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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO PROCESSO: 0000279-22.2010.5.14.0001 CLASSE: RECURSO ORDINÁRIO (00279.2010.001.14.00-1) ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO - RO 1º RECORRENTE: MIÉCIO DE NEGREIROS BONILHA JUNIOR ADVOGADOS: ROSECLEIDE MARTINS NOÉ E OUTRO 2ª RECORRENTE: TAM LINHAS AÉREAS S/A ADVOGADOS: BIANCA BASSÔA REINSTEIN E OUTROS 1ª RECORRIDA: TAM LINHAS AÉREAS S/A ADVOGADOS: BIANCA BASSÔA REINSTEIN E OUTROS 2º RECORRIDO: MIÉCIO DE NEGREIROS BONILHA JUNIOR ADVOGADOS: ROSECLEIDE MARTINS NOÉ E OUTRO RELATOR: DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES LÔBO REVISORA: JUÍZA CONVOCADA ARLENE REGINA DO COUTO RAMOS I – RECURSO OBREIRO. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. INSTITUIÇÃO MEDIANTE INSTRUMENTO COLETIVO NEGOCIADO. VALIDADE. É válido o banco de horas instituído mediante instrumento coletivo negociado, mormente quando são observados os critérios estabelecidos pelo art. 7º, inciso XIII, da Constituição da República, bem assim pelo art. 59, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Na hipótese dos autos, não comprovou o obreiro que prestava horas extras não computadas no banco de horas, tampouco que a prática dessa modalidade de compensação de horas causava-lhe prejuízos, a constituir abuso de direito do empregador, na forma do art. 187. Recurso a que se nega provimento, nesse ponto. INTERVALO INTRAJORNADA. NÃO CONCESSÃO. PAGAMENTO COM ACRÉSCIMO DO ADICIONAL PREVISTO PARA AS HORAS EXTRAS. Sendo habitual a prática de horas extras, ultrapassada a jornada de 6 (seis) horas estabelecida, faz jus o obreiro ao descanso intervalar de 1 (uma) hora por dia, consoante estabelece o art. 71, “caput”, da CLT. Destarte, sendo inobservado pelo empregador o intervalo intrajornada, nos períodos de alta temporada, quando, comprovadamente, havia a prática de trabalho em sobrejornada, faz jus o empregado ao pagamento de 1 (uma) hora extra por dia, com acréscimo do adicional previsto em norma coletiva da categoria, eis que mais benéfica ao empregado. Ressalta-se que o banco de horas não se presta a compensar o intervalo intrajornada suprimido. Recurso obreiro parcialmente provido. INTERVALO PARA DESCANSO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. MULHER EMPREGADA. DESTINÁRIA EXCLUSIVA. O art. 384 da CLT, consoante reiteradas decisões do C. TST, foi plenamente recepcionado pela Constituição, sendo, pois, devido à mulher empregada antes de iniciar a prestação de serviços em sobrejornada. O tratamento aparentemente

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO

PROCESSO: 0000279-22.2010.5.14.0001CLASSE: RECURSO ORDINÁRIO (00279.2010.001.14.00-1)ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMAORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO - RO1º RECORRENTE: MIÉCIO DE NEGREIROS BONILHA JUNIORADVOGADOS: ROSECLEIDE MARTINS NOÉ E OUTRO2ª RECORRENTE: TAM LINHAS AÉREAS S/AADVOGADOS: BIANCA BASSÔA REINSTEIN E OUTROS1ª RECORRIDA: TAM LINHAS AÉREAS S/AADVOGADOS: BIANCA BASSÔA REINSTEIN E OUTROS2º RECORRIDO: MIÉCIO DE NEGREIROS BONILHA JUNIORADVOGADOS: ROSECLEIDE MARTINS NOÉ E OUTRORELATOR: DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO

GOMES LÔBOREVISORA: JUÍZA CONVOCADA ARLENE REGINA DO

COUTO RAMOS

I – RECURSO OBREIRO. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. INSTITUIÇÃO MEDIANTE INSTRUMENTO COLETIVO NEGOCIADO. VALIDADE. É válido o banco de horas instituído mediante instrumento coletivo negociado, mormente quando são observados os critérios estabelecidos pelo art. 7º, inciso XIII, da Constituição da República, bem assim pelo art. 59, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Na hipótese dos autos, não comprovou o obreiro que prestava horas extras não computadas no banco de horas, tampouco que a prática dessa modalidade de compensação de horas causava-lhe prejuízos, a constituir abuso de direito do empregador, na forma do art. 187. Recurso a que se nega provimento, nesse ponto.INTERVALO INTRAJORNADA. NÃO CONCESSÃO. PAGAMENTO COM ACRÉSCIMO DO ADICIONAL PREVISTO PARA AS HORAS EXTRAS. Sendo habitual a prática de horas extras, ultrapassada a jornada de 6 (seis) horas estabelecida, faz jus o obreiro ao descanso intervalar de 1 (uma) hora por dia, consoante estabelece o art. 71, “caput”, da CLT. Destarte, sendo inobservado pelo empregador o intervalo intrajornada, nos períodos de alta temporada, quando, comprovadamente, havia a prática de trabalho em sobrejornada, faz jus o empregado ao pagamento de 1 (uma) hora extra por dia, com acréscimo do adicional previsto em norma coletiva da categoria, eis que mais benéfica ao empregado. Ressalta-se que o banco de horas não se presta a compensar o intervalo intrajornada suprimido. Recurso obreiro parcialmente provido. INTERVALO PARA DESCANSO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. MULHER EMPREGADA. DESTINÁRIA EXCLUSIVA. O art. 384 da CLT, consoante reiteradas decisões do C. TST, foi plenamente recepcionado pela Constituição, sendo, pois, devido à mulher empregada antes de iniciar a prestação de serviços em sobrejornada. O tratamento aparentemente

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desigual conferido pela dispositivo em destaque não fere o art. 5º, inciso I, da Constituição da República, visto que a intenção da norma foi justamente reduzir a desigualdade existente entre os trabalhadores do sexo masculino e feminino, conferindo tratamento mais consentâneo com as necessidades físicas e biológicas da mulher. Desse modo, o tratamento diferenciado conferido à mulher trabalhadora pelo artigo em comento busca, justamente, conferir efetividade ao Princípio da Isonomia que, como se sabe, confere tratamento igual àqueles em igual situação e tratamento desigual aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades.DESCANSO INTERSEMANAL. NÃO OBSERVÂNCIA DO PERÍODO MÁXIMO DE SETE DIAS. ÔNUS DA PROVA. Por se tratar de fato constitutivo de um direito seu, é do empregado o ônus de provar que o descanso intersemanal não foi concedido no período máximo de sete dias, a teor dos artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do CPC. Não provando o contrário, não há como afastar a veracidade das anotações contidas nos cartões de ponto carreados pelo empregador.ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TEMPO EXTREMAMENTE REDUZIDO DE EXPOSIÇÃO AO RISCO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 364, ITEM I, PARTE FINAL. Sendo extremamente reduzido o período de exposição ao risco, não faz jus o empregado ao adicional de periculosidade. No caso dos autos, o contato com explosivos e inflamáveis, além de esporádico era extremamente reduzido, cerca de apenas 02 (dois) minutos, como atestou a prova pericial, motivo pelo qual improcede o pagamento de adicional de periculosidade.II – RECURSO PATRONAL. DESCONTOS INDEVIDOS DE SEGURO DE VIDA E VALE-REFEIÇÃO. MULTA CONVENCIONAL. Prevendo a Convenção Coletiva de Trabalho a concessão de seguro de vida e vale-refeição sem qualquer contrapartida do empregado, restam indevidos os descontos efetuados pelo empregador sob tais rótulos, cabendo, pois, restituição ao empregado dos valores descontados. Tais descontos ensejam, inclusive, o pagamento de multa convencional em favor do reclamante, por descumprimento de cláusula normativa, conforme previsão contida em instrumento coletivo negociado.

1 RELATÓRIO

Trata-se de recursos ordinários interpostos pelo reclamante/primeiro

recorrente, às fls. 346/360, e pela reclamada/segunda recorrente, às fls.

361/366, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de

Porto Velho, às fls. 336/343, a qual julgou parcialmente procedentes os pleitos

formulados pelo reclamante, condenando a reclamada a proceder a restituição

dos descontos efetuados nos salários do reclamante a título de seguro de vida

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e vale-refeição, bem como a pagar multa convencional pelo descumprimento

de cláusula normativa.

Insurge-se o reclamante quanto à improcedência dos pleitos de horas

extras, intervalo intrajornada, intervalo do art. 384 da CLT, descanso

intersemanal e adicional de periculosidade.

Por sua vez, sustenta a reclamada serem indevidas as condenações

impostas a título de seguro de vida, restituição de vale-refeição, bem como a

multa convencional, reiterando as alegações insertas em sua peça de

resistência.

Contrarrazões pela TAM, às fls. 374/394, pela manutenção da r.

sentença, sem prejuízo do recurso interposto.

Contrarrazões pelo reclamante, às fls. 398/403, pela manutenção da r.

sentença.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, na

forma regimental (art. 89).

2 FUNDAMENTOS

2.1 Admissibilidade

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os

recursos ordinários.

2.2 Mérito

2.2.1 Do recurso obreiro

2.2.1.1 Das horas extras e intervalo intrajornada

Sustentou o reclamante, na inicial, que laborou para a reclamada de 1º/

03/2007 a 06/11/2010, sendo contratado para exercer a função de despachante

de bagagens, mas que, na realidade, desempenhou diversas funções na

empresa.

Alegou, ainda, que laborou em sobrejornada, com compensação, que

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se dava através de banco de horas, de forma abusiva e absurda, pois não

proporcionava a programação de seu lazer no dia de folga e que a

imprevisibilidade do tempo de jornada e do número de horas a compensar

gerava-lhe insegurança, nociva à saúde mental, física e social, sendo inegável

nessa medida, que o banco de horas instituído configura abuso de direito, na

forma do art. 187 do Código Civil, além de ser inconstitucional. Aduziu,

também, a existência de horas extras prestadas e não registradas,

especialmente nos meses de alta temporada, e que nesse período lhe eram

concedidas 4 folgas compensatórias no mês e que não lhe era concedido

intervalo intrajornada. Por diversas vezes não lhe foi assegurado o descanso

semanal, segundo alega o reclamante. Por cumular a função de agente de

reserva, fazia jus ao intervalo previsto para esse tipo de trabalho, conforme

cláusula 17º da CCT.

Requereu o pagamento de horas extras, do intervalo intrajornada, do

intervalo previsto em norma coletiva aos agentes de reserva, bem como do

intervalo previsto no art. 384 da CLT, de aplicação analógica, salientando,

quanto a este ponto do pedido, a igualdade de tratamento conferida pela

Constituição Federal a homens e mulheres.

Em recurso, reitera os pedidos acima elencados, utilizando-se,

basicamente, dos mesmos argumentos.

Em sua peça de resistência, alega a reclamada que as horas extras

eram devidamente compensadas, na forma de banco de horas instituído com

base no art. 59, §2º da CLT e art. 7º, inciso XIII da CR, não sendo tal prática

abusiva, posto que os empregados sabem antecipadamente o dia da

compensação. Impugna o pleito de concessão do intervalo do art. 384 da CLT,

pois aplicável apenas às trabalhadoras, sem malferir o princípio da isonomia, já

que a intenção do legislador trabalhista foi diminuir as desigualdades

existentes. Questiona, ainda, o pleito de pagamento de intervalo intrajornada

de 1 (uma) hora, ao argumento de que a jornada de trabalho era de apenas

(seis) horas, sendo o descanso intervalar legal de 15 (quinze) minutos

devidamente concedido, e que eventual prorrogação da jornada não enseja a

concessão de intervalo superior, uma vez que as horas excedentes à sexta

diária já são remuneradas como extras. Quanto ao descanso semanal, aduz

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que, quando o empregado laborou aos domingos, houve a devida

contraprestação ou a compensação, salientando que, consoante legislação

pertinente, o descanso semanal deve ser concedido preferencialmente aos

domingos e não obrigatoriamente nesses dias. Acrescenta, ainda, que o

reclamante não laborou na função de agente de reservas, razão pela qual é

indevido o intervalo de 10 (dez) minutos por atividade repetitiva, destinada aos

exercentes desse tipo de atividade.

Pois bem.

O tópico em destaque, por constituir matéria fática, exige uma análise

criteriosa das provas constantes dos autos.

De plano, rejeito a alegação do reclamante/recorrente de que o juízo de

primeiro grau deveria ter aplicado a mesma sistemática inserta na Súmula n.

338, item III, do C. TST, que versa sobre a inversão do ônus da prova, caso

não sejam juntados os cartões de ponto pela empresa que conte com mais de

10 empregados, eis que, no caso dos autos, houve a juntada dos controles de

frequência, não havendo que se falar, ainda, que o registro era realizado em

descompasso com a legislação em vigor. Ademais, ao alegar a irregularidade

no registro da jornada, cabia ao reclamante provar tal alegação, o que não

vislumbro no presente caso. Acrescento, ainda, que não há nada nos autos,

sequer uma única evidência, de que o relógio de ponto tenha sido devassado

e/ou alteradas as marcações.

Pois bem.

Observo que os controles de frequência carreados aos autos, às fls.

154/205, revelam que a jornada de trabalho do reclamante sempre foi de 6h de

trabalho, sendo certo que em alguns meses havia a prestação se serviços em

sobrejornada. Constato, outrossim, que havia o registro de horas extras a

compensar, inclusive a 100%, bem como da efetiva compensação de jornada.

De igual forma, à vista das fichas financeiras juntadas pela reclamada (fls.

141/153), depreendo que o reclamante recebia a remuneração pelas horas

extras prestadas.

Como bem acentuado pelo juízo de primeiro grau, o reclamante não

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declinou com precisão quais os meses em que houve prestação de serviços

em sobrejornada sem a devida contraprestação, bem como, a quantidade de

horas extras prestadas e não registradas corretamente no banco de horas,

tampouco há elementos nos autos que permitam ao juízo chegar a qualquer

conclusão nesse sentido. Ademais, a impugnação genérica do reclamante e

destituída de qualquer elemento probatório é incapaz de desconstituir a prova

produzida pelo reclamado com a juntada dos cartões de ponto e as fichas

financeiras, no sentido de que as horas extras trabalhadas foram remuneradas

e/ou compensadas.

Contudo, passo a analisar o depoimento das partes e a prova

testemunhal colhida nos autos.

Em depoimento pessoal, relatou o reclamante:

que foi contratado pela reclamada em março/2007, para exercer a função de despachante de voo que exerceu até o final do contrato, em 06/1/2010, data em que foi dispensado; que de março/2007 até outubro/2008 trabalhou das 23h às 5h, com intervalo de 15 minutos; que de junho a meados de agosto e de 16 de novembro até após o carnaval (período de alta estação), não havia intervalo de 15 minutos; que no período da alta estação normalmente trabalhava até às 9h; que além de despachante de voo acumulava as funções de agente de vendas na loja do aeroporto, agente de aeroporto que trabalhava no “chek in” e agente de bagagens (extravio e danificação de bagagens); que após outubro/2008 trabalhava das 9h às 15h, com intervalo de 15 minutos para refeição; que no período da alta estação não tinha o intervalo de 15 minutos e trabalhava até às 17h/18h; que havia compensação de jornada da seguinte forma: a cada 40 horas extras ou 60 horas extras, recebia um ou dois dias de folga, mas que sempre havia prejuízo em razão da jornada limitada de 6 horas; que nem sempre essa jornada era registrada no cartão de ponto; quem fazia o registro no controle de ponto era a supervisora da reclamada; que o depoente somente no final do mês assinava o cartão de ponto; que não havia pagamento de horas extras. (“ipsis litteris”, fls. 331) (grifei)

Por sua vez, informou a preposta da empresa reclamada:

que tanto o supervisor da reclamada quanto o gestor de recursos humanos tem a senha de acesso ao controle de ponto dos empregados; que não tem registro do intervalo intrajornada de 15 minutos, mas apenas do início e do fim da jornada de 6 horas; há um travamento automático antes e após o registro de saída, só podendo ser liberado o controle pelo supervisor ou gestor; que atualmente a reclamada, no interior do aeroporto,

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os empregados da reclamada tem as seguintes funções: agente de aeroporto, despachante de voo e agente de bagagens; que nos períodos de alta estação, julho a dezembro, a empresa não concede férias a seus empregados; quando necessário os empregados fazem jornada extraordinária; que o reclamante era agente de aeroporto, o que incluía todas as atividades da empresa dentro do aeroporto. (“ipsis litteris”, fls. 331/332) (grifos acrescidos)

A primeira testemunha, Sr. Fredson Ferreira Martins, ouvida como

informante do juízo, por ser amigo íntimo do reclamante, declarou:

que o informante e o reclamante começaram a trabalhar em 1º/3/2007; que o reclamante exercia a função de despachante, bem como as funções de agente de aeroporto, agente de bagagem; que o reclamante e o informante trabalhavam na loja da TAM no aeroporto, inclusive vendendo passagens; que também exerciam as funções de agente de rampa ajudando a retirada de bagagens; que só trabalhou com o reclamante no ano de 2009; que o reclamante e o depoente trabalhavam das 9h às 15h/16h quando fechavam a loja; que às vezes não tinham o intervalo de 15 minutos para refeição; que de novembro a fevereiro e de 15 de junho a 10 de agosto, períodos de alta estação, trabalhavam até às 17h/18h; quando trabalhavam até mais tarde, em razão de atrasos de voos, o reclamante e o depoente batiam o ponto e voltavam a trabalhar; que na venda de passagens aéreas, operavam o serviço por computador. (“ipsis litteris”, fls. 332) (sem grifos no original)

A segunda testemunha do reclamante, Sra. Luzia de Souza Oliveira,

indagada, respondeu que:

trabalhou de 2007 até fevereiro/2010 para a reclamada; que a depoente trabalhava na loja da reclamada, enquanto o reclamante trabalhava no “chek in”, setores diferentes; que o reclamante trabalhava normalmente das 9h às 15h, com intervalo de 15 minutos; que na alta temporada ficavam até às 17h/18h e também não tinham o intervalo de 15 minutos; que a alta temporada se dá de 15 de novembro até meados de fevereiro e de 15 de junho até o início de agosto; que o reclamante exercia a função de despachante de voo; que geralmente o reclamante fazia outras atividades, até por determinação da reclamada que pretendia ter empregados multi funcionais; que o reclamante fazia atendimento na loja, reserva de voo e emissão de passagens aéreas e trabalhava no setor de liberação de bagagens; que havia compensação de jornada da seguinte forma: os empregados acumulavam horas de trabalho e a empresa concedia um ou dois dias de folga e se sobrassem horas os empregados podiam compensar chegando mais tarde ao trabalho; que assinavam os controles de ponto somente no final do mês. (“ipsis litteris”, fls. 332) (grifei)

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A primeira testemunha da reclamada, Sra. Lizandra Figueiredo Alves,

que também foi ouvida na qualidade de informante do juízo, disse em

depoimento:

que a função do reclamante era de despachante, mas também atendia voo, atendia os passageiros no desembarque e se necessário também no embarque; que caso necessário, abria processo de bagagens (falta ou danificação de bagagens); que o reclamante não efetuava vendas de passagens aéreas; que o reclamante trabalhava das 9h às 15h, com 15 minutos de intervalo par almoço, mas sempre de 30 a 40 minutos de refeição, após o voo; que em casos de cancelamento e atraso de voos, havia necessidade de horas extras, inclusive com o reclamante, o que era compensado posteriormente; que o reclamante trabalhava no “chek in”; que a reclamada exige que seus empregados sejam multi funcionais sabendo fazer todos os serviços do aeroporto; que o período de alta temporada na reclamada são junho e julho e dezembro e janeiro, devido o alto movimento de passageiros; que mesmo no período de alta temporada os empregados só faziam horas extras em caso de cancelamento ou atraso de voos; que a depoente exerce a função de agente de aeroporto desde 15/5/2007, quando foi admitida; que a depoente trabalha das 9h às 15h; que no início do contrato de trabalho da informante o reclamante trabalhava à noite. (“ipsis litteris”, fls. 333) (sem grifos no original)

Pois bem.

Dos depoimentos pessoais do reclamante e preposta da reclamada,

bem como das declarações das testemunhas e informantes judiciais, embora

haja algumas incoerências, é possível extrair algumas premissas. A primeira de

que, de fato, no período de alta temporada, todos os empregados da

reclamada, inclusive o reclamante, laboravam em sobrejornada. Extraio, ainda,

pelo cotejo da prova testemunhal, que o período de alta temporada

compreendia o ínterim de meado de novembro a meado de fevereiro, e de

meado de junho até o início do mês de agosto, o que perfaz um período anual

de 3 (três) meses e meio. A segunda premissa que se revela a partir da prova

testemunhal, aliada aos depoimentos das partes, é no que tange à jornada de

trabalho do reclamante nos períodos de alta estação. Com efeito, a jornada do

reclamante, nesse período, ao que depreendo, iniciava-se às 9h, encerrando-

se às 17h/18h, sem intervalo intrajornada, o que perfaz um total de 3 (três)

horas extras por dia, já que a jornada pactuada era de 6 (seis) horas, como

informou a própria preposta da empresa. Às horas extras soma-se, ainda, o

tempo destinado ao intervalo intrajornada, porquanto restou evidenciado que o

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reclamante não usufruía tal descanso no período de alta estação. Destarte,

tendo em vista que a jornada de trabalho do reclamante, no período de alta

estação, ultrapassava 6 (seis) horas, deveria ter lhe sido destinado um intervalo

intrajornada de no mínimo 1 (uma) hora por dia de trabalho.

Resta, pois, incontroversa a prestação de labor em sobrejornada nos

períodos de alta temporada, bem como o número de horas extras prestadas.

Contudo, como confessado pelo próprio reclamante em depoimento pessoal,

quando acumulava um número expressivo de horas extras, de 40 (quarenta) a

60 (sessenta), a empresa concedia-lhe compensação de 1 (um) ou 2 (dois)

dias. Tal afirmação é corroborada, inclusive, pela declaração de sua

testemunha.

Diante disso, cumpre verificar se tal compensação era feita nos moldes

exigidos pela legislação trabalhista, bem como pelo Texto Constitucional.

Pois bem.

Sobre a compensação de jornada, dispõe o art. 7º, inciso XIII, da

Constituição Federal, “verbis”:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(“omissis”)

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Já a Consolidação das Leis do Trabalho, no §2º do art. 59 da CLT,

vaticina que a compensação das horas extraordinárias devem ser

compensadas no período máximo de 1 (um) ano.

No caso dos autos, como afirmado pelo reclamante, a compensação se

dava sempre que o obreiro acumulava 40 (quarenta) ou 60 (sessenta) horas

extras, portanto, tudo leva a crer que a compensação se dava dentro do lapso

temporal exigido pela legislação trabalhista.

Há certa controvérsia na doutrina e na jurisprudência, contudo, quanto

ao título legitimador da compensação de jornada.

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Para parte da doutrina e jurisprudência, a compensação de jornada

somente seria possível mediante previsão em instrumento coletivo negociado,

sendo imprestável para tal fim o acordo individual entabulado entre o próprio

empregado e a empresa.

Tal corrente de interpretação assenta-se na tese de que o “caput” do

art. 7º da Constituição trata de condições mais favoráveis aos trabalhadores e

o atual regime de compensação, como previsto no art. 59, §2º, da CLT, com

redação dada pela Lei 9.601, que introduziu o denominado "banco de horas", é

prejudicial aos mesmos, uma vez que permite seja ajustada a compensação

em período de um ano (redação dada pela Medida Provisória 2.164-41/2001) e

não mais dentro da mesma semana (redação original do art. 59, §2º, da CLT)

ou do mesmo mês (interpretação jurisprudencial ampliativa do art. 59, §2º, da

CLT em sua redação original) ou mesmo do período de 120 dias, como

determinado pela Medida Provisória 1.709, de 1998.

Por outro lado, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho predomina

o entendimento de ser suficiente para legitimar a compensação de jornada o

acordo individual. Nesse sentido, é a redação da Súmula n. 85, item I, daquela

Corte, “in verbis”:

SÚMULA 85 – COMPENSAÇÃO DE JORNADA. (Incorporadas as Orientações Jurisprudenciais ns. 182, 220 e 223 da SDI-I – Res. 129/2005 – DJ 20.4.2005)

I – A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.

Coaduno do entendimento do C. TST, expresso no verbete sumular

acima transcrito, mesmo porque, a meu ver, a compensação de jornada

constitui medida favorável ao empregado, na medida em que amplia seus dias

de disponibilidade familiar e social, através do ajuste na distribuição das horas

trabalhadas, sem elevação da quantidade de horas laboradas durante a

semana. Em razão disso, não seria crível que a Constituição, pretendendo criar

ordem jurídica mais favorável aos empregados, como disposto no “caput” do

art. 7º, restringisse a pactuação de fórmula mais benéfica aos mesmos.

Fora dos domínios dessa discussão, o certo é que há Convenção

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Coletiva de Trabalho celebrada entre as categorias profissional e econômica

representativas das partes prevendo a possibilidade de compensação de

jornada, o que, a teor do disposto no art. 7º, inciso XIII, da Constituição

Federal, autoriza a utilização desse instrumento.

Com efeito, as cláusulas 10.3, 10.4, 10.6, 10.7, 10.8 e 10.9 da

Convenção Coletiva de Trabalho 2007/2009 (fls. 207/219) e 2008/2010 (fls.

220/232) autorizam a compensação de jornada, ao disporem:

10.3. Para efeito de compensação de horas extras, as horas extras trabalhadas em dias úteis serão consideradas com 100% de adicional e as trabalhadas em domingos e feriados serão consideradas com 150% (cento e cinqüenta por cento);

10.4. O dia da compensação será fixado de comum acordo;

10.6. O aumento de horas de trabalho acima da jornada normal, até o máximo de 02 (duas) horas, poderá ser determinado pelas Empresas desde que compensem equitativamente o acréscimo com redução de horas ou dias de trabalho. O referido aumento, desde que compensado, não obrigará o acréscimo de salário ou pagamento de adicional;

10.7. A compensação das horas extraordinárias se fará até o último dia do mês subsequente àquele em que tenha ocorrido a prorrogação da jornada de trabalho. Caso não sejam compensadas, deverão ser pagas no mês imediatamente posterior ao mês estipulado para compensação;

10.8. A compensação das horas extraordinárias poderá ser efetuada em período superior ao estabelecido no item 10.7., mediante acordo entre a empresa interessada e o Sindicato Nacional dos Aeroviários;

10.9. Na forma do artigo 59 da CLT fica dispensado acordo individual para prorrogação ou compensação de horário, face o acordado coletivamente. (fls. 209/210 e 222/223)

Destarte, havendo autorização para instituição de banco de horas no

âmbito da empresa reclamada e não tendo o reclamante provado a

irregularidade por ele apontada na forma de compensação da jornada, há que

se ter por legítima a compensação levada a efeito, razão por que improcede o

pleito de horas extras.

Por outro lado, a conclusão acerca da validade do banco de horas, e,

consequentemente, da compensação das horas extras prestadas, não significa

dizer que o intervalo intrajornada não concedido também era objeto de

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compensação. Quanto ao intervalo intrajornada, não se deve aplicar o mesmo

entendimento.

Com efeito, a compensação das horas laboradas em sobrejornada, por

intermédio de banco de horas, não aproveita os intervalos intrajornadas não

concedidos, haja vista que o descanso intervalar é destinado ao repouso e

alimentação do empregado, sendo certo que sua supressão ou concessão a

menor implica o pagamento integral do referido período, acrescido do adicional

previsto para as horas extras, consoante entendimento sedimentado do C.

TST, através da Orientação Jurisprudencial n. 307 da SBDI-I.

Colho, nesse sentido, jurisprudência recente do C. TST:

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. BANCÁRIO. HORAS EXTRAS. CONTRATAÇÃO DE TRABALHO SUPLEMENTAR APÓS A ADMISSÃO. O acórdão regional dissente do entendimento vertido na parte final do item I da Súmula 199/TST, segundo o qual não se configura a hipótese de pré-contratação se a pactuação de serviço suplementar ocorre posteriormente à admissão. Recurso de revista conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. JORNADA SUPERIOR A SEIS HORAS. Decisão regional em dissonância com as Orientações Jurisprudenciais 307 e 380 da SDI-I/TST, no sentido de que, -após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT)- e -ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, -caput- e § 4, da CLT- . Revista conhecida e provida, no tema. (...) (Processo: RR – 1266600-44.2002.5.09.0652; data de julgamento: 23/06/2010; Relatora Ministra: Rosa Maria Weber; 3ª Turma; data de divulgação: DEJT 20/08/2010) (não há grifos no original)

Desse modo, considerando que no período de alta temporada a

jornada de trabalho do obreiro ultrapassava as 6 (seis) horas, consoante prova

testemunhal, deveria o empregador ter-lhe concedido 1 (uma) hora por dia a

título de intervalo intrajornada. Como assim não procedeu o empregador, faz

jus o obreiro ao pagamento de 1 (uma) hora por dia efetivamente trabalhado,

com acréscimo do adicional de 60% (sessenta) por cento, previsto em norma

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coletiva (cláusula 10.1), e reflexos sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e

repouso semanal remunerado, haja vista que, no período de alta estação, a

prestação de horas extras era habitual.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso obreiro, apenas para

deferir-lhe 1 (uma) hora extra por dia efetivamente trabalhado, com adicional de

60% (sessenta por cento), a título de intervalo intrajornada não concedido, com

reflexos sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e repouso semanal

remunerado.

2.2.1.2 Do intervalo previsto no art. 384 da CLT e do descanso

intersemanal

Não subsiste o pleito obreiro de concessão do intervalo previsto no art.

384 da CLT, posto que, ao contrário do que alega, o tratamento aparentemente

desigual conferido pelo prefalado dispositivo não fere o art. 5º, inciso I, da

Constituição da República, visto que a intenção da norma é justamente reduzir

a desigualdade existente entre os trabalhadores do sexo masculino e feminino,

conferindo tratamento mais consentâneo com as necessidades físicas e

biológicas da mulher. Desse modo, o tratamento diferenciado conferido à

mulher trabalhadora pelo artigo em comente busca, justamente, conferir

efetividade ao Princípio da Isonomia que, como se sabe, confere tratamento

igual àqueles em igual situação e tratamento desigual aos desiguais, na

medida de suas desigualdades.

Corrobora esse entendimento as seguintes decisões do TST:

(…) 4. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. INTERVALO INTRAJORNADA. ARTIGO 384 DA CLT. DIREITO DO TRABALHO DA MULHER. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. Por disciplina judiciária, curvo-me ao entendimento do Tribunal Pleno desta Corte que, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 384 da CLT de que trata do intervalo de 15 minutos garantido às mulheres trabalhadoras antes da prestação de horas extraordinárias, considerou que a concessão de condições especiais à mulher não fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres contido no artigo 5º, I, da Constituição Federal. Assim, não sendo concedido á reclamante o referido intervalo, são devidas horas extraordinárias a ele pertinentes. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e não provido. (Processo:

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RR – 174400-02.2005.5.04.0383; data de julgamento: 18/08/2010; Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos; 2ª Turma; data de divulgação: DEJT 03/09/2010);

(…) INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. DESCUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO DE MERA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE QUE O PAGAMENTO DO PERÍODO SEJA EFETUADO COMO HORAS EXTRAS. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 71, § 4.º, DA CLT. PROVIMENTO. O art. 384 da CLT afirma ser obrigatória a concessão à mulher de intervalo de quinze minutos, no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho, o que se estabelece por se tratar de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho. Outrossim, tendo esta Corte entendido que o referido artigo foi recepcionado pela nova Ordem Constitucional, tem reiteradamente determinado que se confira ao intervalo em apreço o mesmo tratamento que se dá aos casos em que houve desrespeito ao intervalo intrajornada previsto no art. 71, da CLT, deferindo-se o pagamento das horas correspondentes com o acréscimo de 50%. Entende-se, assim, que a decisão recorrida, ao adotar o entendimento de que o descumprimento da previsão do art. 384 da CLT constitui mera infração administrativa, terminou por violar o referido dispositivo legal, devendo ser provido o Apelo para que seja determinado o pagamento das horas correspondentes, com adicional de 50%, e reflexos de direito, mediante aplicação analógica do disposto no art. 71, § 4.º, da CLT. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (Processo: RR – 54800-14.2006.5.04.0007; data de julgamento: 18/08/2010; Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing; 4ª Turma; data de divulgação: DEJT 27/08/2010);

TRABALHO DA MULHER. PRORROGAÇÃO DA JORNADA. INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. O Pleno desta Corte Superior, em sessão realizada no dia 17/11/2008, rejeitou incidente de inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT, concluindo por sua atual vigência e aplicabilidade. Nesse sentido, dúvidas não restam de que deve ser garantido às empregadas o pagamento relativo aos períodos de intervalo não concedidos pela empresa, em desconformidade com o referido dispositivo. Recurso de Revista conhecido e provido. (Processo: RR – 495200-04.2008.5.09.0069; data de julgamento: 10/08/2010; Relator Ministro: Flavio Portinho Sirangelo; 7ª Turma; data de divulgação: DEJT 20/08/2010).

Em sendo assim, improcede o pleito de concessão do pagamento do

intervalo previsto no art. 384 da CLT.

Da mesma forma, improcede o pleito de pagamento em dobro do

período destinado ao descanso intersemanal, porquanto não provou o

reclamante a inobservância de tal período de repouso a cada sete dias, ao

contrário do que aduz. Assim, por ser seu o ônus da prova, a teor dos artigos

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818 da CLT e 333, inciso I, do CPC, cabia ao reclamante provar que o repouso

semanal não era concedido pelo menos 1 (uma) vez por semana, encargo do

qual não se desvencilhou. Ademais, os cartões de ponto e fichas financeiras

juntados pela reclamada dão conta de que nos dias em que o labor foi prestado

em domingos houve compensação ou pagamento de horas extras a 100%,

sendo as alegações do reclamante, por destituídas de prova, insuficientes para

desconstituir a prova documental produzida pela reclamada.

Portanto, improcede, também, o pleito de descanso intersemanal.

2.2.1.3 Do adicional de periculosidade

Alegou o reclamante, na inicial, que no decorrer do contrato de trabalho

ficava exposto, de forma permanente e intermitente, à materiais inflamáveis e

explosivos, na medida em que permanecia em área de risco, no período em

que as aeronaves estavam em solo para desembarque, abastecimento,

descarregamento e embarque, e que jamais recebeu adicional de

periculosidade.

Por sua vez, em contestação, sustentou a reclamada que o obreiro

jamais ficou exposto a qualquer material inflamável ou explosivo, haja vista que

não laborava em área de risco, assim considerada pela NR 16, porquanto seu

labor sempre se deu no interior do aeroporto, sendo, por esse motivo, indevido

o pretendido adicional.

O laudo pericial concluiu que o reclamante faz jus ao adicional de

periculosidade, posto que quando auxiliava no descarregamento das

bagagens, ficava exposto a agentes explosivos e inflamáveis (combustíveis),

laborando em área considerada de risco.

Valendo-se de sua autonomia e da livre apreciação das provas para

formação de seu convencimento, bem como da não vinculação ao laudo

pericial, como preceitua o art. 436 do CPC, o juízo julgou improcedente o pleito,

amparado, inclusive, pela Súmula n. 364, item I, do TST.

Acertada a decisão de primeiro grau.

Com efeito, a orientação do C. TST, representada pela Súmula n. 364,

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item I, é no sentido de que o adicional de periculosidade é indevido quando a

exposição ao risco seja por período extremamente reduzido.

Eis o teor do referido verbete sumular:

SÚMULA 364 – ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais ns. 5, 258 e 280 da SDI-1 – Res. 129/05 – DJ 20.4.05)

I – Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-OJs n. 05 – Inserida em 14.3.1994 e n. 280 – DJ 11.8.03)

No caso concreto, em que pese a conclusão pericial ser no sentido de

que o reclamante laborava em área de risco, o “expert” esclareceu que o

reclamante não executava atividades durante o abastecimento de aeronaves

de forma habitual na área de risco.

Ademais, ainda de acordo o laudo pericial, o tempo de exposição do

reclamante em área de risco era de apenas 2 (dois) minutos, pois apenas

eventualmente ali comparecia, somente quando tinha necessidade de levar

alguma bagagem especial que era colocada no cofre, sendo certo que essa

não era a regra, mas sim a exceção, pois normalmente não auxiliava na carga

e descarga de bagagens.

É bem verdade que esse magistrado, em diversas oportunidades, tem

reconhecido o direito dos aeroviários, que laboram em área de risco, assim

considerada as imediações do local onde a aeronave é abastecida, ao

adicional de periculosidade, com base no art. 193 c/c NR 16 e anexos da

Portaria n. 3.214, de 08/06/1978, do MTE. Contudo, “in casu”, não há como

afastar o entendimento constante da parte final do item I da Súmula 364 do

TST.

Ora, se o reclamante apenas eventualmente laborava em área de risco,

quando era deslocado para levar alguma bagagem especial a ser colocada no

cofre, e se sua permanência no local durava apenas 2 (dois) minutos, como

concluiu a perícia (fls. 282), é certo que o período em área de risco era

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extremamente reduzido, sendo inafastável o entendimento do TST nesse caso.

Destarte, improcede o pleito de adicional de periculosidade, razão por

que mantenho a r. sentença nesse ponto.

2.2.2 Do recurso patronal

2.2.2.1 Dos descontos a título

Inconforma-se a reclamada com as condenações a título de restituição

dos descontos de seguro de vida e vale-refeição, bem como pagamento de

multa convencional por descumprimento de cláusula normativa.

Sustenta que a ausência de insurgência do reclamante, durante todo o

curso do contrato de trabalho, evidencia a autorização tácita quanto aos

descontos. Acrescenta, ainda, que os descontos deram-se de forma lícita.

Especificamente quanto aos descontos a título de vale-refeição, aduz

que, ao contrário do entendimento esposado pelo juízo de origem, não há na

CCT dos aeroviários qualquer proibição quanto à participação do empregado

no custeio da alimentação. Ademais, alega a reclamada, a empresa reclamada

é cadastrada junto ao PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), o que

autoriza a participação do empregado no custeio da alimentação.

Por tais razões, além de entender serem indevidas as restituições,

sustenta ser indevida a multa convencional, por não ter havido o

descumprimento de cláusulas normativas.

Sem razão a reclamada.

Como é sabido, ao empregador é vedado efetuar quaisquer descontos

nos salários do empregado, a não ser que decorra de adiantamentos ou sejam

autorizados por dispositivos legais ou Convenção Coletiva de Trabalho,

consoante preceitua o art. 462, “caput”, da CLT.

“In casu”, é incontroverso que o empregador, a partir de dezembro de

2008, a reclamada passou a descontar do salário do reclamante as quantias

mensais de R$9,14 (nove reais e quatorze centavos) e R$39,00 (trinta e nove

reais) a título de seguro de vida e vale-refeição, respectivamente.

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As cláusulas n. 05 e 07 da CCT 2008/2010, em vigência quando da

rescisão do contrato de trabalho do reclamante, preveem o pagamento de vale-

refeição e seguro de vida aos empregados abrangidos pelo referido

instrumento coletivo negociado, nos seguintes termos:

05 – VALE REFEIÇÃO

As empresas fornecerão, a partir de 01 de dezembro de 2008, vale refeição no valor de R$9,96 (nove reais e noventa e seis centavos), para os aeroviários com jornada de trabalho de 06 (seis) horas, e de R$13,58 (treze reais e cinquenta e oito centavos), para os aeroviários com jornada de trabalho de 08 (oito) horas, exceto quando a empresa fornecer refeição através de serviços próprios ou de terceiros, ressalvadas as condições mais favoráveis.

07 – SEGURO

As empresas pagarão a partir de 01 de dezembro de 2008, um seguro de vida em benefício de seus empregados aeroviários, sem ônus para os mesmos, cobrindo morte e invalidez permanente, total ou parcial, no valor de R$8.640,00 (oito mil seiscentos e quarenta reais). (fls. 221)

Já a cláusula n. 08, institui multa pelo descumprimento de qualquer

outra cláusula prevista no instrumento coletivo negociado que prejudique os

empregados:

08 – MULTA POR DESCUMPRIMENTO DO ACORDO

Por descumprimento de qualquer cláusula desta Convenção, em prejuízo de algum aeroviário determinado, a empresa infratora pagará, a partir de 01 de dezembro de 2008, multa no valor de R$73,45 (setenta e três reais e quarenta e cinco centavos), em favor do aeroviário prejudicado. (fls. 222)

Quanto ao seguro de vida, resta patente a proibição de qualquer

desconto nos salários dos empregados a esse título, haja vista que a cláusula

normativa foi imperativa ao instituído sem qualquer ônus para os empregados.

Portanto, inquestionável que os descontos efetuados nos salários do

reclamante a partir de dezembro de 2008 sob o rótulo de seguro de vida são

indevidos, devendo, por essa razão, serem restituídos.

Não obstante isso, não há prova nos autos de que o reclamante tenha

celebrado outro seguro de vida que não aquele instituído pela empresa,

tampouco que tenha autorizado o desconto em seus salários, mesmo porque a

reclamada não juntou nenhum documento nesse sentido.

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Outra não pode ser a conclusão acerca dos descontos de vale-

refeição. Com efeito, a interpretação que faço em relação à cláusula quinta da

CCT 2008/2010 é no sentido de que o vale-refeição foi instituído sem qualquer

contrapartida dos empregados, passando a integrar a remuneração destes,

mormente por inexistir no texto da referida cláusula autorização para desconto

do respectivo valor. Diante disso, restam devidas as restituições dos valores

descontados a título de vale-refeição.

Por ter a reclamada procedido aos descontos de valores a título de

seguro de vida e vale-refeição, não há dúvida de que infringiu as cláusulas

quinta e sétima da CCT 2008/2010, porquanto tais normativos preveem a

instituição daqueles benefícios sem qualquer contrapartida dos empregados.

Destarte, é devida a multa no valor de R$73,45 (setenta e três reais e quarenta

e cinco centavos), conforme cláusula oitava da CCT 2008/2010.

Recurso patronal improvido em todos os seus pontos.

2.3 Conclusão

Dessa forma, conheço dos recursos ordinários interpostos; no mérito,

dou parcial provimento ao apelo obreiro, para o fim de deferir-lhe 1 (uma) hora

extra por dia, efetivamente, trabalhado, com adicional de 60% (sessenta por

cento), a título de intervalo intrajornada não concedido, com reflexos sobre

férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e repouso semanal remunerado; e nego

provimento ao recurso patronal.

3 DECISÃO

ACORDAM os Magistrados integrantes da 2ª Turma do Tribunal

Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade, conhecer dos recursos

ordinários; no mérito, dar parcial provimento ao recurso ordinário obreiro e

negar provimento ao apelo patronal, nos termos do voto do Relator. Sessão de

julgamento realizada no dia 27 de outubro de 2010.

CARLOS AUGUSTO GOMES LÔBODESEMBARGADOR RELATOR