ACTIVIDADES BIOLÓGICAS E ESTRUTURAS SECRETORAS...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA VEGETAL ACTIVIDADES BIOLÓGICAS E ESTRUTURAS SECRETORAS DE TRÊS ESPÉCIES DE ASTERACEAE DA FLORA AROMÁTICA PORTUGUESA Ana Margarida Colaço Rodrigues Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia 2011

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE CINCIAS

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA VEGETAL

ACTIVIDADES BIOLGICAS E ESTRUTURAS SECRETORAS DE TRS

ESPCIES DE ASTERACEAE DA FLORA AROMTICA PORTUGUESA

Ana Margarida Colao Rodrigues

Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia

2011

ii

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE CINCIAS

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA VEGETAL

ACTIVIDADES BIOLGICAS E ESTRUTURAS SECRETORAS DE TRS

ESPCIES DE ASTERACEAE DA FLORA AROMTICA PORTUGUESA

Ana Margarida Colao Rodrigues

Orientador Externo: Prof. Doutora Maria Lusa Serralheiro (Centro de Qumica e Bioqumica da

Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa).

Orientador Interno: Prof. Doutora Lia Ascenso (Centro de Biotecnologia Vegetal (IBB), Faculdade

de Cincias da Universidade de Lisboa).

Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia

2011

iii

Recomea

Se puderes,

Sem angstia

E sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro

D-os em liberdade.

Enquanto no alcances

No descanses.

De nenhum fruto queiras s metade.

E, nunca saciado,

Vai colhendo

Iluses sucessivas no pomar.

Sempre a sonhar

E vendo

Acordado

O logro da aventura.

s homem, no te esqueas!

S tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheas.

Miguel Torga Dirio XIII

iv

Agradecimentos

s minhas orientadoras, Prof Doutora Lia Ascenso e Prof. Doutora Lusa Serralheiro, agradeo todo

o apoio, disponibilidade, confiana e boa disposio sempre presente ao longo de todo o trabalho.

Prof. Doutora Lia Ascenso agradeo ainda todo o entusiasmo contagiante que despertou o meu

interesse pela Biologia Vegetal e por este Projecto.

Aos meus amigos e colegas de laboratrio do Departamento de Qumica e Bioqumica, em especial

ao Pedro Fal, Francesca Amaral, Soraia Chaves e ao Pedro Cleto, por criarem um ambiente de

trabalho nico, pelo bom humor e apoio, que permitiram encarar at os momentos mais

complicados sempre com alegria. Vou sentir saudades!

Neusa pela disponibilidade e apoio nos ensaios de Microbiologia.

Ao Doutor Paulo Madeira e ao Prof. Doutor Carlos Cordeiro pela ajuda, disponibilidade e pacincia na

adquisio e interpretao dos espectros de espectrometria de massa.

A todos os meus amigos e colegas do Departamento de Biologia por todo o apoio e bom ambiente.

Um muitssimo obrigada ao Jorge Faria, Marta Mendes, Lusa Mota, Susana Silvestre, Andr

Alcantra, Nuno Gonalves e ao Nuno Domingues por ter estado sempre presente e ter sido

incansvel em todo o apoio que me deu a nvel profissional e pessoal.

A todos os meus queridos amigos que me ajudam todos os dias a ultrapassar os bons e maus

momentos sempre com um sorriso.

minha famlia, em especial minha me, ao meu pai e ao meu irmo pela confiana, amor e apoio

incondicionais que sempre demonstraram ao longo da vida.

A todas as pessoas que, directa ou indirectamente, me ajudaram a concluir este projecto.

A todos vs o meu, Muito Obrigada.

v

Resumo

A Flora Portuguesa muito rica em espcies aromticas, utilizadas desde h sculos, em

medicina tradicional sob a forma de chs, extractos aquosos obtidos por infuso ou decoco de

partes de plantas pertencentes maioritariamente s famlias Asteraceae e Lamiaceae. Realizou-se um

estudo de actividades biolgicas e metabolismo in vitro de decoces de caules/folhas e flores de

trs espcies dunares da famlia Asteraceae (Helichrysum italicum, Solidago virgaurea e Santolina

impressa) pertencentes Flora Aromtica Portuguesa. A morfologia e anatomia das estruturas

secretoras destas espcies foram tambm estudadas e sua secreo caracterizada

histoquimicamente.

Os extractos aquosos das trs espcies em estudo apresentam uma elevada actividade

biolgica. Das trs espcies estudadas, o extracto aquoso de flores de H. italicum apresenta as

actividades antioxidante e inibitria de acetilcolinesterase mais elevadas, com valores de IC50 de

10,140,02 g/mL e 302,521,14 g/mL, respectivamente. O extracto aquoso de caules/folhas de H.

italicum tambm apresenta tambm uma maior inibio do crescimento bacteriano de Streptococcus

mutans e Streptococcus sobrinus, com MICs de 0,039 0,0047 mg/mL e 0,056 0,031 mg/mL,

respectivamente.

Foi ainda estudado o metabolismo in vitro por aco dos sucos gstrico e pancretico

artificiais como simulao da digesto dos extractos. Os resultados sugerem que os extractos

aquosos no sofreram degradao, no tendo sido registadas alteraes significativas tanto na sua

composio qumica como nas actividades antioxidante e inibitria de acetilcolinesterase destas

espcies. A digesto com a -glucuronidase de Escherichia coli permite comprovar que nos extractos

aquosos em estudo no existem compostos glucuronados.

Em relao biodisponibilidade de compostos dos extractos aquosos verificou-se que quanto

maior o tempo de reteno de um composto maior a sua permeabilidade atravs da membrana, o

que sugere que no h necessidade de transportadores especficos. excepo do extracto aquoso

de caules/folhas de H. italicum, todos os restantes foram considerados como pouco citotxicos para

clulas HeLa e Caco-2, com valores de IC50 superiores a 100 g/mL.

As trs espcies de Asteraceae em estudo apresentam nos orgos vegetativos e florais um

indumento misto, constitudo por tricomas glandulares bisseriados e tricomas no glandulares,

caractersticos deste gnero. Em S. impressa e S. virgaurea foram ainda observados canais secretores

junto dos feixes vasculares. O estudo histoqumico permitiu concluir que as espcies secretam

oleoresinas ricas em compostos fenlicos, provavelmente agliconas flavonlicas.

Palavras chave: Asteraceae, actividades biolgicas, metabolismo in vitro, citotoxicidade, estruturas

secretoras.

vi

Abstract

The Portuguese Flora is very rich in aromatic species used for centuries in traditional

medicine in the form of "teas", that is aqueous extracts obtained by infusion or decoction of different

parts of plants, mainly belonging to Lamiaceae and Asteraceae families. In the present work some

biological activities were determined for the decoctions of stems/leaves and flowers of three

Asteraceae species (Helichrysum italicum, Santolina impressa and Solidago virgaurea) collected from

natural populations occurring throughout western Portugal sandy soils. The in vitro metabolism by

the action of gastric and pancreatic artificial juices, as a simulation of the digestion of the extracts,

was also evaluated. The morfology and anatomy of the secretory structures of these species were

also studied, as well as the major classes of compounds present in its secretion.

Among the three species studied, the decoction of H. italicum flowers showed the highest

antioxidant and acetylcholinesterase inhibitory activities with IC50 values of 10.14 0.02 mg/mL and

302.52 1.14 mg/mL, respectively. The decoction of H. italicum stems/leaves also showed the

highest inhibition of bacterial growth of Streptococcus mutans and Streptococcus sobrinus, with MICs

of 0.039 0.0047 mg/mL and 0.056 0.031 mg/mL, respectively.

The results of the in vitro metabolism revealed that decoctions did not suffer appreciable

degradation, showing no significant changes both in its chemical composition and in its biological

activities. Digestion with -glucuronidase from Escherichia coli has demonstrated that the aqueous

extracts dont have glucuronidated compounds.

In which concern the bioavailability of compounds from the aqueous extracts, it was found

that as longer as the retention time of a compound, higher is its permeability through the

membrane, suggesting that it is not required specific transporters. Except for the aqueous extract of

H. italicum leaves, all the other extracts were considered non cytotoxic for HeLa and Caco-2 cells

(IC50>100 mg/mL). The aqueous extract of H. italicum leaves showed an IC50 of 90 10 mg/mL for

Caco-2 cells.

The three species of Asteraceae studied have in their vegetative and floral organs a mixed

indumentum consisting of biseriate glandular trichomes and non-glandular trichomes, characteristic

of this genus. In S. impressa and S. virgaurea were also observed secretory ducts associated with the

vascular bundles. The histochemical study showed that these species secrete oleoresins rich in

phenolic compounds, probably flavonol aglycones.

Key words: Asteraceae, biological activities, in vitro metabolism, citotoxicity, secretory structures.

vii

ndice

Agradecimentos i

Resumo ii

Abstract iii

Abreviaturas e Siglas vii

I. INTRODUO 1

II. REVISO BIBLIOGRFICA 7

1. Famlia Asteraceae 9

1.1. Helichrysum italicum 10

1.2. Santolina impressa 11

1.3. Solidago virgaurea 12

2. Actividades Biolgicas de Extractos Vegetais 12

2.1. Actividade Antibacteriana 13

2.2. Actividade Antioxidante 14

2.3. Actividade Inibitria de Acetilcolinesterase 15

2.3.1. Doena de Alzheimer 15

2.3.1.1. Hiptese Colinrgica 16

2.3.2. Motilidade Gastrointestinal 18

2.3.3. Inibidores de acetilcolinesterase 19

III. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL 21

1. Materiais 23

1.1. Material Vegetal 23

1.2. Reagentes 23

1.3. Linhas Celulares 24

1.4. Equipamento 25

2. Procedimento Experimental 26

2.1. Preparao de Extractos Aquosos. 26

2.2. Determinao de Actividades Biolgicas 26

2.2.1. Determinao da Actividade Antibacteriana: Inibio do Crescimento de

Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus

26

2.2.2. Determinao da Actividade Antioxidante 26

2.2.3. Determinao da Inibio da Actividade de Acetilcolinesterase 27

2.3. Anlise de Extractos Aquosos por HPLC-DAD 28

viii

2.4. Identificao dos Compostos Maioritrios dos Extractos Aquosos por Espectrometria

de Massa (EM)

28

2.5. Ensaios de Metabolismo in vitro dos Extractos Aquosos 29

2.5.1. Digesto por Suco Gstrico Artificial 29

2.5.2. Digesto por Suco Pancretico Artificial 29

2.5.3. Digesto por -glucuronidase de Escherichia coli 30

2.6. Determinao da Citotoxicidade dos Extractos Aquosos 30

2.7. Estudo da Permeao da Barreira Intestinal e Biodisponibilidade de Compostos 31

2.8. Microscopia Electrnica de Varrimento (SEM) 31

2.9. Microscopia ptica (MO) 32

2.9.1. Anatomia e Histoqumica em Material Fixado 32

2.9.2. Histoqumica em Material Fresco 32

IV. RESULTADOS E DISCUSSO 35

1. Actividades Biolgicas em Extractos Aquosos de Helichrysum italicum, Santolina impressa e

Solidago virgaurea

37

1.1. Actividade Antibacteriana: Inibio do Crescimento de Streptococcus mutans e

Streptococcus sobrinus

37

1.2. Actividade Antioxidante 39

1.3. Actividade Inibitria de Acetilcolinesterase 40

2. Identificao dos Constituintes dos Extractos Aquosos de Helichrysum italicum, Santolina

impressa e Solidago virgaurea

42

2.1. Helichrysum italicum 42

2.2. Santolina impressa 46

2.3. Solidago virgaurea 49

3. Metabolismo in vitro dos Extractos Aquosos de Helichrysum italicum, Santolina impressa e

Solidago virgaurea

52

3.1. Digesto dos Extractos Aquosos pelo Suco Gstrico Artificial 52

3.2. Digesto dos Extractos Aquosos pelo Suco Pancretico Artificial 55

3.3. Digesto dos Extractos Aquosos por -glucuronidase de Escherichia coli 58

4. Citotoxicidade dos Extractos Aquosos de Helichrysum italicum, Santolina impressa e

Solidago virgaurea

61

5. Biodisponibilidade de Compostos dos Extractos Aquosos de Helichrysum italicum e

Solidago virgaurea

62

6. Morfologia, Anatomia e Distribuio das Estruturas Secretoras e Caracterizao 64

ix

Histoqumica dos Secretados de Helichrysum italicum, Santolina impressa e Solidago

virgaurea

7. Caracterizao Histoqumica dos Secretados de Helichrysum italicum, Santolina impressa e

Solidago virgaurea

69

7.1. Em Luz Visvel 69

7.2. Em Luz Ultravioleta e na Banda do Azul 70

V. ESTAMPAS 73

VI. CONCLUSES E PERSPECTIVAS FUTURAS 107

VII. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 111

VIII. ANEXOS I

x

Abreviaturas e Siglas

A Protena -amilide (do ingls Amyloid -protein)

ACh Acetilcolina (do ingls Acetylcholine)

AChE Acetilcolinesterase (do ingls Acetylcholinesterase)

AChI Iodeto de acetiltiocolina (do ingls Acetyltiocholine iodide)

AD Doena de Alzheimer (do ingls Alzheimers Disease)

BHA Butil-hidroxianisol (do ingls Butylated hydroxyanisole)

BHI Do ingls Brain Heart Infusion

BHT Hidroxitolueno butilado (do ingls Butylated hydroxytoluene)

BuChE Butirilcolinesterase (do ingls Butyrylcholinesterase)

EC50 Concentrao eficiente (do ingls Eficient concentration) correspondente a 50%

de extino do radical

Ch Colina (do ingls Choline)

CoA Coenzima A

DMEM Do ingls Dulbeccos Modified Eagle Medium

DMSO Dimetilsulfxido (do ingls Dimethyl sulfoxide)

DPPH 2,2-difenil-1-picrilhidrazil (do ingls 2,2-diphenylpicrylhydrazyl)

DTNB 5,5-Ditiobis[2-cido nitrobenzico] (do ingls 5,5-dithiobis[2-nitrobenzoic acid])

FBS Soro fetal bovino (do ingls Fetum bovine serum)

HBSS Do ingls Hanks Balanced Salt Solution

HCl cido clordrico (do ingls Hydrochloric acid)

Hepes cido 4-2(hidroxietil)-1-piperazinoetanossulfnico (do ingls 4-(2-hydroxyethyl)1-

piperazineethanesulfonic acid)

HPLC-DAD Cromatografia lquida de alta resoluo (do ingls High Precision Liquid

Chromatography-Diod Array Detector)

IC50 Concentrao inibitria (do ingls Inhibitory concentration) correspondente a

50% de inibio

LISU Lisboa Universidade

m/z Razo massa/carga do io

MCT Transportador de cidos monocarboxlicos (do ingls Monocarboxylic acid

transporter)

MIC Concentrao mnima inibitria (do ingls Minimum inhibitory concentration)

MgCl2.6H2O Cloreto de magnsio hexahidratado

MO Microscopia ptica

xi

MTT brometo de 3-[4,5-dimetil-tiazol-1-il]-2,5-difenil-tetrazlio (do ingls 3-(4,5-

Dimethylthiazol-2-yl)-2,5-diphenyltetrazolium bromide)

NaCl Cloreto de sdio

NaOH Hidrxido de sdio

NFT Entranamentos neurofibrilhares (do ingls Neurofibrillary tangles)

PBS Tampo de sais de fosfatos (do ingls Phosphates buffer solution)

PHF Filamentos helicoidais emparelhados (do ingls Paired helical filaments)

Pen-Strep Penicilina e estreptomicina (do ingls Penycilin and streptomycin)

ROS Espcies reactivas de oxignio (do ingls Reactive oxygen species)

RPMI Roswell Park Memorial Institute

SEM Microscopia electrnica de varrimento (do ingls Scanning electronic microscopy)

SP Placas sens (do ingls Senile plaques)

TFA cido trifluoractico (do ingls Trifluoroacetic acid)

Tr Tempo de reteno

UA Unidades de absorvncia

WHO World Health Organization

xii

1

I. Introduo

2

INTRODUO

3

O Homem, desde tempos remotos, que usa plantas para fins medicinais. Os testemunhos

mais antigos remontam ao Paleoltico, onde em tumbas com cerca de 60.000 anos foram

encontradas as primeiras evidncias de utilizao de plantas medicinais (Lietava, 1992). As

propriedades curativas das plantas, as formas como devem ser usadas e as caractersticas

morfolgicas que permitem o seu reconhecimento na Natureza foram conhecimentos empricos, que

o Homem foi acumulando e passando oralmente de gerao em gerao, at serem registados em

documentos, aps o surgimento da escrita. Os documentos mais antigos de que se tem

conhecimento so provenientes da China, onde o Imperador Shen Nong, conhecido como Agricultor

Divino, parece ter sido o autor de um manuscrito em que cita 350 plantas medicinais, refere o seu

sabor e indica os seus usos teraputicos (Sumner, 2000; Yang, 1998). Na bacia do Mediterrneo,

bero de numerosas civilizaes antigas, no Egipto que nos surge o manuscrito mais antigo, o

Papiro de Ebers, datado como sendo de 1500 BC, mas referindo conhecimentos que remontam a

cerca de 3000 BC (Sumner, 2000). Na antiga Grcia so clebres as obras de Teofrasto, Hipcrates,

Dioscrides e Galeno. De Materia Medica de Dioscrides, do 1 sculo AD, foi durante sculos no

Ocidente e no mundo rabe, a obra de referncia sobre plantas medicinais. Nela so descritas e

ilustradas pela primeira vez cerca de 600 plantas medicinais e os seus respectivos modos de

preparao, propriedades e efeitos secundrios (Lev, 2002; Linford, 2007). A influncia desta obra

chega at ao Renascimento, poca em que se comeam a imprimir os primeiros Herbais, de entre os

quais sobressa o de Paracelso, alquimista suo, que expe pela 1 vez no Ocidente a Doutrina das

Assinaturas (Linford, 2007). Originalmente da China, esta doutrina postula que as plantas possuem

marcas atribudas por Deus, como a forma, textura, sabor ou cor, que sugerem a sua utilizao (Lev,

2002; Sumner, 2000).

Portugal, atravs de Garcia de Orta, que exerceu medicina em Goa, contribuiu para a difuso

do conhecimento detalhado de vrias espcies medicinais utilizadas no Oriente. Na sua obra

Colquios dos Simples e Tratado das Drogas e Cousas Medicinais da ndia, Garcia de Orta descreve

em pormenor as plantas, refere as suas propriedades medicinais e o modo de utilizao de vrias

espcies, que se conheciam muito mal na Europa, onde apenas alguns dos seus rgos eram

comercializados secos (Linford, 2007).

O conhecimento sobre o valor teraputico das plantas, transmitido oralmente ou por escrito

durante sculos, hoje a base das diferentes farmacopeias. A Fitoterapia foi usada at introduo

dos primeiros frmacos qumicos no incio do sculo passado (World Health Organization [WHO],

INTRODUO

4

2008). Actualmente este sistema de Medicina tradicional ainda praticado, com especial incidncia,

nas sociedades no industrializadas e menos desenvolvidas. A Organizao Mundial de Sade (WHO,

2008) estima que 80% da populao asitica e africana dependam deste sistema tradicional de

sade. Na Pennsula Ibrica, os primeiros estudos etnobotnicos na surgem apenas nos anos 80

(Camejo-Rodrigues, Ascenso, Bonet & Valles, 2003). Em Portugal, at h quarenta anos atrs as

populaes, em especial do interior, dependiam quase exclusivamente deste sistema tradicional de

sade, devido falta de comunicao com os centros urbanos e precariedade econmica em que

viviam.

A Flora Portuguesa muito rica em espcies aromticas, nomeadamente a famlia Asteracea,

utilizadas desde h sculos em Medicina tradicional. De um modo geral, as plantas so administradas

sob a forma de extractos aquosos obtidos por infuso ou decoco de folhas, flores, bolbos ou razes.

No entanto, apenas nos ltimos anos os extractos de plantas comearam a ganhar interesse

cientfico para pesquisa de fitofrmacos, at ento os investigadores privilegiaram a anlise de

extractos alcolicos.

Os extractos aquosos contm em geral diferentes tipos de compostos, entre os quais

flavonides e cidos fenlicos, responsveis por importantes actividades biolgicas, tais como a

actividade antioxidante, antimicrobiana e inibitria de enzimas. Muitas das espcies utilizadas em

Medicina tradicional possuem actividade inibitria do enzima acetilcolinesterase, relacionada com o

tratamento sintomtico da Doena de Alzheimer (AD) e de doenas gastrointestinais (Ferreira,

Proena, Serralheiro & Arajo, 2006; Jarvie, Cellek & Sanger, 2008). Muitos compostos, para alm de

inibirem este enzima, possuem tambm actividade antioxidante, minimizando os danos oxidativos

associados a processos inflamatrios e tambm AD (Smith, Rottkamp, Numomura, Raina & Perry,

2000). A actividade antimicrobiana dos produtos naturais tambm uma importante rea de estudo,

nomeadamente na pesquisa de novos antibiticos e no tratamento de doenas periodontais

(Costerton, Stewart & Greenberg, 1999; Palombo, 2009).

Os compostos activos presentes nos extractos aquosos, os vulgares chs de ervas, ao serem

ingeridos, passam pelo tracto digestivo e tm de atravessar a barreira intestinal, de forma a

entrarem no sistema circulatrio e alcanarem o rgo alvo. Neste trajecto so submetidos aco

do suco gstrico e pancretico e podem sofrer alteraes qumicas que afectem as suas propriedades

teraputicas. Por outro lado, os produtos naturais ou as molculas deles derivadas aps a digesto,

podem no atravessar o epitlio intestinal. Assim, so importantes estudos in vitro com sucos

gstrico e pancretico artificiais e estudos de biodisponibilidade de compostos, que tm vindo a ser

realizados em sistemas simuladores da permeao da barreira intestinal com clulas Caco-2, uma

linha de clulas epiteliais de adenocarcinoma do coln-rectal (Hidalgo, Raub & Borchardt, 1989).

INTRODUO

5

Do ponto de vista biotecnolgico tambm importante caracterizar as estruturas

glandulares envolvidas na sntese e acumulao dos compostos que constituem os secretados das

espcies vegetais, ricos geralmente em molculas bioactivas. O estudo destas clulas glandulares

contribui para a identificao dos compartimentos celulares envolvidos na sntese, transporte e

eliminao desses compostos.

Apesar do nmero crescente de estudos fitoqumicos desenvolvidos em espcies da Flora

Aromtica e Medicinal, estima-se que apenas se conheam as potencialidades farmacolgicas de um

nmero muito limitado de espcies. O estudo de extractos aquosos permite validar alguns dos usos

etnobotnicos das espcies, na forma como so habitualmente consumidos pelas populaes, sobre

a forma de chs. A validao cientfica do potencial teraputico dos remdios tradicionais base

de plantas hoje absolutamente necessria para creditao de um produto vegetal como frmaco.

Com o presente trabalho pretende-se:

Determinar a actividade antibacteriana contra Streptococcus mutans e Streptococcus

sobrinus, duas das principais estirpes bacterianas responsveis por doenas periodontais, em

extractos aquosos (decoces) de caules/folhas e flores de trs espcies de Asteraceae da

Flora Aromtica Portuguesa: Helichrysum italicum L. ssp. picardi Boiss & Reuter, Santolina

impressa Hoffmanns & Link e Solidago virgaurea L.;

Determinar as actividades antioxidante e inibitria do enzima acetilcolinesterase das trs

espcies de Asteraceae.

Estudar in vitro a citotoxicidade dos extractos aquosos das trs espcies em clulas HeLa e

Caco-2;

Estudar in vitro a aco do metabolismo gastrointestinal sobre as decoces destas trs

espcies de Asteraceae, utilizando sucos gstrico e pancretico artificiais e -glucuronidase

de Escherichia coli. Estudar a biodisponibilidade dos compostos atravs de um sistema

simulador da permeao da barreira intestinal utilizando clulas Caco-2;

Caracterizar a morfologia e anatomia das estruturas secretoras que ocorrem nos orgos

vegetativos e florais das trs espcies de Asteraceae e estudar o seu padro de distribuio

nos diferentes rgos. Caracterizar histoquimicamente as classes maioritrias de compostos

que constituem os secretados destas trs espcies.

INTRODUO

6

7

II. Reviso Bibliogrfica

8

REVISO BIBLIOGRFICA

9

A Flora Portuguesa muito rica em espcies aromticas que so utilizadas desde h muitos

sculos em medicina tradicional e na gastronomia, como condimento culinrio e na preparao de

licores. Algumas destas espcies so tambm de uso frequente na Europa, em particular na bacia do

Mediterrneo, sendo j referidas por Dioscrides. As espcies medicinais so principalmente

utilizadas para uso interno sob a forma de decoco ou infuso das partes areas das plantas,

podendo tambm ser utilizadas para uso externo sob a forma de alcoolatos e unguentos (Camejo-

Rodrigues et al., 2003). Em Portugal, apenas a partir de 1999, com o projecto Aromatic and/or

Medicinal Plants in the National Network of Protected Areas se comeou a investir na investigao

etnobotnica de espcies da Flora Portuguesa com interesse industrial (Camejo-Rodrigues, 2007).

Os estudos etnobotnicos realizados em diversas reas do territrio nacional mostraram que

cerca de 38% das vrias espcies medicinais e aromticas, utilizadas pela populao rural, pertencem

famlia Lamiaceae, Asteraceae, Rosaceae e Apiaceae (Camejo-Rodrigues et al., 2003; Neves, 2009).

Uma vez que os estudos etnobotnicos se iniciaram em Portugal h apenas duas dcadas, apenas

uma pequena parte do territrio nacional foi estudada (Camejo-Rodrigues, 2007).

1. Famlia Asteraceae

A famlia Asteraceae (Compositae), com cerca de 24000-30000 espcies includas em 1600-

1700 gneros, tem uma distribuio cosmopolita, ocorrendo em todos os continentes, excepo da

Antrtida, representando cerca de 10% das espcies de Angiosprmicas (Funk et al., 2005; Gott et al.,

2010). As Asteraceae so plantas herbceas anuais, apresentando raramente porte arbustivo ou

arbreo (Adedeji & Jewoola, 2008; Funk et al., 2005). Apesar desta grande diversidade de porte, uma

caracterstica tpica de todos os seus membros a inflorescncia em captulo. Este encontra-se

rodeado por um invlucro de uma ou mais sries de brcteas livres ou fundidas e as flores so

actinomrficas ou zigomrficas, monicas ou diicas, sendo o ovrio nfero e bicarpelar e o estilete

ramificado com dois estigmas (Adedeji & Jewoola, 2008).

As espcies da famlia Asteraceae so ricas em estruturas secretoras e apresentam uma

grande variedade de actividades biolgicas e farmacolgicas que lhes conferem um estatuto

importante no que se refere procura de compostos bioactivos (Gott et al., 2010; Vitto & Petenatti,

2009). As estruturas secretoras so formadas por clulas glandulares, clulas especializadas que

ocorrem isoladas num tecido ou agrupadas constituindo um tecido glandular. Assim as estruturas

REVISO BIBLIOGRFICA

10

secretoras variam quanto morfologia, funo, posio e tipo de compostos que biossintetizam e

acumulam. Os produtos de secreo produzidos por espcies da famlia Asteraceae so acumulados,

de um modo geral, em idioblastos e tricomas glandulares, podendo ainda em alguns gneros

estarem tambm depositados em canais secretores e laticferos (Castro, Leito-Filho & Monteiro,

1997; Meltcalfe & Chalk, 1950 citado em Duarte, Wolf & Paula, 2008). Os tricomas glandulares

caractersticos das Asteraceae so pluricelulares e bisseriados, em que o secretado acumulado no

espao subcuticular eliminado para o exterior por ruptura da cutcula (Metlcalfe & Chalk, 1988). Os

canais resinferos so em geral nas Asteraceae de origem esquizognica, contendo oleoresinas ricas

em poliacetilenos e lactonas sesquiterpnicas (Ascenso & Pais, 1987) e os laticferos

maioritariamente do tipo articulado anastomosado, contm latices ricos em aucares e lactonas

sesquiterpnicas (Agrawal & Konno, 2009; Evert & Eichhorn, 2006). Nas Asteraceae a morfologia e

distribuio das estruturas secretoras tm sido utilizadas para delimitar alguns gneros (Adedeji &

Jewoola, 2008). A presena de estruturas secretoras responsveis pela sntese de uma grande

variedade de compostos que esto envolvidos na defesa qumica das plantas justificam o sucesso

adaptativo das Asteraceae, reflectido no elevado nmero de espcies e ampla distribuio geogrfica

(Lopes, 1991).

1.1. Helichrysum italicum

O gnero Helichrysum Miller, includo na sub-famlia Asteroideae, considerado um dos

maiores gneros da famlia Asteraceae, com cerca de 500-600 espcies herbceas e arbustivas

amplamente distribudas no Sul da Europa, Sudoeste Asitico, Sul da ndia, frica e Austrlia

(Ascenso et al., 2001; Lourens, Viljoen & van Heerden, 2008). O termo Helichrysum deriva de dois

vocbulos gregos, helios, que significa sol, e chrysos que refere a cor dourada das flores. Helichrysum

italicum uma espcie aromtica mediterrnea com vrias subespcies, ocorrendo em Portugal a

subespcie Helichrysum italicum ssp. picardi Boiss & Reuter conhecida vulgarmente por

perptua-das-areias. Devido ao seu cheiro intenso a caril, H. italicum denominado vulgarmente por

curry plant, erva-caril. As suas flores amarelas combinam com o cheiro a caril, tornando-a um cone

do ambiente mediterrnico (Appendino et al., 2007). Ocorre sob a forma de um pequeno arbusto

aromtico, com cerca de 40-50 centmetros de altura e desenvolve-se em solos secos e arenosos

(Mastelic, Politeo, Jerkovic & Radosevic, 2005).

De um modo geral todas as espcies do gnero Helichrysum so grandes produtoras de

metabolitos secundrios como flavonides, acetofenonas, floroglucinol, pironas, triterpenides e

sesquiterpenos (Lourens et al., 2008), compostos que se acumulam nos tricomas glandulares

bisseriados, caractersticos das Asteraceae (Ascenso, Silva, Barroso, Figueiredo & Pedro, 2001).

REVISO BIBLIOGRFICA

11

Estes produtos naturais so responsveis pelas propriedades antibacteriana (Mastelic et al., 2005),

antiviral (Appendino et al., 2007), antifngica (Angioni et al., 2003), antioxidante (Carini, Aldini,

Furlanetto, Stefani & Facino, 2001; Tepe, Sokmen, Akpulat & Sokmen, 2005), anti-inflamatria

(Appendino et al., 2007; Sala, Recio, Giner, Mez & Ros, 2001), anti-alrgica (Carini et al., 2001) e

anti-diabtica (Aslan, Orhan, Orhan, Sezik & Yesilada, 2007) de vrias espcies de Helichrysum usadas

em Medicina tradicional no tratamento de feridas e infeces (Eurolu et al., 2009; Lourens et al.,

2008). Desde a introduo do sistema mdico Greco-Romano que H. italicum tem vindo a ser

frequentemente utilizado pelas suas propriedades anti-inflamatria e anti-infecciosa (Appendino et

al., 2007; Carini et al., 2001). No entanto, estudos recentes indicam que algumas espcies de

Helichrysum podem ter efeitos genotxicos e mutagnicos, pelo que o seu uso em medicina popular

deve ser realizado com alguma prudncia (Erolu et al., 2009).

1.2. Santolina impressa

O gnero Santolina L. nativo da zona mediterrnea, onde se encontra representado por

mais de dez espcies aromticas com porte sub-arbustivo (Guinoiseau, et al., 2010). O termo

Santolina deriva dos vocbulos latinos Sanctum linun que significa linho santo. vulgarmente

denominada abrtano-fmea ou guarda-roupa, devido sua utilizao popular como forte repelente

de insectos em armrios ou estantes. Santolina impressa Hoffmanns & Link uma espcie endmica

de Portugal. Apresenta-se como um camfito lenhoso de 35 a 80 cm de altura, com uma distribuio

geogrfica bastante restrita, ocorrendo em dunas litorais na rea compreendida entre o Rio Sado e o

Cabo de Sines (Rivero-Guerra, 2009).

Em algumas espcies de Santolina so encontrados ductos e tricomas glandulares

pluricelulares e bisseriados, caractersticos das Asteraceae, cujas secrees, oleoresinas e leos

essenciais, respectivamente, contm para alm de terpenides, alcalides e flavonides (Pagni,

Orlando, Masini & Ciccarelli, 2003). Nos tricomas glandulares so ainda encontradas pectinas e

taninos (Pagni et al., 2003). Nos leos essenciais de espcies do gnero Santolina esto presentes

monoterpenos irregulares (Liu et al., 2007).

Diversas espcies do gnero Santolina tm sido utilizadas em Medicina popular no

tratamento de desordens gastrointestinais (Cavero, Akerreta & Calvo, 2011). Vrios compostos

isolados de espcies de Santolina mostraram ter actividade anti-inflamatria (Sala, Recio, Giner,

Mez & Ros, 1999), anti-espasmoltica (Giner, Ros & Villar, 1989) anti-fngica (Suresh, Sriram,

Dhanaraj, Elango & Chinnaswamy, 1997), anti-bacteriana (Liu et al., 2007) e anti-viral (Logu, Loy,

Pellerano, Bonsignore & Schivo, 2000).

REVISO BIBLIOGRFICA

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1.3. Solidago virgaurea

Das cerca de 130 espcies herbceas perenes do gnero Solidago L., a grande maioria

nativa da Amrica do Norte, sendo tambm encontradas no Mxico, Amrica do Sul e Eursia

(Priede, 2008). Solidago virgaurea L. a nica espcie nativa da Europa, (Johnson, Hull-Sanders &

Meyer, 2007), onde conhecida por vara-dourada. As suas propriedades cicatrizantes deram origem

ao termo Solidago, do latim, solidare, solidificar, enquanto virgaurea se refere cor dourada das suas

flores (Weber & Jakobs, 2005). uma espcie perene e resistente com cerca de 80 cm de altura, que

ocorre em solos bem drenados e arenosos (Linford, 2007).

As espcies de Solidago so ricas em flavonides, saponinas e glucsidos fenlicos (Weber &

Jakobs, 2005). Para alm dos tricomas bisseriados caractersticos das Asteraceae, ocorrem tambm

nas espcies de Solidago canais e bolsas secretoras (Anderson & Creech, 1975). De um modo geral a

maioria das espcies de Solidago possuem propriedades antioxidante (Apti et al., 2003) e

analgsica, como demonstrado por Silva et al. (2010) com aplicao no combate dor lombar.

Devido s suas propriedades anti-inflamatria, cicatrizante, antimicrobiana e diurtica, S. virgaurea

utilizada tradicionalmente no tratamento de infeces e de doenas do tracto urinrio, como a

nefrolitase e doenas da prstata (Demir, Aik, Bali, Ko & Kaynak, 2009; Gross et al., 2002; Melzig,

2004; Yarnell, 2002). Em estudos recentes foi demonstrado uma actividade antineoplsica

significativa em clulas tumorais da prstata (Gross et al., 2002). excepo de casos de falncia

renal, at ao momento no so conhecidas contra-indicaes para esta planta (Yarnell, 2002). Apesar

de bastante popular na medicina tradicional, no existem ainda estudos que comprovem a sua

segurana no tratamento de humanos.

2. Actividade Biolgica de Extractos Vegetais

O uso de plantas medicinais est intimamente relacionado com a ocorrncia de produtos

naturais bioactivos que podem ser utilizados na cura e preveno de vrias doenas. Derivados

naturais de plantas tm recebido uma crescente aceitao e creditao na indstria farmacutica,

cosmtica e alimentar. Apesar do grande nmero de espcies vegetais existentes no planeta, a

maioria desconhecida sob o ponto de vista cientfico, sendo que entre 250-500 mil espcies

vegetais, somente cerca de 5% tm sido estudadas fitoquimicamente e uma percentagem ainda

menor avaliadas sob os aspectos biolgicos (Filho & Yunes, 1998). Estudos farmacocinticos e de

toxicidade apontam os produtos naturais como bons candidatos para o desenvolvimento de novos

frmacos (Geissler et al., 2010). Vrias substncias extradas de plantas, com actividade biolgica

comprovada, so j utilizadas para produo biotecnolgica. A anlise da composio dos frmacos

REVISO BIBLIOGRFICA

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de prescries dispensadas de empresas farmacuticas dos Estados Unidos entre 1959 e 1980,

mostram que 25% dos frmacos continham extractos de espcies vegetais ou princpios activos

derivados de plantas superiores e pelo menos 119 compostos qumicos so derivados de 90 espcies

vegetais, dos quais 74% resultaram de estudos de isolamento de substncias bioactivas de plantas

utilizadas em Medicina tradicional (Gurib-Fakim, 2006). Na rea dos produtos anti-infecciosos e

tratamento de cancro, cerca de 70% dos frmacos utilizados so derivados de produtos naturais

(Gurib-Fakim, 2006). So exemplo desses compostos bioactivos o anticancergeno taxol, alcalide

diterpnico extrado de plantas do gnero Taxus (Malik et al., 2011) e a artemisinina, lactona

sesquiterpnica extrada da Asteraceae Artemisia annua, com potente actividade antimalrica

(Kamchonwongpaisan & Meshnick, 1996) ou

2.1. Actividade Antibacteriana

Os agentes antimicrobianos naturais tm sido estudados para dar resposta a vrias questes

relacionadas com o controlo de microorganismos, tais como, reduo da necessidade de antibitico,

controlo de contaminaes, extenso do prazo de validade de produtos alimentares, diminuio do

desenvolvimento de resistncia a antibiticos por microorganismos patognicos ou reforo do

sistema imunitrio humano (Tajkarimi, Ibrahim & Cliver, 2010). Uma importante rea de estudo de

agentes antimicrobianos consiste na sua aplicao em doenas periodontais, em que o maior desafio

prende-se com a resistncia do biofilme bacteriano face a bacterifagos e a outros biocidas

quimicamente diversos (Costerton et al.,1999).

Doenas periodontais e cries dentrias so as patologias dentrias mais comuns nos

humanos, causadas por bactrias e fungos formadores de placas na cavidade oral (More,

Tshikalange, Lall, Botha & Meyer, 2008). Estas patologias esto normalmente associadas com

estirpes de Actinomyces, Actinobacillus, Streptococcus e Candida (More et al., 2008). Estes fungos e

bactrias ssseis formam o chamado biofilme bacteriano, ou placa dentria, um modo de

crescimento protegido que permite a sobrevivncia dessas estirpes num ambiente hostil (Costerton

et al., 1999). O desenvolvimento da crie dentria envolve bactrias Gram-positivas, como

Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus, responsveis pela metabolizao de aucares em

cidos orgnicos que dissolvem o fosfato de clcio presente nos dentes levando sua descalcificao

e eventual queda (Palombo, 2009). Streptococcus mutans e S. sobrinus so dois patgenos altamente

cariognicos, que aderem superfcie de esmalte dos dentes por ligaes hidrofbicas e pela sntese

de um glucano insolvel atravs da produo do enzima glucosiltransferase (Nostro et al., 2004). Este

enzima catalisa a introduo de uma molcula de glucose, a partir da decomposio de sacarose, em

glucanos adesivos e contribui significativamente para a formao da placa dentria.

REVISO BIBLIOGRFICA

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Recentemente, os produtos naturais tm sido apresentados como uma alternativa aos

compostos qumicos usados para preveno da sade oral (Palombo, 2009). Por outro lado, admite-

se que o seu uso possa dar origem a um menor nmero de efeitos secundrios que os produtos de

sntese qumica. O uso de partes de plantas como substituto de escova de dentes e de elixires

dentrios para tratamento e manuteno da higiene oral, frequente entre as populaes

autctones de frica (Cowan, 1999). Do ponto de vista etnobotnico so vrias as espcies descritas

pelas suas propriedades anti-odontlgicas, nomeadamente espcies pertencentes famlia

Asteraceae e ao gnero Helichrysum (Rivera & Obn, 1993).

2.2. Actividade Antioxidante

Muitas plantas produzem antioxidantes naturais em resposta presena de espcies

oxidantes. Reaces com espcies oxidantes podem conduzir formao de radicais livres e, por sua

vez, a sua acumulao leva ocorrncia de stress oxidativo devido ao desequilbrio entre a gerao

de espcies reactivas de oxignio (ROS, do ings reactive oxygen species), ou de azoto e os enzimas

antioxidantes. Estas entidades qumicas de oxignio e azoto, possuem electres desemparelhados o

que as torna instveis e capazes de reagir com os lpidos, protenas e cidos nucleicos, levando a

alteraes nas funes celulares e, em ltimo caso, morte celular. So exemplo de ROS, o anio

superxido (O2-), hidrxilo (OH), xido ntrico (NO) e espcies no radicais como o perxido de

hidrognio (H2O2).

O uso de antioxidantes sintticos, como o butil-hidroxianisol (BHA) ou hidroxitolueno

butilado (BHT), requer estudos de toxicidade detalhados para garantir a sua segurana devido aos

seus possveis efeitos mutagnicos e carcinognicos (Ames, 1983; Tepe et al., 2005). Na pesquisa de

antioxidantes naturais, os compostos fenlicos extrados de plantas tm merecido especial ateno

devido s suas propriedades redox, que permitem a sua actuao como agentes redutores, dadores

de hidrognio, ou quenchers de singletos de oxignio (Aiyegoro & Okoh, 2009). Dos compostos

fenlicos, os flavonides so o grupo mais comum na dieta humana, presentes em relativa

abundncia entre os metabolitos secundrios que ocorrem nas plantas (Spencer, 2008). Apesar das

mltiplas actividades atribudas aos flavonides, tais como anti-inflamatria, inibidora enzimtica,

antimicrobiana, anti-alrgica e anti-tumoral, a actividade antioxidante sem dvida a mais estudada

(Pereira, Valento, Pereira & Andrade, 2009). A grande concentrao de antioxidantes encontrada

em plantas deve-se necessidade de proteco das clulas vegetais contra os radicais livres gerados

pelo stress oxidativo, provocado pela exposio aos raios solares e ao oxignio. Como antioxidantes

naturais destacam-se o cido ascrbico, a vitamina E e o -caroteno.

REVISO BIBLIOGRFICA

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So vrios os compostos extrados de espcies de Asteraceae que tm sido estudados pelas

suas propriedades antioxidantes. O arzenol, o maior componente no-voltil identificado em

extactos orgnicos de H. italicum microphyllum, tem sido estudado pelo seu papel protector contra a

degradao de lpidos em casos de stress oxidativo de sistemas biolgicos, como membranas

celulares e lipoprotenas de baixa densidade, responsveis por problemas como a arteriosclerose

(Rosa et al., 2011).

A produo de ROS, com o consequente risco de ocorrncia de stress oxidativo no ser

humano, desencadeada pela exposio a pesticidas, solventes orgnicos, poluentes, fumo de

tabaco, entre outros (Gulcin, Oktay, Kireci & Kufrevioglu, 2003). Este stress ocorre em consequncia

de vrias condies clnicas como cancro, problemas cardiovasculares, neurodegenerativos, do tracto

gastrointestinal e at do prprio processo de envelhecimento (Aruoma, 1998). O crebro um rgo

particularmente vulnervel ao stress oxidativo, o que leva a colocar como hiptese a existncia de

uma correlao entre este tipo de stress e as doenas neurodegenerativas, como por exemplo, a

Doena de Alzheimer ou a de Parkinson (Biluid et al., 2008; Spencer, 2008).

2.3. Actividade Inibitria de Acetilcolinesterase

2.3.1. Doena de Alzheimer

A Doena de Alzheimer (AD) uma desordem neurodegenerativa progressiva que provoca a

demncia. muito frequente em populaes envelhecidas, em especial nos pases desenvolvidos,

onde a esperana mdia de vida cada vez maior (Pimplikar, 2009). Esta forma de demncia, hoje

em dia muito comum, afecta mais de 10% da populao com idade superior a 65 anos e 30-35% das

pessoas com idade acima dos 85 anos (Bachurin, 2003). Neurologicamente, as manifestaes iniciais

incluem um declnio cognitivo e da memria a curto prazo, perda de memria espacial e

desequilbrio emocional, que medida que a doena progride se torna mais severas podendo levar

perda total das funes cognitivas (Pimplikar, 2009).

Neuropatologicamente a AD caracterizada pela perda de neurnios e reduo no tamanho

dos lobos cerebrais frontais e temporais, regies que esto envolvidas nos processos de

aprendizagem e memria. Observa-se nos neurnios uma acumulao progressiva de filamentos

helicidais emparelhados (PHF, do ingls paired helical filaments), como os entranamentos

neurofibrilhares (NFT, do ingls neurofibrillary tangles), assim como de fibras amilides em placas

neurticas ou senis (SP, do ingls senile plaques), que esto tambm presentes nas paredes dos vasos

sanguneos (Chauchan & Chauchan, 2006). A principal protena amilide relacionada com a AD a

-amilide (A), resultante da protelise da protena precursora amilide, uma protena

REVISO BIBLIOGRFICA

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transmembranar. A A tem capacidade de se agregar, formando fibrilhas insolveis que do origem a

formaes densas, as SP, que se depositam extracelularmente e, por sua vez, desencadeiam uma

resposta inflamatria dando origem a um microambiente oxidativo (Chauchan & Chauchan, 2006).

As abordagens teraputicas para a AD tm sido baseadas nas suas caractersticas

morfo-anatmicas e bioqumicas. Tem-se procurado desenvolver agentes que contrariem o

hipofuncionamento do sistema colinrgico, interferiram no metabolismo da A, protejam os

neurnios de metabolitos txicos formados no processo neurodegenerativo e intervenham no

processo de formao de NFT nos neurnios. Para alm disso, tm-se procurado agentes anti-

inflamatrios que previnam a resposta negativa dos neurnios ao processo patolgico (Bachurin,

2002). No entanto, a heterogenidade de factores etiolgicos dificultam a identificao do factor

clnico mais importante e determinante para a progresso da doena (Calabrese et al., 2003).

Em Medicina tradicional, vrias espcies vegetais tm sido utilizadas para o tratamento de

desordens cognitivas, incluindo a doena de Alzheimer (Mukherjee, Kumar, Mal & Houghton, 2007).

Propriedades como a actividade anti-inflamatria, antioxidante e inibitria do enzima

acetilcolinesterase tm vindo a ser estudadas, em extractos de plantas, para o desenvolvimento de

novas abordagens teraputicas para esta doena (Howes, Perry & Houghton, 2003). Na ltima

dcada tem havido um particular interesse no estudo de plantas e especiarias includas na dieta

humana, ricas em compostos fenlicos e conhecidas pelas suas propriedades antioxidantes

(Calabrese et al., 2003).

A relao da AD com a formao de radicais livres e danos por stress oxidativo uma das

abordagens cada vez mais frequente em estudos desta doena (Smith et al.,2000). Durante os

ltimos anos, a anlise post-mortem de crebros de doentes com AD tem revelado elevados nveis de

produtos finais de oxidao, sob a forma de modificaes oxidativas proteicas, oxidao de DNA e

RNA e peroxidao dos lpidos de membrana (Steele et al., 2007). No entanto a pesquisa do controlo

da doena por efeitos biolgicos, como a inibio da acetilcolinesterase (AChE) por plantas

tradicionalmente utilizadas em infuses como remdios caseiros ou como especiarias ou

condimentos (Ingkanimi et al., 2003; Heinrich & Teoh, 2004; Mata et al., 2007), continua a ter uma

grande importncia na procura de novos grupos de molculas que possam ser utilizados na terapia e

que sem a toxicidade encontrada nos compostos de sntese qumica (Ferreira et al., 2006).

2.3.1.1. Hiptese Colinrgica

Apesar das vrias hipteses existentes para abordar terapeuticamente a doena de

Alzheimer, a hiptese colinrgica parece ser a que tem maior sucesso. Os inibidores da AChE foram o

primeiro grupo de frmacos aprovados para o tratamento sintomtico da AD, actuando no sentido

REVISO BIBLIOGRFICA

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de restaurar o nvel de acetilcolina no crebro, prolongando assim a neurotransmisso colinrgica

(Bauchurin, 2002; Heinrich & Teoh, 2004). Conhecem-se actualmente dois tipos de colinesterases,

acetil e butiril (AChE e BuChE), ambos encontrados nas SP. A funo fisiolgica da BuChE ainda no

conhecida, mas os nveis deste enzima parecem aumentar o progresso da AD, enquanto os nveis de

AChE o diminuem (Heinrich & Teoh, 2004).

A acetilcolina (ACh) existe nas fendas sinpticas e est envolvida na transmisso de sinal

entre os neurnios (Figura 1). A sua associao com a AD foi descoberta por White et al. (1977), que

ao examinar crebros de pacientes com esta doena, descobriram uma deficincia em ACh. A ACh

sintetizada pela colina acetiltransferase a partir de colina (Ch) e acetil-CoA e transportada para

vesculas sinpticas pelo transportador vesicular de acetilcolina. A fora motriz para o transporte de

ACh dada pelo gradiente de pH entre o citoplasma e o lmen da vescula, que se encontra

acidificado devido presena, na membrana das vesculas, de uma bomba de protes dependente

de ATP (Rand, 2007). A ACh libertada por exocitose para a fenda sinptica e activa os receptores de

ACh muscarnicos e/ou nicotnicos localizados nas clulas ps-sinpticas (Paleari, Grozio, Cesario &

Russo, 2008; Rand, 2007). Este neurotransmissor inactivado por uma reaco de hidrlise

catalisada pelo enzima AChE, na fenda sinptica, de que resulta uma molcula de Ch e um grupo

acetilo. A Ch resultante transportada de volta para o neurnio pr-sinptico por um transportador

de alta afinidade para sntese de ACh adicionais (Rand, 2007). A ACh est ainda envolvida na

regulao de funes celulares vitais, tais como proliferao, diferenciao, organizao do

citosqueleto, contacto clula-clula, actividade ciliar, migrao, secreo e absoro de ies, gua e

mucos (Paleari et al., 2008).

Figura 1 - Modelo colinrgico. A acetilcolina (ACh) sintetizada a partir da colina (Ch) e acetil-CoA e transportada para

vesculas sinpticas, de onde libertada por exocitose para a fenda sinptica. A activa os receptores de ACh localizados nas

clulas ps-sinpticas. A ACh inactivada pelo enzima acetilcolinesterase (AChE), na fenda sinptica, resultando uma

molcula de Ch e um grupo acetilo (A). A Ch resultante transportada de volta para o neurnio pr-sinptico por um

transportador de alta afinidade para sntese de AChs adicionais (Rand, 2007). Figura adaptada de: The neuromuscular

junction; http://www.frca.co.uk/article.aspx?articleid=228.

REVISO BIBLIOGRFICA

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2.3.2. Motilidade Gastrointestinal

A motilidade gastrointestinal define-se como o conjunto de movimentos responsveis pela

mistura e circulao dos contedos gastrointestinais, impulsionando-os ao longo de todo o tracto

digestivo. Os movimentos peristlticos do intestino consistem em ondas de contrao muscular

circulares que levam propulso dos contedos intestinais e so controladas por vias inibitrias e

excitatrias do sistema nervoso entrico (Holzer & Maggi, 1994).

O enzima AChE encontra-se presente nas clulas epiteliais do intestino (Sinne, Ferrand,

Cloarec, Lehur & Colas, 1991), onde a ACh um dos principais neurotransmissores envolvidos no

controlo dos movimentos peristlticos, nomeadamente na contraco ascendente (Jarvie et al.,

2008). A ACh um dos reguladores biolgicos mais importantes do transporte inico, controlando o

movimento da gua no intestino (Hirota & McKay, 2006). Assim, alteraes no metabolismo

colinrgico podem ter particular importncia na funo intestinal normal (Davis, Masella, &

Blennerhassett, 1998). No sistema nervoso entrico, inibidores de AChE previnem a degradao de

ACh, aumentando a sua disponibilidade e, consequentemente, a motilidade gastrointestinal (Jarvie et

al., 2008). Uma motilidade gastrointestinal saudvel depende da coordenao entre as vias

neuronais extrnsecas (simptica e parassimptica) e intrnsecas (entrica), o sistema de circuitos

neuroendrcrinos e a excitabilidade do msculo liso (Pasha, Lunsford & Lennon, 2006).

A forma BChE tambm encontrada abundantemente no intestino de mamferos, podendo

contribuir para a degradao de ACh (Hirota & McKay, 2006). No entanto, a inibio de AChE no

sistema nervoso entrico apresenta um maior impacto e menor nmero de efeitos secundrios,

como nuseas e vmitos, quando comparado com a inibio de BChE (Jarvie et al., 2008). Apesar de

a ACh ser o principal neurotransmissor responsvel pela motilidade intestinal, aps inibio dos seus

receptores podem ainda ser observados alguns movimentos peristlticos, evidenciando assim a

presena de outros neurotransmissores excitatrios no-colinrgicos de controlo peristltico, que

funcionam em sinergia com o sistema colinrgico (Holzer & Maggi, 1994).

Os inibidores de AChE apresentam-se assim como potenciais formas de tratamento para

problemas relacionados com uma motilidade gastrointestinal inadequada (Jarvie et al., 2008).

Actualmente os inibidores de AChE mais utilizados so a metoclopramida, a neostigmina e derivados

de ranitidina (Shasho et al., 1994). No entanto, ao longo do tracto digestivo estes inibidores do

origem a uma grande variedade de efeitos secundrios e a diferentes nveis de eficcia, sendo assim

importante o estudo comparativo entre os efeitos dos inibidores de AChE e a funo gastrointestinal

(Jarvie et al., 2008). Por exemplo, um composto considerado diarreico mimetiza a aco colinrgica e

aumenta a amplitude dos movimentos gastrointestinais por estimulao da contraco do tecido

REVISO BIBLIOGRFICA

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muscular intestinal (Gnahuo, Nguessan, Koffi, Traor & Gud-Guina, 2009). Os distrbios na

motilidade do tubo digestivo esto associados a doenas gastrointestinais como a disfagia, estase

gstrica, vmitos, dores abdominais, paralisia do leo e priso de ventre (Shasho et al., 1994).

Actualmente so ainda escassos os estudos em ratos e humanos nomeadamente no contexto de

formulao de modelos e tratamento de patologias gastrointestinais (Hirota & McKay, 2006). No

contexto de produtos naturais, vrias espcies tm sido utilizadas empiricamente contra doenas

gastrointestinais, nomeadamente do gnero Santolina (Cavero et al., 2011; Tajkarimi et al., 2010).

2.3.3. Inibidores de Acetilcolinesterase

Os inibidores de AChE so actualmente a melhor farmacoterapia para pacientes com

Alzheimer. Ao longo da ltima dcada alguns destes inibidores foram licenciados para uso clnico no

tratamento sintomtico da AD, em estdios mais iniciais da doena, retardando a sua progresso

(Howes et al., 2003). A primeira gerao de inibidores desenvolvidos para aplicao teraputica

exibia uma eficcia clnica moderada, devido sua baixa organoespecificidade e inibio no

especfica do enzima, inibindo tambm o enzima BuChE. Para alm disso, esses frmacos

apresentavam efeitos secundrios indesejveis, sendo sedativos e hepotxicos (Bauchurin, 2002). A

tacrina, o primeiro inibidor de AChE aprovado em alguns pases, no final dos anos 80, para

tratamento da AD (Francis, Palmer, Snape & Wilcock, 1999) apresentava como efeitos secundrios

nuseas, vmitos, diarreia e perda de peso, possivelmente devido inibio indesejada de BuChE

(Geisser et al., 2010). O desenvolvimento de uma segunda gerao de inibidores permitiu contornar

os problemas relacionados com a sua toxicidade, exibindo tambm uma maior especificidade na

inibio do enzima (Bauchurin, 2002).

Actualmente so recomendados trs inibidores de AChE: donepezil, rivastigmina e mais

recentemente, a galantamina. A galantamina, um alcalide isolado pela primeira vez a partir de

espcies do gnero Galanthus (Amaralidaceae), hoje obtido tambm de Narcissus spp. e Leucojum

spp. (Amaralidaceae) e por sntese qumica (Heinrich & Teoh, 2004). Este alcalide inibe a agregao

do pptido A em SP e a toxicidade apresentada aps a sua agregao (Matharu et al., 2009).

Recentemente tm sido desenvolvidos vrios inibidores de AChE para potencial aplicao teraputica

na AD, embora difiram na sua actividade farmacolgica, nomeadamente no mecanismo de inibio

competitivo e no-competitivo (Francis et al., 1999).

REVISO BIBLIOGRFICA

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21

III. Procedimento Experimental

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PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

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1. Materiais

1.1. Material Vegetal

Utilizaram-se neste trabalho ramos vegetativos e florais de Helichrysum italicum Miller,

Santolina impressa L. e Solidago virgaurea L., Asteraceae colhidas em populaes naturais, que

ocorrem em terrenos arenosos entre a Comporta e Melides. Os extractos de H. italicum e S. impressa

foram preparados de amostras colhidas em 2010 na regio atrs referida e os de S. virgaurea

realizados com amostras colhidas em Alcobaa na mesma poca do ano. Para a caracterizao

morfolgica e anatmica das estruturas glandulares e para o estudo histoqumico dos secretados

utilizou-se material colhido a Sul do Tejo durante os meses de Maio e Junho de 2011.

Das trs espcies foram feitas excicatas que se encontram depositadas no LISU (Herbrio do

Jardim Botnico da Universidade de Lisboa) com os seguintes cdigos: H. italicum (LISU236684), S.

impressa (LISU233493) e S. virgaurea (LISU ).

1.2. Reagentes

O crescimento de Streptotoccus mutans e Streptococcus sobrinus foi realizado em meio BHI

(Brain Heart Infusion) 37 g/L da Fluka. Na pesquisa de actividade antioxidante utilizou-se 2,2-difenil-

1-picrilhidrazilo (DPPH) da Aldrich e metanol obtido da Panreac. Para o ensaio de pesquisa de

actividade inibitria do enzima acetilcolinesterase utilizou-se acetilcolinesterase (AChE) tipo VI-S,

extrado de enguia elctrica contendo 349 U/mg slido e 411 U/mg de protena, 5,5-Ditiobis(2-cido

nitrobenzico) (DTNB ou reagente de Ellman), iodeto de acetiltiocolina (AChI) e tampo HEPES,

obtidos da Sigma. O reagente DTNB foi dissolvido em tampo HEPES 50 mM (pH 8,0) contendo NaCl

(50 mM) e MgCl2.6H2O (20mM), ambos comprados Panreac.

No estudo do metabolismo in vitro pela aco dos sucos gstrico e pancretico artificiais

utilizou-se pepsina da Fluka contendo 0,53 U/mg e pancreatina isolada de pncreas de porco, da

Sigma. A soluo de suco gstrico artificial foi preparada com NaCl (2 mg/mL) e Pepsina

(3,2 mg/mL). O pH foi ajustado a 1,2 recorrendo a HCl 1 M (HCl) obtido de Riedel de Haen. A soluo

de suco pancretico artificial consistiu em tampo fosfatos pH 8,0 e pancreatina (2,5mg/mL). Para o

tampo fosfatos utilizou-se fosfato de sdio dibsico (Na2HPO4.7H2O) e fosfato de sdio monobsico

(NaH2PO4.7H2O) da Merck.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

24

Na elaborao do gradiente linear utilizado na cromatografia em HPLC-DAD utilizou-se uma

mistura de metanol obtido da Panreac e cido trifluoroactico (0,005% TFA) da Merk. Os padres

utilizados para a identificao de compostos por HPLC-DAD lutena, cido cafeco, cido clorognico,

cido rosmarnico e rutina foram comprados Sigma.

A manuteno das linhagens celulares Caco-2 e HeLa foi realizada em meio DMEM

(Dulbeccos Modified Eagles Medium) e RPMI (Roswell Park Memorial Institute), respectivamente,

suplementados com 5% L-glutamina, 10% FBS (Fetum Bovine Serum) e 5% de antibitico Pen-Strep

(penicilina 100 U/mL e estreptomicina 100 U/mL) comprados Lonza, excepo do FBS, obtido da

Cambrex. Para a tripsinizao das clulas utilizou-se tripsina e PBS da Lonza. As diluies dos

extractos foram realizadas em HBSS (Hanks Balanced Salt Solution) e DMEM, tambm obtidos da

Lonza. Nos estudos de citotoxicidade foi utilizado brometo de 3-[4,5-dimetil-tiazol-1-il]-2,5-difenil-

tetrazlio (MTT) e dimetilsulfxido (DMSO), ambos da Sigma.

Para a preparao de amostras para os estudos morfo-anatmicos foram utilizados

historesina bsica (metacrilato de hidroxietilo), activador (dibenzilperxido), polimerizador (sulfxido

de dimetilo) da Leica, acetona, etanol, glutaraldedo, cido peridico, azul de toluidina O e 2,4-

dinitrofenilhidrazina, obtidos da Sigma, cido actico da Fisher Scientific e metabissulfito de sdio,

pararosanilina (fucsina diamante) fosfato de sdio dibsico (Na2HPO4.7H2O) e fosfato de sdio

monobsico (NaH2PO4.7H2O), para o tampo de fosfatos, da Merck.

Para a caracterizao histoqumica dos secretados utilizou-se vermelho de sudo IV,

tetrxido de smio, -naftol e cloridrato de dimetilparafenileno diamina (reagente de nadi), cloreto

de ferro III, dicromato de potssio, sulfato de azul do nilo (em cido sulfrico 1%), vermelho de

rutnio e cloreto de alumnio da Sigma.

1.3. Linhas Celulares

As linhas celulares utilizadas foram HeLa (ATCC#CCL-2), uma linha celular derivada do epitlio

do adenocarcinoma cervical e Caco-2 (ATCC#HTB-37), uma linha de clulas epiteliais do

adenocarcinoma colo-rectal. As clulas HeLa e Caco-2 foram respectivamente cedidas pelo Professor

Doutor Fernando Antunes e pelo Professor Doutor Carlos Farinha, do Departamento de Qumica e

Bioqumica da Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

25

1.4. Equipamento

A liofilizao das amostras foi realizada num liofilizador Heto PowerDry 3000. A

termostatizao de solues foi realizada num banho trmico LAUDA Ecoline Staredition RE104.

Utilizou-se uma balana Mettler Toledo ( 0,1 mg) na pesagem dos reagentes slidos. A

agitao e vortex de solues foram realizadas num agitador Heidolph REAX 2000. As amostras

foram centrifugadas em Mini Spin F45-12-11 da Eppendorf. Utilizou-se um medidor de pH WTW

inoLab na preparao de solues que exigiam o controlo deste parmetro.

As anlises por HPLC (High Precision Liquid Chromatography) foram realizadas num aparelho

Thermo-Finnigan (Waltham, MA) Surveyor Modular LC System equipado com uma coluna RP-8

(5m) Lichrospher e software Xcalibur. A deteco foi realizada entre 200 e 600 nm com um

detector Finnigan Surveyor PDA Plus Detector do tipo DAD (diode array detector). Para determinao

das massas molecures de compostos utilizou-se um espectrmetro de massa do tipo ion trap, LCQ-

Duo da Thermo Scientific.

As leituras de absorvncia foram realizadas num espectrofotmetro M350 Double Beam UV-

Vis Spectrophotometer. As leituras de absorvncia em microplacas foram efectuadas num

espectrofotmetro multi-canal leitor de microplacas TecanSunrise.

As condies de esterilidade/assepsia do trabalho foram garantidas por uma cmara de fluxo

laminar Esco Class II Biohazard Safety Cabinet. A incubao de amostras foi realizada numa estufa

Shel Lab CO2 Series da Sheldon Mfg.Inc. A confluncia celular foi verificada num microscpio ptico

Motic AE21.

Para a preparao das amostras para Microscopia Electrnica de Varrimento (SEM) o

material foi seco num Critical Point Drier (BIO-RAD Microscience Division) e metalizado com ouro

num evaporizador Freeze Drier (POLARON E5300). As observaes foram realizadas num

microscpio electrnico de varrimento JEOL JSM-T220 equipado com uma mquina fotogrfica

MAMIYA 6x7. Para o estudo da anatomia das estruturas glandulares, foram obtidas seces

histolgicas de amostras includas em moldes de historesina com um micrtomo rotativo Leica RM

2155. As observaes das seces histolgicas e de alguns testes histoqumicos foram realizadas em

luz visvel num microscpio Leica DM 2500 com uma cmara digital DFC 500 Leica. Na observao

de alguns testes histoqumicos utilizou-se tambm um microscpio de epifluorescncia LEITZ-SM-LUX

.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

26

2. Procedimento Experimental

2.1. Preparao de Extractos Aquosos

Para a preparao das decoces de H. italicum, S. impressa e S. virgaurea foram utilizados

20 g de material vegetal fresco, previamente separado em caules/folhas e flores, cortado e colocado

em 200 mL de gua destilada em ebulio durante 10 minutos. Depois de arrefecidas as decoces

foram filtradas em papel de filtro Whatman 1. Os extractos foram congelados e posteriormente

liofilizados.

2.2. Determinao de Actividades Biolgicas

2.2.1. Determinao da Actividade Antibacteriana: Inibio do crescimento de

Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus

A actividade bacteriosttica dos extractos aquosos foi determinada atravs do clculo do

valor MIC, conforme o procedimento descrito por Figueiredo et al. (2009). Utilizaram-se duas

estirpes Streptococcus mutans (CETC 479) e Streptococcus sobrinus (CETC 4010).

As estirpes foram cultivadas em meio BHI, sob condies anaerbicas, asseguradas pelo

desarejamento com azoto. As culturas foram incubadas overnight numa estufa e a concentrao foi

ajustada a 0,5 UA (unidades de absorvncia) a 630nm, correspondendo a 1,5x108 ufc/mL. Em

seguida tornou-se a ajustar a concentrao das culturas para 1,5x106 ufc/mL. Em placas estreis de

96 poos foram adicionados 100 L de suspenso bacteriana de cada estirpe e 100 L de extracto

aquoso de folhas de H. italicum, S. virgaurea e S. impressa. Para cada concentrao de extracto foi

realizado um branco, substituindo a suspenso bacteriana por meio BHI. Realizou-se tambm um

ensaio controlo em que o extracto aquoso foi substitudo por meio. Aps um perodo de incubao

de 48 horas a 37oC em condies anaerbicas, o crescimento bacteriano foi estimado

espectrofotometricamente a 630 nm.

2.2.2. Determinao da Actividade Antioxidante

A actividade antioxidante do extracto foi determinada pelo mtodo DPPH (Tepe et al., 2005),

com algumas modificaes. Foram adicionados 25 L de extracto aquoso, a 2,5 mL de soluo

metanlica de DPPH (0,002% em metanol). A mistura foi incubada durante 30 minutos temperatura

ambiente. Os valores de absorvncia foram lidos a 517 nm contra um branco contendo metanol no

lugar da soluo metanlica de DPPH. Foi realizado ainda um ensaio controlo onde se substituu a

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

27

soluo de extracto por gua destilada representando o DPPH a 100%. A actividade antioxidante foi

calculada segundo a frmula:

Sendo AA a actividade antioxidante; Aamostra e Acontrolo correspondem s absorvncias da amostra e do

controlo, respectivamente.

Os ensaios foram realizados em triplicado para cada amostra, em diversas concentraes.

Recorrendo anlise da regresso linear, a concentrao de extracto correspondente a 50% de

actividade antioxidante (EC50) foi obtida por interpolao grfica da actividade antioxidante em

funo da concentrao do extracto de planta.

Figura 2 - Representao esquemtica da reduo do radical livre DPPH na presena de uma substncia com propriedades

antioxidantes, capaz de doar um proto. O DPPH reduzido perdendo a cor violeta intensa e adquirindo um tom amarelo

caracterstico do grupo picril.

2.2.3. Determinao da Inibio da Actividade de Acetilcolinesterase

O estudo da inibio de acetilcolinesterase foi realizado segundo o mtodo de Ellman

descrito por Ingkaninan et al. (2003), com ligeiras modificaes. Numa cuvette foram adicionados

325 L de soluo tampo HEPES 50 mM (pH 8,0), 100 L de extracto e 2,5 L do enzima

acetilcolinesterase. Incubou-se durante 15 minutos temperatura ambiente, sendo em seguida

adicionados 75 L de soluo AChI (0,023 mg/mL) e 475 L de soluo DTNB (3 mM). Os valores de

absorvncia foram lidos durante 5 minutos, em intervalos de 30 segundos, contra um branco em que

se substituiu o mesmo volume de enzima por soluo tampo HEPES 50 mM (pH 8,0). A velocidade

inicial da reaco foi determinada graficamente. A reaco controlo foi realizada com gua destilada

no lugar de extracto, assumindo-se, neste caso, 100% de actividade. A percentagem de inibio do

enzima foi calculada segundo a frmula:

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

28

Sendo I (%) a percentagem de inibio do enzima AChE; Vamostra e Vcontrolo as velocidades iniciais da

reaco contendo o extracto e da reaco controlo, respectivamente. O ensaio foi realizado em

triplicado para cada concentrao de amostra utilizada, de forma a calcular o valor de IC50.

Nos casos em que a densidade ptica da soluo elevada ao ponto de no permitir a leitura

no espectrofotmetro, foi substitudo o tampo HEPES por tampo fosfato 50 mM pH 7,4.

Figura 3 Reaco qumica de Ellman usada para determinar a actividade anti-acetilcolinesterase. Adaptado de Frasco,

Fournier, Carvalho & Guilhermino (2005).

2.3. Anlise dos extractos por HPLC-DAD

Para a anlise dos extractos vegetais por HPLC-DAD utilizou-se um gradiente de eluio

composto por soluo A (0,05% TFA em gua MiliQ) e B (metanol) conforme o mtodo: 0 minutos:

70% A e 30% B; 40 minutos: 30% A e 70% B; 45 minutos: 30% A e 70% B; 47 minutos: 70% A e 30% B;

50 minutos: 70% A e 30% B, num fluxo de 0,8 mL/minuto. O volume de injeco foi de 25 L de uma

soluo de extracto aquoso (1 mg/mL).

2.4. Identificao de compostos por Espectrometria de Massa (EM)

Para identificao dos compostos maioritrios do extracto aquoso de folhas de H. italicum

utilizou-se um espectrmetro de massa do tipo ion trap equipado com uma fonte de ionizao por

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

29

electrospray. As fraces foram injectadas na bomba de seringa a uma velocidade constante de 5

l/min. Ajustou-se o fluxo de gs nebulizador (azoto) para 40 (unidades arbitrrias), o fluxo de gs

auxiliar (azoto) para 20 (unidades arbitrrias), a voltagem aplicada ao spray na fonte para 4.5 kV e a

temperatura do capilar a 220oC. Os espectros de massa foram adquiridos no modo negativo numa

gama de m/z 100-1000, excepo do espectro do composto posteriormente identificado como

taxifolina-3-O-xilsido, adquirida em modo positivo. Na recolha das fraces do extracto por HPLC-

DAD, substituiu-se o cido trifluoroactico (0,05%) no gradiente de eluio por cido frmico (0,1%)

de forma a obter uma melhor resoluo no espectrmetro de massa.

2.5. Ensaios de Metabolismo in vitro dos Extractos Aquosos

2.5.1. Digesto por Suco Gstrico Artificial

O mtodo de estudo do metabolismo in vitro pelo suco gstrico foi adaptado de Yamamoto

et al. (1999). Foi adicionado igual volume de amostra do extracto em estudo, com concentrao

correspondente a IC50 e soluo de suco gstrico artificial. A mistura foi incubada a 37oC durante

4 horas. Foram recolhidas amostras no instante inicial e ao final de cada hora. A paragem da reaco

(pH 5,0) foi realizada adicionando NaOH (0,1 M) e metanol, para os casos de anlise por HPLC e

estudo das actividades antiacetilcolinesterase e antioxidante, respectivamente. As amostras foram

centrifugadas a 5433 g durante 5 minutos. O sobrenadante foi recolhido para posterior anlise por

HPLC-DAD e estudo das actividades antioxidante e inibidora do enzima AChE, conforme descrito

anteriormente. O ensaio foi realizado em triplicado e no ensaio controlo substituiu-se o extracto por

igual volume de gua destilada.

2.5.2. Digesto por Suco Pancretico Artificial

O estudo do metabolismo in vitro pelo suco pancretico foi realizado segundo o mtodo

descrito por Yamamoto et al. (1999), ligeiramente adaptado. Foi adicionado igual volume de amostra

do extracto em estudo, com concentrao correspondente a IC50 e soluo de suco pancretico

artificial. A mistura foi incubada a 37oC durante 4 horas. Foram recolhidas amostras no instante

inicial e ao final de cada hora. A paragem da reaco (pH 3,0) foi realizada adicionando HCl (15%) e

metanol, para os casos de anlise por HPLC-DAD e estudo das actividades AChE e antioxidante,

respectivamente. As amostras foram centrifugadas a 5433 g durante 5 minutos. O sobrenadante foi

recolhido para posterior anlise por HPLC-DAD e estudo das actividades antioxidante e inibidora do

enzima acetilcolinesterase, conforme descrito anteriormente. O ensaio foi realizado em triplicado e

no ensaio controlo substituiu-se o extracto por igual volume de gua destilada.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

30

2.5.3. Digesto por -glucuronidase de Escherichia coli

Preparou-se uma mistura reaccional a partir da adio de 200 L de extracto em estudo

(2 mg/mL) a 200 L de -glucuronidase de E. coli (2000 U/mL -glucuronidase em tampo fosfatos de

potssio 5mM, pH 7,4). Simultaneamente foram preparados dois ensaios controlo, um contendo

200 L de -glucuronidase de E. coli (2000 U/mL -glucuronidase em tampo fosfatos de potssio

5 mM, pH 7,4) e 200 L de gua destilada e o outro contendo 200 L de extracto em estudo

(2 mg/mL) e 200 L de tampo fosfatos de potssio 5 mM, pH 7,4). As solues foram incubadas num

banho termostatizado a 37oC durante duas horas. Em seguida centrifugaram-se as amostras a 5433 g

durante 10 minutos. O sobrenadante foi analisado por HPLC-DAD.

2.6. Determinao da Citotoxicidade dos Extractos Aquosos

As clulas Caco-2 e HeLa foram cultivadas em caixas de Petri, em meio DMEM e RPMI,

respectivamente, a uma temperatura de 37oC numa estufa contendo 5% de CO2. Os meios de cultura

foram suplementados com 10% FPS, 100 U/mL de penicilina, 100 U/mL de estreptomicina e 2 mM de

L-glutamina (Kern et al., 2003) e substitudos a cada 48-72 horas.

Aps verificao ao microscpio ptico de 80-90% de confluncia celular, removeu-se o meio

e lavou-se a cultura com 3 mL de PBS (1:9 v/v). Em seguida adicionou-se 1 mL de tripsina para ajudar

na separao das clulas e incubou-se durante 5 minutos a 37oC. No caso de clulas HeLa,

procedeu-se sua contagem num hemacitmetro. Foi adicionado meio RPMI de forma a obter uma

concentrao final de 50000 clulas/mL, ou seja, 5000 clulas por poo de microplacas de 96 poos.

No caso das clulas Caco-2, as clulas foram ressuspendidas em 20 mL de meio DMEM.

A citotoxicidade dos extractos foi analisada pelo mtodo do MTT. As clulas de HeLa e Caco-2

(100 L) foram semeadas em microplacas de 96 poos com uma densidade de 5000 clulas por poo

em meio RPMI e DMEM, respectivamente, at atingirem confluncia. O meio foi substitudo por

100 L de extracto em vrias concentraes realizadas com RPMI ou HBSS, no caso de clulas HeLa e

Caco-2, respectivamente. Aps 6 horas de incubao a 37oC, a soluo de extracto foi substituda por

100 L de soluo MTT (5 mg/mL em meio de cultura) e incubou-se, nas mesmas condies, durante

2 horas. Por ltimo a soluo de MTT foi substituda por igual volume de DMSO. Aps 1 hora foi lida a

absorvncia a 570 nm num leitor de microplacas. Os ensaios foram realizados em duplicado. A

absorvncia lida proporcional ao nmero de clulas viveis. O branco foi preparado com clulas

crescidas em meio RPMI e HBSS, para clulas HeLa e Caco-2 respectivamente, sem adio de

extracto.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

31

2.7. Estudo da Permeao da Barreira Intestinal e Biodisponibilidade de

Compostos

Foram semeadas clulas Caco-2 em placas transwell numa rea de 0,9 cm2. No lado apical

foram colocados 500 L de suspenso celular e no lado baso-lateral foi colocado 1 mL de meio

DMEM.

Ao fim de 4 semanas, quando foi atingida confluncia celular, removeu-se o meio DMEM e

adicionou-se HBSS de forma realizar uma lavagem das clulas e remover todo o meio de cultura. No

lado apical, o HBSS foi substitudo por 500 L de soluo HBSS com extracto numa concentrao no

txica. No lado baso-lateral foram colocados 1,5 mL de HBSS e incubou-se durante 6 horas a 37oC.

Em seguida recolheram-se as amostras do lado apical e baso-lateral para anlise em HPLC-DAD.

Adicionou-se 1 mL de HBSS para ressuspender as clulas do filtro e centrifugou-se a 5433 g durante

10 minutos. O sobrenadante foi recolhido e analisado por HPLC-DAD, juntamente com as restantes

amostras.

Os ensaios foram efectuados em triplicado. O ensaio controlo foi realizado utilizando soluo

de HBSS sem extracto vegetal, no lado apical.

2.8. Microscopia Electrnica de Varrimento (SEM)

Para o estudo da morfologia e distribuio das estruturas secretoras nos diferentes rgos,

folhas e flores de H. italicum, S. impressa e S. virgaurea em diferentes estdios de desenvolvimento

foram fixadas em glutaraldedo a 2,5% em tampo fosfato de sdio 0,1 M (pH 7,2), durante 72 horas

a 4oC. Em seguida o material foi lavado no tampo do fixador e desidratado numa srie crescente de

etanol (30%-90%, 15 minutos em cada uma das concentraes) e 1 hora em etanol absoluto (3x20

minutos). Posteriormente, o material foi transferido para uma soluo de etanol/acetona (v/v)

durante 1 hora (3x20 minutos) e em seguida para acetona absoluta (3x20 minutos), onde se

mantiveram at serem secas pelo mtodo do ponto crtico do CO2. As amostras secas foram

ulteriormente montadas em porta-objectos, metalizadas com ouro e observadas num microscpio

electrnico de varrimento JEOL T-220 a 20KV. As imagens foram registadas em filme a preto e branco

KODAK Tmax 100 pro.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

32

2.9. Microscopia ptica (MO)

2.9.1. Anatomia e Histoqumica em Material Fixado

As estruturas secretoras das trs espcies de Asteraceae foram estudadas em seces de

material fixado e includo em historesina. O processo de fixao foi realizado conforme descrito na

seco 2.8. Aps a desidratao em etanol, as amostras foram colocadas a 4oC em diferentes

misturas de pr-infiltrao (etanol/mistura de infiltrao) nas propores de 3:1, 1:1 e 1:3 (v/v)

durante 24 horas cada. Em seguida as amostras passaram para uma mistura de infiltrao pura

constituda por historesina bsica (metacrilato de hidroxietilo) com activador (dibenzilperxido) a

1%. A incluso das amostras em moldes de historesina foi realizada em mistura de infiltrao qual

foi adicionado o polimerizador (sulfxido de dimetilo) numa proporo de 15:1 (v/v). A polimerizao

ocorreu sobre a placa de aquecimento a 60oC durante 48 horas.

Seces (transversais e longitudinais) das amostras, com 2-5 m de espessura, foram

realizadas com um micrtomo rotativo equipado com faca de tungstnio. As seces obtidas foram

montadas em lminas de vidro e coradas sequencialmente com cido peridico/Reagente de Schiff1

(PAS) e Azul de Toluidina O para deteco de polissacridos. As lminas foram imersas durante

10 minutos numa soluo saturada de 2,4-dinitrofenilhidrazina em cido actico a 15%, sendo

posteriormente lavado em gua corrente (15 minutos) e secas em estufa a 60oC (15 minutos). Em

seguida as lminas foram tratadas com cido Peridico 1% (10 minutos), lavadas em gua corrente

(5 minutos) e secas em estufa a 60oC (15 minutos). Aps colorao com Reagente de Schiff (30

minutos), as lminas foram lavadas primeiro com metabissulfito de sdio a 0,5% em cido clordrico

0,05 N (3x2 min) e depois com gua corrente (5 minutos), sendo secas temperatura ambiente. A

esta colorao seguiu-se uma segunda colorao em Azul de Toluidina O (2 minutos), lavagem e

secagem novamente temperatura ambiente.

2.9.2. Histoqumica em Material Fresco

Seces transversais de caules/folhas de H. italicum, S. impressa e S. virgaurea foram

realizadas mo livre e submetidas a vrios testes histoqumicos para deteco dos principais grupos

qumicos que constituem os seus secretados. Utilizou-se Vermelho de Sudo IV para deteco de

lpidos totais, Sulfato de Azul do Nilo para distinguir lpidos cidos de neutros, Tetrxido de smio

para caracterizar lpidos insaturados, Reagente de Nadi para revelar terpenides (distinguir leos

1 O Reagente de Schiff foi preparado misturando uma soluo de 2 g de fucsina diamante em 60 mL HCl 1N com uma soluo de 2 g de metabissulfito de sdio em 3000 mL de gua destilada. Deixou-se repousar durante 24 horas. Adicionou-

se 1,2 g de carvo activado e agitou-se durante 2 minutos. Filtrou-se e manteve-se o no escuro a 4oC.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

33

essenciais de resinas), Cloreto de Ferro III e Dicromato de Potssio para evidenciar compostos

fenlicos e Vermelho de Rutnio para detectar pectinas e mucilagens vegetais. Os compostos

fenlicos foram tambm caracterizados in situ por incidncia de Luz Azul e UV e os flavonides foram

detectados por induo de fluorescncia com Cloreto de Alumino (Charrire-Ladreix, 1973). As

observaes foram realizadas num microscpio de epifluorescncia equipado com bloco de filtros A

(filtro de excitao BP 340-380 nm, espelho dicrico 450 e filtro de paragem LP-430) e um bloco de

filtros I2 (filtro de excitao 450-490 nm, espelho dicrico 450 e filtro de paragem LP-515). As

imagens foram registadas em filme positivo a cores KODAK Provia 400 ASA.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

34

35

IV. Resultados e Discusso

RESULTADOS E DISCUSSO

36

RESULTADOS E DISCUSSO

37

1. Determinao de Actividades Biolgicas em Extractos Aquosos de Helichrysum italicum, Santolina impressa e Solidago virgaurea

Um dos objectivos deste trabalho consistiu na determinao das actividades antibacteriana,

antioxidante e inibitria do enzima AChE de extractos aquosos de Helichrysum italicum, Santolina

impressa e Solidago virgaurea.

1.1. Actividade Antibacteriana: Inibio do Crescimento de Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus

Com o objectivo de investigar se os extractos aquosos das espcies em estudo possuem

actividade antibacteriana foi estudada a inibio do crescimento Streptococcus mutans e

Streptococcus sobrinus, estirpes Gram-positivas responsveis pelo aparecimento de cries dentrias

e pela produo e desenvolvimento da placa bacteriana.

O ensaio de inibio do crescimento de S. mutans e S. sobrinus tem como objectivo

determinar os valores de MIC (concentrao mnima inibitria) e IC50 correspondente concentrao

de extracto responsvel por 50% de inibio do crescimento bacteriano (Tabela 1). A MIC foi

considerada como a concentrao que provoca 90% de inibio do crescimento bacteriano. O

crescimento das culturas foi seguido pela medio da densidade ptica.

Tabela 1 - Concentrao mnima de inibio (MIC) e IC50 de extractos aquosos de Helichrysum italicum, Santolina impressa e

Solidago virgaurea para Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus. Valores expressos em mg/mL desvio padro de 3

replicados.

Extractos Streptococcus mutans Streptococcus sobrinus

MIC IC50 MIC IC50

Helichrysum italicum Folhas 0,039 0,0047 0,0097 0,0062 0,056 0,031 0,022 0,024

Santolina impressa Folhas 1,63 0,39 0,46 0,063 1,41 0,080 0,44 0,14

Solidago virgaurea Folhas 1,62 0,23 0,71 0,18 ----- -----

O extracto aquoso de folhas de H. italicum apresenta os melhores valores de MIC e IC50 para

ambas as estirpes. No foi possvel determinar os valores de MIC e IC50 para o extracto aquoso de

S. virgaurea contra S. sobrinus por no se ter conseguido cultivar de novo a estirpe bacteriana. No

RESULTADOS E DISCUSSO

38

entanto, o esperado que sejam na mesma ordem de grandeza dos valores obtidos para S. mutans,

como verificado para as outras duas espcies.

Na literatura existem algumas referncias a valores de MIC para extractos aquosos e

orgnicos de vrias espcies vegetais. Em relao a espcies Asteraceae, Nostro et al. (2004)

obtiveram um valor de MIC para S. mutans de 0,0625 mg/mL para extractos etanlicos de flores de

H. italicum. Nos estudos realizados por Freires et al. (2010) com extractos etanlicos de partes

areas de Solidago microglossa, foi determinado um MIC para S. mutans de 7,810 mg/mL. Tambm

Khadri et al. (2009) determinaram o valor de MIC para extractos aquosos de Cymbopogon

shoenanthus (Poeaceae), tendo obtido 32 3 mg/mL para S. mutans e 32 3 para S. sobrinus.

Recentemente Figueiredo et al. (2010) determinaram o MIC para duas espcies Lamiaceae,

Plectranthus barbatus e Plectranthus ecklonii, tendo sido obtidos valores de 2,9 0,1 mg/mL e

5,0 0,0 mg/mL para S. mutans e 3,8 0,0 mg/mL e 4,7 0,3 mg/mL para S. sobrinus,

respectivamente.

Ao comparar os valores de MIC obtidos pelos diversos autores com os valores determinados

neste trabalho, verifica-se que os extractos aquosos de H. italicum, S. impressa e S. virgaurea

apresentam uma elevada actividade inibitria do crescimento de S. mutans e S. sobrinus. Todos os

valores de MIC determinados so inferiores aos descritos na literatura. Em geral, extractos orgnicos

apresentam melhores valores de actividade quando comparados com decoces (Palombo, 2009),

embora neste estudo os valores de MIC do extracto aquoso de folhas de H. italicum, para as duas

estirpes, tenham sido inferiores aos referidos anteriormente para a mesma espcie (Nostro et al.,

2004) assim como o verificado para Solidago microglossa em relao a S. virgaurea, neste caso

tratando-se de espcies diferentes. Os valores de MIC obtidos nos dois estudos de H. italicum podem

ser devidos ao facto de se tratarem de subespcies provavelmente diferentes, no presente estudo

H. italicum spp. picardii sendo desconhecida a subespcie do trabalho realizado anteriormente por

Nostro et al. (2004).

Os valores de MIC fornecem indirectamente alguma informao respeitante formao de

biofilme bacteriano. Uma vez que para as concentraes de MIC determinadas para os extractos

aquosos das trs espcies o crescimento bacteriano foi inibido, no tambm esperada a formao

de biofilme.

Os chs so de um modo geral uma das melhores fontes de flavonides, classe de

compostos a que tem sido atribuda a actividade inibitria de diversos patogneos, como por

exemplo bactrias Gram-positivas e Gram-negativas e vrus (Bylka, Matlawska & Pilewski, 2004). O

screening de espcies vegetais para pesquisa de agentes antimicrobianos uma abordagem

importante reconhecida como vlida para a identificao de compostos naturais com propriedades

antibacterianas contra patogneos dentrios (Tichy & Novak, 2008).

RESULTADOS E DISCUSSO

39

1.2. Actividade Antioxidante

Neste estudo foi avaliada a actividade antioxidante de extractos aquosos de H. italicum,

S. impressa e S. virgaurea atravs do mtodo do radical livre DPPH. A capacidade de reduo de

radicais livres DPPH (%) foi determinada pela diminuio na sua absorvncia, induzida pelos

antioxidantes presentes na amostra. Este modelo de avaliao baseado na capacidade do radical

livre reagir com substncias doadoras de H (DPPH + *AH+n DPPH-H + *A+n). A formao e

acumulao de radicais livres leva ocorrncia de stress oxidativo. Este stress pode ocorrer em

consequncia de vrias condies clnicas como doenas neurodegenerativas, como por exemplo a

Doena de Alzheimer e doenas do tracto gastrointestinal (Aruoma, 1998; Biluid et al., 2008;

Spencer, 2008). O crebro particularmente vulnervel aos processos oxidativos e, em comparao

com outros tecidos, menos eficiente na eliminao de radicais livres (Steel et al., 2007).

A actividade antioxidante foi determinada atravs do valor de EC50, valor correspondente

concentrao necessria para provocar 50% de