbenevolente. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a tesesegundo a qual só integravam o crime de fraude fiscal qualificada as condutas que,isoladamente, causassem um prejuízo igual ou superior a €15.000,00, defendendo que(i) tal qualificação jurídica deve ser tomada em conta e “(…) daí que aarguida/recorrente apenas possa ser condenada relativamente à declaraçãoapresentada à Administração Fiscal referente ao ano de 2005, uma vez que só nessecaso a vantagem fiscal ilegítima (no valor de € 26.713,49) se reporta a um valor superiora 15.000,00 euros”; (ii) os efeitos do recurso, nessa parte mais favoráveis, devemestender-se aos arguidos não recorrentes; (iii) apesar disso, deve manter-se oquantitativo diário da pena de multa fixada no Tribunal “a quo” e, (iv) relativamente àscondutas cujo prejuízo fiscal foi inferior a 15.000,00 euros, devem convolar-se os crimesem contra-ordenações e prosseguir os autos com vista à punição de tais condutas.Tendo em conta as conclusões da recorrente e o parecer do Ex.º Procurador-GeralAdjunto nesta Relação, o objecto do recurso é o seguinte: (i) saber se o crime de fraudefiscal agravada ocorre (ainda) relativamente a cada uma das condutas que não tenhacausado um prejuízo igual ou superior a 15.000,00 euros e, (ii) na negativa, quais asconsequências de tal entendimento na esfera jurídica da recorrente e dos demaisarguidos a quem a procedência do recurso possa aproveitar. Apreciaremos assim as duas questões. (i) Fraude fiscal agravadaA decisão recorrida entendeu que os arguidos cometeram um único crime de fraude

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fiscal agravada e, por isso, condenou-os com referência a todos os valores provados enão apenas aos valores das declarações fiscais que igualavam ou excediam a quantiade 15.000,00 euros. Como deu conta o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto no seu douto parecer, a questão emcausa tem tido respostas diferentes da jurisprudência. Concordando com a tese dasentença recorrida, pode ver-se o acórdão da Relação de Guimarães, de 18 de Maio de2009, proferido no processo 352/02.8IDBRG.G1.Em sentido contrário, podem ver-se os acórdãos desta Relação, de 23-03-2011,proferido processo 70/05.5IDAVR.P1 e de 16-03-2011, proferido no processo65/05.9DAVR.P1. No acórdão de 23-03-2011, relatado pela mesma relatora desteprocesso, defendeu-se, em concreto, o seguinte: “(…) Os termos da questão estão claramente colocados na decisão recorrida: “(…) Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se o já enunciado n.º 2 doart. 103° do RGIT que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas, quandoa vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000, vale nos casos em que a fraudeé qualificada (entendimento que parece ser o perfilhado pelos arguidos).”

Na análise da questão, a decisão recorrida ponderou o seguinte: “A este propósito, a doutrina tem-se pronunciado no sentido da validade, no âmbito doart. 104°, daquele limite (assim, Cfr. Susana Aires de Sousa, in Ob. Cit., pág. 118 eIsabel Marques da Silva in Regime das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º 5,Almedina, pág. 156), entendendo que a exigência de valor mínimo da vantagempatrimonial ilegítima decorre da própria definição do crime como «fraude qualificada»,isto é, como mera qualificação do crime fiscal base de fraude. A fraude qualificada sóassume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima conseguida peloagente em detrimento do património do Estado for igual ou superior àquele montante. Já em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães,de 18/05/2009, proferido no processo nº. 352/02.8IDBRG. Ali, como argumento, avança-se que a realidade prevista na punição da fraude qualificada, por ser mais gravosa doque a que vem enunciada no tipo fundamental da fraude simples, é dela dissociável,concluindo, deste modo, por excluída a exigência da obtenção, com a fraude, de umvalor mínimo de beneficio patrimonial ilegítimo. Pensada a questão e sopesados os argumentos avançados pela doutrina e pelaJurisprudência conhecida (mormente o citado Acórdão), considera o Tribunal que foiefectivamente intenção do legislador manter, na punição da fraude qualificada, aexigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima, conclusão que decorre daprópria qualificação do crime fiscal base de fraude e que, assim, exige a verificação detodos os elementos essenciais deste e ainda as circunstâncias especiais que têm porefeito a agravação da penalidade aplicável. Deste modo, para que exista crime defraude qualificada devem mostrar-se preenchidos, primeiramente, todos os elementosdo crime de "fraude simples" tipificado no art. 103° do RGIT, incluindo a obtenção devantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos igual a € 15.000.”Que dizer?Quando os factos foram cometidos, o art. 103º do RGIT (texto inicial da Lei n.º 15/2001,de 5 de Junho) tinha seguinte redacção: “Artigo 103.º (Fraude)1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação,entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefíciosfiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causaremdiminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros decontabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim deque a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle amatéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados àadministração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, querpor interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagempatrimonial ilegítima for inferior a € 7500. 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que,nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à

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administração tributária”.A Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, procedeu a várias alterações do RGIT,nomeadamente ao citado art. 103º, cuja redacção passou a ser a seguinte: “Artigo 103.º (Fraude)1 - (…) 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagempatrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000. 3 - (…)”O artigo 104º manteve-se inalterado, com a seguinte redacção: “Artigo 104.º (Fraude qualificada)1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anospara as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivasquando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigaçõesacessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso dassuas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ouapresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentosou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anteriorsabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes forado território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação derelações especiais. 2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização defacturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valoresdiferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das daoperação subjacente. 3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fimdefinido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena maisgrave lhes couber.”

Como se refere na sentença recorrida, a questão controvertida é a de saber se aalteração do art. 103º, n.º 2 do RGIT, descriminalizando as condutas cuja vantagempatrimonial ilegítima seja inferior a 15.000 €, se aplica (também) aos crimes de fraudequalificada ou apenas aos crimes de fraude simples. O acórdão citado pelo Ministério Público neste recurso, proferido pelo Tribunal daRelação de Guimarães, em 18-05-2009, no processo n.º 352/02.8IDBRG.G1, entendeuque “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos queintegram o crime de fraude fiscal não são puníveis, não é aplicável à fraude fiscalqualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT, nomeadamente quando o agenteutiliza facturas ou documentos equivalentes na execução do crime”Trata-se, contudo, de uma posição isolada, quer na doutrina, quer na jurisprudência. ISABEL MARQUES DA SILVA, reconhecendo que a questão é controversa, consideraque “embora o art. 104º seja “estranhamente mudo” sobre este aspecto”, o regimeprevisto no n.º 2 do art. 103º do RGIT (fraude fiscal simples) “deve valer também para afraude qualificada a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima, sendoessa exigência decorrente da própria definição do crime fiscal base da fraude, exigindopara a verificação de todos os elementos deste e ainda de circunstâncias especiais, quetêm por efeito a agravação da penalidade” – RGIT, Cadernos IDEF, 5, 2ª Edição, pág.164.SUSANA AIRES DE SOUSA, em Os crimes Fiscais, Coimbra Editora, 2009, pág.118,citando em seu apoio (ainda) GERMANO MARQUES DA SILVA, em Notas sobre oRegime Geral das Infracções Tributárias, Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo II, 2001, pág.64, é da mesma opinião: «Uma outra questão importante é a de saber se o n.º 2 doartigo 103.º que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas quando avantagem ilegítima for inferior a € 7500 vale nos casos em que a fraude é qualificada. Anosso ver a resposta só pode ser no sentido da validade, no âmbito do artigo 104.ºdaquele limite. A fraude qualificada só assume dignidade penal quando a vantagempatrimonial ilegítima, conseguida pelo agente em detrimento do património do Estado,

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for igual ou superior àquele montante».NUNO POMBO, em Fraude Fiscal, Almedina, 2007, pág. 215, defende igual opinião:«Refira-se por último que o legislador, pela técnica usada no desenho da normaincriminadora, veio permitir que se instalasse a dúvida quando a saber se a efectivapunição, tal como se estabelece para o crime de fraude simples, pressupõe a pretensãode ser auferida vantagem patrimonial igual ou superior a 15.000 €. Com efeito, o artigo104.º sobre este aspecto, é estranhamente mudo. Parece-nos todavia, que a melhorsolução, em homenagem mais ao espírito do instituto do que aos elementos literaisdisponíveis, será a que advoga dever ser tomado em conta o limite de que depende arespectiva punição. A qualificação opera-se pela recepção de circunstânciasmodificativas agravantes e deve traduzir-se não no alargamento das situações puníveismas, como acontece, num endurecimento das respectivas penas».SIMAS SANTOS e JORGE DE SOUSA, em Regime Geral das Infracções Tributárias, 2ªEdição, 2008, pág. 737, anotação 3 ao art. 104º, consideram também aplicável ao crimede fraude fiscal qualificada o valor “referência” da vantagem patrimonial ilegítima,quando referem: “A falsificação ou viciação, ocultação, destruição, inutilização ou recusade entrega, exibição ou apresentação de livros, programas ou ficheiros informáticos equaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária, peloagente, bem como o uso por este daqueles elementos, sabendo-os falsificados ouviciados por terceiro, por parte das entidades empregadoras, dos trabalhadoresindependentes e dos beneficiários que visem a liquidação, entrega ou pagamento daprestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outrasvantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias devalor igual ou superior a € 7500, não são puníveis autonomamente, salvo se pena maisgrave lhes couber, caso em que será a aplicável [als. d) e e) do n.º 1 e 3]”. Esteentendimento supõe que as condutas a que alude o art. 104º, 1, als d) e e) causemdiminuição de receitas fiscais de valor superior ao do liminar da “punibilidade” previstono artigo anterior. Por seu turno, o acórdão da Relação de Coimbra, de 19-01-2011, proferido no processon.º 1036/06.3TAAVR.C1, entendeu que “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 doRGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis,é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT”. Também o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 16/03/2011, proferido norecurso n.º 65/05.9IDAVR.P1, entendeu que “o crime de fraude fiscal apenas seráqualificado se, para além da ocorrência de, pelo menos, duas das suas circunstânciasagravativas, as mesmas forem aptas a causar um prejuízo ou a diminuição devantagens tributárias no valor de, pelo menos, €15.000”A nosso ver, é este o melhor entendimento, por diversas razões: literais, sistemáticas(lógicas) e teleológicas. Em primeiro lugar, existem alguns aspectos literais a impor tal leitura, como seja areferência, no art. 104º, aos “factos previstos no artigo anterior”. Um dos factos previstosno artigo anterior é precisamente o previsto no n.º 2, segundo o qual não há punibilidadequando o montante da vantagem patrimonial ilegítima for “inferior a 15.000 €”. Setivesse havido intenção de punir a fraude qualificada, independentemente do valor davantagem ilegítima, a remissão deveria ter excluído o n.º 2. Outro aspecto literal decorre da expressão usada no n.º 2 do art. 104º: “fraude”. Naverdade, o n.º 2 do art. 104º começa por dizer que “a mesma pena é aplicável quando afraude tiver lugar mediante (…)”. Ao falar em fraude, está certamente a referir-se a umafraude punível, ou seja, que tenha causado uma diminuição de receitas de valor superiora 15.000 €, já que abaixo desse valor o comportamento é punível e qualificado apenascomo contra-ordenação e não como “fraude” fiscal (art. 118º do RGIT). Para além desta referência aos factos previstos no art. 103º, sem excluir o n.º 2 eutilizando a expressão “fraude”, há elementos sistemáticos relevantes. A técnicalegislativa de agravar a moldura penal dos crimes, através de circunstânciasqualificativas, traduz sempre uma remissão para o crime simples (género), destacandoum especial modo de realização (espécie). O crime qualificado é assim, por definição,aquele que contém todos os elementos do crime simples, com a particularidade de sercometido em determinadas circunstâncias. Finalmente, a circunstância qualificativa a que se refere o n.º 2 do art. 104º decorre dofacto de o crime de fraude simples ser cometido através da “utilização de facturas oudocumentos equivalentes por operações inexistentes”. Esta incriminação especialresultou da utilização em larga escala de “facturas falsas” (ISABEL MARQUES DASILVA, ob. cit. pág. 164, “… processos que invadiram os tribunais portugueses…”) e,

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portanto, de se ter querido combater uma forma especialmente em voga de cometer ocrime de fraude fiscal. Não se vê qualquer razão especial para que o crime de fraudefiscal cometido através de facturas falsas ou documentos equivalentes deva ser punido,mesmo que a vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a € 15.000. Toda acriminalidade fiscal visa combater a fuga ao pagamento de obrigações tributárias e, porisso, o bem jurídico comum é a obtenção das receitas fiscais devidas, elevado àcategoria de bem jurídico penalmente relevante, por se tratar de um bem comum damaior importância para o ordenamento da sociedade. O direito tributário temmecanismos próprios para executar as dívidas fiscais e não tem sentido, nos dias dehoje, criminalizar o incumprimento das obrigações pecuniárias. Por isso, o legisladorrecorre ao direito penal para punir as obrigações acessórias, através das quais sepodem ocultar ou alterar as futuras obrigações pecuniárias. É certo que pune a violaçãode obrigações acessórias, mas a razão de ser da punição dessas obrigações é sempreevitar a frustração do recebimento das receitas tributárias. Daí que o valor do prejuízofiscal tenha, no direito penal tributário, tão grande relevância, sendo em função dessevalor que, afinal, se demarca o crime da contra-ordenação (cfr. art. 118º do RGIT). Aexistência de um determinado valor do prejuízo fiscal (vantagem patrimonial ilegítima), ademarcar o crime da contra-ordenação, significa que o legislador entende que osprejuízos mais pequenos não devem ser criminalizados, qualquer que seja a obrigaçãoacessória que tenha sido frustrada e qualquer que seja o meio utilizado para tal. Atentaa finalidade da punição (visando sempre o cumprimento de obrigações pecuniárias), nãofaria sentido que o prejuízo fiscal fosse irrelevante para criminalizar a conduta, mas jáfosse bastante para recortar o tipo de crime qualificado pelo meio utilizado. Se fosseessa a intenção do legislador, teria criminalizado com total autonomia a conduta emcausa, o que não fez neste caso. Ou seja, as razões que levaram o legislador aestabelecer, no n.º 2 do art. 103º, um limiar da punibilidade como crime, tanto severificam quando o crime seja cometido através da utilização de facturas falsas, comoquando seja cometido através da celebração de um negócio jurídico simulado, pois estásempre em causa evitar comportamentos que visem obter vantagens patrimoniaisfiscalmente ilícitas.É certo que se o meio utilizado for crime autonomamente punível – falsificação ou burla,por exemplo – nada obstará à sua punição, desde que o prejuízo causado seja inferior a15.000 €. Tal decorre, sem dúvida, do disposto no n.º 3 do art. 104º do RGIT, quando refere quenão haverá punição autónoma, excepto se as condutas que integrarem o crime defraude fiscal forem punidas mais gravemente (“os factos previstos nas alíneas d) e e) …não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber”). Por isso, sea conduta do arguido não for punível, por força do disposto no art. 103º, 2 do RGIT,nada obsta a que a mesma seja punível se couber noutro tipo de ilícito, v.g. o crime defalsificação de documentos.(…)”Continuamos a pensar que o entendimento exposto no acórdão citado é o correcto e,portanto, a decisão ora recorrida não pode manter-se, na medida em que considerouque havia um só crime de fraude fiscal qualificada, abrangendo todas as condutas,mesmo aquelas em que o prejuízo causado foi inferior a 15.000,00 euros. Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, verifica-se que apenasrelativamente ao IRC do ano de 2005 ocorreu um prejuízo superior a € 15.000,00(alínea i) da matéria de facto). Em todos os demais casos o prejuízo causado foi inferiore, portanto, a respectiva conduta não integra a prática do crime de fraude fiscalagravado (qualificado) imputado aos arguidos na acusação. (ii) Consequências da procedência deste segmento do recurso, relativamente àrecorrente e aos arguidos a quem a procedência do mesmo possa aproveitar.Importa agora extrair as consequências do aludido entendimento. A primeira consequência é, desde logo, a de que a ilicitude do crime de fraude fiscalagravada é substancialmente menor. Deixa de haver um somatório de factos (que oacórdão integrou sob uma única resolução criminosa) e passa a existir apenas um facto:a declaração de IRC do ano de 2005 (cfr. al. j) da matéria de facto). Por outro lado, a arguida/recorrente já regularizou a situação tributária (al. o) da matériade facto). Deste modo, justifica-se que as penas aplicadas a todos os arguidos sejam modificadas,na medida em que a limitação do recurso a uma parte da decisão (incluindo a parterelativa a cada arguido – art. 403º, e) do CPP) não prejudica o dever de retirar daprocedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a

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decisão recorrida – art. 403º, 3 do CPP. Tendo em conta a menor ilicitude do facto e a circunstância de já estar regularizada todaa situação tributária, impõe-se que as penas sejam fixadas no seu limite mínimo. O crime de fraude fiscal cometido pelos arguidos é punível com uma pena de prisão de1 a 5 anos para as pessoas singulares e de 240 a 1200 dias de multa para as pessoascolectivas – art. 104, n.º 1 e 2 do RGIT. Tendo o arguido J… sido condenado na pena de (1 (um) ano e 9 (nove) meses deprisão, suspensa na sua execução por igual período e sem qualquer condição, deverá omesmo ser condenado na pena mínima, isto é, na pena de 1 (um) ano de prisão,suspensa na sua execução pelo mesmo período. A arguida I… foi condenada na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, àtaxa diária de €15,00 (quinze euro), perfazendo a multa global de € 6.750,00 (seis mil,setecentos e cinquenta euro). Assim, deve a pena de multa passar a ser de 240 dias, àmesma taxa diária, no montante global de €3,600 (três mil e seiscentos euros). A arguida/recorrente “B…” foi condenada na pena de 150 (cento e cinquenta) dias demulta, à taxa diária de € 120,00 (cento e vinte euro), perfazendo a multa global de €18.000,00 (dezoito mil euros), tendo-lhe sido aplicada a atenuação especial da penaprevista no art. 73º, 1 al. c) do CP, por ter reposto a verdade fiscal e ter pago osimpostos em falta. Dada a referida atenuação especial da pena, os limites mínimo emáximo da respectiva moldura penal oscilam entre os 10 e 800 dias de multa. Justifica-se assim que, pelas mesmas razões, lhe seja aplicada a pena mínima, isto é, a pena de10 dias de multa (mínimo legal - art. 73º, n.º 1 al. c) do C. Penal). Relativamente à taxa diária da multa, a mesma corresponde a uma quantia entre € 5,00e € 500,00 (art. 15º, 1 do RGIT), a qual deve ser encontrada mediante a ponderação dasituação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.Provou-se que a recorrente “B…” factura € 1.300.000,00 euros anuais, tem um lucro de,pelo menos, € 50.000,00 anuais e tem cerca de 70 trabalhadores. Deste modo, a taxadiária de € 120,00, fixada na decisão recorrida, mostra-se claramente ajustada àcapacidade económica da recorrente. Nestes termos, impõe-se conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente,revogar a decisão recorrida quanto às penas aplicadas às arguidas e condená-las: a) O arguido J… como autor de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punidonos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de 1 (um)ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período. b) A arguida “I…, LDA”, como autora de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto epunido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de240 dias de multa à taxa diária de € 15,00, ou seja, a multa global de € 3.600,00 (trêsmil e seiscentos euros).c) A arguida “B…, LDA”, como autora de um crime de fraude fiscal qualificada, previstoe punido nos artigos 103º, 1, 104º, 1 e 2 do RGIT e 73º, 1, c) do C.P (atenuaçãoespecial), na pena de 10 dias de multa à taxa diária de € 120,00, perfazendo a multaglobal de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). Relativamente às condutas dos arguidos que se traduziram em declarações cujo valornão foi superior a € 15.000,00 (quinze mil euros), deverá ser entregue ao MP certidãode todo o processo, para os fins tidos por convenientes, designadamente para efeitos dodisposto no art. 118º do RGIT, sendo que a tramitação do procedimento contra-ordenacional é da competência da Administração Tributária (art. 67º do RGIT), cabendorecurso para os tribunais tributários da decisão que aplique a coima (art. 80º e seguintesdo RGIT).3. DecisãoFace ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Portoacordam em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:a) Revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou que as condutastraduzidas em declarações fiscais de valor igual ou inferior a € 15.000,00 (quinze mileuros) integravam a prática de um crime de fraude fiscal agravada. b) Condenar, nos termos acima expostos, cada um dos arguidos pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punido nos termosdos artigos 103º, 1, a) e 104º, 1 do RGIT. c) Condenar o arguido J… como autor de um crime de fraude fiscal agravada, previsto epunido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de 1(um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período. d) Condenar a arguida a arguida “I…, LDA” como autora de um crime de fraude fiscalagravada, previsto e punido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001,

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de 5/6), na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 15,00, ou seja, a multa globalde € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).e) Condenar a arguida “B…, LDA” como autora de um crime de fraude fiscal agravadoprevisto e punido nos termos dos artigos 103º, 1, 104º, 1 e 2 do RGIT e 73º, 1, c) do CP(atenuação especial) na pena de 10 dias de multa à taxa diária de € 120,00, perfazendoa multa global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).g) Ordenar se extraia e entregue ao MP certidão de todo o processo (incluindo desteacórdão), para os fins tidos por convenientes, relativamente aos factos imputados aosarguidos que não foram considerados como integrando o crime de fraude fiscalqualificada.Sem custas.

Porto, 18/09/2013Élia Costa de Mendonça São PedroPedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando