AFAN Na Escola Laercio Franco

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA MOTRICIDADE ATIVIDADES FÍSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA: uma proposta pedagógica nas três dimensões do conteúdo LAERCIO CLARO PEREIRA FRANCO Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências da Motricidade (Sub-área Pedagogia da Motricidade Humana). Setembro- 2008

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

    INSTITUTO DE BIOCINCIAS RIO CLARO unesp

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA MOTRICIDADE

    ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA: uma proposta pedaggica nas trs dimenses do contedo

    LAERCIO CLARO PEREIRA FRANCO

    Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Motricidade (Sub-rea Pedagogia da Motricidade Humana).

    Setembro- 2008

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

    INSTITUTO DE BIOCINCIAS RIO CLARO unesp

    LAERCIO CLARO PEREIRA FRANCO

    ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA: uma proposta pedaggica nas trs dimenses do contedo.

    Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Motricidade (rea de Pedagogia da Motricidade Humana).

    Orientador: Profa. Dra. SURAYA CRISTINA DARIDO

    RIO CLARO Estado de So Paulo-Brasil

    Setembro de 2008

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    LAERCIO CLARO PEREIRA FRANCO

    ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA: uma proposta pedaggica nas trs dimenses do contedo

    Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Motricidade (rea de Pedagogia da Motricidade Humana)

    Comisso examinadora

    _Prof Dr Suraya Cristina Darido_(UNESP)________

    _Prof Dr Silvana Venncio_(UNICAMP)__________

    _Prof Dr Gisele Maria Schwartz_(UNESP)________

    Rio Claro, setembro de 2008

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    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho a toda minha famlia, principalmente aos meus filhos e

    minha esposa, que souberam me compreender, e a me suportar, no decorrer dos meses de

    elaborao deste.

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    AGRADECIMENTOS

    Teria uma lista infindvel de pessoas para agradecer, pois percebi que o desejo de divulgar minha experincia e estudos e de public-los, no era s meu. Fui muito incentivado por todos meus colegas de trabalho e que comigo conviveram no dia-a-dia de desafios e experincias. Com certeza vou esquecer de citar algum importante, por isso, peo de antemo o perdo e quando me lembrar agradeo pessoalmente ou insiro o nome em edies futuras. Mas, que fique claro: no falta de considerao e sim, puro esquecimento nesse momento, nesse agora.

    Colegas como a professora Claudia M. Bertolini, professor Joo T. Rodrigues e diretora Ivanise T. Rodrigues, foram fundamentais na aplicao das Atividades Fsicas de Aventura na escola e de outros tantos contedos diferentes dos tradicionais por mim, junto com eles, inseridos no meio escolar. Agradeo pelo apoio e incentivo.

    Agradeo ao meu compadre Claudio Kovacsics, com quem montei cursos de sobrevivncia, montanhismo, espeleologia e outros, na dcada de 80, bem antes de saber que seria possvel inseri-los na minha profisso e que se transformariam numa rea linda da Educao Fsica. Com ele descobri a maioria das aventuras que pratico.

    Meu eterno professor e mentor Joo Batista Freire da Silva, com certeza, tem uma parcela deste trabalho, pois desde que pensei em entrar para o programa do mestrado, me deu muita fora e me fez sentir poderoso, inclusive mais do que deveria e poderia.

    Aos professores das disciplinas pertencentes ao programa do mestrado da UNESP, Rio Claro, s quais acumulei crditos, os meus sinceros agradecimentos. Com certeza vocs influenciaram neste trabalho e em minha prtica docente atual. Taty, Gisele e Afonso: VALEU!

    Mas, existem algumas mulheres que realmente foram as mulheres de minha vida para que o sonho dessa publicao acadmica acontecesse. Se no fosse minha querida professora, e amiga-confidente, Silvana Venncio, com certeza meu trabalho continuaria sendo observado apenas pelos meus alunos e colegas. Estaria recluso no mundinho delicioso e afetuoso das escolas que lecionava. Silvana, praticamente, me obrigou a voltar ao meio acadmico e me colocou frente frente com vrios dos grandes nomes da Educao Fsica de hoje. Sou eternamente grato por toda ajuda que me deu e continua me dando, em todos os caminhos da vida.

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    Poucas vezes havia sentido uma sintonia de idias, desejos e convices como a que senti, e sinto com minha orientadora e professora Suraya Cristina Darido. Bastou um dia de aula e um almoo, para eu descobrir que ela era a mulher acadmica de minha vida. Foi um presente divino conhecer e estar prximo de uma profissional digna, tica, competente e, se no bastasse, simptica e carinhosa. Dona de uma incrvel sensibilidade, com pouqussimo tempo de convivncia j me inseriu no Laboratrio de Estudos e Trabalhos Pedaggicos em Educao Fsica (LETPEF) que coordena na UNESP de Rio Claro. Confiou-me tarefas importantes e me deu todo amparo e subsdios para que nascesse essa publicao. Suraya, muito obrigado de corao! Se voc no existisse...

    No posso deixar de agradecer minha me, pois ajudou a formar meu carter e me ensinou a sempre tentar fazer o melhor. Ela me ofereceu estrutura e as oportunidades para que me tornasse o que sou hoje. Me, muito obrigado.

    Mas os maiores agradecimentos vo para a maior mulher dessa minha vida e, talvez de outras: minha esposa Ana Paula Saciloto Marques Franco, a Plim. Nos piores momentos de angstia e ansiedade, de dvidas e fraquezas, ela esteve presente de corpo e alma, me suportando, me empurrando, me corrigindo, me amando...! Esse namoro de duas dcadas supera as dimenses conhecidas, criando um mundo parte: o nosso. Se houver mais de um Deus, sou devoto da deusa Plim. Te amo muito.

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    RESUMO

    As Atividades Fsicas de Aventura so uma realidade, fruto de um grande desenvolvimento ocorrido principalmente nas duas ltimas dcadas. So eventos relacionados ao Surf, Skate, Ralis, Corridas de Aventura, entre muitos outros, vivenciados em vrias faixas etrias. Alm disso, As Atividades Fsicas de Aventura esto sendo largamente difundidas em documentrios sobre expedies e reportagens ecotursticas que envolvem vrias de suas modalidades, tais como: Rapel, Tirolesa, Corrida de Aventura, Trekking ou, ainda, outras atividades chamadas esportes radicais. Essas prticas tm atrado a prtica e o consumo de grande parte dos jovens e adultos brasileiros, chegando a competir, em preferncia, com alguns esportes tradicionais do pas. preciso incentivar a prtica das Atividades Fsicas de Aventura (A.F.A.) tambm na escola , o que significa estreitar relaes com as discusses sobre preservao ambiental e desenvolvimento sustentvel. Assim, o objetivo desse estudo foi arrolar uma srie de atividades relacionadas s Atividades Fsicas de Aventura possveis de serem realizadas na escola, apontando as trs dimenses do contedo. Explorar e descrever essas atividades como uma possibilidade pedaggica real na escola, capaz de fazer parte do currculo comum da Educao Fsica como valor de conhecimento, tanto quanto qualquer dos contedos tradicionais da rea. Foram apresentadas, enquanto possibilidades pedaggicas de atividades de aventura nas trs dimenses dos contedos (Procedimental, Conceitual e Atitudinal), os seguintes temas; - Corridas de Orientao, Trekking ou Enduro p; - Montanhismo; - Atividades sobre Rodas; - Atividades Fsicas de Aventura Aquticas. Os resultados do estudo indicam que possvel inserir A.F.A. na escola; que essas atividades so significativas pedagogicamente e so bem aceitas pela comunidade escolar.

    PALAVRAS CHAVES: Atividades Fsicas de aventura, Educao Fsica escolar, Esporte de aventura na escola.

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    ABSTRACT

    Adventure Physical Activities are a reality today, as a result of a great development occurred mainly in the last two decades. They consist of events related to Surf, Skate, Ralis, Adventure Races, among others, experienced in several different age groups. Moreover, Adventure Physical Activities have been largely broadcast in documentaries about expeditions and eco-touristic reports involving several modalities, such as Rapel, Tirolesa, Adventure Race, Trekking and other activities called extreme sports. These activities have attracted the attention and participation of a great number of Brazilian teenagers and young adults, and they have been even competing in preference with some traditional sports in the country. Its necessary to encourage the practice of the Adventure Physical Activities also in the schools, what would mean to make closer relations with the discussions on environment conservation and sustainable development. So, the objective of this research was to list a range of activities related to the Adventure Physical Activities which can be practiced at school, pointing out the three dimensions of the content. To explore and describe these activities as a real pedagogical possibility at school, capable of being part of the common curriculum of Physical Education as a knowledge value, as much as any of the traditional contents of the area. The following themes were presented as pedagogical possibilities of adventure activities in the three dimensions of content (Procedural, Conceptive, and Behavioral): Orienteering, Trekking, or Enduro a p, Mountain Climbing, Activities on Wheels, Adventure Physical Activities in Water. The results of the research indicate that it is possible to introduce Adventure Physical Activities in schools, that these activities are meaningful from a pedagogical standpoint, and well accepted by the school community.

    KEY WORDS: Adventure Physical Activities, Physical Education (PE), Adventure Sports at School.

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    SUMRIO

    APRESENTAO........ ....................................................................................................09

    1. INTRODUO ....... ......................................................................................................13

    1.1 OBJETIVO...................................................................................................................17

    2. REVISO DA LITERATURA.....................................................................................18

    2.1. AS DISCUSSES ATUAIS SOBRE ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA.......................................................................................................................18

    2.2. POR QUE ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA?.................30 2.3. QUAIS SO E COMO SO DIVIDIDOS AS ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA ...... ................................................................................................................39

    2.4. O QUE E COMO ENSINAR AS ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA............. ................................................................................................................42

    2.5. PROCESSO DAS AULAS...... ...................................................................................52

    3. MTODO.......................................................................................................................57 4. PROPOSTAS DE ATIVIDADES PEDAGGICAS, NAS TRS DIMENSES DO CONTEDO............. .........................................................................................................60 5. CONSIDERAES FINAIS....... ...............................................................................104

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...... ................................................................107 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA............................................................................114

    ANEXO 1 ............ .............................................................................................................115

    ANEXO 2..........................................................................................................................120

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    Difcil, para um aventureiro, deixar de colocar a frase:

    Da natureza nada se tira, a no ser fotos;

    Nada se deixa, a no ser pegadas;

    Nada se leva, a no ser lembranas;

    Nada se transforma, a no ser sua alma.

    (autor desconhecido)

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    O valor das coisas no est no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecveis, coisas inexplicveis e pessoas incomparveis.

    (Fernando Pessoa)

    APRESENTAO

    Este trabalho fruto de um sonho desde antes da formatura na graduao em Educao Fsica, na FEF UNICAMP, em 1989. Tendo deixado a medicina de lado por me apaixonar por uma Educao Fsica diferente proposta por esta instituio, em Campinas, conheci, logo no primeiro ano, professores importantes, de renome, que infiltraram suas influncias em cada molcula de meu ser. Em especial, o professor Joo B. Freire, Roberto Paes, Jocimar Daolio e a professora Silvana Venncio me atraram para suas idias intrigantes e de vanguarda para a poca.

    Com uma bolsa de iniciao cientfica no segundo ano e orientado pelo

    professor Joo, descobri o mundo da pesquisa cientfica e, principalmente, a enxergar o corpo como algo realmente humano, no seu sentido mais complexo, imprevisvel,

    impossvel de ser copiado, plenamente belo e contemplativo. O corpo com movimento intencional, o gesto carregado de significado! Ter o poder de conseguir olhar para a atividade fsica de uma pessoa e enxergar alm das capacidades e habilidades fsicas, vislumbrando emoes, empenho, uma histria de vida que transcende o agora, uma histria carregada de simbolismo e perfeitamente possvel de ser melhorada.

    Com o passar dos anos, fui ficando exigente com meus desejos em relao ao qu e como agir dentro da Educao Fsica e, no ltimo ano da graduao, decidi que deveria estudar cientificamente algo que mudasse os paradigmas vigentes da rea. Sem

    nenhum pudor e com uma sensao de onipotncia tpica de formandos, encaminhei um projeto ao CNPq intitulado Educao Fsica Holstica: uma proposta de equilbrio que objetivava unir teorias e prticas das vrias referncias e correntes da rea, tendo como

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    alicerce e pano de fundo, teorias orientais de meditao, yoga, autoconhecimento, maior contato com a natureza, entre outras teorias acadmicas e esotricas. Sim, uma utopia, mas encorajada pelo Joo Freire e aceita pelo CNPq.

    Dois meses aps me formar e iniciando a pesquisa, descobri que iria ser pai. Trs meses depois, casado e empregado, fui deixando de lado o sonho de revolucionar a

    Educao Fsica, ao mesmo tempo em que arquivava meu lado cientista. Descobri amargamente que pesquisa no sustentaria minha famlia e que, mesmo se quisesse,

    dificilmente revolucionaria a rea. Ento posterguei o sonho de publicaes, porm no

    aquilo que aprendi na faculdade: inovar. Por todos os empregos que passei busquei disseminar novidades e idias originais, fruto da influncia de meus mestres.

    Poderia apresentar como proposta de estudos inmeras possibilidades oriundas dessas experincias, mas escolhi uma que abrao com carinho e que, se no tivesse esperado meus filhos crescerem para me dedicar ao sonho antigo de revolucionar o Mundo da Educao Fsica, certamente seria bem mais vanguarda do que hoje.

    Escolhi para apresentar ao programa do mestrado desta instituio um contedo que inseri no Ensino Mdio de uma escola privada em 1994, aps perceber, ao ser contratado, que os alunos estavam desinteressados pelos contedos tradicionais e por aquilo que vinha sendo desenvolvido anteriormente. Propus aos alunos, numa deciso reflexiva e

    participativa, contedos como: defesa pessoal, massagem, yoga, conscincia corporal, entre outros. Mas o contedo eleito pela grande maioria foi Atividades Fsicas de Aventura e, no

    decorrer desses anos, foi incorporado ao currculo da Educao Fsica daquela escola, com muito sucesso, estando no mesmo grau de aceitao dos outros esportes tradicionais.

    Lgico que no recebi este contedo em minha graduao (dcada de 80). Contedos diferentes, normalmente, so peculiaridades pessoais, hobbies ou atividades praticadas nas horas de lazer ou no cio ativo.

    No meu caso especfico, j era experiente nessas atividades. Tive uma vivncia no exrcito em cima de tcnicas de superao de obstculos naturais, sobrevivncia na selva e organizao de empreitadas em equipe no campo. Depois desta

    fase me juntei a alguns amigos, em meados da dcada de 80, e comeamos, como hobby, a realizar pequenas expedies, principalmente Mata Atlntica. Com o tempo, fomos nos

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    especializando e tornamo-nos espelelogos (estudioso e aventureiro em cavernas) e montamos um curso de Sobrevivncia, formando vrias turmas de aventureiros.

    Com essa bagagem de conhecimentos, percebi a possibilidade que se

    apresentou naquela escola, inseri as Atividades Fsicas de Aventura, com o nome de Montanhismo Selvagem e coloquei meus poucos equipamentos disposio das aulas.

    Com o desenrolar das atividades, e o sucesso do contedo, a escola adquiriu parte dos equipamentos e, no decorrer dos anos, o acervo de materiais foi sendo engrandecido pela APM (associao de pais e mestres) e pelo Grmio Estudantil, com doaes de equipamentos especficos de montanhismo.

    Inseri outras modalidades na escola, como algumas atividades sobre rodas,

    por exemplo, e pude sentir que o contedo Atividade Fsicas de Aventura (A.F.A.) muito bem recebido pelos alunos adolescentes e permite uma ampla gama de possibilidades interdisciplinares, tendo muita chance de sucesso em outras escolas. Entendo que a Educao Fsica est demorando a apropriar-se desse contedo to bem explorado pelos laos do ecoturismo.

    O sucesso desse contedo da Educao Fsica atraiu outras disciplinas, chegando a compor um estudo de campo, integrando-se com biologia, geografia, qumica, fsica e histria, com vivncias e coletas de dados na natureza.

    Achamos que incentivar a prtica das Atividades Fsicas de Aventura (A.F.A.) na escola , tambm, estreitar relaes com as discusses sobre preservao ambiental, desenvolvimento sustentvel e outros conceitos levantados na Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro e que vm se desdobrando at hoje. Compactuamos com as idias de Constatino (1997) onde afirma que (...) O aumento das prticas do desporto que supe a presena de elementos naturais, como espao indispensvel sua realizao, faz de imediato surgir bvia necessidade de defesa da natureza o que supe um cdigo de conduta desportiva na sua utilizao. (CONSTANTINO, 1997, p. 121). Acreditamos que deveramos trabalhar mais a possibilidade de o aluno estar prximo natureza, contextualizando sua preservao

    e sua valorizao, por meio dos prazeres inerentes prtica esportiva ou fsico-ldica.

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    Ao capacitar os alunos a incurses natureza presumimos que estamos

    viabilizando um maior contato com fatores que envolvam o meio ambiente, a ecologia e a manuteno da biodiversidade, caracterizando as intenes interdisciplinares supracitadas.

    Sabemos que j existem, em algumas escolas particulares, paredes de escalada artificiais e que algumas turmas j realizaram viagens ecotursticas com vivncias em Atividades Fsicas de Aventura. Em minha proposta no pretendo abordar a simples vivncia das A.F.A., mas sim, como parte do currculo de contedos do ano da Educao Fsica da escola, abordando as dimenses conceituais, procedimentais e atitudinais

    (DARIDO; RANGEL, 2005), inclusive em carter interdisciplinar com outros componentes curriculares, seguindo a linha pedaggica proposta no Projeto Poltico Pedaggico.

    Colocamos, ento, como objetivo desse estudo analisar algumas possibilidades pedaggicas de incluir as Atividades Fsicas de Aventura nas aulas de Educao Fsica Escolar, principalmente para as turmas de jovens e adolescentes, como um dos contedos curriculares, efetivando-as como propostas pedaggicas no currculo comum das escolas.

    A mudana de paradigma do fazer pedaggico dos docentes, sabemos, lenta, porm possvel; e trabalhos como este podem servir como uma brisa que visa fazer chegar odores de transformao praxis docente. Apenas estou contribuindo com uma

    pequena parcela, como uma misso, talvez como uma AVENTURA.

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    "Nunca ande pelo caminho traado, pois ele conduz somente at onde os outros foram."

    (Grahan Bell)

    1. INTRODUO

    Se fssemos trabalhar temas relacionados ao meio ambiente na rea de Educao Fsica, qual contedo especfico da rea estaria mais prximo? E se estivssemos na escola, quais atividades poderiam ser escolhidas para trabalhar meio ambiente com os alunos? Os contedos da Educao Fsica tradicionalmente lecionados na escola no tm

    dado conta da abordagem desta temtica: meio ambiente e natureza. No mximo, com a boa vontade do professor da rea, poder-se-ia fazer relaes de atividades de resistncia e outras

    capacidades fsicas, em caminhadas, remadas, pedaladas e algumas outras atividades. Em muitas escolas a rea de Educao Fsica atua como coadjuvante quando

    alguma turma de alunos vai estudar fora da escola, os chamados estudos do meio ou estudos de campo. Em geral o professor da rea chamado para auxiliar esses estudos por conseguir controlar melhor os alunos em ambientes abertos e no por manter conexes com esses conhecimentos, ficando margem dos objetivos das outras disciplinas e dos Temas Transversais propostos pelos PCNs (BRASIL, 1998).

    Na perspectiva de rea de conhecimento, a Educao Fsica escolar pode

    atuar tambm como progenitora desses estudos do meio, pois possui contedos significativos para isso. So pouqussimos utilizados na escola e conseguem dar conta

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    especificamente da abordagem dos temas relacionados ao meio ambiente e natureza. Estamos falando das Atividades de Aventura ou da Natureza ou Radicais1.

    As Atividades Fsicas de Aventura j so uma realidade, fruto de um grande desenvolvimento ocorrido principalmente nas duas ltimas dcadas. So eventos relacionados ao Surf, Skate, Ralis, Corridas de Aventura, entre muitos outros, vivenciados em vrias faixas etrias. Alm disso, As Atividades Fsicas de Aventura esto sendo largamente difundidas em documentrios sobre expedies e reportagens ecotursticas que envolvem vrias de suas tcnicas e modalidades, tais como: Rapel, Tirolesa, Corrida de

    Aventura, Trekking ou, ainda, outras atividades chamadas esportes radicais. Esses esportes tm atrado a prtica e o consumo de grande parte dos jovens e adultos brasileiros, chegando a competir, em preferncia, com alguns esportes tradicionais do pas. J existem revistas e outros peridicos2 especializados nestes temas, selecionando muitos adeptos e curiosos de diversas modalidades relacionadas.

    No meio acadmico tambm tem aumentado as publicaes a respeito dessa temtica, como, por exemplo, em TAHARA (2004), UVINHA (2003) e GERMIGNANI (2004), entre outras.

    Cantorani; Pilatti (2005) afirmam que muitos dos esportes modernos tomaram forma a partir de atividades ancestrais sendo, ento, institucionalizados com

    regras especficas e por entidades gestoras. Possivelmente, no decorrer desta evoluo, descobriu-se um nicho com o uso do termo "aventura", ou seja, um segmento do mercado esportivo que oferece novas oportunidades de prtica e de negcio.

    A superao de obstculos naturais forou o homem a criar tcnicas e equipamentos no caminhar destes sculos, que serviram de base para as aventuras de hoje, sejam para conquistadores de verdade, competidores esportivos ou aventureiros de final de semana, todos em busca de algo mais em suas vidas.

    As expectativas presentes no ser humano em busca de alternativas com maiores

    qualidades frente exacerbao centrada na cultura do trabalho e do consumo,

    1 Essa terminologia ser discutida mais a frente.

    2 Alguns dos ttulos atuais: Camera Surf, Cemporcento Skate, Invicto, Mundo Aqua, O2,

    RunningBR, Trip e Webventure.

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    podem recair sobre a crescente procura por vivncias mais significativas,

    tornando as atividades de aventura junto ambientes naturais uma nova perspectiva, no sentido da tentativa de preenchimento desta inquietao humana

    em busca da melhoria da qualidade existencial. (TAHARA, 2004, p.05)

    Entendemos ser esta busca uma necessidade inerente aos cidados nos vrios segmentos da sociedade e que o fluir do que vemos hoje no passa de uma constatao de um sentimento de retorno essncia humana e de aproximao s suas origens ancestrais.

    Atualmente, essa necessidade vivenciada principalmente no tempo livre, no uso do cio ativo, ou como profisso, sendo estendido ainda para a escola, que, como agente de

    formao do futuro adulto e de sua cidadania, deve se alicerar com propostas de contextualizao desta tendncia.

    Da Costa (1997) afirmou que a vertente axiolgica originria das relaes natureza-desporto tem se concentrado na busca, no desenvolvimento e legitimao da

    prtica desportiva desde o sculo XIX. O autor cita, ainda, temas ligando o esporte e a natureza no Congresso Mundial Cientfico Desporto na Sociedade Moderna e no

    Conselho da Europa, na Carta Europia do Desporto para Todos, ambos na dcada de 70. Essas afirmaes mostram que o interesse pela temtica natureza-esporte vem crescendo desde h muito tempo, porm vagarosamente.

    Todo esse processo teve impulso determinante em 1992 com a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92 e as mesas redondas e temas discutidos sobre Homem, Cidade e Natureza, alm da Assemblia do

    Comit Olmpico Internacional, no mesmo ano, que discutiu compromissos com relao ao respeito ao meio ambiente. O autor anteriormente citado resume:

    ... a reconciliao factual do desporto com a natureza submetida a ameaas ,

    todavia reflexo do que ocorre com a sociedade como um todo. Neste particular a

    evoluo do desporto nos anos 90 mostrava expanso das solues contratualistas, destacando-se casos localizados de normatizao da proteo

    ambiental apoiados por recomendaes gerais, ao estilo dos documentos emitidos pelo Conselho da Europa.... (DA COSTA, 1997, p.66)

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    Da Costa (1997) ainda cita o Comit Organizador dos jogos Olmpicos de Inverno em Lillehmmer, 1994, que decidiu transformar o evento numa demonstrao de como compatibilizar, em alto nvel de exigncia, arquitetura, cultura e meio ambiente. Cita, ainda, que diversas federaes alems definiram normas para praticantes e para construo

    e readaptao de instalaes esportivas, voltadas para a proteo ou conservao da natureza. Modalidades como ciclismo, orientao, vela e motor, montanhismo e corridas, entre outras, constavam nesta normatizao.

    Toda essa preocupao j demonstrada h mais de dez anos na Europa demorou a chegar ao Brasil e, principalmente Educao Fsica, sendo absorvida por outros setores

    de vrios segmentos sociais, que esto se movimentando e ganhando espao. Esse movimento da sociedade foi aproveitado, por exemplo, pela mdia, que percebeu a possibilidade de transformao dessa ligao esporte-natureza, em esporte espetculo e em fins mercadolgicos, cedendo um bom espao para os esportes radicais, de aventura e de natureza em seus vrios setores, sobretudo nos canais de TV (aberta e fechada), jornais, revistas e em programas de turismo.

    Diante dessas caractersticas nos questionamos: por que essas atividades corporais no entram na escola? Ser que os alunos, como futuros cidados, esto tendo

    acesso a um leque de informaes que lhes permitiro escolher atividades fsicas fora daquelas tradicionais esportivas? A falta de materiais pedaggicos, nas escolas, fato, mas

    isso pode ser impedimento para implantarmos contedos diferentes dos tradicionais? O que os alunos poderiam aprender tendo contato com algumas dessas prticas? Como desenvolver estas atividades de aventura na escola?

    Pensamos que, uma das funes principais da Educao Bsica, formar adequadamente o aluno e fazer com que a passagem da adolescncia para a vida adulta seja equilibrada. Torcemos para que, ao se formar, a vida desse jovem esteja repleta de opes e que tenha amadurecimento e autonomia para escolhas certas e, com uma boa educao, isso parece ficar mais fcil. Acreditamos que, no caso da Educao Fsica, quanto maior o leque

    de conhecimentos de qualidade adquiridos no decorrer da Educao Bsica, juntamente

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    com uma condio scio-econmica adequada, maior ser a autonomia desse jovem na escolha apropriada das atividades fsicas, para o resto de sua vida.

    1.1 Objetivo da Pesquisa

    O principal objetivo desse estudo arrolar uma srie de atividades relacionadas s Atividades Fsicas de Aventura possveis de serem realizadas na escola, apontando as trs dimenses do contedo. Explorar e descrever essas atividades como uma possibilidade

    pedaggica real na escola, capaz de fazer parte do currculo comum da Educao Fsica como valor de conhecimento, tanto quanto qualquer dos contedos tradicionais da rea.

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    A verdadeira filosofia reaprender a ver o mundo. (Merleau-Ponty)

    2. REVISO DA LITERATURA.

    Em nossa peregrinao em busca de dados que subsidiassem o tema, aqui, por ns proposto, encontramos autores, textuais e virtuais, que circundavam indiretamente nossos objetivos. Apesar de no serem especficos, foram de grande mrito na validao de nossas afirmaes e suposies, criando o alicerce para nossas justificativas e propsitos.

    2.1- AS DISCUSSES ATUAIS SOBRE ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA

    Antes de adentrarmos aos conceitos e definies das A.F.A. devemos ter uma noo da origem dessas atividades, mesmo que apenas para nos situarmos numa inebriada linha do tempo ou, at, para compararmos com contedos absorvidos pela Educao Fsica h mais tempo. Para isso, podemos utilizar os trabalhos de Cantorani; Pilatti (2005), pois afirmam que:

    (...) ao longo da evoluo humana, sempre existiram prticas que envolvessem desafios e aventuras em que fortes emoes se faziam presentes. Contudo, tais

    prticas no podem ser chamadas de "esportes de aventura", pelo fato, claro, de

    que no eram atividades esportivas, pelo menos no no sentido que atribudo

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    hoje expresso. E, por fim, estas no eram dotadas da funo que o esporte assumiu mais recentemente em nossa sociedade. (CANTORANI; PILATTI, s/p., 2005)

    Esses autores defendem o surfe como precursor das A.F.A. como os entendemos hoje, sendo sua origem secular (por volta do sculo XVIII, ou antes, se considerarmos as lendas), porm difundido a partir da primeira dcada do sculo passado, pelo havaiano Duke Kahanamoku. No Brasil, o surfe chegou na dcada de 50, no Rio de Janeiro e, em 1965, foi fundada a Federao Carioca. Os autores acreditam que, partindo, ento, desse esporte, outros foram sendo incorporados a esta terminologia, uns criados a

    partir do prprio surfe como: skysurf, snowboard, windsurf, wakeboard etc., e outros esportes no derivados dele.

    Outras modalidades poderiam reivindicar esse pioneirismo e no estariam equivocadas, como o montanhismo, por exemplo. As primeiras tcnicas de montanhismo foram desenvolvidas em Chamonix, na Frana, no sculo XVIII e, de l pra c, essa atividade no parou mais de crescer (RADICAL, 2007). Esses exemplos so apenas ilustraes, pois no intencionamos defender nenhum pioneirismo ou origem, apenas estamos situando a essncia do que hoje chamamos Esportes de Aventura ou Atividade de Aventura. Mesmo por que, se formos considerar a presena do ser humano nas cavernas, em travessias de montanhas e em outras exploraes e conquistas, estaramos situando estas

    atividades em termos de milnios. Independente dos precursores, vrios dos autores pesquisados (COSTA,

    2000; MARINHO; BRUHNS, 2003; entre outros) concordam que a partir dos anos 70, houve um grande desenvolvimento das Atividades de Aventura, tanto em diversificao, quanto na organizao dessas modalidades. Em conseqncia, vem ocorrendo uma

    diminuio do nvel de riscos envolvidos, pois nos ltimos anos passaram a contar, devido demanda, com empresas especializadas em equipamentos de segurana, que, por sua vez,

    se tornam cada vez mais sofisticados. No Brasil, o salto das A.F.A., confirmado por esses autores citados, aconteceu a partir dos anos 80 e hoje se equipara aos outros pases.

  • 20

    Os diversos autores citados neste trabalho j discutiram as A.F.A. com certa profundidade, porm, em sua maioria, dentro do universo do lazer ou na rea do treinamento, em modalidades especficas. Vamos nos concentrar nos conceitos, mas no

    deixaremos de discutir as terminologias, inclusive para afirmarmos a escolhida por ns. Vrios foram e so - os termos utilizados nessas prticas e, por serem um

    fenmeno social razoavelmente recente, parece-nos ainda distante uma definio que una corporativistas que tomaram para si o pioneirismo ou conceito sobre suas atividades. Assim como Betrn (2003) podemos resumir algumas dessas vrias terminologias.

    Essas atividades j foram chamadas esportes californianos, em razo da origem de vrias das modalidades nessa regio; novos esportes considerando-os diferentes

    dos tradicionais e inovadores; esportes tcnoecolgicos, fazendo referncia associao dos equipamentos utilizados para a prtica de diversas modalidades com seu uso na natureza; esportes em liberdade, negando regulamentaes tpicas de outros esportes vinculados s federaes e ambientes delimitados por linhas, quadras, ginsios, estdios, etc.; esportes selvagens, pelo carter natural e numa comparao oposta aos locais tpicos urbanos e estruturados dos outros esportes; esportes radicais, tpica gria de surfistas e skatistas da dcada de 80 e pelo cunho fundamental das sensaes e exposies a perigos relacionados altura, vertigens, deslizamentos, entre outros; esportes extremos, em razo

    do grau de exposio situaes em que ocorrem descargas de adrenalina - grau mximo de medo, susto e superao de limites; esportes de ao, numa provvel referncia manifestao de fora e de energia do corpo agindo sobre implementos, numa tentativa de controle sobre os efeitos da natureza; esportes alternativos, aludindo-se convenincia de escolher atividades fsicas que no sejam as tradicionais e em locais fora do comum. Vo se ampliando, assim, as terminologias empregadas, de acordo com o pblico e os locais de prtica.

    Esportes de Aventura, Radicais, de Ao... Qual seria, ento, a melhor terminologia a ser usada para estas prticas na escola? Talvez exista a necessidade de melhor definir esses termos, haja vista a complexidade destas nomenclaturas.

    Cantorani; Pilatti (2005) utilizam os termos Esportes Radicais e Esportes de Aventura como sendo a mesma coisa. Tahara (2004), utilizando terminologia sugerida

  • 21

    por Betrn (2003), denomina Atividades Fsicas de Aventura na Natureza AFAN como toda e qualquer atividade feita em meio natural, portadora de caractersticas peculiares, envolvendo os aspectos do risco controlado e permeado pelo limite das vivncias ldicas,

    numa busca pelas sensaes e emoes junto ao meio natural. Uvinha (2001) generaliza, unificando os termos para esportes radicais, porm escreve seu trabalho em torno apenas do

    skate.

    Terezani (2004), em sua dissertao de mestrado, no se preocupa com terminologias, mas conceitua essas prticas como sendo atividades que exprimem

    radicalidade, j que essas prticas so muito conhecidas como Esportes Radicais. A palavra radical vem do latim, radicalis, um adjetivo que significa que possui raiz e, segundo o Novo Dicionrio Aurlio (AURLIO, 1995, p. 548) complementa, radical relativo fundamental, inflexvel, sugerindo um sim ou no na prtica dessas atividades. Ou se consegue fazer ou no; ou se tem coragem ou no. Para a escola esse tipo de conceito reduz as possibilidades de integrao de todos os alunos, e suas diferenas, nas vivncias da aula. Portanto, a nosso ver, no podemos exprimir radicalidade nas aulas de Educao Fsica Escolar.

    Javier O. Betrn, espanhol, doutor em Filosofia e Cincias da Educao, influenciou muitos pesquisadores brasileiros, ao discutir as Atividades de Aventura no

    mbito do Lazer e Turismo e sua prtica no cio ativo, tornando-se hoje citao obrigatria na maioria dos trabalhos acadmicos relacionados ao tema aqui proposto. Esse filsofo

    defende a terminologia Atividades Fsicas de Aventura na Natureza (AFAN) e as define assim:

    As AFAN so prticas individuais que se fundamentam geralmente no

    deslizamento sobre superfcies naturais, nas quais o equilbrio dinmico para

    evitar quedas e a velocidade de deslocamento, aproveitando as energias da natureza (elica, das ondas, das mars, dos cursos fluviais ou a fora da gravidade), constituem os diversos nveis de risco controlado nos quais a aventura se baseia. (BETRN 2003, p. 165).

  • 22

    Betrn (2003) consegue uma boa definio, porm extrapola a generalizao do termo AFAN quando as classifica e quando as apresenta em um grfico que ocupa duas pginas expostas no captulo de sua autoria no livro Turismo Lazer e Natureza (in MARINHO; BRUHNS, 2003, p.175, 180 e 181), incluindo como sendo Atividades Fsicas de Aventura na Natureza a modalidade Skate, notadamente uma prtica urbana, alm de

    motos e veculos 4X4, cujas prticas na natureza so discutveis do ponto de vista da preservao do meio ambiente. Com certeza, o termo AFAN foi exaustivamente discutido como opo de terminologia na Espanha e em alguns grupos acadmicos brasileiros, mas a

    nosso ver, no se encaixa como termo a ser usado pelos adolescentes escolares e como prtica esportiva, no sentido analisado a partir dos fundamentos da teoria que envolve o

    jogo. Marinho (1999) prefere o termo Atividades de Aventura, definindo como

    sendo:

    (...) as diversas prticas esportivas manifestadas, privilegiadamente, nos momentos de lazer, com caractersticas inovadoras e diferenciadas dos esportes tradicionais, pois as condies de prtica, os objetivos, a prpria motivao e os meios utilizados para o seu desenvolvimento so outros e, alm disso, h

    tambm a presena de inovadores equipamentos tecnolgicos permitindo uma

    fluidez entre o praticante e o espao destinado a essas prticas - terra, gua ou ar.

    (...) requisitam a natureza para seu desenvolvimento e representam, de alguma forma, prticas alternativas e criativas de expresso humana (MARINHO, 1999, p. 62)

    A autora, em seus textos, mais abrangente, unindo, quase sempre, os conceitos citados acima, afirmando, por exemplo, que so atividades cercadas por riscos e perigos, na medida do possvel, calculados, no ocorrendo treinamentos intensivos prvios (como no caso dos esportes tradicionais e de prticas corporais como a ginstica e a musculao). Bruhns (2003) ainda lembra que a experimentao acontece de maneira mais

  • 23

    direta, havendo um afastamento de rendimentos planejados com fortes emoes relacionadas ao Inlix3 esportivo. Realmente, o termo Atividades de Aventura muito bom, agradvel de ouvir

    e de se utilizar. A palavra atividade contm a fora da ao em sua raiz e minimiza as prticas de carter competitivo, to inerente palavra esporte, o que no precisa ser

    obrigatoriamente utilizado na escola. Porm, o termo Atividades de Aventura no deixa implcita a ao corporal do praticante. O indivduo pode estar completamente passivo corporalmente, como assistindo a um filme de aventura ou a uma prova competitiva de

    alguma das diversas modalidades da rea, confortavelmente sentado numa arquibancada e afirmar estar participando de Atividades de Aventura.

    Na tentativa de buscar uma terminologia nica para esses tipos de atividades podemos cometer erros graves ou nos antecipar a uma futura definio assumida culturalmente pelo meio social dos adeptos, j que existe, como j visto, o uso indiscriminado, por seus praticantes, dos mais diversos termos, nas mais diversas regies h dcadas. Montanhismo se confunde com alpinismo, que se confunde com escalada ou trabalho em altura, que so chamados esportes de natureza, de aventura ou radicais. Porm, radicais tambm so esportes tpicos urbanos, como skate e patinao, mas que, hoje em dia, so conhecidos como ex-games4, onde tambm esto presentes tcnicas e esportes de

    aventura como Rapel, escalada, etc., tpicos da natureza e, assim, est feita a confuso. Em suma, no temos a pretenso de unificar os termos ou especificar esta ou aquela definio

    como sendo a definitiva.

    3 Bruhns (2003) nos explica que este um termo coletado por CAILLOIS (1990) para caracterizar o

    conjunto de jogos que trata do risco calculado, imprevisvel, onde nos entregamos a um nvel psicolgico incontrolvel. O autor, em seus estudos sobre o jogo, ainda se refere competitividade (agon), sorte e azar (Alea) e jogos de interpretao (mimicrys) (BRUHNS, 2003, P.31).

    4 Abreviao de extreme games jogos extremos em referncia aos jogos e apresentaes de

    modalidades de Esportes de Aventura por parte de profissionais que conseguem atingir situaes de desequilbrio, inverses e deslizamentos em grande velocidade e com grande habilidade.

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    O Ministrio do Turismo, entendendo que essas atividades esto associadas ao Ecoturismo, adotou o termo Turismo de Aventura5 e percebeu que, atualmente, esse segmento possui caractersticas estruturais e consistncia mercadolgica prprias e de

    grande vulto financeiro. Conseqentemente, seu crescimento vem adquirindo um novo leque de ofertas, possibilidades e questionamentos, que precisam ser compreendidos para a

    viabilizao e qualificao do segmento (BRASIL, 2006). Esse Ministrio tomou a iniciativa de criar o Projeto de Normalizao e Certificao em Turismo de Aventura, que tem como entidade executora o Instituto de Hospitalidade (IH). O foco do projeto a identificao de aspectos crticos da operao responsvel e segura do turismo de aventura, que levem ao desenvolvimento de um conjunto de normas tcnicas para as diversas atividades que compem o setor.

    Enquanto os setores da Educao Fsica adormeciam nas modalidades tradicionais da rea, o Turismo se adiantou e assimilou para si a maior parte das iniciativas referentes a esse novo setor. As capacitaes de pessoas que trabalham com Atividades de Aventura esto sendo dirigidas, principalmente pela ABETA Associao Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura ligada ao Ministrio do Turismo. Foram criadas comisses de estudo sobre os diversos temas ligados ao Turismo de Aventura e aberta uma consulta nacional para cada um deles.

    O termo adotado pelo Ministrio do Turismo para designar essas prticas foi Atividades de Aventura e definido da seguinte forma:

    A palavra aventura do latim adventura o que h por vir, remete a algo

    diferente. Neste conceito, consideram-se atividades de aventura as experincias

    fsicas e sensoriais recreativas que envolvem desafio, riscos avaliados, controlveis e assumidos que podem proporcionar sensaes diversas como

    5 O conceito de Turismo de Aventura fundamenta-se em aspectos que se referem atividade

    turstica e ao territrio em relao motivao do turista, pressupondo o respeito nas relaes institucionais, de mercado, entre os praticantes e com o ambiente. Nesse contexto, define-se que Turismo de Aventura compreende os movimentos tursticos decorrentes da prtica de atividades de aventura de carter recreativo e no competitivo (BRASIL, 2006, p.9)

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    liberdade, prazer; superao, a depender da expectativa e experincia de cada

    pessoa e do nvel de dificuldade de cada atividade. (BRASIL, 2006, p.9).

    Portanto, essa conceituao deixa de fora o termo Esportes de Aventura e o

    prprio documento do Ministrio justifica, afirmando que as atividades denominadas esportivas, sejam ou no de aventura, quando entendidas como competies, denominam-se modalidades esportivas e so tratadas no mbito do segmento Turismo de Esportes. (BRASIL, 2006, p.10). A Educao Fsica Escolar pode, e deve, deixar espao para as manifestaes competitivas, mesmo em se tratando de Atividades de Aventura, desde que,

    no nosso entendimento, no seja exacerbando o rendimento e o desempenho atltico. Assim, a Educao Fsica Escolar tem condies de ir alm dessa conceituao, inserindo em seu contedo as modalidades de aventura competitivas. O Ministrio do Turismo ainda afirma que o Turismo de Aventura pode ocorrer em quaisquer espaos: natural, construdo, rural, urbano, estabelecido como rea protegida ou no. Alm disso, pode ser abordado sob diferentes enfoques, dependendo dos prestadores de servio. Fica clara, em todo o documento, a amplitude dos tentculos do Turismo nas aes referentes rea em questo, apropriando para si, inclusive, as prticas

    corporais efetivas das modalidades, chamando-as de atividades tradicionalmente ditas tursticas (hospedagem, alimentao, transporte, recreao e entretenimento, recepo e conduo de turistas, operao e agenciamento) (BRASIL, 2006, p.11). As prticas corporais que deveriam ficar a cargo da rea da Educao Fsica foram assumidas pelo turismo, inclusive com frases do tipo: Entende-se, portanto, que as atividades de aventura, neste caso, tambm so consideradas tursticas (BRASIL, 2006, p.11).

    Talvez, neste momento, essas modalidades estejam sendo exploradas com mais competncia sob a tutela do Turismo, no s por ter enxergado todo esse movimento antes da Educao Fsica, mas, tambm, pela incompetncia e vagarosidade com que esta ltima demorou a se aperceber do imenso potencial e beleza dessas prticas. Sem contar a

    escassez de profissionais preparados para atuar nas diversas modalidades exploradas. Mas, voltando discusso da terminologia, utilizaremos o termo que

    entendemos ser o mais interessante para o uso da Educao Fsica Escolar e que possa ser

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    amplo o suficiente para ser possvel a abordagem dos mais variados tipos de modalidades e intenes de suas prticas. Utilizaremos o termo Atividades Fsicas de Aventura (A.F.A.), diferenciando do Ministrio do Turismo, que entende estas prticas somente como

    entretenimento, e de outros autores, como Marinho e Bruhns. Achamos que essas atividades mostram diversas possibilidades educativas, ampliando experincias e vivncias

    dentro da escola, a comear pelas esportivas. Concordamos com Paes (2001) ser o Esporte um fenmeno scio-cultural de mltiplas possibilidades e que o esporte pertence ao universo do Jogo, no sentido estudado e defendido por Freire (2002) e Scaglia (SCAGLIA in VENANCIO; FREIRE, 2005).

    As A.F.A. podem ser cooperativas, podem ser no cooperativas, podem ser

    inclusivas, coletivas, introspectivas; e podem ser, tambm, tudo isso ao mesmo tempo. As A.F.A. so uma fragmentao das teorias que envolvem o desporto e o jogo. Apesar de ser um assunto polmico, nos afinamos com Scaglia (2005) quando ressalta que os esportes so englobados pela teoria do jogo e que, como afirma o autor,

    (...) o jogador joga o jogo e jogado por ele numa relao interdependente e complexa. O jogador traz para o jogo seus desejos e vontades advindas e construdas ao longo de sua histria de vida concomitante ao ambiente com o

    qual se relaciona. J o jogo rene os desejos e as vontades de outros que jogaram e l os deixaram ao serem absorvidos, para que outros sejam jogados pelos desejos da humanitude6 ao mesmo tempo em que a transformam. Portanto, ao compreender-se o jogo enquanto um sistema complexo, torna-se possvel superar a discusso relativa a sua fragmentao, tanto em partes quanto em tipos. (...). (SCAGLIA, in VENANCIO; FREIRE, 2005, p.65).

    Ao adentrar ao mundo das Atividades Fsicas de Aventura, o adolescente se deixa envolver por esse mundo do jogo, seus desejos e vontades relacionadas simbolicamente s aventuras advindas daquilo com que j teve contato em sua histria de vida: filmes, reportagens, livros, fotos, etc.

    6Segundo Scaglia (2005) humanitude: termo cunhado por Jacquard para representar a contribuio de todos os homens, de outrora ou de hoje, para cada homem (SCAGLIA in VENNCIO; FREIRE, 2005).

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    Em vrios dicionrios, encontramos a definio da palavra Aventura de forma bem semelhante. De modo geral, Aventura definida como empresa ou experincia arriscada, perigosa incomum, cujo fim ou decorrncia so incertas. Acontecimento imprevisto, surpreendente; peripcia (AURLIO, 1995, p. 75). Como afirmam Paes, Scaglia e outros autores a imprevisibilidade caracterstica marcante do jogo, assim tambm so as A.F.A. uma atividade de risco calculado e que, se seguidos os protocolos especficos de segurana para cada modalidade, podem ser praticados pelos jovens escolares, com nveis baixssimos de perigo e poucas chances de acidentes.

    Gostaramos de aprofundar um pouco mais o porqu de inserir competies esportivas no mbito das A.F.A, considerando o esporte, como j afirmado anteriormente, componente do jogo. So inmeros os trabalhos sobre o jogo e suas conceituaes, sendo Huizinga (1980) uma das maiores referncias em se tratando do estudo do ldico e definio do jogo. O autor afirma que:

    O jogo uma atividade ou ocupao voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espao, segundo regras livremente concedidas, mas absolutamente obrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado

    de um sentido, de tenso e de alegria, e de uma conscincia de ser diferente da

    vida cotidiana (HUIZINGA, 1980, p. 33)

    Se considerarmos que as regras livremente concedidas, mas absolutamente obrigatrias, quando usadas na aventura, so, principalmente, as regras de segurana, essa definio se encaixa seguramente na prtica das modalidades de aventura. Alm disso, qual

    Atividade Fsica de Aventura no acompanha um sentido, de tenso e de alegria, e de uma conscincia de ser diferente da vida cotidiana?

    Achamos tambm que no to simples quando encaramos a complexidade

    do jogo a partir daquilo que se encontra por detrs de sua simples prtica. algo que est velado e que ao mesmo tempo encanta. esse mistrio que muitos autores tentam revelar, porm, assim como o amor, somente experimentando pode-se comprovar. Scaglia (2005) demonstra essa intricada misso em seus estudos sobre o assunto quando afirma que (...) o jogo se caracteriza como uma unidade complexa, envolto pela organizao sistmica de

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    suas estruturas padres, definida pelo seu ambiente (contexto) (SCAGLIA in VENNCIO; FREIRE, 2005, p. 49). A aventura mais um desses sistemas, porm ainda em fase de assimilao pela sociedade e, demoradamente, pela Educao Fsica na escola.

    Se pensarmos como Joo B. Freire, cuja leitura sobre o jogo no descarta a histria de vida do praticante, teramos uma idia melhor do porqu das Atividades Fsicas

    de Aventura atrair tanto o pblico jovem, quanto o adulto, pois certamente esse um dos motivos para se praticar um novo jogo. Freire (2002) afirma que O jogo uma coisa nova feita de coisas velhas. Quem vai ao jogo leva para jogar as coisas que j possui, que pertencem ao seu campo de conhecimento (...)(FREIRE, 2002, p. 119).

    Invariavelmente, os adeptos das A.F.A. j tiveram alguma histria em algum outro jogo, seja na escola, clube ou coisa parecida. Ao descobrirem e praticarem essas novas modalidades, carregam consigo experincias vivenciadas na imprevisibilidade e simbolismo, tpicas do jogo, para a descoberta de novas emoes e de experincias incomuns ou renovadoras.

    Fizemos uma busca na internet utilizando as palavras chaves Esportes e Aventura e encontramos dezenas de sites abordando essa temtica, principalmente oriundos de peridicos, ONGs e empresas de turismo de aventura (ver alguns destes sites selecionados nas referncias bibliogrficas). O termo Esportes de Aventura , disparado, o mais utilizado por toda a comunidade que lida com Atividades Fsicas de Aventura, inclusive a maior feira anual da Amrica Latina que trata do tema, utiliza o nome Adventure Sports Fair, (Feira de Esportes de Aventura), com representantes das mais diversas reas relacionadas.

    A mdia televisiva tambm utiliza o termo Esportes de Aventura mais que qualquer outro. Talvez, expressar Esportes de Aventura seja o senso comum e o termo mais atraente para os jovens escolares, porm, inadequado como terminologia usada no ensino formal.

    Os PCNs consideram esporte como (...) prticas em que so adotadas regras de carter oficial e competitivo, organizadas em federaes regionais, nacionais e internacionais que regulamentam a atuao amadora e a profissional. (BRASIL, 1998, p. 70) e as Atividades Fsicas de Aventura, como j visto, vo alm do conceito esportivo,

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    adentrando aos setores do lazer e recreao, podendo ter uma maior flexibilidade nas regulamentaes e na adaptao dos espaos e materiais disponveis.

    Bruhns (2003) afirma que a demanda por essas novas prticas est mais centrada na busca por emoes e sensaes em detrimento da procura por uma performance e um treinamento asctico, estes ltimos, requisitos para os esportes tradicionais como para

    o denominado body building, onde o msculo representa um rtulo de vigor e sade ou de fora moral. Neste sentido, a autora acredita ser indevido o termo esporte para qualific-las.

    Depois de levantados todos esses conceitos e fundamentaes e utilizando-os

    em aula, acreditamos que, para leigos, as terminologias Atividades de Aventura ou Esportes de Aventura se encaixariam bem na escola como termos de contedo das aulas

    de Educao Fsica, mas ao nosso entender, como sistematizadores do contedo e do conhecimento, os educadores tm a funo e o poder de ultrapassar o senso comum e adentrar aos campos da seleo e erudio da cultura e do conhecimento. Diante das conceituaes j exercidas em toda a nomenclatura levantada o termo Atividades Fsicas de Aventura atinge os alunos de uma forma mais abrangente, deixando abertas as possibilidades de um contedo que tratar de prticas corporais de carter competitivo ou no, mas que exprimem imprevisibilidade e um determinado e controlado risco7 a ser superado no meio urbano (como o skatismo, por exemplo), ou na natureza, ou em simulaes desta em meio urbano.

    7 Entende-se por risco a combinao entre a probabilidade da ocorrncia de um determinado fato e

    as possveis conseqncias. Promover o controle de tais riscos significa adotar e implementar, de forma sistemtica, um conjunto de normas e tcnicas especficas na busca da qualidade da experincia turstica e da gesto de segurana. (BRASIL, 2006, p 11).

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    O estudo em geral, a busca da verdade e da beleza so domnios em que nos consentido ficar crianas toda a vida. (Albert Einstein)

    2.2- POR QUE ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA?

    Se pensarmos que, na escola, estamos ajudando a formar cidados autnomos e crticos, inseridos na sociedade, cabe a nossa rea tambm proporcionar, ao futuro adulto, informaes suficientes para a escolha de atividades que possam ocupar o

    tempo livre desse cidado (DARIDO; RANGEL, 2005). Os esportes tradicionais, amplamente tratados na grande maioria dos currculos de Educao Fsica escolar, podem dar conta de atender ao gosto de uma boa parcela dos formandos da Educao Bsica, aqueles que viro a ser adultos, para o futuro uso do cio ativo, nas suas horas de lazer, mas temos a convico que esses alunos devem, e tm o direito, de receber muitos outros conhecimentos presentes na Cultura Corporal de Movimento e assim, aumentar seus conhecimentos, experincias e possibilidades de escolhas.

    A importncia do lazer em nossa sociedade, e principalmente dentro das

    diversas reas da Educao Fsica, indiscutvel, como destaca Bruhns (1994) afirmando que o fenmeno do lazer vem se apresentando como justificativa para muitas prticas e opes de vida; a sociedade vem se urbanizando cada vez mais, em conseqncia do avano industrial; mudam-se as concepes, os conceitos e os comportamentos.

    No objetivo deste estudo colocar em discusso o lazer e todo seu universo de pesquisa e relevncia, apesar do tema ser to pouco abordado e considerado nos meios acadmicos atualmente um dos elementos que tem aparecido com mais destaque na vida

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    cotidiana, especialmente quando o assunto qualidade de vida (UVINHA, 2001). Sabemos, tambm, que ao fornecer aos adolescentes informaes sobre atividades na natureza e esportes alternativos aos tradicionais, estaremos aumentando suas opes de uso do tempo

    disponvel j na idade em que se encontram, mas, principalmente, na fase adulta, em que sua liberdade de escolha e independncia aumentam significativamente.

    Dentro dessas discusses do uso do tempo livre deve estar inserido o papel da escola na amplitude das informaes transmitidas aos alunos. Dentro da rea de Educao Fsica, a presena do desporto nas escolas marcante. Ser que to difcil assim

    mudarmos o paradigma esportivo j to discutido por um grande nmero de autores? As escolas de formao esto se atualizando, a passos lentos, mas j existem referenciais suficientes para ampliar a viso dos futuros docentes, pois no h dvidas que a rea de Educao Fsica, principalmente no setor escolar, teve grande desenvolvimento nos ltimos vinte anos.

    (...) Os cursos de graduao (...) passaram a ter suporte terico de referenciais originais e criativos provindos de vrias reas do conhecimento e de diferentes autores. (...) Outro dado importante dos ltimos anos foi a formao de mestres e doutores na rea, que possibilitou que os cursos de Educao Fsica ganhassem

    densidade acadmica e os profissionais egressos dessas instituies pudessem

    basear-se em abordagens ou teorias para atuarem nas escolas(...) (DARIDO; RANGEL, prefcio, 2005)

    Apesar de, hoje em dia, haver vrias concepes e de muito mais publicaes na rea de Educao Fsica, parece que professores com prticas tradicionais tm um grande poder de influncia sobre a prtica de professores mais novos, que acabam reproduzindo os mesmos contedos que tiveram quando eram alunos da Educao Bsica, com concepes ultrapassadas. Por que no acontecer o contrrio, o professor novo

    influenciar os mais antigos?

    Franco et al. (2006 a) realizaram um estudo no qual levantaram questes sobre o fazer pedaggico dos professores de Educao Fsica permanecer em descompasso com a evoluo das discusses da rea. As principais dificuldades enfrentadas para que as

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    mudanas sejam efetivadas so: investimento estrutural nas escolas, formao continuada dos professores, valorizao do profissional da rea, coordenao pedaggica interessada, fiscalizao sobre a prtica, crenas pessoais e formao acadmica de qualidade (FRANCO et al. p. 18, 2006 a). Os autores ainda afirmam que, juntamente a estes pontos, a importncia do surgimento e utilizao de referenciais tericos que

    efetivamente atendam aos professores em suas necessidades, poderiam ser os responsveis por contribuir, de uma forma positiva, para modificar o cotidiano das aulas e dos profissionais de Educao Fsica no Ensino Mdio.

    Para se incluir novos contedos na escola preciso superar barreiras e, talvez, a tradio das prticas esportivas seja a mais difcil delas. Mas, h muitas outras, pois no podemos nos esquecer que vivemos num pas de terceiro mundo, com grande parte da populao passando por carncias de diversos tipos.

    Sabemos da restrio de oportunidades, da capacidade financeira e at mesmo da dificuldade de acesso s informaes culturais das classes sociais mais baixas. No finalidade deste estudo analisar as causas, solues e situaes da populao carente e miservel brasileira. Apenas julgamos, como j foi afirmado, ser importante, aos alunos das escolas de qualquer nvel social, terem acesso aos conhecimentos da Cultura Corporal de Movimento.

    A Educao Fsica brasileira possui vrias tendncias, desde a tecnicista, passando pela psicomotricidade e sade renovada, at chegar s tendncias

    desenvolvimentista, s crticas, construtivista e aos PCNs (DARIDO; RANGEL, 2005), entre outras possveis, cada qual com suas vantagens e desvantagens e com um conjunto de conhecimentos possveis de serem discutidos no ambiente escolar. No interior dessas tendncias no possvel observar restries quanto incluso de A.F.A., sendo possvel mais em uma, menos em outra, mas praticvel em todas. Alis, na Espanha, as A.F.A., de acordo com Sanches (2001) j so tratados como uma tendncia da Educao Fsica na escola h vrios anos.

    Defendemos as A.F.A. na escola, pois acreditamos que esse conhecimento e

    suas vivncias proporcionem sensaes e experincias que atinjam o afetivo, o cognitivo e o aspecto motor de um jovem estudante, mesmo que sejam prticas apenas adaptadas s

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    estruturas pobres das escolas, mas plenamente passveis da ligao do Saber com o Saber Fazer, sensaes que estimulem as emoes dos adolescentes e os estimulem com desafios e superaes de seus limites.

    Essas emoes baseadas no risco fictcio, provocado, calculado e imaginrio so caractersticas tpicas das A.F.A. e mexem com o simbolismo da maioria das pessoas,

    envolvendo-as.

    O smbolo se apresenta com um valor existencial. Ele sempre visa realidade ou

    a situao que determina a existncia humana. Revela uma particularidade do

    real que no evidente na experincia imediata, captada pelos sentidos fsicos.

    Sua principal caracterstica a multivalncia, articulando as realidades heterognias num conjunto, integrando-se num sistema que gira ao redor de um centro: a integridade do homem. (COSTA, 2000, p. 4)

    Se o que queremos formar um cidado ntegro, devemos novamente questionar: por que privar jovens adolescentes das Atividades Fsicas de Aventura? Essas atividades multivalentes por natureza, claramente simblicas, que se alinham com o gosto dos adolescentes, principalmente para os das sries finais da Educao Bsica, j deveriam fazer parte do currculo comum nas escolas de formao superior h muito tempo e

    presentes no ensino regular. Diversos setores da sociedade j aderiram s A.F.A. ou se deixaram influenciar por essa realidade, que ocupa, por exemplo, a vestimenta e a moda

    dessa faixa etria adolescente e adulta-jovem. A rea escolar da Educao Fsica tem sido de uma morosidade exemplar quando se trata de incorporar novidades e descobertas da Cultura Corporal de Movimento.

    Ao contrrio, os turismlogos, como j foi visto, perceberam h muitos anos ser as Atividades Fsicas de Aventura uma rea emergente e passaram a explor-la, com todos os seus tentculos. Podemos ter uma idia dessa organizao conhecendo uma das associaes vinculadas aos rgos que dirigem o turismo no pas, a Associao Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura, a A.B.E.T.A. (ABETA, 2007). Uma opo para grande parcela da populao so viagens de finais de semana ou de frias, enfim o turismo. Essa indstria movimenta bilhes anualmente no

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    Brasil e no mundo e, segundo dados do Ministrio do Turismo, pode estar influenciando a rea de Educao Fsica.

    A oferta de negcios desse segmento contabiliza, aproximadamente, 2.039 empresas e instituies atuantes no mercado brasileiro, no qual as atividades de

    caminhada, arvorismo, cachoeirismo e canionismo aparecem com destaque como as mais oferecidas pelas empresas. Nesse panorama, esse tipo de turismo

    apresenta possibilidades de criao e ampliao de negcios de modo contnuo e

    rpido para, de forma ordenada, sistmica e sustentvel, atender ao mercado

    domstico e internacional. (BRASIL, 2006, p. 35)

    Esse dado passa a ser mais significativo quando pensamos em quais so os responsveis pelas prticas corporais dessas atividades de aventura. Ser que so os profissionais da rea de Educao Fsica? Essa uma discusso cabvel nas aulas de Ensino Mdio, pensando no aluno, como futuro cidado, quando for escolher uma empresa de turismo de aventura para a prtica de alguma modalidade. discusso de extrema importncia para a rea de Educao Fsica, pois entraria no mbito do objeto de estudo da rea, em contrapartida com o uso dessas prticas corporais pelos turismlogos, porm no aprofundaremos esta questo, devido aos objetivos deste estudo.

    E no somente empresas tursticas que esto ganhando com as Atividades Fsicas de Aventura, cidades como Brotas, Socorro, Salespolis, e outras (s citando o Estado de So Paulo), antes com economia baseada na agricultura, hoje com empresas bem estruturadas em diversas modalidades do ramo de aventuras, atraem milhares de adeptos, iniciantes ou experientes nessas prticas, gerando receitas significativas e mo de obra para seus municpios.

    Nosso pas privilegiado quando nos referimos natureza. O Brasil possui geografia e clima propcios para a maioria das atividades relacionadas aventura. A imensido do litoral, as montanhas, rios, cavernas e, inclusive, facilidades urbanas favorecem imensamente a prtica dos Esportes de Aventura. A populao escolar desses locais deveria ter acesso a informaes sobre essas prticas e o contexto delas na regio em que vivem.

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    Podemos justificar a incluso das A.F.A. na escola por meio de vrias de suas modalidades. Possumos, por exemplo, milhes de praticantes de esportes com prancha. Somente na modalidade skate, segundo pesquisa realizada em setembro de 2006 pela Datafolha, e presente no site da Confederao Brasileira de Skate, h quase 3.200.000 domiclios brasileiros que possuem pelo menos um morador que tem um skate,

    aproximadamente 6% dos domiclios brasileiros conforme o IBGE, portanto, so mais de trs milhes de praticantes e milhares de competidores, sendo alguns deles campees mundiais recentemente (CBSK, 2007). Alm disso, esses equipamentos se popularizam a cada dia, facilitando seu acesso pelas diversas camadas sociais.

    O skate praticado eminentemente no meio urbano, mostrando a simbiose

    de ambientes onde as A.F.A. podem estar presentes, podendo ser praticado tanto por profissionais super equipados, como por amadores leigos e iniciantes. Portanto, um contedo possvel de ser includo na escola e pela Educao Fsica.

    Outra modalidade de prancha o surfe que, no Brasil, possui um nmero de praticantes parecido com o dos skatistas, mais de dois milhes (MBA, 2007), e com o privilgio nacional dos mais de oito mil quilmetros de um propcio litoral para a prtica desse esporte e de muitos outros em ambientes aquticos e prazerosos.

    Falamos de uso das A.F.A. no tempo livre, na recreao e no contexto do

    lazer, e tambm como prtica esportiva, ento temos que fazer referncias dessas prticas com o prazer, com bem estar, pois isso que procuram seus praticantes. esperado que algum escolha para fazer recreativamente em seu tempo livre uma atividade de deleite, que encante, com a qual possa gozar de distrao e fuga do cotidiano, mesmo tendo situaes de medo como atrativos e desafios. Nesse sentido, foram feitos estudos para saber sobre o porqu da procura das A.F.A como lazer, recreao e uso do tempo livre.

    Tahara e Schwartz (2003), numa pesquisa de campo, estudaram quais as principais atividades de aventura na natureza, usufrudas no mbito do lazer, bem como, procuraram identificar os motivos de aderncia, interesses da populao e freqncia semanal de prtica, em relao a tais manifestaes. Eles concluram que:

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    A busca pelo prazer, pela emoo e pela aventura podem representar

    importantes elementos potenciais na perspectiva de alteraes de atitudes e

    valores, caractersticas fundamentais ligadas ao hbito destas prticas, capazes de

    interferir na perspectiva de mudanas de estilos almejada no mundo contemporneo. (TAHARA; SCHWARTZ, 2003, s/p.)

    Os dados do estudo anterior foram obtidos por intermdio de um questionrio, o qual foi aplicado a uma amostra constituda por 25 adeptos dos diversos tipos de atividades em integrao com o meio natural, com idades variando entre 25 e 55 anos, de ambos os sexos. Escolhemos uma das questes para anlise:

    - Quais seus principais interesses na prtica das atividades de aventura na natureza?

    figura 1: (TAHARA; SCHWARTZ, 2003)

    Entendemos que, independente das divises do grfico anteriormente citado, todos os adeptos avaliados praticam as A.F.A. para seu prprio deleite, na busca do bem estar. Quase metade dos entrevistados busca a melhoria da qualidade de vida, ou seja, quem quer melhorar a qualidade de vida, logicamente, quer ter mais prazer. Somente sado-

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    masoquistas gostariam de experimentar novos desejos/emoes ruins, o que no parece ser caractersticas do pblico que procura atividades na natureza. Mesmo tendo a presena do medo em vrias situaes de aventura, este no parece ser uma emoo negativa,mas sim

    um fator motivador para estas prticas. Portanto, 25% querem novos desejos/emoes prazerosas e assim em diante. Todos em busca da felicidade.

    Segundo Csikszentmihalyi (1992) prazer a sensao agradvel que vem da satisfao de necessidades fisiolgicas e felicidade a sensao agradvel no oriunda das necessidades fisiolgicas, possvel de ser alcanada intencionalmente. Sabemos que

    possvel, s pessoas, estarem felizes no seu dia-a-dia, mas a ida para a natureza, numa fuga do cotidiano, pode, no mnimo, servir de incremento para suas vidas, animar, entusiasmar o

    desenvolvimento pessoal. Mas tambm pode servir de mudana de valores. Schwartz (2002) ainda constatou, utilizando trabalhos de Feixa (1995) e Teruya (2000), que os praticantes de A.F.A. encontram maior presena de estmulos e sensaes de prazer nas modalidades na natureza do que nasatividades esportivas convencionais.

    Com os dados obtidos em suas pesquisas, Schwartz (2002), concluiu que pessoas que buscam modalidades de aventura na natureza, procuram vivncias mais espontneas e significativas, numa fuga da rotina estressante e do caos urbano, intermediando a integrao entre necessidade e prazer, ou seja, querem melhorar a qualidade de vida.

    Em suma, entre a popularidade de algumas modalidades esportivas, o prazer

    e as horas de lazer, so muitas as razes para incluirmos as A.F.A. na escola. Dentre as j citadas, e outras no abordadas, destacamos as seguintes:

    - alinhar da Educao Fsica com as propostas de preservao ambiental; - expor um contedo pouco explorado na escola, mas bem difundido pela

    mdia e presente na sociedade; - tornar as aulas mais interessantes, haja vista a situao atual das aulas de

    Educao Fsica na escola; - ampliar a possibilidade de trabalho dos cinco eixos pedaggicos

    preconizados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (DCNEM,

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    BRASIL, 1998): Identidade, Diversidade, Autonomia, Interdisciplinaridade e Contextualizao;

    - tratar valores relacionados Cultura Corporal de Movimento, tais como:

    respeito s diferenas e limites do outro, cooperao, desenvolvimento de diversas habilidades motoras, superao dos prprios limites, entre outros.

    Trabalhar as A.F.A. na escola, no mnimo ampliar o leque cultural do futuro adulto, aumentando o poder de escolha sobre o que fazer nos momentos de lazer, do uso do cio, do tempo livre, podendo, inclusive, escolher modalidades como prtica

    esportiva.

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    Bom dia, natureza Pulmo da terra me Portal da cor, futuro Cada nascer do sol Carinho, companheiro como se a paz Cobrisse o mundo inteiro Terra, gua, fogo e ar Quero o sabor, o som Quero tocar, viso Cheiro de vida E um mar de geraes (...) (Ricardo Silveira/Milton Nascimento)

    2.3- QUAIS SO E COMO SO DIVIDIDAS AS ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA

    Parece-nos que a diviso das A.F.A. encontrou um ponto de confluncia na

    grande maioria das publicaes acadmicas, por parte dos praticantes das diversas modalidades e na mdia. Se juntssemos todas as modalidades de Atividades Fsicas de Aventura e fossemos classific-las, como faramos? Que critrios utilizaramos?

    H vrias possibilidades de agrupamento, tais como: tipo de impacto no meio ambiente; caractersticas motoras envolvidas; nveis de perigo; tipos e quantidades de equipamentos, tipo de energia envolvida, entre outras. Cada classificao, certamente deixar de contemplar algum aspecto especfico, devido enorme quantidade de modalidades e suas especificidades. Aparentemente, os espanhis escolheram um modelo

    que facilitou a categorizao dessas dezenas de modalidades. Segundo afirma Betrn (in MARINHO; BRUHNS, 2003), a escolha da classificao utilizada na Catalunha, e posteriormente na maioria das publicaes no Brasil, foi a seguinte:

    Partiu-se da lgica aristotlica que assinalava os trs grandes meios, terra, gua e ar, como a origem de todas as coisas; as diversas ramificaes que derivam

    desses trs meios fsicos se distinguem claramente e sua classificao lgica

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    permite uma classificao til (BETRAN in MARINHO; BRUHNS,2003, p.175).

    Concordamos com a utilidade dessa categorizao, pois, ao selecionarmos

    diversas modalidades das A.F.A. foi possvel enquadr-las nesse modelo com grande clareza, principalmente no momento de localiz-las em aula para os adolescentes. Poderamos, ainda, viajar no simbolismo alqumico8 e colocar o quarto elemento presente nas A.F.A, o fogo, representando as emoes de quem experimenta a prtica de modalidades tpicas e sente a adrenalina queimar o corpo antes, durante e aps as

    vivncias.

    As inmeras modalidades de aventura poderiam estar assim divididas: Modalidades Terrestres: trekking (ou caminhada), escalada, skatismo, esqui,

    tren, mountain bike (pedalar em trilhas), caving ou espeleologia (explorao de cavernas). Modalidades Aquticas: canoagem, rafting (descida de corredeiras em bote

    inflvel), canyoning (explorao de um rio ou cnion), mergulho, cascading (descida de cachoeiras), surfe, windsurfe (prancha a vela), kitesurf (surfista preso com sua prancha a uma espcie de pipa).

    Modalidades Areas: pra-quedismo, bungee jump (salto de uma plataforma preso por cordas elsticas), rope swing (salto pendular preso por corda), asa delta, balonismo, Paragliding ou parapente (aeroplano, semelhante ao pra-queda, possvel de se controlar sua ascendncia e direo).

    Esses exemplos de algumas modalidades das A.F.A. e sua classificao nos do uma dimenso das possibilidades e amplitude desse contedo. Deixamos de lado, nos exemplos acima, as A.F.A. motorizados, ou com algum artefato mecnico, por julgarmos no serem adequados para uma abordagem escolar. Porm, devemos frisar que, apesar das questes ambientais e da deteriorizao dos locais, conseqente das prticas dessas

    8Alquimia uma tradio antiga que combina elementos de qumica, fsica, astrologia, arte, metalurgia, medicina, misticismo, e religio. proquimica.iqm.unicamp.br/alquimia, acesso em maio de 2007. A palavra Alquimia vem do rabe, Al-Khemy, que quer dizer "a qumica". Sua origem perde-se no tempo, apenas sabemos que existiram alquimistas na China milenar, bem como na ndia. Mas para ns ocidentais, o bero da alquimia o Egito. A alquimia baseada na crena de que h quatro elementos bsicos - fogo, ar, terra e gua e trs essenciais: sal, enxofre e mercrio. (NICOLOSI, 2008)

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    modalidades, elas pertencem ao universo das A.F.A. e podem ser classificadas nos mesmos protocolos das outras modalidades. Portanto, jipes 4X4 e outros off roads (veculos fora de estrada - terrestres), lanchas e jetsky (espcie de moto aqutica), ultraleves e asas deltas motorizadas (entre outras modalidades areas) podem ser abordadas da mesma forma por outros tipos de estudo.

    Existem outras modalidades de A.F.A. no exemplificadas aqui, mas que normalmente derivam dos modelos citados acima, porm existe uma modalidade especfica que engloba vrias outras. Trata-se da Corrida de Aventura, competio multidisciplinar

    que h quase duas dcadas vem crescendo muito no mundo todo e no Brasil, contando com calendrio anual de vrios eventos e provas espalhadas por todas as regies do pas e do

    mundo. Podemos encontrar diversas modalidades nessas provas, mas as mais comuns so trekking9, orientao, mountain bike, canoagem e tcnicas verticais, principalmente o Rapel (descida de penhascos preso numa corda) e Tirolesa (travessia de um ponto a outro pendurado em um cabo) em trajetos que variam de dezenas a centenas de quilmetros. Normalmente, so realizadas em locais de natureza bem preservada e ambiente rstico.

    Existe outra modalidade que tem ajudado muito a difundir as A.F.A no Brasil, pois famlias inteiras podem pratic-la juntas e sua montagem no apresenta grandes dificuldades nem locais de difcil acesso. Trata-se do Arvorismo, ou Arborismo, que a

    travessia entre plataformas montadas no alto das copas das rvores, onde os praticantes percorrem um trajeto suspenso, ultrapassando diferentes tipos de obstculos, como escadas, pontes suspensas, tirolesas e outras atividades que podem ser criadas. Alm de rvores, postes tambm podem servir de base para a prtica do esporte (PEREIRA, 2007).

    Enfatizamos essas duas ltimas modalidades por estarem aparecendo em parques temticos, hotis e vrios meios de divulgao ultimamente e por julgarmos que podem ser absorvidas pelo meio escolar.

    9 Difcil saber quando o trekking teve origem, uma vez que as caminhadas esto ligadas a histria do

    homem seja nas conquistas, como na busca de conhecimento de novos lugares. A palavra tem origem na frica do Sul pelo povo branco de origem holandesa nascidos na frica, que viajava meses a p, carregando seus pertences. O verbo trekken significa migrar com o significado de sofrimento e resistncia fsica. Com a chegada dos colonizadores a palavra foi aproveitada, no EUA ainda encontramos termos como backpacking e hiking (ROCHA, 2008)

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    Se as coisas so inatingveis... ora! No motivo para no quer-las... Que tristes os caminhos, se no fora A presena distante das estrelas! (Mrio Quintana)

    2.4- O QUE E COMO ENSINAR AS ATIVIDADES FSICAS DE AVENTURA NA ESCOLA

    Este captulo tem a inteno de discutir o que pode ser ensinado de A.F.A. na escola e como faz-lo. Fornecemos sugestes a partir de experincias vivenciadas na prtica e idias, que nem sempre serviro para a realidade do dia-a-dia do professor, em qualquer instituio, mas talvez um modelo a se adaptar numa determinada escola, para um determinado grupo ou gerao. Nossa experincia, fortificada pelos apontamentos de Darido; Rangel (2005) mostra que o mesmo contedo, na mesma escola, para a mesma srie, nem sempre recebido do mesmo modo, nem com a mesma vibrao e intensidade de um grupo para outro, de classe para classe ou de ano para ano. Cabe a ns, professores, adaptarmos, modificarmos nossa prtica, seqncias

    ou at contedos, para podermos atingir nossos alunos e nossos objetivos. Entendemos que, desse ponto de vista, devemos pensar num ensino reflexivo no qual (...) o professor reflete o tempo todo sobre suas aes, construindo e comparando novas estratgias de ao, novas frmulas de pesquisa, novas teorias e categorias de compreenso, novos modos de enfrentar e definir os problemas... (PEREZ-GOMEZ, apud DARIDO; RANGEL, 2005, p. 105).

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    Desde a LDB/96 a Educao brasileira ganhou um novo rumo, quando se trata de contedos e sua classificao. Os PCNs, Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, 1998, 1999 e 2002), apesar de inmeras crticas de vrios segmentos educacionais, vieram colaborar com as mudanas, nos orientando frente a essa classificao. Segundo essa abordagem, categorizou-se o contedo da Educao Fsica

    Escolar em: jogos, esportes, danas, ginsticas, lutas e conhecimentos sobre o corpo. Em nossa viso, qualquer novo contedo pode se adaptar a essa classificao e tambm s trs dimenses propostas pelos PCNs, defendidas, inclusive, por Darido; Rangel (2005), que so Conceituais, Procedimentais e Atitudinais. As autoras defendem que, na prtica docente, no haja a diviso dos contedos em uma ou outra dimenso, podendo haver nfase, por exemplo, na dimenso conceitual, sem excluir as outras.

    Acreditamos que as A.F.A. tambm podem ser tratadas, considerando essa classificao das trs dimenses dos contedos, pois segundo Cesar Coll.

    (...) h uma reivindicao freqente de que na escola sejam ensinados e aprendidos outros conhecimentos considerados to ou mais importantes do que fatos e conceitos, como, por exemplo, certas estratgias ou habilidades para

    resolver problemas, selecionar a informao pertinente em uma determinada

    situao ou utilizar os conhecimentos disponveis para enfrentar situaes novas

    ou inesperadas, ou, ainda, saber trabalhar em equipe, mostrar-se solidrio com os

    colegas, respeitar e valorizar o trabalho dos outros ou no discriminar as pessoas

    por motivos de gnero, idade ou outro tipo de caractersticas individuais. (COLL, apud DARIDO; RANGEL, 2005, p. 66)

    Essas situaes so tpicas na maioria das aulas de Educao Fsica. Assim, os contedos das A.F.A. na dimenso procedimental10 se encaixam perfeitamente s

    necessidades das aulas da Educao Fsica escolar, dimenso esta mais tradicional na prtica dos docentes da rea, portanto, mais fcil de os professores incorporarem.

    10 Segundo Darido; Rangel (2005), a Educao Fsica, ao longo de sua histria, priorizou quase que

    exclusivamente a dimenso procedimental nas aulas, relegando a dimenso atitudinal e, principalmente, a dimenso conceitual a um plano fora do dia-a-dia da escola e do fazer pedaggico do docente (DARIDO; RANGEL, 2005, p.67).

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    A dimenso conceitual no trabalho das A.F.A. ultrapassa o simples conhecimento das tcnicas e do uso dos equipamentos dessa ou daquela modalidade, avanando, como j visto, nas discusses da autonomia no lazer e no uso do cio; nas discusses das prticas inerentes preservao ambiental; nas transformaes dos hbitos de vida em funo das novas tecnologias; na influncia da mdia no conhecimento e prtica

    de uma determinada modalidade, entre outras discusses atuais. J a dimenso atitudinal no trato do contedo A.F.A. ganha adereos

    requintados, pois, na maioria de suas modalidades, inerente a cooperao e a interao

    dos praticantes; a resoluo de problemas por meio do dilogo e do respeito s diferenas; mas, sobretudo, na superao de limites individuais e do grupo, tornando a aplicao desse

    contedo nas aulas um fator educativo importante e um marco na atuao profissional do docente.

    O professor no deve ser somente um dador de aulas, um reprodutor de um sistema que d certo h dcadas e acomodar sua prtica. Ainda mais nos dias de hoje, com mudanas a cada segundo de Internet. O convencimento sobre o diretor para insero de uma nova prtica deve ser feito sem desgastes, porm, no h como no assumir os perigos que atividades esportivas tm. Costumamos dizer que futebol e basquete podem machucar muito mais que montanhismo, defesa pessoal, ginstica acrobtica, etc. e quase

    toda escola utiliza futebol e basquete. Mas a mesma contuso numa atividade nova, fora dos padres, pode pesar mais do que nas tradicionais.

    No incio, os novos desafios tm seu peso total somente sobre as costas do desafiante, no caso ns, professores. Depois que tudo deu certo muitos se perfilaro para receber as glrias, mas somente os pioneiros puderam contemplar a beleza do descobrimento e desfrutar do ineditismo.

    Um fato importante que tudo que novo ou diferente assusta, principalmente, e normalmente, nossos chefes, sejam coordenadores ou diretores, pois no conseguem enxergar as atividades como ns da rea. E mesmo que enxerguem, tm responsabilidades pesadas perante os pais e supervisores. Por isso o professor deve ter

    firmeza naquilo que pretende. Deve embasar seus objetivos, cercar de segurana, assumir os riscos, comunicar a chefia e fazer. Mas nunca, NUNCA, deixar de ousar.

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    Pensando tudo isso, resolvemos, quando do incio da proposta de incluir A.F.A. nas aulas do Ensino Mdio de uma escola privada de Campinas, SP, nos idos de 1994/95, preparar a comunidade, utilizando vrias estratgias, desde cartas e circulares aos pais e explanaes aos alunos, at e so ideais apresentaes em eventos (contextualizao) e trabalhos interdisciplinares (FRANCO, 2006, b). No caso do contedo montanhismo, aplicado no Ensino Mdio, foram apresentados exemplos de tcnicas verticais coreografadas nas aberturas das olimpadas da escola e nas apresentaes das festas juninas, bem como, em trabalhos interdisciplinares nas feiras de cincias (culturais) e nos estudos de campo da Educao Fsica.

    Com certeza, os alunos e a comunidade escolar obtiveram, assim, uma

    dimenso mais ampla desse contedo. Tivemos apoio da direo da escola e de vrios colegas para o incio dessas atividades. Mas, conhecendo a realidade de nosso sistema escolar, sabemos que nem sempre isso ser possvel dessa forma. O importante que o aluno e toda a comunidade escolar consigam enxergar a extenso dessas prticas, alm de sua simples vivncia.

    Daremos um exemplo de introduo dos A.F.A. na escola utilizando nossa experincia e o ocorrido nas escolas em que atuamos, mas sempre bom frisarmos que, como j citado, esse exemplo pode no servir para este ou aquele estabelecimento de ensino. A realidade de cada cidade, de cada bairro ou unidade de ensino tem suas peculiaridades e devemos respeit-las, so pais diferentes, alunos diferentes, professores,

    etc.

    Com todos esses anos de trabalho com A.F.A. sedimentado nessa referida escola (desde 1994), principalmente com o Ensino Mdio, pudemos selecionar atividades que tm grande chance de dar certo na maioria das instituies de ensino e, tambm, um formato de aula com procedimentos que deixam os contedos bem significativos para assimilao do corpo discente. A seguir faremos referncia a esses procedimentos e atividades, sem a preocupao da citao de fontes bibliogrficas conceituais de origem desse ou daquele procedimento, por priorizar a essncia desse captulo: como e o que

    ensinar das A.F.A. e um fazer pedaggico oriundo de uma prtica emprica j implementada e avaliada.

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    Numa matriz histrica, devemos localizar para os nossos alunos que a superao de obstculos naturais forou o homem a criar tcnicas e equipamentos para esses fins. De uma forma simples podemos mostrar aos estudantes que, se nos primrdios

    das civilizaes era por uma questo de necessidade, busca de alimentos, vida nmade ou conquista de territrios, passando, no decorrer da histria, pelas guerras, pelas expanses

    religiosas, por rotas comerciais, por exploradores ou outros motivos, essas manifestaes serviram de base para as aventuras de hoje, sejam de conquistadores de verdade, competidores esportivos ou aventureiros de final de semana.

    Uma das estratgias que usamos, e quase sempre d certo, iniciar uma discusso com os alunos sobre esportes alternativos, esportes e atividades diferentes das

    tradicionais que eles mesmos esto acostumados a realizar fora do mbito escolar. A riqueza de informaes que alguns alunos trazem como parte de sua cultura corporal, ou de terem visto ou ouvido falar de uma das modalidades, podem surpreender e criar um corpo de conhecimentos antes no imaginado e que se adapte na escola com sucesso.

    Questionamos os alunos sobre o que sabem sobre Esportes de Aventura e realizamos um levantamento das modalidades conhecidas dos alunos. Nesse momento podemos discutir a nomenclatura e question-los como poderamos classificar as A.F.A. e, aps breve discusso, apresentar aquela escolhida por ns. Perguntamos, tambm, como e

    quando devem ter surgido essas modalidades, tentando estabelecer uma rpida linha do tempo e a situao histrica do momento, sem a necessidade de maiores aprofundamentos.

    O importante o aluno ter uma noo da essncia da formao desse contedo para entender o contexto de uma posterior prtica. Em seguida apresentamos todo o contedo sobre A.F.A. que trabalharemos.

    No caso do Ensino Mdio dessa escola, onde trabalhvamos modalidades presentes no Montanhismo11, o contedo foi definido, no decorrer dos dois primeiros anos, com o nome personalizado de Montanhismo Selvagem, cuja definio levantada pelos

    11 : O montanhismo pode ser definido como a ascenso de montanhas por caminhada ou escalada. Faz parte

    de um conjunto de atividades bastante amplo, denominado excursionismo. Devido ao fato do montanhismo ter-se iniciado nos Alpes, recebe tambm o nome de alpinismo, denominao que se generalizou bastante, tornando-se amplamente aceita. A rigor, a palavra "alpinismo" deveria ser reservada para as atividades montanhsticas realizadas nos Alpes, assim como "andinismo" para os