ACTAS - Repositório Aberto · 2015-11-19 · das sedas, que já vos mostrei pelos Meus Esforços...
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ACTAS DO CONGRESSO INTLERNIICIOIUAL
PORTO, P A ~ c I O DA BOLSA I 2 a 14 de Ihlovembrc de 1998
@?&*, & UNIVERSIDADE DO PORTO \<%?*
a COMISSÃO NACIONAL
d * PARA AS COMEMORAÇbES DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES
DE COLONOS A EMIGRANTES. ALGUMAS REPERCUSSOES
DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA ACTIVIDADE ECONÓMICA D O PORTO
Por JORGE FERNANDES A V E S
Paculdadc de &irar da Utrivenidade do Portc
11; iin scpração do Brasii 1 ~ » 2 aconleci»ienfo ainda mnis fóril eiii conseqnêncins do que foi n descoborn.
MOUZINHO DA SILVEIPUI
Relarório de 30-7-1832 (anexo ao Decreto n."40)
Do choque da independência do Brasil partir para a reorganização e
modernização interna de Portugal eram estas as esperanças de Mouzinho
da Silveira, o braço reformador de D. Pedro IV, quando, no governo revo-
lucionário dos Açores, apresentava mais uma reforma decisiva para a socie-
dade portuguesa, a extinçáo dos dízimos (Decreto n.O 40). Medida que era
considerada essencial para libertar a agricultura, desonerando-a de uma
pesada exacção fiscal, contribuindo para acabar com o .iizodo de estar
facil, masprecarie a que Portugal se habituara e criar "zuna nova tnatzeira
de existê~zcia, tnz~ltiplicando os valores pelo trabalho próprie. Tempo de
ideais generosos, dirão alguns, tempo de utopias, dirão outi.os, que, em
qualquer caso, motivaram uma geração destinada a viver acontecimentos
determinantes, a geração de D. Pedro, irmanada no sincretismo.que a paiavra
liberalismo exprime.
Poder-se-á dizer que as sementes da mudança acompanharam sempre
D. Pedro, desde que embarcou na nau Principe Real, com 9 anos, em 29 de
Novembro de 1807, para largar do Tejo no dia seguinte, iumo ao Rio de Janeiro,
até falecer, de novo em Lisboa, em 24-9-1834, depois de um percurso tumul-
tuoso. Com efeito, o comboio de 16 navios (8 naus, 4 fragatas, 3 brigues e
1 escuna) largou atabalhoadamente Lisboa aos franceses, com o exército de
Junot a entrar no próprio dia 30 na cidade, e desta fornia evitou eventuais
humilhações aos chamados "grandes de Portugal~, mas não conseguiu criar
D. PEDRO, IMPERADOR D O BRASIL, REI DE PORTUGAL
imunidade à febre dos tempos novos, que contagiou D. Pedro e o acompa-
nhou em vários momentos decisivos.
Vivia-se, entretanto, uin tempo de contradições próprias de quem se vê
emparedado entre a ameaça francesa e a protecção inglesa e, deste modo,
perde capacidade de iniciativa, flutuando ao sabor de reorganizações mais pro-
fundas da comunidade internacional. De tal forma que é através de um for-
mal registo paternalista do príncipe absoluto que nos chegam, por exemplo,
as notícias da adopção d a nova política económica de abertura consubstan-
ciada pelo tratado de 1810 com a Inglaterra, o designado sistema liberal de
cou~ércio e promessas mais gerais de liberalização económica.
Diz o Príncipe Regente (futuro D. João VI), numa memorável carta de
7-3-1810, dirigida ao clero, nobreza e povo, na fraseologia típica do absolu-
tismo (mas em que a toada liberal já estruturava o discurso) que "o interesse
de todos os Meus Vassalos está sempre presente aos Meus Olhos, e merece
toda a atenção dos Meus Paternais Cuidados.. Por isso, foi ,,seivido adoptar
os princípios mais demonstrados d a sã Economia Política, quais o d a Liber-
dade, e franqueza do Comercio, o da diminuição dos direitos das âlfandegas,
unidos aos princípios mais liberais-. E , prevendo agitação nos meios manu-
factureiros habituados ao privilégio real, procurava acalmá-los com uma expli-
cação onde se torna clara a influência das teorias do livre comércio e das
vantagens da especialização internacional, que soavam como tima provocação:
.Não cuideis que a introdução das Manufacmras Britânicas haja de pre-
judicar a vossa Indústria. He hoje verdade demonstrada que toda a Manufac-
tura que nada paga pelas matérias primeiras que emprega, e que tem fora
parte disto os quinze por cento dos Direitos das Alfândegas a seu favor, só
se não sustenta, quando ou o País não é próprio para ela, ou quando ainda
não tem aquela acumulação de cabedais, que exige o estabelecimento de
uma semelhante manufactura. O Emprego dos vossos cabedais é por agora
justamente aplicado na cultura das vossas terras, no melhoramento das vos-
sas vinhas, na bem entendida manufactura do azeite, na cultura dos prados
artificiais, na produção das melhores lãs, na cultura das amoreiras e produção
das sedas, que já vos mostrei pelos Meus Esforços Paternais, serem compará-
veis às melhores d a Europa; sucessivamente depois ireis adiantando as Manu-
facturas que nunca até aqui no Reino, apesar dos Gloriosos Esforços dos
Senhores Reis Meus Predecessores, prosperaram ao ponto que deviam pelo
DE COLONOS A EMIGRANTES
Sistema restricto, que se adoptou, e então conhecereis que esta indústria na
aparência tardia, é a única sólida, e a que toma fortes raízes, e que, progre-
dindo pelos devidos passos intermediários, chega ao maior auge, e lança então
aqueles luminosos raios, que ferem os olhos do Vulgo .... E o que o príncipe anunciava depois era, então, todo um programa de
libertação da terra que, apregoado em 1810, só viria a ter alcance efectivo
precisamente com as medidas revolucionárias do Governo de D. Pedro, na ilha
Terceira, em 1832, pois prometiam-se ,-meios com que se poder20 fixar os Dízi-
mos, a fim de que as terras não sofram um gravame intolerável, com que se
poderão minorar, ou alterar o Systema das Jugadas, Quartos e Terçoç; com
que se poderão fazer resgatáveis os foros, que tanto peso fazem 2s terras,
depois de postas em cultura, com que poderão mino12r-se o11 suprimir-se os
forais, que são em partes do reino de um peso intolerável, o que tudo deve
fazer-se lentamente, para que de tais operações resulte todo o bem sem se
sentir inconveniente algum. A diminuição dos Direitos das Alfândegas há-de
produzir uma grande entrada de ivlanufacturas Estrangeiras; mas quem vende
muito, também necessariamente compra muito; e para ter um grande Comér-
cio de exportação, é necessário também permitir uma grande importação, e a
experiência vos fará ver, que, aumentando-se a vossa Agricultura, não hão-de
arruinar-se as vossas Manufacturas na sua totalidade; e se alguma houver que
se abandone, podeis estar certos, que é uma prova que essa Manufactura não
tinha bases sólidas, nem dava uma vantagem Real ao Estado..
Sabe-se como este quadro de optimismo económico, de base doutriná-
ria, não correspondeu às expectativas. Nem a abertura às mercadorias estran-
geiras, que o mesmo é dizer inglesas, que, longe de fomentar o comércio
externo, produziu um reconhecido efeito aniquilador das manufacturas ante-
riormente erguidas com o fomento de raiz pombalina, ainda que permitisse a
multiplicação de múltiplas oficinas e pequenas unidades industriais que faziam
do atraso tecnológico e da exploração de mão-de-obra a arma estratégica da
sua sobrevivência; nem as posteriores medidas, já no segundo liberalismo, liga-
das à libertação da terra criaram as condições desejaclas para a fixação dos
portugueses no seu território metropolitano.
O Brasil continuava a ser a grande obsessão, um dos elementos centrais
para compreendermos a vivacidade da revolta liberal que. a 24 de Agosto de
1820 ecoava no Porto. Embora inserida num contexto mais amplo, esta revo-
D. PEDRO, IMPERADOR D O BRASIL, REI DE PORTUGAI
lução com forte empenhamento das classes comerciais é também um gesto
desesperado para travar a perda do mercado indispensável que definitivamente
se subtraía a Portugal. O imenso folhetim e inabilidade política que as Cortes
Constituintes a este respeito produziram é bem elucidativo do desespero que
a perda do Brasil provocava1.
Rapidamente as palavras do regente no Brasil, D. Pedro, dirigidas ao rei
D. João Vi, em 1822 - .Com força armada é impossível unir o Brasil a Por-
tugal, com o commercio e a mutua reciprocidade a união é certa, porque o
interesse pelo commercio e o brio pela reciprocidade são as duas molas reais
sobre que deve trabalhar a monarchia luso-brazili~a.~ -, se tornaram numa
evidência incontestável e num desejo de concretização.
Esperança no incremento dessa reciprocidade é o que exprimem os nego-
ciantes do Porto em 1823, através do relatório da comissão criada pelas Cor-
tes, no que se refere às relações comerciais com o Brasil, ao defenderem a
aprovação do projecto de decreto redigida por uma comissão de deputados,
pois que ela consagrava as três bases que consideravam essenciais: - uma
perfeita reciprocidade; 2.3 - alívio dos direitos por saída dos produtos dos
dois países; 3.3 - animação da navegação nacional3. Os acontecimentos polí-
ticos ultrapassaram os projectos, se bem que o Tratado de Paz e Aliança de
1825 criasse as bases para a cooperação posterior.
Passada a hora das comoções políticas, a ligação afectiva e comercial per-
manecerá, ainda que definhada e reciclada, dadas as novas condições institu-
cionais. Salvaguardar essa relação econónlica é uma das lutas por que os
negociantes portuenses não mais deixarão de se bater, a partir de 1835, atra-
vés da, entretanto organizada, Associação Comercial do Porto. Em condições
' Cf, l>EREihi , Miriam Malpern, Porl~~gal ,i0 Séciiio XY - Reuokl~rio, Rizattps, Depmol-
dincin E\-Ierita, Lisboa, Sá da Costa, 1979, pp. 85-108.
Cana de 23 de Janeiro de 1822, in Docrrnierztospam a Hislõrln das Co>ies &,ais da
Aiaçcio Po>lr,g~tesa, tomo I , Lisboa, Imprensa Nacional, 1883, p. 285.
Rcsiillados dos 7inbalhos da Coozniiscio rio Couiércio do P m ~ a do Por10 o indapor
orde»i das Cortes Cm.slilnint~s de 28 &Xilgos!o de 1821, I'aito, 1823, p. 11.
DE COLONOS A EMIGRANTES
cada vez mais difíceis, dada a crescente concorrência internacional e a inca-
pacidade portuguesa para apresentar no mercado produtos industriais, ficando-
-se por mercadorias originárias do sector primário, muito ligadas aos padrões
de consumo dos emigrantes portugueses e a algum artesanato de qualidade
(linhos, ourivesaria, utensilagem agrícola, etc.).
Um elemento perturbador neste processo de normalização foi o sur-
gimento da pauta alfandegária portuguesa de 1837~, claramente proteccio-
nista e que penalizava fortemente alguns produtos brasileiros, especialmente
a aguardente de cana e o arroz. Encarada no Brasil como um acto delibe-
rado de hostilidade, suscitou ali medidas de retaliação, pois consideraram
os brasileiros que a oneração dos seus produtos brasileiros entrava em con-
tradição com o Tratado de 29 de Agosto de 1825, que no seu artigo 10
previa o restabelecimento das relações comerciais entre os dois países
com a taxa recíproca de 15% de direito de consumo, pelo que, através da
publicação do Decreto n." 36, de 6 de Maio de 1839, o governo do Brasil
elevava a 50% o imposto sobre os vinhos e bebidas espiritiiosas importa-
dos, numa medida com implicações directas na importação dos vinhos
portugueses5.
Perante tal situação, a Associação Comercial do Porto defende que -o mal
que está sofrendo o nosso Commercio com o Brazii, provém do ponto de
vista menos exacto em que tem sido considerado aquelle Paiz nas suas rela-
ções commerciais com o nosso. O Brazil he hoje o ponto do globo para onde
a nossa pequena industria fabril exporta a maior parte de seus producto, e
o nosso Commercio com elle Iie d'aquelles de que tiramos mais vantagem.
Nos pagamos os seus productos com os nossos proprios productos, e essa
mesma emigração que á primeira vista parece ruinosa a Portugal, não o hé,
Sobre :i panicipafão cartista na elaborag5o da pauta, que os setembiistas se teriani
quase limitada a assinar, cf. Bo~ir;icio, Maria de Fátima, Seis f i l~ t r?os sobm o Libeialis>iio,
Lisboa, Estainpa, 1991, pp. 36 e 245-279. Sublinhese que em 1835 chegou a ser elaborado
um tratado comercial entre Portugal e a Brasil, que nunca foi ratificado pelas psrlamentos
respectivas.
i Cf. diversos artigos in Peviodico dosPo6rcs >to Poiio, números de 17, 27 e 29 de Jullio,
7 de Agosto e 21 de Serembro de 1839, os q u i s incluem tiansciigòes de jornais bnsileiros.
Ver, especialmcnre, um esciaiecimento de Sarurnino de Sousa e Oliveira; o autor do decreto
brasileiro de 6 de Miio (n.' de 29 de Julho).
D. PEDRO, IMPERADOR D O BRASIL, REI DE PORTUGAL
pois se por um lado perdemos braços, cujo emprego proveitoso offerece
duvida, por outro lucramos com a renovação dos laços de sangue, que ja
nos tinem com aqtielle paiz, e com a fortuna que uma grande parte desses
emigrados ali adquire, e traz consigo para Portugal, resoltando sempre que,
quer voltem, quer ali fiquem elles sustentão milhares de familias no nosso
Paiz. A sua religião, os seus costomes, a linguagem e o mesmo sangue nos
dizem que o Brasil a nosso respeito Iie excepção de todos os oiitros paí-
ses." Nesta linha, faz sentir ao governo a inutilidade das taxas sobre a aguar-
dente de cana e do arroz brasileiros, face aos relativamente pequenos volumes
de importação,'que colocavam em causa um mercado significativo para os
nossos vinlios, além do prenúncio de outras medidas gravosas para o coniér-
cio português. Lembrando que, na elaboração das pautas, a própria Asso-
ciação subscrevera um parecer que criava uma situaçzo de excepção para
os -géneros coloniais~ do Brasil e que não fora considerado na versão final,
aconselliava o governo a negociar um tratado de comércio com o Brasil, atra-
vés de concessões mútuas. Colocada perante sa dolorosa obrigação de dizer
verdades que revelão a nossa fraqueza e clepenclencia,,, afirma a Associação
Comercial: "Destruido o nosso Commercio com o Brazil sofrerá grande-
mente a nossa navegação, daremos um golpe mortal na Indiistria, e arrui-
naremos em grande parte a exportação de nossos vinlios..'
O comércio externo com o Brasil iiunca mais assumirá o incremento dese-
jado, com excepção para um ou outro produto, como foi o caso das ramas
de algodão que alimentaram as fiações portuguesas nos surtos sucessivos de
industrialização8, até nos virarmos na década de 1930 para o algodão afri-
cano. Apesar de tudo, o Brasil ocupori sempre a segunda posição no nosso
mercado externo, logo após a Inglaterra, tanto nas imporlaçòes como nas expor-
tações, e, ao nível nacional, o comércio com o Brasil apresenta, desde 1870,
Arquivo d i Associaçzo Comercial do Porro, Lium copiador de con;sspo>irl2ncia expe-
dido, 1837-1843, pp. 30-34 (oficio de 27 de Setembro dc 1837).
' Idem, ibider~, p. 34.
R .Tem augmentado a imponaeo d'algodio em rama, para consumo das fibricas de
fiasão, e é provável que cresça à medida. que sc for descnvolvenda esrc nmo de industria,
que rem dada grandes lucras aos seus empreendedores, que por isso decerto alargarão as
seus esrabciecimentos.. Associqào Comercial da Pono, Relnlóiio e , tca~~e~ndo rle'irzdaprns
aecessidrrd~.< r10 coi?zriiercio do Porra, Pono, 1854, p. 10.
DE COLONOS A EMIGRANTES
saldos favoráveis cada vez mais elevados9, mantendo-se a permanência, ano
após ano, da imagem que Fátima Bonifácio nos deu para o Porto das déca-
das de 1830-40: "A praça do Porto carece de verdadeira dimensão internacio-
nal: polariza uma região que surge fechada sobre si mesma no contexto do
resto do Pais, umbilicalmente ligada a um triângulo cujo vértice principal resi-
dia na Inglaterra, e outro, subalterno, no B~asil..'~
Com pequenas flumações de ocasião, a posição da Associação Comer-
cial do Porto ao longo do século m é de nostalgia para com o mercado bra-
sileiro, descurando mesmo as potencialidades do mercado africano onde alguns,
teimosamente, insistiam em construir novos ~brasis~, deixando essa via aos
negociantes lisboetas. Serão os Iiomens da Associação Industrial Ponuense que,
pelos finais do século xrx e em conjunto com a Associação Industrial Portir-
guesa, lutarão pela dita -nacionalização,, do mercado colonial, que no entanto
era necessário construir, o que sb ocorrerá verdadeiramente com o Estado
Novo. Até para realizar a Exposição Colonial de 1934 foi preciso o governo
tomar a iniciativa e nomear um comissário lisboeta de forte ideal colonia-
lista - Henrique Galvão, para .vender- a ideia no Norte. Para a Associação
Comercial do Porto um tratado coniercial com o Brasil foi, durante um século,
a grande reivindicação formal e empenhada. de que serve de exemplo esta
sugestão de 1865:
SÉ pois com o Imperio do Brasil, que muito conviria a conclusão d'um
tratado commercial; mas como aquelle Estado se tem mostrado assaz avesso
a esses contractos, é possível que se conseguiria o desejado fim, começando
por fazer concessões nos direitos dos coloniaes, aqui importados, que fariam
augmentar a extracção dos que recebemos d'além.orr
Cf. o artigo de Rodrigues de Freitas, .Commercio de Portugal: I1 - O Brasil., in O Coniéi;
cio doPorto, de 26 de Outubro de 1882, que apresenta quadros de evolu~ão anual, de 1843
a 1879. Do mesmo autor, ver divenos artigos sobre .Vinhos Portugueses no Brasil., ibiclenr, de 8 e 15 de Junho e 17 e 22 de Agosto de 1884. Idem, .O czmbio do Brazil e a Economia
Nacional., ibirlevi, de 6 dc Dezembro de 3885, para os anos de 1879-1882. Vejam-se as impor-
taçàeslexpoitaçóes pnra alguns anos (em conros de reis), com salda positivo crescente:
1870, 317813207; 1875 - 248314170; 1880 - 213915964.
' O 06. cit, p. 229.
" Cf. Respostft n Portaria de 29 cle iVoue»zb>o rle 1865 da Direcção rln Associação Cosi,~ie~zini do Porto, impresso onde se registani as resposras a um conjunto de quesitos
sobre os absiáculos ao desenvolvimento do comércio c da wavegação.
D. PEDRO, IMPERADOR DO BRASIL, REI DE PORTUGAL
Se o comércio de mercadorias decaía drasticamente com a abertura dos
portos brasileiros e portugueses, outro importante intercâmbio vai saltar com
a independência do Brasil - o incremento da emigração. Fenómeno que a
Associação Comercial do Porto não se cansará de valorizar:
"0 Brazil, parte da Monarcbia Portugueza até 1825, importou sucessiva-
mente de Portugal Cidadãos que hião desenvolver naquelle vasto, fertil, e
nascente paiz os meios de reproduzir nelle as riquezas naturaes: daqui o trato
commercial e civil entre este e aquelle paiz, cuja população se podia consi-
derar quasi toda Portuguesa: e as riquezas que dali se importavão reproduzi-
das por Portuguezes forão poderoso inceiitivo para a sucessiva emigração para
ali. Separada de direito aquella parte da Monarchia, ficou de facto ligada
ainda estreitamente a Portugal, porque os laços d'amizade, interesses com-
merciaes, lingoagem, habitos, educação, e sobretudo parentesco entre seus
habitantes, não cabia em convenções e tratados destruillos ou quebrantallo~.~'~
Emigrante é género do qual colonizador é espécie, diz o Prof Joei Senão,
num eshido já clássico sobre a emigração portuguesa. Mas precisa que se a pala-
vra emigrante deve ser reservada para os que partem por livre iniciativa, inde-
pendentemente da orientação do Estado ou até contra as disposições deste, já
a palavra colorzo deve referir-se àquele cuja partida se integra em iniciativas do
Estado ou por ele apoiadas. É esta uma distinção que procura arrumar a casa
e introduzir ordem conceptual na problemática emigratória, a panir da qual se
pode classificar a emigração portuguesa face aos dois momentos em que a
independência do Brasil se configura como fronteira: antes, enviámos colonos
para o Brasil, depois da independência esse movimento demográfico assume o
estatuto de emigração. Nesta perspectiva institucional, 2 fase da colonização,
enquadrada e protegida pelo Estado, teria sucedido um fluxo en~igratório des-
protegido e fragilizado, que ocorria em país diverso, sobre o qual deixou de
haver jurisdição. É que face a esta distinção há um diferenciação sem2ntica subli-
minar: a palavra colono conota-se com juízos de dominação e de acção colec-
" M P , Lium copiador de correspondência expedida, 1839-1843, oficio n.O 95. Trans-
crito in ALVzs, Jorge Fcrnandes, .Emign$ão Ponuguesa - o exemplo do Pano nos meados
do século Xx., Revista de Hklória, Pano, 1989, pp. 283-289.
DE COLONOS A EMIGRANTES
tiva, enquanto a palavra emigração evoca dependência, individualismo e incer-
teza. Complicações de linguagem: a partida massiva de gentes do None para o
Brasil já pelos séculos xvii e xviii se assumia com fone risco individual em
todos os sentidos, fora da acção concertada de governos, como é vulgar exigir-
-se à colonização. E, com o decorrer do tempo, a estruniração de uma cultura
de emigração permitiu tirar proveito de afinidades, concertar redes de apoio e
de trabalho, tomar operativo o conceito de antinação, pelo qual emigrantes
já instalados recebiam e orientavam conterrâneos que Ihes eram recomendados
por canas de parentes, conhecidos e correspondentes comerciais. Pode até dizer-
-se que, com o crescimento económico brasileiro, a crescente urbanização e as
profundas alterações técnicas ao nível das comunicações (navegação, correios,
telégrafo), se tomaram mais proveitosas as condições da emigração oitocentista
do que as verificadas no período colonial.
No entanto, o investigador da emigração oitocentista tropep frequentemente
nestas palavras, pela sua diversa utilização: quem não reconhece que o grande
problema da emigração para o Brasil na segunda metade do século m não era
senão o dos colonos? É que, nesta altura, a inteivenção do Estado era já do Estado
brasileiro, que procurava recrutar ou apoiar o recrutamento de colonos, isto é,
de cultivadores para as plantações "engajados a um conuato de condições leo-
ninas. Desde 1825, quando foi criado o consulado pomiguês no Rio de Janeiro,
que aí se registavam contratos deste tipo, que ganham forte incremento nos
anos 30, perante a primeira ameaça ao tráfico de escravos. "Escravatura branca,.,
dissimulada através de folhas com visto notarial, foi o que vários uaficantes negrei-
ros vieram buscar particularmente aos Açores e Madeira, mas também ao None
de Pomigal. É essa situação de engajamento de emigrantes incautos e despro-
tegidos que se torna necessário acautelar, defendendo-se alguns medidas radi-
cais para a supressão dessa emigração e sua reorientação para o interior do Pais
(especialmente para as obras públicas) ou para África. Outros falarão apenas na
necessidade de a regulamentar e de a não confiindir com a outra emigração que
desde os tempos da colonização se desenvolvera, muito por iniciativas indivi-
duais e familiares, contornando quase sempre as indicações governamentais.
De facto, desde 1709 que era obrigatório passaporte para o Brasil, medida
de poucos efeitos, sabendo-se que a passagem se fazia discretamente por inclu-
são nas tripulações, que partiam numerosas e voltavam reduzidas, como forma
de contornar esse -estorvo- burocrático. Perante as dificuldades de obter o
I). PEDRO, IMPERADOR D O BRASIL, REI DE PORTUGAL
passaporte e os riscos que dai advinham para os capitães dos navios, solicita-
vam os negociantes do Porto, em 1823, às Cortes Constituintes, que -aos pas-
sageiros se não exija mais que hum passaporte da authoridade local.. Na verdade,
o que acontecia? Iam .escondidos debaixo da protecção de qualquer oficial ou
marinheiro do navio, sem pagarem frete, e comendo dos víveres destinados às
tripulações; e não tem faltado casos em que por semelhante motivo tem sido
estas reduzidas a meia ração durante a metade ou mesmo a maior parte da
viagem. Há navios, Senhor (trata-se dos da carreira do Brasil), nos quais tem
aparecido fora da barra trinta e mais passageiros sem passaporte nem prévio
conhecimento do seu capitão.". A clandestinidade, fenómeno de sempre.
Entretanto, face ao quadro constitucional estabelecido, as ameasas dra-
conianas preconizadas pelos antigos regulamentos de inspiração pombalina,
sucessivamente repostos e mais uma vez em 1825, a questão já não podia ser
equacionada nos moldes tradicionais.
A emigração, além de constituir um direito constitucional inalienável, é
perspectivado, na Óptica da Associação Comercial do Porto, sob dois aspec-
tos que lhe merecem particular interesse: a navegação e o alargamento do mer-
cado brasileiro. Logo em 1835, a Associação deu seguimento a uma proposta
de um conjunto de sócios com interesses na marinha mercante, a propósito
do decreto de 15 de Janeiro que repunha a concessão de passaportes para o
estrangeiro nas Secretarias de Estado, ao arrepio do Decreto n.O 23 de 16 de
Maio de 1832 (do governo liberal nos Açores) que atribuía essa função às
Prefeituras, solicitando-se a continuidade desta legislação. Invocando a facili-
dade e comodidade tanto dos passageiros como dos comerciantes de navios,
afirma-se: .A Navegação Nacional está redusida ao maior abatimento, os Navios
apodrecem nos portos, porque não podem navegar com utilidade, e os Mari-
nheiros desertão para Naçoens estranhas por falta de navios Nacionais; e con-
sistindo ainda parte da carga dos poucos navios, que navegão, em alguns
Passageiros, principalmente para o Brasil, estes não poderão transportar-se
sendo obrigados a comprar um Passaporte a peso de ouro, com grande demora
e incomodo; e então a navegação Nacional acabará inteiramente..'"
" Res~ritados dos Trabalhos da Conzmisãc do Co»t~ércio da Prasa do Por10 ctiadapor
orderi d m Coiies Coflstit~~infer de 28 &Agosto de 1821, Pono, 1823, p. 28.
l4 AACP, Comspondêrrcia amtlsa, cana de 14 de Março de 1835, com anexos.
DE C O L O N O S A EMIGRANTES
Estas posições tornam-se claramente explícitas a propósito da contesta-
ção à portaria de 19 de Agosto de 1842, que, entre outras medidas para "res-
tringir pelo modo possivel o Trafico da escravatura branca, que sob o plausível
nome de emigrados, ou passageiros, vai despovoando não somente as Ilhas
Adjacentes, mas tambem o Reino de Portugal no Continente., propõe uma
regulamentação minuciosa e dura sobre passaportes e condições de circula-
ção, nomeadamente uma fiança de 4 contos de réis aos capitães dos navios1'.
Eram medidas exigentes para uma marinha antiquada e descapitalizada, por
isso houve protestos. Como meio de pressão, navios, que estavam prontos a
largar, suspenderam a sua viagem até serem declarados como não abrangi-
dos, pois tinham ajustado as passagens antes do conhecimento da portaria.
A Associação Comercial do Porto, através de diligências insistentes, que diversa
correspondência permite comprovar e seguir, conseguiu alterar alguns artigos
e suspender a obrigatoriedade de fiança até sair nova legislação, o que só
acontecerá nos finais da década seguinte. A portaria rectificativa reconhece
explicitamente o papel das "representações de diversos individuos, e muito
especialmente da Associação Commercial da Cidade do Porto sobre os incon-
venientes que resultam ao Commercio e Navegação de algumas das disposi-
ções- anteriores16. Na sua argumentação, a ACP aceita o controlo sobre os
processos de engajamento por aliciação, muito frequente nas Ilhas, defendendo
que tais casos não se verificavam no Porto de então1', sublinhando o papel
li In Diário do Goueino n.' 196, de 20 de Agasro de 1842; ou in SILVA, António Dei-
gado, Coliec~ão Ojpinl rln Legislaçüo PoriIigueza, Lisboa, Imprensa Nacional, 1842, p. 321.
l6 Note-se que só eram atingidos os que tnnsponavan, mais de 24 passageiros para
latitudes inferiores a 30P norte, isto é, claramente para a América Latina ou África. (Vide
Porraria do Ministério da Marinha de 9 de Dezembio de 1842, in Diário do Gouenio, n." 294,
d c 13 de Dezembio; ou in SILVA, António Delgado, Coilecção OfJcial da Legisiaçrio Ponlr-
gueza, Lisboa, Imprensa Nacional, 1842, p. 423.) Para um conhecimento pormenorizado sobre
as diligéncias da ACP, d Rcialório dos Trabalhos da Associaçrio Co>ii>nei~.iai do Porio no
arino de 1842 ..., Pono, 1843, pp. 4-7.
" Mais tarde (1854) a ACP nao nega o 'engajamento. e a prática da .escravatura
branca. no Pono, apiesenrando-a como uma imoralidade. C t Relr>lório da Co»,issão E n c a ~
regrrda d'lndqar asNecessidades do Co>irvlercio do Poilo ..., ob. cil., p. 22. T.al lacro, porém,
mereceria criticas à comiss3o redacron (que era liderada por Eduardo Mosei) em plena Assem-
bleia Geral da Associa@o. CL AACP, Livro de Aclas da Asse»nblein Geral, 1854, pp. 44-57
(sessso de 11 de Fevereiro).
D. PEDRO, IMPERADOR D O BRASIL, REI DE PORTUGAL
da eniigração, das suas reniessas e dos retornados na vitalização da sociedade
minhoca, e da navegação em particular:
-Não chega daquelle Imperio um unico navio a este Porto que deixe de
conduzir algum dos chamados Brazileiros que volta á patria a descansar de
suas fadigas, e gosar o producto dellas; e os capitaes empregados em gene-
ros que vem augmentar a riqueza publica, ou innumeros prezentes de paren-
tes e amigos estabelecidos naquelle paiz. A navegação Portuguesa, principalmente
desta Praça é hoje apenas alentada por aquellas conducçòes de volta; não é
o equivalente producto das mesquinlias mercadorias que para lá exportamos
de nossa industria ou agricultura que preenche a carregação dos Navios do
Brazil para Portugal, são capitaes ali adquiridos por Portugueses, por indiví-
duos dessa emigração que se pretende tolher: não se contrabalança essa valiosa
importação com capiraes para o estrangeiro, mais ainda alem della numero-
sos capitaes em especie vem augnientar a desproporção entre a exportação
para o Brazil, e a importação d'ali. A praça do Porto aonde semelhantes capi-
taes em giro a tem prezervado talvez da sua completa fallencia é prova do
que acaba de d'expor-se..'8
Surgia, assim, a emigração a substituir o vazio criado pelo decréscimo
comercial, num quadro em que os invisíveis correntes e as encomendas fami-
liares" se tornaram decisivos para a manutenção dos veleiros do Porto.
A emigração assumia ainda o papel de manter o mercado brasileiro, ainda
que em situação residual, pois os produtos da nossa indústria e agricultura,
pouco motivadores, não conseguiam conquistá-lo: nella sustenta e reproduz
AACP, Livro copiador. de ovrespondência e.qeriido, 1839-1843, oficio 95. Tnns-
crito in ALVES, Jorge Fernandes, .Emigra@o poRuguesa: o exemplo d o l>orta nos m e d o s do
século Xx., Reuisin de Hisióriri, Pono, 1989, pp. 283-289.
O correio tinha já grande imponância. Ao soiicitar, em 1850, autoriza$ão para desem-
barque i o n da Barra aos passageiros e correspondência vinda do Bnsil, através do acosta-
mento de uma .armia, capaz de uimpassarevenniais problemas de mau tempo que impedissem
os navios de atracar, facra que já acorria om as ingleses, a ACP afirma quq as cartas que
cada navio do Bnsil conduzia e n m .em numero tão cansidenvel que muitas vezes excede
a um conto de réis a impoitância dos partes que deiias recebe o Coneia.. As nnas n i o
e n m só comerciais, mas de ou tn natureza, esperadas cm todo o None .com ansiedade e interesse . . das quais ás veses depende a sorte de muitas iamilias., AACP, .Expasi$iio ao
Governo Civil., de 1 de Mnisa de 1850, in Lium copiador de corrapondênciri co»i Aulori-
dades, 1849-1854.
DE COLONOS A EMIGRANTES
siicessivamente relações commerciais e civis com aquelle paiz; com ella se
alenta a unica Navegação Portuguesa que ainda existe, e só dos habitos e dos
laços que prendem aos nossos productos os consumidores no Brazil, he que
procede a nossa exportação para ali; cessando taes razões cessará esta Nave-
gação e Commercio, e com o seu acabamento defenhará ~ortugal.'~.
Concluiremos. A independência do Brasil, inscrita no movimento de eman-
cipação dos povos, chegou a ser encarada em Portugal como um facto de
influência emancipadora, no sentido da reestmttiração interna e da valoriza-
ção do trabalho nacional. Mas não podia ter esse sentimento quem durante
séculos criara um modo de vida ligado à partida continuada de gentes para
o outro lado do Atlântico e com ela desenvolvia uma rota importante de comér-
cio, como o caso do Norte Litoral português. Daí o apelo permanente ao tra-
tado comercial por parte da capital do Norte e da sua influente Associação
Comercial, tratado que nunca mais chegou, perante o declínio inexnrável do
comércio, reduzido a um fio delicado de uma ligação que a todo o momento
ameaça rebentar. Mas, face ao declínio do comércio, ampliaram-se os laços
de uma outra forma, através da emigração, que cresceu numa intensidade
ascendente, sobretudo enquanto o Brasil a solicitou e não lhe criou entraves
dissuasores. Emigração que, nas suas diversas configiiraçües, sempre foi a forma
mais evidente da "produtividade dos pobres. perante as dificuldades da dinâ-
mica do capital.
Idem, ibidet,,.