ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de...
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Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção:
I – RELATÓRIO
1. O Município de Felgueiras (doravante MdF), submeteu a fiscalização prévia do
Tribunal de Contas um contrato de empréstimo (na modalidade de “Contrato de
Financiamento Reembolsável”) para financiar a contrapartida nacional da Operação
POSEUR-03-2012-FC-000590 - «Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa –
Várias Bacias Municipais (Pertencentes à RH3) Fase 1», no âmbito da Linha BEI PT
2020 – Autarquias, celebrado com a Agência para o Desenvolvimento & Coesão, IP
(doravante AD&C), em 03.05.2019, no montante de 339.654,79€, para vigorar pelo
prazo de 15 anos.
2. Para melhor instrução do processo, foi o contrato objeto de devolução ao MdF para
prestação de esclarecimentos adicionais necessários à tomada de decisão por parte
deste Tribunal.
II. FUNDAMENTAÇÃO
– DE FACTO
Secção: 1ª S/SS
Data: 15/07/2019
Processo: 1506/2019
MANTIDO PELO ACORDÃO 7/2020–PL, PROFERIDO NO RO 11/2019
ACÓRDÃO Nº
26
RELATOR: Conselheiro Fernando Oliveira Silva
2019
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3. Com relevo para a presente decisão e para além do já mencionado no precedente
relatório, consideram-se como assentes os seguintes factos, evidenciados pelos
documentos constantes do processo:
a) A República Portuguesa celebrou, com o Banco Europeu de Investimento (BEI)
um Empréstimo Quadro (EQBEI-PT2020), o qual se destina a financiar a
contrapartida nacional de operações aprovadas pelos Fundos Europeus
Estruturais e de Investimento (FEEI), designadamente o Fundo Social Europeu,
o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Fundo de Coesão (Fundos
da Política de Coesão) no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal
2020;
b) Pelo Decreto-Lei n.° 33/2018, de 15 de maio (n.° 2 do seu artigo 100º), foi
atribuída à AD&C competência para a concessão, em nome do Estado, de
financiamentos no âmbito do Empréstimo Quadro (EQBEI-PT2020);
c) Através do Despacho n.° 6200/2018, de 15 de junho (publicado no Diário da
República, 2ª Série, n.º 121, de 26 de junho de 2018, dos Ministros das
Finanças e do Planeamento e das Infraestruturas), estabeleceram-se as
condições de acesso e de utilização de financiamento no âmbito do EQ
Portugal 2020 (PT2020) contratado entre a República Portuguesa e o BEI, até
ao limite de 250.000.000€, designado por “Linha BEI PT 2020 - Autarquias
(2018)”;
d) Por sua vez, pelo Despacho n.° 6323-A/2018, de 27 de junho (publicado no
Diário da República, 2.ª Série, n.° 123, de 28 de junho, do Conselho Diretivo
da AD&C), foi aprovado o “Regulamento de Implementação da Linha de BEI
PT2020”, definindo os procedimentos de utilização da referida linha de
crédito;
e) Do referido Regulamento de Implementação da “Linha BEI PT 2020 –
Autarquias” importa destacar, nomeadamente, que os critérios de
elegibilidade das operações (art.º 3.º) são, cumulativamente, os seguintes:
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i. Tenham sido aprovadas para cofinanciamento pelo FEDER ou Fundo de
Coesão no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal 2020;
ii. Não se encontrem concluídas, física e financeiramente, à data de
submissão do pedido de financiamento;
iii. Não beneficiem de outro empréstimo do BEI para a mesma operação;
iv. Cujas entidades beneficiárias, à data da submissão do pedido de
financiamento, apresentem situação contributiva e tributária regular,
não se encontrem em incumprimento na devolução de verbas recebidas
no âmbito dos Fundos da Política de Coesão ou de outros empréstimos
concedidos pela Direção Geral Tesouro e Finanças (DGTF);
v. Observem os critérios específicos de elegibilidade definidos na Linha BEI
PT 2020 — Autarquias, contratado entre a República Portuguesa e o BEI,
estabelecidos no Anexo A
f) O valor do empréstimo a conceder no âmbito desta linha de financiamento
está subordinado, entre outras, às seguintes condições (cf. Art.º 5.º n.º 3):
1. Não exceder 50 % do custo total previsto na decisão de aprovação de cofinanciamento pelo respetivo Fundo;
ii. 100 % do custo total deduzido das despesas não elegíveis a financiamento pelo BEI e do apoio do Portugal 2020, ou 90 % no caso das operações apoiadas pelos PO de Lisboa e da Madeira;
iii. Ter um valor mínimo de 10 m€.”
g) A decisão de contrair o empréstimo foi tomada por deliberação da Câmara
Municipal de Felgueiras, de 04.10.2018, e pela respetiva Assembleia
Municipal, em 23.11.2018;
h) Por sua vez, aprovada a candidatura pela AD&C, em 02.11.2018, a decisão de
autorização do empréstimo foi tomada por deliberação do executivo
municipal de Felgueiras, em 20.12.2018, e pela assembleia municipal, em
08.02.2019;
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i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de
financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a
fiscalização prévia deste Tribunal no dia 15.05.2019;
j) Do referido contrato consta uma cláusula 6.ª (“Utilização”), com o seguinte
teor:
«1 – O financiamento reembolsável é concedido ao Mutuário através de
desembolsos parcelares classificados como:
a) Desembolso inicial;
b) Desembolsos subsequentes;
2 – O desembolso inicial equivale a um terço do valor do empréstimo, sendo
pago mediante pedido expresso do Mutuário, após assinatura do contrato
ou da produção dos efeitos do mesmo, quando se verifique a necessidade de
obtenção de visto prévio do Tribunal de Contas.
3 – O número de desembolsos subsequentes é calculado em função da
execução financeira da operação cofinanciada pelos Fundos PT2020,
através da despesa validada indicada na conta corrente disponível no
Balcão 2020, sendo pagos mediante pedido expresso do Mutuário e de
acordo com os seguintes índices de realização financeira:
a) O segundo terço do valor do empréstimo quando a operação
atingir um nível de execução mínimo de 33,3% do respetivo valor de
aprovação;
b) O último terço do valor do empréstimo quando a operação atingir
um nível de execução mínimo de 66,6% do respetivo valor de
aprovação».
k) O pedido de financiamento reembolsável apresentado pelo MdF foi aprovado
de forma condicionada pela AD&C, carecendo de aprovação ex post por parte
do BEI;
l) Nos termos da cláusula 1.ª do contrato de financiamento, a finalidade do
empréstimo em causa é a de financiar uma concreta obra pública, ou seja, um
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investimento determinado, em cumprimento do disposto no artigo 51.º, n.º
1 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Regime Financeiro das Autarquias
Locais e Entidades Intermunicipais - RFALEI);
m) A obra para cuja contrapartida nacional pretende ser solicitado o empréstimo
é a empreitada «Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa – Várias
Bacias Municipais (pertencentes à RH3) – Fase 1», que apresenta um valor de
adjudicação de 929.511,85€, acrescido de IVA;
n) A referida obra foi consignada em 24.08.2017, iniciando nessa data a sua
execução física;
o) De acordo com a informação constante do processo, prestada, em
13.05.2019, pelo Diretor do Departamento Técnico do MdF, a obra encontra-
se concluída, quer em termos de execução física, quer em termos de
execução financeira, desde o dia 20.03.2019, tendo sido executado e pago a
totalidade do valor adjudicado;
p) Dado tratar-se de um empréstimo para investimento, tendo em vista a
avaliação da necessidade e atualidade do montante do financiamento
pretendido, foi o MdF questionado sobre o grau de execução física e
financeira do mesmo, tendo respondido, em 13.06.2019, o seguinte:
«Antes de mais, recorde-se que a Linha BEI PT 2020 — Autarquias constitui
uma especial forma de financiamento, que pressupõe a aprovação das
operações de investimento no âmbito dos Programas Operacionais (PO) do
Portugal 2020, cofinanciadas pelo FEDER e Fundo de Coesão e cujas
condições de acesso estão devidamente definidas em regulamento para o
efeito aprovado pela AD&C (Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.
P.).
Não estamos perante um "normal" contrato de mútuo destinado a "cobrir"
investimentos a identificar no respetivo contrato ou para proceder ao
saneamento ou ao reequilíbrio financeiro dos Municípios; daí ter sido
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admitido/decidido (quer por várias entidades públicas, quer pelo Consultor
Externo auscultado sobre esta matéria) não lhes ser aplicável o disposto no
n.° 5 do artigo 49.° do Regime Financeiro das Autarquias Locais, no que
tange à obrigatoriedade de o pedido de autorização à assembleia municipal
para contração do empréstimo ser acompanhado de demonstração de
consulta, e informação sobre as condições praticadas quando esta tiver sido
prestada, em, pelo menos, três instituições autorizadas por lei a conceder
crédito. In casu, inexistem razões de transparência e de promoção da
concorrência que reclamassem tal regime, o que demonstra claramente
estarmos perante um financiamento especial, enquadrado previamente
num Empréstimo Quadro (EQ) celebrado entre a República Portuguesa e o
Banco Europeu de Investimento (BEI), no valor de EUR 750.000.000,
destinado ao financiamento da contrapartida nacional de operações
aprovadas pelos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI),
designadamente o Fundo Social Europeu, o Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional e o Fundo de Coesão (Fundos da Política de
Coesão) no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal 2020, sendo
que, no que tange as autarquias locais, e em consonância com o despacho
conjunto dos Ministros das Finanças e do Planeamento e das
Infraestruturas n.° 6200/2018, de 15 de Junho de 2018, a primeira parcela
do EQ, no montante de EUR 250.000.000, destina-se ao cofinanciamento da
contrapartida nacional de operações de investimento autárquico,
financiados pelo FEDER e pelo Fundo de Coesão no âmbito dos Programas
Operacionais do Portugal 2020.
Enfim, como se percebe, o que está em causa no presente processo tem um
enquadramento muito próprio e um Empréstimo Quadro que o "delimita",
estando garantido pelo Município que o produto dos empréstimos não pode
ser aplicado em despesas que não aquelas que resultem dos concretos
investimentos a que se destinam, conforme previamente aprovado.
E é exatamente esta especificidade, esta diferença para os normais
empréstimos, que permite respeitar a tipicidade das finalidades do
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empréstimo/financiamento, mesmo que nesta data inexistam faturas por
pagar, embora possa ainda existir auto de revisão de preços e respetiva
faturação.
Desta forma, e concluindo, importa perceber que, no caso concreto, o
processo de candidatura ocorreu parcialmente em simultâneo com o pedido
de financiamento da linha BEI, que foi, assim, iniciado numa fase anterior
ao término da candidatura que aconteceu em 30/04/2019, conforme
identificado pelo TdC; contudo, aqui chegados sem que o pedido de
financiamento estivesse decidido, foi necessário (l) cumprir o prazo de
candidatura e executar a operação nos termos e condições constantes da
decisão de aprovação da Comissão Diretiva do Programa; (2) dar
seguimento aos trâmites associados ao processo de empréstimo à linha BEI,
nomeadamente a remessa para fiscalização prévia para o Exmo. Tribunal
de Contas. Por conseguinte, o financiamento foi sempre condição para o
Município avançar com a execução da candidatura, pois a estratégia
definida pelo atual Executivo Municipal para o quadriénio 2017/2021,
plasmada no Orçamento e Grandes Opções do Plano, tem como ponto
fulcral a boa administração a sustentabilidade financeira do Município de
Felgueiras e salvaguarda da equidade intergeracional, tendo desde o início
ficado assumido que o produto dos empréstimos será aplicado,
precisamente, para cobrir as despesas suportadas com os concretos
investimentos autorizados, nos termos das candidaturas previamente
aprovadas.
E isto que se pretende e se fará».
– DE DIREITO
a) Da necessidade de contração do empréstimo
4. A única questão jurídica relevante no presente caso assenta na verificação do
cumprimento dos princípios da atualidade e da necessidade do empréstimo, à luz da
legislação que regula, em geral, a contratação de empréstimos por parte de
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autarquias locais e, em especial, das normas aplicáveis à tipologia do empréstimo em
causa.
5. A Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (que aprova o RFALEI – Regime Financeiro das
Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais), estabelece no seu artigo 49.º, n.º
1 que «os municípios podem contrair empréstimos, incluindo aberturas de crédito
junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito, bem como
celebrar contratos de locação financeira, nos termos da lei».
Por sua vez, o n.º 2 deste artigo explicita que os empréstimos podem ser de dois
tipos: ou de curto prazo (com maturidade até um ano) ou a médio e longo prazos
(com maturidade superior a um ano e até um máximo de 20 anos – cfr. Artigo 51.º,
n.º 7 do RFALEI).
6. Porém, não está no livre arbítrio dos municípios contrair tais empréstimos de forma
indiferenciada ou indiscriminada, antes pelo contrário. O legislador foi taxativo ao
prever que:
a) Os empréstimos de curto prazo apenas podem ser contraídos para ocorrer a
dificuldades de tesouraria, devendo ser amortizados no exercício económico em
que foram contratados (artigo 50.º, n.º 1 do RFALEI);
b) Os empréstimos de médio e longo prazos apenas podem ser contraídos (artigo
51.º, n.º 1 do RFALEI):
i. para aplicação em investimentos;
ii. para substituição de dívida;
iii. ou para executar “mecanismos de recuperação financeira municipal”, os
quais são, expressamente, o saneamento financeiro e a recuperação
financeira, conforme previsto no artigo 57.º, n.º 1 do RFALEI.
7. Analisando o contrato de empréstimo em apreço, verificamos que o mesmo foi
celebrado pelo prazo de 15 anos, tendo por finalidade o financiamento da
contrapartida nacional (339.654,79€) de um investimento realizado pela autarquia,
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ou seja, a empreitada de “Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa –
Várias Bacias Municipais (Pertencentes à RH3) – Fase 1”, cujo preço contratual foi de
929.511,85€, acrescido de IVA.
8. Para além da legislação que rege os empréstimos das autarquias locais em geral (o
citado RFALEI), o contrato de financiamento em questão regula-se ainda por
legislação especial, nomeadamente o artigo 100.º, n.º 2 do Decreto-Lei n-º 33/2018,
de 15 de maio (Lei de Execução do Orçamento para 2018), segundo o qual «A
concessão de financiamentos no âmbito do empréstimo-quadro contratado entre a
República Portuguesa e o Banco Europeu de Investimento é objeto de despacho dos
membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e pela coordenação do
Portugal 2020 e do QREN, fixando as condições de acesso e de utilização dos
financiamentos, a conceder pelo Estado através da Agência, I.P., ou das instituições
financeiras aderentes à utilização desses financiamentos às entidades beneficiárias
do empréstimo-quadro».
9. Cumprida a primeira parte da questão – enquadramento legal do empréstimo em
termos de finalidade (investimento) e de prazo (15 anos) – subsiste a questão da sua
atualidade e necessidade à luz da citada legislação.
10. É que, no caso sub judice, o MdF pretende contrair um empréstimo para suportar as
despesas com a contrapartida nacional de uma empreitada financiada pelo FEDER. O
problema é que, tal como consta da matéria de facto, na data da celebração do
contrato de empréstimo com a AD&C (03.05.2019) já a empreitada em causa se
encontrava totalmente executada e paga, desde 20.03.2019, o que coloca em crise
qualquer fundamento legal para a contração do mesmo.
11. Argumenta o MdF que:
«Enfim, como se percebe, o que está em causa no presente processo tem um
enquadramento muito próprio e um Empréstimo Quadro que o "delimita", estando
garantido pelo Município que o produto dos empréstimos não pode ser aplicado em
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despesas que não aquelas que resultem dos concretos investimentos a que se
destinam, conforme previamente aprovado.
E é exatamente esta especificidade, esta diferença para os normais empréstimos,
que permite respeitar a tipicidade das finalidades do empréstimo/financiamento,
mesmo que nesta data inexistam faturas por pagar, embora possa ainda existir auto
de revisão de preços e respetiva faturação.
Desta forma, e concluindo, importa perceber que, no caso concreto, o processo de
candidatura ocorreu parcialmente em simultâneo com o pedido de financiamento
da linha BEI, que foi, assim, iniciado numa fase anterior ao término da candidatura
que aconteceu em 30/04/2019, conforme identificado pelo TdC; contudo, aqui
chegados sem que o pedido de financiamento estivesse decidido, foi necessário (l)
cumprir o prazo de candidatura e executar a operação nos termos e condições
constantes da decisão de aprovação da Comissão Diretiva do Programa; (2) dar
seguimento aos trâmites associados ao processo de empréstimo à linha BEI,
nomeadamente a remessa para fiscalização prévia para o Exmo. Tribunal de Contas.
Por conseguinte, o financiamento foi sempre condição para o Município avançar
com a execução da candidatura, pois a estratégia definida pelo atual Executivo
Municipal para o quadriénio 2017/2021, plasmada no Orçamento e Grandes Opções
do Plano, tem como ponto fulcral a boa administração a sustentabilidade financeira
do Município de Felgueiras e salvaguarda da equidade intergeracional, tendo desde
o início ficado assumido que o produto dos empréstimos será aplicado,
precisamente, para cobrir as despesas suportadas com os concretos investimentos
autorizados, nos termos das candidaturas previamente aprovadas.»
12. Porém, tal argumento não colhe, à luz do direito aplicável ao caso concreto, uma vez
que, independentemente das justificações apresentadas, se a obra está
integralmente paga, tal significa que o município dispunha, afinal, de fundos
financeiros próprios suficientes para liquidar a contrapartida nacional em causa, o
que afasta a necessidade do empréstimo.
13. É que a contração de empréstimo para aplicação em investimento tem por
pressuposto duas condições:
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a) Que o investimento em causa, devidamente identificado, ainda está por
executar, pelo menos, parcialmente;
b) Que a entidade financiada não dispõe de fundos próprios para o efeito ou,
dispondo, não os pretende utilizar nesse fim.
14. No caso sub judice não se verifica nenhuma das duas condições uma vez que a obra
já está totalmente executada (o investimento pretendido já foi realizado) e paga com
fundos próprios (o que inviabiliza o fundamento do empréstimo).
15. Num outro plano, contratar agora tal empréstimo significaria, na prática, que as
verbas recebidas do financiamento BEI iriam ser aplicadas com uma finalidade
diversa da que serviu de fundamento para a sua obtenção (não sendo argumento
bastante para manter a mesma finalidade afirmar que se trata de financiar outros
investimentos e não quaisquer outras despesas), o que viola o disposto no artigo
51.º, n.ºs 1 e 2 do RFALEI.
16. É que, ao invés do que defende o MdF, o empréstimo em causa não pode ser
concedido para um qualquer investimento, mas apenas para o investimento
concretamente identificado no contrato de financiamento. E no presente caso, tal
não seria possível, pois o investimento em causa já não carece de financiamento pois
está integralmente pago. Ou seja, à luz da legislação que regula a contratação de
empréstimos por parte de autarquias locais, não existe fundamento legal para a
contratação do empréstimo em causa, por ausência de necessidade (legal) de
financiamento por parte do MdF, ou, dito de outro modo, por ausência de nexo de
causalidade entre o empréstimo a contrair e o (pretenso) investimento a realizar.
17. O Tribunal de Contas já se pronunciou sobre casos análogos ao presente em diversos
arestos, recusando o visto a contratos de empréstimo em que o investimento em
causa já se encontrava totalmente executado e pago: cfr. Acórdão n.º 19/07 – 1.ª
S/PL, de 19.11.2007; Acórdão n.º 34/2010 – 1.ª S/PL, de 17.12.2010; e Acórdão n.º
15/2014 – 1.ª S/SS, de 27.05.2014, e o mais recente, sobre caso idêntico, o Acórdão
n.º 20/2019 – 1.ª S/SS, de 02.07.2019.
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E como se referiu no supracitado Acórdão n.º 34/2010, «o produto dos empréstimos
não pode ser aplicado em despesas que não aquelas que resultem dos concretos
investimentos a que se destinam».
b) Das consequências da ilegalidade verificada
18. Em síntese, a operação de “financiamento reembolsável” em causa não tem
sustentação legal, por violação do disposto no artigo 51.º, n.ºs 1 e 2 do RFALEI,
normas que têm inquestionável natureza financeira.
19. Consequentemente, mostra-se preenchida a previsão do n.º 2 do artigo 4.º do
RFALEI, sendo nulas as deliberações dos órgãos executivo e deliberativo municipais
de Felgueiras que autorizaram a contratação do referido empréstimo, por estar em
causa uma despesa não permitida por lei, o que gera, igualmente a nulidade do
próprio contrato. Nulidade que se obtém, ainda, por força do disposto no artigo 59.º,
n.º 2, al. c) do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado pela Lei n.º
75/2013, de 12 de setembro.
20. Ora, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, tanto a nulidade
como a violação direta de normas financeiras constituem fundamentos de recusa de
visto.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra indicados, acordam os juízes do Tribunal de Contas, em
subsecção da 1.ª Secção, em decidir recusar o visto ao contrato identificado no §1.
deste acórdão.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico dos
Emolumentos do Tribunal de Contas (Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de maio, com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei n.º 3-B/2000,
de 4 de abril).
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Lisboa, 15 de julho de 2019
Os Juízes Conselheiros,
_________________________________________
(Fernando Oliveira Silva, Relator)
_________________________________________
(Mário Mendes Serrano)
_________________________________________
(Alziro Antunes Cardoso)
Fui presente
A Procuradora-Geral Adjunta,
__________________________________________
(Nélia Moura)