Acordo e Certificações Sobre Trabalho Na Cana Perdem Validade _ Repórter Brasil

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 A Repórter Brasil Equipe Jornalismo Pesquisa Educação Olá Acordo e certificações sobre trabalho na cana perdem validade Por Maurício Hashizume | 19/07/13 Criticado por segmentos da sociedade civil, compromisso articulado pelo governo federal para melhorar as condições trabalhistas no setor não está mais em vigor desde o final de abril Chegou ao fim o Compromisso Nacional pelo Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, acordo articulado pela Secretaria-Geral da Presidência da República (SG/PR) que envolveu entidades patronais e representações dos trabalhadores em torno da promessa de redução de problemas trabalhistas no setor. Desde o final de abril de 2013, perderam a validade tanto o protocolo firmado por sete ministérios e quatro entidades da sociedade civil – União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e Fórum Nacional Sucroenergético, por parte dos empregadores, e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Federação dos Empregados Rurais do Estado de São Paulo (Feraesp), pelos empregados – como os “selos sociais” de “empresa compromissada” concedidos a um total de 185 usinas espalhadas pelo país. Lançado em junho de 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com prazo de duração de dois anos, o Compromisso Nacional surgiu como uma tentativa do governo federal de qualificar os padrões oferecidos aos trabalhadores e às trabalhadoras que atuam no setor, tido como estratégico especialmente por conta do mercado de exportações. Todavia, o processo sofreu, do início ao fim, críticas de diversos setores do poder público e da sociedade civil: da exclusão da garantia obrigatória de refeições nas frentes de trabalho  à inclusão de usinas que constavam na “lista suja” da escravidão contemporânea; da  

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  • 06/07/2015 Acordoecertificaessobretrabalhonacanaperdemvalidade|ReprterBrasil

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    A Reprter Brasil Equipe Jornalismo Pesquisa Educao Ol U

    Acordo e certificaes sobretrabalho na cana perdem

    validade

    Por Maurcio Hashizume | 19/07/13

    Criticado por segmentos da sociedade civil,compromisso articulado pelo governo federal

    para melhorar as condies trabalhistas no setorno est mais em vigor desde o final de abril

    Chegou ao fim o Compromisso Nacional pelo Aperfeioamento dasCondies de Trabalho na Cana-de-Acar, acordo articulado pelaSecretaria-Geral da Presidncia da Repblica (SG/PR) que envolveuentidades patronais e representaes dos trabalhadores em torno dapromessa de reduo de problemas trabalhistas no setor. Desde o finalde abril de 2013, perderam a validade tanto o protocolo firmado porsete ministrios e quatro entidades da sociedade civil Unio daIndstria de Cana-de-Acar (Unica) e Frum Nacional Sucroenergtico,por parte dos empregadores, e Confederao Nacional dosTrabalhadores na Agricultura (Contag) e Federao dos EmpregadosRurais do Estado de So Paulo (Feraesp), pelos empregados como osselos sociais de empresa compromissada concedidos a um total de185 usinas espalhadas pelo pas.

    Lanado em junho de 2009 pelo ento presidente Luiz Incio Lula daSilva com prazo de durao de dois anos, o Compromisso Nacionalsurgiu como uma tentativa do governo federal de qualificar os padresoferecidos aos trabalhadores e s trabalhadoras que atuam no setor,tido como estratgico especialmente por conta do mercado deexportaes. Todavia, o processo sofreu, do incio ao fim, crticas dediversos setores do poder pblico e da sociedade civil: da excluso dagarantia obrigatria de refeies nas frentes de trabalho incluso deusinas que constavam na lista suja da escravido contempornea; da

    sucesso de problemas, falhas, equvocos e fraudes constatada e

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    sucesso de problemas, falhas, equvocos e fraudes constatada equestionada judicialmente pelo Ministrio Pblico Federal (MPF) nocurso da concesso dos selos ao flagrante de violaes de direitostrabalhistas em usinas aderentes.

    Ministro Gilberto Carvalho, da SG/PR, em solenidade de entrega dos selos doCompromisso Nacional a representantes de usinas (Foto: SG/PR)

    O Compromisso Nacionalfoi prorrogado em duas ocasies: em 24 dejunho de 2011 (quando foi estendido por mais um ano) e em 14 dejunho de 2012 (ocasio em que se estabeleceu como referncia final adata de 30 de abril de 2013). Tambm em meados de 2012 foi realizadacerimnia no Palcio do Planalto, com a presena da presidenta DilmaRousseff, na qual foram concedidos selos de empresacompromissada a 169 usinas cerca de metade dos 323empreendimentos sucroalcooleiros que, no incio do processo, em2009, tinham sido includos como participantes da iniciativa. Norespectivo ato, o ministro da SG/PR, Gilberto Carvalho, chegou a definira distribuio de certificados como um momento histrico nasrelaes entre capital e trabalho.Um ano depois, o acordo e as suas185 certificaes (16 a mais que a quantidade inicial) que requeriam oenvolvimento de auditorias privadas contratadas pelas prprias usinase autorizadas pelo governo deixaram de ter qualquer efeito.

    Questionada pela Reprter Brasil sobre os motivos da finalizao deum esforo que envolveu cinco anos de trabalho (a partir da criao daMesa de Dilogo sobre o tema, em julho de 2008), a Secretaria-Geralse limitou a responder que o acordo no foi continuado porqueperdeu a vigncia e que a adoo de um novo acordo ainda est emdiscusso no mbito da mesma Mesa Nacional de Dilogo e Avaliao.Ainda de acordo com a SG/PR, as partes envolvidas avaliam quehouve melhoria importante nas relaes capital/trabalho, quepermitiram avanos significativos nas condies de sade e segurana,transporte dos trabalhadores (as), alojamentos, eliminao dos gatos,aferio da produo, entre outros.

    No o que diz Antonio Lucas Filho, que atuou como representante daclasse trabalhadora pela Contag durante as negociaes e a

    implementao do Compromisso Nacional. Ao final do processo, o

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    implementao do Compromisso Nacional. Ao final do processo, osentimento que temos de que fomos enganados. Fomos usados paraque os usineiros pudessem ganhar mais dinheiro, critica o dirigentesindical, que atualmente est frente da Federao dos Trabalhadoresna Agricultura no Estado de Gois (Fetaeg). Acreditamos, chancelamose defendemos o acordo na esperana de que ele fosse cumprido, masfaltou preparao, empenho e atuao do governo, que afrouxoudemais a coisa, complementa. Como exemplos de medidas que no seconcretizaram, ele cita a manuteno da estrutura insuficiente defiscalizao do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), assim como aausncia de sanes concretas (como, entre os diversos incentivoseconmicos concedidos ao setor, a reviso de emprstimos) a agentesque descumprem a legislao trabalhista.

    Acionada pela reportagem, a Unica, que rene grandes usinas e atuoupara a construo do acordo como membro patronal, enfatiza que odilogo deve prosseguir com o objetivo de continuar o debate para asegunda fase. A avaliao, segundo a entidade, a melhor possvel,poiso Compromisso contribuiu de forma evidente e decisiva para oaprimoramento das prticas trabalhistas que todos os participantespretendiam, e foi reconhecido [por segmentos como a OrganizaoInternacional do Trabalho (OIT)] por isso. AUnica declarou aindadesconhecermanifestaes de frustrao pelos resultados limitadosapresentadas por membros dos sindicatos dos trabalhadores.Se taiscomentrios de fato existem, seria importante conhecer o nome dapessoa que o fez e se estava falando em nome de alguma entidade ouemitindo opinio pessoal, rebatem os empregadores. Sobre oaproveitamento econmico propiciado pelos selos sociais concedidospelo governo federal, sustenta que este nunca foi um objetivo naconcepo e realizao do Compromisso Nacional. Para a Unica, talideia parece, no mnimo, absurda.

    Fomos enganados e usados, diz dirigente que representou a classe trabalhadora nanegociao do Compromisso Nacional (Foto: Maurcio Hashizume)

    Denncias

    Segundo informaes da SG/PR, trs usinas (que no foram

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    Segundo informaes da SG/PR, trs usinas (que no foramidentificadas) chegaram a ser denunciadas por no estarem cumprindoo acordo, mas perderam o selo antes da averiguao prevista nasresolues sobre a certificao porque, conforme acordado entre aspartes, os selos seriam vlidos at 30 de abril de 2014. O procuradordo trabalho Rafael de Arajo Gomes, autor da ao civil pblica querequer a cassao dos selos de sete usinas situadas na regio deAraraquara (SP) por conta de graves irregularidades no processo deatribuio de selos (acerca dos quais, a Unica pretende no seposicionarenquanto o processo judicial estiver tramitando), observaque, apesar de no estar mais em vigor, a Unio Federal, atravs daSG/PR, continua, at hoje, a divulgar no stio especfico doCompromisso na internet a lista de usinas agraciadas com acertificao.

    Alm de inexistir nesse stio qualquer meno ao fato de oCompromisso no estar mais valendo, a lista de empresas agraciadas mencionada da seguinte forma: Lista de unidades empresariais quecumprem o Compromisso Validade at 30/04/2013. Veja-se que aredao no sugere que o Compromisso no est mais em vigor e queos selos, portanto, no possuem mais valor. A mensagem sugere que aatualizao da lista tem validade at 30/04/2013. Quem l a mensagempensa que a lista de empresas certificadas no stio est desatualizadadesde o final de abril, no que todos os selos concedidos perderam seuvalor, pontua o procurador.

    Sobre o balano do acordo, o procurador recorda que mesmo aspiores usinas do pas flagradas cometendo ilcitos graves (inclusivetrabalho escravo) eram, desde seu lanamento, todas signatrias desseCompromisso. A participao na iniciativa, alis, vinha sendodestacada pelas mesmas,ainda quesem dignificar qualquer tipo demelhoria, em suas defesas judiciais, conforme ressalta Rafael.Tambm certo que as condies de trabalho previstas peloCompromisso limitavam-se a repetir o que j determina a legislaotrabalhista, no representando qualquer avano significativo se o seupropsito fosse de fato a negociao entre as categorias, salienta.Parece agora claro, tambm, que o principal interesse em torno doacordo estava na concesso de um selo governamental s usinas,destinado a facilitar as exportaes, pois o questionamento judicial aoselo, por ter sido concedido de forma bastante irregular, fezdesaparecer, ainda que momentaneamente, o interesse no processo.Vale enfatizar que o MPT no requereu a descontinuao doCompromisso, mas a correo dos graves problemas cometidos noprocesso de certificao.

    No entendimento do Antonio Lucas, que representou a Contag naComisso Nacional de Dilogo e Avaliao do Compromisso, o acordoat abriu espao para alguns avanos em determinadas regies nasquais houve interveno dos sindicatos dos trabalhadores rurais, masno significou muitas mudanas nas reas em que a presso dosempregados e empregadas do setor no foi efetiva. Reprter Brasil,

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    empregados e empregadas do setor no foi efetiva. Reprter Brasil,ele ratificou as crticas do MPTaos esquemas problemticos deconcesso de selos, os quais teriam servido apenas como propagandadas usinas. Se fssemos voltar Mesa de Dilogo hoje, exigiramosbem mais. Principalmente quanto atuao do governo, que deixou agente sozinho.

    Leia tambm:Usinas certificadas com selo social so autuadas por violaes dedireitos trabalhistasMPT pede cassao de selo social concedido a usinas pelo PlanaltoChefe da fiscalizao reclama de cabresto poltico e pede exoneraoProduo maior de cana carrega problemas socioambientaisZoneamento sinaliza com proteo, mas deixa lacunaPatres no comprovam alto custo de comida para cortadoresAcordo costurado pelo Planalto abriga usinas da lista sujaGoverno prepara protocolo; alimentao cara, dizem usineiros

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    5 Comments

    Deixe uma respostaEscrevaoseucomentrioaqui...

    valderez monte on 19 de julho de 2013 at 16:09

    Valeu a tentativa. Particularmente nao acreditava nas boas intencoesde uma classe que nao admite perder, os usineiros. Perder significa cumprir a lei.

    Reply

    Marcelo Campos on 19 de julho de 2013 at 19:57

    Me parece que a inteno era mesmo afastar a ao da inspeo dotrabalho e introduzir as auditorias privadas. Que se v.

    Reply

    marcio veloso on 22 de julho de 2013 at 8:15

    Sou advogado e ex-militante no movimento sindical de trabalhadoresrurais. Percebemos que cada ano que passa est voltando otrabalho escravo. Nunca vimos um acordo do governo com ostrabalhadores para melhorar sua renda. Porm, sempre vemosacordos do governo com empresa com intuito de gerar maisempregos. O que na verdade, na verdade, no passa de gerar maisriqueza para os empresrios.

    Reply

    ANGELO ANIZIO BRIEL on 24 de julho de 2013 at 9:04

    Infelizmente esse setor sempre vai marginalizar os trabalhadores,que so encontrados nas piores condies, EPIs em pssimascondies, isso quando os empregadores fornecem. O Governosempre se preocupa com os empresrios e esquece dostrabalhadores que geram o lucro alto deles.

    Reply

    Zaqueu Aguiar on 24 de julho de 2013 at 11:11

    O que esperar de um acordo com prazo de validade, quando esteacordo est falando de seres humanos que vinham morrendo nosetor de tanto trabalho?

    As condies precrias nunca terminam neste setor.

    O Governo brasileiro que queria vender seu produto l fora e umbando de sindicalistas com promessa de uma conta bancria maisgorda, a conversa por ai que compraram at fazenda depois doacordo.

    Os sindicalista serios de So Paulo foram excludos das negociaes edemais representaes da federao.

    quem Perde?

    Reply

  • 06/07/2015 Acordoecertificaessobretrabalhonacanaperdemvalidade|ReprterBrasil

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