Adiponectina 2013
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Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Adiponectina – uma hormona de futuro
Mariana Sofia Silva Afonso
Abstract
Progressos recentes no âmbito da biologia dos adipócitos mostraram que estes não têm
como única função o armazenamento de energia; antes secretam uma variedade de citocinas,
factores de crescimento e outras substâncias bioactivas, reguladoras da ingestão de alimentos,
gasto de energia e uma série de processos metabólicos. O tecido adiposo assumiu então o seu
lugar lado a lado com outros órgãos endócrinos. Uma das citocinas por ele secretada é a
adiponectina, que, entre outras acções, suprime a expressão de proteínas adesivas da matriz
extracelular das células endoteliais e de citocinas potenciadoras da aterosclerose. Este artigo
propõe-se a explicar os mecanismos gerais pelos quais esta hormona exerce as suas acções ao
nível vascular, realçando o seu possível papel terapêutico.
Introdução
As doenças ateroscleróticas são a principal causa de mortalidade nos países desenvolvidos e
em parte dos países em desenvolvimento.1 Facto que justificou numerosos estudos
epidemiológicos para clarificar a patogénese destas doenças, tendo sido a hiperlipidemia
encontrada como o seu maior factor de risco. No entanto, considerando os sujeitos que sofrem de
doença aterosclerótica, esse factor não explica totalmente a sua tão acentuada prevalência.2 Há
um crescente interesse num síndrome de factores de risco múltiplos, em que cada sujeito sofre de
diabetes mellitus tipo II, hiperlipidemia, hipertrigliceridemia e hipertensão – síndrome X ou
síndrome metabólico2. Esta condição, em que a resistência à insulina é particularmente
importante para o seu aparecimento, é especialmente aterogénica e aumenta dramaticamente o
risco cardiovascular. 3,4
A disfunção endotelial caracteriza-se por anormalidades severas, incluindo uma deficiência
na produção de óxido nítrico em resposta aos sinais normais de secreção, sendo encontrada
frequentemente em estados de resistência à insulina5. A falta de produção de NO contribui para a
hipertensão e alterações concomitantes, como aumento de expressão de moléculas de adesão na
superfície das células e outras alterações inflamatórias que levam ao desenvolvimento de
aterosclerose.6 Várias substâncias influenciam negativamente a função endotelial, como os ácidos
gordos livres, citocinas, como o TNF-α, e moléculas pró-oxidantes, como o LDL oxidado. Estes
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mediadores estão ligados à produção endotelial de espécies de oxigénio reactivas (ROS) – ião
superóxido e peróxido de hidrogénio – componentes centrais da inflamação que contribui para a
aterosclerose no síndrome metabólico e na diabetes. 7 a 11
A curiosidade acerca da adiponectina despertou quando começaram a ser publicadas
informações algo surpreendentes – é a única adipocitocina cujo valor sérico diminui em estados
de obesidade, o que parece paradoxal, já que é secretada pelo tecido adiposo. 12 Os seus níveis são
também baixos em pacientes diabéticos, e ainda mais baixos em pacientes com doença coronária 13. Além disso, correlaciona-se com vários parâmetros de grande interesse para o síndrome
metabólico. Uma correlação negativa nos casos dos níveis de trilicéridos, índice aterogénico e
apolipoproteínas B e E, mas positiva para o colesterol HDL sérico e a apolipoproteína A-1 em
pacientes do sexo feminino, não diabéticas.14 O abaixamento dos níveis de adiponectina regista-se
também com o aumento do IMC, idade e pressão sanguínea diastólica, dados que sugerem no seu
conjunto que o abaixamento dos níveis séricos de adiponectina pode acelerar as alterações
ateroscleróticas associadas ao síndrome metabólico.15 Para além disso, demonstrou-se já um locus
de maior susceptibilidade para a diabetes melittus tipo II, síndrome metabólico e doença
coronária no cromossoma 3q27, local onde se encontra o gene da adiponectina.16 a 19
Caracterização do tecido adiposo
O tecido adiposo há muito deixou de ser
considerado somente um reservatório de energia do
organismo. É biologicamente activo, sintetizando
diversas substâncias, sendo um órgão endócrino com
um papel essencial na integração de sinais
endócrinos, metabólicos e inflamatórios para o
controlo da homeostase energética.15 Os seus
produtos de secreção, sendo péptidos que partilham
propriedades com as citocinas20 foram apelidados
colectivamente de adipocitocinas, e incluem
angiotensinogénio, inibidor do activador do plasminogénio tipo 1 (PAI-1), ASP, TNF-α,
interleucina 6 (IL-6), resistina, leptina, adipsina e adiponectina.21 Estes factores regulam uma
variedade de processos biológicos e fisiológicos, como a ingestão de comida, regulação do
balanço energético, acção da insulina, metabolismos lipídico e glicídico, angiogénese,
remodelação vascular, regulassão da pressão arterial e coagulação.21
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O tecido adiposo encontra-se em todo o organismo em acumulações individuais que não
comunicam fisicamente. Constitui-se de diferentes tipos de células, como adipócitos maduros,
pré-adipócitos, fibroblastos e macrófagos, sendo que todos, em maior ou menor grau, têm
capacidades secretoras. É heterogéneo nas suas capacidades metabólicas, dependendo se é
visceral ou subcutâneo. Da mesma forma, certos locais podem contribuir mais activamente que
outros para a produção de adipocitocinas específicas.22,23 A sua massa aumenta grandemente na
obesidade ou, pelo contrário, diminui acentuadamente nos síndromes lipoatróficos. A quantidade
de triglicéridos armazenados em cada adipócito é determinante para essa massa.21
Caracterização da adiponectina
A adiponectina foi originalmente identificada como uma proteína expressa e produzida
por adipócitos 3T3-L1 de rato.24 Foi descoberto o seu homólogo humano em 1996, recebendo a
denominação de APM1 (adipose most abundant gene transcript 1).25 Tendo tido outros nomes,
como Acrp 30 (30-kDa adipocyte complement-related protein),24 Adipo Q,26 GBP28 (gelatin
binding protein of 28kDa)27 e ainda Apn Q,25 a sua designação mais vulgar é adiponectina (Apn),
e será esta a usada ao longo do presente artigo.
A adiponectina é produzida exclusivamente
por adipócitos do tecido adiposo branco e, de acordo
com alguns trabalhos, também no castanho.28 Está
codificada pelo gene presente no cromossoma
3q27,29 tendo 244 amino-ácidos, dispersos por 4
diferentes domínios – um peptídeo sinalizador no
terminal N, uma região variável (sem homologia
entre diferentes espécies),30 uma região colagénia
(homóloga aos colagénios VIII e X)25 e um domínio
globular no terminal C. Este último partilha
homologia sequencial com o factor complemento C1q - sendo a adiponectina incluída na família
de proteínas de domínio globular C1q – bem como homologia estrutural com a família de
citocinas TNFα, como comprovado por cristalografia de raio-X, sugerindo uma ligação
evolucionária entre os membros da família TNFα e a Apn.31
Depois de sintetizada, a Apn sofre glicosilações e hidroxilações pós-traducionais, dando
origem a 8 diferentes isoformas.32 Seis delas são glicosiladas, nomeadamente no domínio
colagénio.32 A Apn glicosilada revelou-se funcionalmente mais potente que o seu equivalente
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bacteriano não glicosilado, sugerindo que estas alterações pós-tradução podem ser necessárias
para uma actividade biológica óptima.15,20
A unidade básica da Apn é formada por 3 moléculas ligadas pelos domínios globulares.
Estes trímeros ligam-se então pelos domínios colagéneos em pares (Apn de baixo peso
molecular) ou em oligómeros de quatro ou seis trímeros (Apn de alto peso molecular).12,20,21,24,31
Pensa-se que as interacções que envolvem tanto ligações entre os domínios colagénios
como entre domínios globulares sejam importantes para assegurar a estabilidade e actividade das
formas multiméricas.15 A Apn circula abundantemente no plasma (5 a 30 μg/mL), representando
cerca de 0,01% das proteínas plasmáticas,24 tanto como Apn de alto peso molecular (fAd) como
em fragmentos do domínio globular (gAd).33
A expressão de Apn pelo tecido adiposo branco é diminuída por obesidade,
glicocorticóides, agonitas βadrenégicos e TNFα, e aumentada pela exposição ao frio, excisão das
glândulas supra-renais e IGF-1.34
Receptores de membrana da adiponectina
Existem dois tipos de receptores para a Apn. Os AdipoR1, com alta afinidade para a gAd
e baixa para a fAd, e os AdipoR2, com afinidade intermédia para ambas as formas de
adiponectina.35 Os primeiros são abundantes no músculo esquelético, embora também presentes
de forma moderada noutros tecidos, enquanto os segundos são expressos predominantemente no
fígado. Esta informação é corroborada com observações que documentam que a fAd tem um
maior efeito na sinalização metabólica hepática, enquanto que ambas as formas, gAd e fAd
surtem efeito no músculo esquelético.35 a 37 Ambos os tipos de receptores de membrana contêm
sete domínios transmembranares, sendo porém estrutural e funcionalmente diferentes dos
receptores acoplados a proteínas G.35
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Fig. 3 - A Apn nas suas configurações monomérica, dimérica e oligomérica
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Adiponectina e função vascular
As alterações ateroscleróticas consistem basicamente em três fenómenos celulares:
adesão dos monócitos às células endoteliais pela expressão de moléculas de adesão, uptake de
LDL oxidado pelos macrófagos através de scavenger receptors e proliferação e migração de
células musculares lisas pela acção de factores de crescimentos segregados quer pelas plaquetas
sanguíneas quer pelo próprio endotélio.2
Demonstrou-se uma associação entre os níveis de Apn circulante e a função endotelial, 6
pensando-se que nela reside uma importante comunicação entre os tecidos adiposo e vascular, 15
sendo que ela tem um potencial inibitório dos referidos fenómenos celulares.2
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Fig. 4 e 5 – Esquema representativo do desenvolvimento de aterosclerose e visão histológica de uma artéria afectada
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Os vários efeitos da adiponectina na possível protecção da ateriosclerose serão descritos
sucintamente em seguida.
Efeitos anti-inflamatórios da Apn
Provou-se já a acção inibidora da Apn sobre a produção e acção do TNFα. 38,39 Fá-lo
inibindo a expressão induzida pelo TNFα de várias moléculas adesivas à superfície do endotélio,
como VCAM-1, E-selectina e intercellular adhesion molecule-1.39 Ainda relacionado com o seu
papel antagonista do TNFα, modula a sinalização do factor nuclear kB (NFkB), um factor de
transcrição, induzido pelo TNFα, envolvido na resposta inflamatória, também relacionado com a
adesão dos monócitos às células endoteliais.40
Em estudos experimentais, ratos knockout para o gene da Apn mostraram intensas
alterações vasculares, como espessamentos da íntima e proliferação de músculo liso em artérias
danificadas,41 sendo que o tratamento deste ratos com fAd reverteu parte deste processo – a
adiponectina poderá desempenhar um papel na prevenção contra remodelações vasculares após
lesão endotelial.42 Num outro estudo, ratos com deficiência em Apo-E aos quais foi administrada
fAd demonstraram uma deterioração arterial 30% menos acentuada que os ratos controlo, assim
como suprimiu a expressão de moléculas de adesão VCAM-1 e de scavenger receptors de classe
A nos macrófagos.43 O facto destes receptores não serem expressos implica um acentuado
decréscimo no uptake de LDL oxidado, e como tal uma inibição da transformação dos
macrófagos em células esponjosas.44
Mais efeitos anti-inflamatórios incluem a supressão de formação de colónias leucocíticas,
redução de actividade fagocítica e da secreção do TNFα pelos macrófagos.44,45
E como é então despoletada a acção da adiponectina? Estudos imuno-histoquímicos
usando anti-corpos anti-Apn mostraram que em paredes vasculares normais não existe Apn.
Porém, quando essas mesmas paredes estão por algum motivo lesionadas, existe em grande
quantidade.46 Será a sua capacidade para se ligar aos colagénios sub-endoteliais V, VIII e X que
leva à sua migração para o espaço sub-endotelial.2 Os danos provocados no sistema arterial
podem ter várias origens, seja pelo LDL oxidado, estímulos inflamatórios ou substâncias
químicas.
A adiponectina será então fundamental na ligação entre a inflamação vascular e a
aterosclerose.44
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Efeitos da Apn no NO
Sendo uma das principais funções das células endoteliais a produção de NO, pensou-se
que os efeitos da Apn estariam relacionados com um aumento de síntese da enzima síntase do
óxido nítrico endotelial (eNOS).6 De facto, concentrações fisiológicas de fAd aplicadas numa
cultura de células endoteliais da aorta mostrou um aumento na produção de NO.47,48 Supõe-se que
esta estimulação da produção de NO esteja relacionada com a fosforilação da eNOS pela AMP
cínase, enzima activada pela Apn.48
Num estudo semelhante acerca dos efeitos do LDL oxidado (oxLDL) em células
endoteliais, a gAd também aumentou a produção de NO, já que suaviza a supressão da actividade
enzímica da eNOS pelo oxLDL.49
Mecanismos de tradução de sinal da adiponectina
Estudos em células de diferentes tecidos (hepático, músculo esquelético e adiposo)
mostram uma clara associação entre a activação da enzima cínase de proteínas activada pelo
AMP (AMP cínase) e os efeitos da adiponectina.36,37,50 Esta enzima é activada normalmente
quando há acumulação de AMP, em situações de stress celular, activando vias catabólicas que
gerem ATP.51,52
A AMP cínase parece também mediar a sinalização da Apn nas células endoteliais. 48,52
Também aqui a sua activação aumenta a oxidação de ácidos gordos e a síntese de ATP. 53,54 Uma
vez que a AMP cínase activa a eNOS nestas células,55 é uma potencial ligação entre a génese de
NO e a Apn.6
A acção inibitória da adiponectina na sinalização do TNFα nas células endoteliais é
acompanhada de acumulação de cAMP e bloqueada ou pela enzima adenil-cíclase ou pela
proteína cínase A. Estas observações sugerem que a Apn pode modular a sinalização inflamatória
nas células endoteliais pela dupla intervenção entre as vias da proteína cínase A e do factor
nuclear kB.40
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Os efeitos desta adipocitocina estão sumariados na seguinte tabela:
Efeitos celulares da Apn no tecido vascular6
Potenciação da vasodilatação, tanto dependente como independente do endotélio
Supressão da aterosclerose
Supressão da expressão de scavenger receptors das moléculas de adesão vascular
Níveis reduzidos de TNFα e supressão dos seus efeitos inflamatórios no endotélio
Atenuação dos efeitos dos factores de crescimento nas células musculares lisas
Inibição dos efeitos do LDL oxidado no endotélio, incluindo supressão de proliferação, geração
de superóxido e activação da MAPK
Produção aumentada de NO
Estimulação da angiogénese
Redução de espessamentos da íntima e proliferação de músculo liso em artérias danificadas
Inibição da proliferação e migração de células endoteliais
Conclusão
A adiponectina é uma adipocitocina especificamente secretada pelos adipócitos que
circula em níveis relativamente elevados na corrente sanguínea. Exibe potentes efeitos anti-
inflamatórios e ateroprotectores no tecido vascular, além da sua acção sensibilizadora para a
insulina nos tecidos envolvidos nos metabolismos glicídico e lipídico. Assim sendo, a
hipoadiponectinemia, juntamente com o aumento dos níveis de TNFα ou PAI-1 induzidos pela
acumulação de obesidade visceral, pode ser um factor importante para o desenvolvimento de
alterações vasculares e distúrbios metabólicos.
Os variados aspectos descritos acerca dos efeitos da adiponectina parecem promissores,
nomeadamente no tratamento da obesidade, hiperlipidemia, resistência à insulina, diabetes tipo II
e inflamação vascular. Aparentemente, muitos dos factores envolvidos na criação do síndrome
metabólico são afectados pela acção da adiponectina, e nela recaem agora algumas esperanças. Se
se revelar tão eficaz como à partida aparenta, poderá ajudar a combater uma das maiores causas
de morte no mundo como o conhecemos hoje. Para que tal possa acontecer, são ainda necessários
estudos acerca dos variados mecanismos sub-celulares em que intervêm, para que, sendo melhor
compreendida a sua acção, melhor possa ser manipulada terapeuticamente. Entre esses
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mecanismos, podem ser dados como exemplo os de síntese e secreção da Apn, bem como os
sinais que reduzem a sua expressão nos adipócitos de adiposidade crescente, não esquecendo o
papel e regulação da sua oligomerização, e aqueles implicados nas suas múltiplas funções.
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Adiponectina – uma hormona de futuro
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
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