AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
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i
i
4
mklS O DISCURSO
ernanda ussalim
1 A GÉNESE DA
DISCIPLIN
1 .1 . Es t ru tura l i smo marx ismo ps icanál i se : um ter reno fecundo
Fa la r
em
Aná l i se
do Discurso
pode
significar, num primeiro momento,
algo vago
e amplo, praticamente
pode
significar qualquer coisa, já que toda
produç ão
de linguagem
pode
ser
considerada discurso .
No entanto, a
Aná l i se
do Discurso de que vamos falar neste
c a pí tu lo Jrata-se
de uma disciplina que
teve sua origem na
França
na
d é c a d a
de 1960.
Para
entender a
g é n e s e
dessa disciplina é preciso compreender as condi
ç õe s
que
propiciaram
a sua
e m e r g ê n c i a . Maldidier
(1994) descreve a
funda ç ão
da Aná l i se
do Discurso
através
das figuras de
Jean
Dubois e
Michel
P ê c he ux .
Dubois,
um linguista,
l e x i c ó l o g o
envolvido com os empreendimentos da
L i n -
guíst ica
de sua
é poc a ; P ê c he ux
um
f i ló so fo
envolvido com os debates em torno
do marxismo, da
ps i c a ná l i se
da epistemologia. O que há de comum no trabalho
desses dois pesquisadores com
p r e o c u p a ç õ e s
distintas é que ambos são toma-
Agradecemos a Sír io Possenti a
Anna Christina
Bentes a Edwiges
Morato
e a Claudia Ber t e l l i Reis
pelas con t r i bu i ções a
este
texto.
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1 2
INTRODUÇÃO À UNGUÍSTICA
dos pelo
e s p a ç o
do marxismo e da
po l í t i ca ,
partilhando
c o n v i c ç õ e s
sobre a luta
de classes, a
história
e o movimento social.
É
pois, sob o horizonte comum do marxismo e de um momento de
cresci
mento da
L i nguí s t i ca
— que se encontra em franco desenvolvimento e ocupa o
lugar de
c i ê n c i a
piloto — que nasce o projeto da
A n á l i s e
do Discurso (doravante
A D .
O projeto da AD se inscreve num objetivo
p o l í t i c o ,
e a
L i nguí s t ica
oferece
meios
para
abordar a
po l í t i ca .
Vamos compreender de que maneira.
N a
conjuntura estruturalista, a autonomia relativa da linguagem é unani
memente reconhecida. Isso porque, devido ao recorte que as teorias estrutura
listas da linguagem fazem de seu objeto de estudo — a
l í n g u a — ,
torna-se pos
s í ve l es tudá- l a
a partir de regularidades e, portanto,
apreendê- l a
na sua totalida
de (pelo menos é nisso que crê o
estruturalismo),
já que as
i n f l uênci as
externas,
geradoras de
irregularidades,
não afetam o sistema por não serem consideradas
como parte da
estrutura.
A
l í n g u a
não é apreendida na sua
re l ação
com o mun
do, mas na estrutura interna de um sistema fechado sobre si mesmo.
D a í
estru
turalismo : é no interior do sistema que se define, que se estrutura o objeto, e é
este objeto assim definido que interessa a esta
c o n c e p ç ã o
de
c i ênci a
em vigor na
é p o c a .
- - - - -
U m
exemplo. O estruturalismo de vertente saussureana
1
define as estru
turas da
l í n g u a
em
f u n ç ã o
da
r e l a ç ã o
que elas estabelecem entre si no interior
de um mesmo sistema
l i n g u í s t i c o . E s s a r e l a ç ã o
é sempre
binária
— ou
seja,
os
elementos são sempre tomados dois a dois — e se organiza a partir do
cr i t ér i o
diferencial, que determina que todos os elementos do sistema se definem ne
gativamente. Tomando como pares os fonemas [p] e [b], para citar um exem
plo no
n í v e l f o n o l ó g i c o ,
pode-se
dizer que, quanto ao
t raço
de sonoridade, [p]
se define com
re l ação
a [b] por ser [vozeado], ou
seja,
[b] é um fonema vozeado
enquanto [p] é desvozeado. Por sua vez, tomando como pares os fonemas [p]
e [t], quanto ao lugar de
art i cu l ação ,
pode-se dizer que [p] se define como [-
dental]2 em
re l ação
a [t]. Nessa mesma vertente, o significado
t a m b é m
é defi
nido a partir de uma
r e l a ç ã o
de
d i f e r e n ç a s
no interior do sistema3: o significa
do de uma palavra é aquele que o significado da palavra tomada como par não
é.
Assim, homem se define com
r e l a ç ã o
à mulher por ser [-feminino]; por sua
1. Remetemos o
leitor
à obra de Saussure (1916/1974), Curso de Linguística geral considerada a
obra fundadora da Linguís t ica por possibilitar uma abordagem da l í ngua a partir de suas regularidades e
assim
defini-la
como um objeto
pas s í ve l
de
análise científ ica
para os
p a d r õ e s
de
cientificidade
da
época .
2. A respeito das class if icações dos fonemas, remetemos o
leitor
aos cap í t u l os F oné t i ca e Fonologia ,
no volume 1 desta obra.
3. Remetemos o
leitor
ao cap í t u l o S emân t i ca , neste mesmo volume.
ANÁLISE DO DISCURSO * ^ • 103
vez, com
r e l a ç ã o
a cachorro, homem se define por ser
[ - q u a d r ú p e d e ] ,
e assim
po r
diante.
A L i nguí s t i ca ,
assim, acaba por se impor, com
r e l a ç ã o
às
c i ê n c i a s
huma
nas,
como uma
área
que confere cientificidade aos estudos, já que esses deve
riam passar por suas leis (é nesse sentido que ela se torna uma
c i ê n c i a
piloto),
em vez de agarrarem-se diretamente a
i n s t â n c ia s s o c i o e c o n ó m i c a s 4 .
E nesse
horizonte que se inscreve, por exemplo, o projeto do
filósofo
Althusser, como
afirma Maingueneau (1990): a
l i nguí s t i ca
caucionava tacitamente a linha de
horizonte do estruturalismo na
qual
se inscreve o procedimento althusseriano 5.
E m
Ideologia
e
aparelhos
ideológicos
do estado
(1970),
Althusser,
fazen
do uma releitura de
Marx,
distingue uma teoria das ideologias particulares ,
que exprimem
p o s i ç õ e s
de classes, de uma teoria da ideologia em geral , que
permitiria
evidenciar o mecanismo
r e s p o n s á v e l
pela
r e p r o d u ç ã o
das
r e l a ç õ e s
de
p r o d u ç ã o ,
comum a todas as ideologias particulares. É nesse
ú l t i m o
aspecto que
reside o interesse do autor.
A o
-propor-se a investigar o que determina as
c o n d i ç õ e s
de
r e p r o d u ç ã o
social , Althusser parte
do pressuposto de que as ideologias
t ê m e x i s t ê n c i a
mate
r ia l , ou seja, devem,
se r
estudadas não como ideias, mas como um conjunto de
práticas
materiais qiiereprod
produ ção . T ra tà - se
dó materia
lismo
h i s tór i co ,
que dá
ê n f a s e
à materialidade da
e x i s t ê n c i a ,
rompendo com a
p r e t e n s ã o
idealista de
c i ê n c i a
de dominar o objeto de estudo controlando-o a
partir de um procedimento administrativo
ap l i cável
a um determinado universo,
como se a sua
ex i s t ênci a
se desse no
n í ve l
das ideias.
Para
o materialismo, o
objeto real (tanto no
d o m í n i o
das
c i ênci a s
da natureza como no da
h i s tór i a
existe independentemente do fato de que ele seja conhecido ou
n ã o ,
isto é, inde
pendentemente da
p r o d u ç ã o
ou não
p r o d u ç ã o
do objeto do conhecimento que
lhe corresponde 6. .
U m
exemplo: no modelo
e c o n ó m i c o
do capitalismo (considerando aqui a
c o n c e p ç ã o c l á s s ic a
de capitalismo, tal como ele foi compreendido pelas teorias
marxistas), as
re l ações
de
p r o d u ç ã o
implicam
d i v i s ã o
de trabalho entre aqueles
que são donos do capital e aqueles que vendem a
m ã o - d e - o b r a . Esse
modo de
4 . L õwy (1988) faz um interessante estudo da his tór ia das c i ê n c i a s sociais. Remetemos o
leitor
à sua
obra para compreender como as vertentes f i losóf icas —
positivismo, historicismo,
marxismo — nortearam
os cr i t é r i os de cientificidade de cada época , c r i t é r i os que, por sua vez, nortearam os p r opós i t os , os estudos
e os m é t o d o s nas c i ênc i as humanas. *
5. M A I N G U E N E A U , D. A n á l i s e do Discurso: a q u e s t ã o dos fundamentos. In: adernos
de Estudos
Linguísticos- Campinas, U N I C A M P - 1EL, n. 19, jul./dez., 1990.
6. P ê c h e u x , M.
Semântico e discurso:
uma cr í t i ca à a f i r m a ç ã o do ó b v i o . Campinas, Editora da
U N I C A M P . 1988. p. 74, ( t í tulo or iginal: Les vérites de la Palice 1975)
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p r o d u ç ã o
é a base
e c o n ó m i c a
da sociedade capitalista. Na
metáfora
marxista do
e d i f í c i o
social, a base
e c o n ó m i c a
é chamada de infra-estrutura, e as
i nstânci as
po l í t i co - jurí d i cas
e
i d e o l ó g i c a s
são denominadas superestrutura. Valendo-se des
sa m etá fora ,
Althusser levanta a necessidade de se considerar que a infra-estru
tura determina a superestrutura (materialismo hi s tór i co ) , ou seja, que a base
e c o n ó m i c a
é que determina o funcionamento das
i nstânci as po l í t i co - jurí d i cas
e
i d e o l ó g i c a s
de uma sociedade. A ideologia — parte da superestrutura do
edi f í
cio —, portanto, só pode ser concebida como uma
reprodução
do modo de pro
d u ç ã o ,
uma vez que é por ele determinada. Ao mesmo tempo, por uma
ação
de
retorno da superestrutura sobre a infra-estrutura, a ideologia acaba por perpe
tuar a base
e c o n ó m i c a
que a sustenta. Nesse sentido é que se pode reconhecer a
base estruturalista da teoria de Althusser, na medida em que a infra-estrutura
determina a superestrutura e é ao mesmo tempo perpetuada por ela,
como
um
sistema cuja
circularidade
faz com que seu funcionamento
recaia
sobre si mesmo.
Como
modo de
a p r e e n s ã o
do funcionamento da ideologia, o conceito de
aparelhos ideológi os de Althusser é bastante esclarecedor. Retomando a teo
ri a
marxista de Estado, o autor afirma que o que tradicionalmente se chama de
Estado é um aparelho repressivo do Estado
( A R E ) ,
que funciona pela v i o l ê n
c i a
e cuja
a ç ã o
é complementada por
i nst i tu i ções
— a escola, a
rel i g i ão ,
por
exemplo
, que funcionam pela ideologia e
s ã o
denominadas aparelhos
ideoló-
gicos de
Estado
( A I E ) . Pela maneira como se estruturam e agem esses apare
lhos
i d e o l ó g i c o s
— por
meio
de suas
prát i cas
e de
seus
discursos — é que se
pode depreender como funciona a ideologia (trata-se sempre, para Althusser, do
funcionamento da ideologia dominante, pois, mesmo que as ideologias apresen
tadas pelos A I E sejam contradi tór i a s , tal c o n t r a d i ç ã o se inscreve no d o m í n i o da
ideologia dominante).
A
L i nguí s t i ca , então ,
aparece como um horizonte para o projeto althusseria-
no da seguinte
maneira:
como a ideologia deve ser estudada em
su a
materialidade,
a
linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a ideologia se mate
r i a l i za .
A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da qual se
pode depreender o funcionamento da ideologia.
Poderemos agora melhor compreender a
af i rm ação
de Maingueneau (1990)
anteriormente citada — a
l i nguí s t i ca
caucionava tacitamente a linha de hori
zonte do estruturalismo na qual se inscreve o procedimento althusseriano - e
entender
t a m b é m
por que é que, como
já
foi dito, presidem o nascimento da AD
o marxismo e a
L i nguí s t i ca .
O projeto althusseriano, inserido em uma
tradição
marxista que buscava apreender o funcionamento da ideologia a partir de sua
materialidade, ou seja, por
meio
das práticas e dos discursos dos A I E , via com
A N U SE
O
DISCURSO
bons olhos uma
L i n g u í s t i c a
fundamentada sobre bases estruturalistas. Mas uma
L i n g u í s t i c a
saussureana, uma
L i nguí s t i ca
da
l í n g u a ,
não seria suficiente; só
um a teoria do discurso, concebido
como
o lugar t e ó r i c o para o qual convergem
componentes
l i nguí s t i cos
e
s o c i o i d e o l ó g i c o s ,
poderia acolher esse projeto. -
É
neste contexto que nasce o projeto da AD. Michel
P ê c h e u x ,
apoiado
numa formação f i losófica^
desenvolve um questionamento
crí t i co
sobre a L i n
guí s t i ca e, diferentemente de Dubois, não pensa a i nst i tu i ção da AD como um
progresso natural permitido pela
L i nguí s t i ca ,
ou seja,
n ã o
concebe que o estudo
do discurso seja uma passagem natural da Lexicologia (estudo das palavras)
para
a
A n á l i s e
do Discurso. A
inst i tuição
da AD ,
para
P ê c h e u x ,
exige
uma
rup
tura
e p i s t e m o l ó g ic a ,
que coloca o estudo do discurso num outro terreno em que
i n t ervêm questões t eór i cas
relativas à ideologia e ao sujeito. Ass im é que, como
afirma Maldidier (1994), o
objeto
discurso de que se ocupa P ê c h e u x em seu
empreendimento
n ão
é uma simples
' superação
da
L i nguí s t i ca
saussuriana' 7.
A
L i nguí s t i ca saussureana, fundada sobre a dicotomia l í n g u a / f a l a8 — a
primeira concebida como abstrata e
s i s t ém i ca ,
por isso objetivamente apreendi
da ;
a segunda,
nã o
objetivamente apreendida por variar de acordo com os diver
sos falantes, que selecionam parte do sistema da
l í ngua
para seu uso concreto
eni
dci errn i t i ádás s i tuações
(lé comunicação - rpcrmitiu à
c o n s t i t u iç ã o
da'
Fonologia, da Morfologia e da Sintaxe, mas não foi, segundo
P ê c h e u x
(1988),
suficiente para permitir a
const i tu i ção
da
S e m â n t i c a ,
lugar de
c o n t r a d i ç õ e s
da
Linguíst ica . Para
ele, o sentido,
objeto
da
S e m â n t i c a ,
escapa às abordagens de
uma Linguíst ica
da
l í n g u a
9
.
A teoria do valor de Saussure (1916/1974), segundo
a
qual os signos se definem negativamente, subordina, como aponta
B r a n d ã o
(1998a), a
s i g n i f i c a ç ã o
ao valor, de onde decorre que a
s i g n i f i c a ç ã o ,
para
Saussure,
é concebida como
s i s t ém i ca . Para Pêcheux ,
ao
contrário,
a significa
ç ã o
não é sistematicamente apreendida por ser da ordem da fala e, portanto, do
sujeito, e não da ordem da
l í ngua ,
pelo fato de sofrer
a l t erações
de acordo com
as
p o s i ç õ e s
ocupadas pelos sujeitos que enunciam. O autor retoma esta dicotomia
saussureana
para inscrever os processos de
s i gn i f i cação
num outro terreno, mas
n ã o concebe nem o sujeito, nem os
sentidos
como individuais, mas como h i s t ó
ricos, i deo l óg i cos .
Assim é que o autor
p r o p õ e
uma
sem ânt i ca
do discurso —
7. Maldidier, D. Elementos para uma his tór ia da A n á l i s e do Discur so na F r a n ç a . In: Orlandi, E. P.
(org.)
Gestos de leitura da h i s t ó r i a no discurso. Campinas. Editora da U N I C A M P 1994, p. 19.
8. Remetemos o
leitor
ao cap í t u l o Fonologia no volume 1 desta obra, que t a m b é m aborda esta
dicotomia. j
9. Possenti (1995) aponta que para Gvanger (1973) as l í n g u a s não são sistemas formais, mas sistemas
s i mból i cos que con t êm um sistema
formal,
pois só se comportam como uma estrutura no n í ve l f ono l óg i co :
nos outros
domí n i os
inclusive nos
domí n i os
da Morfologia e da Sintaxe, a
l í ngua
falha como estrutura.
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1 6
INTRODUÇÃO Ã LINGUÍSTICA
concebido como lugar para onde convergem componentes l i n g u í s t i c o s e
s o c i o i d e o l ó g i c o s
— em vez de uma
semântica l inguíst ica,
pois as
c ondi ç õe s
só-
c i o -h i s tór i c as
de
pr oduç ão
de um discurso
sã o
constitutivas de suas
s i gni f i c aç õe s .
Pode-se, assim, perceber o paralelismo dos projetos althusseriano e da
A D . A A n á l i s e do Discurso, demonstrando uma vontade de for mal i z aç ão do
discurso a partir da proposta de
P ê c h e u x
(1969) de uma
anál ise automática
do
discurso (doravante
A A D ) ,
oferecia um procedimento de leitura que relacio
nava
determinadas condições de produção 10 — mecanismo de
c o l o c a ç ã o
dos
protagonistas e do objeto do discurso, mecanismo que chamamos de 'condi
ç õ e s
de
p r o d u ç ã o
do discurso'
11
— com os processos de
pr oduç ão
de um
discurso.
P a r a P ê c h e u x , é como se houvesse uma m á q u i n a discursiva , um
dispositivo capaz de determinar, sempre numa r e l aç ão com a história, as possi
bilidades discursivas dos sujeitos inseridos em determinadas formações soci-
ais
conceito
or i g i nár i o
da obra de Althusser (1970) que designa, em um deter
minado momento
hi s tór i c o ,
um estado de
r e l aç õe s
— de
al iança,
antagonismo
ou
d o m i n a ç ã o
— entre as classes sociais de uma comunidade. Assim é que a
A D i n t e r v ém
como um componente essencial do projeto althusseriano que visa
va definir uma c i ê nc i a da ideologia que não fosse i d e o l ó g i c a , isto é, que não
implicasse uma p o s i ç ã o i d e o l ó g i c a de sujeito. O autor, buscando definir uma
teoria
da ideologia em geral que permitisse evidenciar o mecanismo respon
s á v e l
pela
r e pr oduç ão
das
r e l aç õe s
de
pr oduç ão
comum a todas as ideologias
particulares,
vislumbrava a AAD como uma possibilidade
e mpí r i c a
de realiza
ç ã o
de seu projeto. Dialeticamente, o pensamento althusseriano
t a m b é m
é
determinante da fase inicial de
i nst i tu i ç ão
da AD, cuja proposta se inscreve no
materialismo
histórico.
Esperamos ter explicitado até aqui o palco do materialismo
histórico
e do
estruturalismo sobre o qual surge a AD. O materialismo
hi s tór i c o
e o estrutura
lismo estabelecem as bases
n ão
só para a
gé ne se da
AD e do projeto althusseriano
(o conceito de máqui na discursiva e a metáfora do e di f í c i o social evidenciam
isso), mas t a m b é m para a c o n v e r g ê n c i a entre esses projetos.
Ainda um outro elemento
c o m p õ e
o quadro
e p i s t e m o l ó g i c o
do surgimento
da
AD: a
ps i c aná l i se
lacaniana. Abordaremos o pensamento lacaniano procu-
10. Sobre a origem do termo c o n d i ç õ e s de p r odução , ver B r andão (1998a).
11.
P ê c h e u x , M . Anál i s e au t omát i ca do discurso ( A A D - 6 9 ) . I n : Gadet, F & Hak, T. (orgs.) Por uma
análise automática do discurso: uma i n t r o d u ç ã o à obra de M i c h e l P ê c h e u x . Campinas Editora da
U N 1 C A M P . 1990. p. 78. ( t í tulo or iginal , 1969)
ANÁLISE
DO
DISCURSO
1 7
rando evidenciar como ele é fundamental neste momento inicial de f u n d a ç ã o da
A n á l i s e
do Discurso.
A partir da descoberta do inconsciente por F r e ud, o conceito de sujeito
sofre uma alteração substancial, pois seu estatuto de entidade h o m o g é n e a passa
a ser questionado diante da c o n c e p ç ã o freudiana de sujeito clivado, dividido
entre o consciente e o inconsciente.
Lac an
faz uma
releitura
de
Freud recorren
do ao estruturalismo
l i nguí s t i c o ,
mais especificamente a Saussure e a Jakobson,
numa tentativa de abordar com mais
pr e c i são
o inconsciente, muitas vezes to
mado como uma entidade misteriosa, abissal.
Para
poder
trazer
à tona seu
material,
L a c a n
assume que o inconsciente se
estrutura como uma linguagem, como uma cadeia de significantes12 latente que
se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as pala
vras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discur
so do Outro, do inconsciente. A tarefa do analista
13
seria a de fazer vir à tona,
atr avé s de um trabalho na palavra e pela palavra, essa cadeia de significantes,
- essas outras palavras , esse discurso do Outro . O inconsciente é o lugar des
conhecido, estranho, de
onde
emana o discurso do pai, da famí l i a , da lei, enfim,
do Outro e
e m-r e l aç ão
ao qual o -sujeito se define, ganha identidade.
Assim,
o
sujeito é visto como uma
r e pr e se ntação
— como ele se representa a partir do
discurso do pai, da
famíl ia
etc. —, sendo, portanto, da ordem da linguagem.
Apoiado em alguns
critér ios
do estruturalismo
li nguí s t i c o , L ac an
aborda
esse
inconsciente, demonstrando que existe uma estrutura discursiva que é regida
por
leis. Decorrem dessa proposta
i mpl i c aç õe s
para a
ps i c aná l i se .
A que mais
diretamente interessa à AD diz respeito ao conceito de sujeito, definido em
funç ão
do modo como ele se estrutura a partir da
r e l aç ão
que
m a n t é m
com o
inconsciente, com a linguagem, portanto, já que, para
L a c a n ,
a linguagem é
c o n d i ç ã o
do inconsciente
14
.
Saussure, como já apontado anteriormente, define o sistema
l i nguí s t i c o
a
partir do critério diferencial segundo o qual na
l í ngua
não há mais que diferen-
12. Para Saussure (1916/1974), o signo l inguís t ico é composto de signi ficante e significado compre
endidos, respectivamente, como imagem
acús t i ca
(som com
f unção l i ngu í s t i ca )
e conceito. Remetemos o
leitor
ao cap í t u l o Fonologia no volume 1, que t ambém aborda o conceito de signo.
13 . Maingueneau (1990) aponta uma ques t ão interessante com r e l ação ao uso do termo análise: é a
mat er i a l i zação de uma certa conf i gur ação do saber em que o termo
análise
funciona 9 mesmo tempo
sobre os registros l i ngu í s t i co , textual e ps i cana l í t i co . Pode-se
estender
esta c o l o c a ç ã o aj> termo
analista
na medida em que, ainda como afirma o autor, a escola francesa de A n á l i s e do Discurse se afirma como
uma aná l i s e (= ps i caná l i s e ) aplicada aos textos (Maingueneau, 1990: 69). *
14. Lacan é citado em B r a n d ã o , H . N .
Introdução à Análise do Discurso.
7. ed. Campinas, Editora da
U N I C A M P , 1998a, p. 56.
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
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5 0 8 IN T R OD UÇÃO
À
LINGUÍSTICA
ç a s .
Sendo assim, não se pode
atribuir
aos elementos do sistema nada de subs
tancial,
ou seja, não se
pode
defini-los por
eles
mesmos, tomando suas caracte
rísticas
independentemente das
caracter íst icas
de outros elementos do sistema,
sem referi-las,
c o m p a r á - l a s .
Passa-se, assim, como uma
c onse quê n c i a i ne v i tá
ve l
do
cr i tér io
diferencial, ao
critério relacional,
que delimita a
função
do Ou
tro no interior do sistema. Dessa
r e m i s s ã o
entre os elementos do sistema tam
b é m
decorre o
critério do lugar vazio
segundo o qual cada elemento adquire
su a
identidade fora de si, já que, na
ópt i c a
estruturalista, são as
d i f e r e nça s
que
definem os elementos.
Es sa s d i f e r e nça s
por sua vez, não são
intr ínsecas
aos
elementos e nem
e x t r í n s e c a s
a eles, mas só podem ser consideradas a
partir
de
u m a p o s i ç ã o
no interior do sistema. A
d e f i n i ç ã o
de cada
elemento
é uma defini
ç ã o
de
p o s i ç ã o
ou seja, a sua identidade resulta sempre da
r e l a ção
que um
elemento, que ocupa uma determinada
pos i ção i n i c ia l
no interior do sistema,
m a n t é m
com outro elemento, que ocupa uma
p o s i ç ã o
terminal: o fonema [p],
ponto
inic ia l
com
r e l a ç ã o
ao fonema [b],
ponto
terminal; o fonema [p],
ponto
inic ia l
com
r e l a ção
ao fonema [t], ponto terminal, por exemplo. A identidade
resulta sempre dos lugaresUe onde são tomados os elementos na
re lação b iná
ria.
Trata-se
do
critério
posicionai.
De sse s - c r i t é r i o s
decorrem
i mpl i c a çõe s pa r a
o conceito
l a c a n i ã n ó d è
sujei-
to (Santiago, Í995), ao qual não se pode
atribuir
nada de substancial, pois ele só
se define em
r e l a ção
ao Outro
critérios diferencial
e
relacional).
O sujeito
dessubstancializado não
e s tá
onde
é procurado, ou seja, no consciente, lugar
onde reside a
i l usão
do sujeito centro como sendo aquele que sabe o que diz,
aquele que sabe o que é, mas
pode
ser encontrado onde não
e s tá
no inconscien
te, lugar onde reside o Outro — o discurso do pai, da mãe, etc. —, que lhe
imprime
identidade
critério
do lugar
vazio). A s i m
a identidade do sujeito lhe
é
garantida pelo lugar do
Outro,
ou seja, por um sistema parental
s i m b ó l i c o
que
determina
a
p o s i ç ã o
do sujeito desde sua
a pa r i ção .
Como explica Santiago
(1995),
o pai e a mãe deixam de ser meros semelhantes com os quais o sujeito se
relacionou numa
d i m e n s ã o
de rivalidade ou amor,
para
se tornarem lugares na
estrutura ,15
como se o sujeito
fosse
tomado por uma ordem
anterior
e exterior a
ele. Dessa forma, o pai, por exemplo,
pode
surgir sob diferentes formas busca
das no
i ma g i nár i o
— pai complacente, pai
a m e a ç a d o r
etc. —, mas
pode
tam
b é m
ocupando um lugar no discurso da mãe, tomar formas diferentes pai
ausente, pai presente etc.
critério posicionai).
15. Santiago. J.
Jacques
Lacan: a estrutura dos estruturalistas e a sua. In : M a r i H., Domingues, 1.
Pinto,
J. (orgs.)
E struturalismo:
m em ó r i a e r eper cus sões . Rio de Taneiro, D i a d o rim /UFMG. 1995, p. 221
ANÁUSE
O
DISCURSO 109
E s s a
r e l a ção
entre o sujeito e o Outro se apoia na
o p o s i ç ã o
binaria
de
Jakobson
(1960/1970),
segundo
a qual um remetente, ocupando uma
p o s i ç ã o
inic ia l
no processo de
c o m u n i c a ç ã o
coloca-se em
r e l a ção
comunicativa com
um destinatário
que ocupa uma
p o s i ç ã o
terminal no sistema de
c o m u n i c a ç ã o .
Jakobson
não é um estruturalista
stricto
sensu pois,
a l é m
de considerar os
interlocutores do processo comunicativo — fato completamente discordante do
estruturalismo
de vertente saussureana, que exclui de seu campo de
a ná l i s e
a
fala
por ser do
âmbi to
do sujeito — não trata do sistema
l i n g u í s t i c o
em si, das
regras
de
or ga ni z a ção
da
l í ngua
propriamente ditas. Jakobson é apontado como
estruturalista pelo fato de abordar o processo comunicativo como um sistema
composto
de
elementos
— remetente,
de s t i na tár i o c ódi g o
mensagem, contex
to, canal — que se relacionam no interior de um sistema fechado e recorrente,
como um circuito comunicativo.
P ô d e - s e
perceber, até aqui, em que sentido
L a c a n
recorre ao estruturalis
mo, mais especificamente a Saussure e a Jakobson. No entanto, há pontos em
que divergem radicalmente os caminhos do estruturalismo e de
L a c a n .
O
pr i
meiro deles diz respeito à
i nse r ção
do sujeito na estrutura, um deslocamento
com
re lação
ao estruturalismo saussureano que, num certo sentido e de maneira
.diferente,
Jakobson.também real izara .
O segundo ponto se refere à maneira como
é
concebida a
r e l a ção
dó sujeito
c õ h i
o
Outro,
deslocamento que realiza a
partir
d a c o n c e p ç ã o
do processo comunicativo de Jakobson.
Esc l a r e ça mos
o primeiro ponto, mostrando como a
i n s e r ç ã o
do sujeito no
sistema afeta a sua estrutura. O sujeito, por definir-se
a t r a vé s
da
palavra
do
Outro,
nada mais é que um significante do
Outro.
Mas, por ser um sujeito clivado,
dividido entre o consciente e o inconsciente, inscreve-se na estrutura, caracte
risticamente definida por
r e l a çõe s b i nár i a s
entre seus elementos, como uma
descontinuidade, pois emerge no intervalo existente entre dois significantes,
emerge sob as
palavras,
sob o discurso.
L a c a n a s s i n v h ã o
assume o pressuposto
bás i c o
do estruturalismo, de completude do sistema, já que o sujeito —
pura
descontinuidade na cadeia significante — descompleta o conjunto dos
significantes.
No que diz respeito ao segundo ponto, o autor rompe com o estruturalismo
ao romper com a simetria entre os interlocutores. Jakobson atesta uina simetria
entre
esses
interlocutores na medida em que não considera a supremacia de
nenhum
deles
sobre o outro.
La c a n
rompe com essa simetria.
Para
éle, o Outro
ocupa uma
pos i ção
de
d o m í n i o
com
r e l a ção
ao sujeito, é uma ordern anterior e
exterior a ele, em
r e l a ção
à qual o sujeito se define, ganha identidade.
Feita
essa breve abordagem de alguns aspectos do pensamento' lacaniano,
poderemos agora explicar em que sentido o pensamento lacaniano é fundamen-
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11 0
|
I N TR OD U Ç O
LINGUST ICA
ta l
neste momento
inic ial de f u n d a ç ã o da A n á l i s e do Discurso, ou seja, em que
se
pode
perceber a r e l e vânc i a do projeto lacaniano para a AD.
O estudo do discurso
para
a
A D ,
como
já
dito
anteriormente, inscreve-se
nu m terreno em que i nte r vê m que stõe s t e ór i c as relativas à ideologia e ao su
jeito. Assim, o sujeito lacaniano, clivado, dividido, mas estruturado a
partir
da linguagem, fornecia para a AD uma teoria de sujeito condizente com um de
seus
interesses centrais, o de conceber os
textos como
produtos de um traba
lho
i d e o l ó g i c o n ã o - c o n s c i e n t e . C a l ca d a
no materialismo
hi s tór i c o ,
a AD con
cebe
o discurso
como
uma m a n i f e s t a ç ã o , uma mate r i a l i z aç ão da ideologia
decorrente do
modo
de
o r g a n i z a ç ã o
dos
modos
de
p r o d u ç ã o
social. Sendo
assim, o sujeito do discurso não poderia ser considerado
como
aquele que
decide sobre os sentidos e as possibilidades enunciativas do
pr ópr i o
discurso,
mas
como
aquele que ocupa um lugar social e a
partir
dele
enuncia, sempre
inserido no processo hi s tór i c o que lhe permite determinadas i nse r ç õe s e não
outras. Em outras palavras, o sujeito não é livre
para
dizer o que quer, mas é
levado, sem que tenha c o n s c i ê n c i a disso (e aqui reconhecemos a propriedade
do
conceito
lacaniano de sujeito
para
a
A D ) ,
a ocupar seu lugar em determina
d a f o r m a ç ã o social « e n u n c i a r o que lhe é p o s s í v e l a
p ^if ÚoJuj^ q^ ^jj^
Como
afirma Althusser (1970):
A
ideologia é bem um sistema de
representações:
mas
estas
representações
não
têm, na maior parte do tempo, nada a ver com a
consciência :
elas
s ão
na maior
parte das
vezes
imagens, às
vezes
conceitos, mas é antes de
tudo como
estruturas
que elas se
impõem
à maioria dos homens, sem passar por suas
consciências 16 .
Tendo até aqui descrito o terreno em que se funda a A n á l i s e do Discurso
— um terreno em que se relacionam a Li nguí s t i c a e as C i ê n c i a s Sociais — uma
que stão importante se coloca: qual a especificidade da AD
neste
terreno? É o
que procuraremos responder a seguir.
1.2 . es p ec i f i c id ad e da D
Como aponta Maingueneau (1997), o campo da
Li nguí s t i c a ,
de maneira
muito e sque mát i c a , opõe um núc l e o r í g i do a uma periferia de contornos ins
táve i s , que e stá em
contato
com a Sociologia, Psicologia, História, Filosofia
16. Althusser (1970) é citado em Maingueneau, 1990: 69.
ANALISE
DO
DISCUR SO 1 1 )
etciO
nú cle o r ígido17
se ocupa do estudo da
l í ngua
como se ela fosse apenas um
conjunto de regras e propriedades formais, ou seja, não considera a
l í ngua
en
quanto produzida em determinadas conjunturas
hi s tór i c as
e sociais. A outra
r e g i ão , de contornos i n s t á v e i s18 , ao contrário, se refere à linguagem apenas à
medida que esta faz sentido para sujeitos inscritos em e str a té g i as de i nte r l oc uç ão ,
em p o s i ç õ e s sociais ou em conjunturas h i s t ó r i c a s ia A A A n á l i s e do Discurso
pertence a essa úl t i ma r e g i ão , ou seja, considera
esse
ú l t i m o
modo
de compreen
der a linguagem, o que não significa que,
para
ela, a linguagem não apresente
t a m b é m
um
caráter
formal, como apontava o
pr ópr i o P ê c he ux
1 9 7 5 /1 9 8 8 ) , ao
afirmar que
existe
uma base
l i nguí s t i c a
regida por leis internas, (conjunto de re
gras
fono l óg i c as , mor fo l óg i c as , s i n tá t ic as )
sobre a qual se constituem os efeitos
de sentido,
como
poderemos observar a partir da aná l i se da tira que se
segue:
H á
duas maneiras de interpretar o enunciado de Stock no
úl t i mo
quadri-
nho: que há vinte anos
atrás
ele vivia fazendo sexo com a
própria
noiva, ou
então
que há vinte anos
atrás
ele vivia fazendo sexo com a
ripiva
de Wood, seu amigo.
E m termos essencialmente
l i ng uí s t i c os , d i r íamos
que o que permite essa ambi
guidade é a pr e se nç a do pronome
possessivo
de Ia pessoa
minha .
Pelo
fato
de
ser um d ê i t i c o2 0 — termo que permite identificar pessoas, coisas, ihomentos e
17. Ver os cap í t u l os F oné t i ca , Fonologia e Sintaxe , no volume 1, e S e m â n t i c a * , no volume 2.
N o que diz respeito ao cap í t u l o Sintaxe , referimo-nos apenas à Sintaxe Gerativa e, em relaÇão ao cap í t u l o
S e m â n t i c a ,
apenas
à S emânt i ca Formal
18. Ver no volume 1 os cap í t u l os Sintaxe (referimo-nos aqui à Sintaxe funcional), S oc i o l i ngu í s t i ca
e
L i ngu í s t i ca
Textua l ; ver
neste
volume os
cap í t u l os S emânt i ca
(referimo-nos aqui
; £ S emânt i ca
da
e n u n c i a ç ã o ) , P r a g m á t i c a e Anál i s e de C o n v e r s a ç ã o .
19. Maingueneau, D. Novas tendências em Análise do Discurso. Campinas, Pontes/Editora da
U N 1 C A M P , 1997, p . l l .
20 . Sobre a n o ç ã o de dê i t i co , ver Lahud (1979) e Geraldi &
l l a r i
(1985).
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lugares a
partir
da
s i tuação
de fala —, possibilita que o seu referente seja tanto
Stock quanto Wood, ou seja, permite ao leitor que ele interprete o pronome
minha como referindo-se à noiva de Stock, o
r e s p o n s á v e l
pelo enunciado, ou
à noiva de Wood. Isso porque p o d e r í a m o s nos perguntar: sobre que parte do
enunciado o a d v é r b i o t a m b é m da e x p r e s s ã o
E u
t a m b é m
incide?
Sobre Bete
Speed
(eu t a m b é m fazendo sexo com a Bete Speed) ou sobre minha noiva
(eu
t a m b é m
fazendo sexo com minha noiva)?
E m
outras
palavras, qual
o esco
po 21 de
t a m b é m ?
£
E s s a
primeira
aná l i se ,
referente ao funcionamento da
l í n g u a ,
explica o
porquê
da ambiguidade na
tira,
mas não explica por que achamos
graça
quando
Stock enuncia
E u t a m b é m
no
ú l t i m o
quadrinho. Por que lemos esta
tira
como
um
discurso de
humor?
Devido às suas
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o .
Produzido
para
circular
em uma sociedade em que fazer sexo com a noiva de outro seria um
comportamento bastante fora dos p a d r õ e s morais apresentados como adequa
dos a seus membros, a possibilidade de Stock ter feito sexo com a noiva de seu
amigo gera riso, pois coloca Wood em uma si tuação bastante constrangedora.
No entanto,
este
mesmo discurso produzido no interior da comunidade dos es
q u i m ó s ,
por exemplo, não geraria riso, pois, segundo os costumes dessa comu
nidade, quando um
e s q u i m ó
recebe um visitante em sua casa, ele oferece sua
mulher a ele como sinal de hospitalidade. Nesse contexto, portanto, o discurso
apresentado nesta tira não seria de humor, seria apenas uma conversa corriquei
ra
entre dois amigos que relembram
fatos
do passado.
A
ambiguidade se
m a n t é m
tanto num como noutro contexto, mas os efei
tos que ela gera são diferentes, e s ão justamente esses efeitos de sentido que
interessam
à A n á l i s e do
Discurso.
No caso da tira em q u e s t ã o , a pergunta que os
analistas
do discurso fariam seria: por que essa ambiguidade gera riso? Para a
A n á l i s e do
Discurso,
perguntar somente o que gera a ambiguidade seria muito
pouco, essa pergunta
já
seria feita, por exemplo, pela
S e m â n t i c a
e pela
Pragmá
tica (as
n o ç õ e s
de escopo e de
d ê i x i s
utilizadas
para anál ise
da
tira
pertencem
respectivamente a essas duas
áreas
da
L i n g u í s t i c a ) ( 0
que garante a especificidade
da Aná l i se
do Discurso é a
f o r m u l a ç ã o
de uma pergunta subsequente a essa:
qual o efeito dessa ambiguidade? A resposta a essa pergunta reside justamente
ria rel ação que os analistas do discurso procuram estabelecer entre um discurso
e suas
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o ,
ou seja, entre um discurso e as
c o n d i ç õ e s
sociais
e
hi s tór i cas
que permitiram que ele fosse produzido e gerasse determinados
efeitos de sentido e não outros..
21 . Sobre a n o ç ã o de escopo ver Ger a l d í & Ilar i (1985).
3
É preciso esclarecer, no entanto, ao falarmos da especificidade da AD,
que
n ão
há apenas uma
A n á l i s e
do Discurso, esta de que vimos falando. Como
decorrênci a
dessa fronteira
i nstável
sobre a qual se situa a
A n á l i s e
do Discurso
e em
f u n ç ã o
da disciplina vizinha com a qual ela privilegia o contato, surgem
diferentes
A n á l i s e s
do
Discurso .
Classicamente considera-se que, se uma de
l a s m antém uma rel ação
privilegiada
com a História, com os textos de arquivo,
que em anánT de i ns tânci as institucionais, enquanto uma outra privilegia a rela
ç ão com a Sociologia, interessando-se por enunciados com estruturas mais fle
x í ve i s ,
como uma conversa informal, por exemplo,
t ê m - s e
duas
Aná l i ses
do
Discurso diferentes: a
A n á l i s e
do Discurso de origem francesa, que privilegia
o contato com a
História,
e a
A n á l i s e
do Discurso
a n g l o - s a x ã
22
, área
bastante
produtiva no
B ras i l ,
que privilegia o contato com a Sociologia.
Atualmente,
no entanto, este marco di v i sór i o não é tão r í g i d o assim.
Possenti, no artigo O
dado
dado e o
dado
dado (O dado em a n á l i s e do discur
so) ,
faz uma
c o n s i d e r a ç ã o
a esse respeito apontando que a
d i f e r e n ç a
entre a
Anál i se
do Discurso de origem francesa e uma
a n á l i s e
conversacional não
precisa ser uma
di f erença
de dados, mas de teoria: não é porque os eventos
de discurso de tipo 'linguagem
ordi nári a '
foram objeto de
d e s c r i ç õ e s
'conversa-
cionais'
ou intencionais que eles n ã o sã<v
discursos,
que eles não podem ser
tomados em conta numa A D 2 3 { A s s i m , o que diferencia a A n á l i s e do Discur
so de origem francesa da A n á l i s e do Discurso a n g l o - s a x ã , ou comumente cha
mada de
americana,
é que esta
úl t i m a
considera a
i n t e n ç ã o
dos sujeitos numa
i n t eração
verbal como um dos pilares que a sustenta, enquanto a
A n á l i s e
do
Discurso francesa não considera como determinante essa
i n t e n ç ã o
do sujeito;
considera
que esses sujeitos são condicionados por uma determinada ideolo
gia que predetermina o que p o d e r ã o ou não dizer em determinadas conjuntu
ras h i s tór i co - soc i a i s . Essa é, entre outras, uma das d i f e r e n ç a s t e ó r i c a s entre as
duas linhas.)
Apontamos de maneira bastante abrangente
di f erenças
entre a
A n á l i s e
do
Discurso de origem francesa e a de origem
ang l o - saxã .
No entanto, há diferen
ça s
no interior de cada
uma
dessas vertentes. No interior da
A n á l i s e
do Discurso
de origem francesa, por exemplo,
Fi ori n
(1990) aponta diferentes
j tendênci as .
Fazendo
uma aná l i se do que foi feito no B ras i l nas ú l t im a s d é c a d a s em termos
de Aná l i se do Discurso, o autor apresenta três correntes ordenadas historica-
22 . Sobre a A n á l i s e do Discurso ang l o - s axã ver. nesie mesmo volume, o c a p í t u l o A n á ^ s e da Conver-
s ação e, no volume 1. o cap í t u l o L i ngu í s t i ca
Textual .
23
Possenti, S. O dado dado e o dado dado (O dado em análi se do discurso). I n : Castro. M . F. P. de.
(org.) O
método
e o dado no estudo da linguagem Campinas. Editora da U N I C A M P , 1996, p. 199.
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114
INTRODUÇÃO
À
UNGUÍSTICA
mente e apresentadas a
partir
dos interditos, ou
seja,
a
partir
do que
n ã o
é per
mitido fazer no interior de cada uma delas.
A
primeira corrente proibia ocupar-se do funcionamento interno do tex
to , sob o risco de ser tachado de um
direitista
do campo da
Letras .
A segunda
corrente e s b o ç a v a
um interdito
contrário:
é preciso ocupar-se do funciona
mento interno do texto
24
.
F i or i n
(1990) analisa
esse
interdito relacionando-o
com a
vitória
do capitalismo, que concebe a
hi s tór i a
como contrato , ou
seja,
como sendo
regida
pelos mecanismos internos do
mercado.
Analogicamente,
n a A n á l i s e
do Discurso, os mecanismos internos de
p r o d u ç ã o
do sentido é qúe
se r ão
enfatizados. Não obedecer à
i nte r di ç ão
dessa segunda corrente significa
ria pagar o
p r e ç o
de ser considerado
anacrónico ,
assim como neste momento
é considerado
anac r óni c o
o universo conceituai marxista. A terceira corrente,
que representa a
te ndê nc i a
atual,
procura eliminar esses
dois interditos que pe
saram
sobre a AD em determinados momentos e abordar o discurso em toda a
su a
complexidade, concebendo-o como um objeto
l i nguí s t i c o
e
cultural.
Há,
entretanto, apesar dessas
d i v e r g ê n c i a s ,
um elemento comum entre essas
A n á l t -
ses do Discurso, e esse elemento comum diz respeito à
própria
especificidade
d a A D ,
como ressalta
Fiorin
(1990): o que é especifico de todas essas
A n á l i s e s
do Discurso é o estudo da
d i s c u r s i v i z a çã o ,
25 õú
sé jã ,
ó
ésruidb
das
r e l aç õe s
entre
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o
dos discursos e seus processos de
consti tuição.
Tendo
apresentado o palco intelectual — ocupado ao mesmo tempo pelo
estruturalismo,
marxismo e
p s i c a n á l i s e
— sobre o
qual
emerge a AD e mos
trado
a sua especificidade, passaremos agora a apontar duas
i nf l uê nc i as
deci
sivas
neste primeiro momento de
f u n d a ç ã o
da
A D ,
no que tange aos seus pro
cedimentos de
aná l i se . Trata-se
do
m é t o d o harrisiano
de
aná l i se
e das
g r a m á
ticas gerativas.
1 3 Proced imentos
de
a n á l i s e :
a
contr ibuição
de
H a r r i s
e
Chomsky
O m é t o d o
de
Harris
(1969) seguia o rumo das
aná l i se s estruturalistas,
mas
ampliava a unidade de
aná l i se .
Propondo-se a
analisar
o texto, concebe tal
aná
lise como uma
anál ise transfrást ica,
isto é, como uma
aná l i se
que
transpunha
o
limite do enunciado, uma vez que
n ã o
toma como unidade de
anál ise
os elemen
tos que o
c o m p õ e m ,
mas o
pr ópr i o
enunciado. É um
m é t o d o
fundado basica-
24. Fiorin .
J. L . Tendenciais da
A n á l i s e
do Discurso. In: Cadernos de Estudos Linguísticos Campi-
nas
U N I C A M P
—
1EL
jul./dez. 1990 p. 175.
25. Ibidem
p.174.
ANÁLISE O DISCURSO
115
mente na
linearidade
do
discurso;
o autor
p r o p õ e
que se observe a
l i g a ç ã o
entre
os enunciados a
partir
de conectivos, com o objetivo de equacionar essa
linearidade em classes de
e qui va l ê nc i a .
Tomaremos como exemplo ilustrativo
de uma
aná l i se
pautada pelo
m é t o d o harrisiano
o seguinte discurso, analisado
po r
Osakabe (1979: 12-13):
(1) O
menino
viu
o belo quadro e gostou dele.
M as
o pintor
nã o
lhe deu o quadro.
Segundo o
autor, esse discurso,
já
na forma
reduzida
por
tr ansfor maç õe s
e
e qui va l ê nc i as
fornecidas pela
gramática
da
l í n g u a ,
poderia ser apresentado da
seguinte maneira:
(1')
O menino viu o quadro.
O
quadro era belo.
O
menino gostou do quadro.
(Mas)
o pintor
n ão
deu o quadro-ao menino.
Partindo
das
r e c or r ê nc i as
e da
distr ibuição
dos elementos de cada enuncia
do,
o b t é ^
contexto, ser tomado como equivalente a gostar e assim
te r í amos:
(2)
A: 1. O menino viu o quadro.
2.
O menino gostou do quadro.
B : O quadro era belo.
(Mas)
C : O
pintor
nã o
deu o
quadro
ao menino.
Como resultado,
obte r í amos
a seguinte forma para esse discurso:
(3)
Al:
A2:
B :
(Mas)
C :
;
O u
ainda,
•(
(4)
A: |
B :
{
(Mas)
C:
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116 I NT RODU Ç O
LINGUSTICA
O recurso a esse m é t o d o
pelos
iniciadores da AD explica-se por um certo
interesse comum em produzir uma
aná l i se
da
superf í c i e discursiva:
Dubois se
valia desse
m é t o d o ,
como relata Maldidier (1994), como um meio de fazer
aparecer as regularidades significativas dos discursos contrastados pelo corpus ,26
ou seja, como uma forma de evidenciar o que havia de
regular,
de constante em
cada
um dos discursos contrastados.
P a r a P ê c h e u x ,
por
sua
vez, a
des l i neari zação
decorrente das t r a n s f o r m a ç õ e s — (1) e (2) , por exemplo — permitia perceber
os traços dos processos discursivos — (3) e (4) —, ou seja, os processos pelos
quais um discurso se
const i tu í a
enquanto tal.
Harris,
como foi
p o s s í v e l
perceber, restringe-se a uma
c o n c e p ç ã o
de discur
so como uma
s e q u ê n c i a
de enunciados.
E ssa def i n i ção
mostrou-se insuficiente
para os propós i to s da AD, que buscava reintegrar uma teoria do sujeito e uma
teoria da s i tuação . Assim, P ê c h e u x , visando a construção de um arcabouç o t eór i
co que lhe permitisse isso, passa a
considerar
a opos i ção enunci ação e enuncia
do27. A
primeira
se refere às
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o
do discurso (é neste
ní vel
que
será poss í ve l
reintegrar as teorias do sujeito e da ideologia), que permitiriam a
e l o c u ç ã o
de um discurso e
n ão
de outros, isto é, refere-se a determinadas circuns
tânci a s ,
a saber, o contexto
hi s tór i co - i deo l óg i co
e as
representações
que o sujeito,
a partir da posiçã o
que ocupa
a ó
enunciar,
faz dé seu interlocutor dé si mesmo, do
próprio discurso etc; e o segundo se refere à superfície discursiva resultante des
sas c o n d i ç õ e s . O procedimento gerativista de a n á l i s e28 , já bastante difundido na
é p o c a ,
vem ao encontro dos interesses de
P ê c h e u x .
E m
1957, Noam Chomsky, aluno de Z. Harri s , publica Estruturas sintáti-
cas e coloca em q u e s t ã o o m é t o d o estruturalista americano
29
. Chomsky postula
a ex i s t ênci a
de um sistema de regras internalizadas
responsável
pela
geração
das
sentenças .
A possibilidade de produzir uma
anál ise
nesses moldes aponta
um
caminho
para
a A D reintegrar as teorias do sujeito e da
s i tuação .
Numa
26. Maldidier , 1994: 21 .
27 . Remetemos o lei tor aos cap í t u l os S em ânt i ca e P r a g m á t i c a neste mesmo volume para uma
maior compr eens ão da opos i ção enunc i ado / enunc i ação . Ver t a m b é m Benveniste (1974/1989) e Searle (1981).
Vale dizer, no entanto, que a n o ç ã o de enunc i ação é reinterpretada pela A D . Neste ar cabouço t eó r i co , a
e n u n c i a ç ã o não é compreendida como a s i t uação empí r i ca em que ocorre o discurso, mas como a represen
t a ç ã o ,
a imagem que o sujeito do discurso, inserido em determinadas
cond i ções
sociais, faz das
cond i ções
de p r o d u ç ã o de seu discurso. Ver, a esse respeito, P ê c h e u x & Fuchs (1975/1990).
28 . Remetemos o lei tor ao cap í t u l o Sintaxe no volume 1 desta obra, e aos cap í t u l os Aqu i s i ção da
Linguagem
e P s i co l i ng i i í s t i ca neste mesmo volume.
29 . O gcrativismo, apesar do r i go r de sua f o r m a l i z a ç ã o , é interpretado como uma ruptura com o
estruturalismo. Posicionando-se a esse respeito em entrevista
dada
a Jean Paris, como relata
Silva
(1995),
Chomsky aponta os
limites
do estruturalismo, afirmando a seu respeito não ser t eó r i co suficientemente, por
deixar de pesquisar os processos gerativos subjacentes que determi nam as estruturas que observa e estuda.
117
analogia com o postulado de que o sistema de regras é
r e s p o n s á v e l
pela
geração
das
s e n t e n ç a s , p r o p õ e - s e
a
n o ç ã o
de
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o , r e s p o n s á v e l
pela
geração
dos discursos.
E sse
conceito de
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o
é, como aponta
Orlandi
(1987),
bás i co para
a
A D ,
pois elas
caracterizam
o di scurso, o consti
tuem e como tal são objeto de
a n á l i s e
30
. Para
a
A D ,
portanto, a
e n u n c i a ç ã o
não
é um desvio, mas um processo constitutivo da m atéri a enunciada , afirma a
autora31.
É
este
ú l t i m o
procedimento de
a n á l i s e
que
será
produtivo
para
a AD ,
pois
será
a
partir
dele que ela
form ul ará
e
reform ul ará
seus procedimentos de
anál ise
e seu objeto de estudo, que
d e f i n i r ã o ,
por sua vez, o que chamamos as
fases da AD.
2
FASES
DA AD OS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE A DEFINIÇÃO DO OBJETO
A
primeira
é p o c a
da
Anál i se
do Discurso32 (doravante AD-1) explora a
anál ise
de discursos mais estabilizados , no sentido de serem pouco
p o l é m i
cos
33
, por
permitirem
uma menor carga p o l i s s ê m i c a , isto é, uma menor abertura
para a vari ação d()sentid<)devid(> a urn maior silenciamento do outro (outro
discurso/outro sujeito). Os discursos
po l í t i cos t eór i co -doutr i nári o s ,
como um
manifesto do Partido Comunista, são um bom exemplo. Por serem mais estabi
lizados ,
p r e s s u p õ e - s e
que tais discursos sejam produzidos a
partir
de condi
ç õ e s
de
p r o d u ç ã o
mais
estávei s
e
h o m o g é n e a s ,
isto é, no interior de
p o s i ç õ e s
i deo l óg i cas
e de lugares sociais menos conflitantes: o manifesto comunista é
enunciado do interior do
Partido
Comunista e representa seus p o s s í v e i s interlo-
30. Orlandi , E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas á discurso. 2. ed. Campinas, Pontes,
1987, p.110. /
31 .
Orlandi
(1987) faz uma compar ação entre as diferentes formas de a S o c i o l i n g u í st i c a , a teoria da
enunc i ação e a A n á l i s e do Discurso trabalharem com a exterioridade. Aponta que a S oc i o l i ngu í s t i ca visa a
r e l ação entre o social c o l i ngu í s t i co ; a teoria da e n u n c i a ç ã o trata da d e t e r m i n a ç ã o e i i l r e o funcional
( enunc i ação) e o f o r mal (enunciado); a AD procura
estabelecer essa
r e l ação de forma'mais imanente,
considerando as c o n d i ç õ e s de p r odução (exterioridade,
processo
h í s t ó r i co - s oc i a l ) como constitutivas da
linguagem ( Or l and i , E. P. Op. cit . , p.111).
32. Ver P ê c h e u x (1969/1990). •
33 . Orlandi
(1987)
p r o p õ e
uma
tipologia
discursiva classificando os discursos em
t r ês : t i pos :
o
l úd i co ,
o po l émi co e o au t o r i t á r i o . Essa class if icação é
feita,
entre outras coisas, com
base
no grau de^revers ibí l idade
entre os interlocutores: no discurso autor i tár io esta reversibilidade tende a zero; no p o l ê m i f o ela é contro
lada; no l úd i co a reversibilidade é total . Optamos no texto pela u t i l i zação da e x p r e s s ã o me^os p o l é m i c o s
porque queremos enfatizar apenas esta reversibilidade que possibilita, de acordo com seuyrrau, uma me
nor/maior abertura para a var i ação do sentido devido a um menor/maior silenciamento do outro (outro
discurso/outro sujeito), de onde decorrem discursos menos/mais estabilizados . Ressaltamos, portanto,
que nã o temos aqui a i n t enção de classificar discursos .
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8
cutores inscritos neste mesmo
e s p a ç o
discursivo. Considere,
para
contrapor,
u m
debate
po l í t i c o
de que estivessem participando marxistas e
liberais.
Nessas
c o n d i ç õ e s
de
pr oduç ão ,
o discurso do Partido
Comunista
representaria parte de
seu(s) interlocutor(es) inscrito(s) em um outro lugar social, a saber, no e s p a ç o
discursivo liberal. Neste caso, te r í amos uma r e l aç ão mais conflitante, pouco
estabilizada .
Um debate não seria, portanto, objeto de aná l i se da A D - 1 .
Com r e l aç ão
aos procedimentos de
anál ise
da AD-1, eles são realizados
po r etapas, apresentadas a seguir:
a)
primeiramente se seleciona um corpus fechado de
se quê nc i as
discur
sivas (um manifesto
p o l í t i c o ,
por exemplo);
b) em seguida faz-se a aná l i se l i nguí s t i c a de cada s e q u ê n c i a , consideran
do as c onstr uç õe s s i ntá t i c as (de que maneira sã o estabelecidas as rela
ç õ e s entre os enunciados) e o l é x i c o (levantamento de voc abul ár i o ) ;
c) passa-se depois à aná l i se discursiva, que consiste basicamente em cons
truir sí t ios de identidades a partir da p e r c e p ç ã o da r e l aç ão de s i noní mi a
( subst i tu i ç ão
de uma palavra por outra no contexto) e de
paráfrase
(se
quê nc i as subst i tu í ve i s
entre si no contexto);
d)
por fim, procura-se mostrar que tais
r e l a ç õ e s
de
s i noní mi a
e
paráfrase
s ã o decorrentes de uma mesma
estrutura
geradora do processo discur
sivo.
T ê m - s e , e n t ã o ,
a
n o ç ã o
de
máqui na discursiva :
uma estrutura (condi
ç õ e s
de
pr oduç ão e s táve i s ) r e sponsáve l
pela
ge r aç ão
de um processo discursivo
(o processo de
construção
do manifesto comunista, por exemplo) a
partir
de um
conjunto de argumentos e de operadores r e sponsáve i s pela c onstr uç ão e trans
f o r m a ç ã o das pr opos i ç õe s , concebidas como pr i nc í p i os se mânt i c os que defi
nem, delimitam um discurso (o comunista, para tom á- l o como exemplo).
Para a A D - 1 , cada processo discursivo é gerado por uma máqui na discur
siva. Assim, diferentes processos discursivos (o processo de c onstr uç ão do ma
nifesto comunista e o processo de
c onstr uç ão
do manifesto liberal, por exem
plo) referem-se a diferentes
m á q u i n a s
discursivas, cada uma delas
idêntica
a si
mesma e fechada sobre si mesma
( P ê c h e u x ,
1983/1990).
N a segunda fase da A D3 4 ( A D - 2 ) , a n o ç ã o de m á q u i n a estrutural fechada
c o m e ç a a explodir. O conceito d e f o r m a ç ã o discursiva^tomado de e mpr é st i mo
do
f i l ó s o f o Michel
Foucault (1969), é o dispositivo que desencadeia
esse
pro-
34. Ver P ê c h e u x & Fuchs (1975/1990).
AN L IS E
O
DISCURSO
cesso de
transformação
na
c o n c e p ç ã o
do objeto de
a n á l i s e
da
A n á l i s e
do
D i s
curso. Foucault (1969) define
for maç ão discursiva
(doravante
F D )
como:
um
conjunto de regras
anónimas, históricas,
sempre determinadas no tempo e no
espaço
que definiram em uma
época
dada, e
para
uma
área
social,
e c onóm i c a ,
geográfica ou linguística
dada, as
condições
de
exercíc io da função
enunciativa35.
E m outras
palavras, uma F D
determina
o que
pode/deve
ser dito a partir de
um
determinado lugar social. Assim, uma
f o r m a ç ã o
discursiva é marcada por
regularidades, ou seja, por regras de
for maç ão ,
concebidas como mecanismos
de controle36 que determinam o interno (o que pertence) e o externo (o que não
pertence) de uma
f o r m a ç ã o
discursiva. Assim, uma FD , ao definir-se sempre
em r e l aç ão a um externo, ou seja, em r e l aç ão a outras F D s , não pode mais ser
concebida como um e s p a ç o estrutural fechado. E la se r á sempre invadida por
elementos
que v êm de outro lugar, de outras f o r m a ç õ e s
discursivas. Neste
sen
tido, o e s p a ç o de uma FD é atravessado
pelo
p r é - c o n s t r u í d o 37 , ou seja, por
discursos que vieram de outro lugar (de uma
c o n s t r u ç ã o
anterior e exterior) e
que são incorporados por cia niima
relação
de confronto ou
a l i anç a .
Uma
F D ,
portanto, é
consti tuída
por um sistema ú
p a r á f r a s e s , j á q u e
é um
e s p a ç o
onde
enunciados são retomados e reformulados sempre num
e s f o r ç o
constante de
fechamento de suas fronteiras em busca da p r e s e r v a ç ã o de sua identidade
38
.
Sendo, pois, a
F D
um
e s p a ç o
atravessado por outras
F D s ,
ela
n ã o
pode
ser
concebida como formada por
elementos
ligados entre si por um p r i n c í p i o de
unidade.
E
nesse
sentido que Foucault a concebe como uma d i s p e r s ã o . O papel
do analista do discurso seria descrever essa d i s p e r s ã o buscando estabelecer as
regras de
formação
de cada
F D .
Nesta segunda fase da AD , portanto, o objeto
de
anál ise passará
a ser as
r e l a ç õ e s
entre as
máqui i ja s
discursivas. Vale res
saltar, no entanto, que o fechamento da maquinaria ainda é conservado, pois a
p r e s e n ç a do outro (outra F D ) sempre é concebida a partir do interior da FD em
que stão .
35 . Foucault (1969) é citado em Maingueneau, D.
Novas tendências em Análise do Discurso
3. ed.
Campinas, Pontes/Editora da U N I C A M P , 1997, p,14.
36. Ver Foucault (1969,1971).
Remetemos
t ambém
o
lei tor
a Geraldi
(1993),
que faz uma esclarecedora
a p r e s e n t a ç ã o dos mecanismos de controle - internos, externos e dos sujeitos - de que fala \ t . Foucault, e ao
cap í t u l o L í ngua e ensino: po l í t i cas de fechamento , neste mesmo volume, que t a m b é m aborda estes meca
nismos.
37 .
Sobre a
noção
de
p r é - cons t r u í do ,
ver
P êcheux
(1975/1988).
38 . B r andão , H. N. Introdução à Análise do Discurso 7. ed. Campinas, Editora da U N I C A M P .
1998a, p. 39.
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12 0
No que diz respeito aos procedimentos de
a n á l i s e ,
a
A D - 2
apresenta muito
poucas
i n o v a ç õ e s ;
o deslocamento efetivo que se dá com
rel ação
à AD-1 diz
respeito sobretudo ao objeto de
anál ise:
discursos menos estabilizados , por
serem produzidos a partir de
c o n d i ç õ e s
de
p r o d u ç ã o
menos
h o m o g é n e a s .
Um
debate
po l í t i co ,
já referido anteriormente,
seria
um bom exemplo.
A d e s c o n s t r u ç ã o
da
maquinaria discursiva
só
ocorrerá
mesmo na
terceira
fase da
A n á l i s e
do Discurso39 (AD-3).
E s s a d e s c o n s t r u ç ã o
é decorrente de um
deslocamento que ocorre no que diz respeito à
r e l a ç ã o
de uma FD com as ou
tras.
Na
A D - 2 ,
o outro — outra(s)
F D ( s )
— é
incorporado
pela
F D
em ques
tão ,
que
m a n t é m ,
mesmo sendo
atravessada
por outros
discursos,
uma identida
de. E
poss í ve l , a t ravés
de uma
aná l i se discursiva,
determinar, no interior da
d i s p e r s ã o ,
o que pertence a uma ou à(s) outra(s)
F D ( s ) .
N a A D - 3 ,
por sua vez, adota-se a perspectiva segundo a
qual
os diversos
discursos
que atravessam uma FD não se constituem independentemente uns
dos outros para serem, em seguida, postos em
r e l a ç ã o ,
mas se formam de manei
ra regulada
no interior de um
interdiscurso.
S e r á
a
rel ação
interdiscursiva,
por
tanto, que
estruturará
a identidade das FDs em
q u e s t ã o .
E m
decorrênci a
dessa
nova c o n c e p ç ã o
do objeto de
aná l i se
— o
interdiscurso
—, o procedimento de
a n á l i s e
por etapas, com ordem
lixa,
como
afirma
P ê c h e u x
(1983), explode defi
nitivamente.
A s
recentes pesquisas
afirmam
o primado do interdiscurso sobre o
discur
so, diferentemente da AD- 1, que concebe a
r e l a ç ã o
entre os discursos como
sendo uma
rel ação
entre
m á q u i n a s
discursivas justapostas, cada uma delas
a u t ó n o m a
e fechada sobre si mesma; e diferentemente
tam bém
da AD- 2, que
considera a
e x i s t ê n c i a
de FDs
const i tu í das
independentemente umas das outras
para
depois serem postas em
rel ação .
N a s e ç ã o
que se segue, faremos a
aná l i se
de uma
cróni ca
e retomaremos os
conceitos de
f o r m a ç ã o
discursiva
e interdiscurso
(AD-2,
A D - 3 ) .
Optamos por
n ã o
retomar o conceito de
m áqui na discursiva
da AD- 1, mais comumente
chamada
de
AAD (aná l i se autom át i ca
do
discurso),
por estar ligada a um
p e r í o
do muito marcado, no sentido de produzir trabalhos em torno de
u m a c o n c e p ç ã o
de discurso que foi completamente abandonada nas fases posteriores40. Reto
maremos
tam bém
o conceito de
c o n d i ç õ e s
de
produção , a l ém
de apresentar ou
tros
ainda não abordados (pelo menos de forma
direta),
como os conceitos de
f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a ,
sujeito e sentido.
39 . Ver Maingueneau (1984, 1997).
40 .
Remetemos o
leitor
a
P ê c h e u x
(1969, parte
11)
para maiores esclarecimentos a respeito dos proce
dimentos de aná l i s e desta primeira fase.
3
UM NÁLISE
3 1
0
conceito
de
d iscurso
Reproduziremos agora a
cróni ca
Um só seu filho de
B r á u l i o
Tavares,
publicada no
Caderno Mais
da olha de S.
Paulo
no dia 16/3/97, e que
será
objeto de nossa
aná l i se .
A escolha que fizemos deste
material
de
aná l i se
se
justifica
pela
própri a
forma como esta
c r ó n i c a
é
const i tu í da ,
de
maneira
bastan
te interessante
para
um
primeiro
contato com os fundamentos
t e ó r i c o s
da AD.
E m
função
dos objetivos deste artigo,
nã o
consideraremos aspectos
l i terários
da
cróni ca
em
q u e s t ã o ,
o que
n ão
significa que não os
r e c o n h e ç a m o s .
Naquela noite, o
papa
atravessou sua recorrente insónia com
a
ajuda de
algumas p á g i na s do tratado ilustrado de Mary D l m pé r i o sobre o manuscrito
Voynich, na e d i ç ã o de luxo de
1994.
Leu até que os nomes de John Dee e Roger
Bacon pareceram misturar-se e seus olhos começaram a arder. Usando os óculos
dobrados para marcar a página ,
colocou
o l ivro sobre a mesa de cabeceira e aper
tou o bo t ã o quê
mergulhou
o quarto nas trevas. Fez suas o r a ç õe s deitado, auto-
indulgência da qual
teria
se envergonhado aos 60 anos, mas que agora já lhe pare
cia um direito adquiri
cluir as preces; isso t ambém não o inquietava mais. Pensava: Deus enxerga meu
coração; ele sabe que meu pecado n ão é
este,
que minhas d ívidas são outras .
De
repente, estava sentado no alto de uma montanha. O horizonte imenso
estendia-se à sua frente; o vento era frio, mas nã o incomodava.
—
Este foi seu
ú l t imo
dia sobre a Terra — disse uma voz ao seu lado. Tens
agora o direito de fazer
um último
pedido.
A o
seu lado havia uma forma que a
pr inc ípio
ele tomou por um homem de
pé ,
depois por uma
á rvore ,
depois por uma nuvem
vertical. Seus t raços
podiam
corresponder a qualquer uma das coisas, e ele imaginou que aquilo era Deus.
—
Obrigado, Senhor — disse.
Nã o m e re ç o esta graça .
— Todos os homens a recebem — disse a voz. Nã o és melhor do que n in-
guém.
Sem saber o que responder, ele
inclinou-se
mais uma vez. Pensou:
É
meu
último
dia de vida, isto
nã o
deve me amedrontar; é como quando apos uma refei
ção a lguém
retira de minha frente o prato vazio. Por que me rebelat, se já
fruí
o
que me interessava? . :.
—
Olha para tua
m ão
— disse a voz. O que mais
desejas?
\
El e
fitou
a palma da própria mão : viu com espantosa nitidez ás linhas e as
comissuras da pele, viu as rugosidades, o intrincamento
t êxt i l
qas camadas
superpostas, viu o fervilhar da
matér ia viva
e as
células
que se partiam e se
fun-
diam umas às outras como gotas d á gua .
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
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—
Nascer de novo - respondeu ele, sem pensar.
— Queres voltar ao passado?
— Quero nascer de novo, mas no futuro — retrucou. Quero nascer sob a
forma de outra
pessoa
e saber se serei novamente seminarista, e padre, e cardeal,
e papa. Quero que algumas destas minhas células sejam transplantadas para um
tubo de ensaio e dali talvez para um ventre, de onde eu re na sç a : corpo, rosto e
mente iguais aos que tive quando nasci. Cód i go ge né t i c o igual ao meu, sem a
interferência abastardante de
genes
de uma fêmea, de uma parideira intrusa. Que
ro que meu espírito se faça carne, mas quero ser o Pai ú n i c o de meu Filho.
— Para quê?
El e
ergueu-se
e
maravilhou-se de ver que mesmo diante de Deus podia
ficar
de pé quando bem
entendesse
( mas,
aí ,
pensou, é o
ú l t i m o
dia ). Olhou o vale
que se espalhava lá embaixo: à luz roxa que vinha do céu, distinguia florestas,
mares,
arquipélagos,
cidades, desertos de areia intacta, enormes cordilheiras de
gelo rodopiando devagar em
á gua s
de um azul
metá l ico.
Cruzou os
braços
e
v i -
rou-se para o
vulto.
— Se minha alma existe está ligada sem re m i ssã o a este corpo mortal. Se
meu
corpo se repetir, minha alma
pe rm a ne c e rá
aqui
n ã T e r r a .
De novo nascerei e
serei um menino que irá da nç a r ao som de pandeiros e
rabecas;
de novo roubarei
fnitas,cx)rrerci atrás de cães, beijarei á.boca de alguma m o ç a de tranças
louravS.
De
novo estudarei o
latim
e a
á l ge b ra ,
de novo andarei
a n ó n i m o
e de batina por
entre homens arrogantes que
não suspei tarão
o meu futuro. Farei voto de pobreza
e viverei depois como um monarca; farei
voto
de obediência e subirei degrau após
degrau das hierarquias de comando; farei voto de castidade... e quem sabe da
próx i m a
vez terei mais sorte.
Lá embaixo, no vale, a luz crescia, e ele já enxergava centenas de metrópo
les e cada janela de cada casa, e cada rosto adormecido por trás de cada janela.
— Ni ngué m
teve
esta
segunda chance — disse a voz, mas sem tentar per
suadi-lo.
— O que pedem os homens, então?
—
Pedem dinheiro, poder, mulheres. Pedem
ox í m oros ,
paradoxos: juventu
de eterna, imortalidade do corpo... Tu
pedes
que teu corpo se multiplique. E se,
em
vez de um, fizerem dois? De quantas almas
irás
precisar? E se fizerem 20,
200?
Ele
voltou
a sentar-se. Sabia que quem acabara de fazer aquele pedido não
era o
ancião
calejado pelos debates
escolást icos,
o erudito capaz de enfrentar a
teologia e a
metafísica
em 12 idiomas e, sim, o rapaz que em uma noite de febre
sentira pela primeira vez, no pulsai dos
próprios gângl ios,
a semente da morte
crescendo dentro de si.
— Va i , pede — disse a voz; e, sem surpresa, ele soube naquele instante que
aquela voz não era Deus. Estendeu a m ão para o vulto, e tocou nele.
O
camareiro,
que se chamava Gesualdo, encontrou-o pela
manhã,
apalpou a
pele
fria
de seu rosto, viu os olhos azuis virados para o teto. Gritou por socorro e
teve a
preocupação
de
n ão
tocar em nada no quarto.
Nessa crónica é p o s s í v e l perceber que se cruzam, pelo menos, duas ques
tõe s
mobilizadas pelo autor
atr avé s
do devaneio do
Papa,
que se vê diante de
seu
ú l t i m o
dia de vida. Antes de iniciarmos esta
aná l i se ,
no entanto,
gostar í a
mos de esclarecer que, ao falarmos em devaneio ou discurso do personagem
Papa, estaremos, na verdade, sempre nos referindo a discursos que são mobili
zados pelo autor por meio deste personagem. Neste devaneio é delatado um
conflito entre dois discursos, um religioso e outro
c i e n t í f i c o .
Suspenso entre
duas maneiras de conceber a sua
e x i s t ê nc i a ,
o Papa reflete sobre a possibilidade
de nascer de novo, sem a interferência abastardante de uma fê me a , de uma
parideira intrusa , numa
r e fe r ê nc i a
à clonagem de seres humanos, mas se depa
ra com um conflito
espiritual:
T u pedes que teu corpo se multiplique. E se, em
vez de um, fizerem dois? De quantas almas
irás
precisar?
A A n á l i s e
do Discurso considera como parte constitutiva do sentido o
contexto históricq-sqcial; ela considera as c ondi ç õe s cm que este téxtò, por exem
plo, foi produzido. Contextualizado num momento
h i s t ó r i c o
em que a clonagem
levantava a
que stão
da
ética
na
c i ê n c i a ,
nada mais representativo desse contexto
que a figura do Papa como contraponto i d e o l ó g i c o . Por meio deste personagem,
o autor presentifica no texto o ponto de vista
r e l i g i o s o - c a t ó l ic o
que faz
o p o s i ç ã o
a uma c i ê nc i a que se confronta com a c o n c e p ç ã o de homem como ser
espiritual.
Se
este
contexto for ignorado,
todo
o sentido do
texto
é alterado. Basta conside
rar a
h i p ó t e s e
de este texto, por exemplo, ter sido escrito no
s é c u l o
X I X , em que
a clonagem de seres humanos não passava de
pura
ficção c ientí f ica e não era,
como nos dias atuais, uma possibilidade que a
c i ê nc i a
considera. Este texto não
teria o estatuto que atribuímos a ele, o de colocar em cena um conflito i d e o l ó g i
co atual, mas lhe seria
atribuído
o estatuto de
f i c ç ão c i e nt í f i c a
por abordar
fatos i nc onc e bí ve i s ao homem da é p o c a . O contexto hi s tór i c o - soc i a l , e ntão , o
contexto de
e nunc i aç ão ,
constitui parte do sentido do discurso e
n ã o
apenas um
apê ndi c e
que pode ou não ser considerado. Em outras palavras, pojde-se d izer
que,
para
a AD, os sentidos são historicamente
c o n s t r u í d o s .
Althusser (1970)
afirma,
como já apontado anteriormente, qve a classe
dominante, para manter sua
d o m i n a ç ã o ,
gera mecanismos que perpetuam e re
produzem as
c ondi ç õe s
materiais,
i d e o l ó g i c a s
e
po l í t i c as
de
e xpl or aç ão ,
dentre
esses mecanismos, os aparelhos
i d e o l ó g i c o s
de Estado ( A I E ) . O discurso, como
també m
já foi apontado, é um aparelho
i de o l óg i c o a tr avé s
do qual se dão os
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embates entre
p o s i ç õ e s
diferenciadas. É
p o s s í v e l
compreender melhor esta afir
m a ç ã o
a
partir
da
c r óni c a
analisada.
Nela
é delatado um conflito entre os discursos religioso e
c i e nt í f i c o . Ocor
re
que
esse
conflito
n ã o
é apenas um embate entre
estes
dois discursos, mas é,
antes, um confronto entre
f o r ç a s i d e o l ó g i c a s .
O conflito, materializado na
a l t e r nânc i a
das
p o s i ç õ e s
que o personagem Papa ocupa durante seu devaneio
—
ora desempenha o papel de autoridade da
Igr e ja C ató l i c a , i ns t i tu i ç ão
que
representa, ora ocupa o lugar de um homem comum fascinado pelas promes
sas da
c i ê n c i a
de sua
é p o c a
—, é
carateríst ico
de
p o s i ç õ e s i d e o l ó g i c a s c o n t r á
rias u m a
em
r e l aç ão
à outra em um momento dado, ou seja, o conflito é
carac
t e r í s t i c o
de um embate de nossa
é p o c a .
O
texto,
portanto, não se apresenta
como um conjunto de enunciados unificados por
p o s i ç õ e s i d e o l ó g i c a s
não-
conflitantes, como
algo
h o m o g é n e o .
Ao
c ontr ár i o ,
o
texto
se constitui de dis
cursos divergentes cujas fronteiras se intersectam (o
pr ópr i o
devaneio se ca
racteriza
pela
a u s ê n c i a
de uma
d e m a r c a ç ã o
definida entre uma
p o s i ç ã o
e ou
tra);
o texto é
h e t e r o g é n e o ,
não é
p o s s í v e l
definir um dos discursos sem reme
ter ao outro.
O
que se pode dizer do devaneio do
Papa?
Que ele representa um posi
cionamento da
Igr e ja Cató l i c a
com
r e l aç ão
à liberdade
d õ h o m e t n
diante dá
pr ópr i a
vida? Que ele representa as possibilidades que a
c i ê n c i a
moderna
oferece ao homem de ser senhor da
própria
vida? Não é
p o s s í v e l
optar por
apenas uma das
h i p ó t e s e s
sem incorrer no risco de desconfigurar o sentido
do texto. O devaneio do Papa representa, ao mesmo tempo, o posicionamento
c a t ó l i c o
e o posicionamento da
c i ê n c i a
moderna, ele só existe na verdade
porque existe um conflito,
é t i c o
no caso, entre as duas
p o s i ç õ e s . Assim,
o
texto
não é um ou outro discurso, mas é a
r e l a ç ã o
entre eles. A AD chama de
formação ideológica
(FI)
este
confronto de
for ç as
em um dado momento
h i s t ó r i c o :
Falar-se-á
em
formação ideológica
para
caracterizar um
elemento (determinado
aspecto da luta nos aparelhos)
susceptível
de
intervir
como uma
força
confron
tada
com outras
na
conjuntura
ideológica característica
de uma
formação
social
em um momento dado; cada
formação ideológica
constitui assim um conjunto
complexo de atitudes e de
representações
que não são nem individuais , nem
universais
mas se
relacionam
mais ou menos
diretameníe
a
posições
de classe
em conflito umas com as outras4'.
4 1 .
Haroche, C, Henry, P.
Pê c h e u x
M. (1971) são citados por
B r a n d ão I I .
N.
Introdução à
Análise o Discurso 7. ed. Campinas, Edi tora da
U N I C A M P
1998a, p. 38.
Sendo assim, uma
for maç ão i de o l óg i c a
comporta necessariamente mais
de uma
p o s i ç ã o
capaz de se confrontar uma com a outra. Na verdade, numa
for maç ão i de o l óg i c a ,
as
for ç as não
precisam estar necessariamente em confron
to; elas podem entreter entre si
r e l aç õe s
de
a l i anç a
ou
t a m b é m
de
d o m i n a ç ã o .
A
ideia
de confronto foi colocada em destaque aqui unicamente em
f u n ç ã o
do
texto
analisado.
O
conceito de
for maç ão
discursiva
( F D ) ,
já apresentado, é utilizado pela
A D
para
designar o lugar onde se
articulam
discurso e ideologia. Nesse sentido
é
que podemos dizer que uma
for maç ão
discursiva é governada por uma forma
ç ão i de o l óg i c a .
Como uma
F I
coloca em
r e l aç ão
necessariamente mais de uma
for ç a i de o l óg i c a ,
uma
for maç ão
discursiva sempre
c o l oc ar á
em jogo mais de
um
discurso. No caso da
c r óni c a
analisada, temos interligados por uma
r e l aç ão
de
forças contraditórias
o discurso da
c i ê nc i a
e o discurso religioso .
Para
esclarecer melhor a
c onst i tu i ç ão
de uma
f o r m a ç ã o discursiva,
gosta
ríamos
de analisar uma
tira
de
B i l l
Watterson:
Fonte: Watterson, B. Os dez anos de Calvin v.
I I,
1996.
Cal v i n ,
o personagem-menino que assume o papel de sujeito do discurso
A força para mudar
o que eu puder, a inabilidade de aceitar o que eu não posso
e a incapacidade de ver a
diferença ,
enuncia do interior de uma
f o r m a ç ã o
discursiva.
Como uma FD é um dos componentes de uma
for maç ão i d e o l óg i c a
e spe c í f i c a ,
o fechamento, o limite que define uma
f o r m a ç ã o
discursiva é
i nstá
vel ,
pois ela se inscreve em um
e spaç o
de embates, de lutas
i d e o l ó g i c a s .
Assim,
um a
F D não consiste em um limite
traçado
de maneira definitiva; uma FD se
inscreve
entre diversas
for maç õe s
discursivas, e a fronteira entre elaS se desloca
em
funç ão
dos embates da luta
i de o l óg i c a ,
sendo
esses
embates
r e c upe r áve i s
no
interior
mesmo de cada uma das FDs em
r e l a ç ã o .
Vejamos como* isso se dá
no discurso de
C a l v i n .
A
aná l i se , e sboç ada
no quadro que se segue, foi-nos
1 2 6 I NT R OD U Ç O
LINGUISTICA ANÁLISE
DO
D ISCURSO 127
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apresentada por um aluno do 2 o ano de Tradutor e
Intérprete
da Universidade de
F r a n c a
42
,
por
o c a s i ã o
da leitura da primeira
ve r são
deste texto. Nós a
reproduzi
mos aqui como uma contribuição para a e x p l a n a ç ã o do conceito em que stão .
FD
FD CRISTÃ
FD INDIVIDUALISTA
A força para mudar
o que eu puder
A força para mudar o que
puder
(objetiva
transformar)
A força para mudar o que puder
(objetiva uma imposição ditatorial)
A
inabilidade
para
aceitar o que eu não
posso
A habilidade de aceitar o que
não
pode ser mudado
(resignação
diante dos
obstáculos intransponíveis)
A
inabilidade
de aceitar o que não
pode ser mudado (revolta e
insatisfação
diante dos
obstáculos
intransponíveis)
A incapacidade de
ver
a diferença
A capacidade de ver a
diferença (aspira-se à
sabedoria)
A incapacidade de ver a
diferença
(aspira-se somente à realização
das vontades pessoais, nada deve_
delê-las)
O quadro apresentado mostra o
discurso
dé Calvin c õ i i i õ decorrente <le um
embate entre duas for maç õe s discursivas, a FD cristã , enunciada a partir de
um
lugar
i d e o l ó g i c o
que valoriza a
c onv i vê nc i a pac í f i c a
e equilibrada de um
sujeito consigo mesmo e com o
p r ó x i m o ,
e a
F D
individualista , enunciada a
partir de um lugar
i de o l óg i c o
que valoriza a vida pautada pelos desejos pessoais
e particulares do sujeito (os nomes dados às FDs são bastante
e sque mát i c os ,
no sentido de rotularem os discursos; foram escolhidos em
f u n ç ã o
do que julga
mos ser o componente
se mânt i c o
mais
caracter íst ico
das FDs em
que stão
e são
aqui utilizados apenas para fins di dát i c os ) . De acordo com o quadro, um mesmo
enunciado pode ser compreendido de duas maneiras,
dependendo
do lugar ideo
l ó g i c o
de onde é enunciado. A
força
para mudar o que eu puder pode signifi
ca r
a luta por uma
transformação
pautada na boa vontade e na solidariedade
cristãs
ou uma
i m p o s i ç ã o
ditatorial pautada pelo egocentrismo e individualis
mo. Ao mesmo tempo, enunciados como A inabilidade para aceitar o que eu
n ão
posso
e A incapacidade
para
ver a
diferença ,
que parecem nos remeter
univocamente à
F D
individualista , no quadro são apresentados como nos re
metendo t a m b é m à FD cristã . O leitor deve estar se perguntando por quê.
U m a
breve
apr e se ntaç ão
do conceito de heterogeneidade discursiva
poderá
es-
42 . Agradecemos a Eugé nio Rodrigues pela c ont r ibu iç ã o .
clarecer essa
q u e s t ã o .
Antes,
p o r é m ,
n ão
p o d e r í a m o s
deixar de fazer uma refe
rência
a Bakhtin (1929/1988) que, fazendo uma
crít ica
à
c o n c e p ç ã o
saussureana
de
l í ngua
como um sistema
m o n o l ó g i c o ,
apresenta a
n o ç ã o
de dialogismo sobre
a
qual se funda uma grande parte da
L i n g u í s t i c a
43
,
inclusive a AD.
Bakhtin (1929/1988) considera que a verdadeira s u b s t â n c i a da l í ngua é
c onst i tu í da pelo f e n ó m e n o social da i nte r aç ão verbal e que o ser humano é in
c o n c e b í v e l
fora das
r e l aç õe s
que o ligam ao outro44. E partindo
desse
pressupos
to que critica a
c o n c e p ç ã o
de
l í ngua
enquanto estrutura, pelo fato de, ao ser
tomada como alheia aos processos sociais, não ser
ar t i c u l áve l
com uma
prática
social concreta, com a
história
e tampouco com o sujeito.
Segundo
Authier-Revuz
(1982) , um paradigma é constante nos estudos do
círculo de Bakhtin: o p õ e m - s e o d i a l ó g i c o ao m o n o l ó g i c o , o m ú l t i p l o ao ú n i c o , o
h e t e r o g é n e o
ao
h o m o g é n e o
45
.
O dialogismo do
c í r c ul o
de Bakhtin, no entanto,
n ão
tem como
pr e oc upaç ão central
o
d i á l o g o
face a face, mas diz respeito a uma
teoria de
d i a l o g i za ç ã o
interna do discurso. E nesse sentido que, para Bakhtin, o
discurso, cujo dialogismo se orienta para outros discursos e para o outro da
i n te r l oc uç ão ,
instaura-se numa perspectiva plurivalente de sentidos, bem como
a própria palavra que, pelo fato de ser atravessada por
sentidos
c onst i tu í dos
Ii i stõt ícátr ienfé , hão é thõh não c neutra, mas atravessada pelos discur
sos nos quais viveu sua
e x i s t ê nc i a
socialmente sustentada46.
Recorrendo a
este
conceito de dialogismo47 concebido pelo
c í r c u l o
de
Bakhtin,
Authier-Revuz
(1990) indica algumas formas de heterogeneidade mos
trada no discurso, formas que se art iculam sobre a realidade da heterogenei
dade constitutiva de todo discurso. A heterogeneidade constitutiva, segundo
Maingueneau (1997), não é marcada em superfíc ie , mas a AD pode defini-la,
formulando hi póte se s , a partir do pressuposto da p r e s e n ç a constante do Outro
na c onst i tu i ç ão
de uma
for maç ão
discursiva (é bastante evidente aqui como o
conceito de heterogeneidade constitutiva do discurso de que se vale a AD é
43 . Ver os c a pí tu los Sintaxe ( referimo-nos à Sintaxe Funcional), Soc io l inguí s t i c a e Linguí s t i c a
Textual
no volume 1
desta
obra, e os
c a pí tu los Se mâ nt i c a
(referimo-nos à
S e m â n t i c a
da
Enunc ia ç ã o) ,
Pr a gmá t i c a e A n á l i s e da C onve r s a ç ã o neste mesmo volume. :
44 . Remetemos o leitor a Brait (1997), uma c o le t á ne a de artigos que apresenta estudos sobre os
principais conceitos da obra bakhtiniana. ;
45 . Authier-Revuz (1982) é citada em B r a n d ã o , H . N , Introdução à Análise do Discurso 7. ed.,
Campinas. Editora da
U N I C A M P ,
1998a, p. 52.
4
46. Bakhtin
(1929/1988). *
47 .
Embora ele se situe na perspectiva da
Se mâ nt i c a
da
Enunc ia ç ã o ,
cabe citar aqui (Jlexto de Ducrot
(1984/1987), Esboço de um teori polifônica d enunciação em que o autor, c o n t c s t a n d á a unicidade do
sujeito falante, procura mostrar como em um mesmo enunciado é pos s íve l detectar mais de uma voz.
Remetemos o
leitor
ao c apí tu lo Se mâ nt i c a , neste mesmo volume, para maiores inf or ma ç õe s .
128
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caudatário
do
conceito
de dialogismo de
Bakhtin) . Authier-Revuz
(1982) apon
ta três
tipos de heterogeneidade mostrada:
a)
aquela em que o locutor ou usa de suas
próprias
palavras
para
traduzir
o discurso de um Outro (discurso relatado) ou
e ntão
recorta as palavras
do Outro e as cita (discurso direto);
b)
aquela em que o locutor assinala as palavras do Outro em seu discurso,
por meio, por exemplo, de aspas, de
itál ico,
de uma
r e m i s s ã o
a outro
discurso, sem que o fio discursivo seja interrompido;
c) aquela em que a pr e se nç a do Outro não é explicitamente mostrada na
frase, mas é mostrada no
e s p a ç o
do
i mpl í c i to ,
do sugerido,
como
nos
casos do discurso indireto livre, da
antífrase,
da
ironia,
da
i mi taç ão ,
da
a l u s ã o 4 8 .
Essas t r ê s
formas de heterogeneidade mostrada assinalam a
pr e se nç a
do
Outro
na
supe r f í c i e
discursiva de maneira diferente,
desde
formas mais eviden
tes (a, b), que Authier-Revuz (1990) classifica
como
heterogeneidade mostrada
marcada, até a forma mais complexa,
menos
evidente (c) , em que a voz do
locutor se mistura à do Outro, e que a autora classifica
como
heterogeneidade
mostrada n ã o - m a r c a d a . No entanto, independentemente dessa c l ass i f i c aç ão , to
das essas formas de heterogeneidade
e s t ã o
ancoradas no
pr i nc í p i o
da heteroge
neidade constitutiva do discurso.
Retornando agora à
anál ise
da
tira
de Watterson, apresentada no quadro,
ficará mais claro de compreender por que os enunciados A inabilidade para
aceitar o que eu não
posso
e A incapacidade para ver a di fe r e nç a são apre
sentados como
nos remetendo també m à FD cristã .
Nos dois enunciados há a
marca
da
n e g a ç ã o
— o prefixo
n
—, uma forma
de heterogeneidade mostrada marcada na superfíc ie do discurso. Por
meio
desta
marca, o que é
negado
é justamente o discurso que é apresentado no quadro
como
nos remetendo à FD cristã : A habilidade para aceitar o que eu não
posso
e A capacidade
para
ver a
diferença .
Assim, a
n e g a ç ã o
de um discurso
necessariamente nos remete a ele, de forma que ele pode ser percebido
como
a
pr e se nç a
do
Outro
no interior do discurso que o nega.
Já
o enunciado A
força para
mudar o que eu puder ,
como
já foi
dito
anteriormente, t a m b é m nos remete à FD cristã e à FD materialista , mas
pela
pr e se nç a
da heterogeneidade mostrada
não-mar c ada
na
supe r f í c i e
discur-
48.
Authier-Revuz. 1982) é citada em
Brandão .
H.
N .
op.
c it . .
p. 50.
siva. É no e s p a ç o do sugerido que percebemos esta heterogeneidade, é em
f u n ç ã o da r e l a ç ã o que
estabelecemos
entre A força para mudar o que eu pu
der
e os demais enunciados do discurso de
Cal v i n
que percebemos a dupla
a l u s ã o
deste
enunciado. Retomando Maingueneau (1997), é formulando h i p ó
teses desse
tipo
que podemos perceber a
pr e se nç a
constante do Outro na cons
t i tu i ç ão de uma f o r m a ç ã o discursiva, que
podemos
perceber a realidade da
heterogeneidade constitutiva do discurso. A
própria
Authier-Revuz (1982)
considera que os dois
n í v e i s
de heterogeneidade mostrada, a marcada e a
n ã o -
marcada, são, na verdade, formas l i nguí s t i c as de r e p r e s e n t a ç ã o de diferentes
modos
de
n e g o c i a ç ã o
do sujeito falante com a heterogeneidade constitutiva,
sendo
a heterogeneidade mostrada n ã o - m a r c a d a uma forma mais arriscada de
n e g o c i a ç ã o
porque, ao jogar com a
d i l u i ç ã o ,
é mais dificilmente controlada
pelo
sujeito.
F o i p o s s í v e l perceber, e n t ã o , que existe, numa f o r m a ç ã o discursiva, sem
pr e a p r e s e n ç a do Outro, e é esta p r e s e n ç a que confere ao discurso o caráter de
ser h e t e r o g é n e o . O quadro apresentado a partir da aná l i se da tira de Watterson
mostra de maneira bastante clara
esse
c ar áte r he te r ogé ne o do discurso. Ape
sar
de
C a l v i n
enunciar de um lugar
i d e o l ó g i c o ,
digamos, individualista , os
e m h a t e s . e n t r e - e s t e . l u g a r . i d e o l ó g i c o . e o cristão' ' são r e c u p e r á v e i s no interior
mesmo da FD. C a l v i n , ao ironizar o discurso c r i s tão
negando-o
através de
uma par ódi a ,
recupera-o como parte constitutiva do discurso. É nesse sentido
que Maingueneau (1997), considerando que uma
f o r m a ç ã o
discursiva
n ã o
pode
ser compreendida
como
um
bloco
compacto e fechado, mas que ela é definida
a partir
de uma incessante
r e l aç ão
com o Outro, afirma o primado do interdis
curso sobre o discurso. Para ele, a unidade de aná l i se pertinente não é o dis
curso,
mas um e s p a ç o de trocas entre vár i os discursos. Os diversos discursos
que atravessam uma FD não passam de componentes, ou seja, em termos de
g é n e s e , tais discursos não se constituem independentemente uns dos outros
para
serem, em seguida, postos em
r e l a ç ã o ,
mas se formam de maneira
regulada no interior de um interdiscurso.
Se r á
a
r e l a ç ã o
interdiscursiva,
pois, que
e str utur ar á
a identidade das FDs em
q u e s t ã o .
A AD-3 e as recen
tes pesquisas tomam,
como
já apontado, o interdiscurso
como
um pressu
posto t e ó r i c o . '
O primado do interdiscurso
pode
ser muito bem percebido na
crónica
Um
s ó seu filho , pois o sentido do
texto
não
pode
ser apreendido q?n um e spaç o
fechado,
dependente
de uma
p o s i ç ã o
enunciativa absoluta ou de f)utra, mas ele
deve
ser apreendido
como
circulação dissimétríca de uma pos i ç ão -e nunc i a t i va à
outra. Observemos dois trechos.
130 I N TR OD U Ç O
LINGUST ICA ANÁLISE
DO
DISCURSO 131
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
http://slidepdf.com/reader/full/ad-mussalim-fernanda-analise-do-discurso-pp101-142 16/22
Quando a voz pergunta ao Papa qual era o seu
úl t i mo
pedido, o Papa,
depois
de alguma he s i taç ão , responde:
Quero nascer de novo, mas no futuro —
retrucou.
Quero nascer sob a forma de
outra pessoa e saber se serei novamente seminarista, e padre, e cardeal, e papa.
Quero que algumas destas minhas células sejam transplantadas para um
tubo
de
ensaio e dali talvez para um ventre, de
onde
eu
renasça:
corpo, rosto e
mente
iguais aos que tive quando
nasci.
Código genético
igual ao meu, sem a
interferên
cia
abastardante de genes de uma
fêmea,
de
um a
parideira intrusa. Quero que meu
espírito
se
faça
carne, mas quero ser o Pai
único
de meu Filho.
Nesse trecho, podemos perceber que
h á
um
di á l ogo
incessante entre a voz
da c i ê nc i a
—
C ó d i g o g e n é t i c o
igual ao meu, sem a
interferência
abastardante
de genes de uma
f ê m e a ,
de uma parideira intrusa.
—•
e a voz da
r e l i g i ão
—
Quero que meu espír i to se faç a carne, mas quero ser o Pai ú n i c o de meu Filho .
A p o s i ç ã o enunciativa do sujeito do discurso, no caso o personagem Papa, mo
bilizado
pelo
autor
como
r e s p o n s á v e l por esta e n u n c i a ç ã o ,
circula
dissimetrica-
mente pelo
e s p a ç o interdiscursivo, na medida em que ora enuncia de uma posi
ç ã o ,
ora de outra. \_
O mesmo ocorre quando
esse
personagem faz uma reflexão a respeito do
que ele voltaria a viver se nascesse de novo. Atravessando o discurso sobre a
sua trajetória
na
Igreja
Cató l i c a ,
é
p o s s í v e l
perceber a
pr e se nç a
de um discurso
de
crít ica
à
Igreja,
uma vez que faz
referência
à
arrogância
de alguns de
seus
companheiros, ao mesmo
tempo
que dejxa entrever em sua fala um certo senti
mento
de orgulho e desforra ao referir-se ao seu brilhante futuro: De
novo
estudarei o latim e a álgebra, de
novo
andarei a n ó n i m o e de batina por entre
homens arrogantes que não suspe i tar ão o meu futuro .
Nesses dois trechos, o personagem ora enuncia de um lugar
i de o l óg i c o ,
ora
de outro. Os trabalhos mais recentes da A D não considerariam que os dois
p ó l o s
enunciativos de
onde
enuncia o personagem Papa
são c onst i tu í dos
priori
e só e ntão colocados em r e l aç ão , mas que essa c i r c ul aç ão d i ss i mé tr i c a de uma
p o s i ç ã o enunciativa à outra ocorre devido ao
fato
de o campo discursivo
(Maingueneau, 1984) — conjunto de f o r m a ç õ e s discursivas com mesma funç ão
social
que se encontram em c onc or r ê nc i a , a l i anç a ou neutralidade aparente e
que se divergem sobre o modo pelo qual tal
funç ão
deve ser preenchida —
através
do qual o sujeito do discurso circula se caracterizar essencialmente por
ser um
e s p a ç o
interdiscursivo. Do ponto de vista da
A D ,
seria
poss í ve l
dizer que
o efeito de devaneio do sujeito-personagem é
c onstr u í do
sobre a possibilidade
de c i r c ul aç ão entre pos i ç õe s enunciativas que o campo discursivo oferece.
3 . 2 . noção de sen t ido para a D
Considerando o que foi apresentado até aqui com r e l aç ão à n o ç ã o de dis
curso com a qual a AD trabalha (conceitos de f o r m a ç ã o discursiva, for maç ão
i d e o l ó g i c a ,
heterogeneidade, interdiscurso), seria quase redundante dizer que,
para
a AD, o c ar áte r d i a l óg i c o do discurso é constitutivo de seu sentido,
isto
é,
que o sentido de uma
f o r m a ç ã o
discursiva
depende
da
r e l aç ão
que ela estabele
ce com as f o r m a ç õ e s discursivas no interior do e s p a ç o interdiscursivo.
A
heterogeneidade constitutiva do discurso o impede,
como
vimos, de ser
um e spa ç o e s táve l ,
fechado ,
h o m o g é n e o ,
mas não o redime de estar inse
rido em um
e s p a ç o
controlado, demarcado pelas possibilidades de sentido que a
f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a pela qual é governado lhe concede. Uma for maç ão discur
siva,
apesar de
he te r ogé ne a ,
sofre as
c o e r ç õ e s
da
f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a
em que
e s tá
inserida. Sendo assim, as
se quê nc i as l i nguí s t i c as poss í ve i s
de serem enun
ciadas por um sujeito já e stão previstas, porque o e s p a ç o interdiscursivo se ca
racteriza pela defasagem entre uma e outra
f o r m a ç ã o
discursiva. Explicando
melhor: as se quê nc i as l i nguí s t i c as poss í ve i s de serem enunciadas por um sujei
to circulam entre esta ou aquela
f o r m a ç ã o
discursiva que
c o m p õ e m
o inter
discurso.
O devaneio do personagem Papa é bastante esclarecedor
nesse
sentido.
O ra
o personagem fala a
partir
de um lugar
i d e o l ó g i c o ,
ora de outro. Ora é o
representante da
Igreja
Cató l i c a diante de Deus — Obrigado, Senhor. Não
m e r e ç o esta graça —, ora é apenas umjhomem moderno atormentado pela ideia
da
morte — Nascer de novo .
Mas não
seria
í nve r oss í mi l
o personagem Papa, mobilizado
pelo
autor
como
r e sponsáve l pela e n u n c i a ç ã o , pedir para nascer de novo? É justamente
neste
ponto
que a AD se mostra bastante esclarecedora. Para a A n á l i s e do Discurso, o
que está em q u e s t ã o não é o sujeito em si; o que importa é o lugar i d e o l ó g i c o de
onde
enunciam os sujeitos. E m outras palavras, no e s p a ç o interdiscursivo, enun
ciando do interior de uma
f o r m a ç ã o
discursiva de cunho
i de o l óg i c o c r i s tão -
c a tó l i c o ,
o personagem jamais poderia pedir para nascer de novo. Ao fazer esse
pedido, o que ocorre é que ele deixa de enunciar inscrito em uma
E D
de cunho
c r i s tão -c a tó l i c o
e passa a enunciar de um outro lugar
i d e o l ó g i c o ,
estando inscri
to, assim, em outra for maç ão discursiva. Dessa forma, apesar do caráter constitu-
tivamente h e t e r o g é n e o do discurso, não se
pode
c o n c e b ê - l o
como
livre de res
t r i ç õe s . O que é e o que não é p o s s í v e l de ser enunciado por um sujeito já está
demarcado pela
própria formação
discursiva na qual
está
inserido. Os sentidos
p o s s í v e i s
de um discurso, portanto, são
sentidos
demarcados, preestabelecidos
32
ANÃUSE
DO
DISCURSO 133
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
http://slidepdf.com/reader/full/ad-mussalim-fernanda-analise-do-discurso-pp101-142 17/22
pela própria identidade de cada uma das f o r m a ç õ e s discursivas colocadas em
r e l aç ão no e s p a ç o interdiscursivo.
No entanto, apesar dos sentidos p o s s í v e i s de um discurso estarem prees
tabelecidos,
eles
não são c o n s t i t u í d o s
priori
ou seja,
eles
não existem
antes do discurso. O sentido vai se constituindo à medida que se constitui o
pr ópr i o
discurso. Nã o existe, portanto, o sentido em si, ele vai sendo deter
minado simultaneamente às p o s i ç õ e s i d e o l ó g i c a s que vão sendo colocadas
em jogo na r e l a ç ã o entre as f o r m a ç õ e s discursivas que c o m p õ e m o inter
discurso.
Se tomarmos como exemplo a
pr ópr i a c onst i tu i ç ão
da
c r óni c a
Um só seu
filho , ou melhor, se a tomarmos como uma metáfora de como se constitui o
sentido para a AD, ficará bastante fáci l de compreender a n o ç ã o de sentido.
O sentido da c r óni c a não é dado priori mas vai sendo c onstr uí do à me
dida que se c onstr ó i o texto. Não se tem
priori com muita clareza o que está
efetivamente ocorrendo com o personagem Papa. O personagem vai sendo
c onstr uí do à medida que o texto vai sendo c onstr uí do e, por sua vez, vai-se
construindo o sentido do texto à medida que se dá a sua própria consti tuição.
E s s e sentido, no entanto, não é qualquer sentido,
mas.está.previstQ-.pelas..forças
i d e o l ó g i c a s colocadas em jogo na c r óni c a . A AD diria que os sentidos poss í ve i s
para esta c r ó n i c a deslocam-se entre (e aqui diremos de maneira bastante
e sque mát i c a
e simplificadora, apenas
para
exemplificar) a
for maç ão
discursiva
da c i ê nc i a
e a
for maç ão
discursiva
c ató l i c a .
No
e s p a ç o
de
c i r c ul aç ão
entre
essas duas
f o r m a ç õ e s
discursivas é que residiria o sentido. O sentido, portanto,
n ão é ú n i c o , já que se dá num e s p a ç o de heterogeneidade, mas é necessariamen
te demarcado.
U m outro exemplo que pode ser esclarecedor é pensarmos nas propagan
das eleitorais que a cada quatro anos assistimos pela
te l e v i são .
Os discursos de
cada
partido ou pol í t i c o não são elaborados previamente e guardados em gave
tas até a data prevista para serem enunciados na T V . Mas, à medida que vai se
dando o embate p o l í t i c o entre partidos e candidatos, os discursos vão sendo
escritos, re-escritos, e os sentidos, e ntão , vão sendo c onst i tu í dos no próprio pro
cesso
de
c o n s t i t u i ç ã o
dos discursos. Evidentemente,
não são
quaisquer sentidos
que são c onst i tu í dos a partir de uma f o r m a ç ã o discursiva, como j á foi dito ante
riormente, mas somente aqueles previstos pela
for maç ão i de o l óg i c a
que rege
determinado discurso. Assim, no contexto atual, dificilmente ouviremos de um
candidato do PT algo como Vamos privatizar os setores bás i c os da economia
ou. então, dc um candidato do P F L , Abaixo a privatização .
3 3 O conceito de suje ito na D
N ã o fica muito difíc i l de prever, considerando o percurso que fizemos até
aqui,
de que maneira a subjetividade é concebida pela AD. P a r a abordarmos
essa que stão , consideraremos as fases da AD apresentadas anteriormente, já
que, decorrente de cada n o ç ã o de discurso, t ê m - s e diferentes n o ç õ e s de sujeito.
N a A D- 1, como cada processo di scursivo é gerado por uma máqui na
discursiva , o sujeito não poderia ser concebido como um
i n d i v í d u o
que fala
( eu falo ), como fonte do próprio discurso. O sujeito, para a A D - 1 , é concebi
do como sendo assujeitado à maquinaria
[para
utilizar um termo do
próprio
P ê c h e u x (1983/1990)], já que está submetido às regras e s p e c í f i c a s que delimi
tam o discurso que enuncia. Assim, segundo essa c o n c e p ç ã o de sujeito, quem
de fato fala é uma insti tuição, ou uma teoria, ou uma ideologia
49
.
N a A D - 2 , a n o ç ã o de sujeito sofre uma alteração que precisa ser compre
endida no interior da n o ç ã o de f o r m a ç ã o discursiva de Foucault (1969/1971):
assim como uma FD é concebida como uma di spe r são , no sentido de não ser
formada por elementos ligados entre si por um pr i nc í pi o de unidade, o sujeito
t a m b é m o é. Não existe mais, neste segundo momento, a n o ç ã o de um sujei-
7 õ
marcado
péla
ideia de unidade, tal com<) era concebido na
À D - 1 .
Ao
conTra-
rio,
a n o ç ã o
de
di spe r são
do sujeito (Foucault , 1969/1971) é aqui retomada; o
sujeito passa a ser concebido como aquele que desempenha diferentes papé i s de
acordo com as
vár i as pos i ç õe s
que ocupa no
e s p a ç o
interdiscursivo. Dessa for
ma , na A D - 2 , vigora a ideia de que o sujeito é uma f u n ç ã o , e que ele pode estar
em mais de uma 50 . No entanto, nesta segunda fase, o sujeito, apesar da possibi
lidade de desempenhar diferentes p a p é i s , não é totalmente livre; ele sofre as
c oe r ç õe s
da
f o r m a ç ã o
discursiva do interior da qual
enuncia,
já que esta é regu
lada por uma
for maç ão i de o l óg i c a .
Em outras palavras, o sujeito do discurso
ocupa um lugar de onde enuncia, e é este lugar, entendido como a representação
de traços de determinado lugar social (o lugar do professor, do pol í t i c o , do
public i tário, por exemplo), que determina o que ele pode ou não dizer a partir
dali. Ou seja,
este
sujeito, ocupando o lugar que ocupa no interior de uma for
m a ç ã o social, é dominado por uma determinada f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a que
preestabelece as possibilidades de sentido de seu discurso.
Com r e l aç ão ,
portanto, às
c o n c e p ç õ e s
de sujeito da
A D - 1
e efa
A D - 2 ,
pode-
se dizer que, apesar de diferentes, elas s ão influenciadas por uma|eoria da ideo-
49
Possenti, S. Apresentação d Análise do Discurso. Campinas, s.d. h). Mimeograf ado.
5
Possenti, s.d. tb). mimeografado.
34 INTRODUÇÃO
À
UNGUÍST CA ANALISE
O
DISCURSO 35
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
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logia que coloca o sujeito no quadro de uma
f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a
e discursiva
( B r a n d ã o ,
1994). Nesse sentido é que
para
a AD
n ã o
existe o sujeito individual,
mas apenas o sujeito
i d e o l ó g i c o :
a ideologia se manifesta (é falada)
através
dele.
N a A D - 3 ,
por sua vez, a
n o ç ã o
de sujeito sofre um deslocamento que
inau
gura uma nova vertente, bastante atual, da
A n á l i s e
do Discurso. Nessa terceira
fase,
a c o n c e p ç ã o
de sujeito é definida de forma um pouco menos 'estruturalis
ta' 51 .
C o m p a t í v e l
com uma
n o ç ã o
de discurso marcado radicalmente pela
heterogeneidade — afirma-se na AD-3 o primado do interdiscurso —, tem-se
um
sujeito essencialmente
h e t e r o g é n e o ,
clivado, dividido.
O s
trabalhos de Authier-Revuz52 , em torno dos quais se desenvolve essa
nova
vertente, incorporam descobertas das teorias do inconsciente, que consi
deram que o centro do sujeito não é mais o
estág i o
consciente, mas que ele é
dividido, clivado entre o consciente e o inconsciente. Inserido nesta base
conceituai, o sujeito da AD se movimenta entre
esses
dois
p ó l o s
sem poder
definir-se em momento algum como um sujeito inteiramente consciente do que
diz.
Nesse sentido, o eu perde a sua centralidade, deixando de ser senhor de
si ,
já que o outro , o desconhecido, o inconsciente, passa a fazer parte de sua
identidade. Õ sujeito é,
e n t ã o ,
um sujeito descentrado, que se define agora como
sendo a
r e l a ç ã o
entre o
eu
e o outro . O sujeito é constitutivamente
heterogé
neo, da mesma forma como o discurso o é. Para Authier-Revuz (1982), a
heterogeneidade mostrada é uma tentativa do sujeito de
explicitar
a
presença
do
outro no fio discursivo, numa tentativa de harmonizar as diferentes vozes que
atravessam
o seu discurso, numa busca pela unidade, mesmo que
i lusória.
Apresentadas
as
c o n c e p ç õ e s
de sujeito em
três
diferentes fases da AD, é
p o s s í v e l
perceber que, apesar de distintas, elas possuem uma
característ ica
em
comum: o sujeito
n ã o
é senhor de sua vontade; ou temos um sujeito que sofre as
c o e r ç õ e s
de uma
form ação i deo l óg i ca
e discursiva, ou temos um sujeito subme
tido à sua
própria
natureza inconsciente.
É
preciso salientar,
t a m b é m ,
que, ao contrapormos uma primeira vertente
(AD-1
e AD -2 ) a uma segunda, mais atual, o fizemos de maneira a focalizar
apenas os aspectos
di scr í m i nadores
entre essas vertentes. No entanto, Authier-
Revuz,
ao
privilegiar
o enfoque da
d i m e n s ã o
do inconsciente como constitutiva
da
linguagem e do sujeito, não deixa de
c o n c e b ê - l o s
— linguagem e sujeito —
51 Possenti. S. Discurso, sujeito e o trabalho de escrita.
I n:
Nascimento, E
M
F. S..
Gregolin. M
do
R V. orgs.)
roblemas amais da
Análise
do
Discurso
Araraquara, Editora da UNESP. 1994. p. 35.
52 Ver Authier-Revuz 1982. 1990 e 1998).
no interior de uma perspectiva discursiva em que se articulam com o
i d e o l ó g i
co. Por sua vez, a AD-1 e a
A D - 2 ,
ao conceberem o sujeito como interpelado
pela ideologia,
n ã o
deixam de
c o n c e b ê - l o t a m b é m
como um sujeito inconscien
te. Os esquecimentos 1 e 2 de que tratam
P ê c h e u x
&
Fuchs
(1975) são uma
e v i d ê n c i a
disso. Segundo os autores, o sujeito se ilude duplamente: a) por es-
quecer-se de que ele mesmo é assujeitado pela
f o r m a ç ã o
discursiva em que
es tá
inserido ao enunciar (esquecimento
n. 1);
b) por
crer
que tem plena
c o n s c i ê n
c ia
do que diz e que por isso pode controlar os sentidos de seu discurso (esque
cimento n. 2). Esses dois esquecimentos estão constitutivamente relacionados
ao conceito de assujeitamento
i d e o l ó g i c o ,
ou
i n t e r p e l a ç ã o i d e o l ó g i c a ,
que con
siste em fazer com que cada
i n d i v í d u o
(sem que ele tome
c o n s c i ê n c i a
disso,
m as,
ao
contrári o ,
tenha a
i m p r e s s ã o
de que é senhor de sua
própria
vontade)
seja levado a ocupar seu lugar, a identificar-se ideologicamente com grupos ou
classes de uma determinada
form ação
social 53 .
O
personagem
Papa,
tal como foi
const i tu í do
pelo autor da
c r ó n i c a ,
é uma
boa
m etá fora
de como se constitui o sujeito
para
a
A D .
Exemplificaremos aqui
a const i tu i ção
desse sujeito, considerando-o apenas a
partir
das perspectivas da
AD-2eda-AD-3,-por serem-essas as-perspectivas que se mostraram mais produ
tivas no campo da
A n á l i s e
do Discurso.
N a
perspectiva da
A D - 3 , d i r í am o s
que o personagem Papa é um persona
gem
h e t e r o g é n e o ,
que por alguns momentos
cr ê
que tem
c o n s c i ê n c i a
do que diz
—
Nascer de novo —, mas que, a seguir, se depara com a
p r ó pr i a i n c o n s c i ê n
ci a
— Sabia que quem acabara de fazer aquele pedido não era o
a n c i ã o
caleja
do pelos debates
e s c o l á s t i c o s ,
o erudito capaz de enfrentar a teologia e a
m eta f í s i ca em 12 idiomas . O personagem em q u e s t ã o é uma m etá fora de um
sujeito dividido pela
própri a i nconsci ênci a .
N a
perspectiva da
A D - 2 ,
por sua vez,
d i r í a m o s
que o personagem Papa é
assujeitado pelas
f o r m a ç õ e s discursivas
colocadas em
r e l a ç ã o
no texto, por enun
ciar
apenas o que já
está
previsto por estas mesmas
F D s .
Assim, o personagem
enuncia inscrito num e s p a ç o discursivo demarcado pela f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a
que o rege. De acordo com o que vimos analisando da
cróni ca
em
questão ,
d i r í a m o s ,
de maneira bastante
e s q u e m á t i c a ,
que este personagejn enuncia ins
crito
em um
e s p a ç o
discursivo que coloca em uma
r e l a ç ã o
de conflito os discur
sos religioso e
ci ent í f i co ; enunci ará ,
portanto, apenas o que
está^previsto
como
enunciados
poss í ve i s para
estas
F D s .
|
5 3 Bra n d ã o H. N. Op. cit. p. 89.
137
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
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3 4
s
condições
de
p r o d u ção
do
d iscurso
A
dupla
i l usão
do sujeito de que tratam
P ê c h e u x
& Fuchs (1975), aborda
da anteriormente, é, para a AD, constitutiva das c o n d i ç õ e s de pr oduç ão do dis
curso. Como
decorrência
dessa dupla
i l usão , mani f e s taç õe s
que se dão no
ní ve l
da supe r f í c i e discursiva,
como
a heterogeneidade mostrada, foram interpreta
das por
P ê c h e u x
(1969) como uma
e v i dê nc i a
dessa
relação imaginária
que o
sujeito tem com o
próprio
discurso,
como
uma
manifestação
da tentativa
(i lusória)
de controlar o próprio discurso.
Assim,
para a AD , o sujeito, por não ter
acesso
às reais
c o n d i ç õ e s
de pro
d u ç ã o de seu discurso devido à i nc onsc i ê nc i a de que é atravessado e ao pr ópr i o
conceito de discurso com o qual trabalha a AD — uma teoria materialista da
discursividade —, representa
essas
c o n d i ç õ e s
de maneira
imaginária.
É o que
P ê c h e u x
(1969) chama de jogo de imagens de um discurso. Reproduziremos a
seguir o quadro que o
pr ópr i o
autor apresenta:
Expressão
que designa as
Significação
da
Questão implícita cuja
formaç ões imaginárias expressão
resposta subentende a
formação imaginária
correspondente
MA)
Imagem do lugar de
A
para
Quem sou eu para lhe
A
<
MA)
o sujeito colocado em
A
falar assim?
V
M«*)
Imagem do lugar de B para
Quem é
ele para que eu lhe
V
M«*)
o sujeito colocado em
A
fale assim?
M-B)
Imagem do lugar de B para
Quem
sou eu para que ele
B
>
M-B)
o sujeito colocado em B
me fale assim?
^
MA)
Imagem do lugar de A para
Quem
é ele
para
que me
^
MA)
o sujeito colocado em B
fale assim?
A
Ponto de vista de
A
sobre R
De que lhe falo assim?
B
Ponto de vista de B
sobre R
De que ele me fala assim?
onter Pêcheux , 1969/1990.
A fim de facilitar a c o m p r e e n s ã o
desse
quadro
54
para o leitor , vamos
apr e se ntá - l o
dividindo-o em
dois
blocos:
1. A imagem que o sujeito, ao enunciar seu discurso, faz:
a)
do lugar que ocupa;
b) do lugar que ocupa seu interlocutor;
c)
do
pr ópr i o
discurso ou do que é enunciado.
2. A imagem que o sujeito, ao enunciar seu discurso, faz da imagem que
seu interlocutor faz:
a)
do lugar que ocupa o sujeito do discurso;
b) do lugar que ele (interlocutor) ocupa;
c) do discurso ou do que é enunciado.
Esse
jogo
de imagens,
mesmo estabelecendo
as c o n d i ç õ e s de p r o d u ç ã o do
discurso, ou seja, aquilo que o sujeito
pode/deve
ou não dizer, a partir do lugar
que ocupa e das
r e pr e se ntaç õe s
que faz ao enunciar, não é preestabelecido antes
que o sujeito enuncie o discurso, mas este jogo vai se constituindo à medida que
se constitui o
pr ópr i o
discurso. Em outras palavras, o sujeito não é livre para
di/.ef o que quer, a
pr ópr ia opç ão
do que dizer
já
é
é ú i s i
determinada pelo lugar
que ocupa no interior da for maç ão i de o l óg i c a à qual e s tá submetido, mas as
imagens que o sujeito c onstr ó i ao enunciar só se constituem no pr ópr i o proces
so discursivo.
Ainda mais uma vez no* valeremos da
me tá for a
do personagem, agora
para explicar como as imagens se constituem no
pr ópr i o
processo discursivo. O
discurso do sujeito-personagem não e s tá c onst i tu í do a
priori
mas vai se deline
ando à medida que ele representa a voz que lhe fala, a partir das imagens que faz
do que lhe é dito. Ass im, por exemplo, num primeiro momento, coloca-se
como
um
sujeito que não teme a morte —
E
meu
ú l t i m o
dia de vida,
isto
não
deve
me
amedrontar; é como quando
após
uma
r e fe iç ão a l gu é m
retira de minha frente o
prato vazio. Porque me rebelar, seja
fruí
o que me interessava?
— ,
jmas redefine
todo
seu discurso a partir da imagem que faz de si naquele momento — Ele
fitou a palma da pr ópr ia mã o: viu com espantosa nitidez as linhas e ais comissuras
da
pele,
viu as rugosidades, o intrincamento
têxti l
das camadas superpostas, viu
54 .
Remetemos
o leitor a Osakabe (1979), que. a l ém fazer uma ap r es en t ação bastaifie esclarecedora
do jogo de imagens de P ê c h eu x ( 1969), reestrutura esse quadro mostrando a necessidade de se considerar
os atos de linguagem como pertinentes às cond ições de p r o d u ç ão . Assim, t e r í amos uma outra representa-
ç ão : O que A pretende falando dessa forma?''.
13S
I N TRODUÇ O
UNGUÍSnC
ANÁUSE
DO
DISCURSO
I S *
7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142
http://slidepdf.com/reader/full/ad-mussalim-fernanda-analise-do-discurso-pp101-142 20/22
o fervilhar da
maté r i a
viva e as
c é l u l a s
que se partiam e se fundiam umas às
outras como gotas d' água . E nesse sentido que o jogo de imagens faz parte das
c o n d i ç õ e s de p r o d u ç ã o de um discurso na medida em que as imagens que o
sujeito vai construindo ao enunciar vão definindo e redefinindo o processo
discursivo.
4
CONSIDER ÇÕES
FIN IS
Abordamos neste artigo o que julgamos ser fundamental
para
um primeiro
contato
com a
A n á l i s e
do Discurso buscando ao mesmo tempo esclarecer por
meio das
a n á l i s e s
aqui apresentadas os conceitos que foram colocados. Quere
mos ressaltar no entanto que este texto não esgota de forma alguma as ques
tõe s que são colocadas pela AD ; p r o p õ e - s e apenas a ser uma porta de entrada
poss í ve l par a o campo fornecendo ao leitor alguns subs í d i os par a que ele possa
iniciar
seus estudos na
área.
Assim
concluir
este texto
significa apenas concluir a
r e f l e xão
que fize
mos nestas poucas
pág i nas ,
já que muitos aspectos poderiam ainda ser aqui
considerados. O por c o n c l u í - l o retomando apenas um aspecto já
abordado
neste capítulo, por
julgarmos
crucial enfatizá-lo
ao falarmos em
A n á
lise do Discurso: sua especificidade.
O
leitor
deve
ter percebido ao entrar em
contato
com os
conceitos
que
embasam a AD que a
de f i n i ç ão
de
todos
eles se fundamenta sobre uma caracte
rística
em comum a saber a constitutividade: o discurso o sentido o sujeito as
c o n d i ç õ e s de p r o d u ç ã o vão se constituindo no próprio processo de enunciação.
E não poderia ser diferente. A A D ao se propor a não reduzir o discurso a
aná l i se s
estritamente
l i nguí s t i c as ,
mas
abor dá- l o també m
numa perspectiva his-
tór i c o - i de o l óg i c a ,
não poderia constituir-se enquanto disciplina no interior de
fronteiras
rígidas,
que não levassem em conta a interdisciplinaridade seja com
determinadas
áreas
das
c i ê nc i as
humanas como a
História,
a Sociologia a
Psi
c aná l i se ,
seja com certas
te ndê nc i as
desenvolvidas no interior da
própria L i n
guí s t i c a , como a Se mânt i c a da E n u n c i a ç ã o e a Pragmática, por exemplo.
Devido a essa interdisciplinaridade a
Anál i se
do Discurso se apresenta
como uma disciplina em constante processo de c onst i tu i ç ão , de onde decorre a
constitutividade dos
próprios
conceitos que a fundamentam.
E s s a
interdisciplina
ridade diriam alguns poderia colocar a AD numa
s i tuaç ão
de extrema fuga
cidade. No entanto
esse caráter
interdisciplinar não é o perigo que a espreita.
N a
verdade o
ú n i c o
perigo que poderia
c o l oc á - l a
em xeque seria o de
n ão
reco
nhecermos sua especificidade e tentarmos excluir de seu campo as contradi-
ç õ e s , as irregularidades em vez de simplesmente tentarmos apr e e ndê - l a s na
materialidade discursiva.
Se o leitor tiver apreendido esse caráter da A n á l i s e do Discurso terá com
preendido sua
caracter íst ica
fundamental. O mais
será
uma
que stão
de interesse
que obviamente esperamos ter despertado com esta
i ntr oduç ão .
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Mais.
5
r lEUROLMGÚÍSTIC
Edwiges Morato
1 NEUROUNGÚÍSTICA: UM REVE PERCURSO HISTÓRICO
A
Ne ur o l i nguí s t i c a
é, sem
d ú v i d a ,
um dos campos mais recentes da L i n
guí s t i c a . P ar a
se ter uma
ideia,
no
Br as i l ,
ela aparece como disciplina de curso
de
gr aduaç ão (Le tr as
e
L i n g u í s t i c a )
e
també m
como
área
de pesquisa na pós-
gr aduaç ão apenas na Universidade Estadual de Campinas ( U N I CA M P ) — e
isso a
partir
dos anos 1980. Contudo, há
gente
dedicando-se cada vez mais à
i n v e s t i g a ç ã o na área de N e u r o l i n g u í s ti c a , seja desenvolvendo pesquisas em ní
ve l
de
p ó s - g r a d u a ç ã o
em outras universidades, seja procurando estimular a pro
d u ç ã o
de conhecimento na
área
por meio do aprimoramento de
m é t o d o s
diag
n ó s t i c o s
e
terapêuticos
que procuram compreender melhor o funcionamento da
c o g n i ç ã o
humana. >
Tanto
as
de f i n i ç õe s
quanto as
de sc r i ç õe s
do campo de
atuaçãolda
Neurolin
guí s t i c a que encontramos espalhadas pela literatura produzida efn diferentes
campos como o da
L i nguí s t i c a
e o das
Ne ur oc i ê nc i as )
revelam que as frontei
ras
que delimitam seu objeto sã o algo
m o v e d i ç a s .
1
Segundo Caplan 1987), a Ne ur o l i nguí s t i c a é o estudo das r e l aç õe s entre
c é r e br o
e linguagem, com enfoque no campo das patologias cerebrais,
cuja
in
v e s t i g a ç ã o
relaciona determinadas estruturas do
c é r e br o
com
distúrbios
ou as-