Adolescentes Em Conflito

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uma retrato das unidades de internao de adolescentes em conflito com a lei

Nota 2 edio Nesta edio, inclumos o relato do estado de Alagoas, somando um total de 22 estados mais o Distrito Federal, nos quais foram realizadas as inspees s unidades de internao de adolescentes em conflito com a lei. Esclarecemos que a 1 edio no contou com tal relato porque este no alcanou a diagramao em tempo hbil para a publicao. Para esta 2 edio tambm foi realizada pequena reviso de texto, sem comprometimento do contedo, a fim de melhorar a apresentao do presente Relatrio.

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Organizao da Inspeo- Comisso Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia - CFP - Comisses de Direitos Humanos dos Conselhos Regionais de Psicologia Comit Organizador pelo Conselho Federal de Psicologia: Esther M. Arantes Monalisa Barros Yvone Magalhes Duarte Reviso Tcnica: Maria de Nazar Tavares Zenaide Elisngela Sena Rodrigues - Comisso Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - Comisso Nacional da Criana e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil - Sees da Ordem dos Advogados do Brasil Comit Organizador pela Ordem dos Advogados do Brasil: Marta Marlia Tonin Jos Edsio Simes Souto Joelson Dias Jos Moura Filho Reviso Tcnica: Paula Inez Cunha Gomide

Fotos: acervo do Sistema Conselhos / Conselho Federal de Psicologia e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e suas sees. As fotos que ilustram a presente edio foram tiradas no dia da Inspeo em alguns estados brasileiros e esto dispostas aleatoriamente na diagramao do Relatrio.

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Inspeo Nacional s unidades de internao de adolescentes em conflito com a lei

Relatrio das visitas realizadas simultaneamente em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal, no dia 15 de maro de 2006.

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SumrioAgradecimento............................................................................................ 7 Apresentao............................................................................................... 8 Prefcio...................................................................................................... 11 Regio Sudeste So Paulo.............................................................................................. 17 Rio de Janeiro........................................................................................ 27 Minas Gerais......................................................................................... 29 Esprito Santo....................................................................................... 35 Regio Sul Paran.................................................................................................. 38 Santa Catarina...................................................................................... 44 Rio Grande do Sul................................................................................. 49 Regio Norte Acre....................................................................................................... 54 Amazonas.............................................................................................. 56 Par....................................................................................................... 60 Rondnia............................................................................................... 65 Roraima................................................................................................. 67 Regio Centro-oeste Mato Grosso.......................................................................................... 70 Mato Grosso do Sul................................................................................ 73 Gois..................................................................................................... 77 Distrito Federal....................................................................................... 80 Regio Nordeste Alagoas.................................................................................................. 84 Bahia..................................................................................................... 87 Cear..................................................................................................... 93 Paraba.................................................................................................. 103 Piau...................................................................................................... 106 Pernambuco.......................................................................................... 108 Sergipe.................................................................................................. 111 Concluses.......................................................................................... 115 Recomendaes..................................................................................... 124

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AgradecimentoA Coordenao Nacional do presente trabalho agradece, mui especialmente, ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Roberto Antonio Busato, e Presidente do Conselho Federal de Psicologia, Dr Ana Mercs Bahia Bock, por terem acatado deciso de suas Comisses de Direitos Humanos e Criana e Adolescente, no sentido de promover a realizao da Inspeo Nacional s Unidades de Internao de adolescentes em conflito com a lei, e pelo apoio poltico-financeiro que possibilitou a ocorrncia e divulgao da amostragem em carter indito no pas. Vale salientar que tal Inspeo s pde ser concretizada porque contou com o decisivo apoio e execuo das Comisses de Direitos Humanos e Criana e Adolescente das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, dos Conselhos Regionais de Psicologia, do Ministrio Pblico Estadual e das entidades locais. Braslia, 2 de junho de 2006. Marta Marlia Tonin Presidente da Comisso da Criana e do Adolescente Conselho Federal da OAB Jos Edsio Simes Souto Presidente da Comisso Nacional de Direitos Humanos Conselho Federal da OAB Esther Maria de Magalhes Arantes Coordenadora da Comisso Nacional de Direitos Humanos Conselho Federal de Psicologia

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ApresentaoDa relevante parceria entre Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil resultaram as Inspees de Direitos Humanos, simultneas s unidades de privao de liberdade de adolescentes de todo o pas, com o objetivo de avaliar os nveis de efetivao dos direitos deferidos aos jovens nesta condio, denunciar as violaes, suscitar o debate e propor aes. Anima, desde logo, observar o resultado de uma ao combinada entre advogados e psiclogos, simbolicamente como prtica compensatria dos servios prestados pelos saberes psi e jurdico na consolidao e legitimao dos espaos de controle segregado da diferena, como bem demarcou Foucault. Anima tambm que os rgos de classe, despojados das habituais preocupaes corporativas, tenham gestado a iniciativa a partir de suas respectivas comisses de Direitos Humanos. A poltica para a infncia e juventude, de uma forma geral, e a segregao juvenil, em especial, encontram seu lugar natural de reflexo e debate na poltica de Direitos Humanos, donde a obscuridade repressiva, reforada pela hipocrisia salvacionista, esforam-se, cotidianamente, para retir-la, como de fato a retiram. Ainda hoje os direitos parecem pouco relevantes neste mbito, um misto de assistncia social com educao, prevalecendo, como historicamente consagrado, o ideal de bondade do adulto poderoso de planto (e so muitos) a dizer o que pode e o que deve ser feito para o bem-estar do menor. O formato escolhido, com incurses simultneas aos centros de internao de praticamente todas as unidades da federao, foi especialmente feliz. Fornece uma leitura comum das diferenas e invarincias da experincia de privao de liberdade de adolescentes em nvel nacional. Ambas, semelhanas e diferenas, so eloqentes. Como invarincia, tem-se a significativa constatao de que o ideal scio-educativo do regime persiste, de fato, ainda como ideal. O inconsistente delineamento de uma estratgia pedaggica objetivada a inspirar e significar todas as aes concretas dirigidas em face do interno e a dificuldade de compatibilizar garantia de direitos com os reclamos da disciplina, da ordem e da segurana, restam como um desafio ainda intransposto. De outro lado, a comparao entre as realidades locais mostra que o trato absolutamente desumanizante, observado em grandes nmeros e espaos, pode assim no ser e que, onde persiste, pode ser creditado inconsistncia dos investimentos ou incompetncia do gerenciamento alado condio de poltica pblica deliberadamente executada ou no executada. A par de servir como importante termmetro aos prprios programas inspecionados, um olhar crtico externo sempre bem-vindo para um gestor honesto, o tra-

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balho resulta como precioso subsdio para o desenho das prioridades demandadas a polticas de mbito nacional: a construo de pautas mnimas de normatizao e controle do sistema. Neste passo, o retrato tirado fornece relevante contraponto ao Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Scio-educativo), reforando sua pertinncia e reclamando providncias para que, de fato, suas prescries vigorem e se efetivem. Mais do que isso, e parece inevitvel, h que se viabilizar, em casos extremos, formas de interveno federal nos sistemas estaduais aniquiladores dos direitos dos jovens, visando restaurar o mnimo de dignidade tolervel. Mas o que se nota, da diversificada origem e natureza das violaes observadas, que a tarefa de enfrent-las requer um esforo coletivo, a comear - numa salutar postura de auto-escrutnio - pelo que caberia aos prprios psiclogos e advogados que capitanearam as inspees. No plano jurdico, do ponto de vista terico, o pano de fundo parece dado, sem maiores dificuldades. A partir das bases construdas pela doutrina das Naes Unidas para proteo integral da criana e do adolescente, sabe-se o que deve e o que no pode ser feito. Falta talvez desenhar-se um maior refinamento dos instrumentos de exigibilidade, ou talvez nem isso: dois teros do Estatuto da Criana e do Adolescente concebem um sofisticado sistema de estratgia de garantia de direitos. O que falta, talvez, seja a constituio de um aparato de profissionais formados em nmero e profundidade suficiente para compor uma rede eficaz de monitoramento das violaes. Aes civis pblicas, procedimentos para apurao de irregularidade em entidades de atendimento, indenizaes por danos morais resultantes de maus-tratos, resolues normatizadoras dos conselhos municipais e estaduais, acionamento de mecanismos internacionais de proteo aos Direitos Humanos, responsabilizao administrativa, penal e civil do agente violador ainda despontam como instrumentos sub ou mal utilizados, no obstante as reiteradas iniciativas, aqui ou acol, de Organizaes No-governamentais, Ministrio Pblico e conselhos. Mas o grande desafio est em conferir efetividade aos mecanismos de controle quando acionados: denncias, resolues e decises judiciais (nem elas) no parecem afetar, como deveriam, a soberba do Executivo deliberadamente omisso, inconseqente, incompetente e impermevel participao popular. De uns tempos para c e cada vez mais, de outro lado, a Psicologia, seja pela via acadmica, seja por via dos conselhos Federal e regionais, tem pautado a incessante necessidade de balizar-se a atuao profissional na linha do respeito e promoo dos Direitos Humanos. Prope-se, assim, profunda reviso de prticas psicolgicas historicamente naturalizadas, no obstante segregatrias, discriminatrias, docilizadoras. Do diagnstico ao tratamento, dos testes Psicoterapia, da pesquisa inovadora s abordagens consagradas, tudo h de ser filtrado na malha fina da igualdade, dignidade e liberdade humana. Grande parte deste trabalho encontra-se em curso, e o maior desafio, aqui, parece ser o treino crtico do olhar profissional ainda hoje por demais autoconfiante e tecnicista e por de menos consciente dos interesses mediatos ou imediatos a que servem os saberes postos em prtica. O que faz um psiclogo em um local como a FEBEM? a pergunta,

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propositadamente ambga, que fica e que no pode, nunca, calar-se. Por certo, no h dvida, da extenso e sofisticao do trabalho apresentado adviro frutos ou pelos menos restaro plantadas mais sementes de indignao necessria ao movimento de mudana. Uma mudana que se espera caminhe, para alm do indispensvel esforo de tornar o crcere juvenil menos desumano, no sentido de entend-lo, creio eu, como disse Basaglia em relao aos manicmios, jamais plenamente humanizvel. A lgica da segregao e da instituio total ela, sempre, desumanizante. A pretenso de se tornar eficazmente educativa a lio ministrada por detrs das grades pretensiosa, j que, bem nos lembra Ferrajoli, represso e educao so definitivamente incompatveis, como so a privao de liberdade e a liberdade mesma, que constitui a substncia e o pressuposto da educao, de maneira que a nica coisa que se pode pretender do crcere que seja o menos repressivo possvel e, por conseguinte, o menos dessocializador e deseducador possvel. No por outra razo que a primeira, dentre as perspectivas fundamentais das Regras Mnimas das Naes Unidas para a Proteo dos Jovens Privados de Liberdade, vem assim traduzida: O sistema de justia da infncia e da juventude dever respeitar os direitos e a segurana dos jovens e fomentar seu bem-estar fsico e mental. No deveria ser economizado esforo para abolir, na medida do possvel, a priso de jovens. No por outra razo, tambm, que o Estatuto da Criana e do Adolescente desenha unidades de conteno verdadeiramente modelares, pautadas nas obrigaes do artigo 94 e no respeito aos direitos do artigo 124 e, mesmo assim, logo depois, vem dizer que tal medida providncia de exceo, s aplicvel em ltimo caso e pelo menor tempo de durao possvel. No h nem haver internao boa. No se pode perder de vista tal horizonte, de modo que, to relevante quanto as condies em que o Estado mantm o jovem custodiado a denncia da pertinncia jurdica, psicolgica, pedaggica e social da privao de liberdade imposta a cada um deles. Inexistiriam, efetivamente, em face deles, toda e qualquer alternativa scio-educativa aplicvel? Nesse esforo, que concretamente poderia traduzir-se numa inspeo de pronturios (consentida, claro), apresenta-se, num mbito mais legal, a tarefa de conceber-se filtros mais rigorosos ao manejo da privao de liberdade, hoje limitada de forma por demais genrica e ampla no artigo 122 do Estatuto. De outro lado da Psicologia e da Pedagogia reclama-se a desafiadora tarefa de desenhar possibilidades de interveno, para casos complexos e resistentes, que possam prescindir do confinamento como condio necessria de efetivao. Eis a um ponto de partida necessrio para qualquer mudana. Flvio Amrico Frasseto Defensor Pblico em So Paulo Mestre em Psicologia pela USP

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PrefcioDurante os primeiros sculos da colonizao portuguesa, a prtica em relao criana indgena era a de separ-la de sua famlia para mold-la aos costumes ditos civilizados e cristos, e, em relao criana negra, era a de sua incorporao como fora de trabalho escrava, to logo atingisse a idade de 7 anos. Quanto assistncia, limitava-se ao recolhimento de expostos e rfos em instituies caritativas. No existia, quela poca, a criana, pensada como categoria genrica, em relao qual pudssemos deduzir algum direito universal, pois no existia o pressuposto da igualdade entre as pessoas, sendo a sociedade colonial construda justamente na relao desigual senhor/escravo. O que existiam eram os filhos de famlia, os meninos da terra, os filhos dos escravos, os rfos, os expostos, os desvalidos ou, ainda, os pardinhos, os cabrinhas, os negrinhos. Os filhos legtimos de legtimo matrimnio no colocavam problemas ordem social, pois que, justamente, encontravam-se sob o controle do pai de famlia, que tinha poderes quase ilimitados. Da mesma forma, os meninos da terra, contidos nos colgios jesutas, e os negrinhos, propriedades do senhor, encontravam-se controlados socialmente atravs destas relaes de posse e assujeitamento. Os expostos e os rfos, embora sem o suporte familiar, encontravam nos estabelecimentos mantidos pela caridade, como as Casas da Roda e os Recolhimentos das rfs, o seu guardio legal. Naquela poca, as categorias que colocavam problemas ordem social eram as gentes sem-eira-nem-beira - os mendigos, os viciosos, os vadios - fenmeno to bem descrito por Laura de Mello e Sousa no livro Os desclassificados do ouro. Essa gente desclassificada no tinha como se inserir na estrutura dual da sociedade colonial. No eram escravos propriamente, porque no haviam sido comprados, e tambm no eram senhores, no podendo ocupar posies na estrutura burocrtica e administrativa da colnia. Existiam como uma espcie de mo-de-obra de reserva escrava, temidos como sendo a pior raa de gente, mas, ao mesmo tempo, reserva til, objeto de recrutamento forado sempre que o Estado necessitasse de milcias para o combate aos quilombolas e aos ndios, ou para a construo de estradas, prises e demais edificaes e servios. O problema modifica-se quando os escravos, a partir da Lei do Ventre Livre e da Abolio, adquirem a condio de livres e, portanto, de filhos e pais de famlia, sem, contudo, adquirirem as condies materiais para o exerccio pleno da cidadania. Foi quando crianas e adolescentes pobres, agora identificados como menores, passaram a ser encontrados nas ruas, brincando, trabalhando, esmolando ou cometendo pequenos furtos.

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A Repblica, longe de reverter esse processo, buscou instituir uma legislao especfica para os menores, visando, sobretudo, o controle daqueles considerados moralmente abandonados. Assim, o Cdigo Penal de 1890, um ano aps a proclamao, reduziu a idade penal para nove anos, permitindo o envio de crianas e adolescentes para as casas de deteno. Ao no abolir, mas apenas regulamentar o trabalho infantil, a Repblica tambm permitiu que crianas ficassem fora da escola regular. Construiu-se, desta forma, sobre a base da regulamentao da idade penal e do trabalho infantil, da possibilidade de destituio do ptrio poder e da internao dos menores pobres, um sistema dual no atendimento s crianas, uma vez que, enquanto o Cdigo Civil de 1916 tratava dos filhos de famlia, o 1 Cdigo de Menores (1927) tratava dos menores em perigo e perigosos, a saber: os expostos, abandonados, desvalidos, vadios, mendigos, viciosos e libertinos. Embora no se possa estabelecer apenas rupturas entre os dois modelos - coexistindo muitas vezes o mesmo propsito de controle social e o mesmo mtodo de confinamento - podemos afirmar, no entanto, que o sistema caritativo, de natureza religiosa e asilar, ocupava-se basicamente da pobreza, motivado principalmente pelo dever de salvao das almas. J a filantropia dita esclarecida, de natureza cientificista e favorvel a uma assistncia estatal, tendeu sempre a uma gesto tcnica dos problemas sociais, ordenando os desvios a partir de um modelo de normalidade que, em ltima instncia, revelou-se preconceituoso - pois que definia a criana pobre quase sempre como anormal, deficiente ou delinqente.1 Tal a fora e abrangncia deste sistema dito de proteo infncia que, praticamente, cobria todo o universo de crianas pobres, pois que situao irregular do menor (categoria do 2 Cdigo de Menores-1979) correspondia uma suposta famlia desestruturada - por oposio ao modelo burgus de famlia, tomada como norma - qual a criana sempre escapava: seja porque no tinha famlia (rf ou abandonada); porque a famlia no podia assumir funes de proteo (carente); porque no podia controlar os excessos da criana (menor de conduta anti-social); porque as aes e envolvimentos da criana ou do adolescente colocavam em risco sua segurana, da famlia ou de terceiros (infrator); seja porque a criana era dita portadora de algum desvio ou doena com a qual a famlia no podia ou sabia lidar (deficiente, doente mental, com desvios de conduta); seja ainda porque, necessitando contribuir para a renda familiar, fazia da rua local de moradia e trabalho (meninos e meninas de rua); ou ainda porque, sem um ofcio e expulso/evadido da escola ou fugitivo do lar, caminhava ocioso pelas ruas, cata de um qualquer expediente (perambulante). Foi para romper com esta lgica e com estas prticas que os movimentos sociais, sindicatos, pastorais, partidos polticos e demais grupos e organizaes da chamada sociedade civil, no bojo da mobilizao pelo fim da Ditadura Militar1

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Cf. ARANTES,E.M. ; BRITO, L.T; RODRIGUES,H.C. Adolescncia, ato infracional e cidadania no Rio de Janeiro: 1900-2000. A construo do jovem perigoso. Edital FAPERJ 2003/04 - Direitos Humanos ParaTodos.

e pela redemocratizao do Brasil, iniciaram ampla mobilizao em torno dos Direitos Humanos e de cidadania dos diferentes grupos marginalizados da populao brasileira, entre os quais os chamados menores. Munidos de farta documentao e de pesquisas que evidenciavam a falncia do modelo de atendimento correcional-repressivo, foi possvel aos movimentos sociais, por ocasio da Constituinte em 1987, mostrar: 1) que os internatos no eram o melhor meio de proteo criana pobre; 2) que o papel do tcnico, longe de ser apenas teraputico e educativo, estava sendo de controle e que, na realidade, a rotulao da criana (ou o seu diagnstico) j era feito anteriormente pelo policial, no ato mesmo de apreenso da criana na rua; 3) que as famlias, muitas vezes, toleravam as infraes das crianas na medida em que isto significava renda familiar, e que o melhor meio para se resolver este problema no seria enviando crianas paras as delegacias policiais; 4) que segmentos da sociedade, preocupados com sua segurana pessoal e com o patrimnio, pressionavam o poder pblico para punir e confinar o adolescente, sem, contudo, oferecer-lhe alternativas; e, finalmente, 5) que a criana no estava apenas sendo aliciada por adultos para roubos, furtos e venda de drogas, mas estava sendo tomada como mercadoria a qual se podia trocar, vender e mesmo executar. medida que se pode efetivamente questionar o modelo de assistncia at ento vigente, tornou-se possvel a emergncia de novas proposies. Na redao do artigo 227 da Constituio Federal de 1988, o Brasil adotou no apenas a Declarao Universal dos Direitos da Criana, como tambm o pr-texto da Conveno Internacional da ONU destes mesmos direitos, que, naquela data, ainda no havia sido apresentado Assemblia Geral das Naes Unidas (foi promulgada em 20/ 11/1989). Ao assim proceder, aboliu o Cdigo de Menores de 1979 e, em seu lugar, em 1990, promulgou o Estatuto da Criana e do Adolescente / Lei 8.069. A aprovao desta lei gerou intenso otimismo nos militantes de Direitos Humanos, chegando os mais otimistas a afirmarem que o Estatuto representava uma verdadeira revoluo nas reas jurdica, social e poltica, por considerar a criana como sujeito de direitos, pelo princpio da absoluta prioridade no seu atendimento e pela observncia de sua condio peculiar de pessoa em desenvolvimento. Depositava-se grande esperana nos Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares, principalmente pelo princpio da participao popular, tambm estabelecido no Estatuto. Decorridos quase 16 anos de aprovao do Estatuto, no entanto, foroso reconhecer que as mudanas at agora obtidas no tm correspondido s nossas esperanas. Em nome do equilbrio fiscal e do cumprimento de metas pactuadas com organismos internacionais, o Brasil vem, progressivamente, diminuindo o gasto com as polticas sociais bsicas, inviabilizando, na prtica, o cumprimento da Constituio. A crise que se instala, a partir da, combina desemprego, desesperana e violncia, onde os jovens pobres do sexo masculino tm sido as maiores

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vtimas, sendo que grande parte das mortes nesta faixa etria acontece por motivos externos: acidentes e assassinatos. Nesta conjuntura, onde faltam recursos para a garantia dos direitos sociais ou onde tais recursos no so priorizados frente s exigncias de controle fiscal, cresce o nmero de pessoas favorveis a um endurecimento da legislao. Divulga-se, insistentemente, como causa do aumento da violncia nos grandes centros urbanos, uma suposta impunidade proporcionada pelo Estatuto, cuja nica finalidade seria a de proteger bandidos- criando na populao uma indiferena face ao trgico destino de milhares de jovens pobres, tanto dos que so executados sumariamente quanto dos que se encontram privados de liberdade.2 Especificamente em relao s unidades de internao para adolescentes em conflito com a lei, foroso reconhecer sua inadequao em relao aos parmetros do Estatuto, servindo, a grande maioria delas, apenas como conteno e encarceramento para os adolescentes - fato este que tem sido apontado por muitos como constituindo-se em efetiva reduo da idade penal no Brasil, uma vez que, a partir dos 12 anos de idade, os adolescentes estariam sendo, na realidade, processados (condenados), cumprindo medidas de privao de liberdade (penas), em estabelecimentos scio-educativos (prises). Assim, no mbito da Campanha Nacional de Direitos Humanos O que feito para excluir no pode incluir. Pelo fim da violncia nas prticas de privao de liberdade, com o objetivo de conhecer a situao destas unidades de internao, as Comisses de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia organizaram, em parceria com as Comisses de Direitos Humanos e da Criana e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, e com a colaborao de muitas outras entidades e profissionais de outras reas, a Inspeo Nacional s Unidades de Internao de Adolescentes em Conflito com a Lei, que se realizou no dia 15 de maro de 2006, em 22 estados da federao e no Distrito Federal. Para este fim, produziu um Manual de Orientao aos participantes, contendo um roteiro para as visitas. O relatrio que ora apresentamos considerao pblica o resultado desta ao conjunta e reflete, como era de se esperar, as diferentes sensibilidades das equipes formadas em cada estado, sua maior ou menor familiaridade com os procedimentos necessrios a uma inspeo atenta e meticulosa, bem como as dificuldades ou facilidades encontradas para a realizao das visitas. No entanto, ainda que com relatos diferenciados, o retrato que emerge desta Inspeo Nacional de uma realidade muito semelhante: unidades superlotadas, projetos arquitetnicos semelhantes a presdios, presena de celas fortes e castigos corporais, ausncia ou precariedade dos projetos scio-educativos, desconhecimento por parte dos adolescentes de sua situao jurdica, procedimentos vexatrios de revista dos familiares por ocasio das visitas, adolescentes acometidos de sofrimento mental, dentre outros.

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Cf. ARANTES, E. M. Estatuto da Criana e do Adolescente: Doutrina da Proteo Integral o mesmo que Direito Penal Juvenil? In ZAMORA, M.H. (org.). Para alm das grades. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; So Paulo: Loyola, 2005.

Da mesma forma que na Inspeo Nacional de Unidades Psiquitricas em prol dos Direitos Humanos, igualmente realizada em ao conjunta do CFP com a OAB, no ms de julho de 2004, nem todas as unidades visitadas foram descritas como crceres imundos e insalubres, ou como apresentando prticas sistemticas de violao dos direitos dos adolescentes. Tal fato demonstra que, no obstante a predominncia do modelo de atendimento correcional-repressivo ao longo de toda a histria do Brasil, possvel mudar. Sabemos das dificuldades que temos pela frente: o enfrentamento da hegemonia do mercado, que se torna cada vez mais o centro da vida, colonizando nossa subjetividade e tornando-nos indiferentes ao sofrimento do outro - que, no Brasil, so permanncias histricas: a tortura, as execues, os processos de excluso. Sabemos da necessidade de formularmos alternativas s prises, dados os equvocos de se pretender recuperao social atravs de excluso, de se elevar os padres de convivncia humana pela via da ruptura dos vnculos sociais e de se pretender a promoo da vida atravs de rituais de mortificao. No entanto, baseadas em suas experincias de lutas pela promoo dos Direitos Humanos, as Comisses da Criana e do Adolescente da OAB e de Direitos Humanos da OAB e CFP conclamam a todos para, juntos, construirmos um outro mundo possvel e necessrio. Esther Maria de Magalhes Arantes Coordenadora da Comisso Nacional de Direitos Humanos Conselho Federal de Psicologia Marta Marlia Tonin Presidente da Comisso da Criana e do Adolescente Conselho Federal da OAB

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Regio SudesteSo PauloA cela em lugar de sala. A Inspeo Nacional s Unidades de Internao de Adolescentes em Conflito com a Lei, organizada pelo Sistema Conselhos em parceria com a OAB, contou com a participao de entidades de Direitos Humanos e, em So Paulo, foi realizada em trs unidades de internao - UIs 14, 19 e 23 - do Complexo Tatuap da FEBEM, no dia 15 de maro de 2006. Membros da Comitiva de So Paulo: Conselho Regional de Psicologia - 6 Regio: Marilene Proena Rebello de Souza, Cristina Almeida de Souza, Fbio Silvestre da Silva, Fernanda Lavarello, Marcus Goes, Maria Otaclia Lima Battistelli, Srgio Kuroda e Simone Kelly Svitek. Ordem dos Advogados do Brasil: Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari. Assemblia Legislativa de So Paulo: Carlos Neder. Assessor do Deputado Simo Pedro, Wellington Diniz Monteiro. Assessor do Deputado talo Cardoso, William Fernandes. AMAR - Associao de Mes e Amigos da Criana e do Adolescente em Risco: Conceio Paganele e Mirian Duarte. Conectas Direitos Humanos: Humberto Polcaro Negro. Conselho Tutelar do Butant: Adilson Aparecido Ferreira. Cedeca Belm / Pastoral do Menor: Amanda Zaparolli, Eduardo Baptista Faiola, Francisca de Assis Soares e Samuel Anselem. Dados do Complexo Tatuap: O Complexo Tatuap constitudo atualmente de 17 Unidades de Internao, com aproximadamente 1.300 adolescentes. O Complexo contava com uma 18 unidade, que foi destinada residncia dos agentes de segurana da GIR, o Grupo de Interveno Rpida, oriundos da SAP - Secretaria de Administrao Penitenciria. Identificao dos responsveis pelas UIs: UI 14 - Unidade de Internao Mogno

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Nome: Bruno Fernando C. Diorio Profisso: Advogado UI 19 - Unidade de Internao Araucria Nome: Sidney Pereira do Nascimento Profisso: No informada UI 23 - Unidade de Internao Rio Grande Nome: Ricardo Novaes Costa Aurani Profisso: Advogado A inspeo s unidades teve incio aps mais de duas horas de espera. A recepo ao grupo foi realizada pelo diretor do Complexo, que explicou sobre o momento tenso no local e sobre recentes ocorrncias. Informou que haviam recebido denncia de familiares sobre uma possvel fuga em massa, e que, portanto, havia sido realizada uma revista pela tropa de choque da Polcia Militar nas unidades 12, 14, 15 e 23 no dia nove de maro. Afirmou que, nesta revista, foram interceptadas armas artesanais na UI 15, tendo como conseqncia uma sano disciplinar de quarto (tranca nas celas) para todos os internos. Segundo seu relato, a sano foi aplicada por trs dias, de 10 a 12 de maro, sendo os adolescentes liberados na segunda-feira, dia 13. Informou tambm que, no dia anterior inspeo, dia 14 de maro, dois internos da UI 23 avanaram com uma arma artesanal sobre o diretor da unidade, tendo iniciado, neste mesmo dia, novamente, a tranca para toda a UI 23, conforme observado durante a inspeo. A Chefia do Gabinete da Presidncia da Febem, por meio do diretor do Complexo, no autorizou que a inspeo fosse realizada por todos os membros da comitiva, assim como no autorizou que o grupo que permaneceu na sala da Diviso Tcnica entrevistasse os analistas tcnicos (psiclogo e assistente social que realizam o atendimento direto aos adolescentes) das unidades visitadas. A inspeo s unidades foi realizada pelas entidades parceiras, pelo representante da OAB Nacional, por quatro membros do CRP e pelos dois assessores parlamentares. Este grupo foi acompanhado, em tempo integral durante a inspeo, pela seguinte equipe da Febem: o ouvidor, dois funcionrios da Corregedoria, o assessor de imprensa e uma coordenadora pedaggica. Os demais membros do CRP (quatro pessoas) permaneceram na sala da Diviso Tcnica e entrevistaram quatro supervisoras (trs psiclogas e uma pedagoga), responsveis pelas equipes tcnicas das unidades. Caractersticas das UIs: As unidades de internao do Complexo Tatuap so de cumprimento de medida scio-educativa de privao de liberdade, masculinas. O Diretor da Diviso Tcnica do Complexo Tatuap, Sr. Nilson Gomes de Sena,

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afirmou que as unidades de internao do circuito grave so as de nmero 1, 14, 15 e 23, e que as do circuito mdio so as de nmeros 16, 19 e 39. Relatou tambm que as unidades esto passando por readequaes e que, atualmente, h 11 unidades j estruturadas de acordo com os critrios de elegibilidade, citando que a separao dos adolescentes feita pelo tipo de infrao e faixa etria. Afirmou que daqui a trs meses as demais UIs atendero a estes critrios, alegando que ainda no se encontram neste patamar por se tratar de um difcil processo de adequao para os prprios internos. Os adolescentes so categorizados em quatro tipos de infrao: primrio mdio, primrio grave, reincidente mdio e reincidente grave. Estrutura fsica das UIs: As trs unidades visitadas - 14, 19 e 23 - so pavilhes de dois andares. No andar superior, localizam-se as celas com trancas externas, portas de ferro e grandes cadeados trancafiando as portas. No caso das unidades 14 e 23, as portas de ferro tm apenas um pequeno visor gradeado, chamado pelos adolescentes de robocop. Na unidade 19, as portas so metade de ferro, metade gradeadas. O espao interno das celas pequeno, considerando-se o nmero de adolescentes por cela. Nas unidades 14 e 19 os beliches so de alvenaria. Na unidade 23, no havia nenhuma cama, apenas colches no cho. Na unidade 14, as celas estavam sem colches, cobertores e lenis, sendo alegado que os colches so entregues s 22h diariamente, por motivos de segurana. Nas unidades 14 e 23 havia trs adolescentes por cela, e na unidade 19 havia seis colches e cinco camas em cada cela, sendo um colcho colocado no cho. Referentemente rea externa, a unidade 14 apresenta um espao bastante restrito para a circulao. Na unidade 23, no houve acesso ao espao externo, pois todos os adolescentes estavam de tranca desde o dia anterior a esta inspeo. Na unidade 19, a rea externa ampla, onde avistamos um espao coberto, uma quadra de futebol, um galpo coberto e uma rea de gramado. Observamos que a movimentao dos adolescentes no depende necessariamente da amplitude do espao fsico, mas, sim, das caractersticas das atividades permitidas em cada unidade. No momento da inspeo, observamos que a movimentao dos adolescentes estava cerceada pelo regime de tranca. Conclumos que o espao fsico no se adequa s medidas scio-educativas previstas pelo Estatuto da Criana e do Adolescente, assim como os prdios possuem a aparncia e a funcionalidade de estrutura prisional. Quanto sade dos internos: As informaes a seguir foram obtidas por entrevista com trs psiclogas e uma pedagoga da Diviso Tcnica, que so supervisoras das equipes tcnicas das unidades.

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Constatamos que no h um programa sistematizado e de freqncia regular de aes de Sade preventivas de DST/ AIDS e de drogadio, contando somente, segundo as supervisoras, com iniciativas pontuais de alguns funcionrios, que possuem experincia nessa ou naquela ao. No relato dos adolescentes entrevistados, estes informaram que no recebem acompanhamento mdico em caso de leses sofridas por espancamentos; que as roupas so trocadas de quatro em quatro dias, ocasionando a troca de roupas entre eles; que os banhos, em geral, so frios; e que, ao invs de receberem toalhas, recebem lenis para se enxugar. A informao de que parte dos chuveiros encontra-se queimada foi corroborada por funcionrio da unidade 14. H precariedade e negligncia no atendimento de sade aos internos. Recursos Humanos na UI: Durante visita unidade 23, foram observados dois analistas tcnicos atendendo a trs adolescentes. No entanto, alguns adolescentes dessa unidade relataram que no recebem atendimento tcnico, no que se refere ao andamento do seu processo, h pelo menos um ms. No houve acesso aos dados relativos ao quadro de funcionrios lotados em cada uma das unidades, nos diferentes complexos e no sistema Febem, como um todo. Quanto proposta pedaggico-profissionalizante da UI: Do ponto de vista do ensino regular, foi possvel observar apenas uma sala de aula funcionando no interior da unidade 14, com cerca de oito alunos. Os adolescentes informaram que, quando esto de tranca, no tm acesso sala de aula, uma informao que contradiz com o que foi afirmado pelas supervisoras. Fomos informados de que as salas de aula so multiseriadas, sendo os alunos agrupados em trs nveis: de 1 a 4 sries; de 5 a 8 sries; e de ensino mdio. Observamos que os adolescentes na sala de aula utilizavam apenas caderno e lpis como material didtico. No havia livros ou quaisquer outros materiais, tampouco uma biblioteca na unidade. Sobre os cursos profissionalizantes, o diretor do Complexo citou que h um srio dficit. Segundo ele, entre maro e setembro de 2005, as atividades ficaram totalmente paralisadas. Atualmente, no h convnio estabelecido entre a Febem e alguma instituio que oferea os cursos, conforme nos relatou. Quanto a atividades esportivas, na unidade 19 os adolescentes contaram que h um time de futebol, do qual participam 15 adolescentes. Das trs unidades visitadas, foi a nica unidade que apresentou uma atividade esportiva, no entanto um dos adolescentes que fazia parte do time afirmou se sentir prejudicado e desmotivado com a sua retirada da equipe, por no apresentar o comportamento desejado na unidade.

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Por concluso, verificamos a ineficincia do programa de educao regular, a ausncia do ensino profissionalizante e, por fim, que as prticas esportivas, culturais e de lazer so muito limitadas, sendo a retirada destas atividades aplicada como forma de punio. Ficou caracterizada a ausncia de compromisso nestas unidades com um projeto scio-educativo que atendesse aos princpios do Estatuto da Criana e do Adolescente. Ocorrncias de crises e violncia na UI, fiscalizao e controle social: O diretor do Complexo informou que, no dia nove de maro, houve uma ao da tropa de choque, que revistou as unidades 12, 14, 15 e 23, por motivo de denncia de familiares sobre um plano de fuga em massa. Na UI 15 foram interceptadas cartas e armas artesanais. Os adolescentes das trs unidades sofreram sano de quarto (tranca) de trs dias. Ele informou que dois internos avanaram no diretor da UI 23, tendo a unidade recebido, novamente, sano de quarto. Cabe esclarecer que, no dia anterior, houve uma invaso dos agentes de segurana nesta unidade, com denncias de espancamento, e no foi possvel estabelecer claramente a conexo entre os dois fatos (invaso e agresso ao diretor). Ao visitarmos esta unidade (UI 23), fomos recebidos pelo diretor. Pelo fato de todos os adolescentes estarem em tranca, dirigimo-nos para conversar com eles nas celas. Encontramos, alm dos funcionrios da unidade, sete agentes de conteno (choquinho) da Febem, treinados pela instituio para intervir ostensivamente nas situaes de conflito. Os adolescentes relataram que foram colocados na tranca do dia nove de maro at o dia 13 de maro. Na segunda-feira saram da tranca e, na tera, dia seguinte, houve novamente uma interveno, com violncia, dos agentes de segurana, que realizaram a revista de todos os adolescentes. Em uma das celas, que mais chamou a ateno, foi onde trs adolescentes denunciaram a violncia sofrida por dois deles nesta interveno, cujos sinais corporais eram hematomas em diagonal nas costas e marcas de espancamento em diversas partes do corpo. Os adolescentes relataram que foram deitados no ptio da unidade, somente com roupas ntimas (cuecas), cercados por ces, que eram atiados pelos agentes, enquanto apanhavam. Chamado para informar sobre o episdio, o diretor da unidade no explicou o acontecido, alegando que todos os adolescentes foram encaminhados ao Instituto Mdico Legal (IML), fato que no foi citado pelos adolescentes. Em outra cela vimos um adolescente sem alguns dentes e com sete pontos na boca, que informou ter sido agredido por um dos funcionrios da unidade. Os internos relataram que, alm de ficarem na tranca, so obrigados a permanecer nas celas, sentados no cho com as mos atrs da cabea. Caso saiam dessa posio, voltam a ser espancados.

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Nesta unidade, qualquer tipo de desobedincia punida com espancamento, segundo o relato da maioria dos adolescentes ouvidos. Na UI 14, fomos ao ptio onde se encontravam alguns adolescentes. Neste encontro, eles estavam sem camisa e, por comando de um adolescente, todos vestiram suas camisas. Fomos informados por estes adolescentes de que havia um grupo de tranca, ou seja, presos em suas celas, e que haviam sofrido espancamento. Informaram que passavam a maior parte do tempo trancados e que, em virtude da nossa visita, foram liberados para o ptio, sendo oferecido a eles uma bola. Alguns adolescentes estavam com escoriaes e hematomas e disseram que haviam sido espancados por ordem do diretor da unidade. Dois deles relataram que apanharam durante o trajeto de transferncia da UI 1 para esta unidade, por funcionrios. Um deles apresentava marcas na cabea, atrs da orelha. Outro afirmou estar com dores no ombro, pelo espancamento. Ao chegarem unidade, na segunda-feira, dormiram a primeira noite no cho e ouviram dos funcionrios que tal situao era para eles experimentar (sic) um pouco de veneno (violncia), por serem novos na unidade. Informaram tambm que passaram os dois primeiros dias na tranca. Os adolescentes contaram que, a partir da entrada da nova direo, houve grandes mudanas na unidade. Os adolescentes que estavam trancados informaram que todos os internos da unidade foram submetidos revista pela tropa de choque (no possvel precisar se esta tropa de choque da Polcia Militar ou de agentes de segurana do Complexo) e que, posteriormente, foram todos trancados em suas celas. Aps a sada do choque, os funcionrios entraram em grupos nas celas, munidos com pedaos de pau, espancando-os. Tambm afirmaram que foram formados no corredor, sentados no cho de cabea baixa, apanhando novamente. Em seguida, foram levados ao banheiro para tomar uma ducha fria, a fim de esconder/minimizar os hematomas. Disseram, ainda, que outros adolescentes foram espancados pelos funcionrios, chegando a ficar com olhos roxos e terem quebrados os dentes e, em seguida, foram transferidos para outras unidades. Um dos jovens relatou que, mesmo informando aos funcionrios sobre o seu problema cardaco (marca-passo), apanhou duramente, sem que essa informao fosse levada em considerao. Enfim, nesta unidade os adolescentes estavam em tranca, sendo que a metade dos internos estava no ptio, devido nossa visita, segundo os relatos. Na UI 19 os adolescentes relataram que funcionrios, inclusive de outras unidades, armados com pedaos de madeira, adentraram unidade, indo de cela em cela, espancando-os generalizadamente. Afirmaram ainda que os funcionrios, antes de iniciarem o espancamento, mandaram o diretor se retirar do local. Aps o espancamento, todos permaneceram em tranca durante 10 dias. No andar superior, encontramos trs adolescentes que estavam em tranca. Segundo o diretor da unidade, a punio disciplinar foi aplicada pelo fato destes adolescentes terem fumado no interior da cela, o que , segundo ele, uma prtica proibida.

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Durante a nossa visita nas trs unidades, constatamos - a partir dos relatos dos adolescentes, das marcas da violncia nos corpos e das observaes das prticas de encarceramento - a presena de prticas de extrema violncia, crueldade e humilhao como forma de lidar com os conflitos institucionais. Quanto s visitas: O dia da inspeo no coincidiu com o dia de visita dos familiares. As informaes acerca das visitas foram colhidas com as supervisoras, que citaram que autorizada a visita de trs adultos e cinco crianas por interno. A maioria dos familiares realiza a visita nos finais de semana. Na entrada, h a revista em todos os visitantes, adultos e crianas, sendo despidos para tal procedimento. Inclusive trocam a fralda dos bebs. Os funcionrios passam tambm por revista diria (revista de bolsa e corpo, sem despir). Atuao da Justia na Medida Scio-educativa de Internao: No foi possvel apurar, durante a inspeo, acerca de aes civis pblicas ajuizadas em relao s unidades visitadas. Por parte da Conectas Direitos Humanos, h trs aes civis pblicas contra as unidades 5 e 19, ainda sem resultado. Numa destas aes, referente UI 5, havia sido concedida pela Vara Central da Infncia e da Juventude a medida liminar para que a Febem procedesse reforma no edifcio da unidade. Porm, a liminar foi posteriormente suspensa. Sobre assessoria jurdica para os adolescentes, fomos informados de que este servio existe, muito embora o nmero de profissionais seja insuficiente para propiciar agilidade no acompanhamento dos casos. Quanto freqncia com que os adolescentes conversam com os seus advogados, no apuramos tal informao. O estado de So Paulo no tem Defensoria Pblica instalada; apenas recentemente foi promulgada lei de instituio do rgo, no tendo sido ainda realizado concurso para provimento de cargos de defensor. Por fim, no foi possvel tambm apurar, na inspeo, se o prazo de 45 dias na internao provisria est sendo respeitado. A informao obtida atravs da Conectas a de que este prazo, previsto no Estatuto da Criana e do Adolescente, em seu artigo 108, para que seja proferida uma sentena de mrito (atribuio da medida pela Justia), quase sempre respeitado na capital. No entanto, muitos adolescentes, mesmo aps a sentena, continuam acautelados em unidades de internao provisria, no sendo transferidos para unidades de internao prprias, para a execuo da medida scio-educativa nos termos da referida lei. importante acrescentar que o processo contra a Febem, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em tramitao na OEA, refere-se a graves violaes

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de direitos dos adolescentes em privao de liberdade no Complexo Tatuap e atualmente est havendo, naquela Corte, uma ampliao do processo envolvendo todo o sistema Febem - SP e as mortes de adolescentes. Comunicao: A comunicao entre internos e familiares mediada pelos funcionrios, ou seja, as cartas so lidas antes de serem entregues. Citaram que ocorre tambm uma forma de comunicao entre os internos de diferentes unidades, por meio de pipas (jogam as cartas pelas janelas/muros, pois algumas unidades so muito prximas). Um fato grave, que j foi objeto de inmeras denncias do Ministrio Pblico e da imprensa, a presena de grande nmero de celulares nas unidades, o que no foi observado pelos membros da inspeo. Em relao comunicao entre os internos e os integrantes da inspeo, durante todo o tempo a visita foi monitorada pelos funcionrios que acompanharam o grupo. Os membros da comitiva no puderam conversar a ss com os adolescentes nas celas, pois tais funcionrios interferiam no dilogo e na espontaneidade dos adolescentes em relatar os fatos. Segurana da UI: A segurana realizada cotidianamente por agentes de segurana, funcionrios da Febem, que monitoram as atividades dos adolescentes no interior das unidades. No Complexo Tatuap, a Febem desativou uma das unidades para abrigar agentes penitencirios da SAP - Secretaria de Administrao Penitenciria, denominados GIR - Grupo de Interveno Rpida. Este grupo usa armas com balas de borracha e entra em ao para reprimir situaes de conflito. O GIR possui ces. Alm disso, a Febem possui agentes de segurana, treinados pela instituio para reprimir situaes de conflito, e so conhecidos pelos adolescentes como choquinho. Eles usam uniforme preto, escudos, capacetes e cacetetes. Ainda houve relato, dos internos, de aes da tropa de choque da Polcia Militar, assim como foi observado o patrulhamento de policiais da cavalaria. As unidades so cercadas por muros altos e aramados. No relato das supervisoras, houve a meno de que os agentes de segurana recebem apenas um treinamento inicial ao ingressar no sistema Febem e que a instituio no possui um programa de capacitao continuada. Todas as evidncias demonstram o carter prisional de todo o Complexo. Articulaes entre a UI e as redes locais: No relato das supervisoras entrevistadas houve uma contradio com relao

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utilizao de recursos da comunidade pelos familiares: uma disse que no encaminhava ningum para atendimento na capital e outra disse que orientava a buscar apoio nos recursos da comunidade. Constataes: A partir das observaes da estrutura fsica, do contato com os funcionrios, dos relatos dos adolescentes e das marcas corporais, a grave constatao a de que a Febem - SP um sistema prisional, pautado pelas prticas de tortura, negligncia e humilhao no trato com os adolescentes sob a responsabilidade do Estado, em completo desacordo com o institudo pelo Estatuto da Criana e do Adolescente. O ambiente de intensa violncia, que atinge os internos e funcionrios, fsica e psicologicamente. Foi possvel observar e entrar em contato com adolescentes que sofreram castigos fsicos e estavam aprisionados em celas. At o presente momento, no houve implementao efetiva de um plano scio-educativo para estes adolescentes; h a ausncia de um projeto e de qualquer atividade profissionalizante em consonncia com uma proposta scio-educativa; h forte tendncia de culpabilizar os adolescentes pelos acontecimentos violentos ocorridos no interior das unidades; e tendncia de resolver os conflitos somente na esfera da segurana.Tambm ausncia da responsabilidade da Febem pela capacitao continuada dos funcionrios com vistas realizao de um atendimento educacional dos adolescentes e a superar as prticas de violncia. Constatou-se ntida discrepncia entre a fala das supervisoras entrevistadas, o relato dos adolescentes e as observaes realizadas pela caravana no interior das unidades. Portanto, as constataes supracitadas evidenciam as graves violaes de direitos dos adolescentes, a vigncia do sistema carcerrio no cumprimento da medida scio-educativa de privao de liberdade e a ausncia de perspectivas concretas na construo de uma poltica e proposta de atendimento aos adolescentes. Ficha Tcnica: Identificao da Unidade: Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor - Tatuap Endereo da Sede: Rua Florncio de Abreu, 848 - Luz Cidade: So Paulo - SP CEP: 01030-001 Fone: (11) 6846-9000 Site: www.febem.sp.gov.br

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Natureza do estabelecimento: pblico Capacidade: Lotao: Revista ntima (desnudamento): sim Violao do sigilo de correspondncia: sim Trabalho scio-educativo: sim, mas insuficiente Ateno sade: insuficiente Assistncia Jurdica: insuficiente Defensoria Pblica: insuficiente Acesso ao ptio: sim, esporadicamente Visitas: sim Visitas ntimas: no Comida: no h informao Isolamento: sim Denncias de espancamento: sim Acesso aos meios de comunicao: restrito Armas no interior da unidade: sim, com balas de borracha e ces Coordenao da UI militarizada: no

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Rio de JaneiroCastigos, superlotao e a difcil liberdade. A visita no Rio de Janeiro contou com oito pessoas: trs representantes da Comisso de Direitos Humanos do CRP-RJ, psiclogas Ana Carla Silva, Suyanna Barker e Maria Beatriz S Leito; dois representantes da OAB, Ana Cristina Brito Lopes (CDHOAB Rio) e Edvandro Machado Cavalcanti (CDHOAB Rio); dois representantes do Justia Global, Sandra Carvalho e Camila Ribeiro; e uma representante do Movimento Moleque, Mnica Cunha. O aspecto sigiloso da inspeo no permitiu que se fizesse um pedido oficial de autorizao para a visita, um trmite habitual. O carter surpresa, por outro lado, dificultou que outras organizaes e instituies participassem, j que foram convidadas prximas ao dia da visita. Unidade de Internao Visitada: Instituto Padre Severino (Degase), localizado na Ilha do Governador, Rio de Janeiro (estabelecimento pblico). A entrada na unidade foi possibilitada por uma consulta da representante da OAB-Rio ao desembargador Siro Darlan, pedindo que este intercedesse junto ao Departamento de Aes Scio-educativas/Degase, para que a comitiva fosse autorizada a entrar na unidade. Aps fala do desembargador com o diretor do Degase, presente na unidade, foi autorizada a entrada do grupo. O desembargador Siro Darlan, na condio de conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da Criana e do Adolescente, coincidentemente visitava a unidade com diversas outras pessoas, inclusive representantes da Anistia Internacional e do Child Hope (Londres). Caractersticas da unidade: nesta instituio cumpre-se medida scio-educativa em carter provisrio (prazo de 45 dias). voltada para adolescentes do sexo masculino. A lotao de 320 adolescentes. Os alojamentos so inadequados, com caractersticas de cela; o ambiente tem pouca ventilao, quente, pequeno, alguns exalando mau cheiro. Foi relatado por adolescentes que estes s saem das celas 15 minutos por dia e que, s vezes, nem saem. A instituio, por meio de um agente, informou que os adolescentes saem regularmente. Quanto sade dos adolescentes, tivemos relatos de sarna e de dor de dente. Um adolescente mostrou sinais de traumatismo torxico e afirmou ter sido efeito de espancamento; outros relataram ter sofrido tapas, socos e castigos. Reclamam que, s vezes, a troca de roupas feita de dez em dez dias. O mdico ali presente disse que no so distribudos preservativos e que o exame de HIV s feito quando pedem. Disse tambm que os medicamentos

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no so suficientes. Alguns adolescentes afirmaram que vm de outros estados e que tm problemas quanto documentao. Outros afirmaram que, apesar de terem recebido sentenas de liberdade, continuam no local. A escola atende a 60 adolescentes pela manh e a 60 tarde, e h um sistema de rodzio para atender a todos. Chamou a ateno um grande formigueiro, ocupando um espao de aproximadamente trs metros quadrados de extenso, dentro de uma sala de aula. Alguns adolescentes afirmaram que as famlias so revistadas e que algumas so solicitadas a ficarem nuas. Um agente disse que trabalham 15 agentes por turno, quando precisariam de, pelo menos, o dobro, j que h superlotao. Em sntese, foram constatadas, principalmente, condies absolutamente inadequadas das celas onde se encontram os adolescentes e superlotao, com todos os efeitos que este fato acarreta. Quanto aos relatos dos adolescentes, estes falam por si s, apontando para um sofrimento cotidiano. As questes relacionadas sade tambm so preocupantes, bem como o nmero de agentes em servio. Ficha Tcnica: Identificao da Unidade: Instituto Padre Severino Endereo: Estrada dos Maracajs - Ilha do Governador - RJ. Capacidade: 160 Lotao: 320 Revista ntima (desnudamento): sim Violao do sigilo de correspondncia: Trabalho scio-educativo: precrio Ateno sade: precria Assistncia Jurdica: Defensoria Pblica: Acesso ao ptio: sim, esporadicamente Visitas: sim Visitas ntimas: Comida: no h informao Isolamento: sim Denncias de espancamento: sim Acesso aos meios de comunicao: Armas no interior da unidade: Coordenao da UI militarizada: -

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Minas GeraisAt as associaes livres esto presas. A visita foi realizada em dois locais: Centro de Internao Provisria Dom Bosco (Ceip I) e no Centro de Internao de Adolescentes Santa Therezinha (CIA). Equipe: Virglio de Mattos - Criminalidade, Violncia e Direitos Humanos - ESDHC; Adriana Magalhes de Castro - Frum Mineiro de Sade Mental; Guilherme Portugal - Criminalidade, Violncia e Direitos Humanos - ESDHC; Gustavo Ribeiro Bedran - Comisso de Direitos Humanos da OAB - MG; ngela Maria Macedo Pacheco - Comisso de Direitos Humanos da OAB - MG; Amanda Rocha Leite de Mattos - Comisso de Direitos Humanos do CRP - MG; Tnia Regina Lopes Vaz Melo - CRP - MG; Roberto da Silva Sales - CRP - MG; Robson Abreu - Assessoria de Comunicao - CRP - MG. No Centro de Internao Provisria Dom Bosco - Ceip I, com capacidade para 60, mas atualmente comportando 143 internos, 25 deles j foram sentenciados

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medida de internao e aguardam transferncia. Os alojamentos so inadequados e precrios, construdos em forma de priso, havendo clara superlotao em cada cela, inclusive acarretando a transformao de espaos de atividades recreativas (basicamente televiso) em celas que sequer possuem vaso sanitrio. Originalmente previstas para comportarem trs, cada cela comporta um mnimo de seis adolescentes. H ainda uma precria quadra de esportes, um apertado refeitrio com capacidade para 20 adolescentes, o que faz com que muitos deles comam no cho. H adolescentes com problemas de sade, tais como dermatoses variadas, inexistindo qualquer controle em relao a tuberculose, DST/AIDS e sofrimento ou transtorno psquico, deficincias e drogadio. As principais queixas dos adolescentes na rea da sade esto relacionadas s doenas respiratrias. Entretanto, a rotina do setor de sade a vermifugao em massa. Denncia grave de um caso de necessidade de emergncia no atendida: um adolescente baleado, na vspera, estava sem atendimento adequado, em uma cela superlotada. O nmero de profissionais da sade insuficiente para atender s demandas, inexistindo atividades preventivas em sade. Os adolescentes no recebem preservativos. No h programas de preveno drogadio. Como tudo, a situao dos medicamentos disponveis bastante precria. crvel inferir que os adolescentes costumam ser medicados com psicotrpicos por problemas de comportamento. O servio de Psicologia informa que prtica na UI o atendimento individualizado, com monitoramento e acompanhamento dos agentes de segurana parados na porta do local de atendimento, impossibilitando a escuta do adolescente e o dilogo entre este e o terapeuta. Tal procedimento ocorre pelo despreparo dos profissionais de Psicologia, que relatam temer os adolescentes e que s se sentem em condies de atender com a presena do agente. Com relao a esta questo, os adolescentes destacam: tem coisas que a gente gostaria de falar com a psicloga mas que no falamos por causa do agente!. Os seguintes profissionais trabalham na UI: seis psiclogos, cinco assistentes sociais, uma terapeuta ocupacional, duas pedagogas, dois advogados, um estagirio de Direito, trs mdicos hebeatras e dois tcnicos em Enfermagem. Considerando a natureza da instituio de internao provisria, em que pese a existncia da escola - Escola Estadual Jovem Protagonista - na prtica s existe a placa: os adolescentes ficam 45 dias sem atividades educacionais. No que diz respeito a atividades de lazer, h uma ONG - Sonho de Liberdade - que desenvolve atividades esportivas (futebol). No campo do atendimento jurdico, os adolescentes so atendidos quando pe-

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dem, recebendo o atendimento no mesmo dia, segundo informao do estagirio que nos atendeu, que acumula a funo de agente de segurana. Foram relatados um suicdio e um caso de morte por enforcamento, pelos prprios adolescentes. Relatam, os adolescentes, violncias apenas entre eles, os atropelos. Historicamente, h o registro de 12 fugas, desde a criao do local, sendo uma no ltimo ano. As crises so gerenciadas pelo prprio diretor de segurana, que informou haver capacitao dos educadores, tcnicos e gestores para mediar conflitos e gerenciar crises. Informaram no haver qualquer instituio que realize visitas com freqncia, seno as visitas de representantes do Ministrio Pblico, ou Juzo da Infncia e Adolescncia. As celas fortes, quatro, esto reservadas para o seguro, com todas as restries circulao (impossibilidade de sair da cela), sendo o isolamento determinado pelos prprios agentes. S podem visitar os adolescentes seus pais, avs e irmos biolgicos maiores de 18 anos, sendo permitido apenas o recebimento de dois deles por semana. Os visitantes so rigorosamente revistados pelos agentes de segurana, havendo desnudamento nas revistas, no sendo permitidas as visitas de adolescentes e crianas e utilizando-se detectores de metais. No h ao civil pblica proposta em face da unidade. No h defensor pblico na unidade e, quando do vencimento do prazo de internao provisria, os adolescentes so encaminhados ao Juizado da Infncia e Adolescncia. As informaes colhidas junto aos adolescentes indicam que raramente conversam com os advogados. Os adolescentes possuem acesso restrito televiso, sendo suas correspondncias violadas. Podem, porm, comunicar-se com seus familiares atravs de telefone, carta, recado e pessoalmente nos dias de visita. No Centro de Internao de Adolescentes Santa Therezinha (CIA), com capacidade para 30, h 28 adolescentes. Ali, alojamentos totalmente inadequados, mas com trs adolescentes por alojamento, no havendo, portanto, superlotao nas celas. Os adolescentes possuem rgido horrio para movimentao, sendo inadequada a rea para suas atividades mais elementares, restritas a uma quadra de futebol num antigo ptio para secagem de caf. Uma das profissionais de Psicologia alegou ter medo dos adolescentes, porque aqui esto os mais perigosos. Principais queixas dos adolescentes em relao alimentao so a baixa qualidade da comida, o leite azedo e a sujeira do refeitrio. No h no local autonomia para se desenvolverem projetos scio-educativos. No h condies ticas mnimas de trabalho para a atuao dos profissionais

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(tica, sigilo e privacidade). H cursos de informtica e pizzaiollo, aos quais nem todos tm acesso. H tambm o Projeto Memria Grfica, que consiste em atividades que visam relembrar o passado para se melhor elaborar o futuro. O lazer resume-se a futebol e TV. No foram relatados adolescentes mortos nos ltimos 12 meses, referida apenas uma tentativa de suicdio. As denncias de maus tratos so constantes, com extrema presso dos agentes e da direo sobre os adolescentes. No houve nenhum funcionrio morto em conflito na UI, nos ltimos 12 meses, havendo, entretanto, relato de, em conflito, agentes e adolescentes terem se ferido gravemente. No h histrico de rebelies na UI, mas um impressionante nmero de 21 fugas em 12 meses. So os prprios agentes que gerenciam as crises na UI, no havendo meno confivel capacitao dos educadores, tcnicos e gestores para mediar conflitos e gerenciar crises. Deste modo, considerando-se as denncias de maus-tratos e violncia por parte dos agentes, o fato deles prprios gerenciarem crises causa estranheza. As violncias mais freqentes por parte dos agentes do estado so humilhaes, castigos fsicos e ameaas. No h relato de nenhuma medida que tenha sido tomada pela direo da UI diante das violncias, exceto com elas compactuar. H uma medieval rea contendo quatro celas fortes de castigo, o temvel isolado, onde os adolescentes ficam por at 30 dias, em condies sub-humanas de aerao, iluminao, salubridade e higiene. Quem determina o isolamento so os agentes de segurana. A UI no oferece assessoria jurdica aos adolescentes. Raramente os adolescentes conversam com seus advogados, quando as famlias podem constitu-los, o que bastante raro. No h defensor pblico atuando na UI. Os adolescentes possuem como nico acesso aos meios de comunicao: poucas horas de TV por dia, admitindo-se puni-los subtraindo esse acesso. Ficha Tcnica: Identificao da Unidade: Centro de Internao Provisria Dom Bosco Endereo: Av. Andradas, 4.015 Cidade: Santa Teresa - MG Capacidade: 60 Lotao: 143 Revista ntima (desnudamento): sim

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Violao do sigilo de correspondncia: sim Trabalho scio-educativo: sim, mas insuficiente Ateno sade: insuficiente Assistncia Jurdica: sim Defensoria Pblica: no Acesso ao ptio: sim, esporadicamente Visitas: sim Visitas ntimas: Comida: comem no cho, pois no h refeitrio adequado Isolamento: sim Denncias de espancamento: Acesso aos meios de comunicao: restrito Armas no interior da unidade: Coordenao da UI militarizada: no Identificao da Unidade: Centro de Internao de Adolescentes Santa Therezinha Endereo: Conselheiro Rocha, 3.792, Horto Cidade: Belo Horizonte - MG Capacidade: 30 Lotao: 28 Revista ntima (desnudamento): Violao do sigilo de correspondncia: Trabalho scio-educativo: sim Ateno sade: insuficiente Assistncia Jurdica: no Defensoria Pblica: no Acesso ao ptio: sim Visitas: Visitas ntimas: Comida: ruim, azeda Isolamento: sim Denncias de espancamento: sim Acesso aos meios de comunicao: restrito e punitivo Armas no interior da unidade: Coordenao da UI militarizada: -

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Esprito SantoSuperlotao, bala alojada e desnudamento. Em 15 de maro de 2006 o CRP 16, por meio de sua Comisso de Direitos Humanos, juntamente com os conselhos regionais de Medicina e Servio Social, Comisso de Direitos Humanos da OAB e Pastoral da Criana e do Adolescente, fizeram uma inspeo nas Unidades de Internao Provisria de Adolescentes em cumprimento de Medida Scio-educativa. O local visitado foi o Instituto de Atendimento Scio-educativo do Esprito Santo - IASES, que compreende a UNIP - Unidade de Internao Provisria e a UNIS - Unidade de Internao para o cumprimento de Medida Scio-educativa. A direo do Iases cabe Silvana Galina, assistente social, tendo como diretor tcnico Antonio Haddad Tpias, administrador de empresas. UNIS - Unidade de Internao Scio-educativa Nesta inspeo foram constatadas vrias irregularidades, como: superlotao; prdio em pssimas condies de funcionamento (fundado em 1967); existncia de celas sujas, com camas de alvenaria quebradas, sem ventilao adequada e algumas, inclusive, sem janelas, com espaos escuros, sem iluminao, com fiao aberta e goteiras com risco de choques eltricos; paredes quebradas com gua minando; ptio entre as celas coberto de gua; comida espalhada pelo cho; banheiros sem portas, contendo um nico buraco no cho, utilizado para tomar banho e como vaso sanitrio - alguns, inclusive, encontravam-se entupidos, ou seja , sem a mnima condio de alojar qualquer ser vivo. Com relao aos adolescentes, ficaram ansiosos com a nossa presena, querendo falar de suas necessidades. Observamos muitas reclamaes de sade (queixas neurolgicas, dermatolgicas, bala alojada, usurios de drogas lcitas e ilcitas e outros), de natureza jurdica (prazos expirados e casos sem andamento) e de falta de ateno adequada s suas necessidades. Foi verificada situao de violncia fsica em trs adolescentes. Reclamaram tambm da alimentao, que, segundo eles, tem gosto de remdio. Eles recebem cinco alimentaes ao dia. Quanto s visitas, nesta unidade podem visit-los os pais e irmos maiores. Todos so revistados por policial feminino e h desnudamento. No h detector de metais para a revista. Segundo a assistente social, h acompanhamento de familiares, atravs do Ncleo de Atendimento Familiar.

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O que observamos nesta unidade foram jovens retirados da sociedade, colocados em um espao sem a mnima condio de permanncia, sem apoio e sem qualquer trabalho efetivo de acompanhamento e insero no meio social. UNIP - Unidade de Internao Provisria Esta unidade foi inaugurada em julho de 2005, tendo capacidade para 80 adolescentes, estando com sua capacidade lotada, inclusive com internos alojados na UNIS. So quatro prdios, tendo, cada um, uma rea livre embaixo, gradeada, onde so feitas algumas atividades fsicas e educativas; e, na parte de cima, encontramse as celas, num total de cinco, com capacidade para quatro internos cada. O espao separado dos agentes de segurana por grades. H um bebedouro para os internos e uma mquina de lavar, onde as roupas sujas so passadas para os agentes e estes as devolvem aos internos, para pendur-las na rea de banho de sol. H um prdio separado onde existem salas de atendimento individual e grupal, onde os profissionais de Psicologia e Servio Social desenvolvem seus trabalhos. Com relao s visitas, s podem visitar pai e me, e a vistoria segue o mesmo molde da UNIS. Observa-se que os adolescentes em situao provisria encontram-se em melhores condies de cumprimento do que os que necessitam cumprir a medida scio-educativa reclusos. Segundo a diretora-presidente do Instituto de Atendimento Scio-educativo do Esprito Santo - IASES, Silvana Galina, outras unidades como a UNIP sero construdas no estado e, para agosto deste ano, est prevista a concluso de uma nova unidade que vai substituir a UNIS. Ser um centro scio-educativo na regio de Tucum, Cariacica. Encontramos, tambm, na UNIS, jovens de outros estados e do interior (27%), pois o Esprito Santo no tem unidades para adolescentes no interior. As celas de segurana estavam cheias de adolescentes, sem uma janela, ou seja, em condies totalmente insalubres. Ficha Tcnica: Identificao da Unidade: Instituto de Atendimento Scio-educativo do Esprito Santo Endereo: Rua General Osrio, n 83, 3 andar, Ed. Portugal - Centro CEP: 29.010-911 Cidade: Vitria - ES Telefone: 3233-5403 Capacidade: -

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Lotao: ndicios de superlotao Revista ntima (desnudamento): sim Violao do sigilo de correspondncia: Trabalho scio-educativo: no Ateno sade: insuficiente Assistncia Jurdica: insuficiente Defensoria Pblica: insuficiente Acesso ao ptio: Visitas: sim Visitas ntimas: Comida: ruim Isolamento: Denncias de espancamento: Acesso aos meios de comunicao: Armas no interior da unidade: Coordenao da UI militarizada: no

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Regio SulParanQuem prepara o educador? Centro de Scio-educao Educandrio So Francisco Participaram da Inspeo: Pelo Conselho Regional de Psicologia: Anita da Costa Pereira Machado, Guilherme Azevedo do Valle e Luciane Maria Ribas Vieira. Pela IDDEHA ONG: Paulo Cezar Dorta de Toledo. Pelo CRESS: Jussara Marques de Medeiros e Fernanda Ferreira da Silva. Pela OAB - Seccional do Paran: Marcelina Areias Horcio, Mrcia Caldas Veloso Machado e Alexandre Zolet. Pela Promotoria de Justia: Cntia Pierre. O Centro de Scio-educao Educandrio So Francisco uma instituio pblica de internamento de adolescentes do sexo masculino em conflito com a lei. administrado pelo IASP - Instituto de Ao Social do Paran e est localizado na Regio Metropolitana de Curitiba, em Piraquara/PR. Dado histrico: em setembro de 2004 ocorreu uma rebelio no local que resultou na morte de sete adolescentes, deixando cinco feridos, no havendo mais notcias de rebelies. Outrossim, nos ltimos doze meses, houve a morte de um adolescente, vtima de outro interno, com sindicncia instaurada em andamento. Na inspeo, a equipe foi recepcionada e acompanhada pela diretora Solimar de Gouveia, assistente social. Com falta de comunicao com a famlia, com permisso de apenas dois telefonemas mensais aos adolescentes que residem fora da comarca, e, como punio, a restrio ao acesso a televiso e rdio, com base nos critrios dos educadores, que, ao nosso ver, no tm capacitao necessria para avaliar a real necessidade desta restrio, a unidade Educandrio So Francisco tem capacidade para 150 adolescentes com lotao de 148, sendo 14 de alto risco. Os adolescentes so divididos em grupos de 10, de acordo com a compleio fsica, sem distino de grau de periculosidade. Faltam trabalhos sistemticos e intensivos dos adolescentes com suas famlias para reaproximao, principalmente quando das visitas dos familiares. No h trabalho especfico para a convocao de familiares ausentes, nem mesmo acompanha-

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mento psico-social e de egressos, podendo inviabilizar a reinsero familiar e social. Na visita foi observada insalubridade na Ala B, com vazamentos e falta de luminosidade nas celas individuais de conteno, embora naquele momento no houvesse adolescentes no local. Aos adolescentes, a unidade fornece uniformes. A reclamao dos internos a de que lhes foram retiradas as roupas pessoais, perdendo-se a identidade prpria de cada um. Reclamam da falta de sapatos adequados para prticas desportivas (Educao Fsica), falta de roupas de inverno e reclamam que s tm direito a uma cueca, o que lhes dificulta a higienizao. A principal reclamao dos adolescentes ratificada pelos tcnicos: a falta de dentistas - apenas dois, mas em licena h mais de quatro meses, e sem substitutos. Foi observada tambm a falta de psiclogo, pois duas psiclogas so temporrias e seus contratos sero rescindidos nos prximos meses. Quanto aos medicamentos, a demora no fornecimento de medicamento controlado a principal reclamao. Lazer, atividades esportivas, educao e profissionalizao esto deficitrias em razo de reformas realizadas no local, alegado pela diretora da unidade, que, por medida de segurana, no possvel proporcionar educao e profissionalizao no momento, e que as reformas iniciaram-se em janeiro de 2006 com prazo de concluso at abril do corrente ano, com a volta da profissionalizao. Observa-se muita ociosidade nos internos. Os adolescentes no tm acompanhamento de defensores dativos ou de advogados do estado, sendo que o nico acompanhamento de advogados constitudos. A unidade no possui atendimento jurdico aos adolescentes. A unidade no possui acompanhamento de egressos. Afora o acima exposto, foi objeto da reclamao dos internos o fato de os educadores assediarem moralmente os adolescentes, com coao, humilhao e discriminao racial. Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator - CIAADI Pelo Conselho Regional de Psicologia da 8 Regio: Deisy Joppert, Odette Aparecida Pinheiro e Samira Rodrigues Alves. Pela Ciranda - Central de Notcias dos Direitos da Infncia e Adolescncia: Andresssa Grilo. Pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Paran: Andra Cristina Martins Rossi e Letcia Pellegrino da Rocha Rossi. Recepo e acompanhamento no local: Dr. Salvari, representante do Ministrio Pblico, Francesco Serali, diretor do CIAADI e Vincio Oscar Kirchner, coordenador tcnico do CIAADI.

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No CIAADI so atendidos adolescentes em regime de internao provisria e de cumprimento de medidas scio-educativas. Aps tal explicao, a equipe dividiu-se em trs grupos para realizar a inspeo do local e entrevista com a equipe tcnica e adolescentes. O rgo visitado de internao provisria, com capacidade para 90 adolescentes masculinos e femininos. Atualmente existem no local 95 adolescentes, sendo cinco meninas, ressaltando-se que, no abrigamento, normalmente ficam de 24 a 26 adolescentes, e os demais pertencem ao grupo da internao provisria. Quando sentenciados, eles voltam ao abrigamento, at serem encaminhados ao Educandrio So Francisco. Os alojamentos da ala de internao provisria, que se assemelham a celas (com grades e cadeados) so individuais e alguns possuem a chamada bacia turca, que os adolescentes chamam de boi. Fomos informados de que os adolescentes possuem horrios e rotinas pr-estabelecidas, divididas por alojamentos. Percebemos que existem muitos adolescentes em estado de reincidncia, mas o percentual no nos foi informado. Quanto sade dos internos, fomos informados de que h casos de escabiose- sarna - transtornos psquicos leves e dependncia qumica em predominncia. As principais queixas dos adolescentes so sobre as infeces de pele e doenas de via area, ferimentos e agresses. A equipe toda, para atendimento dos adolescentes, composta por 10 funcionrios especficos da rea de sade. Fomos informados de que h programas de preveno de DST/AIDS, como atividades educacionais sobre o assunto, em grupo. No entanto, os adolescentes no recebem preservativos e, conforme informaes dos adolescentes, eles desconhecem tal programa. Os medicamentos ficam em locais prprios e sua distribuio controlada. Informaram, ainda, que os adolescentes que possuem problemas de comportamento costumam ser medicados com psico-frmacos. Quanto aos soropositivos, na unidade no h casos, no entanto, fomos informados de que existem os medicamentos especficos. Os adolescentes reclamam da morosidade no atendimento externo, como, por exemplo, no atendimento odontolgico e traumtico. Quanto alimentao, fomos informados de que h dois anos o servio foi terceirizado e que, a partir de tal fato, isto comeou a funcionar bem. Informaram-nos de que, ao trmino das atividades, antes do jantar, passado um vdeo, aos internos, que selecionado por um pedagogo. Ao contrrio desta informao, os adolescentes disseram que eles que escolhem o filme. Os profissionais que trabalham na unidade so em torno de 117 funcionrios, sendo que, destes, de 23 a 25, aproximadamente, so tcnicos.

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Os tcnicos informaram que tm razovel liberdade para desenvolver os projetos scio-educativos, conforme as necessidades dos adolescentes, e que h condies ticas de trabalho, inexistindo advogados, sendo que tal servio prestado pela assessoria jurdica do Instituto de Ao Social do Paran. Informaram ainda que o Juizado que determina um defensor pblico. H casos em que os pais ou familiares fazem contratao de advogados particulares. A freqncia do programa educacional, para cada adolescente, diria; e lazer e esporte, em mdia, acontecem trs vezes por semana. Como a caracterstica da unidade de internamento provisrio, no h acompanhamento de egressos. Houve apenas um bito por infeco generalizada, e o diretor informou-nos de que foi aberta sindicncia para apurao de tal fato. O histrico de fugas da existncia de uma no ano passado, sendo que cinco adolescentes fugiram, sem agresso aos educadores. H pequenos tumultos, que so apaziguados e controlados em alguns minutos pelos educadores sociais. Fomos informados, tambm, de que a ltima capacitao aos educadores foi feita h trs anos pela Polcia Militar e que tal treinamento passado aos colegas, informalmente, por eles prprios. Em relao violncia, os prprios adolescentes no se queixaram de maus tratos ou violncia dos educadores, no entanto, entre eles so definidas regras de comportamento e punies, consultando sempre os lderes, que so nomeados por eles prprios. Os adolescentes, bem como os tcnicos e educadores, informaram-nos de que, em casos de descumprimento de normas internas ou a regras, h o isolamento na prpria cela por, no mximo, uns quatro dias, quando eles tambm ficam sem colcho e impedidos de realizar as prticas esportivas. As visitas acontecem aos domingos. permitida a entrada de namoradas menores de dezoito anos somente com a autorizao do responsvel. Os visitantes so revistados e h desnudamento. A revista sempre feita por uma pessoa do mesmo sexo. No h detector de metais. Salienta-se que a medida de 45 dias s vezes desrespeitada, tendo em vista o atraso no procedimento jurdico. Caso haja descumprimento da medida scio-educativa, os adolescentes ficam privados de liberdade por 90 dias. H acesso aos meios de comunicao. As correspondncias recebidas e enviadas passam por uma triagem da equipe. A comunicao telefnica com familiares permitida apenas aos que no recebem visita. Conforme relato de alguns adolescentes, o acesso televiso fica restrito a desenhos animados. Em casos de urgncia, a comunicao famlia intermediada pelos tcnicos.

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No h utilizao de armas pelos funcionrios. Existe articulao entre outras redes locais, como grupos evanglicos, catlicos, servios de sade (comunidades teraputicas e ambulatrios de sade mental). Algumas dificuldades apontadas pelos tcnicos: no h retorno satisfatrio sobre as solicitaes feitas ao Conselho Tutelar, a demanda de adolescentes para cumprir medida maior do que o nmero de vagas oferecidas e inexistem, no municpio de origem dos adolescentes, estruturas de abrigamento. Ficha Tcnica: Identificao da Unidade: Centro de Scio-educao Educandrio So Francisco Endereo: Av. Braslia, s/n - Vila Macedo Cidade: Piraquara - PR CEP: 83.303-320 Capacidade: 150 Lotao: 148 Revista ntima (desnudamento): Violao do sigilo de correspondncia: Trabalho scio-educativo: insuficiente Ateno sade: precria Assistncia Jurdica: no Defensoria Pblica: no Acesso ao ptio: Visitas: Visitas ntimas: Comida: Isolamento: Denncias de espancamento: Acesso aos meios de comunicao: restrito Armas no interior da unidade: Coordenao da UI militarizada: no Identificao da Unidade: Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator Endereo: R. Pastor Manuel Virginio de Souza, 1310 - Capo da Imbuia Cidade: Curitiba - PR CEP: 81810-400 Capacidade: 90 Lotao: 95 Revista ntima (desnudamento): sim Violao do sigilo de correspondncia: sim

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Trabalho scio-educativo: sim Ateno sade: sim Assistncia Jurdica: sim Defensoria Pblica: no Acesso ao ptio: sim Visitas: sim Visitas ntimas: no Comida: boa Isolamento: no Denncias de espancamento: no Acesso aos meios de comunicao: restrito Armas no interior da unidade: no Coordenao da UI militarizada: no

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Santa CatarinaHerana de Unidade Prisional. A Unidade visitada foi o Centro Educacional So Lucas, no qual esto internados 52 adolescentes, sendo que existem 40 vagas. Os alojamentos so precrios, existindo apenas um adolescente por quarto. No h superlotao. Os alojamentos assemelham-se a celas, fora do padro internacional exigido pela ONU. Condies de ventilao (uma s entrada de ar, com portas de ferro), aclimatizao (as entradas de ar so desprotegidas do frio e da chuva) e higiene (os quartos so prximos a terrenos baldios, h relatos de convvio com insetos e roedores e a maioria dos quartos no conta com vasos sanitrios) precrias, sendo que estes jovens so obrigados, no perodo da noite, a fazer suas necessidades em sacos plsticos ou garrafas. Os adolescentes tm horrios para circular nas alas dentro da unidade, sempre monitorados. Segundo a diretora, 60% a 70% dos jovens retornam para a prpria unidade. Do restante no h registro.

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O nmero de profissionais da sade insuficiente para atender s demandas. A equipe de sade reduzida a uma psicloga, uma assistente social, um mdico, um dentista, uma agente de sade, uma enfermeira. Pela informao que tivemos, no h regime de planto dos profissionais da sade. Na noite anterior nossa visita, um jovem passou mal, fizeram cuidados paliativos e somente no dia seguinte este pde ser encaminhado a um hospital. Os adolescentes no recebem preservativos, medida justificada pela separao fsica entre os gneros. Os soropositivos, segundo a coordenao, recebem medicao e tratamento via SUS. As principais queixas dos adolescentes na rea da sade referem-se falta de ginecologista, coceiras e sarnas, estas em funo de colches velhos, encardidos e sem roupas de cama. As principais queixas dos adolescentes em relao alimentao so a fome durante a noite, pois, antes de serem recolhidos (s 19:00h), s podem alimentarse de frutas. No tivemos acesso a projeto pedaggico-profissionalizante na unidade. Observadas as seguintes atividades: - Educao: aulas ministradas atravs do programa CEJA. Oficinas de marcenaria. - Esporte: horas livres na quadra coberta e no campo de futebol. - Lazer: restrito a jogo de baralho, conversas, TV (em horrios restritos) e h um pequeno grupo de msica RAP, em que uma minoria participa. - Sade: atendimentos da psicloga e da assistente social so quinzenais. A freqncia do atendimento de outros profissionais no foi informada. No foi constatado nenhum indcio de mortes na unidade nos ltimos 12 meses, porm, houve um caso que est sendo investigado como suicdio, ocorrido h alguns anos, e o inqurito continua em andamento. A Comisso de Direitos Humanos da OAB/SC j recebeu por carta algumas denncias, sem qualquer apurao mais detalhada. Os monitores gerenciam pequenos conflitos entre os jovens. Comunicada, a diretoria da unidade aplica medidas, quais sejam: dias em confinamento no quarto e transferncia do adolescente em conflito para outra ala da unidade. Durante a visita pudemos perceber que o controle sobre os horrios e sobre possveis privaes assume carter de ameaa na rotina dos adolescentes. H as medidas de punio e a precariedade dos quartos e da higiene. Os ambientes so humilhantes pela privao de direitos, como privacidade, dignidade, lazer, comunicao. Segundo foi constatado, h a medida de conteno, transferindo o jovem de uma ala para outra at que seu comportamento melhore, este ficando confinado at que se acalme.

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Os prprios quartos dos adolescentes so utilizados para isolamento e punio. Segundo relato de alguns adolescentes, o colcho do quarto retirado como medida de punio. Na ala feminina existe, em um corredor isolado, um quarto designado para o isolamento em casos de conflitos e para punio, chamado de triagem. O isolamento pode variar de um a trs dias. Ocorrem restries de qualquer atividade (inclusive alimentao) fora do quarto. Segundo a diretora da unidade, no h revista de visitantes, pois so usados detectores de metais, entretanto os adolescentes internos so revistados aps a visita, nus. No h notcia de Ao Civil Pblica em andamento. Existe um Centro Operacional da Infncia e da Juventude como rgo do Ministrio Pblico Estadual. Este estaria encarregado de fazer Ao Civil Pblica, nos casos previstos em lei. Na vistoria faltou informao especfica sobre a atuao deste rgo. No existe Defensoria Pblica estadual institucional. Somente h Defensoria Dativa, o que deixa muitas lacunas pela falta de estrutura. No houve informaes sobre o prazo de internao provisria estar sendo respeitado ou sobre o atendimento dos adolescentes por seus advogados. Em horrios restritos permitido que os adolescentes tenham acesso TV. Segundo a informao de uma adolescente, pode-se telefonar a qualquer momento para o advogado nomeado e, para familiares, quinzenalmente. Os adolescentes em castigo tambm so punidos de quaisquer meios de comunicao. Segundo a diretora da unidade, todos os objetos que entram na unidade so vistoriados, alegando-se ser esta uma medida preventiva contra a entrada de entorpecentes e de armas. Os adolescentes podem comunicar-se com seus familiares pessoalmente somente nos dias de visita. Observaes gerais: Por medidas scio-educativas compreendem-se aes que propiciem, ao adolescente, desenvolvimento, educao, aprendizagem; aes que possibilitem sua re-insero na sociedade com mais recursos para superar e transformar os fatos que o levaram aos conflitos com a lei. No entanto, num ambiente insalubre, com tantas privaes, sem acompanhamento adequado, sem condies de socializao que levem ao desenvolvimento humano, a recuperao, o crescimento destes adolescentes, torna-se invivel. Percebeu-se a disparidade entre o que o Estatuto da Criana e do Adolescente prev e o que efetivamente est sendo operacionalizado. O Centro est pautado pelo modelo carcerrio, assemelha-se a um mini-presdio. E, em regaste histria do espao fsico, ressaltamos que a estrutura atual da unidade herana de uma antiga unidade prisional. A distoro do papel da unidade flagrada pela m conservao e subuti-

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lizao dos recursos estruturais. O Centro j contou com horta e laboratrio de ervas fitoterpicas e conta, atualmente, com ampla rea verde, com estalagem de animais (galinhas, coelhos, porcos e vacas) e lago artificial, espaos estes que so capinados pelos adolescentes como atividade laboral. Segundo o relato da diretora, alguns funcionrios e adolescentes internos, com experincia rural, cuidam dos animais que ainda restam. O ndice de reincidncia chama a ateno: em torno de 60%. Se o local re-socializasse o adolescente, trazendo condies de uma vida digna e sem riscos de excluso, conforme prev o Estatuto da Criana e do Adolescente, talvez este percentual fosse menor. Ficha Tcnica: Identificao da Unidade: Centro Educacional So Lucas Endereo: BR 101 - km 202 - Barreiros Cidade: So Jos - SC CEP: 88.111-000 Capacidade: 40 Lotao: 52 Revista ntima (desnudamento): sim, dos internos apenas Violao do sigilo de correspondncia: sim Trabalho scio-educativo: sim Ateno sade: insuficiente Assistncia Jurdica: no Defensoria Pblica: no Acesso ao ptio: sim, esporadicamente Visitas: sim Visitas ntimas: Comida: Isolamento: sim Denncias de espancamento: no Acesso aos meios de comunicao: restrito Armas no interior da unidade: Coordenao da UI militarizada: no

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Rio Grande do SulExcesso de psicotrpicos. Comunicao censurada. A equipe foi composta por representantes do Conselho Regional de Psicologia: Ari Gomes Pereira Jr, Jefferson de Souza Bernardes, Lcio Fernando Garcia; representante da Ordem dos Advogados do Brasil: Nelson Gabriel de Siqueira; representante do Instituto de Acesso Justia: Snia Biehler da Rosa; representante da Associao de Mes e Amigos de Crianas e Adolescentes em Risco - AMAR: Ktia dos Santos. A unidade visitada foi o Centro de Internao Provisria Carlos Santos. A escolha da unidade referida deu-se em funo de trs motivos: a experincia da representante da AMAR, que conhecia o sistema; pelo fato de a unidade ser a porta de entrada da Fundao de Amparo Scio-educativo, ou seja, por meio desta unidade que todos os adolescentes em conflito com a lei so encaminhados; por tratar-se de uma unidade de internao provisria, ou seja, ela promove o trnsito e vnculos dos adolescentes com outras unidades, com a Justia, dentre outros. Foram realizadas entrevistas com a direo da unidade, com vrios funcionrios (equipes de sade, educao, jurdico, monitores, dentre outros) e conversa, em reservado, com um grupo de adolescentes. Visando preservar a identidade dos adolescentes, no foram feitos registros fotogrficos. A equipe foi recebida diretamente pelo diretor Csar Wagner. Ao ser informado de que era inteno da equipe realizar tambm uma visita direta aos alojamentos e manter contato com os internos, o diretor disse que no poderia permitir a visita sem autorizao expressa da Presidente da FASE, rgo gestor daquela entidade, levando-se em conta a perturbao da tranqilidade dos adolescentes postos aos seus cuidados. A equipe s pde adentrar ao recinto aps as 13:30 horas, tendo, em muito, avanado a hora. A capacidade do local de 60 internos, contando hoje com 121 adolescentes. Dos 121 adolescentes em internao provisria, 81 correspondem a primeiro ingresso e 40, a re-ingresso. Dos 76 adolescentes em cumprimento de Medida Scio-educativa, 38 esto com sentena de Medida de Internao sem possibilidade de atividades externas; oito, com Medidas de Internao com possibilidade de atividades externas; 30, com Medidas de Regresso para um Regime Aberto. O prdio da unidade foi construdo ao final da dcada de 1970, visando a instalao de uma unidade de internao de menores - conforme a nomenclatura da poca.

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Desta forma, a construo panptica, centrada em alguns pontos de controle (ao estilo vigiar e punir conforme aponta Foucault). Fica bastante evidente que no uma estrutura adequada para lidar com adolescentes em internao provisria, menos ainda em Medidas Sc