Administracao Judiciaria Gestão Cartorária

151
Marcos Alaor Diniz Grangeia ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA Gestão Cartorária 1ª edição Brasília ENFAM 2011

description

Busca-se estabelecer standards de administração e gestão de cartórios judiciais orientados à efetividade

Transcript of Administracao Judiciaria Gestão Cartorária

  • Marcos Alaor Diniz Grangeia

    ADMINISTRAO JUDICIRIAGesto Cartorria

    1 edio

    Braslia

    ENFAM

    2011

  • ESCOLA NACIONAL DE FORMAO E

    APERFEIOAMENTO DE MAGISTRADOS

    SecretrioFrancisco Paulo Soares Lopes

    Coordenadoria de PesquisaRita Helena dos Anjos

    DiagramaoCentro de Ensino Tecnolgico de Braslia - Ceteb

    RevisoCentro de Ensino Tecnolgico de Braslia - CetebLetcia Lina Lima

    CapaTas Villela

    ImpressoDiviso de Servios Grfi cos da Secretaria de Administrao do Conselho da Justia Federal

    G759a Grangeia, Marcos Alaor Diniz. Administrao judiciria : gesto cartorria / Marcos Alaor Diniz Grangeia. -- Braslia : ENFAM, 2011. 156p.

    ISBN 978-85-64668-00-3

    1. Cartrio, administrao. 2. Administrao judiciria, Brasil. II. Ttulo.

    CDU 347.961

  • SUMRIO

    Apresentao...................................................................................... 51. Introduo..................................................................................... 112. O Impacto das Organizaes Sobre o Indivduo e a Sociedade......... 313. O Processo de Estruturao e Modelagem das Organizaes........... 37

    3.1 A Abordagem de Jay Galbraith Organization Design............... 383.2 A Abordagem de Djalma de Oliveira - Componentes,Condicionantes e Nveis de Infl uncia e Abrangncia...................... 413.3 A Abordagem de Karl Weick Organization Redesign asImprovisation................................................................................. 433.4 A Abordagem de Bianor Cavalcanti O Gerente Equalizador..... 443.5 Aplicabilidade dos Modelos de Modelagem Organizacional nombito das Atividades Cartorrias................................................. 47

    4. Planejamento Estratgico para Cartrios........................................ 514.1 Elementos Descritivos.............................................................. 524.2 Instrumentalizao do Plano Estratgico.................................. 654.3 Desenvolvimento do Plano Estratgico - Elementos Prescritivos.................................................................................... 69

    5. Objetivos Geral, Especfi cos e Funo de um Manual de Implementao de Planejamento Estratgico............................................................... 956. Concluso..................................................................................... 97Referncias....................................................................................... 103Anexo............................................................................................... 107

  • 4

  • 5APRESENTAO

    Planejar o cartrio, planejar a justia...

    Existem vrias maneiras de ler este Planejamento Estratgico para Cartrio, de Marcos Alaor. A primeira e mais evidente como um livro do fazer. Isto , um livro voltado para a ao. Para uma ao alis mais do que til, porque necessria: voltada para a conquista da efi cincia da administrao judicial em geral e dos cartrios em especial.

    No livro dogmtico. livro pragmtico. No livro de refl exo. Alis, falsa a hierarquia dicotmica que valoriza a refl exo mais do que a ao. Aquela, no melhor do que esta. A construo e o funcionamento das instituies jurdicas de uma nao precisa de ambas. Refl exo sem ao corre o risco de se contaminar como ideologia to somente. Como som sem voz. Como diagnstico sem tratamento. Como descrio sem prescrio. E como prescrio sem interveno. Verba volant.

    Este livro, diria Cames, de experincia feita. E acrescento, de experincia feita, para experincias a fazer. Da experincia quotidiana, otimista, investigativa, curiosa, de pacincia sistemtica e sistematizada, imaginativa, brasileira e de amplitude amaznica de um profi ssional da justia, um magistrado. Para as experincias ainda por ser, mas h muito necessrias, de milhares de outros profi ssionais da justia, magistrados e serventurios. um livro do fazer, que convida e apoia o fazer.

    Em determinado momento Marcos Alaor diz, e ao dizer descreve, que as singularidades que permeiam cada organizao resultam de complexo processo dialtico de construo, desconstruo e reconstruo de sistema e valores. E isto o que ele prope.

    Em outro momento, afi rma que o magistrado e seus colegas no cartrio ao fazerem o plano estratgico devem se dar conta que o plano no vem pronto. O importante o manejo aberto das ferramentas para que cada equipe oferea

  • 6contribuies de forma participativa.

    Somem-se esses dois momentos e teremos entendido o ponto de partida deste livro do fazer. O importante para o cartrio efi ciente um conhecimento que precisa ser construdo de mos dadas com a realidade local, na continuada trajetria do fazer, no desconstruir e reconstruir. Planejar estrategicamente um processo. um saber-fazer que se alimenta de seus prprios acertos e erros.

    E eis a, por sinal, outra falsa dicotomia, a de que o fazer apenas o acertar e o construir. Ao contrrio, errar tambm, desconstruir para reconstruir, desde que a estratgia seja persistentemente perseguida e autocorrigvel. Alis, J.K. Howling proferiu discurso em um Commencement Day em Harvard sobre Os benefcios perifricos do fracasso e a importncia da imaginao. Foi o fracasso, diz ela, que a forou a imaginar. Foi a busca da imaginao quem fez Harry Poter. O resto quase todos os jovens do mundo conhecem. O fracasso foi indispensvel para um importante sucesso.

    Talleyrand dizia que sem partir no se chega. Mangabeira Unger costuma dizer que mais importante do que a velocidade das decises, dos acertos e dos caminhos a direo. Este livro estimula o partir na direo correta para um Judicirio que faz. O brasileiro no quer que o Judicirio faa menos. Ao contrrio, quer que faa mais. Produza mais sentenas defi nitivas em tempo menor.

    Esta a primeira maneira de se ler o livro. Como livro do fazer. Porm, h uma segunda maneira: como livro do exemplifi car. O que isso signifi ca?

    Na leitura de um livro de qualquer autor sobre qualquer tema, da cincia a literatura, impossvel separar o autor da obra. O sujeito do objeto. Ao lermos o livro procurando o autor, no somente o deciframos como ali ele se revela. E ento podemos muito aprender. Ler o livro, alm do livro. Decifrar exemplos nele contidos. Pois o autor mesmo sem querer ou, como diria Alosio Magalhes, sem querer, querendo, se transmite aos leitores. O autor tambm, de certa forma, mensagem. livro de se ler. Esse modo de leitura permite que o leitor apanhe com as mos os mltiplos signifi cados que decorrem da relao entre os dois, o autor e sua obra. E transforme estes signifi cados em exemplos a seguir e que

  • 7deles faam bom uso. Destarte, livro do fazer e livro do exemplifi car. Os exemplos recolhidos funcionam como conselhos, que vo alm do livro. Que conselhos so estes que podemos retirar das relaes entre o desembargador Marcos Alaor e seu livro sobre planejamento estratgico de cartrios?

    Nasceu e se formou no Sudeste do Brasil, mas no hesitou em tudo largar e ir fazer concurso, carreira e vida no Norte, na Amaznia. No Tribunal de Justia do Estado de Rondnia, tribunal a ser modelado, construdo.

    Escolher no apenas o seu cho profi ssional, mas seu cho existencial deciso grave e fundamental de cada um. Se aceitarmos a classifi cao de Richard Rorty, importante fi lsofo pragmtico norte-americano, de que as pessoas no correr da vida, em relao a seu pas, ao seu momento podem ser ou observadores ou agentes, a concluso fcil. Marcos Alaor optou por ser agente da incessante busca da justia no Brasil atravs do Poder Judicirio.

    Optou no somente por fazer justia, mas por planejar, executar, e fazer o Judicirio. Agente gil que se move, que percorre o pas inteiro, desembaraado, hbil e desenvolto diria, sinonimamente, o Aurlio.

    Este livro produto de um autor que se v como dono e fazedor de seu destino e no como observador, por melhor que o seja, que deixa a vida lhe levar. Nesse ponto vale uma observao.

    A estrutura constitucional brasileira e da maioria das democracias da cultura ocidental exige que o Poder Judicirio seja instituio que reage e no que age. Sem provocao processual no h atuao judicial. o princpio da inrcia do Judicirio. Tal inrcia necessria para preservar a liberdade dos cidados. Pois disso que se trata. Por isto se justifi ca. A separao dos poderes, cada um com seus limites, a prudncia de no se colocar nas mesmas mos o poder de decidir o que julgar, quando julgar e substantivamente julgar.

    Durante dcadas esse necessrio limite do julgar contaminou uma grande parte do Judicirio e a inrcia democrtica se transbordou inadequadamente como imobilismo administrativo. Transbordou como um passivismo gerencial

  • 8a espera que os outros poderes lhe fi zessem a reforma que o pas reclamava, lhe arrumassem sua prpria casa e lhe determinassem suas efi cincias. Um passivismo, que diante da lentido da justia, o prprio Poder Judicirio alguma vez lavou as mos. Menos como um lavar intencional e mais como um lavar inoculado pela cultura do princpio da inao judicial.

    A inrcia judicial no deve neutralizar o ativismo gerencial que se necessita de magistrados e serventurios para melhor cumprirem seu destino na democracia. No h que confundir. A pr-ao urgncia poltico-social. Quem quer que analise os incrveis avanos de modernizao administrativa do Judicirio, nesses ltimos anos, sobretudo a partir do Conselho Nacional de Justia, constata que a cultura do passivismo gerencial descendente. Especialmente entre os prprios magistrados. Agora, chega a hora dos serventurios tomarem a reforma nas mos e invenes. E serem partcipes pr-ativos deste futuro. Esta uma das principais mensagens deste livro.

    Livro que no foi feito de fora para dentro do Judicirio. No veio das academias e das consultorias para o Judicirio. livro feito de dentro para dentro. E s foi possvel porque, alm ir para Rondnia, Alaor tem dedicado muito de sua profi sso a resolver os impasses da inefi cincia e da lentido judicial seja no Rio Grande Norte, em Braslia, no Rio de Janeiro. Este ativismo gerencial de mbito nacional, eis a outro exemplo, conselho a seus colegas magistrados.

    Foi ele um dos que viajou ao Rio com propostas para convencer ento desconhecidos, hoje fraternos admiradores da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundao Getulio Vargas, a se especializar na reforma democrtica da justia. Foi ele quem ali fez, como aluno, mestrado no que j dantes era mestre. Envolve-se agora com a Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados. Pratica o ensino na Universidade Federal de Rondnia. Tudo isso so os indicadores de seu fazer, de sua maneira de ser agente, de sua impacincia com problemas h muito descritos, como o da inefi cincia dos cartrios na prestao do fundamental servio pblico para o pblico.

    Pode ser coincidncia, mas no . Quando Alaor e seus colegas de Rondnia comearam, ele ainda simples juiz, a construir um Poder Judicirio

  • 9justo e gil, o Tribunal de Justia de Rondnia era apenas mais um tribunal estadual. Hoje no mais. Basta ver na ltima edio de Justia em Nmeros do Conselho Nacional de Justia que o Tribunal est hoje entre os trs melhores e mais efi cientes do Brasil e com a menor taxa de recorribilidade interna de 2 grau (9,6%). O segundo com a menor taxa de recorribilidade externa nos Juizados Especiais (1,8%).

    Toda estratgia requer um lder, diz, enfi m, Alaor. So mltiplas as defi nies de lder e de liderana. Em geral vincula-se a liderana a qualidades como a intuio do futuro, o equilbrio das aes, a arte de combinar insurgncias com ressurgncias, diria Gilberto Freyre, ou a maior sabedoria em relao aos companheiros liderados. Em diferentes graus e em diversas combinaes, todas essas so qualidades necessrias a um lder, sem dvidas.

    Talvez o motor que estimula essas mltiplas qualidades seja a disposio de correr riscos, de se ter a coragem do futuro. Clausewitz diz que ser lder ter a coragem de assumir responsabilidades na guerra. Este livro estimula, ajuda, apoia e orienta a coragem por um Poder Judicirio mais gil, porque estrategicamente melhor planejado.

    Professor Joaquim Falco

  • 10

  • 11

    PLANEJAMENTO ESTRATGICO PARA CARTRIO

    Marcos Alaor Diniz Grangeia

    Desembargador do Tribunal de Justia do Estado de Rondnia.

    Conselheiro da Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados - ENFAM.

    Professor Adjunto da Universidade Federal de Rondnia UNIR.

    Mestre em Poder Judicirio, pela FGV.

    Especialista em Direito Civil e Processo Civil, pela PUC/SP e em Poder Judicirio, pela FGV.

    1. INTRODUO

    A morosidade do sistema que rege os atos de jurisdio reconhecida por todos, de maneira que, sobre ela, no pesa a menor dvida de que constitui um problema para o acesso s decises judiciais. A contextualizao que aqui se faz em razo da lentido da justia serve apenas para situ-la, bem como para atestar suas consequncias e verifi car as alternativas de soluo da crise de gesto que afeta o Poder Judicirio Brasileiro.

    No cenrio da gesto pblica, muito tem sido feito no sentido de acompanhar as mudanas do papel do Estado e dos objetivos dos governos. Nesse sentido, a discusso sobre o papel do Estado e dos respectivos ferramentais adotados para a sua organizao e modelagem esteve presente em todas as reformas ocorridas at o momento atual. Da gesto patrimonialista da coisa pblica pautada no poder centralizado e na prestao de servios de acordo com interesses econmicos gesto burocrtica baseada na forma e na norma, o governo sempre buscou estabelecer seus principais objetivos e metas para garantir a execuo de suas funes de uma forma planejada.

  • 12

    Essa perspectiva continua com o paradigma gerencial, porm com a adoo de estratgias de resultados na prestao de servios.

    Diante desse novo quadro, as reformas administrativas surgem como respostas s disfunes tpicas das organizaes burocrticas do setor pblico, como: centralizao, rigidez de procedimentos e padronizaes, apego s regras e reduzida orientao por resultados.1 Porm, Rezende2 adverte que a introduo de novos modelos, administrativos e gerenciais, traz como principal problema para os formuladores e implementadores de polticas pblicas nessas organizaes o modo de como combinar burocracia e democracia. Dessa forma, a maior questo saber como coadunar estruturas burocrticas em ambientes democrticos.

    As transformaes do Estado de maneira geral pressupem a sua necessria desburocratizao, a partir da adoo de gerncia estratgica, cooperativa, democrtica, participativa e solidria.3 Por sua vez, Castells4 defende a necessidade de se pensar a estrutura do Estado como uma rede, com funcionamento fl exvel e uma poltica varivel, capaz de processar informaes e assegurar o processo de decises compartilhadas. Para a construo desse Estado-rede, seria necessria a combinao dos seguintes princpios: subsidiariedade, fl exibilidade, coordenao, participao cidad, transparncia administrativa, modernizao tecnolgica e profi ssionalizao.5

    Ante a realidade atual, as instituies pblicas tm buscado adequar sua estrutura organizacional e seus processos internos, no sentido de lograr melhores resultados, tendo em conta o cumprimento de sua misso constitucional. Nesse

    1 SANTOS, Clezio Saldanha dos. Introduo gesto pblica. So Paulo: Saraiva, 2006.

    2 REZENDE, Flvio C. A nova gesto pblica, performance e reinveno das instituies: um desafi o para a reforma do Estado. Revista do Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado, Braslia, n. 4, p. 27-28, nov. 1998.

    3 NOGUEIRA, Marco A. As possibilidades da poltica: Ideias para a reforma democrtica do estado. So Paulo: Paz e Terra, 1998.

    4 CASTELLS, Manoel. A sociedade em rede. 7. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2003.

    5 Para a defi nio desses princpios, ver: CASTELLS, Manoel. O Estado-rede e a reforma da administrao pblica. Revista do Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado, Braslia, n.5, p. 27-28, jul. 1998.

  • 13

    sentido, modelos amplamente aplicados no setor privado so adaptados, com sucesso, para a realidade das organizaes pblicas. A administrao pblica, dessa forma, tem envidado esforos no sentido de modelar sua estrutura e seus processos para uma realidade mais dinmica, em que respostas rpidas s novas tendncias e antecipao s reivindicaes dos cidados geram confi abilidade e so sinnimos de efi cincia e efi ccia da coisa pblica. O Poder Judicirio tem estado atento a esse contexto e vem estabelecendo esforos para suas difi culdades internas e externas, fazendo-se presente nesse cenrio como um ator ativo do processo de mudanas sociais.

    O princpio de que todos so iguais perante a lei o que melhor caracteriza o Estado democrtico moderno. Assim, o livre acesso justia pressupe a perenidade da democracia na sociedade. No entanto, evidente o fato de que nem sempre os cidados recebem igual tratamento nas instncias judiciais, ainda que o pleno acesso justia se constitua o principal objetivo de um Estado de Direito democrtico.

    No Brasil, o tema do acesso justia tornou-se mais amplo desde a Constituio de 1988, saindo do restrito debate com vis poltico-jurista e alcanando a sociedade como um todo. A constatao da insufi cincia da atuao estatal em dar cumprimento a esse direito fundamental do cidado deixou mais evidente a necessidade de aes convergentes para suprir a sociedade de acesso justia com celeridade. Nesse contexto, as readequaes estruturais do Poder Judicirio surgem como opo plausvel para tornar realidade esse acesso, de forma inclusiva, democrtica e abrangente.

    No entanto, a conjuntura atual deixa explcito que o Poder Judicirio vive uma crise, e o tema, de forma recorrente, ganhou, nesses ltimos anos, um espao permanente na agenda dos tribunais, superiores, federais e estaduais, do Conselho Nacional da Justia, dos magistrados, dos membros do Ministrio Pblico, da mdia e da sociedade como um todo, que exige uma atuao transparente do Poder Judicirio, focada nos resultados.

    A extenso do problema e os contornos do modelo do Judicirio desejado pela sociedade brasileira foram reconhecidos pelo ministro Nelson Jobim, em

  • 14

    seu discurso de posse na presidncia do Supremo Tribunal Federal6, em que acentuou:

    A questo judiciria passou a ser tema urgente da nao. O tema foi arrancado do restrito crculo dos magistrados, promotores e advogados. No mais se trata de discutir e resolver o confl ito entre esses atores. No mais se trata do espao de cada um nesse poder da repblica. O tema chegou rua. A cidadania quer resultados.Quer um sistema judicirio sem donos e feitores. Quer um sistema que sirva nao e no a seus membros. A nao quer e precisa de um sistema judicirio que responda a trs exigncias:- acessibilidade a todos;- previsibilidade de suas decises;- e decises em tempo social e economicamente tolervel.Essa a necessidade. Temos que atender a essas exigncias. O poder judicirio no fi m em si mesmo. No espao para biografi as individuais. No uma academia para a afi rmao de teses abstratas. isto sim, um instrumento da nao. Tem papel a cumprir no desenvolvimento do pas. Tem que ser parceiro dos demais poderes. Tem que prestar contas nao. tempo de transparncia e de cobranas.

    A questo da crise que permeia a Justia Brasileira no pode ser vista apenas a partir da autuao processual do magistrado, das partes ou da falncia do instrumento legislativo em prevenir ou dirimir os confl itos. O vis da gesto administrativa do Poder Judicirio, do cartrio ou de casos passou a integrar o cotidiano da discusso como perspectivas da soluo para o problema da inefi cincia do Judicirio Brasileiro.

    Todo esse contexto demonstra a importncia das organizaes, de uma maneira geral, no processo de mudanas sociais e evoluo dessa sociedade. As organizaes, alm de se constiturem instrumentos de controle social, tambm assumem o papel de agentes da sua modernizao. Nesse sentido, o Poder Judicirio est imbricado, pois, como instituio pblica, sua misso constitucional torna evidente seu importante papel na ossatura do Estado, no

    6 JOBIM, Nelson. Discurso de Posse na Presidncia do Supremo Tribunal Federal. 3 jun. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 14 fev. 2008.

  • 15

    que diz respeito manuteno do Estado de Direito democrtico.

    O despertar de uma nao para os seus direitos, reprimidos por dcadas de autoritarismo, a promulgao de uma Constituio garantidora de direitos, a consolidao de vises consumeristas, ambientalistas, entre outras, geraram um excesso de demandas nunca visto antes no Poder Judicirio.

    Nesse cenrio, o Judicirio passou a ser exigido pelos cidados que buscam ansiosamente a outorga de direitos outrora negados pelos anos de represso. De outra banda e apesar da autonomia administrativa consagrada ao Poder Judicirio na Constituio de 1988, ele no estava preparado para receber a avalanche de demandas oriundas da ideia do acesso irrestrito jurisdio.

    Para ingresso na carreira, os magistrados e os servidores do Poder Judicirio so selecionados por concurso pblico, que se resume a um teste de memorizao, despido, portanto, de possibilidades para descobrir qual candidato o mais bem preparado para o servio administrativo, e a eles que se entregam os servios de gerncia e apoio prestao jurisdicional.

    O magistrado e o servidor, selecionados inadequadamente, tero que desempenhar suas funes em um ambiente de trabalho desconhecido, na companhia de colegas por vezes desmotivados e que cultivam tcnicas arcaicas na realizao das tarefas dirias. O fruto dessa aventura revela-se desastroso, pois o acmulo de servio em cartrio, gerado a partir de rotinas obsoletas, contribui para a morosidade do sistema judicial, redundando em descrdito e falta de legitimidade do Poder Judicirio no desempenho de sua parte na misso constitucional, que visa contribuir para a construo de uma sociedade livre, justa e solidria7.

    Apesar dos atributos pessoais de magistrados e servidores, eles no estavam preparados para gerir os cartrios como se linhas de produo fossem. Por seu turno, os servidores viram-se numa linha de fogo cruzado entre as partes e seus procuradores, que ansiavam por respostas rpidas, e o magistrado, que

    7 BRASIL. Congresso Nacional. Constituio Federal. Braslia, DF, 1988. (art. 3o inc. I).

  • 16

    exigia mais e mais de seu pessoal de apoio, sem, entretanto, obter os resultados esperados pela clientela.

    Luiz Umpierre de Mello Serra8 assim descreveu o quadro:

    Em princpio, as crticas relativas morosidade formuladas ao Poder Judicirio pareciam injustas, se analisadas do ponto de vista do prprio Poder, pois tinham conhecimento das difi culdades encontradas por seus integrantes. A atuao do Judicirio como prestador de servios era defi ciente e deixava de apontar que no eram aplicadas tcnicas de gesto. Destacava-se que a maior parte das serventias autuavam acima dos limites de suas capacidades produtivas, sofriam de uma sistemtica carncia de investimentos em organizao, layout e de informtica, e as estatsticas exibiam nmeros grandiosos de demanda.Aps alguma anlise diagnstica, pde-se perceber que ocorria manifesta a ausncia de uma poltica pblica, clara, transparente, objetiva, de contratao e movimentao de pessoal, de treinamento especfi co dos servidores para o desempenho de suas atividades, de treinamento para o atendimento ao pblico, que levasse ao aprimoramento dos servios prestados, visando torn-los mais simplifi cados, ao alcance e de fcil compreenso por aqueles de menor preparao tcnica ou intelectual.

    Muitas vozes se levantaram em simpsios, conferncias e eventos do gnero, para falar e debater as causas da lentido do sistema. Falaram sobre o anacronismo das leis, da falta de informatizao, da falta de magistrados, dos reduzidos oramentos do Poder Judicirio, fatores apontados como elementos geradores da inefi cincia da justia, mas em todas as vozes se reconhece o problema relacionado com a gesto inefi ciente de recursos e meios para a soluo dos confl itos.

    Pierpaolo Cruz Bottini,9 aps descartar a falta de investimentos no Poder Judicirio, a no ser em casos isolados, e a desdia dos magistrados como fatores

    8 SERRA, Umpierre de Mello. Gesto de Serventias. v. 1. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 7 e 8.

    9 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Captulo 10 A reforma do Judicirio: aspectos relevantes. Novas Direes na Governana da Justia e da Segurana. Braslia, DF. Ministrio da Justia, 2006, p. 219.

  • 17

    preponderantes na lentido do sistema, aponta trs fatores para explicar o que denomina dfi cit de funcionalidade. Para ele, ao lado da legislao processual e do excesso de demandas, ganha relevncia a gesto administrativa, pois o [...] sistema de administrao do Judicirio ainda padece da falta de modernizao, de informatizao e de racionalidade [...].

    Joaquim Falco,10 em artigo denominado o Poder Judicirio: Independncia e Gesto, ao comentar uma pesquisa de opinio realizada pela Associao de Magistrados do Estado de Pernambuco, afi rma existir um desafi o gerencial ante a carncia de pessoas (magistrados e servidores) qualifi cadas para uma adequada gesto do sistema judicial:

    O que ameaa hoje em dia a independncia do Judicirio? O Poder Executivo? O Poder Legislativo? Os militares? Acredito que no. Nunca, na histria do Brasil, o Poder Judicirio foi to forte e independente. Mesmo quando o Supremo tomou decises contrrias aos interesses da Presidncia e do Congresso, como aconteceu recentemente, a resposta tem sido uma s: obedincia.E, no entanto, nunca o Judicirio foi to criticado pela sociedade. Recente pesquisa realizada em So Paulo indica que, para a opinio pblica, o principal responsvel pela violncia que ocorre por l justamente o Judicirio. Como explicar este aparente paradoxo: tanta independncia e tanta crtica?A resposta pode ser inferida da oportuna pesquisa realizada pela Associao dos Magistrados de Pernambuco, coordenada pelos professores Luciano Oliveira e Ernani Carvalho. A resposta , no fundo, um desafi o: como aumentar a efi cincia da gesto interna do Poder Judicirio de Pernambuco? Como evitar o desperdcio? Como substituir prticas personalistas por prticas mensurveis mais objetivamente? A pesquisa mostra que os juzes trabalham mais de oito horas por dia e mais de 50% ainda levam trabalho para a casa. Mesmo assim, o acmulo de processos enorme.Dois indicadores evidenciam a toda a prova que o Tribunal de Justia de Pernambuco est diante de um desafi o gerencial: segundo a pesquisa, os juzes no tiveram formao em gesto, mas reconhecem precisar dela para gerir suas varas, suas turmas, seu tribunal. Cerca de 77% gostariam de

    10 FALCO, Joaquim. Judicirio: independncia e gesto. Jornal do Comrcio, Pernambuco, 30 jun. 2006.

  • 18

    participar de cursos de aperfeioamento em gesto. Alm disso, a comunicao interna parece ser defi ciente: 75% dos juzes nunca foram consultados pela mesa diretora do TJPE sobre suas necessidades de trabalho. Apenas 25% se renem com seus funcionrios para aperfeioar as rotinas. No por menos que Margarida Cantarelli est realizando no Cear curso de aperfeioamento em gesto para os juzes federais. Cerca de 67% dos juzes acreditam que os serventurios esto insatisfeitos com seu trabalho seja por questes salariais, seja pela ausncia de polticas de recursos humanos.

    certo que a morosidade do sistema judicirio pode derivar dos fatores anteriormente relacionados e detectados pelos abalizados analistas aqui mencionados, mas, no menos certo, porm, tambm que a gesto administrativa dos recursos tem se operado de forma inefi caz e o equacionamento dos problemas gerenciais tem sido relegado ao plano inferior na busca de solues para o combate lentido da Justia.

    Armando Castelar Pinheiro, economista do IPEA, professor do Instituto de Economia da UFRJ e membro do Idesp, ao analisar uma pesquisa realizada com magistrados constata, no artigo Judicirio, reforma e economia: A viso dos magistrados11, que, apesar de importantes, as questes referentes inefi cincia administrativa tm uma importncia secundria e ainda no alcanaram o patamar desejado.

    As respostas questo 15 ratifi cam a concluso tirada da Tabela 5.3, de que a inefi cincia administrativa tem uma importncia apenas secundria para explicar a morosidade da justia. Esta mesma constatao vlida para as trs explicaes apresentadas na Tabela 5.6, onde se destacam a falta de uma administrao ativa de casos e a m gesto do fl uxo fsico de processos. Das trs, a falta de uma administrao ativa de casos vista como o problema mais relevante, mas ainda assim de importncia secundria quando comparada falta de recursos ou s falhas na legislao processual. A importncia em certo sentido secundria desse problema consistente com os 59,1% dos magistrados pesquisados por Sadek (1995), que consideraram ser o fato de os juzes estarem sobrecarregados

    11 PINHEIRO, Armando Castelar. Judicirio, reforma e economia: A viso dos magistrados. So Paulo. Disponvel em: . Acesso em: 20 fev. 2008.

  • 19

    com tarefas que poderiam ser delegadas um obstculo muito ou extremamente importante ao bom funcionamento do Judicirio ou seja, uma proporo elevada, mas inferior a de magistrados que tm a mesma opinio sobre outros problemas (ver abaixo).

    Questo 15: Com relao inefi cincia administrativa, quais dos seguintes fatores o(a) senhor(a) considera que so importantes para explicar a morosidade da justia?

    Muito importante Importante

    Pouco importante

    Sem nenhuma

    importncia

    No sabe / Sem opinio

    No respon-

    deu

    Ausncia de uma

    administrao ativa de casos

    *

    Freq. 252 293 127 35 14 20

    % 34.0 39.5 17.1 4.7 1.9 2.7

    M gesto do fl uxo fsico de

    processos

    Freq. 201 362 122 27 8 21

    % 27.1 48.9 16.5 3.6 1.1 2.8

    Lentido na notifi cao das partes

    Freq. 184 315 181 30 7 24

    % 24.8 42.5 24.4 4.0 0.9 3.2

    Tabela 5.6: Importncia de problemas administrativos.*Por exemplo, agrupando e decidindo em conjunto processos com o mesmo contedo.

  • 20

    A importncia secundria atribuda inefi cincia administrativa foi, em parte, uma surpresa, pois estudos realizados pelo Banco Mundial apontavam que os juzes brasileiros despendiam 65% de seu tempo em atividades no judicantes.12 Segundo os prprios magistrados, porm, trs quartos deles no gastam mais do que 30% do seu tempo em atividades administrativas, com somente 5,1% dos entrevistados ocupando mais do que 50% do seu tempo com essas atividades (Tabela 5.7). Dos motivos que levam os juzes a despender uma signifi cativa parcela de seu tempo em trabalhos administrativos, o arcasmo das prticas administrativas apontado como o mais importante, vindo em seguida a falta de preparo dos funcionrios e de treinamento dos juzes nesse tipo de atividade (Tabela 5.8).

    Questo 17: Estima-se que, no Brasil, os juzes gastem muito do seu tempo em atividades administrativas. J na Alemanha e em Cingapura, por exemplo, os juzes dedicam todo o seu tempo a atividades judicantes. Gostaramos de saber, no seu caso, que proporo do seu tempo o(a) senhor(a) gasta em atividades administrativas?

    Freq. %

    Menos de 15% 294 39.7

    Entre 15% e 30% 263 35.5

    Entre 30% e 50% 110 14.8

    Entre 50% e 70% 29 3.9

    Mais de 70% 9 1.2

    No sabe / No tem uma opinio formada a respeito 14 1.9

    No Respondeu 22 3.0

    Tabela 5.7: Proporo do tempo do magistrado gasto em atividades administrativas

    12 DAKOLIAS, Maria.Banco Mundial. Nota Tcnica 319, 1996.

  • 21

    Questo 18: Que importncia o(a) Sr.(a) atribui aos seguintes fatores como causas da signifi cativa parcela de tempo que os juzes brasileiros gastam em tarefas administrativas?

    Muito impor-tante

    Impor-tante

    Pouco importante

    Sem nenhuma

    impor-tncia

    No sabe / Sem

    opini-o

    No respon-deu

    Falta de t r e i n a m e n t o especfi co dos juzes em questes administrativas

    Freq. 192 307 162 38 15 27

    % 25.9 41.4 21.9 5.1 2.0 3.6

    Falta de preparo dos funcionrios

    Freq. 273 334 79 21 8 26

    % 36.8 45.1 10.7 2.8 1.1 3.5

    A r c a s m o das prticas administrativas

    Freq. 351 280 59 20 7 24

    % 47.4 37.8 8.0 2.7 0.9 3.2

    Desejo dos juzes de controlar o que ocorre em suas comarcas ou tribunais

    Freq. 132 258 221 90 16 24

    % 17.8 34.8 29.8 12.1 2.2 3.2

    Tabela 5.8: Importncia de fatores que levam o juiz a ocupar-se de tarefas administrativas

    O despreparo de magistrados e servidores para lidar com a sobrecarga de trabalho, a inefi ccia por parte dos tribunais na distribuio e na utilizao de recursos materiais e a falta de cultura de gesto administrativa para enfrentar os desafi os da modernidade levam o Poder Judicirio a uma letargia na sua atuao,

  • 22

    o que compromete sua participao na realizao dos fi ns do Estado Brasileiro, conforme preconizado no texto constitucional.

    Essa lentido do Poder Judicirio refl ete no descrdito perante a sociedade, que abala sobremaneira a efi ccia de suas decises e leva insegurana populao, em razo da sensao de impunidade, em face dos interminveis processos criminais.

    Por solicitao do Ministrio das Relaes Exteriores do Governo Brasileiro, o Foreign Investment Advisory Service (FIAS), iniciativa conjunta da International Finance Corporation e do Banco Mundial, realizou uma anlise do atual cenrio de investimentos no Brasil, com nfase especial no investimento direto estrangeiro FDI voltado exportao, e, entre as vrias concluses sobre a burocracia brasileira, pontuou:13

    Os empresrios consideram a burocracia brasileira excessiva, inefi ciente, carente de fundos, sujeita corrupo, paternalista e arrogante na certeza de que os seus pontos de vista sobre a maior parte das questes so corretos. Muito embora muitas partes da administrao pblica paream funcionar bem, essas reclamaes aplicam-se a muitas outras, inclusive ao Judicirio, a vrios organismos governamentais, reparties responsveis pelos processos de combate ao monoplio e a repartio encarregada de patentes e outros padres de propriedade intelectual.

    Inegavelmente, a morosidade com que opera o sistema judicirio do pas ganhou contornos de preocupao nacional, capaz de gerar crises sociais e afetar inclusive, os investimentos econmicos, e tornou-se insuportvel.

    O professor Armando Castelar Pinheiro,14 no artigo anteriormente citado, ao analisar, entre outros aspectos, a questo da morosidade da justia e suas implicaes com a economia, assevera que:

    13 Barreiras Jurdicas, Administrativas e Polticas as Investimentos no Brasil. V. I, jun. 2001. Itamaraty. BRASIL.

    14 Idem.

  • 23

    O Judicirio brasileiro uma instituio com problemas srios.

    De fato, a despeito do grande aumento dos gastos pblicos com a Justia, esta permanece lenta e distante da grande maioria da populao.

    Em parte isso se explica pelo tambm vertiginoso crescimento da demanda por servios judiciais, o que faz com que os juzes brasileiros continuem obrigados a julgar milhares de processos todo ano.

    Neste contexto, inovaes bem-sucedidas, como os Juizados Especiais, tm sido incapazes de reverter endogenamente a precria situao em que vive o Judicirio. Nas palavras do presidente do Tribunal de Alada Criminal de So Paulo, consensual no Brasil a necessidade de uma reforma no Poder Judicirio, nica das funes estatais que no absorveu as tecnologias disponveis e que vem se caracterizando por inadmissvel lentido. Essa percepo tem se refl etido nos ltimos anos em um amplo conjunto de propostas de reforma, discutidas dentro e fora do Congresso Nacional, que no obstante tm avanado pouco em termos de medidas prticas.Este trabalho parte do entendimento de que uma maneira de avanar mais rapidamente com esse processo de reforma, e chegar-se a propostas com signifi cativo potencial de resolver os atuais problemas, em particular aqueles com consequncias mais negativas para a economia, aprendendo com os profi ssionais que mais conhecem as mazelas do Judicirio: os prprios magistrados. Esta foi a motivao da pesquisa apresentada neste captulo, promovida pelo Idesp (Instituto de Estudos Econmicos, Sociais e Polticos de So Paulo), que teve dois objetivos principais: conhecer a viso dos magistrados sobre a intensidade e as causas dos problemas apresentados pelo Judicirio brasileiro, e sobre as possveis solues para eles; e saber como os juzes, desembargadores e ministros de tribunais superiores veem as relaes entre o Judicirio e a economia.Ainda que baseado principalmente em entrevistas estruturadas junto a magistrados brasileiros, este no , porm, um trabalho de Sociologia do Direito. Este tambm no um texto tpico de Law and Economics, apesar da preocupao com o Judicirio e sua infl uncia sobre a economia. Ele se enquadra antes na literatura supracitada, que v o Judicirio como instituio econmica, procurando entender sua infl uncia sobre o desenvolvimento econmico. Ele avana, todavia, em relao a esses trabalhos ao pesquisar no os agentes econmicos que utilizam os servios da justia, mas os prprios responsveis pela sua administrao. Com isso, ele ajuda a compor um diagnstico sobre os problemas do Judicirio que mais afetam a economia e a avaliar as iniciativas que podem tornar o Judicirio uma instituio mas efi caz e efi ciente do ponto de vista econmico.

  • 24

    O retardo temporal na prestao jurisdicional tem, como dito acima, se transformado no denominado custo Brasil, infl uenciando a economia. Notcia publicada em maio de 2006, no site Gazeta Jurdica15, destaca pesquisa que [...] mostra que tribunais brasileiros recebem 17 milhes de processos por ano. A morosidade do Judicirio pode levar a uma perda anual de US$ 10 milhes para a economia do Pas. Esse valor se refere aos gastos que empresas e prprio governo tm para manter os processos [...].

    A consequncia social pela lentido no trmite processual tem levado o Poder Judicirio ao descrdito perante a sociedade, o que tem abalado sobremaneira a efi ccia de suas decises. O desprestgio social do Sistema Judicirio Brasileiro e suas consequncias podem ser avaliadas no contedo das afi rmaes do presidente do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    (Incra), Rolf Hackbart, contidas na entrevista16, que se transcreve:

    O presidente do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (Incra), Rolf Hackbart, fez hoje (15) um apelo ao Judicirio para que acelere o julgamento dos processos relativos reforma agrria no pas. Fao um apelo aos juzes: respeitando todo a autonomia do poder Judicirio, mas decidam. Porque so centenas de famlias esperando a deciso de juzes, disse ele, em entrevista a emissoras de rdio parceiras da Radiobrs.Hackbart destacou que, de acordo com a legislao brasileira, todo processo de reforma agrria depende da deciso de um juiz. O poder Judicirio tem muito trabalho. O que estamos fazendo dialogando com os juzes, apresentando nossas prioridades e pedindo que eles decidam se a terra vai para a reforma agrria ou no, afi rmou.De acordo com um levantamento de 2006 do Incra, divulgado pela assessoria, tramitam na justia 349 processos de retomada de terra pblica federal somente na Amaznia Legal, nos estados de Amap, Mato Grosso, Par, Rondnia

    15 Gazeta Jurdica.com.br. Os nmeros do poder judicirio: Morosidade custa US$ 10 milhes. 30 maio 2006. Disponvel em: . Acesso em: 20 fev. 2008.

    16 Bonde News. Lentido do Judicirio barra reforma agrria. Paran, 15 mar. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 20 fev. 2008

  • 25

    e Roraima. Os processos envolvem 7,5 milhes de hectares de terra, rea maior que a dos estados de Sergipe e Rio Grande do Norte juntos, e quase semelhante rea de Santa Catarina, ou de Pernambuco.Alm disso, h 157 processos de emisso da posse (documento necessrio para a realizao dos projetos de assentamento), envolvendo 367 mil hectares de terra.Respondendo a uma rdio de Mato Grosso, Hackbart disse que, no estado, o Ministrio Pblico faz fortes cobranas para que o Incra pare de desapropriar e faa apenas retomada de terras pblicas, mas a lentido da Justia tambm atrapalha esse processo. H mais de 3,4 milhes de hectares de terra pblica federal no estado do Mato Grosso que no est destinada. Mas ela est ocupada e geralmente por grandes empresas, grandes produtores, disse. As informaes so da Agncia Brasil.

    A falta de agilidade do Sistema Judicirio, alm de gerar incerteza no cenrio econmico, descrdito social, tambm leva insegurana populao, em razo da sensao de impunidade em relao pena dos criminosos.

    A demora no julgamento dos processos criminais redunda em senso de impunidade e insegurana pblica, pois a sociedade, acuada pela marginalidade, obrigada a conviver, em face do sistema constitucional, com rus que, condenados no primeiro grau de jurisdio, esperam a apreciao de seus recursos no Tribunal.

    Na abordagem desta perspectiva, destaco o resultado da pesquisa de opinio pblica organizada pelo Centro de Justia e Sociedade (CJUS), da Escola de Direito da Fundao Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO) e pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Polticas e Econmicas (IPESP)17, realizada no perodo de 9 a 11 de fevereiro do corrente ano, em que a populao foi questionada sobre qual seria a ao mais efi caz no combate violncia. O resultado para esta pergunta foi, em 48% das respostas, no sentido de que a justia precisa ser mais gil, sendo relegado para um plano inferior o aumento de policiais com 43% das respostas.

    17 Disponvel em: . Acesso em 29 de jun 2009.

  • 26

    O desejo de maior agilidade nas atividades do Poder Judicirio aparece em vrios momentos desta pesquisa e, para ilustrar esta manifestao, destaco slides da apresentao referentes mencionada pesquisa e utilizados pelo conselheiro do CNJ, Joaquim Falco, em que pode se ver, em diversos momentos, que a populao deseja ardorosamente um judicirio mais gil.

    OPINIO EM RELAO CARACTERSTICAS E ASPECTOS DO PODER JUDICIRIO (%)

    SALDO

    - 80

    +2

    - 3

    - 47

    +66

  • 27

    PRINCIPAIS PROBLEMAS OU PONTOS NEGATIVOS DO PODER JUDICIRIO (%) (ESTIMULADA)

    A soma maior do que 100% porque cada

    entrevistado poderia apresentar mais de

    uma resposta

  • 28

    AES OU ASPECTOS DO PODER JUDICIRIO MAIS IMPORTANTES PARA

    MELHORAR A ATUAO DA JUSTIA NO BRASIL (%) (Estimulada)

    59 24

    22 18

    16 15

    10 5 5 7

    19

    Mais agilidade Amplia o do acesso Justi a para a popula o de baixa renda

    Combate s irregularidades Mais transparncia no judici rio e esclarecimentos a popula o

    Maior defesa das crian as e dos adolescentes Mais informatiza o

    Aumento do n mero de ju zes Melhoria do sal rio e das condi es de trabalho dos ju zes

    Regulariza o da situa o dos presos Nenhum desses

    NS / NR A soma maior do que 100% porque cada entrevistado poderia apresentar m ais de uma resposta

    Nas respostas destacadas nos grfi cos colacionados acima, a justia retratada como lenta, necessitando, como anseio da populao, de maior agilidade para sua melhoria.

    Aos olhos de muitos que se dedicam anlise dos problemas da Justia, est patente que a crise instalada no Poder Judicirio deriva da falta de agilidade e possui um vis gerencial com consequncias na economia do pas, no desprestgio social do Poder e na segurana pblica.

    O sistema judicirio de soluo de confl itos necessita ser equacionado para contribuir para a melhoria da velocidade e confi abilidade do Poder Judicirio. Nessa perspectiva, a atividade desenvolvida por magistrados e servidores de cartrio, na administrao da serventia, ganha relevo e transcende a prpria sentena, pois esta passou a ser apenas um captulo da jornada jurisdicional.

  • 29

    A partir do aperfeioamento e racionalizao das atividades desenvolvidas, preciso identifi car, defi nir e implantar instrumentos efi cazes de planejamento e gerenciamento, que possam colaborar efetivamente para a melhoria de desempenho das unidades organizacionais que compem o Poder Judicirio. s atividades voltadas para a desburocratizao e simplifi cao, devem-se somar aes objetivas, que estabeleam parmetros mais fl exveis para a modelagem dos processos decisrios.

  • 30

  • 31

    2. O IMPACTO DAS ORGANIZAES SOBRE O INDIVDUO E A SOCIEDADE

    Objetivo: Constatar que as organizaes impactam o cotidiano do indivduo e da sociedade. Nesse contexto, o cartrio, como uma organizao pblica, capaz de infl uenciar, por sua efi cincia ou inefi cincia, a vida das pessoas.

    Vive-se em um cotidiano em que as organizaes so um componente predominante nas sociedades contemporneas. Nossa sociedade, portanto, uma sociedade de organizaes. Elas esto ao nosso redor. Nascemos nelas e, normalmente, morreremos nelas. A esse respeito, aponta Etzioni:18

    Nascemos em organizaes, somos educados por organizaes, e quase todos ns passamos a vida a trabalhar para organizaes. Passamos muitas das nossas horas de lazer a pagar, a jogar e a rezar em organizaes. Quase todos ns morreremos numa organizao, e, quando chega o momento do funeral, a maior de todas as organizaes o Estado precisa dar uma licena especial.

    Por sua vez, as organizaes tiveram papel essencial nos processos de transformao social da histria. A ascenso do Imprio Romano, a disseminao do cristianismo, o crescimento e o desenvolvimento do capitalismo e do socialismo foram realizados por meio de organizaes.19 Os fenmenos sociais contemporneos tambm no podem ser analisados sem a compreenso do seu contexto organizacional. Nesse sentido, a anlise organizacional tem sido um tema eminente e importante, no s no contexto acadmico, mas sob diversas perspectivas e em diversos nveis.

    Assim, os estudos que permeiam as organizaes so prementes, visto que elas produzem impactos de maior ou menor abrangncia nas relaes sociais.

    18 ETZIONI, Amitai. Organizaes modernas. So Paulo: Pioneira, 1964. p. 7.

    19 HALL, Richard H. Organizaes, estruturas, processos e resultados. 8. ed. So Paulo: Prentice Hall, 2004.

  • 32

    Sobre isso, Hall20 afi rma:

    As organizaes so dotadas de capacidade para fazer um grande bem ou um grande mal. A maioria fi ca em uma posio intermediria, [...]. Elas no so objetos benignos. Elas podem disseminar o dio, mas tambm salvar vidas e, talvez, almas. Elas podem provocar a guerra, mas tambm trazer a paz. Esses impactos podem ser intencionais ou no-intencionais, reconhecidos ou no.

    A sociedade moderna atribui um grande valor moral ao racionalismo, efi cincia e competitividade, visto que depende das organizaes, em grande parte, como as formas mais racionais e efi cientes que se conhecem, para alcanar seus objetivos e realizar suas necessidades de maneira mais efi ciente que os agrupamentos sociais menores como a famlia, os amigos e as comunidades. Isso porque, na busca de satisfao de suas necessidades, existem atividades que os indivduos no podem realizar sozinhos.

    Dentro desse mesmo raciocnio, sem organizaes bem administradas torna-se impossvel a manuteno do nosso padro de vida, nosso nvel cultural e nossa vida democrtica.21 O autor aponta a existncia, at certo ponto, de uma concomitncia entre o racionalismo da organizao e a felicidade humana. No entanto, reconhece a existncia de um ponto no qual a felicidade e a efi cincia deixam de se apoiar mutuamente. Nesse aspecto, nem todo trabalho pode ser pago e satisfatrio e nem todos os regulamentos e ordens podem tornar-se aceitveis.22

    Percebe-se, portanto, a existncia de um dilema desafi ador para as organizaes contemporneas: o de reunir grupos de indivduos que sejam to racionais quanto possvel e, ao mesmo tempo, produzir o mnimo de efeitos indesejveis e o mximo de satisfao.

    20 HALL, Richard H. Organizaes, estruturas, processos e resultados. 8. ed. So Paulo: Prentice Hall, 2004, p.3.

    21 ETZIONI, Amitai. Organizaes modernas. So Paulo: Pioneira, 1964.

    22 ETZIONI, Amitai. Organizaes modernas. So Paulo: Pioneira, 1964.

  • 33

    Ao analisar o impacto das organizaes no indivduo e na sociedade, sob a perspectiva dos autores da Escola das Relaes Humanas, a partir da viso estruturalista, Etzioni23 diagnostica:

    Ao analisar a viso de harmonia dos autores desta escola (Relaes Humanas), os estruturalistas reconheceram, inteiramente, e pela primeira vez, o dilema da organizao: as tenses inevitveis - que podem ser reduzidas, mas no eliminadas - entre as necessidades da organizao e as necessidades de seu pessoal; entre a racionalidade e a irracionalidade; entre a disciplina e a autonomia; entre relaes formais e informais; entre administrao e trabalhadores ou, mais genericamente, entre posies e divises.

    As anlises do impacto das organizaes sobre os indivduos concentram-se, em sua maioria, nas organizaes de trabalho, visto que so elas que ocupam a maior parte da vida dos indivduos. Essas anlises examinam a forma como as pessoas reagem na condio de membros de organizaes. Assim, apoiando-se nos estudos de Lorsch e Morse (1974), Hall24 aponta que, se, por um lado, o trabalho repetitivo e rotineiro altamente alienante para o indivduo, por outro lado, o trabalho que fornece potencial para o avano e o uso de capacitaes criativas ou expressivas prazeroso e at enriquecedor.

    Alm dos aspectos sociais, preciso considerar os aspectos econmicos que envolvem o impacto das organizaes sobre os indivduos e a sociedade. Esse aspecto constitui-se uma questo central para os dirigentes e trabalhadores que estabelecem uma relao dialtica entre, de um lado, os detentores do capital e as elites dirigentes, que objetivam a reduo de custos por meio de baixos salrios e tarefas uniformes dentre outros aspectos de racionalizao , e, de outro, os trabalhadores, que almejam elevar seu padro e qualidade de vida e ter um trabalho, no mnimo, interessante. Fica claro o confl ito de interesses inerente a essas vises dicotmicas. Essas diferenas de perspectivas geram crises, estabelecem estratifi caes sociais e criam, muitas vezes, um clima de tenso que gera embates, pela difi culdade de enquadramento das partes.

    23 ETZIONI, Amitai. Organizaes modernas. So Paulo: Pioneira, 1964, p. 12.

    24 HALL, Richard H. Organizaes, estruturas, processos e resultados. 8. ed. So Paulo: Prentice Hall, 2004.

  • 34

    Outro aspecto relevante das relaes entre organizaes e indivduos diz respeito ao fato de algumas dessas organizaes se preocuparem com a implantao de polticas que visem a uma relao mais amigvel com o indivduo. Essas polticas se traduzem pela diviso de tarefas, tempo fl exvel, trabalho distncia, semanas de trabalho mais curtas e cuidados voltados s crianas e aos idosos.25 Nesse sentido, as relaes entre os indivduos e as organizaes so, em certo grau, recprocas.

    Por sua vez, as organizaes exercem impactos importantes na sociedade, numa conotao mais ampla. preciso levar em conta o fato de que existe uma relao recproca entre elas. As teorias das organizaes contemporneas enfatizam essa realidade, e apontam o papel central do ambiente para as operaes das organizaes. Hall, em seus estudos, busca apontar os impactos das organizaes sobre o ambiente, considerando os interesses de indivduos e grupos controladores.

    As organizaes tambm so ativas participantes no desenvolvimento e na implementao da poltica governamental ou pblica, por meio de lobby e outras aes polticas. Hall26 explica essa interveno organizacional:

    O papel sem precedente das organizaes na sociedade contempornea baseia-se no fato de que a organizao moderna uma entidade legal, de modo idntico pessoa fsica. [...] A legalidade organizacional concedida pelo Estado, ele mesmo uma criao jurdica. Da mesma maneira que o Estado outorga ao indivduo um conjunto de direitos e responsabilidades, as organizaes recebem direitos e responsabilidades. Esses direitos, juntamente com o grande tamanho de muitas organizaes, concedem-lhe um enorme poder no mbito do Estado.

    Dessa forma, percebe-se o quanto as organizaes so infl uenciadas pela sociedade e a infl uenciam. So agentes ativos no processo de mudana social. Isso se evidencia, por exemplo, na rea poltica, em que exercem lobby e lutam pela

    25 HALL, Richard H. Organizaes, estruturas, processos e resultados. 8. ed. So Paulo: Prentice Hall, 2004.

    26 HALL, Richard H. Organizaes, estruturas, processos e resultados. 8. ed. So Paulo: Prentice Hall, 2004. p.15.

  • 35

    aprovao de instrumentos legais favorveis a seus prprios programas. Nesse sentido, ainda segundo Hall,27 decises favorveis a uma organizao conduzem a programas que, por sua vez, afetam a sociedade.

    Nesse sentido, as unidades cartorrias podem ser vistas como organizaes dentro de uma organizao maior, que o Poder Judicirio. Suas atividades implicam infl uncias diretas e indiretas no cotidiano dos cidados e da sociedade na qual se inserem. Portanto, torna-se premente adequar a estrutura dos cartrios para que possam contribuir com qualidade na consecuo dos objetivos institucionais e na misso do Judicirio.

    Resumo:

    A sociedade moderna possui como valores de sua organizao a moral, o racionalismo, a efi cincia e a competitividade. Em razo desses valores, as organizaes so tidas como agentes transformadores dos indivduos e da sociedade. Nessa perspectiva, o cartrio, como ente estatal inserido na organizao maior que o Poder Judicirio, detm a possibilidade de infl uenciar os indivduos e a sociedade, bem como, no sentido oposto, de ser infl uenciado por ela.

    27 HALL, Richard H. Organizaes, estruturas, processos e resultados. 8. ed. So Paulo: Prentice Hall, 2004.

  • 36

  • 37

    3. O PROCESSO DE ESTRUTURAO E MODELAGEM DAS ORGANIZAES

    Objetivo: Fornecer elementos tericos sobre o processo dinmico de estruturao e modelagem das organizaes, segundo a viso de especialistas, e a sua aplicabilidade s unidades cartorrias.

    A importncia do papel das organizaes no processo de desenvolvimento social, poltico e econmico da sociedade ao longo da nossa histria evidente. De certa forma, as organizaes tm dado o tom e estabelecido o ritmo desse processo evolutivo, ao mesmo tempo em que sofrem o impacto das mudanas que provocam em seu ambiente. Nesse contexto, a lei de ao e reao (causa e efeito) tambm se faz presente.

    Esse papel ativo das organizaes no processo de mudana tem se tornado possvel em funo da capacidade que elas tm de se adaptar s mutaes de seu ambiente. Por meio da interveno dos indivduos, sob a perspectiva tanto revolucionria quanto evolucionria, os esforos no sentido de adequar as estruturas organizacionais ao seu ambiente tm gerado modelos e abordagens tericas que buscam explicar a dinmica organizacional em torno do seu processo de estruturao e modelagem.

    Criadas inicialmente de forma simples, as organizaes tornam-se complexas ao longo do tempo, e, nesse sentido, no so poucos os esforos despendidos por seus criadores para compreenderem sua prpria criao. Da abordagem funcionalista abordagem orgnica, muitos pensadores tm envidado esforos para estabelecer modelos que possam explicar a dinmica e a modelagem organizacional (MO) a partir de premissas que envolvem um conjunto de fatores e variveis intervenientes e suas correlaes nos contextos interno e externo da estrutura organizacional.

    Nesse aspecto, surge, por exemplo, o conceito de arquitetura organizacional, formulado por David Nadler, Marc Gerstein e Robert Shaw

  • 38

    (aput CAVALCANTI, Bianor S. O gerente equalizador: estratgias de gesto no setor pblico. Rio de Janeiro: FGV, 2005). Para esses autores, a arquitetura organizacional pode ser compreendida como o conjunto de elementos, tais como: a estrutura formal, as prticas de trabalho, a natureza da organizao informal, os processos de seleo de pessoal, a socializao e o desenvolvimento de pessoas, que determinam o modus operandi de uma organizao. Para esses autores, essa concepo no visa substituir outras tcnicas de modelagem; ao contrrio, necessita de sua implementao, como ocorre, explicitamente, com a qualidade total, o empowerment e o benchmarking, entre outras.

    Como dito, vrias so as abordagens tericas que buscam estabelecer modelos aplicveis no processo de MO. No entanto, para os nossos propsitos, trataremos a questo da modelagem a partir de uma sntese que envolve as abordagens de quatro eminentes pensadores e estudiosos: Jay Galbraith28 e Djalma de Oliveira29, com suas abordagens mais tradicionais e funcionalistas, a partir do conceito de arquitetura; Karl Weick30, que aborda a MO sob a perspectiva interpretativista; e Bianor Cavalcanti31, que desenvolve uma teoria a partir da metfora da equalizao.

    3.1 A Abordagem de Jay Galbraith Organization Design

    Para esse autor, a MO constitui-se por meio de um conjunto de processos decisrios que objetivam coadunar as metas e os objetivos organizacionais, seus padres de alocao da fora de trabalho (mo-de-obra), e sinergia entre as unidades organizacionais e os recursos humanos.

    28 GALBRAITH, Jay. R. Organization design. Massachusetts: Addison Wesley, 1997.

    29 OLIVEIRA, Djalma de Pinho R. de. Sistemas, organizao & mtodos: uma abordagem gerencial. 12a ed. So Paulo: Atlas, 2001.

    30 WEICK, Karl. Organizational redesign as improvisation. New York: Oxford University Press, 1996.

    31 CAVALCANTI, Bianor S. O gerente equalizador: estratgias de gesto no setor pblico. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

  • 39

    A partir da perspectiva contingencial, o modelo de Galbraith prope designs estruturais considerando as incertezas que envolvem metas e propsitos, estilos de organizao, processos de integrao das pessoas organizao e escolhas que busquem, de forma coerente, combinar ou alterar metas, organizao e indivduos para efetivar mudanas no ambiente organizacional e atender aos interesses da prpria organizao.

    Nesse sentido, Galbraith aponta a existncia de trs fatores limitadores da efetivao da mudana organizacional, quais sejam: o terico, o dos recursos e o organizacional. O primeiro diz respeito falta de conhecimento que envolve o processo de mudana. O segundo, por sua vez, refere-se inexistncia de recursos para efetivar as mudanas. O terceiro est relacionado falta de capacidade organizacional para resolver problemas a partir do gerenciamento estratgico dos objetivos e dos processos integradores. Nesses aspectos, a MO deve integrar conhecimento, recursos e capacidade organizacional. Assim, na viso do autor, deve-se combinar conhecimento terico sobre a organizao e os recursos disponveis. Por sua vez, impossvel modelar uma organizao sem considerar as pessoas que a operacionalizam.

    Galbraith aponta que a organizao formada por dimenses compostas por variveis que devem ser consideradas no processo de MO. O modelo do autor composto por cinco dimenses: tarefas, estrutura, tecnologia da informao, sistema de recompensas e pessoas. O quadro a seguir demonstra a composio de cada dimenso proposta no modelo.

    As escolhas estratgicas comentadas anteriormente dizem respeito s variveis que devem ser mudadas, pois a mudana em uma determinada varivel demanda compensao e coordenao com as demais, j que o modelo sistmico, o que implica em dizer que as variveis esto interconectadas e so interdependentes. Nesse sentido, para obter efi cincia e efi ccia, bem como efetividade organizacional, faz-se necessrio manter a coerncia e a compatibilidade na modelagem das variveis. Para isso, as escolhas estratgicas devem atender aos critrios pertinentes adequao, natureza da organizao e s suas relaes com o ambiente.

  • 40

    DIMENSES VARIVEIS

    Tarefa

    Escolha do domnio

    Objetivos

    Diversidade

    Difi culdade

    Variabilidade

    Estrutura

    Diviso do trabalho

    Departamentalizao

    Confi gurao

    Distribuio do poder horizontal e vertical

    Informao e Processo Decisrio

    Mecanismos de deciso

    Frequncia

    Formalizao

    Escopo do banco de dados

    Sistema de Recompensas

    Recompensa

    Base de promoo

    Estilo de liderana

    Desenho de cargos

    Pessoas

    Promoo e transferncia

    Seleo e recrutamento

    Treinamento e desenvolvimento

    Quadro 1 Dimenses e variveis do modelo de GalbraithFonte: Adaptado de Jay R. Galbraith, 1997.

    Essa dinmica implica mudanas que requerem, necessariamente, o processamento de informao, que, por sua vez, resulta em incerteza. Galbraith defi ne incerteza como a diferena entre a quantidade de informao requerida para desempenhar uma determinada tarefa e a quantidade de informao j possuda pela organizao. A partir desse conceito, o autor comenta que, quando predominam certeza, estabilidade e previsibilidade nas relaes ambientais, se adota um modelo mecanicista-funcionalista. Ao contrrio, a incerteza, a instabilidade e a imprevisibilidade demandam modelos orgnicos.

  • 41

    Por fi m, a modelagem, como um processo sistmico e contnuo, requer revises constantes. Nesse sentido, o modelo de Galbraith aponta que os aspectos hierrquicos e burocrticos so elementos limitadores do processamento de informaes, que, por sua vez, engessam o processo de mudana.

    3.2 A Abordagem de Djalma de Oliveira - Componentes, Condicionantes e Nveis de Infl uncia e Abrangncia

    Ao estudar o processo de MO nas organizaes, Djalma de Oliveira32 aponta que esse processo delineado a partir dos objetivos e estratgias organizacionais. Para ele, a estrutura organizacional uma ferramenta que viabiliza o alcance das situaes almejadas pela empresa. O autor tambm se preocupa em defi nir organizao como funo, visto que a estrutura organizacional o instrumento bsico para a concretizao desse processo. Dessa forma, organizao a ordenao e o agrupamento de atividades e recursos, visando ao alcance de objetivos e resultados estabelecidos.33

    Assim, o modelo de MO proposto pelo autor considera um conjunto de elementos e variveis que se inter-relacionam nos diversos nveis da estrutura organizacional. As variveis so defi nidas como componentes e condicionantes da estrutura. A primeira componentes refere-se a quatro sistemas bsicos identifi cados pelo autor: sistema de responsabilidade, sistema de autoridade, sistema de comunicao e sistema de apoio deciso. A segunda condicionantes diz respeito aos fatores externos (ambientais) que infl uenciam e condicionam o desempenho organizacional: fator humano, fator ambiente externo, fator objetivos e estratgias e fator tecnologia. A Figura 1, adiante, fornece uma ideia mais exata de como esse modelo se confi gura.

    32 OLIVEIRA, Djalma de Pinho R.de. Sistemas, organizao & mtodos: uma abordagem gerencial. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2001.

    33 OLIVEIRA, Djalma de Pinho R.de. Sistemas, organizao & mtodos: uma abordagem gerencial. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2001. p. 198.

  • 42

    Djalma de Oliveira aborda a MO considerando um nvel de abrangncia que busca envolver aspectos objetivos e subjetivos da organizao, mesmo sob a perspectiva funcionalista. Seu modelo, apesar de envolver aspectos de grande complexidade, didtico e de fcil entendimento e aplicao no contexto terico-emprico.

    Fator Humano Fator Ambiente Externo

    Fator TecnologiaFator Objetivos e Estratgias

    Nveis de Influncia Estratgico Ttico Operacional

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Nveis de Abrangncia

    Empresa UEN Corporao

    Sistema de Responsabilidade

    Departamentalizao Linha e Assessoria Descrio das

    Atividades

    Sistema de Autoridade

    Amplitude de Controle Nveis Hierrquicos Delegao Centralizao/

    Descentralizao

    Sistema deDecises

    Dado Informao Deciso Ao

    Sistema de Comunicaes

    O que Comunicar Como Comunicar Quando Comunicar De Quem / Para Quem

    Figura 1 Componentes e Condicionantes da Estrutura Organizacional.Fonte: Transcrito de Oliveira, Djalma de Pinho R. de. Sistemas, organizao & mtodos: uma abordagem gerencial. 12a ed. So Paulo: Atlas, 2001.

  • 43

    3.3 A Abordagem de Karl Weick Organization Redesign as Improvisation

    A abordagem de Weick se distancia da perspectiva funcionalista dos estudos organizacionais. A partir de uma abordagem subjetivista, aponta que a MO um exerccio cotidiano de improvisao. A metfora da arquitetura cede lugar metfora do teatro, e ele enfatiza a modelagem mais como um verbo do que como um nome, um substantivo. Nesse aspecto, remodelar uma ao que se destaca pelo uso da improvisao, e ocorre de forma contnua.

    Para Weick, o gerenciamento se constitui de contribuies dos indivduos, que tm sua identidade defi nida por suas relaes sociais. Essas relaes, por sua vez, determinam a efi ccia de uma modelagem, que reconstruda por meio dos paradigmas e percepes que os indivduos tm dos fatos e acontecimentos ocorridos na organizao; ou seja, a modelagem, de uma forma geral, um processo que ocorre a posteriori, e no a priori.

    A modelagem como improvisao implica dizer que gerentes e demais indivduos atuem de maneira proativa, usando do improviso e de habilidades extras, de forma conjunta, como um time que deve agir em grupo e utilizar todas as ferramentas e recursos disponveis no momento. Weick considera o gerente um bricoleur, indivduo que tem a capacidade de construir qualquer coisa com os instrumentos e materiais disponveis. Nesse sentido, o gerente visto como o indivduo que faz acontecer com o que tem em suas mos. Assim, so os recursos disponveis e distribudos num momento que defi nem uma MO, e no o contrrio.

    Para Weick, a organizao fruto de um processo histrico que se remodela a cada instante, a partir de aes, comunicaes, arranjos e redes de relaes. A organizao, ento, se constri e se reconstri a cada instante, de forma plural, nos diversos cenrios de relaes sociais. O autor tambm considera que a modelagem no algo monoltico, na medida em que construda de forma gradativa pela legitimao de pequenas estruturas, a partir da confi rmao de expectativas.

  • 44

    A inefi cincia, por sua vez, vista como uma fonte de mudana a partir do exame do conceito de efetividade. Nesse aspecto, a inefi cincia atua no sentido de aumentar o entendimento a respeito do ambiente e estabelece novos repertrios que permitem divisar novos caminhos e possibilidades para as turbulncias. O caminho para sair das turbulncias, segundo Weick, passa pela improvisao contnua.

    3.4 A Abordagem de Bianor Cavalcanti O Gerente Equalizador

    Seu livro O Gerente Equalizador constitui um novo paradigma que quebra o olhar acostumado de todos ns que buscamos visualizar e compreender as organizaes sob a gide dos paradigmas funcionalista e objetivista. O autor faz uma anlise profcua dos desenvolvimentos conceituais da MO e suas implicaes para os processos de mudanas no setor pblico. Em seus estudos, deixa evidente que a MO se estabeleceu como subrea de conhecimento, e, no contexto mais pragmtico da modelagem, o gestor assume papel de maior relevncia.

    Numa perspectiva inovadora, Bianor Cavalcanti utiliza-se da metfora da equalizao reduo das distores de um sinal por meio de circuitos compensadores para mostrar a importncia do papel do gestor como gerente equalizador que, no seu cotidiano, se v diante de possibilidades, oportunidades, restries e limitaes. Conforme explica, a modelagem bem elaborada implica uma grande infl uncia no comportamento dos indivduos. No entanto, as variveis que compem a modelagem inadequadamente podem emitir sinais disformes e contraditrios, em funo das informalidades e da prpria natureza humana. Esses sinais distorcidos acabam por desnortear os empregados em relao aos instrumentos formais de gesto utilizados pela organizao.

    Dessa forma, o gerente equalizador atua no sentido de compreender, analisar e equilibrar as distores das variveis organizacionais, por meio do aumento ou diminuio das frequncias, em busca de sintonia fi na e estabilidade da organizao. Ele tambm contribui para a remodelagem das estruturas sociais e administrativas.

  • 45

    Para Bianor Cavalcanti, o gestor pblico que faz acontecer nas organizaes atua como mediador entre estruturas e pessoas. Conhecedor das incongruncias da organizao, ele compensa os sinais distorcidos emitidos pelas estruturas imprprias, por meio da ao equalizadora, elevando os nveis de congruncia pela ao social cotidiana, construtora e registradora de novas estruturas.

    O autor reconhece que a administrao pblica est repleta de incongruncias. Os modelos burocrticos rgidos e centralizados, que facilitam a existncia do patrimonialismo, do clientelismo, do corporativismo e do nepotismo, no permitem a ao do gestor pblico como um improvisador. A ao equalizadora, que tem o papel de captar os sinais externos, compreender, analisar, equalizar ou equilibrar as distores, seria muito mais efi caz diante das turbulncias que as organizaes vivem.

    As constataes empricas desses argumentos esto explicitadas nas entrevistas feitas com gestores pblicos, que evidenciaram que as contingncias ambientais exigem uma diversidade de modelagem e habilidades gerenciais para lidar com incertezas, improvisos, burocracia e confl itos de interesses nas decises. Nesse aspecto, Bianor Cavalcanti afi rma que bons resultados nesse contexto no so fruto de uma modelagem formal coerente, pois isso praticamente impossvel, por melhor que sejam as reformas administrativas. Assim, a equalizao surge como uma forma de garantir melhores resultados na gesto pblica at que se conforme uma modelagem congruente e efetiva nessas organizaes.

    Conforme se percebe, as quatro abordagens apresentadas partem de perspectivas bem diferentes, quais sejam, respectivamente, a da arquitetura, da improvisao e da equalizao.

    A abordagem estrutural funcionalista de Galbraith e de Djalma de Oliveira constitui uma viso objetivista e implica modelos estticos e determinsticos de organizao. Por sua vez, a abordagem interpretativista de Weick implica uma perspectiva subjetivista geradora de modelo organizacional como processo contnuo.

  • 46

    Essas trs abordagens podem ser consideradas sob as premissas da dialtica, em que se contrapem claramente na maneira como abordam a modelagem. So tese e anttese que se confrontam, a partir do princpio dos contrrios, e fazem surgir uma sntese, que seria o modelo equalizador de Bianor Cavalcanti. No seu escopo, o modelo equalizador considera elementos dos trs modelos, imprimindo tambm novos elementos que o tornam particular.

    A abordagem proposta por Bianor Cavalcanti pressupe um modelo mais dinmico de modelagem que no se limita simples arquitetura esttica ou improvisao refutvel e supera as dicotomias funcionalismo-intepretativismo e objetivismo-subjetivismo.

    A ao equalizadora pressupe uma dinamizao da ao do gestor e visa muito alm da simples improvisao. Ela detecta e aproveita as oportunidades que emergem do ambiente organizacional, alm de corrigir as distores das variveis organizacionais para propor uma modelagem mais efetiva, sob a gide da efi cincia, efi ccia e economicidade, to prementes na gesto pblica.

    Os conceitos e a tipologia de modelagem organizacional apresentados se aplicam, em toda a sua abrangncia, aos cartrios judiciais, visto que, como unidades organizacionais, eles atuam diretamente nas atividades fi ns da justia. Dessa forma, com o intuito de verifi car como essas abordagens de modelagem se enquadram, descrever-se-, em subttulo posterior, uma proposta de modelagem da estrutura e sistemas cartorrios. Nesse contexto, importante entender que a mera aplicao de ferramentas de gesto, por mais efi cientes que sejam, no garante o sucesso e a sobrevivncia do cartrio. A modelagem deve levar em conta os aspectos subjetivos que nascem e se mantm a partir das relaes sociais estabelecidas entre os indivduos na organizao e fora dela.

    Por sua vez, sabendo que as organizaes defi nem as tarefas e o uso das ferramentas de gesto por meio de formas de modelagem organizacional, a convivncia entre as pessoas de dentro e de fora da organizao (advogados, por exemplo) fundamenta e amplia o conhecimento quanto ao impacto dos valores sobre a vida organizacional dos cartrios. Assim, as singularidades que permeiam cada organizao resultam de um complexo processo dialtico de construo,

  • 47

    desconstruo e reconstruo de sistemas e valores. o que se busca apresentar a seguir.

    3.5 Aplicabilidade dos Modelos de Modelagem Organizacional no mbito das Atividades Cartorrias

    Conforme j apontado, o escopo das atividades cartorrias a prestao jurisdicional, que representa a atividade fi m do Poder Judicirio e, por sua vez, viabiliza a consecuo de sua misso constitucional. Essas atividades so as principais agregadoras de valor para a Instituio. Assim, a melhoria dos nveis de produtividade dessas atividades refl etir uma imagem positiva do judicirio junto sociedade. Do contrrio, a insatisfao da sociedade causada pela inefi cincia do judicirio gera degradao da imagem institucional.

    Considerando essa assertiva, o modelo de planejamento estratgico proposto no presente trabalho visa atender a uma demanda por melhores nveis de efi cincia e efi ccia, medida que proporcionar aos servidores lotados nos cartrios um conjunto de conceitos, mtodos e ferramentas que objetivam melhorar a produtividade e a qualidade dos servios prestados.

    Quanto aplicabilidade dos modelos de MO no contexto do plano estratgico que se prope, pode-se afi rmar que este implica a utilizao de alguns princpios elencados pelos quatro modelos descritos, visto que, conforme observamos, esses modelos se complementam.

    No que se refere abordagem pragmtica de Galbraith, aplica-se o princpio da inter-relao entre objetivos e metas organizacionais como norteador dos processos decisrios, a partir da perspectiva sistmica que contempla as correlaes entre as unidades organizacionais (cartrios) e os servidores. Por sua vez, as redefi nies de objetivos e metas esto pautadas na anlise de resultados pertinentes ao processo de integrao dos conhecimentos adquiridos, recursos e capacidade organizacional de cada cartrio.

  • 48

    A defi nio de fatores para anlise e diagnstico organizacional e ambiental dos cartrios apresentados no plano (Subttulo 4) contempla a proposta desenvolvida por Djalma de Oliveira. Os fatores organizao geral, audincias, fl uxo de processos, despachos, sentenas, relacionamento com os servidores (relacionamento pessoal, funcional e de treinamento) e relacionamento com o Ministrio Pblico so considerados fatores condicionantes e intervenientes que infl uenciam no desempenho dos cartrios e merecem, portanto, ser analisados para se identifi carem os catalisadores de sucesso ou fracasso e proceder aos devidos tratamentos.

    Resgata-se da abordagem de Wick a perspectiva a posteriori, na qual o plano estratgico do cartrio construdo a partir da percepo daqueles que lidam com o dia-a-dia das atividades cartorrias, considerando suas experincias. O plano no vem pronto; so apresentadas as ferramentas para que cada equipe oferea suas contribuies para elabor-lo de forma participativa. Por sua vez, medida que desenvolve o seu plano de forma participativa, cada cartrio proporciona uma rede de relaes entre todos os membros dos cartrios, o que implica um cenrio de relaes sociais e profi ssionais muito profcuas.

    Reconhecem-se as oportunidades, restries e limitaes enfrentadas pelo gestor, bem como a sua importncia no mbito das atividades jurisdicionais. Nesse sentido, a proposta de Bianor Cavalcante considerada em nossa prpria proposta, na medida em que explicitamos o papel da liderana e sua importncia para o gerenciamento e controle das aes desenvolvidas nos planos estratgicos de cada cartrio.

    Como j dito, a necessidade de contribuir para a melhoria do Poder Judicirio gera a obrigao de conhecer intimamente o processo de estruturao e modelagem das organizaes com foco na unidade cartorria, segundo a viso estrutural adotada pelo tribunal, o que se mostra relevante para a aplicao de mtodo prescritivo para realizao de planejamento estratgico no Poder Judicirio.

  • 49

    Resumo:

    Os conceitos e a tipologia de modelagem organizacional apresentados neste subttulo so relevantes e se aplicam, em toda a sua abrangncia, aos cartrios judiciais, visto que estes, como unidades organizacionais, atuam diretamente nas atividades fi ns da justia. Contudo, importante entender que a mera aplicao de ferramentas de gesto, por mais efi cientes que sejam, no garante o sucesso e a sobrevivncia do cartrio. A modelagem deve levar em conta os aspectos subjetivos que nascem e se mantm a partir das relaes sociais estabelecidas entre os indivduos na organizao e fora dela.

  • 50

  • 51

    4. PLANEJAMENTO ESTRATGICO PARA CARTRIOS

    Objetivo: Apresentar o modelo de um planejamento estratgico a ser desenvolvido para os cartrios. Para isso, apresentam-se os elementos descritivos do plano que envolve todos os conceitos necessrios ao desenvolvimento e aplicao; a forma de instrumentalizao do plano, em que abordaremos as estratgias para sua implantao, bem como a metodologia aplicada. Por ltimo, apresentam-se os elementos prescritivos, por meio de exemplos desenvolvidos a partir das ferramentas propostas.

    Ao longo dos ltimos 10 anos, as atividades desenvolvidas pelos cartrios vm se aperfeioando num continuum em que, inicialmente, aspectos funcionalistas cedem lugar a atividades cujo escopo est voltado aos processos interativos que envolvem indivduos e grupos, sob a perspectiva comportamental, quanto natureza das suas atividades e incrementalista, quanto aos processos de mudanas.

    Nesse sentido, as atividades jurisdicionais auxiliam no processo promotor da coerncia entre os objetivos e propsitos para os quais o Poder Judicirio existe, os padres de diviso do trabalho e coordenao entre as unidades organizacionais e as pessoas que desempenham as tarefas. As perspectivas atuais com relao s atividades cartorrias envolvem um conjunto de fatores e variveis intervenientes e suas correlaes no contexto interno e externo da estrutura organizacional do Judicirio.

    Assim, as atividades jurisdicionais desenvolvidas se constituem por meio de um conjunto de processos decisrios que objetivam coadunar as metas e objetivos do Poder Judicirio nacional, seus padres de alocao da fora de trabalho, sinergia interdepartamental e entre os recursos humanos. Esse design estrutural busca integrar conhecimento, recursos e capacidade organizacional. Falamos aqui da trade efi cincia, efi ccia e efetividade.

  • 52

    Para alcanar esse estado-da-arte faz-se necessrio manter a coerncia e a compatibilidade das variveis estruturais. Para isso, as escolhas estratgicas devem atender aos critrios pertinentes sua adequao, natureza do Judicirio e s suas relaes com o ambiente. Esse princpio de fato diz respeito no s aos cartrios, mas a toda a estrutura do Poder Judicirio.

    Diante dessa realidade, percebe-se a necessidade premente de estruturao das atividades dos cartrios para que estes possam atuar efetivamente como uma unidade organizacional totalmente integrada ao contexto atual em que o Poder Judicirio est inserido. Uma nova confi gurao estrutural para os cartrios implica fazer com que essas unidades refl itam a dinmica ambiental na qual atuam. A modelagem proposta est voltada para uma confi gurao em que a gesto estratgica atua correlacionando todas as atividades do cartrio, a partir dos elementos e variveis que compem suas funes, bem como para o processo decisrio das demais unidades organizacionais que compem a estrutura dos tribunais de justia.

    Em face dessa perspectiva, a estrutura proposta para o plano estratgico no apriorstica, visto que muito daquilo que visualizamos j est sendo contemplado em alguns dos macroprocessos desenvolvidos pelas diversas comarcas. Nesse sentido, as mudanas apontadas refl etem um vis a posteriori. Assim, considerando as atividades hoje desenvolvidas e aquelas que adviro com a implementao do planejamento estratgico, dentre outros projetos de modernizao que implicaro atuao efetiva dos cartrios, propomos um plano estratgico prescritivo e instrumental que permita sua fcil aplicao pelos gestores responsveis pelos cartrios.

    4.1 Elementos Descritivos

    4.1.1 Princpios Constitucionais da Administrao Pblica

    A Constituio de 1988, em seu art. 37, cita alguns princpios norteadores da gesto pblica e os conceitua da seguinte forma:

  • 53

    a) Legalidade: A gesto pblica est pautada nas disposies constitucionais e demais legislaes vigentes. Esse princpio est associado gesto pblica em toda a sua atividade. Afastar-se dele implica invalidade do ato e responsabilizao do seu autor.

    b) Impessoalidade: O interesse pblico est acima de qualquer interesse individual. Qualquer atividade de gesto pblica deve estar voltada a todos os cidados.

    c) Moralidade: As atividades pblicas devem ser norteadas pelos princpios ticos e morais. Esse conceito est atrelado fi gura do bom administrador, aquele que busca o melhor para o interesse pblico.

    d) Publicidade: Diz respeito obrigatoriedade da divulgao dos atos, contratos e outros documentos da administrao pblica, visando ao conhecimento por parte da sociedade.

    e) Efi cincia: Foco nos resultados, que implica a racionalizao, celeridade e qualidade dos servios prestados.

    Alm desses princpios, podemos considerar outros tambm relevantes no mbito da Administrao Judiciria, quais sejam:34

    a) Finalidade: Impe-se administrao pblica a prtica de atos voltados para o interesse pblico.

    b) Continuidade: Os servios pblicos no podem sofrer descontinuidades, pois as necessidades da sociedade no cessam.

    c) Indisponibilidade: O detentor da disponibilidade dos bens e direitos pblicos o Estado, e no seus servidores.

    34 Conforme SILVA, Clezio Saldanha dos. Introduo gesto pblica. So Paulo: Atlas, 2006. p. 14.

  • 54

    d) Igualdade: Todos os cidados so iguais perante a lei e, portanto, perante a administrao pblica.

    4.1.2 Elementos Conceituais do Planejamento

    O planejamento confi gura-se como a primeira funo administrativa, por servir de base para as demais. Ela determina o que deve ser feito, os objetivos a serem alcanados, quais controles sero adotados e que tipo de gerenciamento ser necessrio para a obteno de resultados satisfatrios.

    O planejamento um processo que obedece s relaes de interdependncia caracterizadas como sistmicas, em que cada fase dos processos (conjunto de partes) est coordenada com as demais, de maneira que formam um todo coerente e harmnico, voltado a alcanar um objetivo fi nal, que pode ser um produto ou um servio determinado.

    4.1.2.1 Alguns Princpios do Planejamento

    O planejamento deve atender necessariamente aos seguintes princpios:

    a) Ser parte integrante da administrao judiciria e estar presente em todos os nveis e setores de atividades jurisdicionais.

    b) Ter prazos estabelecidos para a consecuo dos objetivos traados.

    c) Ser fl exvel para atender s incertezas e garantir a continuidade e sobrevivncias dos planos e projetos desenvolvidos.

    d) Ser estruturado de forma objetiva e funcional de maneira que permita sua implantao, avaliao e readequaes por parte de qualquer grupo de servidores, sem que isso exija retrabalhos e demanda de tempo maior que o necessrio.

  • 55

    4.1.2.2 Conceitos que Norteiam o Planejamento

    O planejamento est consubstanciado por um conjunto de conceitos e defi nies que devem estar bem delineados, pois a no compreenso dos signifi cados pode implicar problemas de interpretao e composio de seus instrumentos e ferramentas.

    Dessa maneira, importante distinguirmos os seguintes componentes:

    a) Planejamento Estratgico

    O planejamento estratgico corresponde ao estabelecimento de um conjunto de providncias a serem tomadas pelo gestor, considerando que o futuro tende a ser diferente do passado. Constitui-se tambm um processo contnuo, um exerccio mental executado pela organizao, independentemente da vontade do seu gestor. O planejamento estratgico objetiva ser um processo continuado e sistmico de tomada de deciso, em que os planos so revistos permanentemente conforme a evoluo das circunstncias.

    No mbito das atividades jurisdicionais, a implantao do planejamento estratgico nos cartrios deve levar em conta as demandas e necessidades dos cidados, j que essas atividades contribuem diretamente para o bem-estar da sociedade.

    b) Estratgia

    Estratgia pode ser defi nida como os planos da alta administrao para alcanar resultados condizentes com a misso e os objetivos gerais da organizao, ou seja, a estratgia pressupe o estabelecimento de planos para a formulao/desenvolvimento, implementao e avaliao/controle das aes que visam ao cumprimento da misso e alcance dos objetivos gerais da organizao. Em outras palavras, estratgia so os caminhos, os cursos, os programas de ao que devem ser seguidos para se alcanarem os objetivos ou resultados estabelecidos pela organizao.

  • 56

    O conceito bsico de estratgia est relacionado ligao da organizao a seu ambiente. E, nessa situao, a organizao deve permear suas aes e operacionalizar estratgias que maximizem os resultados da interao estabelecida. Portanto, as estratgias jurisdicionais pressupem o ajustamento dos cartrios a seu ambiente, em geral em constante mutao, o que implica geralmente os cartrios alterarem suas prprias caractersticas, tendo em vista esse ajustamento.

    Para melhor defi nir a expresso estratgia jurisdicional, podemos considerar a identifi cao e a interao das palavras-chaves a seguir:351) Posicionamento do cartrio no ambiente; 2) Interao entre os aspectos internos (controlveis) e os aspectos externos (incontrolveis) alocados no ambiente cartorrio; 3) Abordagem e anteviso de aspectos futuros; 4) Forma de alcanar um resultado determinado ou objetivo; e 5) Formatao das principais aes do cartrio.

    Com base nessas palavras-chave, podemos utilizar a seguinte defi nio:

    Estratgia jurisdicional a ao bsica modelada e desenvolvida pelo cartrio para alcanar, adequadamente e de forma diferenciada, os objetivos idealizados para o futuro, no melhor posicionamento do cartrio perante seu ambiente.

    c) Gesto Estratgica

    Gesto Estratgica, por sua vez, defi nida, a partir de um contexto mais amplo que envolve, alm dos estgios de formulao, implementao e controle de estratgias, os estgios iniciais de defi nio da misso e objetivos organizacionais sob a perspectiva de seus ambientes externos e internos, como sendo o conjunto de decises e aes estratgicas que determinam o desempenho de uma organizao a longo prazo.

    35 Adaptado de Djalma de Pinho R. de Oliveira. Estratgia empresarial & vantagem competitiva. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2001.

  • 57

    Esse tipo de gesto inclui anlise profunda dos ambientes interno e externo, formulao da estratgia, implementao da estratgia, avaliao e controle. Portanto, a gesto estratgica enfatiza o monitoramento e a avaliao de oportunidades e ameaas externas em face das foras e fraquezas de uma organizao.

    d) Misso Institucional

    Chama-se de misso de uma organizao o seu propsito, a razo de ser da sua existncia. A misso estabelece o que a organizao est provendo sociedade. Uma declarao de misso bem-concebida defi ne o propsito fundamental e nico que destaca uma organizao de outras do mesmo tipo e identifi ca o escopo das suas operaes em termos de produtos e servios oferecidos.

    A misso coloca em palavras no apenas o que o cartrio agora, mas o que ele quer se tornar: a viso estratgica dos magistrados quanto ao futuro. Para os servidores, a misso transmite um consenso de expectativas; para o cidado e demais agentes, ela demonstra a imagem pblica que o cartrio tem em seu ambiente. Em suma: uma declarao de misso revela quem o cartrio e o que ele faz.

    e) Viso de Futuro

    um modelo mental, claro e luminoso, de um estado ou situao altamente desejvel, de uma realidade futura considerada possvel descrita de forma simples e objetiva, compartilhada por todos os dirigentes e colaboradores da organizao.

    a explicao de por que, diariamente, todos se levantam e dedicam a maior parte de seus dias para o sucesso da organizao em que trabalham. A viso o elemento norteador dos esforos para gerar foco e proporcionar um estado futuro ideal. Essa condio futura o ponto em que a organizao quer chegar. Para isso, necessria uma base comum de esforos e coordenao que deve estar pautada no entusiasmo como gerador de foras para enfrentar

  • 58

    sacrifcios com a recompensa da concretizao futura de seus anseios.36 Essa equao se torna possvel quando a viso desenvolvida de forma compartilhada.

    A viso compartilhada se torna importante porque:37 1) explicita o que a instituio quer ser; 2) unifi ca as expectativas; 3) d um senti