Afinal, Quem São “Os Evangélicos”_ — CartaCapital

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  • 7/25/2019 Afinal, Quem So Os Evanglicos_ CartaCapital

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    Sociedade

    Eleies 2014

    Afinal, quem so os evanglicos?De tanto que se falou sobre os evanglicos nas ltimas semanas, nos jornais e nas redes sociais, talvez caibauma pergunta: afinal, quem so os evanglicos?

    Agncia Brasil e W ikimedia Commons

    Silas Malafaia e Martin Luther King: duas faces da mesma moeda?

    Homofbicos, cortejados pela presidente,

    fundamentalistas. Massa de manobra de Silas Malafaia, conservadores, determinantes no segundo turno das eleies. De tanto

    que se falou sobre os evanglicos nas ltimas semanas, nos jornais e nas redes sociais, talvez caiba uma pergunta: afinal, quem

    so os evanglicos?

    A resposta mais honesta no poderia ser mais frustrante: os evanglicos so qualquer pessoa, todo mundo, ou, mais

    especificamente, ningum. So uma abstrao, uma caricatura pintada a partir do que vemos zapeando pelos canais abertos

    misturado ao que lemos de bizarro nos tabloides da internet com o que nosso preconceito manda reforar. Dizer que o voto dos

    evanglicos decidir a eleio to estpido quanto dizer a obviedade de que 22,2% dos brasileiros decidiro a eleio. Dizer

    por Ricardo Alexandre publicado 07/09/2014 07:40, ltima modificao 09/09/2014 15:03

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    que os evanglicos so preconceituosos, significa dizer que o ser humano preconceituoso. no dizer nada, na verdade.

    Acreditar que h uma hegemonia de pensamento, de comportamento ou de doutrina evanglica , em parte, exatamente acreditar

    no que Silas Malafaia gosta de repetir, mas , em parte, desconhecer a histria. A diversidade de pensamento a razo de existir

    da reforma protestante. E continuou sendo pelos sculos seguintes, quando as igrejas reformadas do sculo 16 deram origem ao

    movimento evanglico, aos pentecostais, e estes aos neopentecostais, todos microdivididos at o limite do possvel, graas,

    novamente, diversidade de pensamento sobre forma de governo, vocao e pequenos e grandes pontos doutrinrios. E boa

    parte dessas denominaes no tem sequer organizao central nem presidncia, muito menos representantes possveis, com

    as decises sendo tomadas nas comunidades locais, por votao democrtica.

    Assim como no existe os evanglicos tambm no existe os pentecostais, nem os assembleianos: dizer que Malafaia o

    papa da Marina Silva como disse Leonardo Boff, apenas porque ambos so membros da Assemblia de Deus, ignorar que,

    por trs dos 12,3 milhes de membros detectados pelo IBGE, a denominao rachada entre ministrios Belm, Madureira,

    Santos, Bom Retiro, Ipiranga, Perus e diversos outros, cada um com seu lder, sua politicagem e sua aplicao doutrinria. A

    Assemblia de Deus Vitria em Cristo de Malafaia, alis, sequer pertence Conveno Geral das Assembleias de Deus no Brasil.

    Ignorncia parecida se manifesta em relao ao uso do termo fundamentalista, como sinnimo de literalista, aquele incapaz demetaforizar as verdades morais dos livros da Bblia. A teologia crist debate h dois mil anos sobre a observao, interpretao e

    aplicao dos escritos sagrados, quais so alegricos e quais so histricos, quais so poesias e quais devem ser tomados ao

    p da letra. O deputado Jean Wyllys, colunista da Carta Capital, do alto de alguma autoridade teolgica presumida, j chegou

    sua concluso: o que no for leitura liberal, fundamentalista e, portanto, uma ameaa s minorias oprimidas. (Liberalismo

    teolgico uma corrente do final do sculo 19 que props uma leitura crtica das escrituras, completamente alegorizada, negando

    sua autoridade sobrenatural, a existncia dos milagres, e separando histria e teologia).

    S que isso simplesmente no verdade. Dentro da multifacetao das igrejas de tradio evanglicas, h as chamadas

    inclusivas, mas h diversas igrejas histricas, tradicionais, teologicamente ortodoxas, que acreditam nos absolutos da sola

    scriptura da Reforma Protestante, mas que tm poltica acolhedora e amorosa com as minorias. Algumas criaram pastorais para

    tratar da questo homossexual, outras trabalham para integr-los em seus quadros leigos; ou, ainda, como disse o pastor batista

    Ed Ren Kivitz, esto mais dispostos a aprender como tratar uma pessoa que est diante de mim dizendo ter sido rejeitado pela

    famlia, pela igreja do que discutir a literalidade dos textos do Velho Testamento.

    O panorama da questo pode ser melhor entendido em Entre a cruz e o arco-ris: A complexa relao dos cristos com a

    Homoafetividade(de Marlia de Camargo Csar, da Editora Autntica), livro que tive a honra de editar. Nele, o pastor batista e

    socilogo americano Tony Campolo, ex-conselheiro do presidente Bill Clinton, diz: Se voc vai dizer comunidade homossexual

    que em nome de Jesus voc a ama (...) no teria que lutar por polticas pblicas que demonstrem que voc as ama? Pode haver

    amor sem justia? Eu luto pela justia em favor de gays e lsbicas, porque em nome de Jesus Cristo eu os amo. Campolo,

    entretanto, faz distino entre direitos e casamento: O governo no deve se envolver nem declarar, de forma alguma, o que

    casamento, quem pode ou no se casar, ele disse. Governo existe para garantir os direitos das pessoas. Casamento um

    sacramento da igreja governos no devem decidir quem deve ou no receber esse sacramento. Campolo acredita que esta

    ser a viso dominante entre cristos americanos em cinco ou seis anos.

    Entre os evanglicos brasileiros, h quem pense desde j como Campolo distinguindo unio civil de casamento. H quem pense

    de forma ainda mais radical: que a unio civil, com implicaes patrimoniais e status de famlia, deveria valer no apenas para

    casais homossexuais, mas para irmos, primos ou quem quer que se entenda como famlia. H quem defenda o acolhimento dos

    gays nas igrejas, mas que se reserve o celibato para eles. Quem, embora sabendo que mais da metade das famlias brasileiras jno so no formato pai-me-filhos, ainda luta para restabelecer esse padro idealizado. H, sim, quem acredite que o seu

    conjunto de doutrinas e o seu modo de vida so fundamentais. H aqueles ainda que, enquanto discutimos aqui, esto mais

    preocupados se a melhor traduo do grego a Joo Ferreira de Almeida ou a Nova Verso Internacional. E h quem acorde

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    diariamente acreditando ser o porta-voz do povo de Deus, pague espao em redes de televiso para multiplicar esse delrio

    (mas, a julgar pelo 1% de inteno de voto do Pastor Everaldo, somente ativistas gays e jornalistas desmotivados acreditam

    nesse discurso). Esses so os evanglicos.

    Na fatdica sexta-feira em que o PSB divulgou seu programa de governo, enquanto Malafaia gritava no Twitter em CAPSLOCK

    furibundo, o pastor presbiteriano Marcos Botelho, postou: Marina, que bom que vc recebeu os lderes do movimento LGBTs,

    receba as reivindicaes com a tua coerncia e discernimento de sempre e um compromisso com o estado laico que sua

    bandeira. Vamos colocar uma pedra em cima dessa polarizao ridcula entre gays e evanglicos que s da IBOPE para lderes

    polticos e pastores oportunistas.

    Botelho no representa os evanglicos porque no existe os evanglicos. Mas Marcos Botelho existe e evanglico. Assim

    como existe William Lane Craig, o filsofo que convida periodicamente Richard Dawkins para um debate pblico, do qual este

    sempre se esquiva; existe o geneticista Francis Collins vencendo o William Award da Sociedade Americana de Gentica Humana;

    existe o presidente Jimmy Carter, dando aula na escola bblica no domingo e sendo entrevistado para a capa da Rolling Stone por

    Hunter Thompson na segunda-feira; existe o pastor congregacional ingls John Harvard tirando dinheiro do prprio bolso para

    fundar uma universidade para a glria de Deus nos Estados Unidos que leva seu sobrenome at hoje; existe o pastor batista

    Martin Luther King como o maior ativista de todos os tempos; existe o jovem paulista Marco Gomes, o melhor profissional demarketing do mundo, pedindo licena para falar uma coisa sobre os evanglicos. E existe o Feliciano, o Edir Macedo, a Aline

    Barros, o Thalles Roberto, o Silas Malafaia e o mercado gospel. Como existe bancada evanglica, mas existem os que lutaram

    pela separao entre igreja e estado na constituio, e existem os que acreditam que levar Jesus Cristo para a poltica

    trabalhar no para si, mas para os menos favorecidos.

    Existe o amor e existe a justia, como existe o preconceito, o dogmatismo, o engano, o medo, a vaidade e a corrupo. No

    porque somos evanglicos, mas porque somos humanos.

    * Ricardo Alexandre jornalista e escritor, radialista e blogueiro, Prmio Jabuti 2010, ex-diretor de redao das revistas Bizz, poca So Pauloe Trip. E membro da Igreja Batista gua Viva em Vinhedo, interior de So Paulo.

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