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1 Beatriz Cianga Ramiro Josiane Alegre Gitti Adolescente Institucionalizado: O Impacto Emocional Frente à Iminência do Des-Abrigamento. Universidade São Marcos São Paulo, 2009.

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Beatriz Cianga Ramiro

Josiane Alegre Gitti

Adolescente Institucionalizado:

O Impacto Emocional Frente à Iminência

do Des-Abrigamento.

Universidade São Marcos

São Paulo, 2009.

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Beatriz Cianga Ramiro

Josiane Alegre Gitti

Adolescente Institucionalizado:

O Impacto Emocional Frente à Iminência

do Des-Abrigamento.

Universidade São Marcos

São Paulo, 2009.

Trabalho de Conclusão de Curso: apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da Universidade São Marcos, sob a orientação do Professor Tiago Lopes de Oliveira.

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Adolescente Institucionalizado:

O Impacto Emocional Frente à Iminência

do Des-Abrigamento.

Beatriz Cianga Ramiro e Josiane Alegre Gitti

BANCA EXAMINADORA ________________________________ Profº. Mestre Tiago Lopes de Oliveira (Orientador) ________________________________ Profª. Mestre Ana Maria Guirado Gonçalves Balest ________________________________ Profª. Mestre Sônia Maria Motinho da Silva

Trabalho Final de Curso aprovado e defendido em: ____/____/______

São Paulo

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Eu Beatriz dedico este trabalho aos meus pais e irmã,

que com muito carinho me apoiaram nos meus esforços e

ajudaram como puderam nesta jornada.

Eu Josiane dedico esta pesquisa àqueles que com muito

amor me apoiaram e auxiliaram na construção deste

percurso: meus pais, irmãs e sobrinho.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Tiago Lopes de Oliveira que gentilmente aceitou esta

empreitada e ofereceu o máximo de suporte, orientação e motivação para que a

realização desta pesquisa fosse possível.

Às Professoras Ana Maria Guirado e Sônia Motinho que aceitaram participar e

contribuir com a apreciação deste trabalho, sempre muito generosas e excelentes

profissionais.

Aos participantes desta pesquisa, nossos maiores colaboradores e a

Instituição que generosamente ofereceu seu espaço e permitiram a elaboração

deste estudo.

A todos os grandes amigos em especial a Adélia, Fernando, Daniele, Raquel

Elizabeth e Daniela por estes cinco anos de apoio, amizade, companheirismo,

risadas e supervisões, por todo o tempo que passamos juntos e se tornaram

inesquecíveis.

À minha dupla Josiane que aceitou esta parceria e mergulhou junto neste

processo. Sempre me apoiando e incentivando, me escutando e me fazendo rir,

mostrou-me um coração maravilhoso e uma paciência absurda. Juntas superamos

muitas dificuldades e hoje além de amiga já a considero da família.

Aos meus pais e irmã que sempre me deram a confiança e suporte

necessário, e ofereceram muito colo e amor quando precisei. Pessoas maravilhosas

que sempre me incentivaram a lutar e sorrir diante das mais diversas dificuldades.

Ao meu namorado que me acompanhou e me incentivou a cada momento

deste trabalho e tanto me escutou e me apoiou.

À Deus por me dar a vida e saúde para trilhar este caminho que escolhi e a

força necessária para continuar esta jornada.

Beatriz C. Ramiro

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AGRADECIMENTOS

À Universidade São Marcos pela oportunidade de realizar esta aprendizagem.

Ao Professor Tiago Lopes de Oliveira que tornou possível este percurso

através de sua orientação e suporte.

Ás Professoras Ana Maria Guirado e Sônia Motinho que generosamente

aceitaram o convite para qualificar este trabalho.

Á instituição pela oportunidade que ofereceu ao disponibilizar seu espaço

para a pesquisa, bem como aos jovens colaboradores pelo auxílio ofertado.

Aos inesquecíveis amigos que conquistei ao longo deste percurso pela

Universidade: Adélia, Fernando, Daniele, Daniela, Raquel e Elizabeth, que me

ofertaram momentos de muita diversão, além da paciência que demonstraram em

momentos mais difíceis. Com certeza, esta amizade se eternizará!

Á minha parceira e companheira Beatriz, que se mostrou uma grande amiga,

estando sempre disposta e paciente, mesmo nos momentos de dificuldades e

incertezas. Percorrer este caminho ao seu lado foi enriquecedor, além de divertido.

Esta relação de amizade e companheirismo perdurará para sempre!

Aos meus pais, Eder e Neide, por me ofertarem a possibilidade de cursar a

Faculdade, bem como por constituir a base que me sustentou e amparou com muito

amor e dedicação durante toda esta trajetória. A eles o meu respeito e amor!

Às minhas irmãs, Vanessa e Graziella, e ao meu sobrinho João Victor, que

com muito carinho me incentivaram nesta realização.

Á Deus pela oportunidade de percorrer caminhos enriquecedores, além do

discernimento necessário que me possibilitou conhecer a Psicologia e nela me

realizar.

Josiane A. Gitti

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“Bola pra frente, que atrás vem gente”

Pauleta

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Construção dos Pré- Indicadores no Contexto Atual de Abrigo 50

Quadro 2 - Construção dos Pré-Indicadores no Contexto de Projeção do Futuro 53

Quadro 3 - Construção dos Indicadores 55

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RAMIRO, Beatriz Cianga; GITTI, Josiane Alegre. Adolescente Institucionalizado: O Impacto Emocional Frente à Iminência do Des-Abrigamento (Trabalho de Conclusão de Curso) apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade São Marcos, 2009. p. 94

Resumo

O presente trabalho teve por objetivo analisar e compreender como é realizado o

processo de desligamento do adolescente que está prestes a completar 18 anos de

idade, conforme promulgado por Lei. Pretende-se apreender os sentimentos

envolvidos nesta etapa e como lidam com estes, bem como a perspectiva deste

adolescente diante do futuro fora da instituição. Foram realizadas duas aplicações

de desenho com dois jovens, do sexo masculino, na faixa dos 17 anos, em um

abrigo em Itaquera vinculado à Igreja Católica. Os dados coletados da produção

foram agrupados e analisados à luz da Teoria Sócio-Histórica. Com a finalidade de

obter uma boa compreensão deste estudo, primeiramente contextualizaremos

historicamente a institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil,

procurando demonstrar como o modelo atual foi configurado. Em seguida,

situaremos a adolescência na concepção Sócio-Histórica e logo após, iremos

discorrer sobre o adolescente institucionalizado propriamente dito. No quarto

capítulo, serão abordados os aspectos emocionais e comportamentais pelo viés da

Sócio-Histórica e ressaltaremos ainda o papel do psicólogo e posicionamento da

sociedade diante deste panorama. Deste modo, compreendeu-se que não é possível

entender a criança e o adolescente institucionalizado descolados da instituição, de

seu contexto, que possui toda uma construção histórica e social, com linguagens,

valores, cultura e relações específicas. Assim como, diante de investimento

emocional e acolhimento pode-se obter um ambiente facilitador para estes jovens,

configurando o abrigo também como uma oportunidade de desenvolvimento para a

criança ou o adolescente.

Palavras-chave: Adolescência – Abrigo – Angústia – Sócio-Histórica

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS

RESUMO

1. INTRODUÇÃO 12

2. OBJETIVOS E MÉTODO 16

3. INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

UMA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL

19

4. CONCEPÇÃO SÓCIO-HSTÓRICA DA ADOLESCÊNCIA 27

5. ADOLESCENTE INSTITUCIONALIZADO 32

6. UMA COMPREENSÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS ASPECTOS

EMOCIONAIS E COMPORTAMENTAIS

39

7. ANÁLISE DE DADOS 47

7.1. Construção dos Pré-Indicadores para Formação de Indicadores 49

7.1.1. Pré-Indicadores no Contexto Atual de Abrigo 50

7.1.2. Pré-Indicadores no Contexto de Projeção do Futuro 53

7.2. Análise dos Núcleos de Significação 58

7.2.1. Angústia em Relação à Situação de Abrigo 59

7.2.2. Projetos Futuros 64

7.2.3. Ansiedade de Expectativa Frente ao Desligamento da Instituição 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS 71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74

ANEXOS 77

Anexo A - Relatório do Encontro 78

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Anexo B - Faça um desenho que responda a seguinte pergunta:

“Como você se sente agora no abrigo?”

84

Anexo C - Faça um desenho que responda a seguinte pergunta:

“Como você se sente ao se imaginar fora do abrigo?”

88

Anexo D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92

Anexo E - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Menor 93

Anexo F - Carta de Apresentação dos Alunos a Instituição 94

Anexo G - Autorização para Realização de Pesquisa com Participante 95

Anexo H - Autorização para Realização de Pesquisa com Representante 96

Ata de Defesa de Trabalho Final de Curso 97

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1. INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa foi sugerido após a nossa participação na Liga de

Psiquiatria Infantil da Universidade de São Paulo sobre transtornos ansiosos.

Pensou-se em pesquisar o transtorno de ansiedade de separação em crianças ou

adolescentes. Ao considerar a separação dos pais em uma situação de abrigo,

procuramos conhecer uma instituição na Zona Sul de São Paulo para podermos

analisar este contexto. Através de uma observação do local e de uma entrevista

informal com o psicólogo responsável por este abrigo, obtivemos o conhecimento de

que os jovens ali instalados não conseguiam aproveitar nenhuma oportunidade que

a instituição lhes oferecia, como um emprego, por exemplo. Após algum tempo, eles

acabavam por abandonar o local de trabalho, sem perceberem a necessidade de

conquistarem autonomia, uma vez que logo teriam que ser desligados do abrigo.

Ainda de acordo com o profissional, muitos acabavam se envolvendo com drogas e

até mesmo furtos, além de inúmeras reclamações recebidas da escola. Este

psicólogo declarou que o seu papel na instituição limita-se a acompanhar os

adolescentes em questões escolares e no Fórum. Caso busque alguma estratégia

ou recursos para trabalhar com os abrigados, a Diretoria proíbe suas iniciativas. Ele

afirmou que se sentia “engessado” (SIC). Ao fim da visita, chamou-nos a atenção a

questão do desligamento que o adolescente era obrigado a fazer após completar 17

anos e 11 meses. Foi possível constatar uma carência de suporte psicológico que

possibilite a este jovem reintegrar a comunidade de forma satisfatória, embora

reconheçamos que o problema seja muito maior que apenas uma questão de

psicoterapia. Assim, nosso foco voltou-se para os sentimentos que são mobilizados

nesta população com a proximidade do des-abrigamento. Após um levantamento

bibliográfico de material publicado nesta área da Psicologia Institucional e os

sentimentos referentes ao adolescente em processo de desligamento, pôde-se

verificar que muito pouco foi encontrado, ressaltando-se ainda que sobre crianças há

muitas pesquisas, mas com relação aos adolescentes pouquíssimos estudos foram

feitos, de acordo com o levantamento de pesquisas realizadas através de catálogos

bibliotecários da Universidade de São Paulo, PUC e Universidade São Marcos, além

de bases de pesquisas online como: www.bireme.br, www.scielo.org,

www.eric.ed.gov, dentre outras. Ao constatar que este estudo teria certa carência

de respaldo teórico específico, ficou estabelecido que fossem tratados os temas

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mais periféricos, ficando por conta deste trabalho a análise e a inter-relação da

proposta de pesquisa com os objetivos centrais desta.

Realizamos mais duas visitas ao abrigo da Zona Sul, onde o psicólogo

mostrou-se interessado em nos auxiliar neste estudo. Cogitou-se na utilização da

instituição como campo de pesquisa, o que foi bem aceito pelo profissional, que nos

ofereceu respaldo. Entretanto, sem nenhuma justificativa, este psicólogo desligou-

se do abrigo e este, por sua vez, acabou por barrar qualquer possibilidade de

pesquisa no local. Foi possível observar uma certa hostilidade por parte da Diretoria.

Posteriormente, contatou-se um abrigo em Itaquera, que mantém um vínculo

com a Igreja Católica. Outra foi a atitude dos responsáveis, que demonstraram muita

disponibilidade em auxiliar no estudo, embora fosse possível perceber o receio com

a entrada de alunas da Psicologia, uma vez que já passaram por uma experiência

anterior, onde estagiários de outra Universidade acabaram por mobilizar os jovens e

deixaram a instituição sem nenhum suporte posterior. Contudo, após um diálogo

profícuo com o responsável, o educador, foram esclarecidos os procedimentos e a

preocupação com a ética e o bem-estar dos jovens, facilmente disponibilizou-se o

local.

O educador declarou que os jovens estudam, trabalham e auxiliam nos

deveres da casa. Comenta que eles possuem liberdade para saírem da instituição

durante à tarde. Declara nunca ter tido problema, uma vez que confia neles. Relatou

que ele e seus colegas se preocupam com estes abrigados e, por vezes, procuram

recursos que possam trabalhar suas auto-estimas. Neste momento, riu, dizendo que

deu tão certo que os adolescentes acabaram por se “supervalorizarem” (SIC), o que

lhes causou problemas. Salienta que não há psicólogos ali, somente quando são

voluntários. Mostrou-nos fotos de festas que a instituição realiza, onde foi possível

perceber uma boa relação entre os funcionários e os abrigados. Em dado momento,

expôs que tanto ele quanto seus colegas procuram auxiliar no que podem quando

estes jovens precisam se desligar. Buscam ajudá-los a alugar casas que se

encontrem nas proximidades da instituição. Ressalta ainda que mantêm relação com

os que já se foram. Estes os visitam usualmente. De acordo com o relato, também

percebemos que os jovens normalmente não são desligados sozinhos, mas no

mínimo em dois.

Em um outro momento, foi estabelecida a atividade que seria realizada no

abrigo, bem como dia e horário. Os responsáveis pela instituição demonstraram

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muita disponibilidade. Somente havia dois jovens que seriam desligados. Como o

educador nos pediu para que fôssemos cuidadosas em não lhes mobilizar muita

angústia ao nos reportarmos às suas histórias de vida devido ao problema sofrido

anteriormente, preferimos obter alguns esclarecimentos através deste profissional

mesmo. Um dos jovens sofreu a medida de proteção de um abrigo aos 10 anos de

idade, por motivo de falecimento dos pais. Está nesta instituição desde 2004. Já o

outro, aos seis ou sete anos aproximadamente, mantinha-se com uma mãe adotiva,

que o obrigava a trabalhar no sinal de trânsito. Quando o garotinho não conseguia

vender nada, esta mulher o “surrava” (SIC). Desta forma, o próprio menino, ao

conseguir se desvencilhar desta pessoa, fugiu e procurou espontaneamente um

abrigo. Permanece nesta instituição há dois anos. O educador declarou que os dois

jovens passaram por alguns abrigos, afirmando ainda que o segundo chegou a ter

uma passagem pela FEBEM. Logo após, elogia-os pela boa convivência no recinto,

além do esforço e persistência nos estudos e trabalho. Esclareceu-nos também que

há o Programa Família na Comunidade, onde algumas famílias recebem estes

abrigados em determinados finais de semana ou feriados. Por fim, o bom vínculo

que estabelecemos com esta instituição, favoreceu-nos a utilização deste local como

campo de pesquisa.

Desta forma, pretendeu-se compreender como é feito o processo de

desligamento e qual a perspectiva deste adolescente frente a um futuro

desconhecido e possivelmente obscuro. Teve por finalidade apreender a maneira

como este jovem atravessa esta etapa, quais sentimentos emergem e como ele

pode lidar com isto.

De acordo com Cavalcante, Magalhães e Pontes (2007), as sociedades se

deparam, desde diferentes épocas e culturas, com a busca de melhores formas de

se cuidar de crianças e adolescentes dos quais os pais biológicos, por diversas

razões, não puderam cumprir com suas responsabilidades parentais, como o

sustento, criação e educação dos filhos.

Segundo os autores, a separação involuntária dos pais, bem como a

exposição à exploração, violência e abuso, tanto dentro do próprio lar como

externamente, servem como justificativas para a longa permanência de crianças e

adolescentes em instituições abertas ou fechadas, como abrigos, orfanatos,

internatos, hospitais e unidades psiquiátricas.

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Os autores ainda salientam que, desde meados do século XX, vem sendo

debatida a questão dos efeitos da institucionalização precoce ou prolongada de

crianças, com ênfase no período infantil o qual se podem manifestar, de forma mais

intensa e talvez irreversível, seqüelas psicológicas advindas destas formas de

cuidado.

No que tange à construção do sujeito psicológico, observamos em Vygotsky

(2003) que somente poderemos entender um indivíduo através de seu

desenvolvimento sócio-cultural e histórico. É preciso considerar a comunidade onde

se encontra inserido, marcada por uma linguagem e tradições específicas, que serão

responsáveis pela maneira como ele irá se orientar pelo mundo. Vygotsky (2001)

ainda compreende que um sintoma isolado de um contexto não se torna capaz de

desencadear uma emoção, considerando que o sentimento não desponta de um

estado normal por si só. Para o autor, a emoção é caracterizada por um sistema de

reações com os estímulos provocados, interna ou externamente.

Com base nestas considerações, é possível verificar a relevância deste tema

tanto acadêmica quanto social, visto a escassez de materiais procurados nas bases

de pesquisa acima citadas que constassem estudos com este enfoque em nosso

país. Há uma grande necessidade de se desenvolver pesquisas que possam

abranger o funcionamento da criança e do adolescente dentro dos abrigos, que

possibilitem desvendar os sentimentos que são mobilizados ou bloqueados, assim

como sobre o desligamento destes da instituição, com a proposta de buscar

estratégias que possam favorecer uma boa integração do jovem em seu meio.

Por fim, com a finalidade de obter uma boa compreensão deste estudo,

primeiramente contextualizaremos historicamente a institucionalização de crianças e

adolescentes no Brasil, procurando demonstrar como o modelo atual foi configurado.

Bem como, a interferência da religião e as tentativas de correção e reinserção do

jovem na sociedade em suas diversas concepções, evidenciando o caráter punitivo,

coercitivo e repressor que muitas das Instituições tendem a oferecer.

Em seguida, situaremos a adolescência na concepção Sócio-Histórica,

compreendendo a formação da personalidade deste jovem a partir dos sentidos

atribuídos através das relações e experiências vividas dentro de suas etapas críticas

de mudanças de interesse e desenvolvimento biológico.

Logo após, iremos discorrer sobre o adolescente institucionalizado

propriamente dito. Ressaltando os aspectos positivos e negativos do abrigamento,

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considerando a própria institucionalização um evento estressor, cabendo ainda uma

análise sobre o papel do Estado e do psicólogo diante deste campo de atuação.

No quarto capítulo, serão abordados os aspectos emocionais e

comportamentais pelo viés da Sócio-Histórica. A partir da concepção de que o

individuo reage ao ambiente através do processo dialético entre comportamento e

cognição, mediado pelas relações sociais e ambientes facilitadores, será possível

compreender como o jovem se relaciona com seu ambiente físico e social.

Posteriormente, será realizada uma interlocução teórica com os resultados

obtidos da pesquisa feita em campo, para posterior análise e discussão dos dados.

2. OBJETIVO E MÉTODO

De acordo com o exposto, o objetivo deste trabalho é analisar e compreender

as emoções que abarcam este adolescente abrigado de 17 anos com a proximidade

de seu desligamento desta instituição. Revela-se ainda a intenção de contribuir para

uma reflexão sobre o problema, bem como discutir possíveis formas de atuação do

psicólogo com estes indivíduos a fim de obter uma reinserção na sociedade mais

satisfatória.

De acordo com a nossa hipótese, a proximidade do des-abrigamento mobiliza

muita ansiedade e angústia no jovem institucionalizado, que, por não receber um

suporte psicológico adequado, acaba por tornar a perspectiva de seu futuro obscura,

dificultando-lhe obter uma reintegração em sua comunidade mais adequada.

Reconhecemos que a ansiedade e a angústia mobilizam o jovem pelo próprio

fenômeno que caracteriza a adolescência. Contudo, pensamos que a situação de

abrigo agrava tal período. Por exemplo, tivemos a oportunidade de observar no

abrigo da Zona Sul que os adolescentes não se mantinham no emprego que a

própria instituição auxiliava-os a conseguir. É possível que a falta de perspectiva no

futuro, potencializada pelos sentimentos ansiosos, dificulte ao jovem de se apropriar

da necessidade de conquistar a autonomia. Provavelmente, a atuação do

profissional da Psicologia na instituição, oferecendo um suporte a este abrigado,

bem como aos funcionários, possa favorecer aos jovens uma saída menos

angustiante e mais autônoma.

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Foram selecionados para esta pesquisa dois adolescentes, do sexo

masculino, residentes na Instituição, que estão na faixa etária dos 17 anos, prestes a

serem desligados do abrigo. Este abrigo está inserido na comunidade, o que

possibilita a estes jovens utilizar seus recursos como escolas, lazeres, cursos e

também o serviço municipal de saúde. Não utilizam empresas privadas, a não ser

que tenham um caráter filantrópico. Os jovens foram convidados a participar, não

havendo nenhum caráter obrigatório.

Para o campo de pesquisa, utilizou-se de uma casa de acolhimento em

Itaquera, vinculada à obra assistencial da Igreja Católica, onde o objetivo central é o

de propiciar proteção integral à criança e adolescente impossibilitados de estar no

convívio familiar. Oferece-se um local de acolhida, com o intuito de alcançar o pleno

exercício da cidadania dos beneficiários, visando à família de origem ou substituta.

Neste abrigo, encontram-se apenas jovens do sexo masculino. Ao completar

17 anos e 11 meses, são desligados automaticamente da instituição.

Para melhor investigar o nosso objeto de estudo, avaliou-se a necessidade da

elaboração de um instrumento próprio que satisfizesse as necessidades desta

pesquisa. Desta forma, optou-se pela realização de um encontro com os jovens,

onde foi estabelecida uma conversa inicial de esclarecimento e, posteriormente,

foram aplicados dois desenhos. No primeiro, os adolescentes foram instruídos a

esboçar o que sentiam naquele momento ao pensar em suas vivências dentro do

abrigo e, logo em seguida, foi-lhes requisitado que escrevessem sobre o que o

desenho significava para eles. No segundo, instigou-se aos jovens desenhar sobre o

que sentiam ao se imaginarem fora do abrigo. Em seguida, descreveram o que

aquele desenho representava para eles.

Com base na teoria proposta por Bauer e Gaskell (2004), delineamos esta

pesquisa de acordo com os princípios estratégicos que foram estabelecidos.

Compreende-se que a pesquisa deve se apoiar em dados sociais construídos,

principalmente através da comunicação. Os métodos para fazer esta coleta foram

avaliados respeitando as diferentes situações sociais e demandas.

Pretendeu-se, neste estudo, caracterizar o risco mínimo aos participantes,

sendo realizado somente com a autorização do Comitê de Ética da Universidade

São Marcos. Seguiram-se os preceitos éticos que regem a realização com

pesquisas em seres humanos, como ditada na Resolução Nº. 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde/MS (1997) e a Resolução Nº. 016/2000, promulgada pelo

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Conselho Federal de Psicologia (2000). Foram solicitados a assinatura dos Termos

de Consentimento Livre e contratos verbais, assegurando-se a voluntariedade de

participação. Também foi solicitado o Termo de Concordância na Instituição no

papel do educador do abrigo, que mantém a guarda formal dos adolescentes. Os

instrumentos foram aplicados na própria instituição, em horário previamente

marcado, com a viabilidade da casa e dos jovens. Preocupamos em não retirá-los de

nenhuma outra atividade programada.

A análise dos dados obtidos foi realizada através dos Núcleos de Significação

propostos por Aguiar e Ozella (2006), que tem por finalidade apreender os sentidos

que constituem o conteúdo do discurso do sujeito, que advêm de suas experiências,

bem como do tipo de relação que este sujeito estabelece com elas.

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3. INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

UMA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL

Para uma melhor compreensão de como se estabeleceu a atual estrutura de

abrigamento de crianças e adolescentes no Brasil, optamos por descrever o

contexto histórico de tal questão em nosso país.

É possível verificar uma longa tradição de internação de crianças e

adolescentes em instituições no Brasil. Foram criados em nosso país, desde o

período colonial, colégios internos, seminários, asilos, escolas de aprendizes de

artífices, educandários, reformatórios, entre outros modelos institucionais que

variaram de acordo com as tendências educacionais e assistenciais de cada época

(ARRUDA, 2006, p.19).

Em 1549, surge a Congregação Religiosa Companhia de Jesus com o

objetivo de converter os nativos. Ao deparar-se com a dificuldade de evangelizar os

adultos, a prioridade passou a ser o ensino das crianças, uma vez que estas

poderiam mediar a conversão dos mais velhos. Desta forma, foram criadas as

Casas dos Muchachos, custeadas pela Coroa portuguesa, onde abrigavam os

“curumins” ou “meninos da terra”.

De acordo com Arruda (2006), posteriormente, estas Casas foram também

ocupadas por órfãos e enjeitados de Portugal:

Os castigos eram freqüentes nas Casas, principalmente àqueles que

fugiam delas. Entretanto, os padres não tinham o costume de aplicar

pessoalmente os castigos delegando a alguém de fora da Companhia essa

tarefa, (p.20).

A autora ainda salienta que, devido aos problemas com os meninos que

chegavam à puberdade, como a própria dificuldade na evangelização dos adultos,

levaram os padres a utilizar o temor e a sujeição para converter, estruturando,

assim, um sistema rígido de disciplina, vigilância e castigos corporais.

No decorrer do século XVI, foram criados, no Brasil, vários colégios pela

Companhia de Jesus, cuja finalidade principal era tanto a formação de religiosos

quanto a instrução superior dos filhos provenientes das camadas mais privilegiadas.

Vale ressaltar que, no período colonial, nem o Estado nem a Igreja assumiram

a assistência direta das crianças abandonadas: os jesuítas não chegaram a criar

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uma instituição destinada à infância desamparada. Este papel coube à sociedade

civil, organizada ou não, que, compadecida, preocupou-se com a sorte destes

pequenos desvalidos e sem família.

Na época da escravidão, não havia um mercado propriamente dito de

crianças cativas: “As transações se faziam com freqüência nas etapas finais da

infância” (ARRUDA, 2006, p.22). O principal objeto de investimento senhorial eram

as mães e não seus filhos.

Considerando as condições precárias de sobrevivência daquela época, as

crianças que escapavam da morte perdiam cedo seus pais, ou pela morte ou por

mudança do local de trabalho. Entretanto, estas crianças não ficavam sós, pois

havia uma rede de relações sociais escravas, especialmente do tipo parental. Desta

forma, os pais providenciavam um padrinho ou madrinha para seus filhos assim que

nasciam com o intuito de não deixá-los abandonados.

Já no século XVIII, conforme aponta a autora, surgem as primeiras

instituições com o objetivo exclusivo de proteger a infância desvalida no Brasil: as

Rodas dos Expostos e os Recolhimentos para Meninas Pobres.

A Roda dos Expostos, relata Arruda (2006), tinha por finalidade dar proteção

aos bebês abandonados. Este sistema foi criado na Europa medieval, procurando

garantir o anonimato dos expositores, estimulando-os a levarem os bebês para a

roda, ao invés de abandoná-los nos bosques, ruas, lixo, etc. Desta forma, defendiam

a honra das famílias cujas filhas engravidaram antes do casamento.

De acordo com Galvão (2005), este recurso foi estimulado tanto pelas

instituições religiosas quanto pelo Estado e se caracterizava por ”recolher crianças

recém-nascidas, filhas ilegítimas de mulheres livres que, pela moral da época,

causavam escândalo social para as famílias nobres” (p.10).

No Brasil, a Roda dos Expostos foi uma das instituições de maior duração:

“na Colônia, perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se

durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950!”

(MARCÍLIO 2003 apud ARRUDA 2006, p.53).

Entretanto, como era impossível dar conta de todas as crianças

abandonadas, uma vez que o encargo com os expostos era uma tarefa pesada,

custosa e difícil, muitas destas crianças acabavam por perambular pelas ruas,

prostituindo-se ou vivendo de esmolas e pequenos furtos.

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Com relação aos Recolhimentos, levanta Arruda (2006), estes seriam

complementares à Roda. O principal objetivo era proteger a honra das meninas,

além de oferecer-lhes instrução e treinamento pessoal e fornecer um dote para um

futuro casamento. Porém, ressalta a autora, era possível verificar divisores raciais e

sociais nestes estabelecimentos: às meninas “órfãs brancas” era oferecida uma

formação religiosa, moral e prática de boas empregadas domésticas e donas-de-

casa enquanto as “meninas de cor” apenas recebiam formação de empregadas

domésticas e semelhantes. Em tais abrigos, exercia-se um intenso controle sobre a

sexualidade.

Com relação aos meninos, devido ao fato de não haver uma preocupação

com sua honra e virtude, como no caso das meninas, raras foram as instituições

criadas para sua proteção, antes do século XIX. A primeira instituição com o fito de

cuidar dos meninos abandonados foi a Casa Pia e o Seminário de São Joaquim, em

Salvador. A segunda foi o Seminário de Santana, criada em São Paulo, em 1824.

Posteriormente, surgiram as Companhias de Aprendizes Marinheiros e as

Companhias de Aprendizes do Arsenal da Guerra, onde os meninos permaneciam

por nove anos ou até a maioridade. Muitos deles, após aprenderem um ofício, eram

encaminhados aos navios de guerra.

Nos últimos anos do Império, foram criadas várias instituições para atender os

imigrantes, considerando o grande fluxo migratório naquele período. Como exemplo,

aparece o Orfanato Cristóvão Colombo, em 1895, que estava voltado ao amparo e

educação de filhos de imigrantes italianos.

Ainda segundo Arruda (2006), devido à necessidade de desenvolver novos

hábitos produtivos em substituição à mão-de-obra escrava liberta, surgiram novas

formas assistenciais em São Paulo.

Galvão (2005) ressalta que a infância desponta como parte da questão social

no final do século XIX, a partir da adoção do modelo republicano, marcado “pela

industrialização e pelo crescimento de duas grandes cidades, Rio de Janeiro e São

Paulo, pela abolição da escravatura, pela criação da força de trabalho livre urbana e

forte onda de imigração do estrangeiro” (p.10).

Desta forma, afirma Arruda (2006), tanto o processo de industrialização, bem

como o crescimento demográfico, a concentração urbana das populações e o

aumento dos índices de pobreza colocaram em evidência a criança e o adolescente

abandonados e/ou infratores. Isto levou a uma exigência de respostas do Estado à

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questão social que vinha se configurando, pois as instituições filantrópicas que

atendiam adolescentes opunham-se ao acolhimento dos jovens “incriminados

judicialmente”.

Diante de tantas pressões, salienta a autora, o Estado criou várias instituições

de regime prisional para o atendimento destes menores no Brasil. Assim, em 1902,

surge o Instituto Disciplinar de São Paulo, posteriormente chamado de Reformatório

Modelo, onde hoje se encontram instaladas várias unidades da FEBEM. O objetivo

era a recuperação do jovem infrator.

O movimento para elaboração de leis que protegessem e assistissem a

infância culminou tanto na criação, no Rio de Janeiro, do primeiro Juízo de Menores

do país, como na aprovação do Código de Menores, em 1927, idealizado por Mello

Mattos, que foi o primeiro juiz de menores do Brasil.

Segundo Galvão (2005), após a criação do primeiro Código de Menores,

crianças e adolescentes deixaram de ser objetos de caridade, passando a ser foco

de políticas públicas. O Código trazia o ideário higienista, propondo-se a difundir “as

noções elementares de higiene infantil entre as famílias pobres, destacando-se a

necessidade de vacinação e de proteção às crianças, aos doentes e aos

moralmente abandonados” (Vieira, 2003 apud Galvão, 2005, p.09).

Contudo, havia muito preconceito na maneira como eram rotulados os

menores:

A produção discursiva de todo o período da forte presença do Estado no

internamento de menores é fascinante, pelo grau de certeza científica com

que as famílias populares e seus filhos eram rotulados de incapazes,

insensíveis, e uma infinidade de rótulos (RIZZINI e RIZZINI 2004 apud

ARRUDA,2006, p.31).

Nesta perspectiva higienista, ressalta Galvão (2005), os pobres eram

divididos em dois tipos: “pobres dignos” – são os trabalhadores que possuem uma

família unida e que observam os costumes religiosos; e os “pobres viciosos” – são

aqueles que não estão inseridos no mundo do trabalho sendo, portanto, portadores

de delinquência. Assim, a preocupação com a infância pobre era de que esta

pudesse constituir futuramente uma “classe perigosa”. Consideravam os espaços

públicos como uma grande escola do mal:

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Estes espaços seriam ocupados pelos ‘menores’, a infância perigosa

(compreendendo os ‘menores’ infratores) e a infância em perigo, esta

última seriam os pobres e os desassistidos que ficariam expostos aos

outros ‘elementos’, ou seja, aos criminosos, degenerados e irrecuperáveis

que ocupavam aqueles espaços urbanos. (BASTOS, 2002 apud GALVÃO,

2005; p. 21, 22).

Ainda de acordo com a autora supracitada, a interferência do poder disciplinar

dos higienistas e do poder médico contribuiu para que a assistência à infância se

tornasse um serviço especializado, diferenciado, com uma finalidade específica.

Deste modo, ao apresentar um desvio de conduta, tanto crianças como

adolescentes deveriam ser estudados, examinados e qualificados, buscando um

enquadramento dentro dos padrões morais, físicos, sociais, afetivos e intelectuais.

Desta forma, vai sendo construído o modelo de família nuclear burguesa, que

permanece sob a tutela dos médicos:

Detentores do saber-poder e filhos da ciência, eles serão aqueles que

orientarão a todos como se comportar, morar, amar, relacionar-se

sexualmente, comer, dormir, trabalhar, viver, criar os filhos e, até mesmo,

como e onde deverão ser enterrados. (BASTOS, 2002 apud GALVÃO,

2005, p.19,20)

Vieira (2003) apud Galvão (2005) ainda ressalta que, dentre os especialistas

responsáveis pela questão do “menor”:

Destacam-se o higienista, que devia se preocupar com as questões

relativas à saúde, nutrição e higiene; o educador, que devia cuidar da

disciplina, instruir e tornar o menor apto para se reintegrar à sociedade e o

jurista, que devia garantir, pela lei, essa proteção e assistência (p.09).

Em 1941, levanta Arruda (2006), no Rio de Janeiro, é implantado pelo

governo de Getúlio Vargas o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Neste

período, era preciso intervir junto ao menor em nome da defesa nacional. O SAM

criou fama de “fabricar criminosos”, segundo a autora.

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Pereira Júnior (1992) apud Galvão (2005) relata que o SAM vai ao encontro

dos princípios estabelecidos no Código de 1927, reconhecendo que “o ‘menor’

(delinquente ou abandonado) necessita passar por um processo de ressocialização,

pautado na coerção, para que distorções fossem corrigidas, possibilitando sua

reintegração na sociedade” (p. 19). O SAM, no geral, tinha por base a internação.

Neste período, surge grande parte dos reformatórios, casa de correção e orfanatos,

todos com uma organização similar aos do sistema penitenciário.

Em São Paulo, a partir da década de 40, a situação dos menores

institucionalizados tornou-se foco de discussões, principalmente devido à violência

nos internatos (ARRUDA, 2006).

Através destas discussões, ressalta a autora, o Juizado de Menores de São

Paulo instituiu, através da Lei de Colocação Familiar, o Serviço de Colocação

Familiar, em 1949. Tinha por objetivo evitar a internação dos jovens, garantindo-lhes

“o direito a um ambiente familiar e com recursos materiais possibilitadores de

atendimento às suas necessidades naturais de crescimento e desenvolvimento”

(p.30). Com esta medida de caráter assistencial, pretendia-se substituir as medidas

correcionais-repressivas de até então. Esta lei permitia, além da ação de colocação

em lar substituto, o atendimento do menor em seu próprio meio familiar.

Em 1964, com o golpe Militar, desponta um governo marcado pela restrição

de direitos. É instituída, neste regime, a Política Nacional do Bem – Estar do Menor

(PNBM) e, como agente executora desta política, surge a Fundação Nacional do

Bem – Estar do Menor (FUNABEM). Desta forma, a questão do menor é inserida nos

aspectos psicossociais da política de segurança, uma vez que problemas sociais tais

como o abandono e corrupção de menores poderiam desencadear uma

desestabilização da ordem vigente (GALVÃO, 2005).

A família levanta a autora, passa a ser defendida como valor universal e única

solução para atingir o bem-estar do menor. Assim, punia-se com a perda do poder

familiar os pais que não tivessem a possibilidade de prover as necessidades básicas

das crianças e adolescentes. Portanto, recai sobre a família a responsabilidade pelo

abandono e “delinquência”.

Entretanto, segundo Arruda (2006), apesar da tônica de não internação, a

censura e o silêncio auxiliavam poderosamente os oficiais a manterem a política de

internação “nas piores condições que fossem, longe dos olhos e ouvidos da

população” (p.31).

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Na cidade de São Paulo, era comum enviar crianças para internatos no

interior. Assim, afastava-se a criança da família, realizando uma “limpeza” nas ruas

da cidade.

Em 1979, levanta a autora, é instaurado o novo Código de Menores, que

expõe as famílias, por sua situação de pobreza, à intervenção do Estado.

Após a criação da Secretaria do Menor do Estado de São Paulo, foi instalado,

em 1987, o SOS Criança, que agiu como uma central de triagem e encaminhamento

de crianças e adolescentes para um abrigamento.

Já em 1990, levanta Arruda (2006), é incluído o artigo 227 na Constituição

Federal:

Art.227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança

e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, crueldade e opressão. (Brasil – Constituição da República

Federativa do Brasil; 2001: 135,136)

Ainda no mesmo ano, é instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente – o

ECA. Trata-se de um marco para os direitos da população infanto-juvenil brasileira.

Desta forma, instala-se o paradigma de direitos e proteção integral à criança e ao

adolescente. Portanto, é determinada uma nova forma de gestão participativa entre

Estado e Sociedade.

A partir do ECA, afirma Galvão (2005), passa-se a exigir um novo padrão de

atuação do Poder Público. Houve uma descentralização, uma ampliação das

responsabilidades do poder local, assim como um desenvolvimento da política

social. Para tal fim, foram criados os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais

da Criança e do Adolescente que, de acordo com Galvão (2005) citando Bastos

(2002), “constituíram-se enquanto órgãos deliberativos e controladores das ações

em todos os níveis” (p.18). Com relação à sociedade civil, foi conferido o direito de

participação na definição de diretrizes e acompanhamento do programa através do

Conselho de Direitos e Conselho Tutelar.

Em resumo, com base em Vieira (2003) apud Galvão (2005), é estabelecida

uma periodização de mudanças paradigmáticas com relação às proposições de

políticas públicas ocorridas com o foco na infância e juventude. O primeiro período é

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o Modelo “Correcional – Repressivo e Assistencialista”, que teve início com a

promulgação do primeiro Código de Menores, em 1927. O segundo período é

demarcado em 1964, com a instituição da Política Nacional do Bem – Estar do

menor (PNBM) e da Fundação Nacional do Bem – Estar do Menor (FUNABEM): o

Modelo “Assistencialista e Repressor”. Já o terceiro, surge em 1988, com a inclusão

do artigo 227 na Constituição Federal: é a “Doutrina de Proteção Integral”.

Assim, conclui-se que a constituição dos atuais abrigos tem suas raízes na

trajetória histórica, advindo de tendências educacionais e assistenciais diferentes,

podendo ser observadas até mesmo práticas higienistas. Verifica-se ainda, nesta

passagem histórica, a interferência da religião no acolhimento de crianças e jovens

abandonados, com o objetivo de conversão e adequação às regras, disciplinas e

valores morais da época. Com o avanço da tecnologia e industrialização, surgiu uma

nova demanda social, onde o Estado passou a intervir nesta população com o

objetivo de ressocializar o jovem marginalizado e infrator para reinseri-lo na

sociedade. Entretanto, tais práticas ficaram apenas na teoria, enquanto na realidade

se caracterizaram por instituições de caráter punitivo, correcionais e repressoras.

Diante do abuso de poder e de medidas corretivas ineficientes, surge a

criação de leis protecionistas às crianças e adolescentes, que visam garantir seu

bem-estar e qualidade de vida, ainda que fora do ambiente familiar, com a criação

de abrigos que acolhessem estes menores na impossibilidade de estarem em seus

lares, provendo-lhes e assegurando seus direitos estabelecidos.

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4. CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA ADOLESCÊNCIA

Este capítulo visa situar o período da adolescência dentro da teoria Sócio-

Histórica.

Primeiramente, para contextualizar a adolescência, muitos autores desta

teoria partem da compreensão da infância e como esta se desenvolve até a

juventude.

Conforme aponta Vygotsky (2003), somente poderemos entender a natureza

humana se levarmos em conta o desenvolvimento sócio-cultural dos indivíduos, uma

vez que desde o nascimento, a criança passa a integrar uma comunidade marcada

por uma linguagem, hábitos, gestos e tradições específicos, responsáveis por

orientar o desenvolvimento infantil. Para ele, o que nos torna humanos é a

capacidade de utilizar instrumentos simbólicos mediados através da linguagem nas

relações interpessoais vividas.

De acordo com o autor, a criança aprende conceitos socialmente adquiridos

de experiências passadas, trabalhando com estas situações conscientemente.

Considerando que uma transformação social possa alterar o funcionamento

cognitivo, reduzindo preconceitos e conflitos sociais, conclui-se que os processos

psicológicos sejam de natureza social. Portanto, devem ser analisados e trabalhados

através de fatores sociais.

Marx afirma que mudanças históricas, tanto na sociedade como na vida

material, produzem mudanças na natureza humana, ou seja, consciência e

pensamento. Para Engels, o homem transforma a natureza e, desta forma,

transforma a si mesmo, através do trabalho e da utilização de instrumentos.

Vygotsky, por sua vez, estende o “conceito de mediação na interação homem –

ambiente pelo uso de instrumentos, ao uso de signos” (VYGOTSKY, 2003, pág.09).

O estudioso russo considera que a internalização do sistema de signos

proporcionados pela cultura possibilita transformações comportamentais,

estabelecendo uma ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento do

indivíduo. Desta forma, “o mecanismo de mudança individual ao longo do

desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura” (pág.10).

Para o autor, as relações sociais constituem a psicologia da criança desde o

princípio. Portanto, a criança é um ser social: “não se pode compreender a criança

fora de suas relações com a sociedade na qual está vivendo e desvinculada de suas

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interações com os sujeitos e com a cultura do grupo social no qual está inserida”

(VYGOTSKY, 2003, pág.42). Tais relações constituem sua subjetividade, forma de

sentir, pensar e agir sobre o mundo.

O psicólogo russo parte do princípio da atividade mediada, onde conceitos e

linguagem dão força e estratégia à atividade cognitiva. O homem tem a capacidade

de criar estruturas de ordem superior, que substituirá e dará novos valores às

estruturas conceituais superadas, aponta Bruner (2000) apud Vygotsky (2003).

Portanto, é possível ao homem aprender e dominar a natureza, libertando-se dos

esforços e resultados anteriores através deste instrumento. O estudioso introduz

uma perspectiva histórica na compreensão do desenvolvimento do pensamento. E

vai além, propondo “um mecanismo por meio do qual a pessoa se torna livre de sua

própria história” (pág. 13). Neste sentido, verifica-se o papel fundamental da

sociedade e da atividade social na elaboração das estruturas de mediação pelas

quais os estímulos do mundo físico são filtrados. Desta forma, verifica-se “muitos

caminhos possíveis para a individualidade e a liberdade” (pág. 13).

Vygotsky (2003) ainda afirma que indivíduos que sofreram traumas

psicológicos e somáticos poderiam ser tratados com artefatos sociais, compensando

os prejuízos sofridos. Considera o apoio social um fator de encorajamento e

orientação, que podem compensar as deficiências físicas e psicológicas. Tais

compensações facultam ao indivíduo o desenvolvimento de suas funções, lendo,

argumentando, comunicando.

Verifica-se a importância do papel da linguagem para este estudioso, que a

considera uma poderosa ferramenta cultural, possibilitando a modificação do nosso

desenvolvimento.

Vygotsky (2000) procurou superar as dicotomias objetividade–subjetividade,

homem–sociedade e significado–materialidade. Sistematizou reflexões sobre

formação de conceitos, significado e linguagem como mediadores do homem. A

palavra é resultante de um processo sócio-histórico, sendo indissociável de seu

significado: “Uma palavra sem significado é um som vazio, que não mais faz parte

da fala humana” (pág.04). Entretanto, entre palavra e significado não há uma relação

direta, uma vez que aquela adquire seu sentido em um contexto determinado.

Portanto, a linguagem é constituída pelo significado e pelo sentido. O primeiro

é construído ao longo da história, pela sociedade e pela cultura, sendo mais formal e

institucional, embora não seja fixo. Ocorre de maneira gradual e lenta. Já o sentido é

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formado individualmente pela experiência pessoal e social. Possui extrema

dinâmica, refazendo-se constantemente em cada ato discursivo. O autor aponta que

o estudo do significado faculta a compreensão e o desvelamento da realidade, visto

estar situado entre o pensamento e a palavra. É através das palavras que o

pensamento passa a existir.

Muitos autores, no estudo proposto por Vygotsky (1996), consideram que os

elementos fundamentais do pensamento do adolescente já existiam na criança de

três anos e que os processos intelectuais continuam a se desenvolver no mesmo

sentido. Contudo, esta teoria se tornou inconsistente por não compreender a

complexidade total do processo de desenvolvimento. Neste sentido, o autor russo

descreve que os mesmos hábitos e mecanismos psicofisiológicos de conduta não

demonstram diferenças significativas nas diferentes etapas do desenvolvimento. Há

um sistema de atração e aspiração completamente distinto e é neste aspecto que se

estrutura a principal diferença nas etapas da infância.

No transcorrer dos cinco anos é formada uma linha de desenvolvimento que

não coincide com a linha de desenvolvimento dos próprios mecanismos de conduta.

Não é possível diferenciar, no desenvolvimento psíquico do adolescente, o processo

de formação dos hábitos e interesses. Porém, é possível observar, como uma

provável linha de raciocínio, que os hábitos não mudam de maneira essencial ao

longo de um ano.

A Psicologia, na opinião de Vygotsky (1996), não diferencia com clareza o

desenvolvimento da orientação dos motivos impulsores do pensamento, assim como

os próprios mecanismos intelectuais.

É durante a adolescência que se observa, com mais nitidez, a relação entre

as necessidades biológicas e as necessidades culturais, que o autor descreve por

interesses. Com o amadurecimento e aparição de novas atrações e necessidades

internas, ampliam-se os objetos de forças incitadoras para os adolescentes: o que

antes não despertava interesse pode se converter em objeto fundamental, que

determinará sua conduta, como se um novo mundo interno surgisse, além de um

mundo exterior completamente novo.

Portanto, para Vygotsky (1996), é possível dizer sobre as etapas da

adolescência como um processo na formação da personalidade, onde há um

movimento dinâmico, com diferentes fases e etapas distintas de desenvolvimento de

novos interesses. Estas etapas coincidem com o ritmo de amadurecimento biológico.

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Para o autor russo, são precisamente descritas três fases da adolescência: o

crescimento (processo de desenvolvimento do organismo); a crise (processos

críticos e novos de mudanças violentas); e amadurecimento (processos que vão

configurar os elementos internos do adulto). Estas fases determinarão

fundamentalmente o estado de amadurecimento sexual, caracterizado através de

um novo sistema de atrações orgânicas, onde aparecem novas necessidades e

impulsos, que constituirão a base de todo o sistema de interesse do adolescente.

Alguns autores rebatem a segunda fase, descrevendo-a como positiva, pois há uma

orientação para outros interesses, que também fazem parte de um contexto social

bem organizado, assim como também se encontram marcados por momentos de

afirmação, substituindo conceitos antigos.

Com relação a este sistema de interesses, o autor define-o como uma etapa

de aparecimento de novas atrações, que constituem a base orgânica, e uma etapa

de amadurecimento de um novo sistema, que se estrutura sobre as novas atrações,

rompendo e extinguindo velhos interesses.

De acordo com Peters apud Vygotsky (1996), a primeira fase do adolescente

trabalhador e de classe social inferior é igual à fase de um adolescente de renda

mais elevada. No entanto, devido às condições de vida deste primeiro, seu

desenvolvimento se torna mais intenso de uma fase para a outra, bem como alguns

interesses se apresentam mais reduzidos e restritos. Assim, acabam por ficarem

limitados em seu desenvolvimento natural, inibidos pela necessidade de trabalhar

tão cedo e das duras condições de vida.

Bühler apud Vygotsky (1996) declara que os principais interesses reduzidos

são pela escola, capacidade de trabalho, capacidade criativa, solução de problemas

e atividades mecânicas, configurando sintomas puramente negativos. Ainda aparece

um declínio da atividade produtiva e inquietude geral. O adolescente acaba por se

afastar do meio, adotando uma atitude negativista diante de tudo que o rodeia. Em

certos casos, demonstram uma conduta até mesmo violenta, destrutiva e de

indisciplina, juntamente com outras vivências subjetivas, como estados depressivos,

tristeza e angústia.

Quando o adolescente chega à idade de transição, a sua personalidade se

mistura com fatos do passado, que vão se extinguindo para o futuro, produzindo

certa movimentação nas linhas fundamentais e um estado provisório de

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desorientação. Isto provoca divergências da imagem que tem de si e do meio

circundante, como explica o referido autor.

Para Hetzer apud Vygotsky (1996), a diferença fundamental entre meninos e

meninas, é a tendência a violência e negativismo nos garotos, enquanto nas garotas

é a apatia, passividade e sonolência. Este negativismo é uma reação contra todas

as influências adversas do meio, como a pressão escolar e conflitos familiares.

Porém, são reações instáveis e de pouca duração, desde que o ambiente no qual

ele convive possibilite que descubra novos sentidos, os quais possam ser agentes

criativos, validados em suas realizações acadêmicas, profissionais, artísticas, etc.

Isto permitirá a aquisição de novos interesses, hábitos e conhecimentos, facultando

a continuidade de seu processo de desenvolvimento.

Assim, conclui-se que são as relações sociais que possibilitam o

desenvolvimento humano, a partir da apropriação, por parte de cada criança ou

adolescente, das normas, valores e conceitos, que são mediados através da

linguagem nas vivências. O indivíduo constituirá sua subjetividade através da

atribuição de significados e sentidos próprios, caracterizando a formação de sua

personalidade.

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5. ADOLESCENTE INSTITUCIONALIZADO

O presente capítulo tem por finalidade abarcar o adolescente

institucionalizado propriamente dito, procurando demonstrar as relações que o jovem

estabelece com a casa de acolhimento na qual está inserido, bem como explicitar os

benefícios e malefícios desta e como se posiciona o psicólogo diante deste

panorama.

Sob o olhar da Sócio-histórica, compreende a autora Bock (2002) que cada

indivíduo deve ser situado em sua atividade fundamental, da qual decorre um

conjunto de relações com grupos, instituições e outros indivíduos que devem ser

também considerados. O jovem deve ser visto na sua singularidade e o processo de

desenvolvimento da consciência, em relação com a atividade, deve ser abordado

individualmente.

A relação indivíduo e sociedade, como define a autora supracitada, é

compreendida como uma questão dialética, na qual um constitui o outro. No

conjunto social, através fundamentalmente da mediação, como a linguagem, o

homem desenvolve sua consciência e sua forma de atribuir significados ao mundo.

Este conjunto psicológico de significações (sentidos pessoais) norteiam o homem

em suas ações.

Bock et. al. (2002) ainda ressalta que o adolescente precisa de contato com o

meio para se desenvolver e, para isto, há a necessidade da mediação do outro. Ao

ser negado o caráter histórico dos fenômenos sociais e humanos, seu lugar é

percebido pela sociedade como natural e universal, portanto, destituído de

significados sociais e individuais. O jovem não é visto através de suas características

singulares: seu comportamento é compreendido através da análise de um grupo.

Sob esta compreensão, a noção de adolescência não é entendida como um

período natural do desenvolvimento, mas sim, como uma representação, enquanto

fato social e psicológico, paralela à constituição sócio-histórica do psiquismo

humano. Quando se questiona sobre esta fase, é preciso compreender a

constituição histórica deste período do desenvolvimento, destaca a autora Teixeira

(2003).

Ressalta ainda Teixeira (2003) que a adolescência adquiriu diferentes

configurações na história das civilizações. Até o sec. XVIII, o indivíduo passava da

infância para a fase adulta, onde ele convivia e aprendia com os adultos sobre a vida

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e como deveria se comportar socialmente. Somente no século XIX, que a

adolescência passou a ser definida com características especificas, que

diferenciavam-na da infância e da idade adulta. Porém, alguns fatores tiveram como

conseqüência a separação da adolescência do conjunto da sociedade, já que a

escola estava, de um lado, cuidando da formação e a família, de outro, como

responsável pela tutela. As instituições foram responsáveis pela acomodação do

jovem às exigências da sociedade que se modernizava.

Teixeira (2003) observa ainda que a dimensão da infância entre o brincar,

aprender, participar da sociedade e se preparar profissionalmente, é atualmente um

direito adquirido desde 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do

Adolescente. É neste cenário ambivalente, entre as normas estabelecidas e o

desrespeito institucionalizado, que estão inseridas muitas crianças e adolescentes

em situação de abrigo.

Deste modo, Azevedo e Guerra (2000) descrevem que nos abrigos pode ser

encontrado um perfil de crianças e jovens que incluirá: as mal amadas, que sofrem

as mais variadas formas de abusos afetivos; as mártires, que acabam sucumbindo

às várias formas de violência; as abandonadas, que foram atingidas pela negligência

e desamparo; as comercializadas, que foram transformadas em mercadorias na rede

de prostituição e crime organizado; as trabalhadoras, que se tornaram

mantenedoras da própria família; e as marginais, que encontraram no furto uma

forma de subsistência.

Assim, descrevem as autoras “para que não haja extrapolamento da ordem,

nem nos momentos em que a pobreza chega a seus limites. É que se organiza o

controle social através da ideologia da submissão, da assistência e da repressão”

(p.33).

As medidas de proteção como o abrigamento são consideradas necessárias

quando, de acordo com Siqueira e Dell’Aglio (2006), a família não desempenha o

seu papel de apoio e proteção, tornando-se um fator de risco tanto para o

desenvolvimento como bem-estar de suas crianças e adolescentes. No entanto, as

autoras afirmam que a institucionalização tanto pode constituir um fator de risco

como de proteção. Apontam que não há um consenso na literatura. O desfecho

dependerá dos mecanismos através dos quais os processos de risco operarão seus

efeitos negativos sobre os abrigados.

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Abaid (2008), em seus estudos, evidenciou que crianças e adolescentes, que

se encontram afastados de suas famílias biológicas através de medidas de proteção,

apresentaram maiores escores de sintomas depressivos do que aquelas que se

encontram com suas famílias. Para a autora, isto se deve ao fato de que os jovens

institucionalizados comumente sofreram mais eventos estressores, tais como

violência, maus – tratos e perda dos pais. Destaca ainda, a necessidade de atenção

aos jovens abrigados “tendo em vista os altos percentuais observados na ocorrência

de eventos estressores e de sintomatologia depressiva” (p.30).

A institucionalização de crianças e adolescentes constitui fator de risco para

depressão, segundo alguns autores. Entretanto, o ECA estabelece que o abrigo

“deve ser uma medida protetiva, excepcional e provisória, que visa, em um primeiro

momento, a retirar a criança ou o adolescente da situação de risco em que se

encontra” (ABAID 2008, p.50). Desta forma, tem por função atender às

necessidades diversas do indivíduo em desenvolvimento. Contudo, tal medida

deverá ser temporária, até que a família biológica esteja preparada para receber a

criança ou o adolescente novamente ou a inserção destas em outro lar tenha sido

judicialmente autorizada.

González Rey (1997) apud Lane (2003) levanta que a subjetividade social é

constituída através das instituições, que difundem valores éticos e estéticos. Elas

são incutidas em nosso cotidiano, sutilmente, através das emoções, sem que

tenhamos consciência delas.

De acordo com Cavalcante, Magalhães e Pontes (2007), a separação

involuntária dos pais, bem como a exposição à exploração, violência e abuso, tanto

dentro do próprio lar como externamente, servem como justificativas para a longa

permanência de crianças e adolescentes em instituições abertas ou fechadas, como

abrigos, orfanatos, internatos, hospitais e unidades psiquiátricas. Segundo os

autores, a institucionalização precoce ou prolongada de crianças poderá ocasionar

seqüelas psicológicas de forma intensa e talvez irreversível.

Entretanto, Abaid (2008) esclarece que muitos jovens que sofreram, em

algum momento de seu desenvolvimento, um processo de institucionalização

“apresentaram um desenvolvimento positivo, superando as adversidades e

preparando-se adequadamente para exercer suas funções na vida adulta” (p.68). A

autora ainda afirma que este bem-sair do jovem poderá ser entendido através de

seu bem-estar subjetivo, bem como a partir de aspectos de sua personalidade e

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processos de resiliência. Guará (2006) apud Abaid (2008) acrescenta que nada

impede que o tempo de permanência da criança ou do adolescente dentro do abrigo

seja vivido como possibilidade de desenvolvimento. Portanto, o bem-estar é tão

importante quanto o bem-sair.

Para as autoras Siqueira e Dell’Aglio (2006), aspectos como acolhimento

inadequado na instituição, hostilidade entre os abrigados e monitores, práticas

educativas coercitivas, um alto índice de criança por cuidador, uma rotatividade

significativa de funcionários, a falta de atividades planejadas, assim como a

fragilidade das redes de apoio social e afetivo e a não disponibilidade de

investimento emocional, podem constituir fatores de risco presentes no dia-a-dia dos

abrigados. Contudo, fatores de proteção também podem ser operados na instituição,

tais como: acolhimento, compreensão e respeito às histórias de cada um, bons

vínculos entre os abrigados e destes com os funcionários, bem como a promoção de

um sentimento de proteção, entre outros. Isto favorecerá o estabelecimento de

relacionamentos mais satisfatórios, possibilitando o contato com uma estrutura mais

organizada.

É possível perceber mudanças significativas tanto no ambiente quanto na

qualidade de atendimento das instituições, apontam Siqueira e Dell’Aglio (2006).

Ressaltam ainda que os abrigos, no que se refere às especificações do ECA (1990),

vêm se mostrando mais adequados para atender e proteger crianças e

adolescentes. Desta forma, a instituição poderá constituir fator de risco ou de

proteção ao desenvolvimento do jovem, conforme a maneira como se organizará a

fim de cumprir as estipulações deste Estatuto.

Infelizmente, muitos abrigos espelham-se no modelo carcerário, que ao invés

de proteger e reinserir o adolescente na sociedade, acabam por perverter, excluir e

estigmatizar, produzindo o feito contrário do proposto. Estes têm por obrigação

oferecer ao jovem e à criança de qualquer raça ou classe social, de ambos os sexos,

o direito à satisfação de suas necessidades materiais, intelectuais e afetivas, como

descreve Saffioti (2000). Contudo, nem sempre esta intervenção chega a tempo de

preservar a criança e o adolescente. Deve-se compreender que nem sempre os

interesses destes serão efetivamente garantidos por estarem sob responsabilidade

dos adultos de sua família, uma vez que a criança, em relação ao adulto, é o sujeito

passivo e não necessariamente isso significará que serão ouvidas ou terão seus

direitos respeitados.

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Na visão de Junqueira (2000), a solução é que esta criança ou adolescente

seja ouvido. Desta forma, o Estado poderá fazer uma intervenção no momento

adequado. Somente assim poderão ser questionadas se podem ou não responder

por si mesmas.

Quando retirada de sua família, a criança e o jovem muitas vezes se

encontram em uma situação de desamparo, pois perderam a proteção da família

que os maltratava, mas lhes abrigava. Esta criança não tem voz diante da decisão

do Estado e não tem a sua integridade garantida com a defesa de terceiros, que

somente podem denunciar a sua situação, como esclarece Junqueira (2000).

Baseada no Código de Menores, a autora supracitada descreve que os juízes

responsáveis, muitas vezes estão distantes da realidade destes e, muitas vezes,

sem ouvi-los, decidem sobre seus destinos e para onde serão encaminhados. As

alternativas encontradas visam a tentativa de ajudá-los, encaminhando-os para um

lar substituto, para uma instituição, para a adoção ou casa de parentes, que nem

sempre planejam recebê-los. Ainda é possível verificar a separação de irmãos por

conta da idade e do sexo. Enfim, estas situações fazem com que muitas vezes estas

crianças e jovens se sintam como o verdadeiro problema. Tornam-se vítimas de

suas famílias e do próprio Estado.

Pouco se pensa em reabilitar e oferecer tratamento ou subsídios a estes pais

que não tiveram condições para manter sua família, mas que estão convivendo com

o poder judiciário e com restrições em seus poderes. Isto possibilitaria que, cada vez

menos, estas crianças fossem entregues a guardiões despreparados ou instituições

superlotadas. Compreende-se ainda, que as situações de violência ou negligência

vividas nem sempre são resolvidas através da remoção desta criança para outro lar,

como descreve Junqueira (2000).

Ainda neste contexto, referente ao psicólogo que atua em instituições, Ozella

(2003) descreve que este apresenta algumas diferenças dos psicólogos clínicos por

ter uma visão menos tradicional e uma concepção mais liberal e naturalizante do

adolescente. Identifica nesta fase uma passagem da criança para o adulto. No

entanto, são poucos que possuem uma concepção clara de adolescência.

O referido autor compreende uma fase complicada, ambivalente, com

conflitos e ressignificações, no entanto, inerentes ao desenvolvimento humano.

Muitos profissionais envolvidos afirmam a falta de políticas públicas para os

adolescentes, já que as existentes não estão voltadas às desigualdades. Seriam

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mais eficazes se fornecessem uma assistência integral, com acesso à educação, à

saúde e à cultura.

O autor ainda faz uma crítica às instituições que, por uma visão tradicional e

romântica, deixam os fatores realísticos de lado, como forma de evitar incutir

qualquer tipo de sofrimento ao jovem que tantas coisas já teve que enfrentar.

Contudo, tal abordagem não é eficiente, pois não prepara este indivíduo para sua

reinserção na sociedade.

Algumas instituições já possuem uma visão mais clara de sua atuação,

considerando todas as limitações as quais estão condicionadas, explica Ozella

(2003). Observa-se que uma das características é o trabalho social, em sua maioria

com adolescentes em situação de risco, onde alguns de seus direitos fundamentais

foram violentados, ou a convivência familiar e comunitária ou aspectos de saúde e

educação estão sofrendo algum tipo de risco pessoal ou social. Nestas instituições

se trabalha com a idéia emancipatória, que busca um sujeito autônomo, que tenha

conhecimento de seus direitos e deveres.

Na opinião de Ozella (2003), há uma falta de preparo e articulação desta

prática na formação do psicólogo, que muitas vezes recebe visões fechadas,

construídas e cristalizadas, que não permitem uma crítica e reflexão. Embora isto

não justifique a falta de busca por parte do profissional, pois este trabalho requer

muitas vezes mais um posicionamento como cidadão do que de formação

específica. Ainda falta o estudo sobre a adolescência concreta e real do dia-a-dia.

Para a autora Bock (2007), a falta de atenção ao adolescente em parte é

atribuída à visão institucionalizada, naturalista, universal e patologizante pelos

psicólogos. Uma revisão destes dados atribuiria mudanças na maneira da sociedade

compreender este grupo.

Segundo Azevedo e Guerra (2000), as crianças institucionalizas são aquelas

que na maioria foram vítimas de uma violência marcada pela dominação de classes

e desigualdade social, que requerem a proteção do Estado. Uma violência dita como

estrutural, característica do sistema econômico e político que atinge principalmente

as camadas inferiores.

Estas crianças e adolescente, de acordo com as autoras, são consideradas

em situação de alto-risco, o que significa na prática uma alta probabilidade de

sofrerem de forma permanente, pois foram violados seus direitos humanos mais

elementares, como a vida, a alimentação, a saúde, a educação, a segurança, o

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lazer, o lar, etc. Portanto, encontra-se aí uma possibilidade de atuação e

intervenção.

Deste modo, pode-se concluir que crianças em situação de risco, desamparo

e maus tratos, retiradas de seus lares e geralmente encaminhadas para abrigos,

nem sempre terão salvaguardados seus direitos e interesses, já que há os riscos do

próprio processo de inserção na instituição ou até mesmo em lares despreparados.

Como foi possível observar, instituições inadequadas, que não cumprem as leis do

Estatuto, acabam se tornando fatores de risco a seus abrigados.

Referente ao adolescente institucionalizado, deve-se valorizar a preparação e

reinserção deste jovem na sociedade, sem subjugá-lo ou poupá-lo. Neste aspecto,

surge a figura do psicólogo inserido neste campo. Entretanto, observa-se que nem

sempre se trata de um profissional que recebeu subsídios necessários que o

preparassem teoricamente e lhe tornassem apto a atuar neste cenário.

Compreende-se que para ser mais produtivo, o profissional deve fazer esta escolha

baseada em seus interesses, que o motivem e levem-no a dedicar-se e especializar

nesta área de atuação, para uma intervenção mais eficiente e positiva.

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6. UMA COMPREENSÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS ASPECTOS

EMOCIONAIS E COMPORTAMENTAIS

Finalmente, este capítulo pretende abranger os aspectos emocionais e

comportamentais pelo viés da Sócio-Histórica, que fornecerão subsídios para a

posterior análise dos dados obtidos em campo.

Vygotsky apud Rego (2002) caracteriza cognição e afeto como indissociáveis

no ser humano, uma vez que há uma inter-relação entre elas, ocorrendo assim uma

influência recíproca. Ao considerar o desenvolvimento psíquico, elas formam uma

unidade neste processo dinâmico, embora sejam diferentes. A autora ressalta que o

pesquisador russo afirmava que havia uma necessidade de unificar estes dois

aspectos, intelecto e afeto, a fim de estudar o funcionamento psicológico, visto ser

impossível analisá-los isoladamente.

A teoria Sócio-Cultural de Vygotsky faz uso de métodos baseados no princípio

dialético. Para ele, a relação dialética corresponde ao processo de interação e é

compreendido como um comportamento mediado1 (através de instrumentos e

signos). Funciona como meio de adaptação voltado para o próprio controle do

indivíduo (OLIVEIRA,1993).

O psicólogo russo parte do princípio da atividade mediada, onde conceitos e

linguagem dão força e estratégia à atividade cognitiva. O homem tem a capacidade

de desenvolver estruturas de ordem superior2, que substituirão e darão novos

valores às estruturas conceituais superadas (elementares), aponta Oliveira (1993).

De acordo com Lane (2003), falar e pensar sempre foram priorizados em

detrimento da emoção desde os primórdios, visto serem os primeiros aqueles que

impulsionam as tecnologias e o progresso, enquanto a última parecia prejudicar a

evolução do homem. Por esta razão, a dicotomia sentir emoção e pensar-falar durou

muitos séculos. A autora questiona os motivos do privilégio do cognitivismo e da

desvalorização das emoções culturalmente na psicologia tradicional, chegando a

1 Entende-se por mediado o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação: a relação deixa

de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. Compreendendo este conceito de mediação entre o homem

e o ambiente, pelo uso de instrumentos e signos. (Oliveira, pág. 26, 1993) 2 Vygotsky os descreve como mecanismos psicológicos mais sofisticados, complexos, embora típicos do ser

humano. Envolve o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do individuo no

espaço e momento presentes. A possibilidade de pensar no que não está presente, imaginar eventos, planejar

ações, são atividades superiores que distinguem de mecanismos mais elementares como a sucção, o reflexo e

processos de associação simples. (Oliveira, pág. 26, 1993)

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sugerir que possivelmente se deva a uma influência ideológica que faculte a

manutenção do status quo de uma sociedade. A partir daí, as emoções passam a

ser enfocadas como integrantes das mediações que caracterizam a vida psíquica:

“Além da linguagem e pensamento, as emoções passaram a ser consideradas como

forma de comunicação com os outros, ou seja, com os grupos sociais dos quais

participamos” (p.102).

A referida autora ainda esclarece que, através dos estudos de Vygotsky,

constatou-se que tanto a imaginação como a memória se desenvolvem por meio da

mediação das emoções, pensamento, linguagem, além dos grupos sociais, de onde

são compartilhados a percepção de mundo. De acordo com Lane (2003):

O desenvolvimento da imaginação, segundo este autor, está intimamente

relacionado com a aquisição da linguagem associada às emoções,

caracterizando-se como uma função psiconeurológica superior, a qual

permitirá a construção da memória, e assim incorporar o passado ao

presente (LANE, 2003).

Para Vygotsky, comenta a autora referida, caso o vínculo entre imaginação e

pensamento com a afetividade seja analisado, juntamente com a participação das

emoções nos pensamentos, será possível perceber que a imaginação, bem como o

pensamento realista poderão ser constituídos por um intenso processo emocional e,

além do mais, não existe contradição entre eles.

A memória e a imaginação são algumas das funções neurológicas superiores

desenvolvidas pelas emoções e linguagem. A memória possibilitou o registro da

evolução, permitindo assim a reconstituição histórica da sociedade. No que tange à

imaginação, esta é considerada por Vygotsky (1990) como a porta para a liberdade

do ser humano. A capacidade criativa é constituída através da imaginação. A

criatividade, embora seja caracterizada através das obras de arte, não se restringe a

elas, também pode ser desenvolvida tanto no próprio cotidiano como na própria

identidade, quando o indivíduo quer se tornar diferente dele mesmo. Por meio da

imaginação, torna-se possível inventar tanto coisas novas como também formas de

se relacionar com grupos (LANE 2003).

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Lane (2003) levanta que “os valores dominantes decorrentes de uma

subjetividade social, visando a manutenção da sociedade tal como ela é, nos

impedem a descoberta de novas emoções” (p.108).

Do nosso cotidiano fazem parte as emoções e afetos, conforme aponta Agnes

Heller (1985) apud Lane (2003). Alguns se tornam repetitivos, como os afagos de

mãe, por exemplo. Ao persistirem como sentimentos duradouros, por longo tempo,

acabam por caracterizar a personalidade. No entanto, esclarece a autora, são as

instituições sociais que influenciam tais sentimentos, como a família, a Igreja, o

direito, a educação, que buscam promover a harmonia entre as pessoas, além de

um status quo ao transmitirem a importância de tais sentimentos:

Os estudos de Adorno e outros (1950), sobre a Personalidade Autoritária,

comprovaram que os sentimentos que nos caracterizam têm origem na

maneira como nossos pais nos educaram, podendo gerar sentimentos de

competitividade, de individualismo, e, principalmente, de preconceitos

(LANE, 2003, p.100).

Lane (2003) ainda acrescenta que o cristianismo, assim como todas as

religiões, também recorre a mensagens afetivas, procurando transmitir o

ensinamento da solidariedade, cooperação e amor ao próximo.

Vygotsky (2001) compreende que uma emoção está necessariamente

interligada a outras emoções, sendo que um sintoma isolado de um contexto é

incapaz de provocar uma emoção, já que o sentimento não surge por si só em um

estado normal. A emoção consiste de fato ser um sistema de reações de acordo

com os estímulos provocados, sejam estes internos ou externos.

Como respostas orgânicas, surgem as várias reações: reflexas, motoras,

somáticas e secretórias e, por fim, a dita por Vygotsky como reação circular, que

consiste no retorno das próprias reações ao organismo como novos estímulos: a

percepção da segunda ordem do campo proprioceptivo. São respostas que, para

aquele que sente e o outro que observa as expressões externas, representarão

diferentes noções deste sentimento experienciado.

O autor descreve que as emoções se dão próximas aos instintos. Portanto,

observa-se o comportamento instintivo-emocional como um todo. Esta raiz instintiva

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das emoções nos sentimentos mais primitivos e mais elementares caracteriza os

sentimentos inferiores. Como exemplo cita o medo, como uma forma mais

cristalizada de comportamento que surgiu do instinto de autopreservação.

Há pesquisas que investigaram a existência da relação de estados

depressivos e o aparecimento de certas enfermidades, como as disfunções

cardíacas e o câncer, por exemplo. Levantou-se a hipótese de que qualquer mal-

estar, sendo ele fisiológico ou psicológico, poderá levar ao sentimento de medo e,

desta forma, desencadeará emoções, tais como a ansiedade e a angústia, que, por

vezes, não serão conscientes (LANE 2003). Wallon (1983) apud Lane (2003) afirma

que, caso uma emoção nos paralise, ela também imediatamente nos leva a pensar e

agir:

Porém, algumas pesquisas como a de Denise Camargo, da UFPR,

demonstram a existência de um medo bom e de um medo mau. O primeiro

desafia a pessoa a enfrentar a doença, enquanto o segundo provoca uma

apatia e a indiferença, demonstrada em geral por expressões como: ‘Seja

como Deus quiser’. Em outras palavras, quando uma emoção não

desencadeia o pensamento e, principalmente, a ação, ela poderá nos levar

à autodestruição (LANE, 2003, p.106).

As reações motoras, somáticas e secretórias que constituem a emoção como

um comportamento, formam uma série de reações adaptativas de caráter biológico,

assim como, por exemplo, o sentido de fuga e perigo que também provocam

reações ao organismo. Até mesmo processos internos podem se adaptar a tarefa do

organismo de estado de alerta, provocando mudanças nas secreções internas, como

define Vygostky (2003).

O referido autor compreende que os impulsos são mais nítidos nas crianças,

diminuindo na adolescência e pouco nítidos na fase adulta, uma vez que na criança

o sistema que controla os comportamentos e as emoções atua no papel de órgãos

rudimentares. Atualmente, pela ciência, estes últimos já são menos evidentes, até

mesmo sendo considerados como elementos nocivos e desnecessários ao sistema

de comportamento, como por exemplo, a demonstração da raiva sem controle.

Ainda contesta o fato das emoções serem formas de adaptação decorrentes das

circunstâncias do cotidiano, uma vez que a tendência é de se extinguirem no

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processo de evolução, assim como os órgãos rudimentares - herdados de

antepassados evolutivos, que aparentemente não têm função ou não são

primordiais.

Cada indivíduo se constitui através de inúmeras influências, sendo elas

genéticas ou sócio-históricas, afirma Lane (2003). Portanto, não há uma cópia

perfeita entre pais e filhos no processo de socialização.

Com relação a estas influências, a autora esclarece que:

A partir delas irão se formar as categorias do psiquismo humano, através

das mediações das emoções, da linguagem e pensamento e dos grupos

sociais aos quais pertencemos, ou seja, a afetividade (sentimentos), a

consciência (pensamento e emoção), a atividade (ações dependentes de

outros, associadas a sentimentos e linguagem-pensamento) e a identidade

(que nos inclui, através dos grupos sociais, a uma determinada cultura)

(LANE, 2003, p.100).

De acordo com a referida autora, “sentir, falar, pensar, recordar, criar e

inventar são ações responsáveis pelo ser humano que somos hoje e pelas

possibilidades futuras. São conquistas do homem no processo de transformação do

mundo (p.111).

De acordo com Lane (2003), os afetos, como a raiva, o medo e a alegria,

foram assim caracterizados como um confronto das emoções de origem filogenética

com a capacidade adquirida, ontogenticamente, de uma linguagem articulada, que

possibilita o ser humano transcender o aqui e agora. Isto faculta a ampliação das

dimensões de espaço e tempo do pensamento.

Vygotsky (2001) concorda que as emoções atribuem o caráter complexivo e

diversificam o comportamento emocional de uma pessoa, a partir da observação

cotidiana que pode revelar a presença das emoções no comportamento do individuo.

Para o autor, o comportamento é um processo que se estabelece da

interação entre o organismo e o meio que está inserido. Observam-se, a partir disto,

três aspectos que se estabelecem de forma interligada e em ordem alternada com

relação a esta interação do comportamento ao ambiente. O primeiro caso se

caracteriza pelo organismo como sendo superior ao meio, onde as exigências e

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tarefas atribuídas ao comportamento são executadas de forma tranqüila e sem

tensão pelo organismo. Quando ocorre uma transgressão, esse controle sofre uma

alteração sem qualquer preparo interno, realizando uma adaptação, sem falhas e de

forma imediata, deste organismo com este novo meio que se configura. Neste

processo, há o mínimo de dispêndio de forças e energia.

Outro caso surge quando a superioridade está centrada no meio. Ocorre

quando o organismo inicia seu processo de adaptação sem dificuldades. Contudo,

verifica-se uma excessiva tensão, promovendo o comportamento com a máxima

perda de forças, máximo gasto de energia e com mínimo efeito na adaptação.

O último se caracteriza pelo equilíbrio estabelecido entre o organismo e o

meio, sem um sobrepujar o outro. Estes três casos constituem a base para o

desenvolvimento do comportamento emocional descrito por Vygotsky (2001).

De acordo com Oliveira (1993), ainda estabelecendo esta caracterização na

origem das emoções, é possível observar formas instintivas do comportamento e os

resultados desta correlação do organismo com o meio. As emoções que pertencem

ao primeiro grupo são os sentimentos positivos (força, satisfação, etc.). O segundo

grupo é formado por sentimentos negativos (emoções como depressão, debilidade,

sofrimento, etc.). Já o terceiro caso se constituirá por uma falta de resposta

emocional relacionada ao comportamento.

Vygotsky (2001) aponta que o comportamento emocional possui ramificações

extremamente amplas. Contudo, mesmo nas reações mais primárias, é possível

identificar o momento emocional. O caráter emocional da sensação representa o

interesse e a participação do organismo atuando em conjunto em cada reação

particular de um órgão. Portanto, não se deve pensar que a emoção represente uma

vivência passiva, mas sim ativa, uma vez que conectada à reação, as emoções

regulam e orientam a função do estado geral do organismo. Quando apresentadas

ao organismo, elas o convocam à ação ou renúncia, não permitindo que os

sentimentos permaneçam indiferentes no comportamento. As emoções são

observadas como um organizador interno de nossas reações, excitando,

estimulando ou inibindo os comportamentos.

Portanto, Vygotsky (2001), nesta obra, se propõe a esclarecer que todos os

sentimentos são respostas do organismo ou de algum estímulo do meio. Por isto,

são os próprios mecanismos de reação. A partir de diversos estímulos, é possível

identificar novos vínculos entre a reação emocionai e elementos do meio. As

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emoções podem ser consideradas como um sistema de reações prévias, que

comunicam ao organismo, de forma simultânea, o seu comportamento e as formas

de reação deste.

Vygotsky (2001) propõe que a habilidade de controlar sentimentos é a

capacidade de dominar as reações ligadas a eles, isto é, controlar a expressão

externa. Por isso, o sentimento só pode ser dominado através de sua expressão

motora, como por exemplo, aprender a não fazer careta quando algo desagrada. É

deste ponto que o autor discursa sobre a capacidade de educação dos sentimentos,

além da administração e desenvolvimento dos comportamentos conscientes.

No início da vida, a criança tem apenas sensações orgânicas (tensão, dor,

calor). Assim que desenvolve funções nervosas que possibilitam o controle destas

sensações, o que é possível pela mediação nas relações interpessoais que vivencia,

passa a perceber a realidade na qual está inserida, segundo Vygotsky (2001).

Para Bühler apud Vygotsky (2003), referindo-se à fase inicial do

desenvolvimento, tanto a vida psíquica quanto a atividade da criança não se

encontram determinadas pelo princípio do prazer, uma vez que o próprio prazer na

infância, que impulsiona à realização de tal ou qual coisa pela criança, pode migrar

dentro do sistema de outras funções no psiquismo. O referido autor esquematiza o

desenvolvimento do comportamento em três fases, demonstrando que o momento

do prazer se desloca de acordo com o desenvolvimento infantil. A primeira fase é

caracterizada pelo Endlust, ou seja, o prazer final, onde os processos instintivos,

como a fome e a sede, que são desagradáveis, são saciados. Isto também se

relaciona com a atração sexual no homem, uma vez que o momento central do

prazer consiste na resolução do ato instintivo. A partir daí, Bühler conclui que a

emoção do prazer cumpre o papel resolutório do instinto. A segunda fase constitui o

prazer funcional (Funktionslust), onde o que causa o prazer à criança é o próprio

processo da atividade, isto é, houve um deslocamento do prazer da fase final da

atividade para o seu conteúdo, o seu funcionamento. É possível verificar tal questão

ao se observar uma criança durante as refeições, uma vez que esta passa a obter

prazer não somente através da saciação, mas durante a própria alimentação em si.

Por fim, na terceira fase há uma antecipação do prazer, ou seja, “com a sensação

emocionalmente impregnada, que surge no começo do próprio processo, quando

nem o resultado nem mesmo a execução da ação constituem o ponto central da

sensação global da criança, mas quando este ponto central se desloca para o

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começo (Vorlust) (p.99). Por exemplo, a criança primeiro encontra a solução com

alegria, depois executa. Entretanto, o resultado da ação já não apresenta tanta

importância.

Depreende-se, a partir disto, que a atividade instintiva é predominada por uma

organização da vida emocional que está relacionada ao momento final. Já o prazer

experienciado durante o próprio processo caracteriza o momento biológico

necessário para a formação de qualquer hábito, onde observa-se a exigência de que

a própria atividade encontre em si mesma, e não através de seus resultados, um

estímulo de apoio o tempo todo. Por último, há a atividade transformada em

intelectual, que se constitui por uma organização da vida emocional infantil onde a

criança apresenta uma manifestação de emoção no começo do processo. Percebe-

se que o próprio prazer movimenta a atividade infantil, distintamente das outras

fases (VYGOTSKY, 2003).

Portanto, para os autores citados, as emoções estão na constituição do

comportamento, determinando-o, bem como também resultando deste, visto que no

contato com o ambiente, físico e social, o indivíduo, que é suscetível aos estímulos e

não fica indiferente a eles, reage de acordo com o que já foi construído socialmente

a partir do processo dialético entre comportamento e cognição, mediado através dos

instrumentos e signos disponibilizados nas relações sociais.

Assim, conclui-se que todos os novos indivíduos têm a capacidade de

desenvolver estruturas psicológicas que os humanos que os precederam já

desenvolveram. Todavia, estas aquisições somente acontecerão se forem

disponibilizadas as ferramentas, concretas e simbólicas, num ambiente que

possibilite ao aprendiz sentir para poder perceber e compreender o sentido do que

lhe é ensinado, pois só se aprende quando há emoção, numa relação dialética.

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7. ANÁLISE DE DADOS

Para atingirmos o objetivo desta pesquisa, além de apresentadas as

discussões teóricas sobre o tema, também foi realizada a aplicação de instrumento

elaborado para este trabalho nos jovens do abrigo pesquisado. Tal instrumento

consistiu na criação de dois desenhos, um na atualidade e outro projetando o futuro,

acrescidos de uma posterior descrição dos significados destes. Teve por finalidade

avaliar quais sentimentos emergem quando os jovens estão próximos ao

desligamento da Instituição.

A análise dos dados obtidos na produção e descrição do desenho será

embasada pela teoria e técnica proposta por Aguiar e Ozella (2006), através dos

chamados Núcleos de Significação, fundamentados pela teoria Sócio-Histórica e

trabalhos propostos pelo autor russo Lev Semenovitch Vygotsky. Esta proposta visa

a apreender os sentidos que constituem o conteúdo do discurso do sujeito,

derivados das experiências vividas e relações que este sujeito estabelece com elas,

ou como denominam os autores, que sentidos são atribuídos aos signos e

significados.

Com referências da lingüística, Vygotsky compreende que signo, ou símbolo,

é aquilo que permite que todos tenham ciência do que se está dizendo e o

significado é algo que pode ser partilhado por todos, mas que depende da cultura.

Contudo, o sentido é a relação que se estabelece entre o signo e o significado.

Portanto, o sentido é individual e não pode ser partilhado, de acordo com Aguiar e

Ozella (2006). Esta análise parte de uma reflexão metodológica sobre a apreensão

dos sentidos sob um olhar que tem no empírico o ponto de partida. Entretanto, há

uma necessidade de ir além do que é mostrado e aparentado. Cabe ao pesquisador

não se contentar com a simples descrição dos fatos, mas buscar a explicação do

processo de constituição do objeto estudado, isto é, estudá-lo no seu processo

histórico.

Como ressaltam os autores:

O uso desta categoria nos permite romper as dicotomias interno-externo,

objetivo-subjetivo, significado-sentido, assim como afastar-nos das visões

naturalizantes, baseadas numa concepção de homem fundada na

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existência de uma essência metafísica. Por outro lado, possibilita-nos uma

análise das determinações inseridas num processo dialético, portanto, não

casual, linear e imediato, mas no qual as determinações são entendidas

como elementos constitutivos do sujeito, como mediações (AGUIAR E

OZELLA, 2006, p.02)

Nesta lógica, Aguiar e Ozella (2006) compreendem que na mediação o

indivíduo modifica o social, transformando-o em psicológico, criando assim a

possibilidade do novo. Portanto, como ferramenta, a linguagem seria o instrumento

fundamental nesse processo de constituição do homem. Desta forma, os signos,

instrumentos psicológicos, permitem a constituição do pensamento, não só com a

finalidade de comunicação, mas também como meio de uma atividade interna. A

palavra (signo) faz a representação do objeto na consciência. Deste modo,

representa uma forma de apreensão do ser, pensar e agir do sujeito.

Assim, para que se possa compreender o pensamento entendido aqui como

carregado de emoção, é necessário analisar seu processo, que se expressa na

palavra com significado. E, quando este significado é apreendido, é possível

entender o movimento do pensamento. Esta relação de pensamento e linguagem é,

portanto, uma relação de mediação, onde, ao mesmo tempo, um elemento não se

confunde com o outro: um elemento constitui o outro. Estas relações entre

pensamento e linguagem perpassam pela compreensão das categorias de

significado e sentido. Deste modo, não é a palavra que traduz o pensamento e, sim,

à medida que o sujeito se expressa em palavras, ele constrói seu pensamento,

como definem os autores Aguiar e Ozella (2006).

Os autores supracitados concluem que os significados são construções

históricas e sociais, os quais permitem a comunicação e a socialização das

experiências. O sentido torna-se muito mais amplo que o significado, pois articula

eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma realidade. O sentido refere-

se, muitas vezes, a uma necessidade que ainda não se concretizou, mas que acaba

por mobilizar o sujeito e constitui seu ser. Desta forma, só poderemos conhecer os

sentidos atribuídos pelo sujeito a partir da palavra comunicada, que representa o seu

significado.

Feita esta compreensão do sentido, da elaboração e criação do método

utilizado, propõem-se uma breve explicação dos passos e etapas deste, de acordo

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com os critérios estabelecidos por Aguiar e Ozella (2006). Portanto, os

procedimentos para a análise de dados através dos Núcleos de Significação

basicamente estão relacionados às entrevistas, que permitem o acesso aos

processos psíquicos de interesse, particularmente os sentidos e os significados. Não

há uma especificação quanto à forma de coleta destes dados.

Mesmo considerando a entrevista como um recurso extremamente positivo,

alguns outros instrumentos podem permitir o aprimoramento e refinamento analítico.

Conforme recomendam Aguiar e Ozella (2006), é preciso ter um plano de

observação no processo de entrevista, como por exemplo, observar os indicadores

não verbais, o que permitirá a comparação entre o discurso e as ações.

Outros recursos são permitidos nesta técnica, como: relatos escritos,

narrativas obtidas através de propostas elaboradas, história de vida, frases

incompletas, auto-confrontação, vídeo-gravação, questionários e desenhos, como

estabelecem os autores citados.

Neste trabalho optou-se pela aplicação de dois desenhos seguidos de suas

descrições, que foram realizados pelos próprios jovens participantes. Além dos

dados e informações coletadas durante a aplicação deste instrumento também

foram verificados os aspectos verbais e não verbais, além de informações obtidas

através do responsável pela Instituição.

7.1. Construção dos Pré-Indicadores para Formação de Indicadores

A partir deste pressuposto, a análise deve permear por todo o material

coletado para a formação de indicadores que se agrupem em núcleos.

Segundo Aguiar e Ozella (2006), a proposta de criação de Núcleos de

Significação inicia-se com o processo de aglutinação dos pré-indicadores, após uma

leitura flutuante do material coletado. Destaca-se o que mais chama a atenção.

Parte-se então de um filtro destes pré-indicadores por sua importância. Estes itens

auxiliarão na compreensão do objetivo da investigação, facilitando a construção de

possíveis Núcleos de Significação.

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Estes pré-indicadores foram organizados em grupos por semelhanças,

complementaridade e contraposição. Apresentam trechos das falas (F), figuras

(FIG), descrições (D) e comportamento (C).

7.1.1. Pré- Indicadores no Contexto Atual de Abrigo

Pré-Indicador Trechos de F - FIG - D - C

- Sentimento de Não Pertença Minha preferência era continuar

morando onde eu morava... (D) Aqui

não tenho amigos (F). (...) mas por

minha vontade e alegria seria melhor eu

ter continuado onde eu morava (D).

-Mensagens Afetivas Incutidas pela

Instituição Religiosa

Desenhou a si mesmo de forma alegre e

colorida (FIG). Sou uma pessoa feliz

(FIG). (...) mas com agradecimento por

me manter residente nesta casa. (D)

Essa chance apareceu então agarrei-a

com todo carinho e hoje sou uma

pessoa feliz. (D).

-Sentimentos de Revolta

Muitas pessoas pensam, quem mora

em abrigo são tudo marginais até

FEBEM já ouvi falar, na escola. Muitas

pessoas se afastam quando sabe que

nós é de abrigo, tem muito

preconceito. (D). (...) Seria melhor eu

ter continuado onde eu morava, já que

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Pré-Indicador Trechos de F - FIG - D - C

isso não aconteceu eu pelo menos vou

me mantendo residente nesta casa, mas

não feliz (D)

-Mensagens afetivas internalizadas pela

linguagem popular

Mas é a vida que decide tudo, o

mundo dá voltas e aproveita porque ele

só passa uma vez. (D)

- Sentimento de Impotência

Desenha a si mesmo em um retângulo

aprisionando-o (FIG) Há o dizer “Fazer o

que?” (FIG) Como eu desenho o que

eu sinto? (F)

- Falta de Vínculos no Abrigo É... na verdade aqui eu não tenho

amigos, temos conhecidos de abrigo (F)

- Falta de Posses Ler o quê? O que elas podem tirar de

mim? Não tem nada meu... Minha

roupa? Minha cama...? (risos) (F)

- Congruência entre Comportamento e

Linguagem

Diz que não está feliz no abrigo e

demonstra gestos de insatisfação. (C)

- Incongruência entre Comportamento e

Linguagem

Diz que é feliz, mas mantém uma

postura retraída, cabisbaixo, sem

esboçar sorriso (C)

- Relação de Dependência (...) Pessoas já me ajudaram nesse

decorrer da minha vida nesse tempo. (D)

- Desabafo Finalmente alguém pensou em nós! (F)

- Preocupação com o meio social

Já pensou o que vão pensar? (risos)

(F). Como você vai assinando um

documento sem ler? E se tiver alguma

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Pré-Indicador Trechos de F - FIG - D - C

coisa que possa prejudicar? (F)

- Autonomia Procurou emprego por conta própria.

(C)

- Sentimento de não ser visto Desenho sem cores nos rostos, com

feições sérias, sem esboçar emoções

(FIG)

- Utiliza o recurso da escrita dentro da

figura, enfatizando a expressão de

angústia

Um desenho que expressa o jovem

triste, escrito acima: Fazer o que? (FIG).

Outro desenho que expressa o jovem

feliz, escrito em um balão de fala; Eu

sou feliz (FIG). Embora o jovem

mantenha postura cabisbaixa, sem

apresentar sorriso (C).

-Falta de privacidade Podem mostrar tudo, não tenho nada

pra esconder... (vira-se de costas

voltando para a mesa ). E eles já sabem

tudo! (F)

Quadro 01 – Construção dos Pré Indicadores

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7.1.2. Pré-Indicadores no Contexto de Projeção do Futuro

Pré-Indicador Trechos de F - FIG - D – C

- Conquistar a Liberdade

- Incentivo

- Estudo

Quando eu sair do abrigo o que de

primeiro eu quero cultivar e aproveitar é

a minha liberdade. O que você menos

consegue quando mora em um abrigo

é a liberdade, e nesse abrigo é o que eu

tenho menos liberdade. Por isso

estando para completar 18 anos. (D).

(...) e o que vou me incentivar mais é ter

a minha liberdade. Liberdade se

conquista. (D) Gesto de abrir e esticar

os braços. (C). Desenha a si mesmo

com alegria no rosto, os braços

esticados e uma janela aberta. Há a

inscrição Liberdade. (FIG).

- Pesquisa

- Comunicação

- Trabalho

Estou pesquisando jornais, revistas,

internet e outros tipos de comunicação

sobre restaurantes. (D). Trabalho em

um restaurante (F). Estou aprendendo

de tudo (D). (...) pesquisando ali, daqui

logo irei abrir um restaurante. (D).

- Gostos

- Preferências

- Metas

- Projetos

Línguas estrangeiras (D). Logo também

vou fazer cursos de línguas espanhol,

inglês e francês (F). Gosto de servir,

porque eu gosto de movimento, de

estar no meio das pessoas (F). (...) o

que eu tenho é que continuar são

meus estudos (D). (...) não gostava

daquelas pessoas (F).

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Pré - Indicador Trechos de F - FIG - D – C

- Sentimento de confiança em si (...) gosto da área gastronômica e é o

meu forte (D). (...) pretendo também

fazer e aprender falar línguas

estrangeiras que é meu ponto forte (D).

Eu gosto de cozinhar, aqui eu faço

tudo, quando tem alguma comemoração

eu ajudo na cozinha e a enfeitar os

pratos.(F).

- Sentimento de amparo (...) e sei que muitas pessoas irão me

ajudar a erguer esse restaurante (D).

- Mensagens afetivas internalizadas pela

linguagem popular

(...) e é isso aí bola pra frente que atrás

vem gente (D). Oh, que chique (F)

- Sentimento de Inferioridade Elas vão colocar que foi com a ajuda

dos menininhos do abrigo (F). Além de

ser muito difícil, os alunos eram muito

metidos (F).

- Aceitação de regra e disciplina Nós que cuidamos da casa, limpamos,

arrumamos tudo, só os mais novos que

têm dificuldade, mas agente ajuda eles,

aí eles já vão apreendendo (F).

Quadro 02 – Construção dos Pré Indicadores

Posterior à organização dos pré-indicadores, foi realizado o processo de

aglutinação de itens que se complementavam, pela semelhança e até mesmo por

contraposição (de aspectos verbais e comportamentais). A atribuição de um conceito

deve ser a soma de todas as idéias isoladas e não a criação de uma outra. Este

processo foi realizado de acordo com as orientações metodológicas de Aguiar e

Ozella (2006).

Desta forma, sintetizado em alguns indicadores, obteve-se o quadro seguinte:

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Indicador Pré – Indicador

Angústia em Relação à Situação de

Abrigo

1- “Angústia de não continuar morando

onde morava. Sente-se agradecido pela

casa, mas não feliz”

2- “Angústia de não ter amigos, mas

apenas conhecidos de abrigo”

3- “Dizem sofrer preconceito por serem

residentes de abrigo, são considerados

marginais”

4- “Angústia pelo sentimento de não

possuir nada de seu.”

5- “Angústia pelo sentimento de não

pertença”.

6- “Contradição ao dizer que está feliz,

mas apresenta comportamento de

insatisfação”.

7- “Angústia pelo sentimento de rejeição

e/ou não reconhecimento”.

8- “Angústia pela falta de privacidade”.

Projetos Futuros

1- “Pesquisa em veículos de

comunicação da área de interesse”.

2- “Trabalha na área de interesse”.

3- “Confiança nos seus conhecimentos

na área de interesse”.

4- “Autonomia em buscar aprender mais

sobre sua área”.

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Indicador Pré – Indicador

Projetos Futuros

5- “Manter-se estudando”.

6- “Planos para abrir seu negócio

próprio”.

7- “Planos para fazer curso de línguas

estrangeiras, que auxiliarão na

administração de seu negócio próprio”.

8- “Projeto de fazer um curso

universitário na área”.

Ansiedade de Expectativa Frente ao

Desligamento

1- “Ansiedade pela conquista da

liberdade”.

2- “Ansiedade expressa na figura da

janela aberta, trazendo futuro com

oportunidades”.

3- “Ansiedade por um futuro que trará

melhor apresentação de si, com alegria

e beleza”.

4- “Ansiedade de expectativa

evidenciada na fisionomia de satisfação

e desejo ao falar de futuro”.

5- “Figuras coloridas com maior impacto

visual”.

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Indicador Pré- Indicador

Ansiedade de Expectativa Frente ao

Desligamento

6- “Ansiedade de expectativa por um

futuro já planejado”.

7- “Ansiedade por um futuro que trará a

possibilidade de realização dos sonhos”.

8- “Bola pra frente que atrás vem gente”.

9- “Perspectiva de um futuro amparado”.

Quadro 03 – Construção dos Indicadores

Nessa etapa os indicadores são apresentados e descritos, como seguem:

Primeiro Indicador – Angústia em relação à situação de abrigo – esse indicador

é expresso tanto pelas figuras, bem como pela linguagem e comportamento dos

jovens. Há uma angústia pelo contexto de abrigamento experienciado, onde há uma

sujeição à disciplina imposta pela instituição, com o agravante da dificuldade em

estabelecer vínculos, falta de privacidade, sentimento de não pertença, além de

sofrerem um preconceito instituído culturalmente.

Segundo Indicador – Projetos Futuros – na aglutinação desse indicador, o

conteúdo evidenciado é o foco profissional já estabelecido pelos jovens, onde

demonstram autonomia e empenho na área que almejam, buscando por conta

própria o emprego, além da pesquisa e aprendizado através de cursos.

Terceiro Indicador – ansiedade de expectativa frente ao desligamento da

Instituição – na construção desse indicador, aparece uma ansiedade de expectativa

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pela saída da instituição como uma possibilidade de conquistar a liberdade, surgindo

uma oportunidade de realizarem os projetos almejados.

7.2. Análise dos Núcleos de Significação

Por fim, como descrevem os autores Aguiar e Ozella (2006), a etapa seguinte

é a articulação dos núcleos formados pelo processo de aglutinação. Esta etapa deve

ser iniciada por um processo intra-núcleo, caminhando para uma articulação inter-

núcleos. Tal procedimento revelará as semelhanças e contradições que vão

demonstrar o movimento do sujeito.

Esta análise não está restrita propriamente à fala, devendo ser articulada com

o movimento corporal, com o contexto social, político, econômico, portanto histórico,

o que permite uma compressão ampla do sujeito.

Segundo Vygotsky apud Aguiar e Ozella (2006):

Um corpo só se revela no movimento. Assim, só avançaremos na compreensão dos sentidos quando os conteúdos dos núcleos forem articulados. Nesse momento, temos a realização de um momento da análise mais complexo, completo e sintetizador, ou seja, quando os núcleos são integrados no seu movimento, analisados à luz do contexto do discurso em questão, à luz do contexto sócio-histórico, à luz da teoria. (VYGOTSKY, p.5, 1998)

Tal procedimento, com base em Vygotsky (1998, p.185) apud Aguiar e Ozella

(2006), partirá do empírico para o interpretativo, ou seja, da fala para seu sentido.

Parte-se do externo para um plano mais interiorizado: o pensamento propriamente

dito.

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7.2.1. Angústia em Relação à Situação de Abrigo

Este núcleo engloba aspectos do desejo dos jovens em continuar morando

onde estavam, uma vez que afirmaram sentirem-se mais satisfeitos naquele local.

Embora no discurso dos adolescentes se perceba que eles possuem um

reconhecimento pela instituição onde se encontram atualmente, verifica-se que, por

terem tido um histórico de passagem por outros abrigos, acabaram por não

estabelecer vínculos com os seus colegas atuais. Desta forma, de acordo com eles,

apenas sentem que possuem “conhecidos de abrigo”.

Neste sentido, é possível pensar em Vygotsky (2003) quando afirma que

somente poderemos entender a natureza humana quando compreendermos a sua

história e relações interpessoais, uma vez que são estas dimensões que irão

construir o sujeito psicológico: “não se pode compreender a criança fora de suas

relações com a sociedade na qual está vivendo e desvinculada de suas interações

com os sujeitos e com a cultura do grupo social no qual está inserida” (p.42).

Portanto, os processos psicológicos são de natureza social. Assim, torna-se

imprescindível primeiramente conhecer o histórico das vivências destes jovens em

outros abrigos, bem como apreender quais tipos de relações interpessoais que

estabeleceram. Por questões da própria instituição, preocupada em resguardar os

abrigados devido a problemas sofridos anteriormente, não foi possível realizar uma

entrevista mais aprofundada com estes adolescentes, com o intuito de conhecer-

lhes suas experiências anteriores e o que significaram para eles. Entretanto, foi

possível observar um bom vínculo estabelecido entre estes garotos e os

funcionários, o que de certa forma faculta-lhes certo conforto nesta instituição.

Verificou-se que alguns funcionários, como o educador que nos recebeu, se

empenham muito em procurar promover o bem-estar daqueles abrigados. Inclusive

mantêm uma preocupação com relação à saída deles, buscando formas de realizá-

la da maneira menos prejudicial possível. Por exemplo, auxiliando-os a encontrarem

um local para morarem, próximo ao abrigo. Geralmente, buscam fazer com que

saiam pelo menos em dois a fim de que ambos se apóiem mutuamente. Assim, este

vínculo afetivo entre os jovens e os funcionários ficou evidenciado tanto pela própria

observação de uma boa relação, quanto ao fato de constatar que os antigos internos

continuam a visitá-los, ou seja, buscam manter esta relação que para eles se tornou

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produtiva. Já com relação à dificuldade em estabelecer vínculos com os colegas

provavelmente deva-se ao fato da alta rotatividade entre eles.

Foi possível observar o quanto estes jovens se ressentiam por sentirem-se

vitimizados pelo preconceito dentro do ambiente escolar. De acordo com eles, seus

colegas os rotulam como marginais somente pelo fato de viverem em um abrigo: “até

FEBEM já ouvi falar na escola” (sic), aponta o adolescente em sua descrição do

desenho.

Neste sentido, verifica-se que cada indivíduo recebe muitas influências

genéticas ou sócio-históricas em sua constituição, declara Lane (2003). As

categorias do psiquismo humano são formadas a partir delas. Isto se dará através

das mediações das emoções, do pensamento e linguagem, bem como dos grupos

sociais aos quais o indivíduo se encontra inserido. Desta forma, é preciso conhecer

a forma como aquela comunidade, onde estes jovens se encontram, foi construída,

sócio-historicamente. Importa apreender a linguagem e cultura internalizada para

que se possa compreender qual é o significado que o processo de abrigamento

possui neste contexto. Calil (2003) esclarece que a imagem de um ser humano

como sendo inferior aos outros é reiterada devido à abrigos inadequados, que

muitas vezes responsabilizam o indivíduo pela própria exclusão, o que acaba por

repercutir na idéia de marginalização.

Diante deste contexto emocional de estigmatização do indivíduo abrigado,

pode-se observar ainda o agravante do sentimento destes jovens de não possuírem

nada que possam considerar como objeto pessoal, de não encontrarem um espaço

privado, visto terem que dividir seu ambiente com muitos outros que mal consegue

estabelecer um vínculo e, devido a todas estas questões, acaba por mobilizar nestes

adolescentes um sentimento de não pertença. Abaid (2008) constatou, por meio de

seus estudos, que as crianças e adolescentes que foram afastados de suas famílias

biológicas por medidas de proteção apresentaram maiores escores de sintomas

depressivos do que aquelas que se mantêm com seus familiares. Isto está

associado ao fato de que os jovens institucionalizados enfrentaram mais eventos

estressores, como por exemplo: maus-tratos, violência e perda dos pais. Com

relação a estes eventos, a falta da entrevista realizada com os jovens em questão

acaba por deixar lacunas nesta pesquisa, que dificulta a realização de uma análise

da história sócio-cultural destes internos, que trouxeram determinados significados

afetivos para as suas vivências nesta instituição atual, com mais acuidade. Porém,

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as poucas informações obtidas podem clarificar estas vivências estressoras: um dos

jovens perdeu os pais por falecimento, entrando no primeiro abrigo aos 10 anos. Já

o outro fora adotado. Contudo, sua mãe adotiva o obrigava a vender coisas no sinal

de trânsito: “Caso não conseguisse nada, levava uma surra” (sic). Assim, este

adolescente conseguiu fugir e procurou um abrigo espontaneamente, mais ou

menos aos seis ou sete anos. Ambos possuem histórico em várias instituições e

este último inclui uma passagem pela FEBEM.

Ainda de acordo com Abaid (2008), a institucionalização constitui fator de

risco para a depressão. Neste aspecto, Azevedo e Guerra (2000) expõem que se

verifica nas instituições um controle da ordem por meio da ideologia da submissão,

da assistência e repressão. É preciso considerar toda a história do contexto de

abrigamento no Brasil para compreender como se configurou o modelo atual. É

possível estabelecer uma periodização de mudanças paradigmáticas acerca das

propostas de políticas públicas que focaram a infância e a juventude: o primeiro

momento teve início com a promulgação do Código de Menores, em 1927, que foi o

Modelo “Correcional-Repressivo e Assistencialista”; posteriormente, em 1964, surge

o Modelo “Assistencialista e Repressor” com a instituição da Política Nacional do

Bem-Estar do Menor (PNBM) além da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(FUNABEM); e, por fim, em 1988, surge a “Doutrina de Proteção Integral” (VIEIRA,

2003 apud GALVÃO, 2005). A grande conquista para a proteção da infância e

juventude em nosso país se deu através da promulgação do ECA – Estatuto da

Criança e Adolescente, em 1990, que, com relação à institucionalização, prevê que

o abrigo “deve ser uma medida protetiva, excepcional e provisória, que visa, em um

primeiro momento, a retirar a criança ou o adolescente da situação de risco em que

se encontra” (ABAID 2008, p.50). Porém, o abrigamento deverá ser temporário, visto

que a criança ou o adolescente deverá retornar à família assim que esta estiver

preparada ou deverá ser inserido em outro lar que tenha sido autorizado

judicialmente. O ECA ainda estabelece como direito da criança o brincar, aprender,

participar da sociedade e ser preparado para uma profissão. Desta forma, Teixeira

(2003) pondera a contradição entre a lei estabelecida e o desrespeito

institucionalizado dentro dos abrigos, onde se encontram muitas crianças e

adolescentes inseridos.

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Saffioti (2000), pondera que muitas instituições acabam por reproduzir o

modelo carcerário, pervertendo, excluindo e estigmatizando o adolescente, ao invés

de protegê-lo e possibilitar-lhe que reintegre a sociedade, comenta

Isto posto, percebe-se a necessidade de se conhecer a história e as relações

sociais de um abrigo. Assim, traçaremos um paralelo entre as duas instituições

observadas, procurando demonstrar a sua relação com o bem-estar de seus jovens

abrigados.

Para Siqueira e Dell’Aglio (2006), observam-se mudanças no ambiente

quanto à qualidade de atendimento nos abrigos, que vêm apresentando condições

mais adequadas para assistir crianças e adolescentes. Dependendo da forma como

se organizou para cumprir as exigências do ECA, a instituição poderá se configurar

como um fator de risco ou de proteção ao desenvolvimento do jovem.

Há fator de risco quando o acolhimento é inadequado, quando não há

investimento emocional, a relação entre abrigados e monitores é hostil, quando há

práticas coercitivas na educação, quando apresenta uma alta rotatividade de

funcionários e um grande número de criança por cuidador, além da falta de

atividades planejadas e redes de apoio sócio-afetivo frágeis, segundo as referidas

autoras. Embora não foi possível levantar mais dados em relação ao abrigo da Zona

Sul de São Paulo, principalmente pela hostilidade que nos foi dirigida pela diretora,

dado este que, por si só, é muito significativo, pode-se inferir o quanto tal instituição

acaba por reproduzir este modelo repressor e coercitivo, constituindo assim em fator

de risco para aqueles jovens e crianças. Podemos nos embasar nas situações as

quais tivemos conhecimento por parte do psicólogo: adolescentes que não

conseguem se estabelecer no emprego que o abrigo lhes oferece; jovens que não

valorizam o estudo, sendo motivo de desordem escolar; e muitos deles, sem

perspectiva, acabam por se tornar usuários de drogas. O referido profissional ainda

argumenta que seu papel na instituição restringe-se a acompanhar estes jovens na

escola ou no Fórum. Afirma ainda que, caso procure estratégias para trabalhar com

estes abrigados, a instituição lhe veda a iniciativa. Vale ressaltar que estes jovens,

ao completarem 17 anos e 11 meses, são automaticamente desligados do abrigo

sem nenhum suporte. Importa também questionar o porquê deste psicólogo ter

saído da instituição sem nenhuma explicação.

Já com relação às instituições caracterizadas através de fatores de proteção,

conforme apontam Siqueira e Dell’Aglio (2006), estas se configuram a partir de um

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bom acolhimento, procurando respeitar as histórias de cada abrigado, apresentam

bons vínculos entre as crianças e jovens, bem como entre estes e os funcionários,

estabelecendo-se assim relacionamentos mais saudáveis. Nesta perspectiva, é

possível enquadrar o abrigo de Itaquera, onde foi possível observar uma boa relação

entre os jovens e os funcionários. É preciso considerar todo o contexto desta

instituição que se encontra vinculada à Igreja Católica. De acordo com Agnes Heller

(1985) apud Lane (2003) os sentimentos são influenciados pelas instituições sociais,

tais como a Igreja, que se utiliza de mensagens afetivas no intuito de ensinar a

solidariedade, bem como a cooperação e o amor ao próximo. Neste sentido,

constata-se a busca da referida instituição em ensinar aos jovens alguns valores,

tais como: saber agradecer a oportunidade recebida, seja o alimento, o abrigo, a

escola ou o emprego conquistado; aprender a ser responsável pela organização da

casa, aonde os mais velhos ensinam as crianças ou aqueles que acabaram de

chegar, entre outros. Há a comemoração de todas as datas festivas, que se

desenvolvem em clima de confraternização, o que foi percebido por registros como

fotos. Verifica-se ainda uma preocupação dos funcionários, principalmente do

educador, em buscar estratégias que visem uma melhora na qualidade de vida

destes abrigados tais como a formação de grupos com o objetivo de se trabalhar a

auto-estima destes adolescentes e a procura por encontrar meios de auxiliar aqueles

que estão prestes a se desligarem do abrigo. A este respeito, observamos que há

uma preocupação em desligar pelo menos mais de um jovem, no intuito de que se

auxiliem mutuamente. Para que isto se realize, percebe-se a flexibilidade da

instituição, considerando que um dos rapazes já completou 18 anos, mas está a

espera de que o outro também complete. Os funcionários deste abrigo ainda

procuram encontrar uma casa para os garotos residirem que esteja próxima à

instituição, pois mantêm o contato. Inclusive os ex-abrigados continuam a visitá-los,

o que exemplifica o estabelecimento de bons vínculos. Também é preciso considerar

as famílias que se vinculam ao abrigo através do Programa Família na Comunidade

e recebem estes jovens em determinados finais de semana e feriados, o que reforça

o investimento emocional.

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7.2.2. Projetos Futuros

Os conteúdos referentes a este núcleo de significação estão relacionados aos

projetos e sonhos que os jovens participantes têm por objetivo e meta de

conquistarem no futuro. E ao que se observa, são projetos já definidos e delineados

por eles e que incluem desde a finalização dos estudos até a abertura de um

negócio próprio.

Entretanto, a adolescência por ser pouco enfatizada, a sociedade tende a

desvalorizar também seus projetos futuros, encarando-os como provisórios e

derivados da imaturidade. Mas em contraposição, estão sempre buscando respostas

para o que os jovens desejam ser no futuro e ainda exigem que estes estejam

preparados para o ambiente profissional, como descrevem Bock e Liebesny (2003).

Outro aspecto identificado é a visível atribuição de interesses e escolhas

destes adolescentes. Possivelmente, pode-se pensar que estes não eram os

mesmos interesses de anos anteriores e que o campo da escolha profissional

apareceu como uma nova fonte de necessidade interna. Ainda é possível

compreender este aspecto por meio da teoria proposta por Hetzer apud Vygotsky

(1996), em que o amadurecimento desperta novos interesses, rompendo com os

velhos, bem como produz alterações em sua necessidade interna. Dentro deste

novo sistema de interesses, há o surgimento de novas atrações, que permitirão

também a constituição da base orgânica do sujeito. A partir de estudos realizados,

foram identificados que os principais interesses reduzidos são: pela escola,

capacidade criativa e produtiva. Isto acaba por emergir sentimentos de inquietude

generalizada, além de uma postura violenta, negativa, indisciplinada ou até mesmo

passiva e apática. No entanto, o autor considera ser esta uma etapa fundamental

para que o jovem venha a adquirir novos hábitos e conhecimentos. Entretanto pode-

se pensar, com relação aos adolescentes entrevistados e relatos de seus interesses

definidos, que há uma possibilidade de já terem passado por este amadurecimento

e, estando próximos ao desligamento, terem adquirido um novo quadro de

interesses, mais aproximado ao de um modelo adulto no contexto social.

Neste sentido de atribuição de interesses, demonstram autonomia para

buscarem recursos e informações acerca da área que mais gostam. Talvez pela

própria trajetória de vida, aprenderam a ser menos dependentes e a contarem mais

com as próprias capacidades, até mesmo como uma forma de conquistarem e

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defenderem melhor seu espaço. Sabe-se que muitos destes adolescentes em abrigo

saíram de uma situação de risco e/ou abandono para serem inseridos em um

contexto completamente diferente do qual estavam de certa forma adaptados. Deste

modo, é possível compreender este sentimento de autonomia e independência que

descrevem. Não excluímos que encontraram um ambiente facilitador e possibilitador,

mas a iniciativa de buscar e procurar ainda se restringe ao próprio adolescente.

Segundo Aguiar e Ozella (2003), se os jovens projetam uma vida de sucesso, é

porque vêem a possibilidade de construção de algo, e isto significa que há uma força

de mudança que depende deles. Por isto, a transformação é passível de ser

imaginada.

Pode-se também observar nestes jovens a atribuição de importância que dão

aos estudos, principalmente à formação universitária. Mesmo considerando suas

limitações e dificuldades (tanto de recursos próprios e financeiros) não cogitam a

opção de evadirem-se. Vêem na formação acadêmica uma possibilidade de

melhores garantias e recursos futuros.

Pensamento que se observa na maioria dos adolescentes da sociedade

atual, é o fato do estudo se apresentar como uma ferramenta que abrirá portas para

o mercado de trabalho, além de ofertar melhores condições de vida. Contudo,

poucos se dedicam a compreender o funcionamento do atual mercado de trabalho,

que é mais competitivo e menos propício ao adolescente sem experiência prática.

Porém, tentam equilibrar através da busca de melhores cursos e aprimoramento em

línguas a fim de compensar o pouco tempo de atuação.

Segundo Bock e Liebesny (2003), o trabalho permite a realização pessoal,

porém sem a clareza da perspectiva social que ele em si atribui. Mas traz a

realização pessoal e a retribuição financeira, que permite a aquisição de bens,

estabilidade, poder, reconhecimento e independência. O futuro para o jovem está

sempre relacionado à entrada na sociedade por meio do trabalho.

Todavia, o que talvez seja uma característica pessoal destes jovens

pesquisados ou característica da instituição de terem certos valores já

internalizados, ambos demonstram muita confiança em si, em seus conhecimentos e

habilidades adquiridas. Trazem este sentimento de valorização, referente ao que

possuem e que por eles foi conquistado. Este sentimento de apropriação e

autoconfiança em seus conteúdos facilita que estes jovens sintam-se motivados a

continuarem persistindo em seus sonhos e metas, desde que encontrem um

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ambiente que favoreça isto. No entanto, pode-se compreender que estes já

adquiriram melhores ferramentas para enfrentarem as prováveis dificuldades e

empecilhos que sofrerão no futuro.

Entretanto esta confiança em si deve ser manejada e orientada a fim de que

não se transforme em algo já conquistado, sem a necessidade de persistir, o que

poderá levar à acomodação ou até mesmo terem a falsa idéia de que a experiência

de trabalho que tiveram seja o necessário e suficiente. Isto é, estes jovens precisam

ser desafiados e estimulados a continuarem nesta caminhada de conquistas, sendo

corrigidos quando necessário, mas também reconhecidos em seus trabalhos bem

sucedidos. E este pensamento se reflete na proposta da autora Pereira (2003), que

refere como perfil do adolescente trabalhador, que se considera apto ao trabalho e

que acredita cada vez mais precisar adquirir qualificações, um bom número de

experiências profissionais, fazer cursos para o aprimoramento pessoal, ter

conhecimento em línguas e estar atualizado. Entretanto, ingenuamente acredita que

pela experiência adquirida e por ter operado em diversos setores, possui tais

características para competir no mercado de trabalho. Este jovem muitas vezes

pode até ter o conhecimento referente ao funcionamento prático da empresa da qual

está inserido ou da área que atua, mas dificilmente conhece todas as relações

macro – estruturais, sociais, econômicas e políticas em que tal instituição ou setor

está contextualizado no panorama atual.

De acordo com os autores Bock e Liebesny (2003), os projetos de vida

aparecem centrados no indivíduo. Poucos deles consideram seus projetos visando à

coletividade social, priorizando, em sua maioria, em primeiro lugar: o estudo, depois

o trabalho e por fim a constituição de família. O adolescente não valoriza a

coletividade e não se sente pertencente a ela.

Contudo, Aguiar e Ozella (2003), asseveram que o jovem tende a ver a

realidade social como um impedimento que deve ser superado para alcançar o

objetivo profissional no futuro. Não consegue ver o momento no qual está inserido

como uma forma constitutiva de pensar, agir e sentir, que lhe habilitará a

desenvolver as potencialidades para buscar o que tanto almeja.

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7.2.3. Ansiedade de Expectativa Frente ao Desligamento da Instituição

O jovem busca a conquista de liberdade do espaço físico do abrigo como uma

possibilidade de projeção de um futuro de oportunidades e possibilidades. Sente-se

aprisionado em um ambiente que, embora tenha regras, horários e normas, também

oferece uma maior liberdade para saírem devido a relação de confiança que mantém

com os responsáveis. Portanto, compreendem a disciplina e a obrigatoriedade, que

são os valores transmitidos por ser uma Instituição católica, como a retirada de algo

que lhe é almejado: a liberdade. Pode-se considerar então que não depende

somente do ambiente acolhedor e, sim, de um movimento do próprio adolescente,

que está em fase de descobertas e mudanças. No entanto, como é característica do

próprio período da adolescência a busca por autonomia e liberdade, possivelmente

tais sentimentos apareceriam caso estivessem em uma outra condição de moradia.

Este movimento é analisado pelo autor Calil (2003), que descreve estar incutido no

imaginário do adolescente, de que nas ruas é possível encontrar poder e liberdade.

E este jovem passa a visualizar, mesmo sem recursos suficientes para se manter, a

estratégia de busca pela sobrevivência como uma possibilidade de desenvolver uma

identidade social.

Os jovens em questão projetam neste futuro uma maior garantia de sua

autonomia e independência. Percebe-se uma confiança na realização dos sonhos,

visto já terem iniciado sua jornada, que se verifica, segundo eles, ser valorizada

dentro e fora da Instituição. Estes rapazes souberam aproveitar o auxílio oferecido

tanto pelos funcionários da Instituição quanto pela própria Igreja, que ofertou-lhes

emprego. Ainda demonstraram certa autonomia em relação aos seus projetos, uma

vez que espontaneamente procuraram trabalho em restaurantes e buscam aprender

coisas novas, tais como diversos preparos de alimento. Satisfeitos com os

conhecimentos adquiridos, acabam por apresentá-los ao próprio abrigo,

principalmente em dias de festas. Neste contexto, atribuída às condições sociais

adequadas, o individuo torna-se responsável pelo próprio sucesso ou fracasso.

Contudo, uma das condições mais importantes para que o desenvolvimento de

atributos pessoais ocorra é a liberdade, como propõe Andriani (2003). A liberdade

teria relação com a possibilidade de realização do potencial inato do sujeito,

permitindo, através desta realização, o progresso individual, que culminaria em

progresso social. Entretanto, para a maioria dos adolescentes, as restrições

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impostas pela realidade social, referente às potencialidades e a própria liberdade

inata, quando vencidas, acabam por desencadear um possível estado de felicidade

e realização pessoal. Porém, somente será adquirido através do próprio esforço,

como aponta o referido autor. É possível pensar em Vygotsky (2000), para quem o

homem pode aprender a dominar a natureza, o que lhe facultará libertar-se dos

esforços e resultados anteriores. Assim, ao considerar uma perspectiva histórica,

sugere “um mecanismo por meio do qual a pessoa se torna livre de sua própria

história” (p.13). Portanto, há a possibilidade de muitos caminhos a fim de se atingir a

individualidade e liberdade.

Ainda se observa que os referidos adolescentes, ao pensarem em futuro,

imaginam-se com uma melhor apresentação pessoal, vislumbrando um futuro com

mais beleza e felicidade. No que tange à imaginação, Lane (2003) levanta que tanto

esta quanto a memória são desenvolvidas a partir da mediação das emoções,

pensamento e linguagem. Ressalta a importância dos grupos sociais, por onde a

percepção de mundo é compartilhada. Neste sentido, é preciso considerar aqui a

atuação dos funcionários do abrigo que procuram motivar estes jovens. A autora cita

Vygotsky, esclarecendo que a imaginação configura-se como uma função

psiconeurológica superior e o seu desenvolvimento ocorre através da linguagem

associada às emoções, que possibilita a construção da memória, incorporando

assim o passado ao presente. Vygotsky apud Lane (2003) aponta que a imaginação

se caracteriza como a porta para a liberdade. Através dela, constitui-se a

capacidade criativa, que não se encontra restrita às obras de arte, mas que também

poderá ser incorporada no próprio cotidiano, bem como poderá se desenvolver na

própria identidade, uma vez que o indivíduo tenha o desejo de se tornar diferente do

que é. A imaginação ainda permite a criação de coisas novas como também

proporciona diferentes maneiras de se relacionar em grupo. Através dos dados

obtidos, é possível inferir a imaginação destes jovens, que lhes faculta a

possibilidade de criar e planejar seus sonhos. É interessante que o fazem a partir de

sua própria realidade, ou seja, vislumbram um futuro com a conquista de um negócio

próprio, como o restaurante, mas possuem uma base real, onde já trabalham nesta

área e já adquiriram alguns conhecimentos a respeito. No que tange à própria

identidade, estes rapazes possuem uma expectativa de transformação, onde

alcançarão até mesmo uma melhor aparência.

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Uma emoção poderá nos paralisar, porém também leva ao pensar e agir,

afirma Wallon (1983) apud Lane (2003). Existem dois medos, um bom e outro mau.

Enquanto o primeiro incita o enfrentamento de uma situação, o outro conduz à

apatia e indiferença. Embora todo o contexto de institucionalização, que mobiliza

sentimentos estressantes, pode-se pensar que estes jovens não se mantiveram

paralisados perante o medo, sendo este considerado então como um medo bom,

que permitiu a eles enfrentarem as adversidades, criando expectativas positivas

para o futuro próximo. Ainda de acordo com a autora, o confronto entre as emoções

e a linguagem favorece a transcendência do aqui e agora, o que acaba por ampliar

as dimensões de tempo e espaço do pensamento. Os referidos adolescentes, em

vista de um passado repleto de sofrimento, procuram, no presente, a projeção de um

futuro com muitas oportunidades. É notadamente visível a ansiedade pela

expectativa deste futuro. Ainda é possível acrescentar, que o fato da saída do abrigo

não lhes causar angústia e a certeza na conquista de suas metas têm por base a

confiança de que serão amparados neste percurso.

Bühler, citado por Vygotsky (2003), expõe que o momento do prazer transita

conforme o desenvolvimento infantil: no início há o prazer final, onde os processos

instintivos, como fome e sede, ao serem saciados, eliminam a sensação de

desagrado, cumprindo assim, a função de resolução dos instintos; na segunda fase,

há o prazer funcional, isto é, a obtenção do prazer se dá no próprio conteúdo ou

funcionamento da atividade; por fim, há a fase de antecipação do prazer, que

consiste em uma emoção que aparece no início do próprio processo, onde tanto a

execução da ação quanto o resultado em si não apresentam tanta importância, ou

seja, aqui a emoção do prazer foi deslocada para o começo. Desta forma, verifica-

se o prazer destes jovens em questão em planejar e visualizar esta saída da

instituição, embora não possam ter certeza da realização de seus sonhos. Contudo,

a imaginação já é o suficiente para que se sintam confortados e amparados neste

processo de desligamento, uma vez que o futuro já se encontra estruturado. Isto

lhes permite antegozar a vida prospectiva, o que acaba por mobilizar uma ansiedade

por esta expectativa. Lane (2003) esclarece que “sentir, falar, pensar, recordar, criar

e inventar são ações responsáveis pelo ser humano que somos hoje, e pelas

possibilidades futuras. São conquistas do homem no processo de transformação do

mundo (p.111).

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Como foi possível observar em Vygotsky (2003), um indivíduo não poderá ser

compreendido isolado do contexto social no qual se encontra inserido. É preciso

considerar a sociedade como um todo, bem como as interações deste indivíduo com

a linguagem e cultura de seu grupo social. Portanto, uma análise mais acurada dos

adolescentes em um abrigo não prescinde de uma compreensão pormenorizada da

linguagem, cultura e valores desta instituição.

Para o estudioso russo, é possível realizar um tratamento através de artefatos

sociais em indivíduos que sofreram traumas, sejam eles somáticos ou psicológicos.

Salienta que o apoio social, bem como o encorajamento e orientação poderão

compensar deficiências físicas e psicológicas. Através destas compensações, o

indivíduo desenvolverá suas funções, comunicando, lendo, argumentando. Assim, é

possível perceber que a possibilidade de desenvolvimento se encontra em aberto,

no futuro, tanto individualmente quanto socialmente.

Por fim, Abaid (2008) aponta que muitos jovens que sofreram

institucionalização conseguiram apresentar um bom desenvolvimento, o que lhes

possibilitou superar as adversidades e prepararem-se para cumprir as funções da

vida adulta de forma satisfatória. Isto tem relação com o bem-estar subjetivo,

características da personalidade, assim como a capacidade de resiliência. Para a

autora, a permanência em um abrigo não impede que o indivíduo possa obter um

bom desenvolvimento, considerando a importância tanto do bem-estar quanto do

bem-sair. Neste sentido, foi possível perceber que a instituição de Itaquera facultou

um desenvolvimento positivo dos referidos jovens, possibilitando-lhes a construção

de uma nova história. Estes rapazes conseguiram superar os conflitos vividos, o que

lhes permitiu ressignificar seu passado e planejar um futuro que possibilitará

construir uma nova história: “Bola pra frente que atrás vem gente”! (sic).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos ver através da teoria Sócio-Histórica, não é possível entender

a criança e o adolescente institucionalizado descolados da instituição, de seu

contexto, que possui toda uma construção histórica e social, com linguagens,

valores, cultura e relações específicas, como também é necessário apreender os

significados que cada um atribuiu às singularidades de sua própria história e como

chegou neste ambiente.

Neste sentido, ficaram lacunas pela impossibilidade de realizar uma entrevista

mais aprofundada com estes jovens, para conhecer-lhes os sentimentos mobilizados

em suas experiências anteriores.

Entretanto, ao contrário do que se esperava, pudemos perceber que estes

jovens abrigados conseguiram transcender a sua própria história, atribuindo-lhe um

outro significado, o que lhes permitiu planejar e estruturar um futuro, que é visto por

eles como a possibilidade de uma construção de uma nova história, que facultará a

conquista da liberdade, bem como a realização de seus sonhos, como o desejo de

montar um negócio próprio: um restaurante.

Observamos a superação de um passado carregado de eventos estressores,

tais como a perda dos pais, maus-tratos, a passagem por outros abrigos, até mesmo

pela FEBEM, entre outros, além do agravante de um contexto emocional de

estigmatização e preconceito, internalizados pela cultura de nossa sociedade.

Ressaltamos que este resultado somente pode ser considerado nesta

instituição de Itaquera especificamente. É preciso compreender que o processo de

ressignificação pelo qual estes jovens passaram teve por base as influências

recebidas neste abrigo, que possui uma cultura, linguagem e valores próprios

construídos através de seu vínculo com uma obra assistencial da Igreja Católica. O

bom vínculo estabelecido com os funcionários favoreceu-lhes uma vivência mais

saudável e confortadora dentro deste local, embora o desejo de liberdade, que

reconhecemos que também faça parte do próprio período da adolescência,

potencializado pela expectativa de uma oportunidade de reconstrução da própria

história e até mesmo de uma nova identidade social.

O investimento emocional e o bom acolhimento facultado por estes

funcionários de Itaquera constituíram fatores de proteção para estes jovens.

Verificamos que a disciplina ensinada, bem como o aprendizado da valorização dos

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estudos e do trabalho, além do reconhecimento da oportunidade recebida, da

relação de confiança estabelecida, da flexibilidade e auxílio perante a iminência do

desligamento promoveram a possibilidade destes jovens em visualizar um futuro que

se configura através de uma certeza de realização e amparo. É interessante que os

planos e sonhos dos referidos adolescentes possuem uma base real, uma vez que

eles já se encontram atuando e aprendendo cada vez mais na área que lhes

satisfazem.

Assim, através desta possibilidade de desenvolvimento prospectivo,

percebemos que os jovens em questão superaram e ressignificaram suas histórias e

se encontram em uma expectativa de uma nova história que será construída após a

saída da instituição. Este sentimento ficou bem evidenciado na ansiedade e

satisfação com que esta frase foi proferida: “Bola pra frente, que atrás vem gente”!

Acrescentamos ainda o quanto a experiência de observação em duas

instituições de abrigamento tão diferentes em suas estruturas e contextos foi

enriquecedora para a nossa pesquisa. Provavelmente, se mantivéssemos o contato

com o abrigo na Zona Sul, o resultado seria outro, uma vez que nos foi possível

observar tanto a fragilidade dos vínculos estabelecidos entre abrigados e

funcionários, bem como a falta de investimento emocional por parte de alguns

trabalhadores da instituição. Ainda há o agravante de uma visão fechada e

engessada da Diretoria, que paralisa qualquer estratégia que vise o bem-estar do

menor, que poderia lhe favorecer um desligamento mais satisfatório e autônomo. Em

resumo, enquanto esta instituição reproduz um modelo assistencialista e repressor,

constituindo assim em fator de risco para o abrigado, a de Itaquera apresenta uma

configuração mais acolhedora e com um olhar mais humanizado para seus internos.

Este estudo possibilitou uma reflexão sobre a atuação do psicólogo dentro de

um abrigo. Neste sentido, caberá ao profissional adentrar neste campo, procurando

observar e compreender todo o contexto que abarca a instituição, assim como

deverá apreender a sua dinâmica de trabalho e funcionamento, bem como se

estrutura e se organiza seu corpo de funcionários. A partir daí, é preciso que

mantenha um olhar mais atento para as crianças e adolescentes ali inseridos,

buscando conhecer-lhes suas histórias de vida e como se relacionam com o local,

entre si e com os funcionários. Após esta ampla observação de campo, caberá ao

psicólogo compreender a demanda que a criança ou o jovem traz no momento a fim

de, através do que este lhe comunicar, de suas necessidades, estabelecer um

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projeto de atuação mais coerente e produtivo, que possa promover a elaboração

destes conteúdos, facilitando uma ressignificação de sua história, de modo que este

jovem se sinta amparado e orientado, favorecendo-lhe ainda a possibilidade de uma

construção futura, em aberto. Vale ressaltar que a permanência dentro do abrigo

poderá se configurar como oportunidade de desenvolvimento para a criança ou o

adolescente. O bem-sair do jovem é uma conseqüência de seu bem-estar na

instituição.

Por fim, esta pesquisa pretendeu contribuir para uma reflexão sobre o

contexto de abrigamento em nosso país, procurando focar o momento do

desligamento do adolescente da instituição, uma vez que este se configura como um

reflexo da forma como se estruturou sua passagem pelo estabelecimento.

Reconhecemos que se trata de uma questão de saúde pública, que necessita de

políticas de proteção que possam amparar adequadamente esta população,

promovendo-lhes uma reinserção mais saudável e satisfatória na sociedade.

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OZELLA, Sérgio (org). Adolescências Construídas: a visão da psicologia sócio-

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PEREIRA, Maria G. S. Adolescentes trabalhadores: a construção de sentido nas relações de

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REGO, Tereza C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de

Janeiro: Vozes, 2002.

SAFFIOTI, Heleieth, I. B. Exploração Sexual de Crianças. In: AZEVEDO, Maria A.;

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TEIXEIRA, Lucema C. Sentido subjetivo da exploração da exploração sexual para uma

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________________________ Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,

2000.

________________________ A Construção do Pensamento e da Linguagem. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

________________________ A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

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ANEXOS

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ANEXO A - Relatório do Encontro

Parte 1

Ao chegarmos no dia e horário combinados ao abrigo para realizarmos a

atividade proposta, cujo objetivo era colhermos informações acerca dos aspectos

que pretendíamos abordar em nossa pesquisa, os dois garotos se encontravam

confortavelmente assistindo ao jogo de futebol. Achamos importante aguardar a

finalização deste momento de lazer e descontração. Os jovens agradeceram tal

atitude e isto facilitou nosso contato posterior.

Recebemos os adolescentes em uma pequena sala no andar de cima, onde

seria a dispensa e escritório do abrigo. Sofremos algumas interferências de

funcionárias, pois ali também estavam seus armários de objetos pessoais.

Explicamos o objetivo de nossa pesquisa, como pretendíamos abordá-la, bem

como os instrumentos que utilizaríamos. Ainda esclarecemos eventuais dúvidas que

surgiram como, por exemplo, se precisariam responder alguma coisa, falar sobre

algum assunto específico e o motivo da pesquisa ser em abrigos. Ao explicarmos os

objetivos e que não faríamos uma entrevista formal, um dos garotos declarou achar

interessante o trabalho, enquanto o outro já respondeu dizendo: “Finalmente alguém

pensou em nós!” (sic).

Entregamos aos garotos o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e a

Autorização Para Realização de Pesquisa Com Participante, esclarecendo que eles

estavam livres para consentir ou não. Reforçamos a questão do sigilo e que não

comentaríamos com ninguém sobre o que fosse falado, principalmente funcionários

ou diretor da Instituição.

Lembramos ainda que poderiam colocar um pseudônimo para substituir seus

nomes a fim de não serem identificados na pesquisa. Os adolescentes passaram

alguns minutos revendo alguns apelidos que gostavam e como eram chamados nos

vários lugares que passavam e como as garotas preferiam chamá-los. Por fim, um

deles se identificou como Pauleta e o outro como Marcola. Este segundo até brincou

com a referência que o nome poderia trazer, dizendo: “Já pensou o que vão pensar?

(risos)”.

Marcola logo foi preenchendo os termos, enquanto Pauleta lhe questionou se

não leria os termos, dizendo: “Como você vai assinando um documento sem ler? E

se tiver alguma coisa que possa prejudicar?” (sic). Marcola respondeu que não

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precisaria ler, argumentando: ”Ler o quê? O que elas podem tirar de mim? Não tem

nada meu... Minha roupa, minha cama...? (risos)” (sic). Pauleta disse que já estava

acostumado a fazer isso, pois havia preenchido vários documentos para entrevistas

de emprego.

Após os termos entregues e conferidos, foi-lhes dado a primeira folha de

desenho (Anexo B). Entregamos juntamente para cada um dos participantes: um

lápis grafite preto 04, um apontador, uma borracha e uma caixa de lápis de cor com

12 cores.

Primeiramente, os jovens foram instigados a fazerem um desenho sobre o

que sentiam naquele momento ao pensarem no abrigo. Solicitamos que ficassem à

vontade, pois não haveria tempo e poderiam construir da maneira que quisessem.

Logo no início, os garotos expressaram dificuldade em desenhar. Então,

começaram a trocar idéias do que cada um desenharia. Marcola pediu auxilio ao

amigo para saber o que o outro faria, pois estava sem idéias, dizendo para si

mesmo: “Como eu desenho isso?” (sic). Reforçamos que o desenho não precisava

ser perfeito, poderia ser como desejassem, não havendo nenhuma regra e que não

seria mostrado para ninguém da Instituição. Então Marcola nos responde: “Podem

mostrar tudo, não tenho nada pra esconder (vira de costas, voltando-se para a

mesa) e eles já sabem tudo” (sic).

Os garotos declararam que não sabiam desenhar. Neste momento, entrou na

sala uma das funcionárias do abrigo e Marcola acabou se dispersando. Por fim,

solicitou a ajuda dela e mostrou o que precisava fazer. Ela negou o pedido e se

despediu deles. Os garotos conversaram por mais 5 minutos e Pauleta sinalizou que

já sabia o que desenharia. Marcola pediu que o amigo lhe contasse o que faria, mas

ao perceber que Pauleta estava já concentrado na tarefa, acabou se concentrando

também.

Pauleta explorou bastante as cores da caixa de lápis. Estava completamente

debruçado sobre seu papel. Realizou com muita agilidade seu desenho, sem

nenhuma outra interrupção até o final.

Marcola já preferiu utilizar somente o lápis grafite. Estava sentado de lado

para sua mesa, mostrando através do corpo estar pouco interessado em sua

produção. Parou algumas vezes para olhar seu desenho, moveu bastante sua folha

e fez bastante críticas de sua produção.

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Neste primeiro desenho, Marcola utilizou mais a borracha e preferiu ir

comentando sobre o que estava fazendo. Já Pauleta não a utilizou nenhuma vez e

permaneceu em silêncio.

Após terminarem o desenho, entregamos a segunda parte (Anexo B) e

solicitamos que escrevessem no espaço disponível o que significava aquele

desenho e sobre o que mais achassem necessário. Neste momento, os jovens não

demoraram para começar a escrever. Os adolescentes mostravam-se à vontade e

conversavam entre eles, olvidando a presença das pesquisadoras.

Marcola comentou ser este o pior abrigo pelo qual já havia passado e que já

havia conhecido vários outros. Não gostava daquele lugar, pois se sentia muito

preso neste ambiente, achando que nos outros possuía mais liberdade. Entretanto,

Pauleta descreveu gostar muito daquele lugar, apontando que não havia queixas ou

reclamações.

Marcola justificou-se, afirmando que naquela casa ele não tinha amigos, visto

ainda não ter tido tempo suficiente para fazer grandes amizades. Pauleta concorda,

dizendo: “É... na verdade aqui eu não tenho amigos, temos conhecidos de abrigo”

(sic). Porém, logo Pauleta volta atrás e afirma que tinha amigos lá sim.

Os garotos, ao ouvirem sons na rua, relembram do jogo de futebol que

haviam assistido e logo pensam que deveria estar acontecendo algum tipo de

comemoração e acabaram falando um pouco sobre o resultado do jogo.

Pauleta ainda perguntou ao amigo como andavam as entrevistas de emprego.

Este respondeu que havia já passado por muitas, mas até o momento não havia

nada específico. Pauleta nos disse: “Trabalho em um restaurante” (sic) e comentou

ainda que este era em outro lugar, pois havia saído do emprego onde estava.

Parte 2

Recolhemos as folhas de ambos e passamos para a segunda parte da tarefa.

Entregamos as folhas (Anexo C) e novamente foi explicado que deveriam produzir

outro desenho, no qual deveriam expressar como se sentiam ao se imaginarem no

futuro, fora do abrigo. Os garotos começaram a desenhar imediatamente. Não houve

hesitação e nem conversas.

Marcola abriu os braços e sorrindo disse que já sabia o que iria desenhar.

Voltou-se para sua mesa de forma a se sentar melhor e manteve-se compenetrado

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na tarefa. Pauleta também não sentiu maiores dificuldades, também declarando que

já sabia o que desenharia.

Marcola afirmou: ”Vou me desenhar feliz” (sic). Logo após, olhou para o

desenho do colega e perguntou se este faria um restaurante e o amigo confirmou.

Ao que parecia, os jovens já tinham conhecimento sobre as aspirações e desejos do

outro.

Pauleta terminou seu desenho primeiro e logo solicitou a segunda parte

(Anexo C), começando a escrever o que significava aquele desenho. Marcola, já

atento ao ambiente, parou para escutar a discussão que estava acontecendo no

primeiro andar do abrigo. Ao que parecia, um educador discutia com um dos

meninos a respeito do comportamento dele de insultar, de se comportar mal e que

era um ingrato, pois não sabia agradecer. Marcola pontuou que este garoto não era

fácil e estava se adaptando ainda.

Ao final, após entregarem a última folha, começamos a conversar com os

adolescentes, até mesmo como forma de manejar possíveis conteúdos que tivessem

sido mobilizados com a tarefa. Os garotos decidiram conversar sobre o futuro e o

que desejariam fazer profissionalmente.

Pauleta nos contou que sempre desejou ser chefe de cozinha, dizendo:

“Gosto da área de gastronomia” (sic). Relatou que havia feito um curso técnico, que

o habilitara a atuar nas diferentes áreas de um restaurante como: na recepção de

porta, atendimento de bar, limpeza e na cozinha, com a preparação de pratos.

Devido estas experiências, conseguiu trabalhar em um restaurante e depois

trabalhou em uma cozinha de uma empresa, onde explicou ter aprendido a preparar

saladas e decorações de prato. Contou ainda que estes pratos, por serem servidos

aos funcionários e aos diretores, precisavam ser caprichados e bem feitos, o que

teria lhe dado uma base de aprendizado muito positiva. Após um tempo naquela

empresa, não explicou o motivo de seu desligamento. Todavia, conversou com o

diretor responsável do abrigo e este conseguiu encaixá-lo na cozinha da própria

Instituição - que dirige diversas obras assistenciais, entre elas o próprio abrigo.

Apontou que estava em período de adaptação de três meses. Salientou ainda: “Eu

gosto de cozinhar! Aqui eu faço tudo: quando tem alguma comemoração, eu ajudo

na cozinha e a enfeitar os pratos.” (sic).

Após isso, relatou que estava indo bem nas matérias escolares e que estava

fechando todas com boas notas.

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Marcola declarou que estava indo bem na atual escola, considerando ter

estudado em um outro colégio, que era particular. Em sua opinião: “Além de ser

muito difícil, os alunos eram muito metidos. Não gostava daquelas pessoas” (sic).

Pauleta confirmou, dizendo que há um preconceito muito grande, principalmente

quando ficam sabendo que são moradores de abrigo. Ressaltou que há

discriminação sim.

Marcola continuou dizendo que estava fazendo o mesmo curso técnico que o

amigo havia feito. Também estava passando por todos os setores de um restaurante

e disse: “Gosto de servir porque eu gosto de movimento, de estar no meio das

pessoas” (sic). Explicou que não lhe agradava o setor de limpeza e de preparação

de comidas. Pauleta lhe disse que preferia apenas cozinhar, não tinha gosto por

outros setores.

Pauleta afirmou: “Vou abrir meu restaurante” (sic), e continuou explicando:

“Vou fazer gastronomia e nutrição (sic)”, por se complementarem e serem úteis para

a carreira. Ainda acrescentou: “Logo também vou fazer cursos de línguas: espanhol,

inglês e francês” (sic), pois receberia turistas e facilitaria no conhecimento de

cardápios e gastronomia de outros países.

Marcola não disse mais nada, apenas observava o amigo e acabou lhe

pedindo que, quando abrisse seu restaurante, o chamasse para trabalhar lá.

Pauleta afirmou ter uma conta aberta pela empresa que trabalhava, mas

agora fecharia e ficaria só com a conta da Instituição. Explicou-nos que a direção do

abrigo se responsabiliza pelo dinheiro que os garotos recebem, depositando em uma

poupança. Este é um dinheiro que eles usarão quando saírem do abrigo.

Ao final, perguntamos o que haviam achado da tarefa e pedimos que nos

contassem como havia sido esta experiência. Ambos foram breves, dizendo apenas

que haviam gostado e que não havia sido “chato” (sic). Pauleta perguntou ainda se

utilizaríamos o desenho deles em nosso trabalho. Respondemos que sim, então

marcos disse: “Elas vão colocar que foi com a ajuda dos menininhos do abrigo” (sic).

Neste instante, declaramos que os colocaríamos como nossos colaboradores de

pesquisa e que a participação deles havia sido fundamental para nós. Os jovens se

entreolharam e sorriram. Marcola acabou dizendo “Oh, que chique” (sic). O rapaz se

levantou e acrescentou: “Já pensou a gente lá na frente apresentando o trabalho,

todo importante de terno? (imita e dá risadas)” (sic). Comentou que não sentia

vergonha em falar na frente de várias pessoas. Pauleta já descreveu ser mais

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tímido, mas que já havia melhorado muito, pois antes era pior e agora conseguia

falar em público sem problemas.

Questionamos se já estava na hora do jantar deles. Os adolescentes

responderam que não, pois eles comiam mais tarde, explicando que primeiro eram

as refeições dos menores e depois os maiores. Faziam praticamente tudo em

horários diferentes, mas contou ainda: “Nós que cuidamos da casa, limpamos,

arrumamos tudo. Só os mais novos que tem dificuldade, mas a gente ajuda eles, aí

eles já vão aprendendo (sic)”.

Nada mais foi conversado, já haviam se passado 50 minutos (tempo proposto para

nossa tarefa). Então, aproveitamos para nos despedir. Os jovens nos

acompanharam até a porta e nos apresentaram ao educador responsável naquele

dia. O educador nos perguntou se havia ocorrido tudo bem e se os garotos haviam

se comportado. Respondemos que tudo havia ocorrido de forma satisfatória e que

os rapazes haviam colaborado muito. Então ele respondeu: “É porque vocês estão

aqui. Vem outro dia pra vocês vê-los, ai vocês não vão achar eles tão legais assim...

(risadas) Mas os meninos, de modo geral, são gente boa mesmo” (sic).

Despedimo-nos e combinamos de ligar para o diretor em outro momento a

fim de agradecer e marcar novo encontro para conversarmos pessoalmente. Ao

todo, nossa atividade no abrigo durou cerca de 50 minutos, tempo estimado que

havíamos nos proposto para não ser cansativo aos adolescentes.

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ANEXO B

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ANEXO C

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ANEXO D

ψψψψ CCuurrssoo ddee PPssiiccoollooggiiaa

TTEERRMMOO DDEE CCOONNSSEENNTTIIMMEENNTTOO LLIIVVRREE EE EESSCCLLAARREECCIIDDOO

(Decreto n. 93.933, de 14/01/87; Resolução CNS-196/96, do Conselho Nacional de Saúde – Brasília/DF;

Resolução CFP-016/2000)

Nome do participante __________________________________________

Endereço: __________________________________________________ Telefone: ___________________

Esclarecimentos: 1. O objetivo da pesquisa é: ____________________________________

2. Os procedimentos a serem adotados são (especificá-los): ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3. A duração do trabalho é de __________________________

4. O participante não sofrerá qualquer risco durante a pesquisa.

5. Todas as informações requeridas, bem como dúvidas surgidas, serão imediatamente prestadas ao participante pelos alunos-pesquisadores.

6. Ao participante é facultada a possibilidade de interrupção da sua participação a qualquer momento, sem nenhum prejuízo para ele.

7. Os alunos-pesquisadores comprometem-se a divulgar ao participante todos os resultados obtidos ao final do trabalho.

8. Nome, endereço e telefone do participante serão mantidos em absoluto sigilo, bem como qualquer outro dado que possibilite sua identificação.

9. Todas as despesas de ressarcimento decorrentes da participação do participante da pesquisa são de total responsabilidade dos alunos-pesquisadores.

10. Este estudo será desenvolvido nas dependências da __________________________ (nome da instituição), com sua autorização (anexar Autorização da Instituição).

11. Esses dados poderão ser utilizados na elaboração de textos para publicação, gravação e exibição em fita para fins acadêmicos.

Depois de lidos os onze itens de esclarecimento acima, eu, __________________________________________, portador do RG ______________, declaro-me ciente e de pleno acordo em participar voluntariamente do estudo, sabendo que os resultados obtidos farão parte do trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia da Universidade São Marcos, sob a supervisão do professor orientador ___________________ ______________, tendo assinado o presente termo em duas vias de igual teor, das quais recebi uma cópia. São Paulo, _____ de ______________ 200

_______________________________________

Participante

Alunos pesquisadores:

________________________________________ RG _____________

________________________________________ RG _____________

Professor Orientador _______________________ RG _____________

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ANEXO E

ψψψψ CCuurrssoo ddee PPssiiccoollooggiiaa

TTEERRMMOO DDEE CCOONNSSEENNTTIIMMEENNTTOO LLIIVVRREE EE EESSCCLLAARREECCIIDDOO

(Decreto n. 93.933, de 14/01/87; Resolução CNS-196/96, do Conselho Nacional de Saúde – Brasília/DF;

Resolução CFP-016/2000)

Eu, ________________________________________________________________, RG nº

_______________, responsável pelo(a) menor ____________________________________

____________________________________________, nascido(a) em ____/____/________,

consinto em sua participação voluntária como sujeito da pesquisa ______________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________,

desenvolvida por _________________________________________, __________________

______________________________ sob orientação do(a) professor(a)__________________

_______________________________, pelo curso de Psicologia da Universidade São Marcos,

desde que seja garantido o sigilo que assegure a privacidade quanto aos dados confidenciais.

Autorizo ainda que esses dados possam ser utilizados na elaboração de textos para publicação.

São Paulo, _______ de ___________de 200__

_______________________________________

Assinatura do Responsável Legal

De acordo:

________________________________

Nome do menor:

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ANEXO F – Carta de Apresentação dos Alunos a Instituição

ψψψψ CCuurrssoo ddee PPssiiccoollooggiiaa

São Paulo,

Prezado(a) Senhor(a)

Os alunos ______________________________________________________________ e ____________________________________________________, do curso de Psicologia desta Universidade, desenvolvem um projeto de pesquisa ao longo do sétimo e oitavo semestres.

Essa atividade é realizada em dupla e freqüentemente exige um trabalho de campo. Solicito sua colaboração no sentido de recebê-los e permitir que realizem a coleta de dados nessa instituição.

Julgo importante esclarecer ainda que os alunos são supervisionadas semanalmente por mim, e seguem a Resolução do CNS-196/96 quanto aos procedimentos éticos em pesquisas que envolvem seres humanos.

Agradeço antecipadamente a sua colaboração.

_______________________________

Professor Orientador

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Anexo G – Autorização Para Realização de Pesquisa Com Participante

Eu,____________________________________________ RG:_______________________.

Abaixo assinado, concordo livremente em participar da pesquisa “Adolescente

Institucionalizado: o impacto emocional frente à iminência do des-abrigamento”.

Fui devidamente informado (a) e esclarecido (a) pelas pesquisadoras Beatriz Cianga Ramiro

e Josiane Alegre Gitti sobre a pesquisa e os procedimentos nela envolvido, assim como os

possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.

Foi garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve

a qualquer penalidade.

Autorizo que os dados possam ser utilizados na elaboração de textos para publicação.

Declaro que recebi uma cópia do presente termo de consentimento.

São Paulo, de de 2009.

Assinatura: ___________________

PARTICIPANTE DA PESQUISA:

Nome completo: ___________________________________________

Assinatura: _______________________________________________

Telefone para eventuais contatos: ____________________________

Data: ___ / ___ / ____

PESQUISADORES:

__________________________ __________________________

Beatriz Cianga Ramiro Josiane Alegre Gitti

CPF: 376.162.958-35 CPF: 046.824.116-75

Tel: 11-50616547 Tel: 11-55815070

_________________________

Prof. Tiago Lopes de Oliveira

CRP: 76167.

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Anexo H – Autorização Para Realização de Pesquisa Com Representante

Eu,__________________________________________ RG:_________________________,

representando a Instituição “Casa Nossa Sra. Aparecida - Organização: Obra Social Dom

Bosco”, consinto com a realização da pesquisa “ Adolescente Institucionalizado: o impacto

da ansiedade frente à iminência do des-abrigamento”, desenvolvida por Beatriz Cianga

Ramiro e Josiane Alegre Gitti, sob a orientação do professor Dr. Cristiano da Silveira Longo,

pelo curso de Graduação em Psicologia da Universidade São Marcos.

Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pelas pesquisadoras sobre os objetivos da

pesquisa, bem como os procedimentos nela envolvidos, como entrevistas, observações e a

realização de um grupo com os jovens, onde serão realizados cinco encontros com

aplicações de dinâmicas. Os participantes serão informados dos possíveis riscos e

benefícios decorrentes de sua participação, sendo garantido o sigilo que assegure a

privacidade quanto aos dados confidenciais obtidos por meios digitais, depoimentos,

observações e relatórios. Autorizo ainda que estes dados possam ser utilizados na

elaboração de textos para publicação.

Foi garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve

a qualquer penalidade.

Declaro que recebi 1(uma cópia) do presente termo de consentimento.

São Paulo, de de 2009.

Assinaturas:_____________________________________

RESPONSÁVEL PELA INSTITUIÇÃO

Nome completo:____________________________________________________________________

Assinatura:____________________________________________

Telefone para eventuais contatos:__________________________

PESQUISADORES:

__________________________ ___________________________

Beatriz Cianga Ramiro Josiane Alegre Gitti

CPF: 376.162.958-35 CPF: 046.824.116-75

Tel: 11-50616547 Tel: 11-55815070

___________________________

Prof. Tiago Lopes de Oliveira

CRP: 76167.

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