ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de...

13
Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção: I – RELATÓRIO 1. O Município de Felgueiras (doravante MdF), submeteu a fiscalização prévia do Tribunal de Contas um contrato de empréstimo (na modalidade de “Contrato de Financiamento Reembolsável”) para financiar a contrapartida nacional da Operação POSEUR-03-2012-FC-000590 - «Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa – Várias Bacias Municipais (Pertencentes à RH3) Fase 1», no âmbito da Linha BEI PT 2020 – Autarquias, celebrado com a Agência para o Desenvolvimento & Coesão, IP (doravante AD&C), em 03.05.2019, no montante de 339.654,79€, para vigorar pelo prazo de 15 anos. 2. Para melhor instrução do processo, foi o contrato objeto de devolução ao MdF para prestação de esclarecimentos adicionais necessários à tomada de decisão por parte deste Tribunal. II. FUNDAMENTAÇÃO – DE FACTO Secção: 1ª S/SS Data: 15/07/2019 Processo: 1506/2019 MANTIDO PELO ACORDÃO 7/2020–PL, PROFERIDO NO RO 11/2019 ACÓRDÃO Nº 26 RELATOR: Conselheiro Fernando Oliveira Silva 2019

Transcript of ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de...

Page 1: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção:

I – RELATÓRIO

1. O Município de Felgueiras (doravante MdF), submeteu a fiscalização prévia do

Tribunal de Contas um contrato de empréstimo (na modalidade de “Contrato de

Financiamento Reembolsável”) para financiar a contrapartida nacional da Operação

POSEUR-03-2012-FC-000590 - «Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa –

Várias Bacias Municipais (Pertencentes à RH3) Fase 1», no âmbito da Linha BEI PT

2020 – Autarquias, celebrado com a Agência para o Desenvolvimento & Coesão, IP

(doravante AD&C), em 03.05.2019, no montante de 339.654,79€, para vigorar pelo

prazo de 15 anos.

2. Para melhor instrução do processo, foi o contrato objeto de devolução ao MdF para

prestação de esclarecimentos adicionais necessários à tomada de decisão por parte

deste Tribunal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

– DE FACTO

Secção: 1ª S/SS

Data: 15/07/2019

Processo: 1506/2019

MANTIDO PELO ACORDÃO 7/2020–PL, PROFERIDO NO RO 11/2019

ACÓRDÃO Nº

26

RELATOR: Conselheiro Fernando Oliveira Silva

2019

Page 2: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

2

3. Com relevo para a presente decisão e para além do já mencionado no precedente

relatório, consideram-se como assentes os seguintes factos, evidenciados pelos

documentos constantes do processo:

a) A República Portuguesa celebrou, com o Banco Europeu de Investimento (BEI)

um Empréstimo Quadro (EQBEI-PT2020), o qual se destina a financiar a

contrapartida nacional de operações aprovadas pelos Fundos Europeus

Estruturais e de Investimento (FEEI), designadamente o Fundo Social Europeu,

o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Fundo de Coesão (Fundos

da Política de Coesão) no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal

2020;

b) Pelo Decreto-Lei n.° 33/2018, de 15 de maio (n.° 2 do seu artigo 100º), foi

atribuída à AD&C competência para a concessão, em nome do Estado, de

financiamentos no âmbito do Empréstimo Quadro (EQBEI-PT2020);

c) Através do Despacho n.° 6200/2018, de 15 de junho (publicado no Diário da

República, 2ª Série, n.º 121, de 26 de junho de 2018, dos Ministros das

Finanças e do Planeamento e das Infraestruturas), estabeleceram-se as

condições de acesso e de utilização de financiamento no âmbito do EQ

Portugal 2020 (PT2020) contratado entre a República Portuguesa e o BEI, até

ao limite de 250.000.000€, designado por “Linha BEI PT 2020 - Autarquias

(2018)”;

d) Por sua vez, pelo Despacho n.° 6323-A/2018, de 27 de junho (publicado no

Diário da República, 2.ª Série, n.° 123, de 28 de junho, do Conselho Diretivo

da AD&C), foi aprovado o “Regulamento de Implementação da Linha de BEI

PT2020”, definindo os procedimentos de utilização da referida linha de

crédito;

e) Do referido Regulamento de Implementação da “Linha BEI PT 2020 –

Autarquias” importa destacar, nomeadamente, que os critérios de

elegibilidade das operações (art.º 3.º) são, cumulativamente, os seguintes:

Page 3: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

3

i. Tenham sido aprovadas para cofinanciamento pelo FEDER ou Fundo de

Coesão no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal 2020;

ii. Não se encontrem concluídas, física e financeiramente, à data de

submissão do pedido de financiamento;

iii. Não beneficiem de outro empréstimo do BEI para a mesma operação;

iv. Cujas entidades beneficiárias, à data da submissão do pedido de

financiamento, apresentem situação contributiva e tributária regular,

não se encontrem em incumprimento na devolução de verbas recebidas

no âmbito dos Fundos da Política de Coesão ou de outros empréstimos

concedidos pela Direção Geral Tesouro e Finanças (DGTF);

v. Observem os critérios específicos de elegibilidade definidos na Linha BEI

PT 2020 — Autarquias, contratado entre a República Portuguesa e o BEI,

estabelecidos no Anexo A

f) O valor do empréstimo a conceder no âmbito desta linha de financiamento

está subordinado, entre outras, às seguintes condições (cf. Art.º 5.º n.º 3):

1. Não exceder 50 % do custo total previsto na decisão de aprovação de cofinanciamento pelo respetivo Fundo;

ii. 100 % do custo total deduzido das despesas não elegíveis a financiamento pelo BEI e do apoio do Portugal 2020, ou 90 % no caso das operações apoiadas pelos PO de Lisboa e da Madeira;

iii. Ter um valor mínimo de 10 m€.”

g) A decisão de contrair o empréstimo foi tomada por deliberação da Câmara

Municipal de Felgueiras, de 04.10.2018, e pela respetiva Assembleia

Municipal, em 23.11.2018;

h) Por sua vez, aprovada a candidatura pela AD&C, em 02.11.2018, a decisão de

autorização do empréstimo foi tomada por deliberação do executivo

municipal de Felgueiras, em 20.12.2018, e pela assembleia municipal, em

08.02.2019;

Page 4: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

4

i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de

financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

fiscalização prévia deste Tribunal no dia 15.05.2019;

j) Do referido contrato consta uma cláusula 6.ª (“Utilização”), com o seguinte

teor:

«1 – O financiamento reembolsável é concedido ao Mutuário através de

desembolsos parcelares classificados como:

a) Desembolso inicial;

b) Desembolsos subsequentes;

2 – O desembolso inicial equivale a um terço do valor do empréstimo, sendo

pago mediante pedido expresso do Mutuário, após assinatura do contrato

ou da produção dos efeitos do mesmo, quando se verifique a necessidade de

obtenção de visto prévio do Tribunal de Contas.

3 – O número de desembolsos subsequentes é calculado em função da

execução financeira da operação cofinanciada pelos Fundos PT2020,

através da despesa validada indicada na conta corrente disponível no

Balcão 2020, sendo pagos mediante pedido expresso do Mutuário e de

acordo com os seguintes índices de realização financeira:

a) O segundo terço do valor do empréstimo quando a operação

atingir um nível de execução mínimo de 33,3% do respetivo valor de

aprovação;

b) O último terço do valor do empréstimo quando a operação atingir

um nível de execução mínimo de 66,6% do respetivo valor de

aprovação».

k) O pedido de financiamento reembolsável apresentado pelo MdF foi aprovado

de forma condicionada pela AD&C, carecendo de aprovação ex post por parte

do BEI;

l) Nos termos da cláusula 1.ª do contrato de financiamento, a finalidade do

empréstimo em causa é a de financiar uma concreta obra pública, ou seja, um

Page 5: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

5

investimento determinado, em cumprimento do disposto no artigo 51.º, n.º

1 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Regime Financeiro das Autarquias

Locais e Entidades Intermunicipais - RFALEI);

m) A obra para cuja contrapartida nacional pretende ser solicitado o empréstimo

é a empreitada «Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa – Várias

Bacias Municipais (pertencentes à RH3) – Fase 1», que apresenta um valor de

adjudicação de 929.511,85€, acrescido de IVA;

n) A referida obra foi consignada em 24.08.2017, iniciando nessa data a sua

execução física;

o) De acordo com a informação constante do processo, prestada, em

13.05.2019, pelo Diretor do Departamento Técnico do MdF, a obra encontra-

se concluída, quer em termos de execução física, quer em termos de

execução financeira, desde o dia 20.03.2019, tendo sido executado e pago a

totalidade do valor adjudicado;

p) Dado tratar-se de um empréstimo para investimento, tendo em vista a

avaliação da necessidade e atualidade do montante do financiamento

pretendido, foi o MdF questionado sobre o grau de execução física e

financeira do mesmo, tendo respondido, em 13.06.2019, o seguinte:

«Antes de mais, recorde-se que a Linha BEI PT 2020 — Autarquias constitui

uma especial forma de financiamento, que pressupõe a aprovação das

operações de investimento no âmbito dos Programas Operacionais (PO) do

Portugal 2020, cofinanciadas pelo FEDER e Fundo de Coesão e cujas

condições de acesso estão devidamente definidas em regulamento para o

efeito aprovado pela AD&C (Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.

P.).

Não estamos perante um "normal" contrato de mútuo destinado a "cobrir"

investimentos a identificar no respetivo contrato ou para proceder ao

saneamento ou ao reequilíbrio financeiro dos Municípios; daí ter sido

Page 6: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

6

admitido/decidido (quer por várias entidades públicas, quer pelo Consultor

Externo auscultado sobre esta matéria) não lhes ser aplicável o disposto no

n.° 5 do artigo 49.° do Regime Financeiro das Autarquias Locais, no que

tange à obrigatoriedade de o pedido de autorização à assembleia municipal

para contração do empréstimo ser acompanhado de demonstração de

consulta, e informação sobre as condições praticadas quando esta tiver sido

prestada, em, pelo menos, três instituições autorizadas por lei a conceder

crédito. In casu, inexistem razões de transparência e de promoção da

concorrência que reclamassem tal regime, o que demonstra claramente

estarmos perante um financiamento especial, enquadrado previamente

num Empréstimo Quadro (EQ) celebrado entre a República Portuguesa e o

Banco Europeu de Investimento (BEI), no valor de EUR 750.000.000,

destinado ao financiamento da contrapartida nacional de operações

aprovadas pelos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI),

designadamente o Fundo Social Europeu, o Fundo Europeu de

Desenvolvimento Regional e o Fundo de Coesão (Fundos da Política de

Coesão) no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal 2020, sendo

que, no que tange as autarquias locais, e em consonância com o despacho

conjunto dos Ministros das Finanças e do Planeamento e das

Infraestruturas n.° 6200/2018, de 15 de Junho de 2018, a primeira parcela

do EQ, no montante de EUR 250.000.000, destina-se ao cofinanciamento da

contrapartida nacional de operações de investimento autárquico,

financiados pelo FEDER e pelo Fundo de Coesão no âmbito dos Programas

Operacionais do Portugal 2020.

Enfim, como se percebe, o que está em causa no presente processo tem um

enquadramento muito próprio e um Empréstimo Quadro que o "delimita",

estando garantido pelo Município que o produto dos empréstimos não pode

ser aplicado em despesas que não aquelas que resultem dos concretos

investimentos a que se destinam, conforme previamente aprovado.

E é exatamente esta especificidade, esta diferença para os normais

empréstimos, que permite respeitar a tipicidade das finalidades do

Page 7: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

7

empréstimo/financiamento, mesmo que nesta data inexistam faturas por

pagar, embora possa ainda existir auto de revisão de preços e respetiva

faturação.

Desta forma, e concluindo, importa perceber que, no caso concreto, o

processo de candidatura ocorreu parcialmente em simultâneo com o pedido

de financiamento da linha BEI, que foi, assim, iniciado numa fase anterior

ao término da candidatura que aconteceu em 30/04/2019, conforme

identificado pelo TdC; contudo, aqui chegados sem que o pedido de

financiamento estivesse decidido, foi necessário (l) cumprir o prazo de

candidatura e executar a operação nos termos e condições constantes da

decisão de aprovação da Comissão Diretiva do Programa; (2) dar

seguimento aos trâmites associados ao processo de empréstimo à linha BEI,

nomeadamente a remessa para fiscalização prévia para o Exmo. Tribunal

de Contas. Por conseguinte, o financiamento foi sempre condição para o

Município avançar com a execução da candidatura, pois a estratégia

definida pelo atual Executivo Municipal para o quadriénio 2017/2021,

plasmada no Orçamento e Grandes Opções do Plano, tem como ponto

fulcral a boa administração a sustentabilidade financeira do Município de

Felgueiras e salvaguarda da equidade intergeracional, tendo desde o início

ficado assumido que o produto dos empréstimos será aplicado,

precisamente, para cobrir as despesas suportadas com os concretos

investimentos autorizados, nos termos das candidaturas previamente

aprovadas.

E isto que se pretende e se fará».

– DE DIREITO

a) Da necessidade de contração do empréstimo

4. A única questão jurídica relevante no presente caso assenta na verificação do

cumprimento dos princípios da atualidade e da necessidade do empréstimo, à luz da

legislação que regula, em geral, a contratação de empréstimos por parte de

Page 8: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

8

autarquias locais e, em especial, das normas aplicáveis à tipologia do empréstimo em

causa.

5. A Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (que aprova o RFALEI – Regime Financeiro das

Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais), estabelece no seu artigo 49.º, n.º

1 que «os municípios podem contrair empréstimos, incluindo aberturas de crédito

junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito, bem como

celebrar contratos de locação financeira, nos termos da lei».

Por sua vez, o n.º 2 deste artigo explicita que os empréstimos podem ser de dois

tipos: ou de curto prazo (com maturidade até um ano) ou a médio e longo prazos

(com maturidade superior a um ano e até um máximo de 20 anos – cfr. Artigo 51.º,

n.º 7 do RFALEI).

6. Porém, não está no livre arbítrio dos municípios contrair tais empréstimos de forma

indiferenciada ou indiscriminada, antes pelo contrário. O legislador foi taxativo ao

prever que:

a) Os empréstimos de curto prazo apenas podem ser contraídos para ocorrer a

dificuldades de tesouraria, devendo ser amortizados no exercício económico em

que foram contratados (artigo 50.º, n.º 1 do RFALEI);

b) Os empréstimos de médio e longo prazos apenas podem ser contraídos (artigo

51.º, n.º 1 do RFALEI):

i. para aplicação em investimentos;

ii. para substituição de dívida;

iii. ou para executar “mecanismos de recuperação financeira municipal”, os

quais são, expressamente, o saneamento financeiro e a recuperação

financeira, conforme previsto no artigo 57.º, n.º 1 do RFALEI.

7. Analisando o contrato de empréstimo em apreço, verificamos que o mesmo foi

celebrado pelo prazo de 15 anos, tendo por finalidade o financiamento da

contrapartida nacional (339.654,79€) de um investimento realizado pela autarquia,

Page 9: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

9

ou seja, a empreitada de “Extensão e fecho da Rede de Saneamento em Baixa –

Várias Bacias Municipais (Pertencentes à RH3) – Fase 1”, cujo preço contratual foi de

929.511,85€, acrescido de IVA.

8. Para além da legislação que rege os empréstimos das autarquias locais em geral (o

citado RFALEI), o contrato de financiamento em questão regula-se ainda por

legislação especial, nomeadamente o artigo 100.º, n.º 2 do Decreto-Lei n-º 33/2018,

de 15 de maio (Lei de Execução do Orçamento para 2018), segundo o qual «A

concessão de financiamentos no âmbito do empréstimo-quadro contratado entre a

República Portuguesa e o Banco Europeu de Investimento é objeto de despacho dos

membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e pela coordenação do

Portugal 2020 e do QREN, fixando as condições de acesso e de utilização dos

financiamentos, a conceder pelo Estado através da Agência, I.P., ou das instituições

financeiras aderentes à utilização desses financiamentos às entidades beneficiárias

do empréstimo-quadro».

9. Cumprida a primeira parte da questão – enquadramento legal do empréstimo em

termos de finalidade (investimento) e de prazo (15 anos) – subsiste a questão da sua

atualidade e necessidade à luz da citada legislação.

10. É que, no caso sub judice, o MdF pretende contrair um empréstimo para suportar as

despesas com a contrapartida nacional de uma empreitada financiada pelo FEDER. O

problema é que, tal como consta da matéria de facto, na data da celebração do

contrato de empréstimo com a AD&C (03.05.2019) já a empreitada em causa se

encontrava totalmente executada e paga, desde 20.03.2019, o que coloca em crise

qualquer fundamento legal para a contração do mesmo.

11. Argumenta o MdF que:

«Enfim, como se percebe, o que está em causa no presente processo tem um

enquadramento muito próprio e um Empréstimo Quadro que o "delimita", estando

garantido pelo Município que o produto dos empréstimos não pode ser aplicado em

Page 10: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

10

despesas que não aquelas que resultem dos concretos investimentos a que se

destinam, conforme previamente aprovado.

E é exatamente esta especificidade, esta diferença para os normais empréstimos,

que permite respeitar a tipicidade das finalidades do empréstimo/financiamento,

mesmo que nesta data inexistam faturas por pagar, embora possa ainda existir auto

de revisão de preços e respetiva faturação.

Desta forma, e concluindo, importa perceber que, no caso concreto, o processo de

candidatura ocorreu parcialmente em simultâneo com o pedido de financiamento

da linha BEI, que foi, assim, iniciado numa fase anterior ao término da candidatura

que aconteceu em 30/04/2019, conforme identificado pelo TdC; contudo, aqui

chegados sem que o pedido de financiamento estivesse decidido, foi necessário (l)

cumprir o prazo de candidatura e executar a operação nos termos e condições

constantes da decisão de aprovação da Comissão Diretiva do Programa; (2) dar

seguimento aos trâmites associados ao processo de empréstimo à linha BEI,

nomeadamente a remessa para fiscalização prévia para o Exmo. Tribunal de Contas.

Por conseguinte, o financiamento foi sempre condição para o Município avançar

com a execução da candidatura, pois a estratégia definida pelo atual Executivo

Municipal para o quadriénio 2017/2021, plasmada no Orçamento e Grandes Opções

do Plano, tem como ponto fulcral a boa administração a sustentabilidade financeira

do Município de Felgueiras e salvaguarda da equidade intergeracional, tendo desde

o início ficado assumido que o produto dos empréstimos será aplicado,

precisamente, para cobrir as despesas suportadas com os concretos investimentos

autorizados, nos termos das candidaturas previamente aprovadas.»

12. Porém, tal argumento não colhe, à luz do direito aplicável ao caso concreto, uma vez

que, independentemente das justificações apresentadas, se a obra está

integralmente paga, tal significa que o município dispunha, afinal, de fundos

financeiros próprios suficientes para liquidar a contrapartida nacional em causa, o

que afasta a necessidade do empréstimo.

13. É que a contração de empréstimo para aplicação em investimento tem por

pressuposto duas condições:

Page 11: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

11

a) Que o investimento em causa, devidamente identificado, ainda está por

executar, pelo menos, parcialmente;

b) Que a entidade financiada não dispõe de fundos próprios para o efeito ou,

dispondo, não os pretende utilizar nesse fim.

14. No caso sub judice não se verifica nenhuma das duas condições uma vez que a obra

já está totalmente executada (o investimento pretendido já foi realizado) e paga com

fundos próprios (o que inviabiliza o fundamento do empréstimo).

15. Num outro plano, contratar agora tal empréstimo significaria, na prática, que as

verbas recebidas do financiamento BEI iriam ser aplicadas com uma finalidade

diversa da que serviu de fundamento para a sua obtenção (não sendo argumento

bastante para manter a mesma finalidade afirmar que se trata de financiar outros

investimentos e não quaisquer outras despesas), o que viola o disposto no artigo

51.º, n.ºs 1 e 2 do RFALEI.

16. É que, ao invés do que defende o MdF, o empréstimo em causa não pode ser

concedido para um qualquer investimento, mas apenas para o investimento

concretamente identificado no contrato de financiamento. E no presente caso, tal

não seria possível, pois o investimento em causa já não carece de financiamento pois

está integralmente pago. Ou seja, à luz da legislação que regula a contratação de

empréstimos por parte de autarquias locais, não existe fundamento legal para a

contratação do empréstimo em causa, por ausência de necessidade (legal) de

financiamento por parte do MdF, ou, dito de outro modo, por ausência de nexo de

causalidade entre o empréstimo a contrair e o (pretenso) investimento a realizar.

17. O Tribunal de Contas já se pronunciou sobre casos análogos ao presente em diversos

arestos, recusando o visto a contratos de empréstimo em que o investimento em

causa já se encontrava totalmente executado e pago: cfr. Acórdão n.º 19/07 – 1.ª

S/PL, de 19.11.2007; Acórdão n.º 34/2010 – 1.ª S/PL, de 17.12.2010; e Acórdão n.º

15/2014 – 1.ª S/SS, de 27.05.2014, e o mais recente, sobre caso idêntico, o Acórdão

n.º 20/2019 – 1.ª S/SS, de 02.07.2019.

Page 12: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

12

E como se referiu no supracitado Acórdão n.º 34/2010, «o produto dos empréstimos

não pode ser aplicado em despesas que não aquelas que resultem dos concretos

investimentos a que se destinam».

b) Das consequências da ilegalidade verificada

18. Em síntese, a operação de “financiamento reembolsável” em causa não tem

sustentação legal, por violação do disposto no artigo 51.º, n.ºs 1 e 2 do RFALEI,

normas que têm inquestionável natureza financeira.

19. Consequentemente, mostra-se preenchida a previsão do n.º 2 do artigo 4.º do

RFALEI, sendo nulas as deliberações dos órgãos executivo e deliberativo municipais

de Felgueiras que autorizaram a contratação do referido empréstimo, por estar em

causa uma despesa não permitida por lei, o que gera, igualmente a nulidade do

próprio contrato. Nulidade que se obtém, ainda, por força do disposto no artigo 59.º,

n.º 2, al. c) do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado pela Lei n.º

75/2013, de 12 de setembro.

20. Ora, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, tanto a nulidade

como a violação direta de normas financeiras constituem fundamentos de recusa de

visto.

III – DECISÃO

Pelos fundamentos supra indicados, acordam os juízes do Tribunal de Contas, em

subsecção da 1.ª Secção, em decidir recusar o visto ao contrato identificado no §1.

deste acórdão.

São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico dos

Emolumentos do Tribunal de Contas (Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de maio, com as

alterações introduzidas pela Lei n.º 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei n.º 3-B/2000,

de 4 de abril).

Page 13: ACÓRDÃO Nº 2019 · 4 i) O contrato de empréstimo em causa, denominado “contrato de financiamento reembolsável”, celebrado em 03.05.2019, foi submetido a

13

Lisboa, 15 de julho de 2019

Os Juízes Conselheiros,

_________________________________________

(Fernando Oliveira Silva, Relator)

_________________________________________

(Mário Mendes Serrano)

_________________________________________

(Alziro Antunes Cardoso)

Fui presente

A Procuradora-Geral Adjunta,

__________________________________________

(Nélia Moura)