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Diálogo Com Aguirre Rojas Sobre Norbert Elias - Historiador y Crítico de La Modernidad

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DIÁLOGO COM AGUIRRE ROJAS SOBRE “NORBERT ELIAS: HISTORIADOR E CRÍTICO DA MODERNIDADE”

Ademir Gebara* Creio que a melhor síntese sobre o significado da obra de Elias esta em um paper de Eric Dunning: Norbert Elias’s Contribution to the Sociology of Sport. Dunning afirma que gosta de pensar em Elias como um sociólogo equivalente a Copérnico: eles revolucionaram o conhecimento de suas especialidades. Copérnico rejeitou o geocentrismo, Elias rejeitou o Homo clausus, substituindo-o pela pluralidade de pessoas abertas, o que ele chamou de Homines Aberti. Aí se estabelece empírica e teoricamente a concepção eliasiana de que a sociedade formada pelos homens é uma sociedade de indivíduos. A obra de Norbert Elias tem tido crescente e qualificadamente apreciada pelos cientistas sociais brasileiros. Recordo-me bem que, cerca de três anos atrás, quando Eric Dunning nos visitou pela primeira vez, comentávamos sobre a quase ausência da participação de latino-americanos, no debate proposto pelos figuracionistas. Não poucas vezes, pela Internet, recebíamos apelos, especialmente de colegas australianos, no sentido de noticiar aquilo que aqui se fazia em torno da obra de Elias. Por tudo isso, e também por ter participado, ainda criança, da marcha pioneira que abriu o norte do Paraná - afinal morei em Maringá Velho -, sinto-me muito feliz de participar deste debate proposto pela revista Diálogos, do departamento de História da UEM. Também alegre pelo prazer de interagir com o Prof. Aguirre Rojas, apreciando sua inteligência e clareza de argumentação. Aguirre Rojas, com a boa humildade acadêmica de um historiador maduro, inicia o texto circunscrevendo seu ângulo de abordagem, no sentido de ser disciplinar, face ao enfrentamento de um grande clássico da cultura do nosso século; neste caso, dois dos textos "históricos" de Norbert Elias: O Processo Civilizador e A sociedade de corte. O texto flui com rigor, objetividade e, o que torna a leitura agradável, com argúcia e inteligência, apontando questões não apenas relevantes, mas também polêmicas. Depois de 1968 vivemos um claro processo de reorganização das ciências sociais; segundo o autor: de análises parceladas-especializadas, evoluímos para abordagens meta e transdisciplinares. É desta perspectiva que a contribuição da obra de Norbert Elias é discutida, tendo em vista sua “articulação” com o campo específico da História. O argumento de Rojas evolui, formulando três questões balizadoras do diálogo proposto: 1) Quais

* Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UNIMEP.

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são as principais obras históricas de Norbert Elias, e quais as lições que elas trazem para os historiadores de oficio? 2) Que relação esta primeira questão tem com os temas e a problemática colocadas pelas pesquisas de Elias? 3) Como se vincula isto com o perfil intelectual do autor, seu itinerário e com os sucessivos contextos culturais de produção e escrita destas mesmas obras históricas? No desenvolvimento do texto de Rojas, algumas colocações iniciais inspiradas em Roger Chartier, com linguagem objetiva, sintetizam e apontam direções novas na compreensão da dimensão histórica do trabalho de Elias: sua nova maneira de fazer História, a centralidade da visão de longa duração, do comparativismo e da interpretação crítica. A capacidade de Elias estabelecer novas relações e construir evidências empíricas entre acontecimentos “menores” - como o uso da faca e do garfo e a formação do Estado-, deve ser entendida como marca de sua genialidade. Na direção do pensamento de Elias, muito bem captado por Rojas, estamos falando do nascimento e do desenvolvimento da modernidade. Neste sentido, Elias nos permite compreender dois aspectos essenciais deste projeto europeu - ocidental: a construção de uma modernidade ao mesmo tempo burguesa e capitalista. De um lado trata-se da demonstração das mudanças de longa duração nas estruturas de controle das emoções dos seres humanos, seus controles externos e internos. De outro lado temos o processo de construção do Estado, centralizando o monopólio da violência e dos impostos. Elias crítica as visões lineares de História, centradas na visão de “progresso”; para ele o processo de civilização avança, ou recua, de maneira qualitativa e contraditória. As experiências sociais acumuladas podem perder-se, os homens podem retroceder, como ocorreria em uma guerra nuclear. Finalmente, o progresso é contraditório: quanto maior o autocontrole, maiores os conflitos vividos. Em outra dimensão, o controle da violência e a pacificação da vida social, contraditoriamente, abrem caminho para uma nova forma de violência, mais assustadora e em escala ampliada: a violência entre Estados. Rojas finaliza sua argumentação chamando a atenção para a originalidade e perspicácia de Elias, afirmando sempre sua visão crítica em relação à modernidade, indicando algumas dimensões novas para o trabalho do historiador, presentes na obra de Elias. Feita esta rápida súmula do texto de Rojas, gostaria de colocar algumas questões no sentido de refletir sob a inspiração de sua contribuição. Inicialmente proporia enfocar sua primeira questão, sobre as obras históricas de Elias, a partir de um outro ângulo. Creio não ser irrelevante pensar sobre A Sociedade dos Indivíduos, e em especial Os Alemães, indicando a natureza histórica deste trabalhos.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 29-33,1998.

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Pode parecer arbitrário sugerir que A Sociedade dos Indivíduos é um trabalho que deveria compor os textos históricos de Elias. Ocorre que, como sabemos, é um texto que nasceu paralelamente ao O Processo Civilizador, motivado pelo problema da relação indivíduo/sociedade, questão constantemente encontrada quando trabalhava no segundo volume de sua grande tese. A relação indivíduo e sociedade não poderia se caracterizar como relação de oposição, afinal a sociedade é de indivíduos. Concordo com Rojas que, no limite das especialidades acadêmicas, A Sociedade dos Indivíduos não é um trabalho de História - de qualquer maneira, é fundamental para compreender O Processo Civilizador, é mesmo parte dele. Nesta medida ganha dimensão de texto histórico, não se colocando como um texto de corte eminentemente sociológico. De qualquer maneira é uma observação pouco relevante que, de maneira alguma, enfraquece o argumento de Rojas. É apenas uma provocação para um diálogo continuado. Já com referência a Os Alemães, sua ausência no texto de Rojas é uma perda. Em algumas passagens, como por exemplo quando trata do contexto germânico no qual Elias, juntamente com outros notáveis intelectuais contemporâneos produziram seus trabalhos, é inegável o aprofundamento que este livro traria para o argumento de Rojas, que, diga-se de passagem, seria reforçado. Parece-me que esta lacuna se explica, provavelmente por uma ausência de tradução espanhola de Os Alemães. Gostaria aqui de colocar, apenas para um inicio de debate, algumas questões em torno deste livro, e de sua dimensão histórica. Fundamentalmente este livro é uma comparação entre o desenvolvimento da França, da Inglaterra e da Alemanha. De acordo com Elias, existem diferenças entre a formação do Estado na França e na Inglaterra, não obstante em ambos os casos termos tido um processo contínuo de longa duração. Já no caso da Alemanha, este processo foi descontinuo, impedindo a centralização estatal, de tal maneira que ela ocorreria tardiamente, em 1870, e sob inspiração militar prussiana. Esta formação foi bloqueada por obstáculos estruturais, como por exemplo o surgimento de um poderosa e relativamente autônoma classe média. Neste contexto, formas de absolutismo estiveram presentes na Alemanha até 1918, marcando profundamente a consciência, as tradições e o habitus dos alemães. Ou seja, tanto O Processo Civilizador quanto em Os Alemães, Elias estabelece a mesma relação entre a formação do Estado e a mudança dos habitus dos indivíduos. Como vemos, Rojas “pegou” muito bem isto que é reforçado em Os Alemães, o caráter não linear e a crítica à idéia de progresso presentes na grande maioria das interpretações históricas e sociológicas, posição que, definitivamente, Elias negou em Os Alemães. Por outro lado, nesta mesma obra algumas questões novas, fundamentais para a compreensão de O Processo

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Civilizador, são colocadas, como por exemplo a proposição da existência de processos contínuos e descontínuos de longa duração, percepção que diferencia, comparativamente, o desenvolvimento histórico europeu. Continuidade e descontinuidade que se explicam em relação a um fenômeno definido: os processos de civilização e de formação dos Estados, e não em forma de transição do quantitativo para o qualitativo. Uma segunda questão relevante é a percepção de uma história européia, em oposição às construções franco, anglo ou germanocêntricas. Em que medida nossas referências - e estamos falando de autores com Adorno, Arendt, Thompson, Hobsbawn, Le Goff , Braudel , estamos falando do melhor da historiografia, do melhor das ciências sociais do nosso século -, formularam seu pensamento no interior de sua identidade nacional? Creio que Elias, também neste caso, abre uma questão nova. Uma História européia centrada na Europa, e possivelmente não eurocêntrica. Eis aí um tema fundamental no desenvolvimento dos estudos configuracionais: como pensar processos civilizadores fora do contexto europeu?

Devo, por dever de ofício, me desculpar com os colegas que participam do debate em torno do excelente texto de Rojas. Nesta altura meus argumentos estão fluindo em torno de questões que, explicitamente, o texto gerador do debate não formulou. Se isso é verdade, também é verdade que Rojas apontou muito bem para a questão da modernidade. Creio ser esta uma contribuição relevante, um novo ângulo desta questão; estamos falando da construção de uma identidade nós crescentemente abrangente e, contraditoriamente, excludente. De qualquer maneira, estamos discutindo entre latino-americanos, e é inevitável a colocação dessa questão tão imbricada em nossa tradição. Finalizando esta minha “fala”, neste, espero, início de debate/diálogo, gostaria de apontar duas outras questões. A primeira, de natureza bibliográfica, é a do recém lançado livro, The Norbert Elias Reader (1998). Trata-se de referência indispensável para a leitura de Norbert Elias. É um trabalho que toma os textos de Elias, em suas diferentes fases vividas, seleciona os excertos, comenta o sentido das obras em destaque e, de fato, organiza a leitura da obra de Elias. Sei que o intento de Rojas não foi esse, não obstante, creio estar contribuindo para divulgar um excelente livro de orientação de leitura, indispensável, inclusive para melhor acompanhar o texto de Rojas, e bastante esclarecedor das inúmeras circunstâncias que envolveram o desenvolvimento do pensamento e da obra de Norbert Elias. É interessante observar que este livro sugere outra organização da leitura dos textos de Elias. Os textos são apresentados a partir de uma periodização construída pelo desenvolvimento do pensamento de Elias, visto segundo alguns de seus mais próximos

Diálogos, DHI/UEM, 02: 29-33,1998.

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colaboradores. É uma “entrada” para O Processo Civilizador diferente da proposta por Rojas, ambas mutuamente enriquecedoras. Uma outra questão, e por fim, aquilo que me parece a contribuição de maior atualidade de Elias, contribuição identificada por Rojas, mas pouco explorada (provavelmente para o meu desejo). A História fragmentada, os casos, as migalhas, as múltiplas formas monográficas impostas pelo academicismo profissionalizante deste século XX, encontram nas propostas de Elias uma rota extremamente profícua. Ao buscar os elos entre as figurações e os habitus, elos que só a longa duração e o envolvimento permitem visualizar, o conhecimento multidisciplinar emerge e incomoda. Bibliografia GOUDSBLOMM, Johan; MENNELL, Stephen .The Norbert Elias Reader.

Oxford: Blackwell, 1998.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 29-33,1998.