AÇÃO CULTURAL OU PROFISSIONALIZAÇÃO? · 2013-03-14 · Bolshoi no Brasil, como instituição...

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1 VANESSA GOMES SENNA DE ANDRADE AÇÃO CULTURAL OU PROFISSIONALIZAÇÃO? A IDENTIDADE DA ESCOLA DO TEATRO BOLSHOI NO BRASIL Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Curso de Pós-Graduação em Artes Área de Concentração: Artes Cênicas São Paulo, 2006

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VANESSA GOMES SENNA DE ANDRADE

AÇÃO CULTURAL OU PROFISSIONALIZAÇÃO? A IDENTIDADE DA ESCOLA DO TEATRO BOLSHOI NO BRASIL

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Curso de Pós-Graduação em Artes

Área de Concentração: Artes Cênicas

São Paulo, 2006

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VANESSA GOMES SENNA DE ANDRADE

AÇÃO CULTURAL OU PROFISSIONALIZAÇÃO? A IDENTIDADE DA ESCOLA DO TEATRO BOLSHOI NO BRASIL

Dissertação apresentada para o Programa

de Pós-Graduação em Artes para

obtenção título de Mestre, sob a

orientação da Profª Dra. Maria Lúcia de

S. B. Pupo.

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Curso de Pós-Graduação em Artes

Área de Concentração: Artes Cênicas

São Paulo, 2006

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COMISSÃO JULGADORA

______________________________

Prof.(a) Dr.(a)

______________________________

Prof.(a) Dr.(a)

______________________________

Prof.(a) Dr.(a)

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RESUMO

O presente trabalho propõe analisar a inserção da primeira e única filial da Escola do Teatro

Bolshoi no Brasil, como instituição filantrópica, sob os aspectos: profissionalização e ação

cultural, buscando verificar se é possível aliar duas identidades de processos tão distintos em

sua operação.

Tomamos como objeto as propostas de ação cultural e os cursos de formação

profissionalizante em dança oferecidos pela Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, levando em

conta a ação social que é o elo condutor das atividades da mesma. Portanto, consideramos a

pertinência da aplicação do projeto Bolshoi ao atual conceito de terceiro setor, tendo, como

principal conseqüência, uma “adaptação” da missão e dos projetos da matriz russa de acordo

com o cenário econômico brasileiro.

Observamos que os projetos de ação cultural, aliados à ação social na Escola do Teatro

Bolshoi do Brasil, “mascaram” um determinado processo de profissionalização de bailarinos

que é a missão original da sede do Bolshoi em Moscou, garantindo desta forma, os recursos

necessários à sua permanência e “sobrevivência financeira” no contexto do Brasil.

Palavras–chaves: ação cultural; profissionalização; ação social; metodologia; balé clássico;

disciplina; seleção, filantropia.

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ABSTRACT

This work aims to look into the first and only branch of the Bolshoi Theatre School in Brazil

as a philantropic organization, according to the aspects of its profissionalism and cultural

action. The purpose is to investigate the procedures taken by the School in order to allow it to

link two aspects so different concerning their effectiveness.

The heart of matter are two: the opportunities in cultural action and the dancing graduating

course offered by the School in Brazil, taking into account what is the main purpose of the

School - its social action. Therefore, we shall consider whether it is possible for the School to

be part of the so-called Third Sector, which means the adaptation of the purposes and goals of

the Russian Bolshoi School to Brazilian social and economical situation.

Eventually, we shall realize that not only the cultural action but also the social action of the

School “disguise” some process of making the ballet dancers actual professionals. This is the

original goal of the School in Moscow, which allows its branch to survive and remain in

Brazil.

Key-words: cultural action, professionalism, social action, methodology, classical ballet,

discipline, audiction, philanthropy.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus em primeiro lugar, pois esteve presente em todo o tempo

me dando forças para persistir.

Agradeço à minha querida orientadora, professora Dra. Maria Lúcia Pupo,

por aceitar me orientar em circunstâncias tão adversas e por representar um

verdadeiro “jequitibá”, excelente educadora que me direcionou e renovou minha

esperança, não permitindo que eu desanimasse.

Agradeço ao coordenador de área, professor Dr. Luiz Fernando Ramos

pelo apoio na difícil ocasião do falecimento do meu antigo orientador. Por

realmente pleitear minha causa e me respaldar.

Agradeço ao meu antigo orientador professor Dr. Hamilton Figueiredo

Saraiva (in memorian) pelo tempo de dedicação a este trabalho mesmo em tão

frágil estado de saúde.

Agradeço à minha família:

À minha mãe, Tânia, por me compreender e me apoiar e abrir mão de

muitas coisas para que eu pudesse vencer. Por não permitir que eu desistisse e

acreditando sempre em mim.

Ao meu pai, José Roberto, por me compreender e me apoiar (mesmo sem

concordar com meu direcionamento profissional) e por ser meu referencial de

integridade.

À minha irmã, Katherine, por suportar as noites com luz acesa e

computador ligado.

Aos meus pequenos irmãos, Gabriel e Daniel, pelo carinho e amor que me

sustentaram nos momentos difíceis.

À minha tia Iracema e minha avó Hilza, por acreditarem no meu sonho,

me apoiarem e me hospedarem tão bem, cuidando de todas as minhas

necessidades básicas durante a fase de redação da dissertação, sempre me

incentivando.

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Ao meu tio Manuel, à minha tia Antônia e minha prima Paula que me

receberam tão bem, por diversas vezes, em sua casa na cidade de Joinville.

Ao meu primo Newton pela ajuda, em meio a sua vida atarefada de

professor.

Agradeço também aos meus amigos Daniela Silva, Fabianne Neves,

Andréia Moreno, Sônia Roessle, Victor Chaves, Denise Bruschi, Ana Carolina e

Adriana Moreno pelo apoio, incentivo, palavras de ânimo e orações.

Agradeço ao Sandro Rubinec por ter me ajudado com a digitalização das

imagens e à sua esposa Carla Rubinec por toda a força que me deu para concluir

este trabalho.

Aos meus novos colegas, ex-alunos e ex-professores do Bolshoi, pela

atenção e por contribuírem tão significativamente com a construção deste

trabalho, aceitando prestar entrevistas e compartilhar suas histórias.

À coordenadora do núcleo de saúde e exames classificatórios do Bolshoi,

Sylvana, a coordenadora pedagógica Silvelene e à assistente de marketing da

escola, Adriana, por me atenderem tão bem, com disposição para colaborar com

este trabalho.

Aos professores do núcleo de dança contemporânea do Bolshoi Sabrina

Lermer e Amarildo Cassiano, e às professoras de dança clássica, Carolina

Mansur e Alessandra de Assis por gentilmente me convidarem a assistir as aulas

pelo lado de dentro da sala.

A todos os alunos do Bolshoi que colaboraram com este trabalho,

repartindo suas experiências e sonhos comigo.

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Dedico este trabalho a todos que não permitiram

que eu desistisse de acreditar...

...À minha família linda: pai Beto, mãe Tânia,

Katherine, Gabriel e Daniel, tia Cema, avó Hilza!

Aos meus amados, (pequenos) grandes alunos, que

me ajudaram a despertar o sonho de construir almas

sadias e completas e me ensinaram a enxergar com a

simplicidade do olhar de uma criança. E, por

esperarem pacientemente o meu retorno às aulas.

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Os sonhos e os professores:

Professores, vocês não precisarão de sonhos para ter

eloqüência, metodologia, conhecimento lógico. Nem

precisarão de sonhos para gritar com os alunos, implorar

silêncio em sala de aula, dizer que não terão futuro se não

estudarem.

Mas precisarão de sonhos para transformar a sala de aula

num ambiente prazeroso e atraente que educa a emoção dos

seus alunos, que os retira da condição de espectadores

passivos para se tornarem atores do teatro da educação.

Precisarão de sonhos para esculpir em seus alunos a arte de

pensar antes de reagir, a cidadania, a solidariedade, para que

aprendam a extrair segurança na terra do medo, esperança

na desolação, dignidade nas perdas.

Precisarão de sonhos para serem poetas da vida e

acreditarem na educação, apesar de as sociedades modernas

a colocarem em um dos últimos lugares em suas

prioridades.

Precisarão de sonhos espetaculares para terem a convicção

de que vocês são artesãos da personalidade e saberem que

sem vocês nossa espécie não tem esperança, nossas

primaveras não têm andorinhas, nosso ar não tem oxigênio,

nossa inteligência não tem saúde.

(Nunca desista dos seus sonhos - Augusto Cury)

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ÍNDICE:

Introdução: Dupla Identidade? ................................................................................ 01

1. Instalação da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil ......................................................... 05

1.1. Estrutura física da filial brasileira ....................................................................... 09

1.2. Os Amigos do Bolshoi......................................................................................... 13

1.3. Estrutura pedagógica ........................................................................................... 17

1.4. Seleção de novos alunos...................................................................................... 27

1.4.1. Seleção natural?......................................................................................... 38

1.5. Profissionalização e a LBD para ensino médio profissionalizante........................ 44

2. Sonhos de Cinderela ......................................................................................................... 56

2.1. A primeira bailarina brasileira a dançar no Bolshoi de Moscou ........................... 58

2.2. A bailarina do Bolshoi que ganhou estágio durante as férias em casa .................. 62

2.3. Segunda brasiliense do Bolshoi a ganhar estágio no Magdeburg Ballet............... 67

2.4. Transferida para o contemporâneo após recuperação de lesão no joelho.............. 69

2.5. Dividida entre a saudade de casa e a perspectiva de um futuro melhor ................ 72

3. Ação Cultural do Bolshoi - Missão e Projetos................................................................ 77

3.1. Programas especiais de Ação cultural do Bolshoi................................................. 88

3.2. Entendendo a diferença entre “Ação cultural” e “Fabricação cultural” ................ 94

3.3. Terceiro Setor: Ação Social aliada à Ação Cultural............................................ 100

Considerações Finais: Identidade Desmascarada ............................................................. 108

Bibliografia............................................................................................................................ 112

Anexos: Cartas Timbradas, Informativos e folder do Bolshoi no Brasil ........................ 116

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DUPLA IDENTIDADE?

A intenção de investigar a identidade do Instituto Escola do teatro Bolshoi no Brasil

surgiu de nosso questionamento sobre como seria possível formar cidadãos mais conscientes

do seu papel na sociedade através do ensino rigoroso da metodologia russa do balé Bolshoi.

Através da nossa experiência, dos dois aos dezesseis anos cursando balé clássico sob o mesmo

método, Vaganova, utilizado pela escola em questão, nos foi possível detectar o rigor e as

exigências físicas requeridas por este método.

Após freqüentes visitas informais à Escola Bolshoi, na ocasião dos Festivais de

Dança de Joinville e ao ouvirmos o ex-prefeito da cidade, Luiz Henrique da Silveira,

anunciando a Instalação da Escola, na abertura do festival, parafraseando os Titãs: “A gente

não quer só comida, a gente quer comida, diversão, balé”; instigou-nos a curiosidade de

analisar a atuação da escola perante a sociedade.

Por este motivo, foram feitas diversas visitas e tentativas de contato com a escola e

com os alunos. Mas o nosso acesso à Escola do Teatro Bolshoi no Brasil foi um tanto quanto

desgastante no início, pois, apesar de nos enviarem material impresso, como o Informativo

Bolshoi Brasil e as cartas da assessoria de imprensa, o acesso às instalações da escola foi

restrito. Nos anos de 2003 e 2004 visitamos a escola, acompanhados pela monitoria, como

qualquer turista que decide conhecê-la. As entrevistas, fotos e gravações em áudio e vídeo

foram censuradas.

Após muita insistência, no ano de 2006, nos permitiram acesso às instalações da

escola para assistirmos às aulas e entrevistarmos alunos e profissionais da equipe do Bolshoi,

com gravador de áudio, embora não nos tenham permitido filmar, nem fotografar. Além disso,

nos colocaram a condição de assistir às aulas por fora da sala (através de uma pequena janela

de vidro), somente alguns professores nos convidaram para entrar e assistir pelo lado de

dentro. Ainda assim, no último dia, após uma semana inteira (06/03 à 10/03) de entrevistas e

observações, houve uma tentativa de censura às entrevistas por parte de uma funcionária da

assessoria de imprensa da escola. A funcionária informou que eu não poderia ter entrevistado

ninguém sem a presença de alguém de seu departamento e perguntou o que nós havíamos

gravado, com a intenção de confiscar o gravador e se eu tinha a intenção de publicar as

gravações. Saímos da cidade neste momento impedindo a concretização da censura.

Colocamos somente as inicias dos alunos, ex-alunos e professores que nos prestaram

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entrevista sem autorização a fim de preservá-los e o nome completo dos que foram

autorizados pela escola a conceder-nos depoimentos.

Utilizaremos a grafia balé, em português, mas quando nos referirmos aos cursos e

projetos da escola, usaremos a grafia “ballet”, em francês, que é a forma escolhida pela escola

em seu material de comunicação e divulgação.

A instalação no Brasil de uma das mais famosas escolas de dança clássica do mundo

há seis anos, causou muita expectativa aos jovens brasileiros, e até mesmo sul-americanos,

que sonhavam em dançar balé profissionalmente. Desde o primeiro ano de atividades da

escola do teatro Bolshoi em Joinville, jovens, crianças e famílias de todo o Brasil, países

vizinhos e, em alguns casos da Europa, têm se mudado para a cidade com o objetivo de

tornarem-se bailarinos profissionais com um “carimbo” do famoso Bolshoi em seus

currículos. Em muitos casos, famílias inteiras se mudaram para a cidade que abriga a escola

no estado de Santa Catarina, antes mesmo do exame seletivo, mas o candidato não conseguiu

ocupar nenhuma das vagas oferecidas pela escola.

Há também fatos de crianças que residem na cidade de Joinville, estudam na rede

pública de ensino e todos os anos se inscrevem para a seleção, porém muitas são barradas em

alguma das fases, pois a procura é muito maior do que a oferta. Não por falta de escolas de

dança em Joinville, pois além das escolas particulares de dança, a cidade possui centro

cultural que oferece aulas de dança gratuitamente e em quase todas as escolas públicas

existem oficinas e projetos de dança na área de educação física ou artística, inclusive o projeto

do governo denominado “Dançando na escola” no qual há 26 escolas participantes.

A escola é autorizada pelo MEC a oferecer formação profissional para artistas de

balé em nível médio e, também presta serviços sociais, como ONG, oferecendo bolsas de

estudos e diversos benefícios aos alunos da rede pública de Joinville e das cidades parceiras

conveniadas ao projeto. Além disso, apresenta mostras de arte e palestras à comunidade com

o objetivo de promover uma ação cultural junto à sociedade.

A seleção para ingresso na escola é extremamente competitiva chegando a ter,

anualmente, cerca de três mil crianças inscritas, dentre mais de vinte e duas mil que estudam

na rede pública, tendo capacidade de atender apenas uma média de cem destas por ano com

bolsa de estudos. Os candidatos passam por diversas etapas de exames criteriosos para chegar

à tão sonhada vaga.

O Bolshoi do Brasil ainda promove estágios em companhias profissionais do exterior

aos alunos do curso de aperfeiçoamento. Tais oportunidades, em alguns casos, acabaram

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possibilitando o ingresso destes alunos em estágios profissionais ou em empregos nestas

companhias. Fatos estes, com ampla divulgação na mídia.

Outro fato bastante interessante é que as crianças que entram para o Bolshoi

costumam definir a experiência como um “sonho” no qual projetam o futuro como se fosse

uma nova estória de “Cinderela”, em que a criança da periferia, tem a chance de tornar-se

“princesa” ou “príncipe” quando sobe aos grandes palcos para representar a nobreza nos

grandes balés. Também é bem comum a esperança de dançar em grandes companhias de balé

e viajar pelo mundo fazendo sucesso e ganhando muito dinheiro.

Na formação cultural proposta pela escola, com diversos cursos, como por exemplo,

o inglês e a música, e na oportunidade de sair da escola certificado para seguir uma carreira

profissional, sem o investimento financeiro dos pais se baseia o discurso de alunos e país de

bolsistas, muitas vezes dispostos a qualquer sacrifício (proveniente das duas partes) para que

os filhos conquistem o que a família não pode oferecer.

Em contrapartida há a missão da escola, que assume a pretensão de formar não

somente artistas, mas cidadãos, que façam diferença na sociedade. Para que se concretize esta

missão, não é suficiente apenas a formação profissional e cultural do individuo, mas um

ambiente que incentive a liberdade de expressão e propicie a construção do pensamento

reflexivo. Essas são propostas inerentes ao processo de ação cultural, mas será que podem ser

aplicadas em um ambiente que prioriza tanto o profissionalismo nos moldes russos?

Assim, a questão proposta nesta dissertação é a seguinte: como pode a Escola do

Teatro Bolshoi no Brasil possuir como suas características mais fortes e amplamente

divulgadas (tanto em seu marketing quanto pela mídia) as identidades de “ensino

profissionalizante” e de “ação cultural” simultaneamente? A ação cultural e o ensino

profissionalizante podem atuar juntos, com os mesmos objetivos e através do mesmo

processo? Afinal, qual é a missão da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil? É o que pretende

investigar o presente trabalho.

Para tanto, esta dissertação foi dividida em três capítulos. No primeiro capítulo

apresentaremos a escola, tendo por base o material de comunicação e divulgação da mesma e

os artigos referentes a ela na Internet e no jornal regional “A Notícia”; descrevemos sua

instalação no Brasil, retomando a história da matriz russa; consideraremos sua estrutura física

e observaremos a sua prática pedagógica sob o foco da Lei de Diretrizes e Bases para o

Ensino Médio Técnico Profissionalizante.

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No segundo capítulo relataremos estudos de caso de alunos e ex-alunas da escola que

revelarão aspectos pertinentes à investigação. E no terceiro capítulo revelaremos a missão e os

projetos do Bolshoi sob o foco da ação cultural, com o respaldo do pensamento crítico de

Teixeira Coelho e Carlos Montãno para a construção de nosso discurso acerca dos projetos de

ação cultural da instituição analisada e a operação do “terceiro setor” na prática da filantropia.

A investigação desta dissertação traz à tona assuntos pouco discutidos ou

questionados pela sociedade, quando o objeto em questão envolve ação social e oferecimento

de acesso à cultura para as classes desfavorecidas economicamente. Os projetos que aliam

ação social ao acesso a cultura e à filantropia, como no caso do Bolshoi, são muito bem vistos

pela sociedade e pelos indivíduos diretamente envolvidos.

Deste modo, a imagem desse tipo de projeto sob uma única ótica acaba encobrindo

aspectos de total relevância, contrários ao discurso do denominado: “Terceiro Setor” à

sociedade, enfatizando a cidadania. Esta pesquisa propõe então buscar revelar a ótica que fora

deixada de lado no processo em questão, através da investigação dos projetos de ação cultural

e educação profissionalizante da instituição e dos indivíduos ligados à Escola do Teatro

Bolshoi no Brasil, que possam trazer à luz fatos novos ou antes desconsiderados pela

sociedade.

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1. INSTALAÇÃO DA ESCOLA DO TEATRO BOLSHOI NO BRASIL

A inauguração da Escola de bailado do Teatro Bolshoi em Joinville, há cinco anos,

não veio somente reafirmar a mudança do conceito de “cidade das flores” para “cidade das

sapatilhas”, forma como já vinha sendo chamada devido à grande proporção tomada pelo

Festival de dança de Joinville; a cidade passou a ser considerada como a capital brasileira da

dança. Mas foi com a intenção de mudar a realidade social e trazer a esperança da construção

de uma carreira profissional artística a crianças e jovens brasileiros que a escola se inseriu no

cenário deste país de acordo com o mesmo ideal em que foi criada na Rússia.

Crianças e jovens que, vindos de diferentes contextos sociais e culturais, possuíam

em comum os sonhos de “Cinderela” e “Sapos encantados”, algo que parecia estar bem

distante do seu alcance. Mudar de vida, ter uma formação além da básica, se apresentar com

todo o glamour e requinte e até morar no exterior, não era um sonho palpável para as crianças

da periferia de Joinville (e de outros estados) que hoje estudam na sede brasileira da escola.

A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil está localizada no norte do estado brasileiro de

Santa Catarina, na região central da bela Joinville, uma cidade que traz em seus traços

inúmeros vestígios de uma colonização européia. A conquista da primeira filial do mundo da

Escola Coreográfica de Moscou foi firmada no dia quinze de março de 2000.

Candidataram-se também para sediar a escola: Japão, Austrália e Estados Unidos,

mas quem ganhou a disputa foi o Brasil, por iniciativa da professora Jô Braska Negrão, do

empresário João Prestes e esforços do atual governador de Santa Catarina, Sr. Luiz Henrique

da Silveira, em seu mandato como prefeito de Joinville. Juntos, pleitearam a causa gerando as

condições necessárias para a realização da idéia, mobilizando recursos junto ao Ministério da

Cultura e à iniciativa privada, para a construção da escola.

Mas esta história começou alguns anos antes do ano 2000. O contato entre o Bolshoi

de Moscou e o Brasil se deu através de João Prestes e sua esposa Joseney Braska Negrão.

João Prestes (filho do político Luiz Carlos Prestes) atuava na área de exportações há anos e

acabou estreitando o seu relacionamento com a Rússia, tornando-se uma espécie de

embaixador da cultura Brasil/Rússia. A coreógrafa conhecida como “Jô Braska” morou em

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Moscou durante 15 anos (até o ano de 1998) e foi convidada para ministrar aulas na Escola

Coreográfica de Moscou (uma das várias instituições de arte ligadas ao Bolshoi).

Em julho de 1995, foi convidada a participar do Festival de Dança de Joinville

como jurada. Em função do relacionamento do empresário João Prestes com o Teatro Bolshoi

e de Jô com a escola coreográfica de Moscou, a direção do Teatro consultou a ambos sobre a

possibilidade de trazer solistas da companhia russa para apresentação no Festival. No ano

seguinte, um grupo de solistas do Ballet Bolshoi de Moscou se apresentou no 14º Festival de

Dança de Joinville. A receptividade da cidade e do público presente causou ótima impressão

aos russos, proporcionando uma imagem positiva de uma estreita relação da cidade com a

dança.

O diretor do Teatro Bolshoi, Aleksander Bogatyriov começou então, no ano de 1998,

a desenvolver um projeto de expansão da Escola para outros países. Quando o casal soube da

intenção da Escola do Teatro Bolshoi, logo apresentou o Brasil como candidato. O projeto

começou a ser colocado em prática com a busca de apoio governamental e patrocínios. Em

setembro do mesmo ano, Bogatyriov e João Prestes esboçaram a proposta de trazer a sede da

escola para o Brasil e detalharam questões quanto à aplicação da metodologia, seleção dos

professores e estrutura física necessária.

No mês seguinte, João Prestes inicia a apresentação da proposta para prefeitos e

diretores de instituições de ensino do Brasil e, o então prefeito de Joinville (hoje governador

de Santa Catarina), Luiz Henrique da Silveira, acreditando na abrangência e importância

cultural do projeto, se compromete prontamente com o seu desenvolvimento. No mês de

outubro, o diretor do Teatro Aleksander Bogatyriov que até então era o mais envolvido no

projeto, vem a falecer.

Somente no dia vinte e oito de abril de 1999, é efetivado o acordo entre os diretores

do Teatro Bolshoi de Moscou e o prefeito Luiz Henrique da Silveira, João Prestes e Jô Braska

Negrão, possibilitando a instalação da Escola na cidade de Joinville, durante apresentação do

Ballet Bolshoi, em turnê pelo Brasil. No dia dezenove de julho de 1999, é assinado o

protocolo de intenções para a criação da Escola no Brasil, pela representante do Teatro - a

“Primeira Bailarina Allá Mikhalchenko” – (que se torna coordenadora do projeto em Moscou)

e pelo então prefeito Luiz Henrique da Silveira, durante a abertura do 17º Festival de Dança

de Joinville.

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O contrato de transferência de metodologia pedagógica do Teatro Bolshoi para a

prefeitura Municipal de Joinville, incluindo a instalação de um instituto privado sem fins

lucrativos para gerenciar a escola no Brasil, é assinado em Moscou no dia dezoito de

setembro de 1999. No dia dez de dezembro, são iniciadas as obras para a adequação de

instalações da Escola. Ela é inaugurada oficialmente pelo então diretor do Teatro Bolshoi

Vladimir Vasiliev em quinze de março de 2000 e, em novembro do mesmo ano é realizado o

primeiro exame classificatório para ingresso dos primeiros alunos da sede brasileira.

Pela primeira vez, em duzentos e cinqüenta e cinco anos de história, a Escola do

Teatro Bolshoi de Moscou transferiu a outro país, o método de ensino de balé que a tornou a

mais respeitada instituição de ensino na Rússia e no mundo. O Brasil foi o primeiro e ainda é

o único a abrigar uma sede da escola russa do Teatro Bolshoi. Assim, a metodologia completa

do Bolshoi foi legalmente transferida à prefeitura de Joinville e, segundo a Escola, está sendo

aos poucos adaptada e aplicada às condições do Brasil e dos bailarinos brasileiros, sob a

supervisão russa e com a presença de mestres do Teatro Bolshoi de Moscou, que passaram a

residir no Brasil para implantá-la.

Segundo a supervisão da escola, devido à credibilidade, tradição e eficiência do

método russo de ensino (comprovada pela Escola do Teatro Bolshoi na Rússia), o aluno

formado pela Escola no Brasil terá oportunidade de colocação profissional em qualquer

companhia de dança do mundo. De fato é o que tem ocorrido, e alguns dos alunos já estão

contratados ou cursando estágio em companhias do exterior.

Mas a história da escola do Teatro Bolshoi em Moscou começou há séculos. Teve

sua origem com a formação de uma companhia teatral composta por atores profissionais,

estudantes da Universidade de Moscou e pelos chamados artistas-servos, os quais eram

considerados mais talentosos para a dança.

No início, os espetáculos eram apresentados em residências particulares. Em 1780, a

escola ganhou sua primeira sede, o Teatro Petrovsky, abrigado num prédio de alvenaria

especialmente construído para a ocasião. Esse teatro ficava no mesmo lugar onde hoje se

encontra o prédio do Teatro Bolshoi e que no ano de 1805, foi destruído por um incêndio.

Em 1824, foi construído um novo prédio, no mesmo local do antigo. Com um estilo

arquitetônico clássico, era um dos teatros mais lindos do mundo. O novo prédio recebeu o

nome de "Grande Teatro Petrovsky" e foi inaugurado em dezoito de janeiro de 1825. Em

março de 1853, sofreu um novo incêndio, e foi reconstruído pelo arquiteto Albert Kavos,

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datando sua inauguração em 1856. E é este prédio que, com algumas pequenas reformas,

existe até os dias de hoje.

A Escola Coreográfica de Moscou nasceu em 1773. Os primeiros alunos foram

crianças carentes que freqüentavam aulas de dança em um orfanato da cidade. Dela nasceu a

Companhia de Ballet do Teatro Bolshoi. Mais de dois séculos depois, o Bolshoi (que significa

grande), tornou-se um ícone da dança no mundo e formou estrelas que viraram mitos, como:

Maya Plissetskaia, Vladimir Vassiliev, Ekaterina Maximova, Alla Mikhalchenko entre outros.

O edifício que abriga a sede do Bolshoi em Moscou é tombado pela ONU como patrimônio

arquitetônico e cultural da humanidade.

No ano de 1995, a direção geral e artística do Teatro Bolshoi foi entregue ao ícone do

balé russo, Vladimir Vassiliev, que permaneceu no posto até o ano 2000, quando foi nomeado

o atual diretor Anatoly Iksanov como Diretor Geral e Guenady Yanin como Diretor Artístico;

da Companhia de Ballet do Teatro Bolshoi de Moscou. A Coordenação russa do Projeto

“Escola do Teatro Bolshoi no Brasil” atualmente está a cargo de Aleksander Ksendzovskiy.

O Teatro Bolshoi na Rússia conta com mais de dois mil e quinhentos funcionários,

sendo duzentos e cinqüenta artistas de balé, cento e vinte de ópera, duzentos e sessenta e dois

músicos da orquestra. O Bolshoi ainda conta com um coral adulto e outro infantil e um

conjunto de mímica. Mantêm em cartaz, permanentemente, vinte e cinco espetáculos de ópera

e vinte e cinco de balé. Anualmente, mais de duzentos e oitenta empregos são ocupados no

palco do teatro, cuja platéia comporta mais de dois mil espectadores.

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1.1. Estrutura física da filial brasileira

O complexo escolar da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil está situado na

Avenida José Vieira, 315, anexo ao Centreventos Cau Hansen, numa área de seis mil metros

quadrados. O complexo é formado por onze amplas salas para aulas de balé, com altura,

tamanho, piso e estrutura totalmente adequados à sua finalidade, estúdios de música com doze

salas individuais para prática de piano, dois laboratórios cênicos (Teatro Juarez Machado e

sala Agrippina Vaganova), ateliê, núcleo de saúde, biblioteca, espaço cultural, pátio coberto e

cantina.

Em um prédio de cinco andares, no centro de Joinville, os alunos, meninos e meninas

com idade entre nove e vinte e três anos, aprendem a secular técnica da escola Russa de balé,

além das matérias complementares de dança, música, preparação e prática cênica, entre

outras. As salas são espaçosas e espelhadas e todas possuem piano, pois as aulas são sempre

embaladas com música ao vivo, com exceção do sapateado e dança contemporânea, que

utilizam outros recursos musicais para as aulas.

O prédio recebeu reformas adequadas para abrigar a escola de acordo com as

exigências russas. Além das salas de aula, a escola possui dois laboratórios cênicos multi-

meios (incluindo vídeo, projetor de slide, material de maquiagem, dentre outras coisas),

biblioteca, estúdios de música com isolamento sonoro, ambulatório, refeitório, pátio coberto,

espaço cultural, teatro próprio e sala de preparação de cenários, adereços e figurinos. Toda

essa estrutura a destaca de outras escolas de dança existentes no Brasil, incluindo as

municipais.

No segundo aniversário, dia 14 de março de 2002, a escola recebeu de presente a

inauguração do edifício anexo que é denominado Hassan Gebrim, em homenagem ao

presidente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que patrocinou oficialmente o

projeto, como empresa Amiga do Bolshoi categoria Diamante, até o ano de 2004.

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Mas, de acordo com relato de ex-alunas que pertenceram à primeira turma da escola,

quando iniciaram as atividades do Bolshoi brasileiro a estrutura física não era assim tão

primorosa. Ao lembrar de seu ingresso na escola, a aluna A.G.1 diz que não tinha estrutura

nenhuma, nada estava pronto quando iniciaram as aulas em 2000. Havia apenas as duas salas

do primeiro andar que estavam inacabadas. Diz ainda que a primeira turma foi o “teste”, pois

largaram tudo em suas cidades apostando e acreditando em um projeto que nem estava pronto

(estruturalmente). Praticamente a turma toda de estágio modular, segundo A.L., era composta

por alunos pagantes. Portanto, ajudaram financeiramente, apostando no término da prometida

construção suntuosa da escola.

Obviamente, o apoio dos “Amigos do Bolshoi” teve a mais importante participação

financeira na construção do prédio. Inclusive a reforma do Centreventos Cau Hanssen, só foi

possível com o apoio da UNESCO, da Prefeitura de Joinville, da Caixa Econômica Federal e

do grupo SONAE. Juntos, órgãos do setor público e do setor privado investiram seiscentos

mil reais (somente nas obras do Centreventos), dos três milhões e setecentos mil reais

autorizados a serem abatidos no IR deles, através dos benefícios da Lei Rouanet de incentivo

à cultura para apoio ao projeto da escola do teatro Bolshoi no Brasil.

Em seu quarto aniversário, em 27 de março de 2004, um projeto feito especialmente

para a nova sede da escola com o intuito de ser o maior complexo educacional e cultural da

América Latina, foi cuidadosamente arquitetado pelo ícone da arquitetura brasileira, Oscar

Niemeyer. A nova sede será feita com a intenção de criar um complexo cultural aberto à

comunidade e será construído num terreno na floresta do parque do Morro da Boa Vista em

Joinville.

Foi muito bom trabalhar nesse projeto que é tão bom para a juventude, é

tão útil, tão importante. Acho que o trabalho da escola Bolshoi é muito mais

importante do que arquitetura. A idéia foi criar um espaço onde a escola

possa funcionar isso é que é o importante! 2

1. Quando nos referirmos aos alunos, ex-alunos, professores e ex-professores que concederam

entrevistas sem a autorização formal da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, faremos uso apenas das iniciais dos nomes, com o intuito de preservar a identidade dos mesmos.

2. NIEMEYER, Oscar. Informativo Bolshoi Brasil. Joinville ano III – Número 11, 2003.

21

O teatro projetado terá uma arquitetura em espiral que lembra o movimento das

piruetas do balé, com 1.100 lugares. O Espaço Cultural será composto por memorial, cinema,

cybercafé, lojas e sala para exposições e convenções. O centro educacional abrigará salas de

aulas para danças, estúdios de música, camarins, salas para o Ensino Médio, biblioteca,

núcleo de saúde, quadras esportivas e centro administrativo. A torre de apartamentos terá

dezoito andares para moradia de alunos e professores e acomodações para pesquisadores e

ainda, no 18º andar, um mirante e observatório da baía da Babitonga.

O platô se desenvolve em curva, então o bloco também, e é muito simples,

a rua que segue a tangente (...). Eu gosto muito desse projeto. Eu me

espantei com o negócio das salas de aula, nunca havia visto uma sala que

tem de ter 7 m de altura, trinta de comprimento. (...) O teatro muito

diferente. Nesse teatro eu fiz um caminho que é circular, numa rampa, e

tudo se adaptou, eu quis que a fachada parecesse com essa característica,

de que o teatro partiu de uma rampa circular.(...) Teatro de um lado, com

entrada, com a rampa se manifestando em torno do teatro, e do outro lado,

subindo a rua, o bloco grande, com as salas de aula, e depois os

alojamentos, está tudo tão bem pensado.

A maquete do projeto foi apresentada ao público na noite comemorativa que reuniu

lideranças políticas e empresariais, empenhadas em colaborar com a construção da nova sede.

A Tigre tubos e conexões foi a primeira a apoiar o projeto com a doação de todo o sistema

hidráulico, elétrico e tubular da obra, avaliada em 6% do seu valor total. A Bunge alimentos

doou um milhão para construção, a Infraero contribuiu com quinhentos mil reais para a

manutenção da escola, o cartunista Ziraldo doou os direitos autorais da peça teatral Flicts.

Houve outras manifestações de grandes empresas e fundações brasileiras e internacionais para

colaborar com a realização do projeto, sem contar a doação do terreno pela Prefeitura

Municipal de Joinville.

O projeto para a nova sede, em área de trinta e um mil metros quadrados, custou

novecentos e vinte mil reais. A obra exigirá investimentos de cerca de quarenta milhões para

sua realização. Algo realmente ousado, visto que no momento a escola está sem o apoio

financeiro mais significativo. A categoria Diamante dos Amigos do Bolshoi encontra-se

desocupada desde a saída dos correios na época da crise.

22

Talvez por este motivo, a falta de recursos suficientes à construção do “mega-

projeto” arquitetônico é que, as obras estão caminhando lentamente. Já se passaram dois anos

desde a solenidade de entrega do projeto à escola e as obras ainda estão bem distantes de sua

conclusão. Sempre que o assunto era colocado em questão à equipe administrativa da escola,

aos alunos e à coordenação, a resposta era a mesma: “Está em andamento” e o assunto é

desviado sem maiores explicações, apenas alguns alunos disseram que ouviram falar que já

havia começado a construção.

Tal atraso nas obras da construção da nova sede da escola é, segundo a equipe

pedagógica, o motivo pelo qual o projeto de implantação do Ensino Médio Técnico

profissionalizante ainda não pode ser colocado em prática. Segundo a coordenadora

pedagógica responsável pelo núcleo educacional da escola, Silvelene Stolf, a sede atual não

tem estrutura para abrigar todos os alunos em período integral, então, eles continuarão

cursando a escola regular em um dos períodos e o Bolshoi no outro. Esta é uma iniciativa

provisória, aprovada pelo MEC até a conclusão das obras.

O prédio acompanha o terreno, que deu a forma espontânea da construção.

É bem diferente de tudo o que já fiz. É um projeto complexo, importante

para o Brasil, não só por sua arquitetura, mas por sua finalidade e por ser

voltado aos jovens. É uma obra que vale a pena ser realizada. Foi

idealizada em cerca de um mês, um trabalho que me deu muito prazer. A

construção do teatro parte de uma rampa e vai causar surpresa porque não

há nenhum desse estilo no mundo

Na ocasião, houve ainda manifestações entusiasmadas de autoridades e empresários

que foram registradas pelo informativo Bolshoi Brasil – número 11, ano 2003.

“O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”. (Antônio Grace,

presidente da Funarte).

“Aos que fazem da escola Bolshoi no Brasil o orgulho de sabermos que nosso país

será um grande exportador de cultura. Aqui recebemos uma aula de brasilidade”. (Carlos

Wilson Campos, presidente da Infraero).

É lamentável, porém, que tamanho projeto, com tal repercussão na ocasião da sua

entrega na noite de gala em comemoração aos cinco anos da escola no Brasil, ainda não tenha

concluído suas obras após três anos ou, melhor dizendo, quase não saiu do papel.

23

1.2. Os Amigos do Bolshoi

A escola do teatro Bolshoi no Brasil é mantida com receitas próprias, patrocínio de

empresas privadas de mecenato federal (lei Rouanet) e estadual. No ano de 2004, as receitas

totalizaram 5,7 milhões de reais. Pelos cálculos do Ministério Público Federal, o custo per

capta dos alunos é de R$28.000 por ano.

O Bolshoi conta ainda com o apoio da Unesco, da prefeitura de Joinville, da Caixa

Econômica Federal e do grupo Sonai. Os dois últimos foram responsáveis pelo patrocínio da

reforma do Centreventos Cau Hansen (teatro próprio da ETBB), que consumiu em torno de

R$600 dos 3,7 milhões de reais já autorizados a serem abatidos no IR dos patrocinadores de

acordo com a lei Rouanet de incentivo à cultura.

Os patrocinadores são conhecidos como “Amigos do Bolshoi". São empresas,

consultórios, pessoas e governos que apóiam, seja financeiramente ou prestando serviços aos

alunos do teatro Bolshoi no Brasil.

Os médicos ortopédicos, ortodônticos, dentistas, nutricionistas, exames laboratoriais

e todo o tipo de acompanhamento médico das crianças são feitos por “Amigos do Bolshoi”

(voluntários).

A Sra. Silvelene de Oliveira Stolf é a responsável pelo núcleo de Apoio Educacional,

ou seja, faz o acompanhamento pedagógico, psico-pedagógico e o encaminhamento

psicoterápico. A maioria dos psicoterapeutas são também "Amigos do Bolshoi” (clínicas que

atendem aos alunos gratuitamente).

Outro colaborador é o SENEC, que é o centro de educação familiar, uma instituição

que agrega muitos psicólogos e terapeutas e, após passar por uma avaliação, o aluno é

encaminhado a um psicólogo de acordo com o nível de seu problema.

Os Amigos do Bolshoi são divididos em quatro categorias: diamante, ouro, prata e

menção honrosa, de acordo com o percentual investido no projeto. O primeiro e único (até

então) patrocínio da categoria diamante foi da agência de correios e telégrafos, que acabou

saindo da parceria em ocasião da crise enfrentada pela escola no ano de 2004, paralela à crise

do seu patrocinador (com a instalação da CPI dos correios).

24

A escola permaneceu durante um bom tempo sem nenhum patrocinador nas

categorias diamante e ouro durante a crise que enfrentou e, somente no ano de 2005,

conseguiu um novo patrocínio para a categoria ouro. O novo amigo do Bolshoi categoria ouro

é a marca Assim (da empresa Assolan). Geralmente, só há um patrocinador de cada vez nesta

categoria, em virtude do percentual exorbitante investido.

O patrocínio da empresa Assolan é o maior investimento privado e desde o ano de

2005, quando oficializou um patrocínio de um milhão. Segundo o diário catarinense, este foi

o primeiro grande investimento após as denúncias do Ministério Público Federal feitas em

2004 e causou uma espécie de "alívio" aos diretores da instituição após a crise enfrentada pela

administração da escola por vários meses. "Buscamos ajuda e a cota de patrocínio da Assolan

é muito importante neste momento.” (Supervisora da escola, Jô Braska Negrão, no site

www.escolabolshoi.com).

Em entrevista ao jornal "A Notícia", Jô Braska diz que o orçamento anual da escola

varia de um milhão e meio a dois milhões de reais. Afirmando que o principal recurso vem

dos amigos do Bolshoi (pessoas físicas e jurídicas). A escola é um instituto, uma organização

não governamental.

No ano 2004, o procurador da república Davy Lincoln Rocha, e o promotor de

justiça Assis Marciel Kretzer, fizeram a denúncia de possíveis irregularidades no pagamento

de royalties ao Bolshoi russo pelo uso da marca, improbidade administrativa, falha na

prestação de contas, pagamentos indevidos.

Mas o desembargador federal Valdemar Capeletti, relator do processo no tribunal

negou os pedidos de afastamento dos cargos do presidente do instituto Sylvio Sniecikovski,

Antônio João Ribeiro Prestes, Joseney Braska Negrão, Sérgio Aires Filho (ex-diretor) e Luiz

Carlos Meinert (ex-diretor).

O desembargador destacou que a apuração de eventuais ilegalidades

envolvendo o instituto e seus administradores, funcionários e terceiros, não

necessita de “providências radicais que poderiam acarretar, talvez com

certa precipitação, a ruína de empreendimento real ou potencialmente

importante para a vida cultural de Joinville e do estado de Santa Catarina,

além do Brasil e mesmo do exterior”. Ele lembrou que são suficientes, em

tese, a auditoria dos eventos passados e o monitoramento da gestão

presente e futura da instituição.3

3. Assolan doa um milhão de reais para o Bolshoi. Joinville: Diário Catarinense, 2005.

25

Além do apoio diretamente financeiro, a escola ainda conta com o apoio de

profissionais, clínicas e laboratórios na área de saúde que, voluntariamente atendem aos

alunos em seus consultórios ou na própria escola. Em ocasião da última visita no ano de 2006,

o voluntário “Amigo do Bolshoi”, carinhosamente conhecido na escola como “tio Gui”, fazia

sua visita para realizar tratamento odontológico nos alunos. Com um consultório-móvel

estacionado em frente à escola, realizava avaliações, limpezas e tratamentos dentários.

O apoio dos governos do Estado do Piauí, da Paraíba e das prefeituras municipais de

Teresina, de João Pessoa, de Imbituba e de Araçuaí, é firmado através de convênio com a

escola, permitindo a escolha de bolsistas entre os alunos das escolas públicas e municipais

destes lugares. O governo de cada estado ou município participante colabora com a doação

das passagens para o exame classificatório realizado na cidade de Joinville, bem como para o

envio das mães sociais, escolhidas por cada Estado ou Município para acompanhar e cuidar

das crianças que porventura tenham que se mudar para Joinville.

Os interessados em se tornar "Amigos do Bolshoi" são incentivados através do site,

do material de divulgação e informação produzido pelo departamento de comunicação e

marketing da escola e dos programas de motivação feitos nas empresas e eventos através da

apresentação do vídeo institucional da escola e das visitas turísticas à escola, onde é

mencionada a possibilidade de empresários, políticos e até mesmo pessoas físicas se tornarem

"Amigos do Bolshoi", finalizando com o vídeo institucional, assistido na sala Agrippina

Vaganova.

Há também no site, um link "Amigos do Bolshoi" com tópico sobre como patrocinar,

incentivando os interessados em investir em "marketing cultural", a associarem sua imagem à

"formação de uma geração talentosa, saudável e competitiva" tendo em contrapartida os

benefícios dos incentivos da lei federal nº. 9.874/99 que é a Lei Rouanet. Ressaltam ainda,

que o processo é muito simples, "basta depositar a quantia do patrocínio em conta bancária

específica e deduzir este valor integralmente na declaração do imposto sobre a renda, no

limite máximo de 4% (quatro por cento) para pessoas jurídicas e 6% (seis por cento) para

pessoas físicas, no total do imposto devido".

Logo na entrada da escola há um quadro de honra aos amigos do Bolshoi com todos

os nomes de parceiros, lista que circula também no Informativo Bolshoi Brasil. Além disso,

os patrocinadores das categorias mais altas (diamante, ouro, prata) ainda contam com a

divulgação do seu nome ou marca no material promocional e, nas apresentações e eventos

promovidos pela Escola do Teatro Bolshoi do Brasil.

26

No site da escola, há um link destinado aos interessados em investir no projeto,

incentivando-os a tornarem-se Amigos do Bolshoi contendo uma lista dos procedimentos que

devem ser seguidos, para tanto com todos os dados necessários, para que seja firmada a

parceria. No material de divulgação da escola e nas notícias de jornais (impressos e on-line)

sobre o projeto, sempre há uma frase ou um texto de incentivo aos possíveis parceiros,

ressaltando o fato de tal iniciativa propiciar um “Marketing Cultural” espontâneo com a

ligação do nome da empresa parceira ao nome do Bolshoi.

As empresas e pessoas físicas Amigos do Bolshoi são estes a seguir (segundo lista

divulgada até março de 2006):

Categoria Diamante: Atualmente desocupada.

Categoria Ouro: Assim (Assolan).

Categoria Prata: Martinelli Advocacia Empresarial; Döhler; Artefama, Malwe,

Embraco, Capital Soluções, Fibrapol, Sadia, Tupy, Teka, Fabio Perini Brasil, Körber

Paperlink e Tigre.

Menção Honrosa: AON – Consultores de seguros e benefícios; Ângelo César Vieira,

Atlethic Way; Banco Industrial Comercial S/A; Beto Carrero; Borrachas NSQ; BUSSCAR –

Ônibus S/A; Centro Cultural Brasil Estados Unidos; CENEF – Centro de Orientação Familiar;

Celso de França Ribeiro – Direito de Imigração; Câmara Dirigentes Lojistas de Blumenau;

Clinica Bambini Pediatras Associados; Dr. Hildembrand Althaus; Dra. Zuleica Isabel Zarabia;

Farmácia de Manipulação Francine Gahnem; Governo do Estado da Paraíba; Governo do

Estado do Piauí; Grupo Novacom; IOT – Instituto de Ortopedia e Traumatologia; IP –

Instituto de Pesquisas Químicas; Infratécnica Engenharia de Construções; José Valentin

Boyona Bracamonte; KG Laboratórios; Koentopp Veículos LTDA; Lílian Tosi de Melo; Luiz

Henrique da Silveira; Martinelli Auditores Independentes; Mauricio Voos – Advogados

Associados; Moacir Cabeleireiro; Prefeitura Municipal de João Pessoa; Prefeitura Municipal

de Teresina; Pró-visão – Centro de Diagnóstico Oftalmológico de Joinville; RDO –

Radiologia e Documentação Odontológica; TAM, Xavier Bernardes Bragança – Sociedade de

Advogados.

27

1.3. Estrutura Pedagógica

Sempre temos de aprender mais e mais. Não só os alunos, mas também os

professores estão em processo de aprendizagem constante. Semanalmente,

os profissionais passam por laboratórios com os professores russos - o

corpo docente da escola é dividido entre brasileiros, russos e ucranianos. 4

A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil segue rigorosamente o padrão de ensino e

estrutura pedagógica aplicada na sede russa. A Escola do Teatro Bolshoi segue o método

russo Vaganova. Para tanto, a sede de Moscou envia professores russos, ucranianos e

armênios a Joinville para aplicarem a técnica e fazerem um acompanhamento minucioso de

todas as atividades aplicadas na filial brasileira. Para o ensino de dança clássica, utilizam o

método Vaganova “puro” (definição da equipe da escola para dizer que não há mistura de

outros métodos para o ensino do balé). O método segue rigorosamente o padrão que é

aplicado desde o início do Bolshoi russo.

Nos exames anuais, uma comissão russa é enviada ao Brasil para avaliar o

desempenho dos alunos e verificar a aplicação da metodologia de ensino e as condições gerais

da escola. Desta forma, andamento e desenvolvimento da escola são monitorados, a fim de

manter aqui no Brasil, o padrão russo de ensino do balé.

Vale lembrar que a Escola forma bailarinos, certificando-os como profissionais de

nível técnico com habilitação para dança (o curso tem a duração de oito anos e é reconhecido

pelo MEC). Por esse motivo, na esperança de uma oportunidade única na vida dos filhos, os

pais abrem mão da proximidade com eles e “corajosamente” os abençoam nesta empreitada,

esperando propiciar um futuro melhor para eles.

A Escola possui diversos projetos com o objetivo de sustentar a sua missão, que

segundo o seu relatório social é: “Formar artistas-cidadãos, promovendo e difundindo a arte-

educação”. Tanto a “missão da escola” quanto o conceito de “arte-educação” empregado em

sua missão, serão discutidos mais adiante, no capítulo três.

4. BRASKA, Joseney. Postura de Aprendiz. Site www.escolabolshoi.com.br.

28

A escola oferece dois tipos de cursos, o “Curso Técnico de Formação de Artista de

Ballet” e o “Curso de Aperfeiçoamento (Estágio Modular)”. O primeiro com duração mínima

de oito anos, é recomendado para candidatos entre a idade de nove e onze anos, sem

necessidade de conhecimento anterior em dança, mas com exigência de rigoroso exame

classificatório para ingresso, que chega a ser tão concorrido quanto o vestibular. O segundo

(conhecido como Estágio Modular) possui módulos com duração de dois anos cada (quatro

módulos no total) e é destinado a candidatos acima de onze anos que tenham conhecimento

anterior em dança.

No início, o Estágio Modular era um curso diferenciado do Curso de Formação, com

aulas separadas e com outras disciplinas. Inclusive cabe lembrar que a formatura da primeira

turma do Curso de Aperfeiçoamento ocorreu no ano de 2004. Atualmente, as alunas que são

selecionadas para o Curso de Aperfeiçoamento em dança clássica são integradas às turmas do

Curso de Formação, de acordo com o seu nível técnico e idade. Mas esta informação ainda

não é divulgada oficialmente pela escola.

A escola ainda oferece a oportunidade de estágio no Teatro Bolshoi de Moscou,

como também inscreve e orienta os alunos para audições em famosas escolas coreográficas e

companhias espalhadas pelo mundo. De acordo com a coordenadora pedagógica Silvelene

Stolf, os professores procuram os alunos que se encaixam no perfil de determinadas

companhias de dança e quando encontram os que possuem nível técnico adequado, os

incentivam, levando-os para testes e competições no exterior, com o intuito de possibilitar o

ingresso deles no mercado profissional de dança.

As disciplinas oferecidas pela Escola são: Dança Clássica; Preparação e Prática

Cênica; Educação Musical e Rítmica; Ginástica; Danças Populares Históricas; História do

Teatro, do Ballet, das Artes Plásticas e da Dança; Piano, Flauta Doce; Canto Coral e

Instrumentos de Percussão; Dança Folclórica; Dueto de Dança Clássica; Dramatização;

Maquiagem; Literatura Musical; Língua Estrangeira (Inglês); Dança a Caráter; Ballet Clássico

de Repertório; Danças Populares Brasileiras; Dança Contemporânea; Sapateado; Circo;

Interpretação. A Dança Contemporânea só entra na grade curricular a partir da quinta série

com apenas uma hora/aula por semana. Sapateado, Circo e Interpretação são disciplinas

específicas do Estágio Modular em Dança Contemporânea, não fazem parte da grade

curricular do Estágio Modular em Dança Clássica e nem do Curso de Formação.

29

A equipe pedagógica é formada por três professores russos e um ucraniano – Galina

Kravchenko, Dmitriy Afanasyev, Anna Russkikh e Denys Nevidomyy (respectivamente) -

que estão residindo em Joinville para ministrar aulas de dança clássica e dança popular russa.

Os professores brasileiros que completam a equipe pedagógica são: Maria Antonieta

Spadari, Larissa de Araújo, Fabiana Faraco, Alessandra Hilário, Luis Augusto da Rosa, José

Sizenando de Moraes, Jair Moraes, Amarildo Cassiano, Débora Hauer, Carolina Mansur de

Aguiar, Tatiana Trevisoli, Roiter Neves e Sabrina Lermen.

O pianista russo Pavel Kazaryan coordena a equipe de professores de música da

escola. No total são oito pianistas brasileiros: Sônia Kuntze, Karina Menezes, Márcia

Consentino, Eduardo Boechat, Medely Meister Dib, Eriberto de Carvalho Filho, Delma

Nicolace, Rodolfo Nunhez, o percussionista André Steuernagel e um professor russo

Alexander Ksendovsky.

Ainda no núcleo musical, há um projeto para a formação de uma Orquestra

Sinfônica. No dia seis de maio de 2006, ocorreu na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, uma

audição para músicos de orquestra. Inscreveram-se sessenta e quatro candidatos catarinenses

dos quais dezessete foram selecionados para estudarem com os maestros russos residentes em

Joinville, com o objetivo de acompanharem o Corpo de Baile da escola nas apresentações.

Por motivo de a tradição musical do Teatro Bolshoi ser muito forte, o artista formado

pela versão brasileira da escola tem em seu currículo uma completa formação musical.

Segundo a metodologia russa, aprendendo a dançar e a tocar os alunos combinam duas artes

que compõem a bagagem ideal para um bailarino. Os alunos da primeira série trabalham com

diversos materiais (desde sucatas a instrumentos de percussão), visando ampliar o

conhecimento teórico e rítmico, auxiliando assim, o entendimento e o aprendizado da dança.

Este conhecimento é prolongado durante as aulas de dança, por serem sempre acompanhadas

por pianistas. No segundo ano, começa o estudo de piano, com aulas individuais em estúdios

apropriados para o aprendizado e desenvolvimento musical.

A maioria dos estudantes nunca tinha visto um piano antes, e nem tampouco,

assistido a concertos ou ouvido música erudita antes de ingressarem na escola. Todos os

alunos participam dos concertos de piano para demonstrarem sua evolução nesse instrumento,

estimular o estudo e propiciar experiência de palco. Todas as aulas são ministradas com

música ao vivo, exceto algumas aulas de contemporâneo e sapateado que usam músicas de

CD.

30

O Bolshoi no Brasil ainda desenvolve um trabalho de respaldo pedagógico e

psicológico através do núcleo de apoio educacional, formado pelas professoras Silvelene Stolf

e Solange Sperling, que atuam no acompanhamento e integração do estudante no contexto

escolar e familiar.

A Escola possui equipes formadas por administradores, publicitários, produtores,

jornalistas, economistas, bibliotecários, fisioterapeutas, profissionais de marketing,

nutricionistas, pedagogos entre outros, atuando em diversos núcleos de apoio ao trabalho da

escola. A Supervisão Geral do projeto está a cargo da professora Jô Braska Negrão.

Em abril e setembro do ano de 2003, o professor Gustavo Côrtes (pesquisador,

coreógrafo, bailarino e mestre da UFMG), iniciou na escola um curso-oficina sobre Danças

Populares Brasileiras, para o quarto ano do curso regular de formação e alunos do Estágio

Modular. O curso teve como conteúdo informações sobre manifestações folclóricas e foram

montadas coreografias de danças típicas brasileiras. Na “Mostra Fragmentos”, foi inserida a

coreografia “Maracatu”, montada por Côrtes. Com esta iniciativa, a escola pretende adequar a

técnica do Bolshoi para dança clássica ao cenário cultural brasileiro, propiciando a montagem

de repertórios de danças populares brasileiras em oficinas ministradas anualmente na escola.

Mas vale ressaltar que estas oficinas são esporádicas e de curta duração, com carga horária

insignificante se comparada a de outras disciplinas, como por exemplo, Dança Popular Russa.

No ano de 2004, a escola deu início ao Núcleo de Dança Contemporânea, com o

propósito de oferecer aos alunos uma conexão com novas linguagens corporais, visando

capacitá-los para atuar no mercado da dança e qualificá-los como profissionais criativos,

críticos e atualizados. No início, o curso era experimental, criado para atender aos alunos que,

por algum motivo, “não se adaptassem” ao método de ensino de dança clássica ministrado

pela escola. Segundo o professor Amarildo Cassiano (coordenador do núcleo) foi uma idéia

da supervisora Jô Braska, buscando ampliar o leque de opções oferecidas pela escola já que,

no Brasil, existe um número de companhias de dança contemporânea superior ao de

companhias de balé clássico. O professor comentou ainda que estão preparando os alunos

para o “mercado” de dança contemporânea, citando as companhias paulistas: “Stagium”,

“Cisne Negro” e “Balé da Cidade” como referencia e revelando a pretensão de formar uma

companhia de dança contemporânea da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil.

A partir do ano de 2005, o curso tomou forma de Estágio Modular em Dança

Contemporânea e passou a ter seleção específica, separando-se dos demais. Hoje, há intenção

de se formar uma companhia experimental de dança contemporânea com os alunos do curso,

31

idéia esta aprovada pelo responsável da sede brasileira em Moscou, Vladimir Vassiliev, após

assistir à apresentação da I Mostra de Dança Contemporânea da escola no ano de 2005.

Há ainda uma intenção de formatar o curso como técnico “não de formação, mas sim

de experiências para essas bailarinas” (professor Amarildo Cassiano em entrevista). Mas esta

intenção, ainda não aprovada pela sede russa, é uma novidade para o Bolshoi; sendo que, nas

escolas russas da sede em Moscou não existe um curso específico de dança contemporânea;

somente num âmbito mais profissional, em seu estúdio coreográfico, há um trabalho de

montagem de dança contemporânea.

As disciplinas do núcleo de dança contemporânea são: Improvisação, Dramaturgia,

Interpretação Teatral, Composição Coreográfica, Elementos de Iluminação e Cenografia,

Técnica de Dança Clássica, Técnica de Dança Contemporânea, Anatomia e Cinesiologia

aplicadas à dança, Língua Estrangeira, Percussão, Elementos de Circo, Corpo e Tecnologia,

Elementos de Cinema, Multi-meios e Multimídia, História e Estética da Arte, Sapateado e

Música. A Escola planeja ainda, uma parceria com a Escola Mudra de Maurice Béjart, em

Lausanne na Suíça, tornando possível às alunas um estágio na França por intermédio da

Aliança Francesa de Florianópolis.

O professor Amarildo Cassiano afirmou em entrevista que esse conjunto de

disciplinas abre muitas possibilidades para o trabalho do movimento, pois a dança

contemporânea não tem uma “metodologia aplicada”, mas se utiliza de diversas técnicas e

estilos de dança para tomar forma.

Houve uma oportunidade para assistir o ensaio do núcleo de dança contemporânea e

uma aula com a professora Sabrina Lermer na última visita, realizada em março de 2006. Na

ocasião, o professor Amarildo Cassiano, responsável pelo núcleo, e uma de suas alunas

concederam entrevista sobre o curso de Dança Contemporânea na Escola do Teatro Bolshoi,

sua evolução e as novidades.

Na aula da professora catarinense Sabrina Lermer, pode-se observar que o “clima” é

totalmente diferente do que observamos nas aulas do Curso de Formação e do Estágio

Modular em Dança Clássica. Ainda com traços do comportamento “profissional” e

“disciplinado”, próprios do balé clássico, as alunas tinham mais “liberdade” para brincar e

criar. A professora propôs uma série de exercícios em grupo com contato corporal (para

percepção do corpo umas das outras), exercícios de percepção espacial e contato com o chão.

Após cada exercício, a professora questionava cada aluna a respeito de suas percepções, mas

poucas tinham coragem de expor seus pensamentos. Em nenhum momento a professora

repreendeu as alunas por disciplina ou pelos erros. Enquanto que, nas aulas de clássico, as

32

alunas eram repreendidas até mesmo por falta de atenção e era possível ouvir a respiração

delas devido ao silêncio absoluto. Só foi possível acompanhar as aulas da primeira série do

Curso de Formação pelo vidro da porta. Em uma aula de Ginástica, as alunas repararam que

alguém as observava e apontaram para a professora pedindo que ela deixasse entrar e foram

repreendidas por esta atitude. Outro exemplo do rigor disciplinar é o comentário feito pela

professora de dança clássica A.H. sobre o motivo de as aulas serem decoradas:

A.H. – As aulas são decoradas. Variam muito de cada professor.

Geralmente, o aluno trabalha durante uma semana os mesmos movimentos

em busca da perfeição. Da perfeição do domínio, da melhor forma para a

execução. Ele tem o dever de absorver aquela combinação e, durante a

semana, racionalizar para que aquela seqüência saia bem feita.

O ensaio do professor Amarildo Cassiano, também foi uma experiência bem

diferente da que obtivemos no ensaio do o professor Vladimir Vassiliev para a montagem de

“O Quebra-Nozes” com os alunos do Curso de Formação e do Estágio Modular em Dança

Clássica. No primeiro, o professor ficou sentado no palco da sala Agrippina Vaganova

enquanto suas alunas, separadas em grupos, ensaiavam simultaneamente partes diferentes da

coreografia e ele só dava algumas sugestões individuais. Sugeriu gentilmente que sentássemos

no palco com ele para assistir ao ensaio. No segundo, os alunos aguardavam nos corredores

ou ensaiando em outras salas, enquanto os elencos de cada coreografia apresentavam-se, a

portas fechadas, ao mestre Vassiliev que os corrigia (euforicamente, gesticulando e falando

alto) a cada mínimo erro. Tendo como base os comentários feitos nos corredores, podemos

dizer que os alunos se dividiam em dois grupos: “os apavorados” que temiam a reprovação do

mestre à sua atuação e “os aparecidos” que queriam demonstrar a sua performance ao mestre,

esperando o reconhecimento de seu talento. Somente quando estava para iniciar a filmagem

do ensaio, para a divulgação do espetáculo e arquivos da escola, a assessora de imprensa

Albenize Ballen convidou-nos para entrar e assistir.

Outro fato interessante com respeito ao núcleo de dança contemporânea ocorreu no

dia seis de janeiro do ano de 2006, quando três alunas, selecionadas pelos professores

(Catherine Halz, Leonessa Boing e Mariana Oliveira) embarcaram para a França, junto com o

professor Amarildo Cassiano e a pianista Medely Meister Dib, num intercâmbio cultural em

dança.

33

As alunas fizeram um estágio profissional na Companhia Philippe Trehet,

participando da montagem do novo trabalho da mesma, fizeram aulas com os professores e

coreógrafos Richard Springer, Angelin Preljocaj, Maguy Marin e com o mestre André

Lafonta (professor do Conservatório Nacional – Ensino Superior de Música e Dança de

Paris). Participaram também da noite de gala do XX Concurso Internacional de Caen,

apresentando a coreografia “Rosas” (de autoria do professor Amarildo Cassiano).

Ainda, para o Estágio Modular em Dança Clássica, há o programa intercâmbio

cultural entre Brasil e Rússia que, desde 2002 leva grupos de alunas e professores brasileiros

da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil para estagiar no Teatro Bolshoi de Moscou. O estágio

proporciona aulas com a companhia russa, ensaios e diversas atividades com mestres e com o

corpo de baile do Teatro Bolshoi para aperfeiçoamento técnico-artístico. O roteiro inclui

visitas a museus e monumentos e também, assistir espetáculos, com o intuito de realizar

pesquisas bibliográficas sobre histórias de criação de repertórios de balé, de figurinos,

cenários e outros componentes de grandes obras de balé.

Programa este muito válido para o conhecimento de base da técnica que lhes é

transferida na Escola, mas o roteiro de visitas e pesquisas reafirma a preocupação em absorver

conhecimentos a respeito da cultura russa, enquanto que muitos desses alunos provavelmente

não conhecem tão bem a cultura do próprio Brasil. Não existe, nos projetos da escola, nenhum

tipo de incentivo a pesquisas de figurinos e danças típicas brasileira, nem roteiros de visitas

aos museus e cidades históricas do Brasil.

Os resultados desse tipo de programa são as oportunidades profissionais no exterior

para alunos do Estágio Modular da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. Exemplo disso é a ex-

aluna Raquel Steglisch que, desde abril de 2003, passou a integrar a Companhia de Ballet do

Teatro Bolshoi em Moscou como estagiária profissional, sendo a primeira brasileira a integrar

a companhia russa.

Outro exemplo é a aprovação da ex-aluna Elisiane Buchele Regis (17 anos) para

ingresso no curso pré-profissional do Stuttgart Ballet na Alemanha e de Ana Luiza Grossi e

Andréia Velasco na Companhia de Magdeburg, também na Alemanha. Do mesmo modo, a

ex-aluna Nathalie Taranger está cursando a escola Mudra de Maurice Béjart na Suíça. E a

estudante baiana Mariana Gomes, que residia em Joinville, para cursar o estágio modular da

escola; foi aceita no Bolshoi de Moscou para cursar o estágio profissional; em setembro de

2005, e contratada pela companhia russa como bailarina profissional em 2006, antes de

concluir o estágio.

34

De acordo com a coordenadora pedagógica do Bolshoi brasileiro, o principal

objetivo da filial é ser uma “escola de responsabilidade social, que tem como valores

descobrir dentro da comunidade, talentos, artistas de balé que tenham um perfil pra dança,

para a arte”.

A maioria dos alunos é oriunda de famílias carentes, alunos da rede pública

municipal e estadual de Joinville. Também existem alunos de outros estados conveniados,

vindos de um baixo nível sócio-econômico, tanto no curso de formação como no curso de

aperfeiçoamento. Os alunos recebem alimento, uniforme e material.

Dentro da escola eles assumem um mesmo padrão, não existe uma

diferença entre alunos de classe média, superior ou, classe baixa. Eles têm

um regulamento, um regimento interno a seguir, que inicia desde a

educação básica geral, com relação ao comportamento geral dentro da

escola, os direitos, deveres e obrigações dos alunos. E entre todas as

obrigações, a primordial é que o aluno, ao entrar na escola, deve estar

uniformizado. O uniforme padroniza o aluno de uma forma social muito

rica, porque todos são iguais. Em torno de 98 ou 99% dos alunos é bolsista.

Esses alunos recebem da escola alimentação, transporte escolar, uniforme,

atendimento médico, odontológico e fisioterápico. Nós temos um núcleo de

saúde que muitas escolas particulares não têm, nem chegam próximo do

que nós temos.5

O uso do uniforme é obrigatório. Os alunos bolsistas ganham o uniforme para as

aulas, composto por “colant”, meia, sapatilha, cinto de elástico, saia, rede, fita e arranjo de

cabelo para as meninas e calça, bermuda, camiseta, cinto de elástico e sapatilha para os

meninos. Para os alunos do núcleo contemporâneo, uma calça no lugar da saia. Ganham ainda

um abrigo esportivo que utilizam para ir à escola e eventos esportivos e um uniforme de gala

para as solenidades e concertos realizados pela escola. Além disso, há uma diferenciação do

nível técnico das turmas, pela cor do uniforme; o branco é usado nas três primeiras séries e as

alunas do primeiro ano não usam saia, nem meia-calça. O verde é usado da quarta à sexta

série e o preto na sétima, oitava e no estágio modular.

5. Depoimento da Coordenadora Pedagógica da ETBB, Silvelene Stolf em entrevista, março de 2006.

35

Quanto ao período letivo, os alunos do matutino entram a partir das 7h30min e as

aulas iniciam às 8 horas. A primeira série sai às 11 horas e as demais turmas às 11h30min. No

período vespertino as aulas começam às 14 horas e vão até às 18 horas (primeira série) e às

18h30min para as demais turmas. Há ensaios semanais pré-agendados para as mostras e

eventos, que geralmente ocorrem após o período de aulas da tarde e aos fins de semana. A

partir da sétima série os alunos têm aulas de inglês, duas vezes por semana.

A coordenadora faz o seguinte comentário com respeito às aulas de inglês oferecidas

aos alunos bolsistas pela Cultura Inglesa:

... é a melhor escola de Joinville, porque nós estamos formando cidadãos

para o mundo, então eles têm a obrigação de participar, porque também

está na matriz curricular: aula de inglês. Porque é uma língua universal e

os alunos têm que estar condicionados, porque também tem muitos testes

para companhias fora do Brasil. E como nós não temos na matriz

curricular, pois dentro do quadro nós não temos uma disponibilidade, eles

recebem essa aula de inglês fora do horário, no período inverso,

geralmente, duas vezes por semana, dependendo do módulo do nível do

aluno.

Stolf ainda afirma que todos os pianistas e professores têm um currículo vasto e

interessante e que são os melhores e mais excelentes profissionais de cada área.

As avaliações são contínuas; durante as aulas o aluno é avaliado e a recuperação é

paralela. Enquanto o professor faz o trabalho técnico, já aplica simultaneamente a recuperação

do aluno para o movimento adequado. O critério de avaliação segue a metodologia russa com

notas de zero a cinco e média três.

Para que o aluno seja aprovado e mude de nível na escola, além de atingir a média

três, precisa ser aprovado no ensino regular, porque o curso é técnico profissionalizante,

aprovado pelo Conselho Estadual de Educação, portanto há uma exigência do MEC quanto ao

Ensino Regular. Como a escola ainda não tem o Ensino Regular, os alunos fazem nas escolas

públicas as atividades que teriam no Bolshoi. Inclusive, alunos do Bolshoi têm prioridade de

vagas na escola “Germano Hill", por ser a escola mais próxima da sede. O ensino regular é

um projeto futuro que será colocado em prática na nova sede da escola, pois a estrutura da

atual sede não comporta tal projeto.

36

Os alunos são avaliados diariamente nas aulas de dança e, ao final de cada semestre,

sob orientação de uma banca, têm uma avaliação oficial, através de uma aula controle, para

verificar o nível de aprendizagem e técnica do grupo e individual. No final de cada ano, há

uma banca formada por professores, profissionais da área da dança, especialistas do método

Vaganova, do Brasil e de outros países, e especialistas do Bolshoi da Rússia para avaliar o

nível de aprendizagem dos alunos, onde é obrigatório ter pelo menos a média três para

prosseguir para a próxima série.

O aluno que não atingir a média por questões de imaturidade física ou problemas de

saúde pode ter seu caso reconsiderado, dependendo de uma concordância da banca, mas o

aluno que não tiver condição de acompanhar sem nenhum motivo consistente, é reprovado e

tem que cursar a mesma série novamente no ano seguinte. “Entrei no ano passado, mas repeti

o ano. Eu não tive nota. Era pra eu tirar 3,5, daí eu só consegui tirar 3,0.” (aluno F.M. da

primeira série do curso de formação).

O aluno que não obtiver a média suficiente, tanto no Bolshoi quanto nos estudos

regulares, ou não se adequar à disciplina da escola, não pode participar das mostras. A

coordenação da escola considera esta condição como um incentivo à excelência dos alunos

nos estudos e como futuros profissionais.

Vanessa - E em questão de disciplina?

Silvelene - Não, em questão de disciplina nós somos bastante rigorosos.

Vanessa - Disciplina Russa?

Silvelene - É. Russa, brasileira... É brasileira e... Para quem não conhece

pode achar até que é uma exigência muito rude, mas não, na verdade, nós

temos um tratamento normal. É que o balé já exige uma disciplina. Não tem

problema. Além disso, nós temos é... Bom, nós temos um teste a partir do

segundo semestre, e a partir daí eles começam a participar das

apresentações, mostras que são apresentadas pelo mundo. Desde o

aprendizado, eles já vão acostumando com a rotina profissional.

A primeira turma a se formar pelo Curso de Formação, como Técnicos em Artes,

com habilitação para Artistas de Ballet, será no final de 2007. A partir daí, há uma proposta

da direção e supervisão da escola que objetiva criar uma companhia de dança clássica da

escola. Para tanto, a escola já efetuou a contratação de profissionais da área com experiência

em trabalhos coreográficos em companhias de balé clássico, sem contar com o apoio direto de

Vassiliev, para a transmissão de coreografias do repertório clássico de balé.

37

1.4. Seleção de novos alunos

O exame classificatório é o meio de seleção tanto dos candidatos às bolsas de

estudos, como dos candidatos às vagas particulares. A diferença está no caminho percorrido

pelos dois tipos de candidatos. Os bolsistas, normalmente são selecionados dentro da rede

pública de Joinville, João Pessoa, (Pb), Teresina (Pi), Imbituba (SC), Araçuaí (MG) e os

particulares são provenientes das diversas regiões do Brasil e até mesmo de outros países.

As etapas do caminho dos bolsistas se dividem da seguinte forma: 1° Motivação, 2º

Pré-indicação e os que passarem por estas duas primeiras fases se encontram com os

candidatos particulares nas próximas etapas que são: 3º Médico–fisioterápica e 4º Artística.

O início do processo seletivo, no caso dos candidatos às bolsas de estudos, é um

treinamento com os professores de Educação Física das escolas conveniadas. O intuito deste

treinamento é torná-los aptos a selecionar algumas crianças para participar do exame. Antes

dos professores selecionarem as crianças, o Bolshoi faz uma palestra que é chamada de

“motivação”, destinada à todos os alunos das escolas participantes. De acordo com Sylvana

Albuquerque (coordenadora do núcleo de saúde e exames classificatórios) a motivação seria a

primeira fase do exame classificatório.

Sylvana afirma, que na fase da motivação a equipe do Bolshoi conversa com os

alunos de cada escola pública conveniada, num bate-papo informal na linguagem deles,

explicando o que é o dia-a-dia de um artista da dança, o que muda na vida deles caso entrem

para a escola. Conversam ainda sobre o respeito com o profissional da área, caso ele pretenda

ser bailarino e também tratam de conhecimento relativo ao mundo das artes. Nesta ocasião, a

equipe ainda mostra um vídeo produzido na escola, onde o Bolshoi é apresentado pelos

alunos (criança falando para criança). No documentário, alunos do Bolshoi contam um pouco

da experiência deles, quais são os deveres de um bailarino-aprendiz e quais os benefícios que

adquirem na escola, explicando como é o seu dia-a-dia.

A partir destas informações, a criança vai decidir se quer ou não entrar na Escola

Bolshoi. Então, as crianças que, a partir da palestra e do vídeo, manifestam algum interesse no

projeto, decidem com a família se participarão da próxima etapa. Mas conforme observamos

nas entrevistas, não são todos os casos que a inscrição é feita com a concordância pais.

38

O Bolshoi foi tudo para mim! Quando eu comecei a fazer os exames

classificatórios o meu pai não gostou muito. Ele falava: “Ah, Isso é coisa de

menina”! Essas coisas... ele sempre fala isso. Os três testes primeiros eu fiz

escondido dele. Ele chegou para a minha mãe e viu o bilhete dela assim:

“Mãe eu fiz os três”. Daí, ela disse para ele assim: “Ele passou e agora

tem que fazer as outras duas etapas”. Então, o meu pai concordou e disse:

“Se ele já passou nos três testes...” Daí, eu entrei aqui... (emociona-se e

chora). Eu fiz o último teste e fui para a escola ver o resultado. Daí, a

mulher disse assim: “Você não passou. Não, realmente ele não passou”

Então, meu pai disse: “Então liga no Bolshoi agora” Daí a diretora ligou e

disseram que eu tinha passado. Daí, meu pai começou uma discussão com a

diretora, falou um monte de coisa para a diretora daí eu saí daquele

colégio e me matriculei neste (Germano Hill)6.

A próxima etapa é a pré-indicação, na qual os professores de Educação Física

selecionam entre as crianças que retornaram com resposta positiva de casa, as que, na opinião

deles, teriam condições de participar do teste. De acordo com Sylvana Albuquerque: “Eles

assistiram à palestra e os que querem vão falar para o professor: eu quero, eu conversei com a

minha família”.

Então, o professor seleciona pelo biótipo, elasticidade, abertura de coxas e quadris,

entre outras características que, segundo Sylvana, o bailarino “tem que ter” e os selecionados

participam de uma aula lúdica com uma banca da escola, composta por uma pessoa do núcleo

de saúde e uma pessoa do núcleo artístico. Através desta aula, os profissionais vão avaliar

coordenação motora, biótipo, idade mais adequada, ritmo, musicalidade, projeção cênica. A

partir destas características, os alunos são pré-indicados para a última etapa, que é dividida em

duas partes.

Os critérios de seleção são extremamente rigorosos e excluem a maioria das crianças

nas primeiras etapas, antes mesmo de passarem pelo exame classificatório na escola. Como

observamos nas entrevistas aos alunos do Bolshoi, grande parte deles passou apenas na

segunda ou na terceira tentativa.

6. Depoimento do aluno W.V. (13 anos), quarto ano do Curso de Formação da ETBB.

39

Na maioria das vezes, os candidatos nem chegaram a passar pelo exame artístico;

foram reprovados nos testes físicos porque examinadores encontraram alguma limitação que

não correspondia ao “biótipo perfeito para o balé” que procuravam. A aluna da quinta série do

curso de formação T.A. revela que só passou na quarta vez que tentou, pois tinha o “quadril

fechado”, então fez fisioterapia durante alguns anos para abrir o quadril e depois disso passou.

São muitos os casos em que as crianças, por não passarem na primeira vez, se matricularam

em algum curso de dança para adquirir elasticidade, abertura, etc., tentaram novamente no ano

seguinte e passaram. 7

Somente os alunos que passarem pela médico–fisioterápica podem fazer a etapa

artística. Em entrevista a aluna R.F. afirma que os avaliadores falaram para os candidatos após

a etapa médica - fisioterápica que, alguns alunos teriam que fazer novamente a avaliação em

outro dia. Estes eram os alunos classificados para a próxima etapa, mas isto só lhes foi

revelado depois que os outros foram embora.

Na etapa médico–fisioterápica o candidato é visto por ortopedistas, pediatras,

professores de dança clássica, professores de Educação Física e fisioterapeutas. Neste exame

os especialistas avaliam questões como: articulações, musculatura, ligamentos, ossatura,

apalpam o candidato para ver se possui alguma protuberância (caroço), enfim, avaliam se ele

tem todas as condições físicas e também observam o que consideram aptidão (habilidade para

os exercícios de dança). Dentro desta etapa médico-fisioterápica é feita a ficha clínica com os

dados principais de cada participante. São eles: a ficha da avaliação postural, feita por um

fisioterapeuta, os testes especiais feitos pelo ortopedista e os dados clínicos que são vistos

pelo pediatra, tais como aparelho respiratório, batimentos cardíacos, apalpação

(procedimentos comuns da pediatria).

Há também a avaliação fisioterápica específica composta por movimentos de dança

como: borboleta, sapinho, entre outros específicos para a dança e a avaliação física feita pelo

professor de Educação Física, para ver os candidatos saltando e em movimento.

7. Vanessa: Você passou na primeira vez que fez a seleção?

B.F.: Não. Na primeira vez e não conseguiu passar nem na primeira etapa. Depois eu tive dois meses de aula com a professora de

dança, de jazz que já deu aula aqui também, e ela disse que eu tinha condições. Trabalhei bastante, e em quinze dias eu já tinha um

monte de coisa, aí ela me indicou, porque ela viu que eu melhorei bastante, aí eu fiz de novo e passei.

J.H.: Eu fiz o teste todo, daí chegou o último e eu não passei. Daí no outro ano eu queria fazer de novo, mas o professor esqueceu

de chamar a gente, daí nós perdemos a oportunidade. Aí no outro ano eu fiz jazz na escola e a professora me chamou para fazer o

teste, daí eu passei. 7

(Depoimento das alunas B.F. e J.H. da sexta série do Curso de Formação da ETBB).

40

Assim, juntando todas essas fichas e todos estes dados, a equipe decide se o

candidato vai para a etapa seguinte, a artística, que é marcada em outro dia. Os candidatos

participam de uma aula com uma banca composta por professores brasileiros e russos, que

avaliam, através da aula, quem são os mais aptos, quem tem maior habilidade e os que,

segundo a equipe, possuem as características necessárias para ser bailarino e têm aptidão pra

dança. Este é o caminho dos bolsistas.

Podemos observar aqui, que o processo seletivo da Escola do Teatro Bolshoi no

Brasil possui critérios extremamente médicos. Chega a ser tão importante a etapa médico-

fisioterápica, que é anterior a etapa artística, estando a última condicionada à passagem pela

anterior. Quase todas as crianças que entrevistamos, disseram que a etapa médico-

fisioterápica é a mais difícil e que os médicos observam os “mínimos detalhes”. Nesta etapa, a

criança é examinada apenas com a roupa íntima (calcinha ou cueca), as meninas de top e os

meninos de regata justa ou sem camisa, como numa consulta pediátrica. Isso parece se fundar

no principio de que, para a prática de balé clássico é necessário um tipo físico especifico, para

isso é feita avaliação detalhada do tipo físico. Outro aspecto examinado é a saúde do

candidato, pois a rotina da escola é pesada em termos de atividade física, portanto, o aluno

precisa ser saudável para suportar a carga que será exigida de seu organismo.

Assistindo às aulas das turmas da primeira série, reparamos que o físico dos alunos

que ingressam na escola é muito padrão e, que as crianças possuem uma grande elasticidade,

uma boa postura, abertura de coxas e quadris e suntuosos “colos de pé”. Através do exame

seletivo, a escola seleciona a “matéria-prima” que julga como ideal para o trabalho da técnica.

O caminho dos estudantes particulares passa pelo mesmo exame classificatório (que

são as duas últimas etapas), junto com os bolsistas. Os particulares só não participam das duas

primeiras etapas na escola, a motivação e a pré-indicação. Inscrevem-se direto para o exame

classificatório, indo direto pra etapa médico-fisioterápica.

Se tiverem a idade entre nove e onze anos, não passam por nenhuma etapa anterior,

participam junto com os alunos da rede pública. Sem a necessidade de conhecimento prévio

em dança, poderão ingressar ainda na primeira série. Se tiver mais que onze anos, o aluno

precisa ter conhecimento prévio em dança e participará do processo seletivo junto com os

candidatos para Estágio Modular e concorrer às vagas remanescentes das turmas já existentes

na escola.

41

O processo dos candidatos ao Estágio Modular é bem diferente dos demais. O aluno

tem que mandar, junto com a ficha de inscrição, uma fita de vídeo VHS ou DVD contendo a

gravação de uma aula de dança com o tempo máximo de quarenta e cinco minutos e boa

visualização.

Para o Estágio Modular em Dança Clássica, a gravação deve conter uma aula com

exercícios básicos de balé na barra e no centro em filmagem frontal com enquadramento

individual do candidato. As meninas deverão estar de sapatilhas de ponta, “colant”, meia-

calça clara e sem acessórios. Os rapazes deverão estar uniformizados com malha, sapatilhas

de meia-ponta e sem acessórios. O candidato ainda precisa apresentar um comprovante de

freqüência ou uma carta de referência da escola em que freqüenta aulas de dança, currículo e

atestado médico comprovando condição de saúde apropriada para as atividades físicas.

Com material em mãos, a equipe de coordenação do exame classificatório analisa os

vídeos, segundo os requisitos necessários para escolher os candidatos pré-indicados, aptos a

prestar o exame classificatório.

Para o Estágio Modular em dança contemporânea no ano 2006 a escola ofereceu

vinte vagas, entre masculinas e femininas, para o período vespertino. O curso tem duração de

quatro anos e também exige a idade mínima de 13 anos e vivência nesta linguagem de dança,

comprovada pelo mesmo procedimento do candidato ao Estágio Modular em Dança clássica.

Este tipo de avaliação é o caminho dos candidatos ao Curso de Formação particulares

e acima de onze anos, ao Estágio Modular em Dança Clássica e Estágio Modular em Dança

Contemporânea. Após o envio do vídeo, participam da etapa médico-fisioterápica e da etapa

artística, e os que forem aprovados ingressam na escola.

A classificação do candidato no exame, não se dá apenas por “ordem de colocação”

versus “número de vagas oferecidas”. O candidato tem que atingir a média classificatória para

entrar na escola. Por exemplo, se a escola oferece oitenta vagas, os oitenta primeiros

classificados com nota mais alta, que tenham atingido a média são os que vão entrar, como no

vestibular. Pode ser que o candidato número oitenta e um tenha média pra entrar na escola,

mas se não existir a vaga, vai para a lista de espera e entra somente se houver desistência, na

segunda chamada. Se for o caso do aluno ter colocação entre os 80 primeiros, mas possuir

média abaixo de três, não entrará em nenhuma das chamadas.

42

Às vezes o aluno não entra na primeira vez, não por falta de aptidão, mas

sim, por que não tinha a vaga. E quem não entra, também não se pode dizer

que não pode dançar. Esse exame classificatório, a gente faz para o método

Vaganova, mas existem outras metodologias de dança clássica. Então,

dentro da metodologia Vaganova, são essas as características que a gente

observa. Então, de repente o aluno não vai ter condições de entrar para

fazer o método Vaganova, mas vai poder fazer o método Italiano por

exemplo. É importante ressaltar isso. Não quer dizer que porque não entrou

na escola não pode dançar, em absoluto. 8

Sylvana afirma ainda que, tanto na fase da motivação quanto na ocasião da inscrição

para o exame classificatório, a equipe conversa com o candidato e com os pais sobre esta

possibilidade de reprovação. Na conversa, a equipe explica que uma eventual reprovação não

está condicionada à aptidão e não significa que o candidato não tenha condições para dançar.

Na ocasião, segundo Sylvana, a equipe do Bolshoi os incentiva a seguir em uma outra

metodologia de ensino, caso queiram dançar. Neste caso, um nome mais apropriado para esta

etapa talvez fosse: “Desmotivação”.

Na motivação a gente conversa muito sobre isso com eles falando: “Olha,

se você tem preguiça de fazer exercício não adianta você querer entrar na

escola porque você vai ter que fazer exercício lá dentro”. Então, a gente

tenta abrir os olhos para que eles escolham. E, com a ajuda do professor de

Educação Física, a gente faz uma reunião.

Todas as escolas da rede pública de Joinville podem participar da seleção; o único

impedimento possível é a própria escola não querer participar. Mas, de acordo com a equipe

de coordenação dos exames todas participam, é um movimento da cidade inteira. Além disso,

mais de mil pessoas de outras cidades vêm para o exame classificatório e as cidades parceiras

também participam com todas as escolas.

8. Depoimento da Coordenadora de Exames da ETBB: Sylvana Albuquerque em entrevista concedida em março de 2006.

43

Em João Pessoa e Campina Grande (PA) e em Teresina (PI) a escola não está mais

fazendo o exame porque não tem mais vaga para a moradia dos alunos que vêm de lá. A

parceria entre o governo, os municípios e o Bolshoi mantem uma casa na qual habitam dez

pessoas de João Pessoa. Na casa de Teresina também não há mais vagas, pois há dez crianças

de lá morando em Joinville. Por motivo da falta de local para abrigar as crianças de outros

estados, a escola não está mais fazendo exame nestes lugares até a conclusão da nova sede

projetada por Oscar Niemayer.

Em 2005, a Escola fez seleção em Araçuaí (MG) e Imbituba (SC), pois ganhou do

Sr. José Antonio Barcellos de Mello um comodato por quatro anos, disponibilizando toda a

estrutura residencial para acomodar cerca de vinte crianças na casa. Na ocasião da reforma e

das adequações feitas pela escola, obteve apoio dos “Amigos do Bolshoi” em doações como

as da Companhia Fabril Lepper, que cedeu roupas de cama, mesa e banho. A casa foi

intitulada como: Casa do Ballet Mello.

Os exames seletivos do Bolshoi do Brasil são abertos para o mundo inteiro. Segundo

Sylvana, crianças da Argentina, do Uruguai, dos EUA, da Holanda estudam na escola, por ser

mais viável financeiramente do que estudar nas famosas escolas de dança da Europa, da Ásia

a da América do Norte.

(...) porque o Bolshoi é uma escola que está em Joinville, mas é uma escola

do mundo. É a única da América. Nós temos pessoas que estão estudando lá

nos EUA, no Royal, que querem sair de lá porque aqui vai ficar mais

barato, tem mais condições, então, até nos testes tem muitas pessoas que

vêm de fora fazer.

Na ocasião do exame classificatório, a banca não tem conhecimento de qual

candidato é bolsista e qual é particular, segundo a coordenação da escola. Por este motivo,

não há uma divisão específica de vagas entre bolsistas e particulares, o único critério é que

passem no exame os primeiros colocados segundo o número de vagas disponíveis, não

importando se é candidato à bolsa.

44

Porém, o que pode ocorrer, é que o aluno particular recorra a alguma empresa ou

pessoa física em busca de patrocínio pessoal, passando assim para o grupo de alunos bolsistas

após o exame. Alguns alunos afirmaram nas entrevistas que, passaram como candidatos

particulares, mas o Bolshoi ofereceu bolsa pelo bom desempenho no exame, com a condição

de saírem da escola particular (no ensino regular) e matricularem-se em uma escola da rede

pública. Mas nem todos os casos são tão simples assim, em muitos o aluno precisa buscar seu

patrocínio por conta própria, como o caso de C.M. (Candidata ao Estágio Modular transferida

para o Curso de Formação):

Vanessa - Você passou na primeira vez que participou da seleção? Conte

um pouco sobre a experiência de passar pela seleção.

C.M. - Não, eu passei na segunda vez que participei da seleção. A seleção é

bem rigorosa, com exames médicos e artísticos. Quando você vai lá, no dia

dos resultados e vê seu nome na lista de aprovados, é simplesmente

maravilhoso, pois você sabe que todo o seu esforço para participar da

escola valeu muito a pena. No começo havia bolsas de estudo para o

município e para a Casa da Cultura (eu estudava lá) quando passei para o

particular (detalhe que naquele ano eu tinha sido a única aluna da Casa da

Cultura a passar no teste) meus pais procuraram todos os meios de

conseguir a bolsa que eu tinha direito chegamos a pagar a primeira

mensalidade. Depois o Bolshoi chamou a gente e disse que tínhamos

conseguido um patrocínio somente para a mensalidade, o uniforme eu tinha

que pagar. No segundo ano eles me avisaram que, pelo meu desempenho, o

patrocinador resolveu pagar todas as minhas despesas até eu terminar o

curso. Mas acho que nem todas conseguem. Talvez eu tenha conseguido

porque quando passei era pra ter sido com bolsa e meus pais correram

muito atrás. 9

9. Depoimento da aluna C.M. da sexta série do Curso de Formação da ETBB. Entrevista concedida em março de 2006.

45

Hoje a gente tem 95% para mais, de alunos bolsistas, porque a demanda é

maior, e muitas vezes o bolsista é aquele talento nato. Normalmente os que

vêm da rede pública nunca fizeram dança, mas às vezes o particular não

tem tanta condição física, mas tem dinheiro para estar pagando uma aula

de dança, então, às vezes vem de uma escola de dança e não passam,

porque não tem aquela habilidade nata, mas o bolsista da rede pública

como ele sofreu, quer dizer, sofreu não, né? Ele passou por esse processo

de seleção. É o talento que vai dizer e não é “pagou passou”, porque não

tem como passar pela banca médica e pela banca artística, principalmente

porque eles não sabem, pois isso não vai diferenciar o aluno.10

A posição de todos os profissionais da escola que entrevistamos a respeito da divisão

de vagas, entre alunos bolsistas e particulares, foi a mesma que é apresentada no trecho

anterior. Todos relataram que não há diferença porque a banca não sabe qual candidato

concorre à bolsa, mas, mesmo assumindo que não há diferença, a coordenadora de exames

apresenta, sob seu ponto de vista, uma diferença que também foi abordada pela coordenadora

pedagógica Silvelene Stolf.

Sylvana Albuquerque afirma que o que seleciona realmente é a condição física do

candidato, quando diz que “às vezes o candidato particular não tem tanta condição física, mas

tem dinheiro para pagar aulas de dança” e que o candidato que vêm da rede pública tem “um

talento nato, pois passou (sofreu) pelo processo de seleção”. Esses comentários evidenciam

novamente que a ênfase do processo seletivo está nas condições físicas apresentadas pelo

candidato, o que está ligado a um foco totalmente voltado a preocupação profissional.

Você entra aqui na escola, você não diz quem é bolsista, pois estão

uniformizados iguais, comendo a mesma refeição, todos com gel no cabelo.

Todos da primeira série tiveram aula de higiene na primeira semana,

passaram pelo banheiro, aprenderam a escovar os dentes, pentear os

cabelos, então isso padroniza.

10. Palavras da Coordenadora de Exames da ETBB: Sylvana Albuquerque em entrevista (vide Anexo I), março de 2006.

46

Esta questão da padronização do status social das crianças, também é muito

enfatizada pela escola. Realmente é difícil percebermos a diferença social entre elas se não

soubermos de suas histórias de vida. Mas é inevitável que as crianças comentem com os

demais a respeito do seu modo de vida e das dificuldades pelas quais passam. Um exemplo

disso são os depoimentos que colhemos nas entrevistas, muitas vezes emocionados, onde as

crianças revelaram suas histórias de vida com detalhes para pessoas estranhas com quem

conversavam pela primeira vez.

Embora Sylvana Albuquerque tenha comentado que há um processo educacional, no

qual incentivam as crianças com alto poder aquisitivo compartilhar experiências, como por

exemplo, as viagens ao exterior através de fotos e crianças que estão acostumadas a

simplicidade das “peladas” no campinho do bairro da periferia levarem os colegas que nunca

haviam brincado na rua a participarem desta experiência; não podemos afirmar que não são

diferenciadas pela sociedade pois possuem uma vida exterior ao Bolshoi. A maioria das

crianças com baixo poder aquisitivo sofrem muito para manter o “sonho” de estudar na Escola

do Bolshoi, muitas precisam separar-se dos pais que moram em outras cidades, outras

precisam ajudar os pais com as obrigações de casa, enquanto que, as que possuem melhores

condições de vida preocupam-se somente com os estudos.

Tem também os casos de crianças que não tem condição nenhuma, mas tem

uma empresa que patrocina. Tem vários casos, tem uma que a mãe veio

para a criança fazer o exame classificatório, da Bahia, mas já veio com a

mudança e nem sabia se a filha ia passar ou não, e ela não passou, aí ela

tentou um outro ano e no ano seguinte ela entrou. Mas tem umas loucas

assim. Esse menininho que estava aqui (o Kiran), ele é holandês, ele veio da

Holanda, a mãe dele veio com tudo agora.

Muitos pais chegam a mudar-se para Joinville em busca de um “sonho” e deparam-se

com a decepção da reprovação. Tivemos a oportunidade de conhecer uma garota, chamada

Lígia, no Festival de dança de Joinville, que nos contou que havia se mudado com a mãe para

Joinville há três anos, na tentativa de entrar no Bolshoi, enquanto o seu pai continuava em São

Paulo, trabalhando para mantê-las. Após o quarto ano de tentativa sem resultado, informou-

nos que não tinha conseguido e voltou para São Paulo, pois não havia mais condições para se

manter na cidade.

47

Desta maneira, muitos arriscam tudo sem a garantia da bolsa e até, prestam o exame

como candidatos particulares, na esperança de entrar com mais facilidade. Quando algum

candidato que não tem poder aquisitivo para manter a alta mensalidade da escola, os custos

com uniforme, figurinos e viagens passa como aluno particular, acaba tendo que recorrer ao

patrocínio individual junto às empresas que prestem esse tipo de apoio. Esse assunto será

abordado de forma mais detalhada no terceiro capítulo.

No site da escola do teatro Bolshoi, encontra-se a ficha de inscrição para o exame

classificatório e o Manual do candidato, contendo as regras dos exames e definições dos

requisitos necessários para cada curso.

No ano de 2006, passaram para a última fase do exame classificatório 452

candidatos, deixando pelo caminho 3303 crianças que compartilhavam o mesmo sonho.

Dentre os finalistas haviam concorrentes de diversos estados do país: Brasília, São Paulo, Rio

de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiânia e de Minas Gerais.

O processo seletivo para os alunos da rede pública dura praticamente o ano todo,

pois, o professor de Educação Física inicia seu trabalho anual buscando observar quem possui

o perfil para o teste. A motivação geralmente ocorre no mês de agosto. No mês de outubro é

realizada a etapa de Pré-indicação para a admissão de novos alunos que ocorre na própria sede

da escola. Os indicados para a próxima fase só retornam no mês de dezembro, para

participarem dos exames classificatórios juntamente com os candidatos particulares e para

estágio modular em dança clássica.

Os primeiros colocados nos exames de seleção recebem bolsa de estudo e os demais

pagam uma mensalidade de R$ 425,00. As vagas são para ambos os sexos.

1.4.1. Seleção Natural?

48

Às vezes, se é perfeito no primeiro ano, mas, depois, os ossos crescem,

surgem as limitações para desenvolver a técnica.11

A metodologia aplicada na escola do teatro Bolshoi é a criada por Agrippina

Vaganova. A bailarina, professora e diretora Agrippina Yakovlevna Vaganova nasceu em São

Petersburgo no ano de 1879 e graduou-se na escola russa de Balé Imperial em 1897. Neste

mesmo ano, participou da formação do teatro Mariinsky, onde ficou conhecida como “a

rainha das variações”, pelo fato de executar brilhantes saltos, interpretando no palco papéis

fortes como Odette e Odile do balé “O Lago dos Cisnes” e a Czar-moça do balé “O Cavalo de

Humpbacked”.

Vaganova foi promovida para a posição de “Primeira Bailarina” em 1915 e dois anos

depois retirou-se de cena e passou a dedicar-se ao aperfeiçoamento pedagógico da técnica

clássica. Após a revolução russa, em 1921, começou sua trajetória no ensino de dança, no

Leningrado Khorteknikum (antiga Escola de Balé Imperial), da qual se tornou diretora no ano

de 1934. De 1934 a 1941, treinou os professores na Leningrado Escola de Balé e de 1946 a

1951 no Conservatório de Leningrado.

Seu sistema de ensino enfatizava a harmonia e a coordenação de todas as partes do

corpo, em particular a parte de trás, proporcionando aos bailarinos, condições de realizar

manobras acrobáticas em pleno salto. Vaganova foi aluna do bailarino Pavel Gerdt e foi

responsável direta pela formação de célebres bailarinos russos como Marina Semenova,

Galina Ulanova e Natalia Semenova. Neste ínterim, escreveu a obra “Os fundamentos da

Dança Clássica”, exercendo grande influência sobre a evolução técnica de bailarinos do

Bolshoi e do Kirov Ballet.

Agrippina faleceu em Leningrado no ano de 1951, mas deixou seu legado através da

metodologia que até hoje é transferida aos bailarinos formados pelo Bolshoi, tanto na Rússia

como no Brasil.

A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil enfatiza com orgulho a utilização do método

Vaganova para a formação de seus alunos, dizendo ser comprovada a sua eficácia pelos

resultados excelentes obtidos há séculos na Rússia.

11. Palavras do bailarino Ukraniano Denys Nevidomy para o Informativo Bolshoi Brasil nº.3, Joinville, 2001.

49

Porém, cabe aqui uma comparação entre constituição corporal dos russos e a dos

brasileiros. É evidente que, pela grande mistura de etnias no Brasil, o brasileiro não possui as

características corporais bem definidas. Não podemos generalizar um perfil exato do corpo

dos brasileiros. Já os russos, possuem características corporais bem definidas. Ainda que

existam exceções, a maioria possui corpo esguio e pernas bem alongadas. Sylvana

Albuquerque, no ano em que acompanhou o processo de seleção de novos alunos no Bolshoi

russo, a fim de aprimorar o exame classificatório aplicado na filial brasileira, observou tais

diferenças:

Uma percepção que ficou muito clara para a doutora Sylvana é a diferença

dos corpos das crianças russas e das brasileiras. Nessa experiência, a

fisioterapeuta buscou observar o biótipo de cada país, concluindo que cada

um tem suas especificidades e por isso a metodologia de seleção de novos

alunos precisa manter semelhanças, mas é normal que apresente

diferenças. 12

Em ocasião da última visita feita à escola no Brasil, ao assistirmos as aulas da

primeira série e da quarta série femininas do curso de formação, tornaram-se evidentes as

mudanças no corpo das bailarinas. Na primeira série (9 a 11 anos), os corpos pareciam

obedecer a um padrão: esguios, alongados e muito flexíveis; chega a ser difícil acreditar que

nunca passaram por uma sala de aula de balé antes do Bolshoi, pois possuem todas as

características exigidas pelo balé clássico. Já na quarta série (13 a 15 anos) é possível

observar as diferenças claramente: algumas muito altas, outras mais baixas, pernas curtas ou

muito longas, quadris mais desenvolvidos, pernas grossas, braços muito longos, bustos fartos,

algumas muito flexíveis, outras com menos flexibilidade. Essas diferenças corporais acabam

por excluir algumas alunas causando o que pode ser considerado como uma nova seleção: a

seleção natural dos futuros bailarinos da escola.

12. Informativo Bolshoi Brasil Ano II - nº.7. Joinville, 2002.

50

Após o término da aula da quarta série, ao questionarmos a professora quanto a este

aspecto do desenvolvimento do físico das alunas; perguntando como trabalhavam com essas

mudanças que ocorriam com o passar dos anos, a resposta da professora A.H. foi que isso

acaba acontecendo, que é inevitável que algumas alunas “não se adaptem ao método” devido

ao desenvolvimento do físico.

A escola fornece todas as condições para que o aluno desenvolva a técnica,

mas depois do desenvolvimento corporal pode não se adaptar, por este

motivo, a escola criou o núcleo de dança contemporânea, para que o aluno

que não se adaptar ao método Vaganova que necessita de certas condições

para ser desenvolvido, possa continuar dançando. 13

Este tipo de pensamento está bem relacionado ao pensamento exposto por Noverre

nas antigas “cartas sobre a dança”, editadas pela primeira vez no ano de 1760.

É raro, senhor, para não dizer impossível, encontrar homens totalmente

bem-feitos. Por esta razão, é comum defrontarmos-nos com uma multidão

de bailarinos mal construídos, nos quais freqüentemente percebemos

defeitos de conformação, que os recursos da arte dificilmente corrigem.

Seria talvez uma fatalidade própria da natureza humana querer sempre

distanciar-nos do que convém, levando-nos a seguir uma carreira na qual

não conseguimos nem caminhar, nem sustentarmo-nos? É a cegueira, a

ignorância a respeito de si mesmo que origina essa multidão de maus

poetas, de pintores medíocres, de comediantes sem imaginação, de músicos

barulhentos, de bailarinos ou saltimbancos detestáveis; o que quer dizer,

senhor, de todas essas espécies de homens insuportáveis. Esses mesmos

homens, se colocados em seus devidos lugares, teriam sido úteis à

humanidade, bem merecido sua pátria. O verdadeiro talento, fora do lugar

e da posição que lhe é destinada, desperdiça-se, torna-se, dependendo do

caso, mais ou menos ridículo.14

14. Palavras da professora A.H. em entrevista cedida na ETBB, março de 2006. 15. MONTEIRO, Marianna. Noverre - Cartas sobre a Dança. São Paulo: Edusp, 1999, p.309.

51

A justificativa dos professores do Bolshoi do Brasil para explicar os casos de alunos

que acabam desistindo (após passar por tão rigorosa seleção) é que o corpo das crianças acaba

se desenvolvendo de maneiras diferentes e que “não se adapta à metodologia, à técnica

aplicada”. No discurso da professora A.H. fica claro que os futuros bailarinos são novamente

selecionados, mesmo após ingressarem mediante ao rigoroso Exame Classificatório. Vejamos

a seguir, como a professora A.H. relata o tratamento habitual da escola aos alunos que

desenvolvem um físico “incompatível” com a técnica aplicada:

A princípio, elas entram na escola através de um exame classificatório(...) É

claro que eles chegam muito pequenos, né? Eles chegam aptos para a

atividade, através desse exame eles tornam-se aptos, mas eles vão se

desenvolvendo e, cada um, embora a escola procure ter um biótipo

homogêneo, que se aproxime ao ensino da técnica, sempre acabam sendo

diferentes. Um aluno é diferente do outro, pela sua constituição física.

Então, o que acontece? Ao longo dos anos ele vai tentando se adaptar ao

método.

Conforme já abordamos, a ênfase do exame classificatório, observa especificamente

a constituição física do aluno e, segundo a professora A.H. somente os que passam por este

exame são aptos à atividade, mas com o desenvolvimento físico alguns se distanciam do

“ideal homogêneo de biótipo” procurado pela escola. Mas o “biótipo ideal”, segundo a visão

profissional de padrão russo, que no decorrer do tempo, com o desenvolvimento físico do

corpo dos brasileiros, acaba excluindo aqueles que não se encaixam no perfil idealizado pela

escola.

Aqui o método é russo, não é um método brasileiro. O corpo do russo é

totalmente diferente do brasileiro, então, tem todas essas coisas, como

posso falar? Tem todas essas observações significantes ao ensino da

técnica. Não é que o aluno seja ruim. Não. Ele entra apto a estudar a

técnica da dança clássica russa, mas ao longo dos anos ele vai se

desenvolvendo, e vai se descobrindo também, se identificando com essa

escola.

52

O trecho acima, mais uma vez demonstra que, na visão da escola, a constituição

física determina a “aptidão” do aluno ao método russo. Esse tipo de pensamento está

totalmente ligado a uma visão de seleção que está longe de ser natural, mas é tratada com

naturalidade pelos profissionais da escola, como se o aluno tivesse que se conformar em

escolher outro caminho devido às “limitações físicas” que a natureza lhe reservou.

Essa linha de raciocínio desconsidera totalmente o fato de que a forma natural do

corpo desses alunos era a que eles tinham antes de ser aplicada à técnica do balé. Não é

difícil, nem mesmo para quem é leigo no assunto, perceber as modificações que ocorrem no

corpo dos bailarinos. Existem vários casos de bailarinos que, após anos de dedicação a esta

técnica desenvolveram sérias lesões corporais nos pés, joelhos, coluna e bacia.

O discurso da professora ainda demonstra que este tipo de seleção é voltado ao

desenvolvimento profissional do bailarino. Podemos perceber ainda que entendem como

profissional, somente a formação ligada ao balé clássico pois A.H. exclui os “outros mercados

de dança” daquilo que descreve como “linha profissionalística”, como podemos observar no

trecho abaixo.

Acho que o professor da escola tem que lidar com esse tipo de questão, por

que o aluno entra na primeira série para cursar os oito anos. Ele entra

novo e vai conhecer muitos mercados da dança, mas também, para uma

linha “profissionalística”. E ele vai escolher se é isso que quer, ou não. E

muitos entram sem conhecer, achando que já vão vestir a sapatilhas de

ponta. Não sabem que existe todo um trabalho necessário para bailarino

poder atuar. E nesse tempo, as questões técnicas e físicas lhes são

apresentadas. E tem alunos que não chegam a completar o curso, mas não

por que não tinham condições. Porque não se adaptaram ao método.

Alguns por questões físicas e outros por não se identificarem. Mas isso

acontece...

53

Embora alguns destes alunos sejam transferidos ao Estágio Modular em Dança

Contemporânea e encarem a mudança com naturalidade e alívio por não precisarem desistir

após tão árdua seleção e tanto trabalho técnico, específico para o balé clássico, sem dúvida

este tipo de pensamento gera uma nova seleção: a seleção daqueles que, segundo a visão da

escola que é extremamente concentrada físico, estão aptos para desenvolver a técnica clássica.

O que pode ocasionar a frustração dos alunos que forem de certa forma, “excluídos” do Curso

de Formação ou do Estágio Modular em Dança Clássica.

(...) As rígidas escolas, técnicas codificadas, métodos universalizantes,

procedimentos coreográficos pré-determinados, sistemas de avaliação

impiedosos representam amarras a serem desprendidas, formas a serem

anuladas, filosofias a serem contestadas.16

Concordando com o pensamento crítico de Isabel Azevedo Marques em sua obra:

“Ensino de dança hoje – textos e contextos”, acreditamos que sob a rígida técnica do Bolshoi

russo, totalmente codificada pelo método Vaganova, formatada por antigos repertórios da

dança clássica e da dança popular russa e com um sistema de avaliação totalmente impiedoso,

que continua após o ingresso na escola, os alunos ficam condicionados. Este sistema precisa

ser contestado com urgência, sobretudo por lançar mão de argumentos da ação cultural e

social em seu discurso.

54

1.5. Profissionalização e a LDB para Ensino Médio

Profissionalizante

A Escola do teatro Bolshoi tem o seu Curso de Educação Profissional de Nível

Técnico, com habilitação em dança (para crianças de 9 a 11 anos – duração de 8 anos)

autorizado pelo MEC. Além disso, a escola tem a intenção de tornar o Estágio modular em

dança clássica e dança contemporânea em Ensino Médio Técnico Profissionalizante.

No primeiro informativo publicado pela escola, Bolshoi Brasil número um - ano I, na

matéria: “Empenho transformou o sonho em realidade”, a supervisora da escola, Jô Braska

Negrão, diz que nos primeiros meses de funcionamento a escola obteve muitas conquistas.

Aponta as seguintes:

... reconhecimento internacional, seriedade e cuidado em todos os aspectos,

um ‘reestudo’ sobre a dança, um repensar no ensino profissional, um

investimento nas técnicas artística e musical e uma busca por formação

mais ampla sobre a arte. 17

Estas palavras tornam claro que desde o início das atividades da escola e da

concepção do projeto, havia uma preocupação da supervisão com o ensino profissionalizante,

com a formação artística via balé, e com a projeção destes bailarinos, formados pela escola,

no mercado artístico.

(...) Sim, muito mais disciplina. Até demais! Você tinha que estar sempre

impecável, nos horários, educada, esforçada. Parecia que todos estavam te

olhando. Eu seguia as regras. Me esforcei muito, dei tudo de mim, mas tudo

do coração.18

17. Empenho transformou o sonho em realidade. Joinville, Informativo Bolshoi Brasil nº. 1 ano I, 2000.

Palavras de Joseney Braska Negrão sobre o primeiro ano de funcionamento da escola. 18. Palavras da ex-aluna do Estágio Modular em dança clássica A.V. em entrevista concedida via e-mail.

55

A visão de Jô Braska a respeito de “profissionalismo no balé” é bem diferente da

visão dos russos, pois, conforme declarações do ex-professor da escola A.S. (professor

residente russo que lecionou para as primeiras turmas da escola nos anos de 2000, 2001 e

2002), a supervisora era uma pessoa muito “difícil de lidar”, “pensava diferente” e era

“salsicha: nem peixe e nem carne”.

A.S. explica que tinha muitos conflitos com Jô pelo fato de ela não entender a

seriedade com que as crianças deveriam levar as aulas para serem profissionais, e que ela não

entendia nada de balé, pois a sua formação é em jazz (por isso ele usou a gíria russa: salsicha),

mas, mesmo assim, ela queria interferir no trabalho do professor em sala de aula. No

parágrafo abaixo, há um trecho sobre o assunto escrito por A.S. via e-mail:

Eu lembro que sempre foi difícil. Especialmente no início: a língua e

supervisora, era difícil trabalhar com ela. Fala demais! No Brasil a gente

pensa um pouco diferente. A Jô é amadora no seu ponto de vista e uma

pessoa que gosta de poder. Tudo junto e horrível! Geralmente o professor

faz seu trabalho até a avaliação, ninguém atrapalha. Não gosto das

salsichas em profissão! Amadores: Salsicha - não é carne, não e peixe. Não

entende nada e um pouco mais. Jô atrapalhava muito. Vou tentar explicar,

mas você lembra que eu não falo bem. Ela pediu para eu brincar com eles e

muitas coisas mais que são erradas e atrapalham trabalhar. Salsicha. O

balé não é jogo, é trabalho. 19

Os Russos encaram o balé como profissão desde o início dos estudos; para eles o

balé não pode ser um lazer, nem um passatempo ou diversão. Segundo as palavras de A.S., a

criança que escolhe seguir a carreira de bailarina precisa amadurecer mais rápido que as

outras, pois é uma profissão que começa cedo, aos 10 anos aproximadamente. A técnica

corporal para o balé modela o corpo para a prática desta dança, por este motivo, são obtidos

maiores resultados quando o aprendiz começa a trabalhar o corpo antes das transformações

físicas decorrentes do desenvolvimento que ocorre na adolescência.

19. Palavras do professor A.S. em entrevista concedida por e-mail em abril de 2006.

56

Jô Braska Negrão possui uma formação de dança em jazz e balé moderno, ambas as

modalidades de dança com modo de trabalho diferente do balé clássico, principalmente com

relação à disciplina. Por este motivo o professor russo A.S. a critica tanto e a julga como

“salsicha na profissão”. A.S. esperava que pudesse trabalhar na filial brasileira exatamente da

mesma forma que trabalhava na Rússia, com o mesmo nível de exigência, mas viu que aqui o

balé não é encarado como profissão desde a infância.

Porém, parece que isso só ocorria no início das atividades, pois na semana do dia seis

de março de 2006, quando foi feita a visita à escola, notou-se que as crianças encaram suas

responsabilidades e as aulas como adultos, com muito profissionalismo. Não há sinal de

brincadeiras ou conversas durante as aulas. Mas A.S. afirma em seu depoimento que as

criança não são ensinadas na Escola Bolshoi do Brasil como deveriam ser e que aqui é

diferente da Rússia:

Para ser bailarino precisa pensar diferente. As crianças têm que pensar

como as adultas. A pessoa normal recebe uma profissão com 18 - 20 anos

de idade, aqui recebe com 10. Não pode brincar com as crianças, mas

explicar que precisam trabalhar como se fossem adultas é o principal. Não

pode ser ao contrário. Eles entendem passo a passo. Neste caso precisa

fazer assim, ou nao terá resultados. Parece que as crianças não eram

ensinadas profissionalmente. Não deveria ter diferença de Moscou.

Parece que o termo “salsicha” usado por A.S. para descrever o comportamento de Jô

é algo que realmente nos faz pensar sobre a caracterização da escola no cenário do Brasil. A

escola é uma filial do Bolshoi Russo, tendo, portanto, a obrigatoriedade contratual de manter

o mesmo padrão da sede. Na Rússia, a escola é essencialmente profissionalizante, pois,

mesmo que em sua implantação em Moscou; seus primeiros alunos fossem crianças órfãs,

devido ao comunismo, a profissão de bailarino adquiriu status por ocasionar aos profissionais

da área privilégios incomuns à sociedade, o que tornou o ensino do balé na Rússia um curso

profissionalizante muito sério. Já no Brasil, a escola surgiu como Instituição Filantrópica e

sua proposta inicial é baseada nos princípios de “ação social”, “democratização da arte” e

“ação cultural”. Fazendo uma analogia com o pensamento de A.S., pode-se dizer que a escola

pelos padrões russos deveria ser “carne”, mas pelo modo como foi instalada no Brasil seria

“peixe”, no entanto, acabou ficando à base da “salsicha”.

57

É um marco artístico na história da dança no Brasil: primeiro, pela

oportunidade de educação e formação cultural proporcionada às crianças;

segundo, pela dimensão e impacto deste projeto social de arte e educação

dos lares e da sociedade. É uma escola corajosa e sem fronteiras. 20

Cabe muito bem aqui o pertinente comentário de Roberto Pereira (mestre em Filosofia

e doutor em Comunicação e Semiótica, crítico e autor de assuntos relativos à dança) em

ocasião de visita à escola, publicado pelo informativo Bolshoi Brasil número 7:

Pensar em um ensino de dança em projeto social hoje, no Brasil, é saber

que se está atuando numa área bastante espinhosa de relações. Várias são

as implicações decorrentes dessa empreitada, que às vezes não acomoda

muito bem política e arte, duas instâncias muito próximas, embora

mantenham suas especificidades bem claras enquanto atuação no mundo.

Apenas há que existir os cuidados de se pensar no que o Brasil difere da

Rússia. 21

Ainda na matéria “O empenho transformou o sonho em realidade” da edição

número um do “Bolshoi Brasil”, Jô Braska Negrão enfatiza que os alunos se empenharam

muito nos primeiros meses, encarando cada aula como se fosse uma preparação para uma

estréia. Na seqüência, destaca que os alunos acataram a “disciplina com prazer”, como “algo

que lhes faz bem”, que a freqüência é quase 100% e os pais apóiam muito os alunos.

Toda aquela disciplina russa, aliás, muito bem coordenada pela brasileira

Jô Braska Negrão, e aquele jeito que só nós latino-americanos possuímos,

ou seja, aquela musicalidade especial, aquele senso de ritmo com o qual já

nascemos e somos embalados por toda uma vida. Acredito que tudo isso é

moldar artistas competentes para trabalhar a médio e longo prazo em

companhias de repertório clássico... apesar das agruras culturais, sociais e

políticas, há várias razões para que esses jovens se dediquem com a maior

certeza de que vale a pena se preparar arduamente para entrar neste

mercado.22

20. Palavras de Carlos Cavalcante, professor de dança clássica e de preparação e prática cênica, registradas pelo Informativo

Bolshoi Brasil nº. 4 – ano I, 2001, em ocasião de visita a ETBB. (grifo meu) 21. Palavras de Roberto Pereira em matéria para o Informativo Bolshoi Brasil nº. 7 – ano II, 2002. 22. Palavras de Tíndaro Silvano, coreógrafo contemporâneo, registradas pelo Informativo Bolshoi Brasil nº. 4 – ano I, 2001, em

ocasião de visita a ETBB. (grifo meu)

58

O empresário João Prestes, marido da supervisora da escola, que funciona como uma

espécie de embaixador, intermediando as relações entre Brasil e Rússia, faz seus comentários

(muito parecidos com os de sua esposa) sobre o primeiro semestre da escola no Brasil. Dentre

as palavras usadas por ele para definir a escola e sua atuação no Brasil, destacam-se:

qualidade, diferencial, conquista, satisfação, resultados, melhor. Palavras que conotam uma

preocupação com o desenvolvimento profissional e técnico.

É como se eles estabelecessem o contraste das polaridades - a neve da

Europa e o calor dos trópicos - como prenúncio de continuidade e expansão

de uma cultura de dois séculos. Tudo parecia estar alinhado no sentido de

ancorar, em pleno mês de março o projeto do Bolshoi brasileiro, que

mesmo respeitando as características originais da escola russa,

incorporaria o espírito, a ginga e a graça da musicalidade e do ritmo da

nação verde-amarela. 23

Em uma entrevista com Dimitri Briantsev, ícone do balé russo em ocasião de visita à

sede brasileira na qual ministrou aula e apoiou a escola, ele declara: “Na minha opinião, tem

tudo para se transformar numa das melhores escolas de formação em dança. Pelo menos

todas as condições estão dadas. O mais importante é que a direção e os professores da escola

são muito bem capacitados e, quando as cabeças são boas, as pernas começam a trabalhar”.

Na primeira edição do Bolshoi Brasil a matéria de capa: “Escola brasileira nasce

sob o signo e a tradição Bolshoi”, aponta a filial de Joinville como a mais concorrida escola

de dança do Brasil. E no informativo número três do mesmo ano em nota sobre a concorrência

é dito que na revista “Veja”, o sonho de entrar para a escola do teatro Bolshoi no Brasil foi

apontado como o oitavo mais difícil de ser realizado, pois em seu primeiro ano já apresentava

43 candidatos por vaga.

No primeiro ano de atuação da escola, as vagas para o Curso de formação foram

preenchidas por 90 alunos, selecionados dentre 20 mil estudantes da rede pública de ensino e

ainda 10 para o curso de aperfeiçoamento, contemplados com bolsa integral. Outros 81 alunos

ingressaram na escola como alunos particulares com uma mensalidade de cerca de R$ 400, 00

no primeiro ano de atividades da escola.

23. PINHEIRO, Dinah Ribas. Informativo Bolshoi Brasil nº. 1 (Bolshoi materializa um sonho – Primeiro

Passo). Joinville, 2000. (grifo meu)

59

Em 2002 o Curso de Formação aumentou o número de inscritos em sua primeira fase

de seleção para 46 mil estudantes, apenas da rede pública de ensino regular de Joinville.

Destes, permaneceram cerca de 1000 candidatos para o exame classificatório que aprovou 80

alunos, sendo 40 meninos e 40 meninas. Segundo dados do vídeo motivacional da escola a

metade dos alunos é formada por meninas e a outra metade por meninos. Embora seja muito

interessante o fato da escola destinar exatamente a mesma quantidade de vagas para ambos os

sexos, o que pode ser observado claramente é que o número de meninos diminui da primeira

para a sétima série. No primeiro ano que entram para a escola os meninos estão muito

entusiasmados com as novidades, especialmente em relação a aulas de música (como

podemos perceber na citação abaixo), mas com o decorrer do tempo, os meninos desistem

mais facilmente, enquanto que quase não há casos de desistências femininas.

Eu entrei no Bolshoi este ano. O Bolshoi foi à minha escola. E

fizeram o teste e perguntaram por que é que a gente queria ser bailarino e

uma coisa assim. Aí eu sabia que eu ia aprender música, essas coisas. E eu

sempre tive o sonho de ser músico. Daí eu peguei, vim, fiz os testes na

escola e achei que não ia passar porque cada teste a professora falava o

meu nome na lista dos que não passaram e depois corrigia e falava que eu

tinha passado. O que eu mais gosto aqui é a música. Eu gostaria de ser

professor de música aqui no Bolshoi ou em qualquer escola de balé. 24

O curso de formação, desde o início tem o mesmo formato, com 8 anos de duração,

sendo reconhecido pelo MEC como escola técnica de nível médio. A escola ainda não possui

o ensino médio regular em suas dependências. Mas para ter a formação como ensino técnico

profissionalizante, as crianças devem responder ao Bolshoi pelas notas tiradas na escola

regular, tendo obrigatoriedade de freqüência nas aulas e médias altas como condição para

continuar no Curso de Formação do Bolshoi, devido ao reconhecimento pelo MEC. O curso

de desenvolvimento e aperfeiçoamento iniciou com uma turma de 25 alunas, sendo ministrado

para quem possuía conhecimento prévio de dança a partir dos 12 anos, subdividido em quatro

estágios, cada qual com dois anos de duração: mirim, júnior, sênior e profissional que, depois

passaram a ser módulos de quatro anos de duração, mas que, da mesma forma que o

profissionalizante, totaliza os mesmos 8 anos que o de formação se forem cursados todos os

módulos.

24. Depoimento do aluno W.L. (11anos) da primeira série do Curso de Formação da ETBB.

60

Ainda na matéria principal do informativo número um do Bolshoi, há outras

afirmações que merecem ser destacadas: “O cotidiano da escola é feito de disciplina e

aplicação para o desenvolvimento físico, técnico e cultural, pré-requisitos para a boa

performance dos futuros artistas” e “Os alunos, que chegaram com muita expectativa, tiveram

uma adaptação tranqüila ao método russo de ensino. Foi surpreendente também a

transformação de conduta de todos. Houve uma grande mudança de comportamento,

compreendendo-se a importância da rotina, a necessidade de se chegar cedo à escola, abrir seu

armário, se preparar para as aulas, vestindo-se e aquecendo-se dentro de seu próprio ritmo.

Houve evolução desde o jeito como os alunos assistem a um vídeo de dança até a aplicação às

aulas. O próprio universo das conversas mudou. Os assuntos vão do desenvolvimento do

corpo aos avanços que estão conquistando.”

Nestas afirmações define-se bem o caráter profissionalizante da escola, pois fica

claro que a disciplina e o desenvolvimento físico e técnico tornam-se a maior preocupação

dos alunos que ingressam na escola. A transformação do cotidiano destas crianças é tão

significativa que influencia até mesmo no comportamento destes, fazendo com que suas vidas

girem em torno do balé. Percebe-se claramente como isso acontece na fala de S.R., aluna da

sétima série do curso de formação:

Vanessa - Como foi adaptar-se a nova rotina?

S.R.- A rotina é bem diferente. Aqui tem que ter bastante disciplina, se você

num tiver uma cabeça boa e focar o que você quer é difícil de conseguir

conciliar. Aí, como eu estudo e, agora faço faculdade de designer de

interiores, aí... Tem que conciliar os dois... Tem que saber o seu foco, se

você quer mesmo ser bailarina, você tem que se dedicar bastante.

Vanessa - E você almeja ser bailarina ou se dedicar à profissão da sua

graduação?

S.R. - Bailarina, com certeza. Quero ser bailarina. A faculdade é o meu

passatempo, digamos assim.

A resposta freqüente nas entrevistas aos alunos quando questionados sobre o que

mudou em suas vidas depois que entraram na escola é que mudou “tudo”. São raras as

respostas diferentes desta 99% dos alunos entrevistados deram esta resposta. Como no caso de

M.S. também da sétima série, “garota propaganda” da escola, que protagoniza o vídeo

motivacional e a maioria das fotos do material de divulgação da escola.

61

M.S. - Eu sou de São Bento do Sul, passei em primeiro lugar para a

primeira turma do curso de formação e no início, meus pais vinham todos

os dias para Joinville comigo pela manhã e eu estudava em São Bento na

escola à tarde. Em setembro a gente não agüentava mais e resolvemos

mudar. Hoje eu moro aqui com a minha mãe e com a minha irmã e meu pai

trabalha lá e só vem nos finais de semana. A minha experiência aqui na

Escola do Teatro Bolshoi é a minha vida! Porque é um sonho para mim

então, tudo o que eu faço, eu penso primeiro no balé. Tudo na vida para

mim, primeiro é o balé. Não, primeiro é a família e segundo é o balé. E esse

sonho eu estou tendo a oportunidade de realizar porque existe a Escola do

Teatro Bolshoi no Brasil. Se não existisse eu acho que eu nem estaria

dançando mais.

É notável ainda a grande quantidade de matérias do Bolshoi Brasil e entrevistas em

jornais de mídia impressa, sobretudo nos três primeiros anos de atuação da escola, onde a

supervisora geral, Jô Braska Negrão, faz menção ao Ensino Médio profissionalizante que foi

autorizado pelo MEC no dia vinte de maio de 2003, após quatro sustações consecutivas. Tal

aprovação foi extremamente comemorada e amplamente divulgada pela escola; em todo o

material de divulgação, o curso de formação consta como “Curso de Educação Profissional de

Nível Técnico, com Habilitação em Dança (reconhecido pelo MEC)”.

Mas, apesar de ser autorizado o funcionamento de tal curso pelo MEC, ainda não foi

colocado em prática de acordo com as exigências da lei para curso técnico profissionalizante.

A coordenação da escola alega falta de estrutura física para abrigar as demais matérias

exigidas por um curso de Ensino Médio e explica que o projeto está esperando a conclusão

das obras da nova sede para entrar em vigor. O decreto da reunião ordinária do plenário nº.

2.174 de 20/05/2003 autoriza o funcionamento, no Bolshoi, do Curso de Educação

Profissional de Nível Técnico na Área de Artes.

A explicação da escola para o reconhecimento, sem o “verdadeiro funcionamento”, é

que ocorre uma parceria com as escolas públicas que fornecem o ensino regular paralelo às

disciplinas artísticas oferecidas pela escola e que a aprovação do aluno e recebimento do

diploma de técnico em artes com habilitação em dança estão condicionados à formatura do

aluno no Ensino Médio regular, como medida provisória até a conclusão das obras da sede

fixa da escola.

62

Vejamos o que diz a Lei de Diretrizes e Bases sobre o funcionamento de cursos de

Ensino Médio profissionalizante.

DECRETO Nº 5.154, DE 23 DE JULHO DE 2004 - Regulamenta o § 2º do

art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que

estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o

art. 84, inciso IV, da Constituição, D E C R E T A :

Art. 1º A educação profissional, prevista no art. 39 da Lei no 9.394, de 20

de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),

observadas as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho

Nacional de Educação, será desenvolvida por meio de cursos e programas

de:

I - formação inicial e continuada de trabalhadores;

II - educação profissional técnica de nível médio; e

III - educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação.

Art. 2º A educação profissional observará as seguintes premissas:

I - organização, por áreas profissionais, em função da estrutura sócio-

ocupacional e tecnológica;

II - articulação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego,

e da ciência e tecnologia.

Art. 3º Os cursos e programas de formação inicial e continuada de

trabalhadores, referidos no inciso I do art. 1o, incluídos a capacitação, o

aperfeiçoamento, a especialização e a atualização, em todos os níveis de

escolaridade, poderão ser ofertados segundo itinerários formativos,

objetivando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social.

§ 1º Para fins do disposto no caput considera-se itinerário formativo o

conjunto de etapas que compõem a organização da educação profissional

em uma determinada área, possibilitando o aproveitamento contínuo e

articulado dos estudos.

§ 2º Os cursos mencionados no caput articular-se-ão, preferencialmente,

com os cursos de educação de jovens e adultos, objetivando a qualificação

para o trabalho e a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, o

63

qual, após a conclusão com aproveitamento dos referidos cursos, fará jus a

certificados de formação inicial ou continuada para o trabalho.

Art. 4º A educação profissional técnica de nível médio, nos termos dispostos

no § 2º do art. 36, art. 40 e parágrafo único do art. 41 da Lei nº 9.394, de

1996, será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio,

observados:

I - os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo

Conselho Nacional de Educação;

II - as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; e

III - as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto

pedagógico.

§ 1º A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o

ensino médio dar-se-á de forma:

I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino

fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à

habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de

ensino, contando com matrícula única para cada aluno;

II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino

fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a

complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e

o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada

curso, podendo ocorrer:

a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades

educacionais disponíveis;

b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades

educacionais disponíveis; ou

c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de

intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de

projetos pedagógicos unificados;

III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino

médio.

§ 2º Na hipótese prevista no inciso I do § 1o, a instituição de ensino

deverá, observados o inciso do art. 24 da Lei nº 9.394, de 1996, e as

diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional técnica de

64

nível médio, ampliar a carga horária total do curso, a fim de assegurar,

simultaneamente, o cumprimento das finalidades estabelecidas para a

formação geral e as condições de preparação para o exercício de profissões

técnicas.

Art. 5º Os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e

pós-graduação organizar-se-ão, no que concerne aos objetivos,

características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares

nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação.

Art. 6º Os cursos e programas de educação profissional técnica de nível

médio e os cursos de educação profissional tecnológica de graduação,

quando estruturados e organizados em etapas com terminalidade, incluirão

saídas intermediárias, que possibilitarão a obtenção de certificados de

qualificação para o trabalho após sua conclusão com aproveitamento.

§ 1º Para fins do disposto no caput considera-se etapa com terminalidade a

conclusão intermediária de cursos de educação profissional técnica de nível

médio ou de cursos de educação profissional tecnológica de graduação que

caracterize uma qualificação para o trabalho, claramente definida e com

identidade própria.

§ 2º As etapas com terminalidade deverão estar articuladas entre si,

compondo os itinerários formativos e os respectivos perfis profissionais de

conclusão.

Art. 7º Os cursos de educação profissional técnica de nível médio e os

cursos de educação profissional tecnológica de graduação conduzem à

diplomação após sua conclusão com aproveitamento.

Parágrafo único. Para a obtenção do diploma de técnico de nível médio, o

aluno deverá concluir seus estudos de educação profissional técnica de

nível médio e de ensino médio.

Art. 8º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 9º Revoga-se o Decreto nº. 2.208, de 17 de abril de 1997.

Brasília, 23 de julho de 2004; 183º da Independência e 116º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Fernando Haddad (DOU de 26/07/2004 – Seção I – p.18)25

25. BRASIL/MEC: Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio Profissionalizante..Decreto nº. 5.154, de 23 de julho de

2004, site do governo do Estado de Santa Catarina

65

De acordo com a lei apresentada acima, a escola do Teatro Bolshoi do Brasil se

encaixa no artigo 4ª: educação profissional técnica de nível médio nos termos dispostos do

parágrafo 2º do artigo 36 e do artigo 40 e parágrafo único do artigo 41 da lei n° 9.394 de

1996, para se desenvolver de forma articulada com o ensino médio de forma a observar:

I - os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho

Nacional de Educação;

II - as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; e

III - as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto

pedagógico.

Segundo o parágrafo primeiro, esta articulação entre educação profissional técnica de

nível médio e o Ensino Médio pode ocorrer de três formas. A escola Bolshoi encaixa-se na

segunda que é concomitante, na qual a complementaridade entre a educação profissional

técnica de nível médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso em

instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando o

planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados.

A única ressalva é que, neste caso, a lei prevê que este tipo de ensino

profissionalizante seja oferecido somente a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental ou

esteja cursando o Ensino Médio; no entanto, o Curso de Formação da escola do teatro Bolshoi

do Brasil que é oferecido como: “Curso de Educação Profissional de Nível Técnico, com

Habilitação em Dança (reconhecido pelo MEC)” aceita a inscrição de crianças de 9 a 11 anos

de idade. Quem entra para este curso na escola do teatro Bolshoi do Brasil, ainda não tem

nem idade para ter o Ensino Fundamental concluído. Além disso, nem sempre as crianças

entram na escola com a mesma idade, o que ocasiona séries com faixas etárias diferentes e

ainda não correspondentes à série do ensino regular. Por exemplo, há crianças com 11 anos na

primeira série do Bolshoi e na 5ª série na escola regular.

66

2. SONHOS DE CINDERELA

A grande magia da escola Bolshoi é transformar filhos do proletariado em

príncipes e princesas. Esta escola é uma antecipação da sociedade pós-

industrial, baseada na sua estética, ética, na emoção e na qualidade de

vida. Uma síntese mágica da perfeição russa e da fantasia brasileira. Com

mil prenúncios de um feliz futuro. Domenico De Masi.

São muitos os sonhos dos alunos da escola do teatro Bolshoi no Brasil citados nas

entrevistas feitas para este trabalho. O mais citado é unanimemente o sonho de ser integrante

de uma grande companhia de dança no exterior. Um “sonho de princesas e príncipes” como

na velha estória de “Cinderela”. Desde sua inauguração, a escola está trabalhando nesse

sentido, preparando os alunos que segundo os professores, possuem um perfil específico,

procurado pelas companhias internacionais nas audições. Perfil este que, segundo a

orientadora pedagógica Silvelene Stolf, diz respeito ao nível técnico atingido pelo aluno,

idade, características físicas, que juntos, propiciam um bom desempenho nos testes.

Algumas alunas do Estágio Modular em Dança Clássica já realizaram este sonho,

abrindo o caminho para as crianças do Curso de Formação acreditarem que conseguirão um

espaço em companhias do exterior. Foi o caso de algumas das ex-alunas da primeira turma do

Estágio Modular da escola: as brasilienses A.L. e A.V., ambas aceitas pela companhia Alemã

Magdeburg Ballet; a gaúcha R.S. que aos 19 anos integrou o corpo de baile profissional do

teatro Bolshoi em Moscou; a catarinense E.R. que com 17 anos foi aceita pelo Stuttgart Ballet

na Alemanha; e a baiana M.G. que, em 2005, com 17 anos, foi convidada para fazer um

estágio profissional até setembro de 2006 em Moscou e convidada atualmente para fazer parte

do corpo de bailarinos profissionais da escola do teatro Bolshoi russo. Após assinar o

contrato, M.G. ficou na história como a primeira bailarina brasileira a ser contratada pela

companhia em seus 230 anos de existência.

67

Além das meninas, o maranhense J.P.F., com 16 anos, participou de aulas do teatro

Bolshoi em Moscou durante quinze dias se preparando para um concurso internacional em

Nova York no ano de 2005, do qual também participou a aluna A.D. Ambos pegaram boas

colocações, mas não chegaram aos três primeiros lugares. Em 2006, o aluno J.P.F. participará

novamente do mesmo concurso, desta vez, junto com a colega S.R. da sétima série do

Bolshoi.

A escola afirma que, através da aplicação da metodologia criada por Agrippina

Vaganova, utilizada no Bolshoi na Rússia, a filial brasileira da escola está formando

profissionais de balé com qualificação para atuar em desenvolvidos centros mundiais dessa

arte, aptos a dançar em qualquer companhia do mundo.

Por ser um dos principais resultados apontados pela escola do teatro Bolshoi no

Brasil, divulgado amplamente na mídia a cada ocorrência, o ingresso de alunas do Bolshoi em

companhias do exterior merece a atenção do presente trabalho, como indício da preocupação

prioritária com a profissionalização do aluno e da utopia que alimenta “sonho de Cinderela”

dos alunos e pais de alunos da escola Bolshoi.

Além disso, cabe abordarmos os sonhos que mudaram de direção devido a

arbitrariedade das decisões da escola e aqueles que se sustentam em vontades dos pais

projetadas nos filhos que, ainda muito pequenos, não sabem exatamente o que querem para o

futuro profissional.

Para tanto, serão expostos a seguir o caso de três das alunas que ingressaram em

estágios de companhias profissionais no exterior, de uma das alunas do Estágio Modular em

Dança Contemporânea e de uma das alunas da primeira série do Curso de Formação.

68

2.1. A primeira bailarina brasileira a dançar no Bolshoi de

Moscou

Em 1999, a aluna R.S. foi premiada no Festival de Dança de Joinville com o

primeiro lugar em um trio contemporâneo. Foi então que, resolveu inscrever-se para as

primeiras turmas da escola do teatro Bolshoi no Brasil. "Aprendi a ter coragem, a ser

caradura. Quando algo é difícil, eu penso assim: se eles aprenderam, por que eu não vou

aprender?" 26

Nas entrevistas aos jornais de Joinville há declarações da bailarina gaúcha em que

credita seu sucesso também aos professores com quem estudou antes do seu ingresso na

Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. Mas, ela afirma algo um pouco diferente na entrevista

concedida especialmente para este trabalho.

R.S. declara na entrevista que iniciou seus estudos em dança com quatro anos, na

cidade de Porto Alegre, onde nasceu. Teve aulas em academia particular por um ano apenas.

Depois foi para Santa Maria e começou a estudar lá, mas não balé, e sim jazz, que, conforme

disse na entrevista, era bem ruim, diferente do que foi divulgado pela mídia:

... eu olho as fitas e fico horrorizada, pois as apresentações eram horríveis!

Daquelas em que as bailarinas ficam nas coxias assistindo, não tinha fitas

nas sapatilhas, as músicas... que a mãe vai pra ver a filha e que a roupa que

a bailarina usa é aquela que ela dança até o final. Aquelas meninas tudo

emplumadinhas com tu-tu e cheias de laços pra mãe no final do ano achar

lindo e bater palma. São academias que não tem realmente um

compromisso com uma formação profissional. 27

No Rio Grande do Sul, ela diz ter feito aulas com várias professoras que, em sua

opinião, possuíam uma formação “duvidosa”, porque a formação delas era proveniente de

algum curso, como por exemplo, os que são ministrados em festivais de dança (de curta

duração) com métodos diversos, e misturavam tudo: Royal, método cubano, francês, “não

tinham uma formação retilínea, tudo bagunçado”. Foi então que parou de estudar dança por

dois anos.

26. GOMES, Nicole da Rosa. O sonho e os pés em Moscou. Joinville: A Notícia, 2003. www.an.com.br27. Palavras da ex-aluna do Estágio Modular em dança clássica R.S. em entrevista concedida por telefone em

abril de 2006.

69

Quando tinha nove anos mudou-se pra Joinville e matriculou-se na escola municipal

da cidade, onde afirma que foi instruída por uma boa professora, Maria Antonieta Spadari que

hoje atua como coordenadora artística do Bolshoi brasileiro. Maria Antonieta tinha passado

um tempo na França estudando balé e, segundo R.S., “tinha uma cabeça um pouco melhor que

as outras, mas ela mesma admite que a formação dela tenha sido meio bagunçada também

antes do Bolshoi”.

Quando entrou no Bolshoi, entraram também várias alunas de outros lugares do país,

eram 25 alunas de diversas partes do Brasil como: São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis,

Brasília, etc. E, como vieram de formações diferentes, tinham vícios, pois cada uma tinha

aprendido com um tipo de metodologia que não correspondia à “Vaganova pura”. Por este

motivo, recomeçaram desde o ensino básico. As primeiras aulas foram todas na barra com

passos básicos para correção e limpeza. O professor da turma era A.S., um russo que passara

pelo Teatro Bolshoi russo como um dos grandes bailarinos solistas. R.S., bem como as demais

alunas da turma que colaboraram com o presente trabalho aceitando dar entrevistas,

expressam grande admiração pelo ex-professor A.S.

R.S. conta ainda que sempre teve média máxima e nunca fez aulas nas barras laterais,

pois é o professor quem coloca os alunos em seus lugares e a “barra central” era a mais

disputada pelas alunas, pois ali ficavam as melhores, bem como, “no meio e na frente” nos

exercícios de centro.

A bailarina chamou a atenção da banca russa na primeira avaliação anual ao término

do primeiro ano de curso. Quando a escola recebeu a visita do diretor artístico do balé

Stanislavsky, a aluna procurou a supervisão da escola manifestando o interesse de prestar

audição na companhia na Rússia. Os acertos foram feitos com o diretor da companhia para a

ida de R.S. à Rússia após alguns anos.

Neste ínterim, a aluna foi uma das escolhidas para integrar o grupo que faria estágio

na sede da Escola do Teatro Bolshoi na Rússia, o que alimentou ainda mais o seu sonho.

Após a volta do grupo, foram feitos os acertos finais para o retorno da bailarina na ocasião da

audição.

R.S. foi então à Rússia a convite da companhia de Balé do teatro Stanislawski, onde

participou de uma audição para integrar o corpo de baile oficial. Aproveitando a

oportunidade, foi ao Bolshoi tomar aulas com companhia do teatro autorizada pela unidade de

ensino brasileira. Quando Vladimir Vassiliev, patrono fundador da escola no Brasil soube que

a bailarina estava prestando audição em outra companhia na Rússia, tratou logo de averiguar a

70

possibilidade dela tentar um estágio no próprio Bolshoi, já que era aluna da filial. Assim, R.S.

acabou atraindo a atenção dos professores e do diretor do Bolshoi na Rússia e foi aprovada

por ambas as companhias. Sem nenhuma dúvida, optou por estagiar no Bolshoi.

Tornou-se a primeira bailarina brasileira a integrar o corpo de baile profissional do

Bolshoi de Moscou como estagiária profissional. Aos 19 anos, a jovem gaúcha aluna do

Módulo Máster do estágio modular (curso de aperfeiçoamento) da escola do teatro Bolshoi no

Brasil, ao participar das comemorações na embaixada brasileira em Moscou, por ocasião do

aniversário de três anos da sede brasileira, recebeu convite do diretor da companhia, Boris

Akimov para participar dos ensaios da companhia e integrar o corpo de baile.

Tomada por um misto de sentimentos de surpresa e emoção, a jovem bailarina

exclamou em entrevista ao jornal regional “A Noticia”: "Deus foi muito generoso comigo, é

bem melhor do que a encomenda".

A bailarina voltou ao Brasil para tomar aulas intensivas do idioma russo, tendo já

iniciado o curso de russo a cerca de um mês antes da viagem. E ainda, no final de janeiro do

ano de 2004, embarcou para Moscou com a intenção de aperfeiçoar sua técnica, mas para

isso, trancou o curso de medicina que haviam iniciado (estando no segundo ano) na

universidade de Joinville (Univille).

Foi morar na Rússia na casa de amigos, e todos os gastos como moradia,

alimentação, etc., eram por sua conta. Ela diz que a convivência com os colegas, alunos do

Bolshoi, não era das melhores, pois não se conformavam com o fato de terem lutado tanto pra

estar ali e de repente chegar uma brasileira e ocupar o lugar de uma russa.

Com o tempo, a aluna foi se destacando na Rússia e recebendo convites para atuar

nos mais diversos repertórios de balé, dançando nas pontas na maioria das vezes (comentou

que é muito difícil uma bailarina recém chegada à companhia dançar nas pontas e que,

geralmente, primeiros papéis oferecidos são os de menino com meias-pontas). R.S. chegou até

a ter um pequeno solo em uma montagem para o balé Romeu e Julieta, na cena onde

Teobaldo, o primo de Julieta dança com uma das bailarinas do corpo de baile.

Mas foi o palco do suntuoso Teatro Bolshoi russo, onde se realizaram os sonhos da

bailarina, o mesmo local em que ela acordou para a realidade. R.S. relata que, quando

participava da montagem do balé Raymonda, no qual tinha um pequeno papel no corpo de

baile que permitia que assistisse do palco a apresentação dos solistas, enquanto atuava como

cenário vivo em diversas cenas, que ela teve um “insight”. Ao ficar parada observando as

solistas pensou: “Não é isso que eu quero para o meu futuro”. E começou a se imaginar uma

solista do Teatro Bolshoi, sem faculdade, com a família e os amigos, a muitos quilômetros de

71

distância e resolveu voltar para o Brasil. Só que, depois da sua decisão, começou a ser

chamada para montagens de excelentes balés e adiou a decisão. Resolveu então conversar

com o diretor do Bolshoi sobre a possibilidade de fazer faculdade de dança lá mesmo, no

Bolshoi (o Bolshoi de Moscou possui faculdade de dança para os bailarinos que pretendem se

tornar mestres de balé). O diretor a surpreendeu, marcando a audição para a faculdade no dia

seguinte. Para ingressar na faculdade do Bolshoi, o candidato precisa preparar uma série de

exercícios e números com acompanhamento de pianista.

A bailarina procurou seu amigo Pavel Kazarian (atual coordenador do núcleo

musical do Bolshoi do Brasil) e preparou tudo de última hora. Fez uma boa prova mas,

infelizmente,o resultado da rápida preparação não foi suficiente para o grau de exigência dos

russos e R.S. não passou.

O que poderia ser sinônimo de frustração e desânimo acabou sendo um alívio para a

bailarina, que passou a não ter mais motivos para permanecer na Rússia. Foi novamente

conversar com a direção, dizendo que voltaria ao Brasil para concluir a faculdade de

medicina, já que havia deixado a matrícula trancada. Apesar de não entender a escolha da

aluna, a equipe do Bolshoi russo permitiu sua volta, deixando as portas abertas caso quisesse

retornar após o período de férias.

A bailarina voltou ao Brasil decidida a “pendurar as sapatilhas” e tornar-se médica.

Hoje, está no quarto ano da faculdade de medicina e não se arrepende da decisão. Pelo

contrário, diz não ter se arrependido de nada que fez, nem de ter ido para a Rússia tentar a

carreira de bailarina e nem de ter voltado ao Brasil para ser médica. Disse ainda que nunca se

imaginou como professora de dança e, segundo ela, na Rússia, o caminho do bailarino

profissional após a carreira de solista é lecionar. Ela, no entanto, não possui este “dom” e

nunca teve ambição de abrir escola para ser diretora. Foi este tipo de reflexão a respeito do

seu futuro profissional que definiu a opção por seguir a carreira de médica e abandonar o balé.

72

2.2. A bailarina que ganhou estágio durante as férias em

casa

Em entrevista, a ex-aluna A.L., afirma enfaticamente que a primeira turma do estágio

modular (foi a dela) tornando-se a mais importante da escola. Primeiramente, por que foi a

turma que viu a escola crescer. Disse que nada estava pronto quando chegaram lá, nem o

prédio, nem as salas, estava tudo em construção.

Ficou sabendo da escola através de uma amiga que fazia balé com ela em Brasília e

que tinha ido ao festival de Joinville. Pouco depois, viu pela televisão a supervisora Jô Braska

Negrão falando sobre o projeto. Ligou para uma amiga, a A.V. e combinaram se inscrever

para os testes. Nesta época, A.L. e A.V. faziam balé na mesma academia (Academia de Ballet

Norma Lillia) de Brasília, onde moravam. Faziam parte de uma turma especial para as alunas

consideradas mais talentosas, já formadas. A.L. tinha 17 anos na época. Comentou então com

os pais que havia ficado interessada, e ligou para a escola para se informar.

Foi então, que ambas viajaram para Joinville para fazerem o teste. No início das

atividades da escola do teatro Bolshoi no Brasil, não havia a primeira etapa, na qual o

candidato para Estágio Modular; manda a fita de vídeo. No primeiro ano da escola, o

candidato fazia o teste diretamente em Joinville, contendo as etapas médico-fisioterápica e

artística. A.L. afirma ter acreditado no sonho de entrar para o Bolshoi, que era o nome mais

reconhecido em termos de balé, mas achava muito difícil conseguir. Foi para Joinville sem

muita pretensão, pois sabia que não seria fácil, mas passou em sexto lugar no teste.

A.L.- Fizemos a nossa inscrição, sem a menor pretensão, pois achávamos

que nunca passaríamos, afinal, Bolshoi, grande em russo, maior balé de

todos os tempos! Era muito pra mim, era muito sonho! Foi um sonho

mesmo! Passei! Tinha muita gente tentando... e tudo que era sonho se

tornou realidade de um dia para o outro! 28

28. Palavras da ex-aluna do estágio modular em dança clássica A.L. em entrevista concedida por

telefone em abril de 2006.

73

Disse também que tinha muita gente fazendo o exame, que foi dividido em duas

turmas, uma para Curso de Formação e outra para Estágio Modular e que tinha muitas

crianças. Segundo A.L., a sua turma de Estágio Modular era muito cheia, iniciou com 25

alunas. Foi então, que ela foi morar em Joinville junto com a A.V., que se mudou para lá com

a avó e os sonhos da jovem bailarina se tornaram realidade, segundo ela, "dura realidade".

A.L. - Vanessa, não sei se serei a melhor pessoa pra falar sobre a escola

pra você. Posso te contar a minha história... como foi, entende? Eu te conto

tudo o que você quiser saber sobre a minha carreira. Mas sobre a escola

em si, Bolshoi, acho melhor não. Guardo comigo momentos de realidade

dura para uma menina de 17 anos.

A.L. enfatiza que a primeira turma acreditou em um projeto que ainda estava

inacabado. E que as primeiras alunas do estágio modular "arregaçaram as mangas" e deram

tudo de si para que escola desse certo.

A.L.- Era o primeiro ano da escola. A gente foi teste! Eu te falo uma coisa

que eu acho muito importante: sem a nossa turma não existiria a escola.

Sem a gente, que deu a cara, largamos tudo, e acreditamos em um lugar

sem sequer estar terminado... algumas salas prontas, somente as de baixo...

se não me engano só duas de baixo. É sério!

Na entrevista, fica claro que A.L. acredita que o Bolshoi contribuiu muito com o

crescimento dela como bailarina. Mas que, por outro lado, lamenta, pois à turma que

enfrentou a fase mais difícil da escola não foi dado o devido valor. Frisa diversas vezes que

elas foram "cobaias" do projeto, as primeiras em tudo, quando ninguém da equipe de

profissionais tinha experiência em gerir uma escola como o Bolshoi, nem mesmo em termos

de responsabilidade com as crianças e adolescentes que lá estudavam.

Afirma ainda, que o Bolshoi tem muito apoio financeiro e que muito do que saía na

mídia (muitas vezes usando o nome dos alunos) é puro marketing.

74

Vanessa - Você considera que vocês fizeram propaganda para a escola

quando passaram nos testes para as Companhias no exterior?

A.L. - A nossa turma... Nossa! Que propaganda! Vanessa, a nossa turma

levantou a escola. Não era todo mundo bolsista, quase toda a turma pagava

muito!

Vanessa - Tinha quantas meninas na turma?

A.L. - Nossa! No começo tinha muito! Eu não lembro direito... A sala era

cheia... Não tenho idéia, a A.V. ou a R.S. devem lembrar, mas ocupava as

três barras da sala lá de cima. A partir de então, a escola cresceu e a gente

também, o nosso sonho! O nosso professor era o melhor do mundo! Não é

fácil estudar numa escola estadual como o Bolshoi, é muita pressão! E por

isso, eu acredito (minha opinião) que muita gente ficava lá e agüentava por

causa do Andrey. Fantástico! Melhor do mundo e tem muito carinho pela

nossa turma.

A.L. foi uma das primeiras alunas do Bolshoi brasileiro, estudou lá por dois anos e

meio. Demonstra, em suas palavras, inconformismo com o fato da primeira turma de estágio

modular ter sido tão importante na fundação da escola e ter ficado praticamente esquecida na

história do Bolshoi como turma, tendo como evidência apenas os casos isolados das bem-

sucedidas alunas aceitas em companhias internacionais, ou selecionadas para estágios fora do

Brasil, simplesmente para marketing da escola.

A.L. (...) - Daí, eu estudei lá, fiquei lá dois anos e meio. Fui umas das

selecionadas para ir para Moscou (a primeira ida a Moscou com o nome da

escola), outro marketing... Na viagem para a Rússia foi um sonho! Nossa!

Tudo... choro e tal... pois afinal agora era Moscou, Rússia, avião... muito

longe, aquele aeroporto de Moscou sombrio, com guardas e um cheiro

característico. Fizemos aulas com grandes nomes da dança. Nossa! Foi um

sonho! Eu não acreditava! Aquelas pessoas do vídeo. Sabe? Agora na

minha frente... nossa! Foi um sonho! Os espetáculos... Tudo... foi um sonho

(na medida do possível), pois também éramos testes. Afinal, ninguém sabia

nada. Nem as pessoas que tinham ido de ‘Guias’(risos).

Vanessa – Por que na medida do possível?

75

A.L. - Essa parte é melhor pular (risos). Como você manda, com quatro

meninas, duas pessoas que não falam a língua que, você sabe, quem tem

boca vai a Roma... Falávamos inglês, mapas e gestos, sabíamos palavras

básicas de russo e nos viramos. Mas a gente se divertiu! Mas como te falei,

fazia parte, era novo pra eles também e alguém tinha que descobrir como

era, entende? Foi tudo um sonho, mas eu falo assim Vanessa, pra você

saber a importância da primeira turma, os pioneiros, entende?

Os sentimentos da ex-aluna da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil se confundem

entre encantamento e ressalva, carinho e reprovação. Ao mesmo tempo em que ela teme

comprometer a imagem da escola com suas palavras, não consegue deixar de expressar o que

sente em relação ao que reprova nas ações da escola.

A.L. - Eu tenho um carinho muito grande por aquela escola, muita gente

saiu... muita gente muito boa e competente.

Vanessa - Por quê? Falta de recursos financeiros?

A.L. (risos) - Não é por isso! São outras coisas... Muito mais além... O

Bolshoi tem muito apoio. Muito mesmo! Aquela escola é um sonho. Na

minha época tudo era um sonho! Tudo! Eu vi a escola crescer. Nada era

pronto quando a gente chegou lá. A gente "se deu” para os testes da

escola... Nossa... Eu vivi bons momentos da minha vida lá. E alguns

momentos muito ruins também.

Por diversas vezes, A.L. insinuou ter passado por momentos ruins no Bolshoi, mas

depois que deixava escapar, se arrependia dizendo que era melhor não comentar mais sobre

isso. Mas acabou falando sobre a sua experiência com bolsa de estudos na Companhia do

Magdeburg Ballet na Alemanha que, na verdade, foi um pouco diferente do que se divulgou

na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil.

A.L. - Eu sempre... quando vinha pra Brasília, fazia aula com a Gisele

Santoro, uma professora que também é nota dez! Ela que promove o

Seminário Internacional de Dança de Brasília (que ocorre nas férias

escolares), que eu sempre fazia também. Até que um ano, eu vim de férias e

fui fazer o seminário, e daí me deram a bolsa. Vieram, conversaram comigo

76

e eu ganhei um estágio para o Magdeburg Ballet na Alemanha. Nossa...

esse dia, nem eu sabia direito...foi um sonho literalmente! Tudo estava se

encaixando. A escola foi muito importante para esse meu progresso.

Vanessa - O pessoal do Bolshoi (da sua turma) estava com você?

A.L. - Não, não. É na minha cidade. Eu fazia as aulas, fui por conta

própria. A R.S. estava na minha casa de férias. Ela também fez. E a C.M.,

que também estudava na escola, veio de férias pra casa da A.V. para fazer o

Seminário. Ah... Tinha a N.T. também.

A.L. diz que todas foram por conta, nas férias, para o seminário. Mas, segundo o que

foi divulgado na mídia, a escola sente-se responsável pela admissão da aluna na companhia.

Há uma única notícia no site da escola sobre o estágio de A.L. na Alemanha em uma matéria

divulgando a convocação de R.S. ao Bolshoi de Moscou, publicada pelo jornal catarinense A

Notícia. 29 Na matéria não há nenhum detalhe sobre o modo como ocorreu a convocação da

bailarina. Já no "Correio Brasiliense", as matérias são um pouco diferentes. Pois quando

entrevistada, a bailarina conta como foi exatamente sua convocação. 30

A.L. embarcou para Magdeburg, mas ao chegar lá precisou voltar, pois não tinha

visto de permanência. Logo que oficializou o visto de estudante, retornou para a Alemanha

dando continuidade ao estágio que ganhara, normalmente. Hoje, está de volta a Brasília e

ministra aulas de balé em sua cidade natal.

29. “R. tem 19 anos, é natural de Santa Maria, Rio Grande do Sul, e reside em Joinville desde os seis anos de idade. É a

segunda aluna saída da escola a ser admitida no mercado internacional da dança. A brasiliense A.L., 19 anos, integra a Companhia e Ópera de Magdeburg, da Alemanha, desde dezembro de 2002”. GOMES, Nicole da Rosa. O sonho e os pés em Moscou. Joinville: A Notícia, 2003. www.an.com.br

30. “Ensaios que consomem, pelo menos, sete horas do dia, participação em cursos no Brasil e em outros países e um

cuidado com o corpo que chega a ser milimétrico. ‘Uma bailarina não pode ficar parada por muito tempo. Endurece as juntas’, brinca A.L.. Para não enferrujar durante as férias, a jovem bailarina traçou um plano de aquecimento acima de qualquer suspeita. Além de matar a saudade da família, ela aproveitava a estada em Brasília para participar dos seminários internacionais de dança organizados por Gisele Santoro há quatro anos. No último, que acabou há duas semanas, mais uma prova de que o talento de A.L. está além de nossas fronteiras territoriais. ‘Ganhei uma bolsa de estágio de 10 meses na Ópera de Magdeburg, na Alemanha’, empolga-se.” A dança da Vitória.. Brasília, Correio brasiliense, 2002. http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020818/sup_emp_180802_89.htm

77

2.3. Segunda brasiliense do Bolshoi a ganhar estágio no

Magdeburg Ballet

A brasiliense A.V. tinha 16 anos quando foi fazer o exame para a seleção dos alunos,

para a primeira turma do estágio modular em dança clássica da escola do teatro Bolshoi no

Brasil.

Foi muito na louca, quer dizer eu decidi fazer o teste junto com uma amiga,

a A.L., daí passamos e resolvemos nos mudar. Meus pais não permitiram

que eu fosse morar sozinha ou com amiga com 16, então minha avó

aposentada, que sempre me apoiou no balé, decidiu ir com a gente. 31

A bailarina conta que estava formada na academia de dança, onde começou os

estudos em Brasília no bairro em que mora, mas resolveu ir para o bairro Asa Sul para fazer

parte de uma turma especial da Academia de Ballet Norma Lillia, e lá conheceu A.L.

Conta que se dedicou muito aos estudos no Bolshoi, mas que a adaptação ao novo

ritmo de vida e à técnica não foi nada fácil.

Foi quando eu comecei a me dedicar de corpo e alma ao balé... no começo

foi difícil... o corpo sentiu, as pernas incharam, mas depois peguei o ritmo.

A aula era muito pesada e tive que reaprender muitas coisas. Fazia aula

todos os dias em Brasília, até nos sábados quando havia ensaios. Mas no

Bolshoi tinha mais aulas, outras matérias e também muito mais disciplina...

até demais!

Quando questionada se a disciplina era muito rigorosa, A.V. respondeu que sim e

que, embora não tivesse problemas com disciplina ou adequação, seguia as regras e ficava

tudo bem, mas pelas suas palavras o clima parecia incomodá-la.

Você tinha que estar sempre impecável, nos horários, educada, esforçada.

Parecia que todos estavam te olhando. Eu seguia as regras. Me esforcei

muito, dei tudo de mim, mas tudo do coração.

31. Palavras de A.V. em entrevista concedida via e-mail em abril de 2006.

78

Conta também que no exame de seleção ficou muito nervosa nas duas etapas:

fisioterápico e artístico, principalmente porque no segundo era pedido que o candidato

montasse uma pequena coreografia na hora. A aula, foi meio nervosa, tive que montar uma

pequena coreografia na hora! Fiquei bem tensa, nossa fiquei nervosa demais...”, conta.

Após quatro anos de curso no estágio modular A.V. formou-se pelo Bolshoi, voltou

para Brasília e foi tomar aulas com Gisele Santoro. Após seis meses de aula, ocorreu o

Seminário Internacional de Dança de Brasília, organizado pela sua então professora (Julho de

2004). O Seminário ocorre da seguinte maneira, segundo A.V.: os participantes fazem aulas

com mestres das companhias internacionais de balé e, logo no inicio, são escolhidos os

bailarinos que se apresentarão como solistas no encerramento.

Nesta ocasião, A.V. foi escolhida para dançar uma coreografia do repertório do balé

“Carmem” com a montagem da diretora do Balé da Ópera de Magdeburg na Alemanha, Irene

Schineider e foi através desta oportunidade que ocorreu o convite para o estágio nesta

companhia.

Resolveu ir para a Alemanha e sua decisão teve o apoio da família. Não dançou

apenas balés em Magdeburg, mas participou também do elenco de óperas e operetas e fez

apresentações com a escola do teatro de Magdeburg. Prestou algumas audições enquanto

esteve por lá, mas não conseguiu contrato fixo em nenhuma companhia e, por este motivo,

resolveu voltar para o Brasil. A.V. continua dançando, mas não profissionalmente. Dá aulas

de balé em uma academia de Brasília, está se graduando em Publicidade e Propaganda e

sonha com um mestrado em artes.

79

2.4. Transferida para o contemporâneo após recuperação de lesão no joelho A aluna carioca A.A. iniciou seus estudos de Balé Clássico no Rio de Janeiro, em um

projeto de sua escola pública. Depois disso, A.A. cursou balé na Escola de Bailado Estadual

Maria Olenewa e na escola de Eugênia Feoderova, ambas no Rio de Janeiro. Passou no

exame seletivo da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, no ano de 2001 e, iniciou o curso no

módulo Sênior I do Estágio Modular em Dança Clássica com quatorze anos no ano de 2002.

Mudou-se para Joinville sozinha e foi morar em uma pousada e trocou de endereço cinco

vezes.

Agora, é muita dedicação, se você tem um objetivo na sua cabeça e você é

de uma outra cidade e muda a sua vida inteira e também a vida da sua

família, então, é uma coisa muito séria. Porque a gente que não tem muita

condição financeira, tipo o meu pai que dá um esforço danado para me

manter aqui, mas vale a pena porque é o meu sonho é o que eu quero. 32

A.A. relata ainda que ama o balé e sempre quis ser bailarina clássica, pois sua avó,

sua tia e sua prima foram bailarinas. Por isso quis entrar para o Bolshoi, com o incentivo de

Eugênia Feoderova.

Daí eu fui pra lá (Escola Municipal de balé Maria Olenewa) com nove

anos, passei e fiquei lá por cinco anos, saí e fui fazer aula na Academia da

Dona Eugênia Feodorova, eu tinha quatorze anos. Ela já sabia da escola

daqui do Bolshoi daí ela falou para mim que eu tinha talento que eu tinha

chance e que era a melhor escola do Brasil e que a melhor coisa que eu

podia fazer era vir para cá.

32. Palavras da aluna A.A. em entrevista concedida na ETBB no dia 07/03/2006.

80

No ano de 2003, A.A. teve que passar por uma cirurgia no joelho e ficou no Rio de

Janeiro durante um ano, com licença médica. Segundo ela, quando voltou para o Bolshoi, em

2004, a turma já estava bem mais adiantada e ela teve se esforçar para alcançá-la, então, em

2005, a direção da escola a chamou para conversar, dizendo que não existiria mais o Estágio

Modular em Dança Clássica que passaria a se chamar Estágio Modular em Dança

Contemporânea. É curioso que a escola continua anunciando o Estágio Modular em Dança

Clássica, embora todas as alunas que fizeram o exame para o Estágio Modular que

conversaram conosco tenham dito que foram integradas às turmas do Curso de Formação.

Na conversa, a direção informou que, por motivo da mudança, a aluna passaria a

fazer parte da turma do Estágio Modular em Dança Contemporânea. A noticia não a agradou

muito porque ela sempre quis ser bailarina clássica e não estava acostumada com a dança

contemporânea, mas conformou-se, pois a escola a convenceu que essa solução seria melhor e

geraria mais oportunidades para ela no mercado de trabalho.

Assim, foi bem difícil para mim porque as características do balé clássico

são muito diferentes da dança contemporânea. O clássico é muito bom, dá

uma base muito boa para a dança contemporânea, mas para quem fez a

vida inteira só balé clássico, não tinha feito nenhum outro tipo de dança é

muito difícil, porque no contemporâneo você tem que soltar muito mais,

trabalhar seu corpo. Tem chão, muita contração e no balé você não tem

nenhuma contração, você anda para cima o tempo todo, então o

contemporâneo mexe muito mais com o corpo. Foi muito difícil para mim,

para soltar.

Se a atitude da escola em mudar A.A. de curso se devesse somente à extinção do

Estágio Modular em Dança Clássica, como lhe foi informado, não haveria nenhum problema.

Mas como já foi visto, da mesma maneira que algumas alunas do Estágio Modular foram

integradas ao Curso de Formação poderia ter ocorrido com A.A., já que o interesse dela era o

balé clássico.

É preciso levar em consideração o afastamento da aluna durante um ano, por ter

machucado o joelho dançando, conforme relatou na entrevista:

81

... Aí eu tive um problema no joelho e ia operar, então voltei pro Rio e

fiquei um ano fora da escola, de licença médica, aí eu voltei e tive que

correr muito atrás porque a turma já tinha evoluído muito em um ano, daí

eu fiquei mais um ano e no ano passado, em 2005, eu comecei no módulo

contemporâneo.

Pode-se observar que A.A. ficou ainda um ano cursando o balé clássico após sua

recuperação e só depois de “correr muito atrás” para alcançar o nível da turma, foi transferida

para o Estágio Modular em Dança Contemporânea. O professor responsável pelo núcleo de

dança contemporânea, Amarildo Cassiano, relatou-nos que o curso começou em 2004. A

situação leva-nos a pensar que a tal transferência tenha ocorrido, pois a equipe da escola

julgou que a aluna perdeu muito tempo de trabalho, ficando um ano de licença por motivo de

uma lesão no joelho ocasionada pela pratica do próprio balé.

Observamos aqui que a escola enfatiza muito o trabalho físico, com um rigor técnico

e uma carga horária grande que podem ocasionar sérias lesões ao físico dos alunos, a curto ou

longo prazo. Na última visita que fizemos, conversamos com duas outras alunas da quarta

série que estavam, uma com problema na coluna e outra com problema no pé; ambas tinham

atestado médico, mas estavam fazendo aula. A escola possui uma clínica de fisioterapia onde

os alunos podem realizar o tratamento prescrito pelo médico e; por esse motivo, quando

ocorre alguma lesão, geralmente continuam participando das aulas com acompanhamento da

equipe de fisioterapeutas da escola. Nesta ocasião ainda, o professor de ginástica perguntou

para uma delas se ainda não tinha melhorado a coluna e ela respondeu que não. Então, ele

falou para ela passar na clínica depois, que ele iria “estralar” para ela. Quando o professor

saiu a aluna disse para a outra: “Aqui ó, que eu vou passar lá, Depois ele estrala e fica pior

que nem da outra vez. O médico disse para não mexer.”

A.A. não quis dar maiores detalhes a respeito de como ocorreu a lesão em seu

joelho, mas, da mesma maneira que no caso relatado acima, o joelho da aluna pode ter

chagado ao ponto de precisar operar, devido ao descuido dos profissionais da escola com este

tipo de situação e à atividade física pesada à qual era submetida diariamente.

82

2.5. Dividida entre a saudade de casa e a perspectiva de um

futuro melhor

O que mudou na minha vida foi... muita saudade da minha mãe (chora)

Eu... sempre fui apegada a ela...nunca vivi longe da minha mãe, nunca,

nunca...(para de falar e chora copiosamente). No começo é muito difícil...

eu sinto falta porque eu tenho uma irmã gêmea (entre soluços) ela fez o

teste e não passou. Eu sei que tenho que ir em frente.33

A aluna R.F. da primeira série do Curso de Formação prestou um depoimento

bastante interessante a este trabalho, nas duas vezes em que conversamos. Da primeira vez,

foi entrevistada junto com a turma da primeira série matutina e da segunda individualmente.

Em ambas as ocasiões ela chorou muito com saudades da mãe e da irmã gêmea, que não

passou no exame para entrar no Bolshoi.

A minha irmã participou só da primeira etapa comigo, daí ela não passou.

Mas ela disse que não queria mesmo ficar aqui porque ia ter muitas regras,

são cinco horas de balé por dia e também porque minha mãe colocou ela na

natação em Imbituba, então ela não ficou triste, só pela separação, né?

Porque em tudo era eu que ajudava ela e agora ela só tem a minha irmã de

quinze anos. Eu é que estou morando aqui sozinha, com mais quatorze

crianças de Minas Gerais, São Paulo, Caçador, Argentina e de vários

outros lugares... é bem grande lá.

A mãe de R.F. provavelmente colocou a outra filha na natação para que ela não

sentisse tanto a reprovação e a ausência da irmã. Por suas palavras, R.F. parece se sentir a real

prejudicada. Por várias vezes demonstra tristeza por estar distante da família e assume ter

pensado em desistir, ficando dividida entre a possibilidade de construir um futuro melhor e

estar perto da família.

33. Palavras da aluna R.F. em entrevista concedida na ETBB no dia 07/03/2006.

83

É muito bom quando tem feriado! O primeiro dia que eu fiquei aqui eu falei

para minha mãe “eu não agüento mais mãe! É muita atividade, muita coisa

para fazer, trabalho, prova, muita coisa para fazer, mas aí minha mãe deu

conselho. Sabe por quê? Eu vou ter aula de quase tudo aqui. Então, se eu

não quiser ser bailarina, eu vou ser pianista, professora eu tenho muitas

possibilidades e também, se eu não quiser ser nada disso eu vou ter uma

vida muito boa porque eu vou aprender um monte de coisa. E se eu tiver,

algum dia, um filho eu vou ensinar para ele tudo o que eu passei aqui.

O discurso de R.F. parece muito influenciado por adultos. Ela mesma comenta que a

mãe e uma tia psicóloga a aconselharam a continuar, acreditando que esta é uma oportunidade

única para a vida dela. Por diversas vezes ela diz que não vai voltar para casa, pois “muitas

crianças queriam estar no lugar dela” e cita os cursos da grade curricular da escola dizendo

que podem trazer a ela um futuro melhor. Parece um pouco cedo para uma criança com

apenas dez anos pensar o que vai ser no futuro, mas este pensamento não está presente

somente nas palavras de R.F. Em quase todas as entrevistas com alunos da primeira série,

podemos perceber que o ingresso na escola aparece como uma solução para o futuro e para os

problemas financeiros. Como, por exemplo, o aluno L.F. que também tem dez anos:

...eu sabia que aqui ia ser duro porque é uma questão de muita educação,

postura, essas coisas assim e... seria difícil para mim porque eu andava

assim “meio torto” e era muito mal educado. As pessoas comentam muito,

principalmente em uma panificadora que tem ali perto da minha casa. Eu

disse lá que eu passei, sempre quando eu chego lá, aí eles falam “ah! Olha

o bailarino do Iririú (bairro)”. Depois eu soube o quanto que se ganha e

como você ganha depois da oitava série... eu sei que tem que batalhar

muito, mas meu sonho é ter uma família e ajudar meu pai e minha mãe, mas

eu sei que vai ser uma barreira porque, para estudar e conseguir ganhar

esse dinheiro e ficar anos longe do pai e da mãe vai ser duro, muito duro!

Vai mudar bastante minha condição de vida, porque, três mil Euros por

mês? Quê que é isso?Antes eu acordava ficava assistindo televisão e

brincando, ia para a escola a tarde, fazia os deveres e era mó mordomia,

agora, aqui tem que acordar cedo vir para cá, daqui para a escola e voltar

só sete horas da noite e ainda tem que fazer tarefa da escola, tem que tomar

84

café e tomar banho, tudo apurado, apressado e ainda tem que dormir cedo

para acordar cedo no outro dia.

Em diversos depoimentos os alunos apresentam a formação na escola como a

solução dos problemas, ainda que, para cursar o Bolshoi, sacrifícios sejam necessários. Muitas

crianças citam o fato de não terem mais tempo para brincar, o cansaço e a dificuldade para

fazer os deveres da escola, a disciplina e o controle alimentar. Como no caso dos alunos R.R.

e F.C. da primeira série masculina.

R. R. - Eu sofri pra me adaptar pois eu estava na quarta série, daí eu

passei pra quinta e vim pra cá. Aí tem que fazer cinco deveres e mais aqui,

aí eu tenho só uma hora e meia pra fazer todos os deveres (Matemática,

Português, Geografia, Ciências, História...) No outro ano eu pensei que eu

ia passar, aí eu tava tranqüilo porque eram pouquinhos deveres. E seguir a

dieta também é muito difícil. É tudo sem açúcar, tem que comer tudo light,

difícil é não poder se alimentar com o que a gente quer, mas ter que se

alimentar com coisa saudável.

F.C. - Não pode comer chocolate. Antes a gente tomava coca-cola normal,

agora só pode ser light.

A própria R.F. se queixa da falta de tempo para brincar, de chegar cansada em casa e

da dieta alimentar, mas sempre enfatizando que vale a pena:

R. F. - É difícil porque até agora a gente ficou chorando, mas a gente não

deve desistir porque a gente veio atrás do sonho... meu pai e minha mãe

ainda estão lá... eles vão vir sábado e domingo pra me visitar. Todo feriado

que tiver eles vão vir... é difícil porque a gente tá acostumada a fazer só

uma coisa... a brincar, brincar, brincar, a gente não tá acostumada com

esse tipo de exercício. Mas é muito legal, mas tem que ter muito esforço

para conseguir fazer isso! Assim, você chega tarde em casa, chega cansada

e não consegue estudar direito, mas tem que ter muito esforço, mas vale a

pena! Foi difícil, mas eu consegui ficar sem comer chocolate e é bom

porque a gente começa a comer coisas mais saudáveis, mais salada, fruta,

todas essas coisas.

85

Através deste depoimento, fica claro que os pais incentivam o sonho de “Cinderela”

dos filhos a qualquer custo e, muitas vezes, até projetam na vida dos pequenos, aquilo que não

conseguiram conquistar em sua própria vida. Compram a proposta da escola de tornar os

pequenos em “cidadãos conscientes” sem perceber que a proposta da escola de educação

através do balé envolve um ensino profissionalizante muito rígido e que seus filhos não estão

preparados ainda para enfrentar esse tipo de situação. As palavras de R.F. no trecho abaixo

descrevem perfeitamente isso:

O primeiro dia que eu fiquei aqui eu falei para minha mãe “eu não agüento

mais mãe! É muita atividade, muita coisa para fazer, trabalho, prova, muita

coisa para fazer, mas aí minha mãe deu conselho, minha prima que é

psicóloga também deu e me disse que meu pai também foi para Tubarão

estudar com quinze anos sozinho e eu senti... (chora) muita pena do meu pai

porque ele veio sozinho, sem ninguém, ninguém e eu sei que esse é o sonho

de muitas pessoas (começa a chorar muito) muitas pessoas queriam estar

no meu lugar e não estão e assim... (para de falar e chora). Eu vou

aprender muitas coisas, vou aprender piano, vou aprender balé, história da

cultura, da dança, um monte de coisa. Eu vou escolher o meu futuro, mesmo

que eu decida não seguir o balé mesmo, eu disse para a minha mãe que eu

vou tentar esse ano e no final do ano eu vejo se é isso mesmo que eu quero

fazer, senão eu vou voltar para casa. Muitas pessoas queriam estar como eu

estou agora, tendo comida, estudo, tudo. Então eu tenho que ver, porque se

eu desistir, eu to vendo que eu tirei a vaga de outras crianças que queriam

estar aqui, então eu tenho que pensar muito nisso para ver se eu quero

desistir. E a minha mãe se formou só até a oitava série, mas ela sempre

ficou com os meus avós, ela nunca se separou, acho. Quando os meus pais

se casaram (rindo) a minha mãe não podia ficar nenhum dia sem ver meus

avós, porque ela sentia muita saudade.

A palavra “sonho” é frequentemente citada pelos alunos e pais, mas cabe lembrar

que “sonho” é uma coisa boa, que não deveria envolver lágrimas de tristeza, privações e

interrupção da infância. Mas ainda assim, os pais e alunos acreditam que a escola é um sonho

de Cinderela e que seus filhos “não querem acordar”. Um exemplo disso pode ser encontrado

no depoimento dos pais de B.N. da sétima série.

86

... Mudou bastante coisa! O sonho dela é aquele: “É o meu sonho e eu não

quero acordar” A nossa vida de um modo geral mudou também, na medida

em que tudo gira muito em torno da escola, as atividades, os passeios, os

ensaios, como eu já te disse. E assim, a gente vive em função do balé!

(risos) Desde que ela entrou não tem outra escapatória, porque, ou estou

costurando sapatilha, ou me preocupo se a roupa está pronta ou se acabou

o laquê, acabou o gel, se a maquiagem não precisa ser substituída, então, o

tempo inteiro assim em função disso. E a vida dela mudou

significativamente, porque se ela tem ensaio, ela não pode sair, se ela tem

uma viagem, ela não pode estar com os amigos e a escola normal também

acaba exigindo um tempo grande de estudo. Então ela tem que escolher,

entre levar uma vida normal de adolescente ou levar uma vida de aluna de

balé e ela tem optado por levar uma vida de aluna de balé, então ela deixa

de fazer coisas normais de adolescente. Por outro lado, não é que ela não

leve uma vida normal de adolescente, mas ela entende que tem que deitar

cedo, que ela tem ensaio então não pode viajar no final de semana, então,

mas é bem legal, é bem bom, vale a pena.

É curioso que os pais afirmem com tranqüilidade que a vida de uma estudante de

balé não é normal, e que as privações são necessárias e boas para os filhos. Mas uma vez, fica

claro que a preocupação da escola é formar profissionais através de uma metodologia rigorosa

e não cidadãos com autonomia para refletir e fazer escolhas. Pois, ao mesmo tempo que são

apresentadas as opções de decisão para a criança, a escola e os país fazem um trabalho muito

eficaz de “conscientizar os alunos sobre aquilo que é melhor para eles”.

O exemplo de R.F. é claro neste sentido. É perceptível a comparação que ela faz

entre a sua própria vida e a do pai, chorando e dizendo que sentiu muita pena dele por ter ido

para a cidade de Tubarão sozinho e, logo depois, diz que vai ser bom para ela, como se

estivesse se referindo, anteriormente, à própria vida.

Também é possível notar que ela considera positiva a experiência da mãe, que nunca

se separou dos pais. Após chorar copiosamente ao contar a história do pai, relata rindo o caso

da mãe. Curiosamente, a mãe que não teve a oportunidade de completar os estudos, foi quem

aconselhou R.F. a não desistir.

87

3. AÇÃO CULTURAL DO BOLSHOI - MISSÃO E

PROJETOS:

A Escola vai afastá-los de uma vida infeliz, vai tirá-los da promiscuidade,

dos tóxicos, da indelicadeza, da dureza. Se você leva amor e fraternidade

pra essa criança que está batalhando, vendo a família e o pai trabalhar

com dificuldade e poder devolver essa alegria aos pais, é um bem que você

pode fazer à criança primeiro, à família dessa criança, à cidade dessa

família e ao país dessa cidade.

Ziraldo

A Escola do Teatro Bolshoi do Brasil tem um registro, no ano de 2003, de cerca de

trezentos alunos, sendo 85% bolsistas, provenientes de famílias de baixa renda, que recebem

estudo, alimentação, uniformes, figurinos, material, atendimento odontológico, ortodôntico,

nutricional e fisioterápico, exames laboratoriais e oftalmológicos, transporte, orientação

pedagógica, reforço escolar, assistência médica emergencial e tratamento psicológico. No ano

letivo de 2004, manteve a marca de aproximadamente trezentos alunos, com 95% de bolsistas.

No ano de 2005, este percentual se manteve em 95% de alunos bolsistas. Já no ano

de 2006, essa porcentagem de bolsas oferecidas pela escola se aproxima ao percentual de

99%, visto que, alguns alunos entram na escola como pagantes e depois, conseguem um

patrocinador com esforço próprio. A coordenadora Silvelene Stolf revelou na entrevista33 que

a maioria dos alunos que entraram como particulares buscaram patrocinadores e conseguiram.

Três alunas entrevistadas em março de 2006 revelaram que conseguiram patrocínio desta

maneira. Uma delas esclarece que precisou mudar da escola particular para a pública para

poder obter a bolsa e os demais benefícios da escola.

33. Vanessa - Tem casos de alunos particulares que recebem patrocínio e acabam virando bolsistas?

S. S. - Sim. Depois que eles já estão aqui, eles mesmos procuram patrocínio para poder se manter. Nós temos uma aluna de

Fortaleza que tem bolsa, mas que veio como aluna particular. Mas mesmo recebendo patrocínios ou uma bolsa da escola, o

aluno tem que ter condições de viver aqui, moradia, etc. (Entrevista em 06/03/06 concedida por Silvelene Stolf na ETBB).

88

De acordo com declarações de documentos da escola com dados referentes à

pesquisa realizada pelo diretor artístico, Henrique Belling no ano de 2003, “o número de

estudantes masculinos, entre dez e doze anos é superior à soma de todos os outros alunos de

balé dessa faixa etária em todo o país”. A pesquisa aponta um número de aproximadamente

22 alunos de balé entre 8 e 11 anos em todo o país e aproximadamente 153 estudantes,

profissionais ou amadores entre 16 e 26 anos, somando apenas 167 do sexo masculino

envolvidos com o balé. Já no Bolshoi, no mesmo ano em que foi realizada a pesquisa, o

número de alunos do sexo masculino chegava a 140, sendo somente 4 acima de 11 anos.

Estes dados parecem ter seu fundamento nos benefícios assistenciais oferecidos pela

escola aos alunos e às suas famílias. Todas as séries possuem duas turmas distintas: uma

feminina e outra masculina, com mestres do mesmo sexo; só começam a ter aulas juntas a

partir do 6º ano. Fora isso, ambos os sexos só participam juntos nos ensaios, nas aulas de

Preparação e Prática Cênica e nas apresentações.

Tornou-se claro nas entrevistas realizadas com os alunos, que muitos dos garotos

que entram para a Escola Bolshoi estão interessados principalmente na carreira musical ou

nos benefícios culturais e educacionais; são poucos os que afirmam terem realmente sonhado

com a carreira de bailarino. Talvez seja este o motivo pelo qual ainda haja desistência de

alguns alunos por não suportarem o preconceito, pois embora a escola faça um trabalho de

conscientização com alunos do Bolshoi e nas escolas, ainda ocorrem muitos casos de

gozações e discriminações por parte dos coleguinhas.

De acordo com as respostas nas entrevistas aos alunos da primeira série masculina do

Bolshoi, os colegas na escola os chamam de “mulherzinha” e falam que são “bichas”, mesmo

depois da palestra que trata deste assunto (na motivação). A maioria afirmou que não ligava,

mas alguns disseram que incomodam e que eles têm vontade de bater em quem fica falando

isso. Há também alguns casos em que o preconceito vem de casa, por parte dos próprios pais e

o aluno acaba entrando na escola contrariando a vontade deles.

Nas três visitas feitas à escola (2003, 2004 e 2006) pôde-se observar que as turmas

masculinas iniciantes (primeira e segunda série) sempre tem uma grande quantidade de

meninos, enquanto que nas turmas mais adiantadas (principalmente da quinta série em diante)

o número de meninos cai bruscamente, muitos desistem antes de completar o curso.

Quanto às meninas, certamente são maioria na escola. A surpresa é que, nas

entrevistas, a maioria das alunas do Curso de Formação afirma ter pensado em ser bailarina

apenas após o ingresso na escola. Muitas sonhavam em ser médicas, veterinárias, poetizas e

até freiras. Já a maioria das alunas do Estágio Modular possuía este objetivo anteriormente,

89

visto que cursavam aulas de balé antes de ingressar no Bolshoi e planejaram a entrada na

escola, projetando para o futuro uma carreira profissional no exterior (muitas sonham com a

companhia do Bolshoi na Rússia).

A escola tem como um de seus alvos a formação de parcerias que atinjam outras

localidades do Brasil. A Paraíba foi o primeiro estado a firmar parceria com a Escola Bolshoi.

Oito crianças da cidade de João Pessoa foram contempladas com a bolsa de estudos e estão

morando em Joinville, aprendendo o exercício da nova profissão de artistas de balé. Hoje, a

escola mantém convênio também com outros estados e municípios, como Imbituba (SC),

Teresina (PI), Araçuaí (MG), entre outros.

Uma “mãe-social”, que acompanha os alunos provenientes de outros estados e

cidades, é selecionada pelo Governo do Estado de origem da criança e contratada para cuidar

dos alunos do mesmo Estado, com o intuito de não permitir que ocorra uma experiência

traumática nas crianças por ocasião da diferença de costumes e cultura. As mães-sociais são

funcionarias do governo (uma espécie de assistente social), contratadas para cuidar de grupos

de crianças vindas de outras localidades. A Escola do Teatro Bolshoi possui quatro casas em

Joinville mantidas pelo governo ou por Amigos do Bolshoi, onde moram as crianças bolsistas

trazidas de outras cidades. As crianças de outros estados que são alunas particulares são

responsáveis pela própria moradia. Em muitos casos, os pais largam tudo nas cidades de

origem e se mudam para Joinville em busca do sonho dos filhos, outros vão morar com a avó,

outros acabam ficando em pensões ou em quartos alugados em casas de família.

Na esperança de viver um sonho e com a expectativa de construir um futuro melhor,

crianças deixaram as suas famílias, escolas, amigos para morar numa cidade estranha,

diferente cultural e socialmente da que viviam. A mãe social acompanha essas crianças para

que elas sejam cuidadas e não sintam tanta falta de suas famílias, embora não resolva muito a

questão da saudade, pois as crianças são muito pequenas, o que torna complicado o período de

adaptação. R.F., aluna da primeira série matutina do ano de 2006, chegou a chorar

copiosamente na entrevista, dizendo sentir muita falta da mãe e da irmã gêmea que

permaneceram em Imbituba (SC) quando ela foi morar em Joinville para cursar o Bolshoi.

O alcance social da escola vem atingindo uma grande camada da comunidade,

especialmente nos bairros mais distantes e economicamente desfavorecidos. Além da grande

quantidade de alunos e familiares atendidos diretamente pelo projeto, o trabalho de motivação

vocacional (para as artes, mais especificamente para o balé), atinge cerca de oitenta mil

crianças que estudam na rede pública de ensino, pretendendo assim, estimular um melhor

aproveitamento, fazendo-se presente junto ao ensino regular, através de reforço escolar e

90

acompanhamento do aluno. Este projeto tem o intuito de motivar os estudos da educação

formal dos alunos da rede pública que são bolsistas do Bolshoi, dando apoio pedagógico e

exigindo resultados na escola regular para manutenção da bolsa de estudos de balé, já que,

para ter a certificação do MEC o aluno precisa ter bom aproveitamento nas disciplinas do

Ensino Regular. Nas entrevistas, muitos alunos pontuaram os estudos na escola regular como

sendo o mais importante. 34

São oferecidos ainda benefícios e atenção aos familiares, com o objetivo de criar um

ambiente familiar saudável, que contribua com o bom rendimento e crescimento da criança.

As famílias podem ser atendidas pelos psicólogos e médicos Amigos do Bolshoi, além de

todo o trabalho feito com os pais35 no sentido de levá-los a entender a “arte praticada pelo

filho” e apoiá-los no balé e nos estudos. Com o intuito de multiplicar na comunidade o

interesse pela arte do balé, as crianças levam aos seus familiares informações que,

conseqüentemente, se espalham pela vizinhança, pelo bairro e, segundo Sylvana

(coordenadora do exame classificatório) “já contagia a cidade de Joinville toda”.

Esta atitude denota uma intenção, já assumida pela escola, de contribuir com a

“democratização da cultura”, que é um termo interpretado de maneira a construir uma

imagem positiva da atuação da escola perante a sociedade e propiciar às camadas sociais que

antes não possuíam acesso a “cultura”, o entendimento e o apreço pela arte do balé. Vejamos

o que o dicionário crítico de política cultural diz a respeito:

Democratização da cultura - Embora esta seja uma expressão cujo

conteúdo, no uso comum, varie acentuadamente, em seu sentido mais

recorrente, democratização da cultura é, na essência, um processo de

popularização das chamadas artes eruditas. 36

34. Vanessa: mudou algo na sua vida depois que você entrou aqui?

J.H.: O desempenho escolar, por que “aqui não é o principal”. A escola é o principal! Só que a gente tem que saber dividir, para não

atrapalhar a escola, né? E se dedicar nos dois do mesmo jeito.

35. A gente gosta muito desse projeto porque ele tem uma abrangência cultural muito extensa não fica restrito somente na questão do

ensino, da aula do balé clássico. Tudo o que envolve a questão da dança até a questão comportamental, a questão do desenvolvimento

cultural das crianças. A gente fica bastante satisfeita por a cidade poder ter um projeto deste, uma escola deste nível onde, não só

aproveita os ensinamentos de mais de dois séculos da Rússia, como incorpora muita coisa do brasileiro também. Então existe esse

intercâmbio, essa troca, esse engrandecimento. O que chama a atenção da gente é a possibilidade das crianças poderem participar das

turnês, trocarem experiências com bailarinos profissionais adultos em academias como o Ballet Scalla de Milão que é uma das cinco

melhores do mundo. È bom saber que a nossa filha está se desenvolvendo e quando ela tiver uma idade mais avançada vai poder decidir

o que ela quer pra vida dela. De qualquer forma, o que ela aprendeu aqui vai servir para qualquer outro tipo de atividade. (G.L. pai de

aluna da quinta série da ETBB).

36. COELHO, Teixeira. Dicionário Critico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997, p.69.

91

Este tipo de atuação se baseia no pensamento de que um determinado segmento da

população, que não possui acesso a esse tipo de arte, tem o interesse de participar de tais

modos culturais a partir desses programas de popularização. Assim, para persuadir os

“desfavorecidos” a participar de tais programas, determinadas instituições recorrem a

instrumentos de educação, sensibilização e facilitação dessas práticas, denominando o

processo como “ação cultural”.

Programas como este, poderiam ser movidos por interesses meramente

mercadológicos – necessidade que tem o mercado de bens culturais de

ampliar o leque de consumidores – ou por propósitos mais elevados

baseados na idéia de que todos têm a ganhar com os valores culturais

manifestos nesses modos. Num caso como no outro, prevalece o objetivo de

ampliar o número de espectadores, freqüentadores, leitores, ouvintes, isto é,

de alargar o campo dos receptores de cultura. 37

Os alunos recebem ainda noções de higiene, nutrição e educação geral. As crianças

aprendem como se comportar frente à imprensa através de um treinamento específico neste

sentido. Por ocasião da primeira visita feita à escola, ao tentarmos entrevistar algumas

crianças, mesmo com a identificação de estudante da USP, a resposta era sempre a mesma,

certamente orientada por assessores de imprensa da escola: “Não estou autorizada a dar

entrevistas (nem mesmo informais); somente com a autorização da escola”.

Na ocasião da última visita, em março de 2006, as crianças do primeiro que ano

estavam em sua primeira semana de aula se amontoavam à nossa volta querendo contar sua

experiência de serem calouros do Bolshoi, certamente, ainda não haviam passado por tal

orientação a respeito de entrevistas. Contudo, os mais velhos ficavam desconfiados e só

aceitavam responder quando confirmavam a autorização da escola e, ainda assim, muitos

deles respondiam com meias-palavras, sem saber direito o que podiam falar.

37. Idem, p. 69.

92

Esse tipo de atitude das crianças é fruto de uma postura autoritária e de controle por

parte da escola que nada tem a ver com um processo que tenha realmente a intenção de formar

cidadãos com condições de refletir sobre o seu papel perante a sociedade e fazer diferença no

mundo. Para que o indivíduo seja capaz de criar um mundo diferente, ele precisa ser formado

através de um processo que estimule seu pensamento crítico e que lhe garanta liberdade de

expressão dos seus pensamentos. Parece-nos que essas atitudes de coerção nada tem a ver

com a missão assumida pela escola.

A escola apresenta a seguinte visão: ainda que alguns desses alunos não sigam

carreira no balé, o processo deve representar uma alavanca para o desenvolvimento do

potencial destes, levando-os a atuar em áreas relacionadas ao dia-a-dia na escola, como por

exemplo: teatro, música, iluminação, figurino, cenografia, coreografia, crítica e jornalismo de

dança, pesquisa em dança, intérprete, entre outras. Será que temos mercado suficiente, hoje no

Brasil, para absorver tantos alunos que se formarão com esse perfil profissional?

A missão da escola e a bandeira que levanta em todas as suas declarações é a de

“formar artistas-cidadãos mais conscientes de seu papel na sociedade”. No documento

denominado como “Projeto referência na educação, cultura e cidadania”, a escola afirma ser

“um projeto cultural em pleno desenvolvimento, cuja grandeza se verifica pela extensão

social, dimensão cultural e pela abrangência educacional que alcança com seus propósitos e

atividades”. Garante ainda buscar a melhor formação para os seus alunos, permitir o acesso ao

mundo da cultura e ampliar os horizontes das crianças. No mesmo documento, há uma

mudança sutil na definição da sua missão. Diz-se que: “A sua missão é formar artistas-

cidadãos, promovendo e difundindo a arte-educação”. Será que a escola vê como papel do

cidadão na sociedade exatamente a promoção e a difusão da arte-educação?

Esta dupla definição da missão da escola deixa uma incógnita sobre o significado,

para a instituição, de “cidadãos mais conscientes de seu papel na sociedade”. Que papel será

este a que se refere? Papel de divulgação da cultura do balé para a sociedade? Supostamente,

este é o princípio em que a escola se baseia para dizer que pratica ação cultural. Quando

questionada sobre seus objetivos em relação à ação cultural, a coordenadora responde que

todos os objetivos estão sendo atingidos, “pois as apresentações são todas com teatros lotados

e hoje, a cidade de Joinville sabe o que é uma apresentação de balé, valoriza mais, e sabe

como se comportar em um espetáculo”.

93

Além disso, a atitude das crianças ao cumprimentarem com reverência aos visitantes

(estranhos) sua conduta disciplinada em sala de aula é algo inusitado nos tempos de hoje. Esse

tipo de comportamento é comum na escola, principalmente nas aulas, onde não há nenhuma

conversa ou distração durante uma hora e meia, ou mais, de duração; percebe-se que, além da

cobrança dos professores e das correções, há uma cobrança pessoal muito grande, pois os

alunos tentam se superar o tempo todo e não aceitam as próprias falhas. 38

O ex-professor russo de dança clássica A. S., diz que na Rússia o balé é tratado como

profissão desde muito cedo. Quem escolhe ser bailarino sabe que começará a trabalhar sério e

com responsabilidade profissional desde os dez anos aproximadamente.

Este modo de pensar é fruto de um ensino de disciplina rígida, característico tanto da

própria tradição do balé como da cultura russa, devido à construção da história da antiga

URSS que foi muito influenciada pelo socialismo. Na época do socialismo soviético, dançar

balé era uma das raras possibilidades de viajar pelo mundo e ter acesso aos benefícios que os

outros cidadãos russos não podiam usufruir.

A profissão de bailarino até hoje na Rússia é uma posição privilegiada. Por este

motivo, a seriedade com que é encarado o balé na Rússia é extremamente profissional, desde

os menores aprendizes. Mas há de se questionar se, iniciar os estudos de balé com o peso de

carreira artística profissional tão cedo (visto que para o balé os estudos devem começar na

infância com aproximadamente dez anos), é algo valeria a pena estender a crianças brasileiras

partindo de um modelo russo, onde a educação e a cultura são frutos de histórias muito

diferentes.

A escola diz acreditar que, ampliando a capacidade cognitiva dessas crianças e

jovens, serão proporcionadas melhores condições para elas se relacionarem com o mundo e

conviverem com a diversidade social e cultural, independente da profissão que resolverem

seguir. Mas esta é uma intenção complicada, pois a escola transfere a metodologia russa de

ensino do balé, carregada de tradição e de pensamentos formatados pela história daquele país

ao Brasil que, de forma tão diferenciada construiu sua história.

38. S.R.: No Centreventos foi a minha estréia. E eu adorei! Nossa... Ansiedade demais... Sempre aquela coisa, você não pode errar,

você tem que fazer, pois você está numa escola muito... com uma técnica muito rígida e não pode perder o foco tem que fazer o

melhor, porque depois os professores caem cima. Hoje, agora, está mais tranqüilo! Agora estou com mais confiança em mim e tal,

mas, a cobrança continua ainda. A maturidade também melhorou com a minha idade. (aluna S.R. da sétima série da ETBB)

B.F.: Acho assim, está cada vez mais difícil. Para a gente, assim... às vezes dá vontade de desistir, a gente pensa que não vai

conseguir. Todo ano eu penso isso. Mas o medo de me arrepender depois... E depois que passa essa fase parece que vem alguma

coisa que complementa assim, né? Uma coisa que te diz assim: "tenta, que tú vai conseguir!”. Nessa fase muitas pessoas vêem que

não é o balé mesmo que elas querem seguir e saem da escola. (aluna B.F. da sexta série da ETBB)

94

O balé clássico se configurou na Rússia num cenário onde a sociedade

“uniformizada” pelo socialismo ambicionava alguma posição que lhes oferecesse uma

condição de vida diferenciada, representando assim uma possibilidade de destaque em meio

aos “iguais”. No Brasil, o Bolshoi se insere no contexto da diversidade sociocultural, onde os

desfavorecidos alimentam os “sonhos de Cinderela” almejando alcançar melhores condições

de vida e a elite social preocupa-se somente em mantê-los bem longe de sua “paisagem” e de

seus bens.

O que se pretende é dar a essa população alguma coisa com que ocupar

mãos e mentes vazias, na esperança de que as mãos deixem de avançar

sobre bolsos mais recheados ou vidas mais coloridas, nem as mentes, de ter

sonhos inconvenientes. 39

Além disso, a escola considera-se co-responsável pelo desenvolvimento social e

agente de transformação no meio em que se insere. Deste modo, a supervisão acredita que a

atuação da escola tem tornado o “mundo melhor” através de ações que interferem na

comunidade nos âmbitos cultural e social. Esta afirmação da escola torna clara a preocupação

com a “instrumentalização da cultura”, transferindo-lhe a função de interferir na sociedade

tornando o mundo melhor colaborando com o desenvolvimento social. A monitora que

acompanhou o nosso grupo na visita as dependências da escola durante o “Festival de Dança

em 2003” disse que, para cada aluno o percentual de gastos na escola é muito inferior ao que

o governo gasta com um detento da Febem. Relata ainda que o diferencial do Bolshoi é a

preocupação de formar cidadãos, “uma forma preventiva que desvia os jovens carentes do

caminho dos crimes”.

Isso é ação cultural? Uma mera instrumentalização da cultura? Ou será

que, como querem muitos, a cultura não pode ser pensada fora de um

quadro de instrumentalização? De um modo ou de outro, é difícil deixar de

entender uma coletividade que, pretendendo resolver os problemas que

afligem, trate de fazê-lo deste modo “artístico” ou “cultural”, em vez de

recorrer tradicionalmente à polícia ou à Febem. 40

39. COELHO, Teixeira. Dicionário Critico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997, p. 46. 40. Idem, p. 48.

95

O rigor da disciplina russa pode ser visto em diversos aspectos. Não somente nas

aulas, mas quando nos encontramos com as crianças nos corredores ou até mesmo nas ruas da

cidade de Joinville, todas apresentam o mesmo tipo de comportamento respeitoso, polido,

condicionado, que não é comum à maioria das crianças com idade correspondente, portando-

se como “mini-profissionais” da área do balé.

Todo o comportamento das crianças e o modo operacional da escola estão bem mais

próximos a uma determinada visão de profissionalismo, condicionada às razões históricas que

configuraram a evolução do balé na Rússia, do que à ação cultural propriamente dita. É bem

provável que haja aqui, uma confusão da escola quanto ao significado de ação cultural, bem

como quanto ao termo arte-educação.

Na visita que fizemos à escola no ano de 2004, um professor de música nos

acompanhou, já que os monitores estavam de férias. Havia poucas crianças ensaiando, e a

pessoa responsável pelas visitas não estava presente. Admirou-me muito o comentário deste

professor acerca de um colega ucraniano que ministrava aulas de técnica masculina para o

balé clássico. Ele chamou a minha atenção para o comportamento dos alunos durante a aula;

dava para ouvir a nossa respiração.

O professor em questão estava sentado com cara de sargento, enquanto uns dez

alunos realizavam as seqüências sem nem olhar para os lados. Então o primeiro me disse:

Este professor é um dos mais respeitados aqui, pois ele coloca disciplina na

aula. No começo, vários alunos choravam nas aulas dele, pois ele sempre

foi assim de impor respeito. Aluno que não obedece não fica na sala dele.

Mas isso é bom, porque foi assim que ele alcançou esses ótimos resultados.

Essa turma está há quatro anos com ele e é uma das mais fortes e melhores

tecnicamente da escola. 41

Serão estes alunos, que saem da sala chorando e têm medo do professor que os

oprime e os envergonha na frente dos colegas, os que crescerão como artistas e cidadãos

conscientes do seu papel na sociedade? O pensamento crítico e reflexivo, a capacidade de

expor idéias e opiniões são características mais próximas ao cidadão que tem consciência do

papel que irá exercer na sociedade. O procedimento autoritário e coercivo, sobretudo quando

ocorre em público, inibe e oprime de forma que, a pessoa afetada por tal experiência, acaba

reprimindo a sua liberdade de expressão com medo de se expor.

41. Depoimento do professor de música da ETBB em ocasião de visita à escola em julho de 2004.

96

A estudante de medicina, R.S., ex-aluna da primeira turma do estágio modular

máster e primeira a ir para a Rússia, relata que havia um trabalho “psicológico e ideológico”,

além do técnico, onde o professor A.S. as incentivava a realizar cada exercício como se

estivessem na última aula de suas vidas e fossem subir ao palco no outro dia. Disse também

que tudo era trabalhado com muito profissionalismo; as que permaneceram saíram de lá

prontas para serem bailarinas de companhia, mas uma minoria da turma de 25 alunas

conseguiu estagiar profissionalmente em companhias no exterior, e apenas duas

permaneceram: A E.R. (Stuttgart Ballet) e a M.G. (Bolshoi em Moscou).

O professor da primeira turma de Estágio Modular concorda que realizou um

excelente trabalho e relata que assumiu uma turma de alunas vindas de metodologias

diferentes e teve que começar com o trabalho da técnica básica com elas, mas em três anos se

tornaram bailarinas com o mesmo nível das que pertencem à companhia de Moscou. A.S.

remete este resultado ao profissionalismo com que as alunas encaravam as aulas. “Quando eu

estava no Brasil, eu tinha conflito com professores russos. Eu mostrei a minha turma à

professora da escola Moscou e depois disso, me disseram que estavam no nível da Escola de

Moscou”. 42

R.S. conta ainda que Luciana Voltolini, da mesma forma que outras alunas da mesma

turma, fez testes para várias companhias nos EUA e não passou. Somente agora, três anos

após sua formatura, Luciana passou na audição para o Boston Ballet. R.S. afirma que, apenas

com o certificado e a experiência técnica do Bolshoi, o bailarino não garante vaga em

companhias de balé, pois a indicação é necessária para o sucesso nos exames.

Em contrapartida, todos os eventos promovidos pela escola incluem ações sociais

direcionadas aos desfavorecidos. Nas mostras, oficinas e palestras, a comunidade é

incentivada a fazer doações em troca de ingressos para, desta forma, arrecadar alimentos,

brinquedos, roupas e sapatos que são encaminhados a instituições filantrópicas.

Alguns exemplos de entidades e projetos favorecidos pelas ações da escola são: Rede

Feminina de Combate ao Câncer, AJOS (Associação Joinvillense de Obras Sociais), Projeto

Campeões da Vida (parceria da Brasil Telecom com o Instituto Gustavo Kuerten), APAV

(Curitiba), Lar Herminia Schleder (Curitiba), Perpétuo Socorro (Curitiba), Asilo São Vicente

de Paula (Criciúma), Programa Usina de Creches da Amas (Belo Horizonte).

42. Depoimento do ex-professor da ETBB A.S. referindo-se às alunas da primeira turma do Estágio Modular Máster da

filial brasileira

97

Com este tipo de atitude, a escola acredita estar criando um mundo melhor,

atendendo socialmente aos necessitados e ainda levando cultura a quem não tinha acesso. Em

seu “compromisso social” encontra-se a seguinte afirmação: “A Escola do Teatro Bolshoi no

Brasil é um projeto cultural de caráter educativo. Sua proposta vincula cultura com ação

social, pois o desenvolvimento de uma esfera seguramente sustenta o de outra”. 43

Com esta afirmação torna-se ainda mais clara a confusão feita pela escola entre ação

cultural, arte-educação e ação social, ou seja, a escola assume a pretensão de profissionalizar e

no mesmo projeto pratica ação social sob forma de filantropia, vinculando-a a uma ação

cultural entendida pela instituição como a divulgação do balé.

A ação cultural precisa estar associada ao processo educativo. E a ação social? É o

que será visto mais adiante.

43. Frase retirada de carta timbrada da assessoria de imprensa da ETBB.

98

3.1. Programas Especiais de Ação Cultural da Escola

Vocês são a prova de que a construção dos sonhos é possível, e da

dimensão da cultura, com sua ação social e integração entre países.

Fabio Cesnik (Livro Ouro da ETBB)

A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil possui uma série dos assim denominados

programas especiais de ação cultural que têm subsistido com grande repercussão, diante da

aceitação do público desde sua instalação em Joinville. Segue abaixo uma síntese do objetivo

de cada uma delas.

Encontro Cultural Formação de Platéia - Visa estimular a freqüência em salas de

espetáculo, informar e valorizar a apreciação das artes cênicas. Com atividades interativas, o

programa tem o objetivo de levar os participantes a obterem um “melhor aproveitamento” ao

assistir obras artísticas, sobretudo de balé, no sentido de entenderem melhor o que assistem e

respeitarem as regras da “boa educação” e “posicionamento de público” perante a obra

artística.

Projeto Plantando Cultura - Com caráter didático-pedagógico, o projeto visa

proporcionar o contato do público com a diversidade cultural (referente ao balé clássico, e à

música clássica) e facilitar o acesso a informações de rara circulação, sobre dança, sobretudo

o balé clássico, visto que o balé é um assunto que não tem muito espaço no cotidiano do

brasileiro e há pouquíssimo material no mercado referente ao assunto, tornando difícil o

acesso da população ao seu conteúdo. O projeto possui formato variado, englobando aulas-

espetáculo, palestras, mostras de vídeo comentadas, entre outros.

Oficinas e palestras - Oferta de oficinas diversas como danças populares brasileiras,

vídeo-dança e sapateado; palestras sobre temas como nutrição, drogas e arte-educação, ambos

direcionados à comunidade, alunos ou não da escola.

Concertos de Música - Oportunidade em que os alunos se apresentam mostrando seu

desenvolvimento no aprendizado da música (canto coral, flauta, percussão e piano).

99

Mostras Didáticas de Música - Apresentações didáticas de música com o objetivo de

ampliar o conhecimento da comunidade. Ocorrem em teatros, parques e praças públicas,

sempre com entrada livre para o público. Com estes espetáculos a escola julga contribuir para

a “popularização da arte no Brasil”, estimulando o hábito de freqüentar eventos culturais e a

valorização da arte e do artista.

Exposição fotográfica e Varal musical - Veiculam em shoppings e lugares públicos

informações históricas sobre a dança e afins, resultantes do trabalho desenvolvido por alunos

e equipe da Escola.

Coleção de Cd´s de Música para aulas de Ballet - Gravação de composições

especialmente criadas e executadas para aulas de balé. Resultado do legado musical do Teatro

Bolshoi russo, associado à experiência cotidiana da Escola no Brasil. Tem distribuição

gratuita para instituições culturais, de ensino e de pesquisa de todo o Brasil.

Publicações: Bolshoi Brasil e Oficina da Comunicação - O Núcleo de Comunicação

da Escola produz e distribui gratuitamente publicações de jornais, folder e informativos

especializados, que trazem informações sobre dança e arte e assuntos referentes à escola.

Mostras Didáticas - A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil produz mostras educativas

que são consideradas como mecanismos de “profissionalização dos alunos” e “difusão

cultural”. São elas: I Mostra Didática de Dança; Mostra Projeto; Mostra Fragmentos de

Danças; Bolshoi ao Piano e Bolshoi em Cena e Mostra de Dança Contemporânea. Dentre elas,

destaca-se a Mostra Didática de Dança pelo seu caráter educativo e o incentivo à formação de

platéia, como também por ser o maior dos eventos culturais promovidos pela escola.

Mostra Didática de Dança: A mostra didática de dança consiste em uma

representação cênica que utiliza as linguagens da dança, do teatro e da música com o intuito

de conquistar público para o “consumo de cultura” no Brasil. Para tanto, a Escola do Teatro

Bolshoi no Brasil prossegue em turnê passando por vários estados brasileiros com a mostra

cênica e exposições fotográficas da Escola em Joinville. Esta mostra tem como elenco os

alunos que possuem notas acima da média, professores e pianistas da escola, além de dois

atores que representam mestres de cerimônia contando a história do balé, a natureza o

aprendizado, e outros aspectos dessa arte, visando desenvolvimento da percepção artística da

100

platéia para o balé. Com texto assinado por Fátima Ortiz (atriz, diretora e dramaturga), o

projeto tem como principal objetivo a aproximação do grande público das artes cênicas para

reforçar o papel social da escola, o de educar crianças e jovens visando a “constituição de uma

sociedade mais responsável e sensível”.

Na primeira Mostra Didática, os alunos executavam exercícios de barra e centro,

estudos coreográficos, além de danças populares e históricas russas. Atualmente, foram

inseridos novos módulos tais como: Ballet Clássico de Repertório e Dança Contemporânea. A

proposta da Mostra é propor uma seqüência com a inserção de um novo módulo a cada ano,

sem tirar de cena o módulo anterior.

O figurino foi especialmente desenvolvido para o projeto no ateliê da escola e, em

alguns momentos, quando a história se refere ao ensino do balé em sala de aula, são utilizados

os próprios uniformes da escola.

Após cada apresentação acontece uma conversa em roda com a platéia, onde a

mesma pode interagir com perguntas. O intuito da escola com esta iniciativa é criar na

sociedade a consciência e a valorização da arte do balé e da dança em geral.

Através do esboço dos projetos especiais de ação cultural da escola, transparece

ainda mais que a intenção de “difundir a arte do balé” e “democratizar a cultura” é a “ação

cultural” da escola perante a sociedade. É desta maneira que, visam à formação de “artistas-

cidadãos” que se tornem bailarinos e músicos profissionais “mais conscientes do seu papel na

sociedade” ou “difundindo a arte-educação”.

Distinguindo os significados dos termos segundo a interpretação da Escola do Teatro

Bolshoi no Brasil, temos então:

• Ação Cultural: Difusão da arte do balé na sociedade, inclusive aos mais

desfavorecidos com a conquista do público para o “consumo de cultura”,

visando o desenvolvimento da percepção artística da platéia para o balé. Tendo

como principal objetivo a aproximação do grande público às artes cênicas, para

reforçar o papel social da escola, ao educar crianças e jovens visando constituir

uma sociedade mais responsável e sensível, com o intuito de criar a

consciência e valorização cultural artística.

101

• Arte - Educação: Ensino de balé clássico através de uma metodologia pura, isto

é, sem misturas – que é a metodologia criada pela bailarina russa Agrippina

Vaganova em 1921 - integrado a outras artes como música, teatro e danças

folclóricas, focando a educação profissionalizante.

• Ação Social: Componente indispensável para a prática de ação cultural, pois

não dissociam uma da outra, “... uma esfera seguramente sustenta a outra”.

Modo preciso de “democratização da arte do balé”, pois, através da ação social

torna-se possível o “garimpo de talentos brutos” a serem lapidados pelos

profissionais que atuam na escola.

Vejamos agora o significado dos mesmos termos de acordo com a posição de

estudiosos como Teixeira Coelho, Carlos Montano e Robert J. Saunders que estão trabalhando

na análise crítica dos termos em questão:

• Ação Cultural: (...) Denominação de origem francesa. Action culturelle

igualmente usada na Suíça e na Bélgica, embora seus princípios e objetivos

aproximem-se mais aos programas dos arts centers ingleses e instituições

culturais norte-americanas onde as atividades são chamadas de programs. “No

Brasil a expressão vem sendo empregada desde os anos 1970 e, muitas vezes,

como sinônimo de animação, ou, ainda de animação sociocultural. (...) Por ser

um conjunto de princípios mais empíricos que teóricos e de práticas

extremamente variáveis, ainda que não se tenha para a ação cultural um

conceito mais estável ou comumente definido entre as próprias instituições e

seus profissionais. (...) pode indicar o trabalho de entidades civis, públicas,

privadas ou comunitárias que promovam o acesso da população ou de

clientelas específicas aos bens culturais ou a atividades, serviços e processos de

aprendizagem (de médio e longo prazos) e de práticas artísticas de lazer.

Finalmente, a ação cultural pode incluir a função patrimonialista de

conservação e mostra de acervos históricos, sejam públicos ou privados,

artísticos, artesanais ou científicos.” 44

44. CUNHA, Newton. Dicionário SESC. A linguagem da cultura. São Paulo: SESC e Perspectivas, 2003, p.32.

102

• Arte-educação: “Definição – processos, planos teóricos, orientações

filosóficas, os programas orientados para o produto, os programas orientados

para a pessoa. Arte-educação é a ciência do ensino da arte. Esta disciplina ou

campo profissional não foi, até este momento, realmente definida nem aqui,

nem nos EUA, mesmo para, por exemplo, do meio de ensino para professores

de arte. É este o modo mais adequado que encontro para, neste dicionário,

defini-la: a ciência do ensino da arte. Esta ciência envolve dois processos: 1) o

processo de ensinar estudantes a realizarem obras de arte dita visual, e 2) o

processo de investigação sobre a natureza da criação de uma obra de arte e

sobre a natureza dos processos criativos naqueles indivíduos que fazem arte,

com o objetivo de ensinar a futuros professores de arte as qualidades da sua

profissão. Em termos gerais, essa investigação trata das características da

criatividade, da imaginação e da percepção visual, tais como, se aplicam à

realização e ao entendimento das obras de arte. (...) O programa orientado mais

para o produto é mais adequado para o segundo grau e para os estudantes do

terceiro grau que pretendem fazer uma carreira artística. O programa orientado

para a arte-educação socialmente consciente, isto é, que se preocupe com a

ação cultural, faz parte da rubrica ‘educação pela arte’ e pode ser ministrado

tanto no primário quanto no ginasial. (...) Outras discordâncias registraram-se

também, ao longo da história e ainda hoje, sobre a necessidade ou não de

apoiar-se a arte-educação ou educação pelas artes numa arte específica e, se a

resposta for afirmativa, em qual”. 45

• Ação Social: A ação social é uma responsabilidade do Estado, que tem o dever

de interferir na sociedade atendendo às carências dos necessitados com

recursos provenientes do capital, do trabalho, etc. “Ora, se temos hoje uma

sensível diminuição da intervenção estatal, via recorte dos gastos sociais,

passando esta ação cada vez mais para a responsabilidade dos próprios sujeitos

portadores de necessidades, isso não só significa a passagem de uma

responsabilidade do conjunto da sociedade em financiar esta ação estatal para

uma auto-responsabilidade dos necessitados pela solução dos seus próprios

conhecimentos. Isto significa que passa a haver um autofinanciamento pelos

próprios sujeitos carentes, complementado pela participação voluntária.

45. COELHO, Teixeira. Dicionário Critico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997, p. 40.

103

A ação social deixa de ser financiada pelo conjunto da sociedade, pelo capital,

pelo trabalho etc., e passa agora a ser cada vez mais financiada pelos setores

carentes, mais ligados aos trabalhadores de média e baixa renda, isto é, o

capital deixa de ser obrigado a co-financiar as políticas sócias estatais; passa-se

de uma ‘sociedade sistêmica’ (mediante a contribuição compulsória e

diferencial) para uma ‘solidariedade individual e voluntária’ (segundo os

princípios da ‘auto-ajuda’ e da ‘ajuda - mútua’)”. 46

Através das citações acima, podem ser conferidas as divergências interpretativas dos

conceitos utilizados pela Escola do Teatro Bolshoi do Brasil em suas práticas culturais,

artísticas, educacionais e sociais.

46. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social – Critica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo:

Cortez Editora, 2005, p.235 e 236.

104

3.2. Entendendo as diferenças entre Ação Cultural e

Fabricação Cultural:

Por ser um conjunto de princípios mais empíricos do que teóricos de

práticas extremamente variáveis, não se têm para a ação cultural um

conceito estável ou comumente definido entre as instituições e seus

profissionais. 47

Ação cultural pode ser vista como um desejo de fazer da arte e da cultura

instrumentos de transformação do homem e do mundo - de acordo com as idéias expostas na

obra: O que é ação cultural? - Teixeira Coelho. Muitos acreditam que a ação cultural pode

oferecer uma alternativa para a TV e tirar os jovens das ruas e do caminho do crime. Outros

confundem ação cultural com educação, transferindo à primeira a responsabilidade que

deixou de ser cumprida pela segunda.

Ainda de acordo com os pensamentos do mesmo autor citado acima, a “ação” é um

processo que tem um início claro, mas sem pretensões para um fim específico e sem a

necessidade de etapas bem estipuladas necessárias no seu caminho ao alvo pretendido.

Sob um ângulo específico, define-se a ação cultural como processo de

criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas e

grupos inventem seus próprios fins no universo da cultura. (...) Neste

sentido, a ação cultural é, antes, uma aposta: dados certos pontos de

partida e certos recursos, as pessoas envolvidas no processo chegarão a um

fim não inteiramente especificado, embora provavelmente situado entre

certas balizas. Ou não... O processo ou os meios, neste caso, importam mais

que os fins, e o agente cultural, bem como a política cultural por ele

representada, deve aceitar correr este risco. O próprio agente cultural, de

resto, submete-se ao processo por ele mesmo desencadeado, sofrendo ele

também a ação cultural resultante. 48

47. CUNHA, Newton. Dicionário SESC. A linguagem da cultura. São Paulo: SESC e Perspectivas, 003, p.32. 248. COELHO, Teixeira. Dicionário Critico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997, p. 33.

105

A escola do Teatro Bolshoi no Brasil tem uma finalidade muito clara e etapas muito

bem estipuladas (até mesmo no exame classificatório, antes do aluno entrar na escola), tanto

na aplicação dos seus cursos de formação e aperfeiçoamento, quanto na iniciativa dos

programas especiais de ação cultural.

As aulas são ministradas de segunda a sexta-feira, conforme calendário

escolar, com carga horária mínima de três horas diárias em cerca de 200

dias letivos. (...) O Programa Curricular contempla, além de aulas

específicas de formação em ballet clássico, disciplinas como Dança

Clássica, Dança Folclórica, Danças Populares Históricas, Dança a

Caráter, Repertório de Ballet Clássico, Dueto de Dança Clássica, Danças

Populares Brasileiras, Dança Contemporânea, Sapateado, Língua

Estrangeira (Inglês), História do Ballet, Teatro e Artes Plásticas, Literatura

Musical, Piano, Percussão, Flauta, Canto Coral, Educação Musical e

Rítmica, Dramatização, Maquiagem, Ginástica, Prática Cênica além de

apoio e orientação educacional. As turmas são divididas por sexo em

algumas disciplinas e mistas em outras. 49

A finalidade do curso de formação é formar profissionais artistas de balé. Para

chegar a este objetivo, o aluno deverá cursar durante oito anos a escola Bolshoi e ser aprovado

em todas as disciplinas da grade curricular, além de ter a obrigatoriedade de ser um aluno

acima da média no ensino regular. Conforme o manual do candidato ao Bolshoi “O curso

oferecido pela Escola do Teatro Bolshoi no Brasil prevê a formação técnica em artes, com

habilitação em dança – artista de ballet, com duração de oito anos, para candidatos com idade

entre 9 e 11 anos de idade, sem conhecimento prévio em dança.”

No Estágio Modular, a finalidade é adaptar ao método russo Vaganova, alunos já

formados ou que estejam cursando balé em outras escolas, aperfeiçoando a limpeza técnica e

preparando-os para audições em companhias de dança. Para que o aluno alcance este objetivo,

precisa cursar pelo menos um módulo de dois anos. Dependendo do nível técnico do

candidato, pode vir a cursar até oito anos, pois são quatro módulos com dois anos de duração

cada.

49. Manual do Candidato à ETBB. www.escolabolshoi.com.

106

Para os candidatos com idade acima de 12 anos e conhecimento prévio em

dança, há o estágio modular de dois anos, em Dança Clássica, nos turnos

matutino e vespertino, conforme a disponibilidade de vagas, e Dança

Contemporânea, no turno vespertino, com idade acima de 13 anos, com

conhecimento em Dança. 50

Neste contexto, a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil está mais próxima à definição

de Teixeira para a “Fabricação Cultural” que é a seguinte: “A fabricação cultural é um

processo com um início determinado, um fim previsto e etapas estipuladas que devem levar

ao fim preestabelecido”. 51

Um curso profissionalizante reconhecido pelo MEC deve atender à legislação

específica e, como obedece rigorosamente a uma metodologia (Vaganova), tem seu processo

com etapas muito bem estipuladas.

Portanto, pode-se dizer que a Escola do Teatro Bolshoi do Brasil oferece cursos com

um método específico obrigatório em seu processo; classifica alunos aptos ao

desenvolvimento do método (exame classificatório); com etapas rigorosamente definidas e

separadas em oito anos de curso, visando o fim preestabelecido de formar bailarinos com

certificado de curso técnico profissionalizante reconhecido pelo MEC, o que compreende um

processo de início determinado, etapas estipuladas, que levem ao fim previsto.

Neste aspecto, justifica-se o programa educativo adotado pelo projeto: “A opção pelo

programa educativo só se justifica quando a escolha for pela fabricação cultural. O programa

educativo está para a fabricação assim como o cultural propriamente dito está para a ação”. 50

49. Manual do Candidato à ETBB. www.escolabolshoi.com.br. Em anexo. 50. COELHO, Teixeira. O que é Ação Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p.12. 51. Idem, p.30.

107

Se a opção for pela fabricação, o recurso à educação é o único que pode

viabilizar o projeto. Não há fabricação quando se criam as condições para

que pessoas tenham acesso ao êxtase. O processo é extático, é uma ação

autêntica, parte-se de um ponto determinado, mas não há indícios sobre o

ponto de chegada, nem das estações de que se passará - mesmo porque as

estações não são fixas, mas móveis, imprecisas, imateriais. Como disse,

será possível objetar que essa distinção absoluta entre os dois processos só

é nítida nas situações radicais e que entre um pólo e outro predomina a

nuance, interpenetração dos perfis. É verdade. Mas não é menos verdade

que, na prática, prevalece sempre educação pura e simples. Radical neste

país é a educação - e radical em seu contexto mais desgastado, em seu

conceito mais baixo. A cultura, esta é sempre indecisa, imprecisa,

incompleta, hesitante. Tal como são as coisas, o processo educacional é um

simulacro do processo cultural. E neste país o processo educacional

começa por ser um simulacro da educação. 52

Porém, é necessário levar em conta que, em sua obra, Teixeira distingue

categoricamente as esferas da educação e da cultura. Como no trecho abaixo, por exemplo:

E enquanto uns querem fazer da cultura um espetáculo, pago ou gratuito,

outros começam a usá-la para tirar os jovens das ruas e da violência e

oferecer-lhes uma alternativa para a TV. Ao mesmo tempo, um outro grupo,

de boa fé, por ignorância ou descuido, confunde cultura com educação e

quer transformar o teatro, o cinema, a biblioteca ou o centro de cultura em

substitutivos para um sistema educacional que, neste país, faliu por

cumplicidade de quase todos e desejo de vários. 53

Em outros âmbitos do processo de atuação da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil,

também é difícil enxergar um processo de ação cultural. Por exemplo, os “Programas

especiais de Ação Cultural”, possuem um único fim, preestabelecido, que é a formação de

platéia para o balé clássico.

52. COELHO, Teixeira. O que é Ação Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p. 30. 53. Idem, p. 10.

108

O resultado final deste tipo de programa, logicamente, é apresentação do produto do

que é ensinado na escola através de meios específicos para se chegar ao fim desejado que são:

as mostras de arte (balé e música), palestras para formação de platéia que ensinam as pessoas

como devem se comportar em uma casa de espetáculos, palestras que ensinam ao público

como apreciar a arte do balé (explicando os balés de repertório), exposições fotográficas e

históricas, oficinas abertas à comunidade e publicações de informativos com o balé como

tema central. Todas as atividades destes programas possuem em geral a mesma finalidade.

A seguir, temos o depoimento da Coordenadora Pedagógica da Escola do Teatro

Bolshoi no Brasil em entrevista em seis de março de 2006, em relação ao caráter didático e de

ação cultural promovidos pelas mostras e o objetivo da escola com esse tipo de projeto.

S.S. - Todos os lugares onde são apresentadas as mostras lotam. O objetivo

é a apresentação do curso e do aprendizado do aluno e da metodologia

transformada na dança e nas artes cênicas através da mostra. Então, o

objetivo é esse, apresentar o grupo de alunos. E a reciprocidade é tanta,

que já temos convite para apresentar até o ano que vem.

Vanessa – Tem alguma coisa a ver com a formação de platéia?

S.S. – Sim. Com balé, mas a... a...o (pensativa) balé, junto ao Centreventos

vai desenvolvendo uma...uma cultura diferenciada. Então temos atingido o

objetivo, além de lotar a casa, temos promovido o trabalho que é feito.

Vanessa – Como é feita a formação de platéia?

S.S. – Normalmente são realizadas de três a quatro vezes no ano, em

empresas, escolas... E a partir daí, os profissionais da área conversam com

o público, tratando da arte de uma forma geral, abordando como se forma

uma platéia, como devem se comportar em uma apresentação artística no

meio cultural e sobre alguns assuntos técnicos de modo geral, para terem

noção do que não deve fazer em um teatro. Há uma apresentação, onde é

dada a introdução e a partir daí, eles aprendem como se comportar, qual o

horário ideal para se chegar ao espetáculo. A partir disso, podemos dizer

que temos tido bons resultados. Porque aqueles alunos que nunca tinham

assistido a um espetáculo de balé; bem como a sociedade, ainda precisa

melhorar a sociedade de modo geral, por exemplo, tosses, aqueles que

chegam atrasados, a própria sociedade brasileira precisa melhorar.

109

As palavras de Silvelene Stolf deixam claro que o objetivo das mostras é lotar as

salas de espetáculos para mostrar o trabalho que está sendo desenvolvido na escola e

promover o que a escola tem feito. O trecho demonstra ainda que, as palestras de “formação

de platéia” preocupam-se mais em disciplinar a platéia do que convidá-la a apreciar a obra sob

os aspectos estéticos e artísticos.

110

3.4. “Terceiro Setor”: Ação Social aliada à Ação Cultural

Ocorre que muitas ONGs não tem capacidade de autofinanciar suas

atividades de forma estável (...) Ali ingressa no cenário a chamada

‘parceria’ entre o Estado e as organizações do chamado ‘terceiro setor’.

Efetivamente, elas descobrem que o Estado tem destinado fontes de

recursos – obtidos das privatizações, de certos impostos e arrecadações, da

renúncia fiscal – para financiar, em ‘parceria’, a atividade de certas

organizações da sociedade civil que desenvolvem políticas sociais e

assistenciais (ou filantropia). 54

De acordo com os pensamentos de Montano em sua obra “terceiro setor e questão

social", o termo "terceiro setor" é fruto de uma visão hegemônica, mistificada e ideologizada,

pois isola os supostos "setores", estudando-o de forma individualizada e desarticulada da

totalidade social. Nesta obra o autor procura desmistificar o conceito hegemônico do termo,

mostrando o “fenômeno real” encoberto por essa denominação a partir da análise histórica,

reproduzindo teoricamente o movimento real do fenômeno.

A procedência deste termo é norte-americana num contexto em que a cultura política

e cívica traz consigo o associativismo e o voluntariado, tendo funcionalidade com os

interesses de classe. Seu surgimento data-se em 1978 por John D. Rockefeller III nos EUA,

chegando ao Brasil através de um funcionário da fundação Roberto Marinho.

O conceito ‘terceiro setor’ foi cunhado por intelectuais orgânicos do

capital, e isso sinaliza clara ligação com os interesses de classe, nas

transformações necessárias à alta burguesia. 55

54. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social – Critica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez Editora,

2005, p.53. 55. Ídem, p.53.

111

Portanto, a constituição do termo baseia-se em um recorte social que isola a

dinâmica de cada setor, sendo eles: o “Estado”, como primeiro setor, abrangendo o poder

político; o “mercado”, como segundo setor, abrangendo o poder econômico e por fim a

"sociedade civil”, como sendo o terceiro setor, abrangendo o poder social.

O chamado “terceiro setor” surgiu no cenário do Brasil em 1996 no “III Encontro

Ibero-Americano do Terceiro Setor” que ocorreu no Rio de Janeiro, organizado pelo GIFE,

dando continuidade ao primeiro e segundo encontro Ibero-Americano de Filantropia, que

ocorreram na Espanha e no México. Foi introduzido como uma “nova proposta”, com

possibilidades de ir além dos setores públicos e privados ditos como “primeiro setor” (Estado)

e “segundo setor” (mercado).

Sua ideologia carrega a expectativa de superação dos demais setores, visto que

pretende desempenhar funções públicas a partir de espaços privados.

A crítica e a superação da dicotomia entre Estado e Mercado, Público e Privado, é

uma pretensão que fica clara no discurso do terceiro setor, pois, embora mantenha esta

dualidade, acrescenta uma “terceira” parte nesta setorização.

Neste contexto, o “terceiro setor” surge como um “articulador” entre os setores

públicos e privados, tendo como protagonista, a “sociedade civil”, separando-a desta forma,

do “mercado”.

A escola possui uma edição especial do relatório social do ano de 2002, onde divulga

o projeto sobre diversos aspectos, situando-o no contexto histórico, cultural e social brasileiro.

Neste relatório, é nítida a ênfase dada à atuação do “terceiro setor”, com a repetição constante

das expressões como: “responsabilidade social”, “socialmente responsável”, “co-

responsável”, “bem-estar coletivo”, “agentes de transformação”, “doações”, “exercício de

cidadania”, “cunho social”, “obra social”, “alcance social”, “papel de instituição cidadã”,

“empresas cidadãs”, “desenvolvimento sustentável”. Na página dezoito há um “balanço

financeiro do ano de 2002”, com quatro gráficos, todos no “formato de pizza”. O primeiro é

um demonstrativo dos recursos na escola; o segundo é a distribuição de colaboradores por

escolaridade; o terceiro é a distribuição de alunos, e o quarto a distribuição dos recursos

utilizados.

No gráfico demonstrativo de recursos, os correios (na época Amigo Diamante do

Bolshoi) representam a maior porcentagem: 62%, seguidos pelo Mecenato Federal com 12%,

Prefeitura Municipal de Joinville com 11%, Banco do Brasil com 10%, Mecenato estadual

com 2% e Convênio SED – Estado de SC, Mensalidades/Inscrições, outros patrocínios, com

1% cada. Na distribuição de colaboradores pela escolaridade, o maior contingente ficava por

112

conta do Ensino Superior com 61%, seguido do Ensino Médio com 32%, Pós-graduação com

3%, Mestrado e Ensino Fundamental ambos com 2% cada.

Quanto à distribuição de alunos, na ocasião, 85% eram bolsistas e 15% particulares.

A distribuição dos recursos recebidos, segundo o gráfico, dava-se da seguinte maneira: 33%

aos professores, pianistas e técnicos, 21% à assessoria técnica russa, 13% aos eventos

didáticos e oficinas, 9% às bolsas de estudo, 8% à gestão de projetos culturais, 6% às

despesas administrativas, 6% à manutenção e conservação e 4% ao patrimônio.

Toda pessoa é co-responsável. A responsabilidade social tem início com a

responsabilidade pessoal. Só uma pessoa satisfeita, consciente de sua

importância e de seu papel no mundo, é capaz de responder às solicitações

da comunidade. A construção de um contexto socialmente responsável

passa pela valorização da vida e da dignidade da pessoa. O ambiente social

se fortalece quando todas as partes se reconhecem como co-responsáveis e

buscam construir o bem-estar pessoal, comprometidas com o bem-estar

coletivo. Responsabilidade social é a cumplicidade que nos faz agir,

compartilhar, confraternizar e aplaudir.56

Os termos “cunho social”, “socialmente responsável”, “responsabilidade social”,

entre outros, podem ser encontrados várias vezes, tanto no próprio material de divulgação da

escola do teatro Bolshoi no Brasil, quanto em reportagens e entrevistas na mídia a respeito do

projeto.

A escola se auto denomina como: "Ensino Profissional de cunho social" e sustenta

este discurso com os diversos "projetos sociais" agregados a sua proposta. Em seu relatório

social do ano de 2002, na página 7, há um texto intitulado "ação comunitária", onde a escola

afirma que "somos co-responsáveis pelo desenvolvimento social e agente de transformação no

meio em que estamos inseridos".

Ainda no mesmo texto, a escola se diz responsável por ações que contribuem na

"construção de um mundo melhor", atuando diretamente na sociedade para favorecer

"melhorias" à mesma.

56. Relatório social do Instituto Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, 2002, p. 3.

113

Este tipo de atuação da escola na sociedade se dá em conjunto com os projetos de

ação cultural promovidos por ela, na qual as pessoas são incentivadas a doar alimentos,

calçados, roupas e brinquedos em troca de ingressos para as mostras e projetos. Estas doações

são encaminhadas às instituições filantrópicas que são apoiadas pela escola.

A visão patrimonialista da cultura se enfraquece um pouco e abre espaço

para o que se convencionou chamar de abordagem social da questão

cultural. 57

Porém, é dada maior ênfase à atuação social da escola através das bolsas de estudos

oferecidas a crianças carentes da cidade de Joinville, municípios e estados conveniados

(agregando diversos benefícios às crianças e à família). O projeto intitulado pela escola como

"Educando com Arte" é realmente o "carro-chefe" de sua atuação social, mobilizando uma

quantidade vultosa de "Amigos do Bolshoi" (patrocinadores) que através da lei Rouanet,

"doam" recursos para o projeto em troca de descontos no IR de suas empresas (isenção fiscal).

Embora pareça um "lindo conto de fadas" tirarem crianças das favelas onde

passavam por situações de risco-social e colocá-las em luxuosos palcos do Brasil e do mundo,

transformando-as de "gatas borralheiras a princesas, tendo como príncipes, os Amigos do

Bolshoi", na verdade o processo do chamado "terceiro setor" não é tão mágico quanto parece.

O processo que envolve o patrocínio dos "Amigos do Bolshoi", nada mais é do que

uma nova modalidade para o capital obter isenção de impostos e subsídios estatais e, desta

forma, diminuir seus custos ou aumentar as suas rendas, além de aliar sua imagem a um

"projeto social", o que acarreta um marketing espontâneo e sem altos custos da empresa.

Assim, não é preciso convencer os parceiros de que tal "caridade" seria necessária à

sociedade, na verdade, o interesse acabou partindo das próprias empresas através do

comprovado retorno financeiro no lucro (direto ou indireto) causado pela filantropia.

57. COELHO, Teixeira. O que é Ação Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p.38.

114

No próprio site do Bolshoi do Brasil, no link que instrui quem quer se tornar um

"Amigo do Bolshoi" é assumido esse processo de retorno ao patrocinador, quando intitulam

tal atitude como "Marketing cultural". Dizem também que esta é uma ação sem burocracia

que beneficia a quem a pratica, definindo como benefícios a isenção dos impostos, a

divulgação gratuita da marca da empresa dos eventos e material promocional da escola e ter o

nome da empresa aliado a um "patrimônio cultural".

Na verdade, seus recursos estatais provêm dos impostos sociais, o

verdadeiro criador destes fundos é o cidadão. A responsabilidade da

resposta às demandas sociais continua sendo da sociedade. No entanto,

com a ' reforma tributária', ainda em fase de projeto no Brasil, a

transformação de impostos diretos (sobre o lucro, o patrimônio, a herança)

em impostos indiretos (particularmente sobre o consumo) desresponsabiliza

ainda mais o capital e carrega no trabalhador a maior responsabilidade de

financiar o Estado, e o repasse de verbas ao terceiro setor. 58

O processo pelo qual as "empresas cidadãs" angariam recursos para "auxiliar" as

ONGs e instituições filantrópicas, tira a responsabilidade das mãos do Estado e a devolve às

mãos da sociedade civil, sem falar que, com a “onda do voluntariado”, os direitos

conquistados pela sociedade através das lutas de classe acabaram sendo perdidos pois o

voluntário não tem registro, benefícios e segurança. Além disso, a isenção de impostos dos

“grandes contribuintes” gera ônus de impostos à própria sociedade civil.

Esta relação entre os três (supostos) setores sociais, vai ainda mais além desta

discussão. No decorrer do processo, as Ongs acabam ficando subordinadas ao próprio capital

(mercado), pois são influenciadas por seus interesses, devido à necessidade de obterem

recursos de tais empresas. O mercado acaba apoiando as instituições as quais os objetivos têm

mais relação com seus interesses. Por este motivo, os interesses destas acabam sendo

adaptados ao dos possíveis patrocinadores. “Por outro lado, a atividade captação de recursos

no terceiro setor, pode levar a uma perda de identidade, perda de rumo, descaracterização da

missão da organização”. 59

58. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social – Critica ao padrão emergente de intervenção social. São

Paulo: Cortez Editora, 2005, p.215. 59. Ídem, p.208.

115

Desta maneira, o Bolshoi acabou sofrendo descaracterizações muito fortes na sua

missão tradicional russa. Na Rússia, a missão da escola Coreográfica do teatro Bolshoi é

explicitamente profissionalizante, apesar de ter iniciado com crianças órfãs. Ficou claro nas

entrevistas com R.S. (Ex-estagiária do Bolshoi russo) e A.S. (Ex-bailarino e atual professor

do Bolshoi em Moscou) que a filial brasileira não funciona como a sede.

Segundo o relato do professor russo A.S. "deveria ser igual", mas acaba não sendo,

pois as ações da escola ficam subordinadas as "parcerias", portanto, nem tudo o que ele

pratica na escola em Moscou podia praticar enquanto atuou como professor residente na filial

do Brasil; segundo ele, os "brasileiros pensam diferente”. Quando questionado sobre a ação-

cultural, A.S. respondeu que não sabia o que era isso, que não era da sua área e não que

existia isso na sede em Moscou.

A ex-estagiaria R.S. conta que o Bolshoi em Moscou possui diversas escolas,

algumas particulares, outras do governo, mas que, em nenhuma delas há projetos de ação

cultural, pois o balé na Rússia é algo tradicional e comum à sociedade. Quanto à existência de

projetos de ação social, R.S. diz que os ingressos (nem mesmo dos espetáculos das escolas)

não são trocados por quilos de alimentos, como ocorre em todos os espetáculos do Bolshoi

brasileiro; e que nenhum aluno tem bolsa bancada por patrocinadores, apenas as bailarinas

mais famosas da companhia possuem patrocínio das marcas de utensílios para balé em troca

de trabalharem como modelo para a divulgação das marcas.

Na Rússia, o ensino da escola do Bolshoi é profissional e não tem relação com ação

social e tampouco com ação cultural, pois não pratica projetos voltados a esses objetivos.

Mas, para a escola do teatro Bolshoi poder seguir inserida no contexto do Brasil onde não é

tão fácil obter recursos para o ensino profissionalizante de bailarinos sem que o projeto tenha

um fundo educacional e/ou sociocultural, criou-se uma estratégia envolvendo o contexto

sociocultural. Os subsídios para a criação e desenvolvimento do projeto poderão ser

legalmente obtidos através de parcerias com o Estado e o setor privado - através desta

estratégia que tomou forma no projeto da escola Bolshoi brasileira.

Retomando, a missão da escola é "formar artistas-cidadãos, mais conscientes do seu

papel na sociedade" e/ou "formar artistas-cidadãos, promovendo e difundindo a arte-

educação", enquanto que, a missão do Bolshoi russo é "formar artistas-bailarinos profissionais

para atuarem no mercado de trabalho". As primeiras palavras da missão do “Bolshoi

brasileiro” concordam com a missão do Bolshoi russo "formar artistas", mas na segunda parte

da missão encontra-se a idéia da "responsabilidade social" que tem mais a ver com os

116

interesses do "terceiro setor", adequando então, a sua "missão original" ao interesse em

"possíveis parcerias" para a obtenção de recursos necessários à sua atuação.

Na obra de Montãno, “Terceiro Setor e Questão Social – Crítica ao padrão emergente

de intervenção social”, há um item sobre "a captação de recursos escamoteando os

fundamentos da missão organizacional: o fetiche da doação", e ele cita uma matéria da revista

Exame sobre o assunto, onde discute a descaracterização da missão institucional.

A verdadeira submissão contida nesta atividade profissional, a

descaracterização da chamada missão organizacional contida nessas dicas

para pedir, não tem par. Ainda mais, a transfiguração de uma função social

- a resposta demandas sociais, constitutiva de direito e de caráter universal

para uma esmola oficializada e profissionalizada é de enorme significação

no padrão de regulação social. Vejamos. Primeiramente, nos dizem, a

proposta, quer dizer, o projeto de ação organizacional, aquele que

materializa sua missão, deve estar de acordo, não com a filosofia, valores,

princípios, objetivos da organização ou de seu público-alvo, mas com o

perfil, os interesses e as exigências do doador potencial. Isto é, se o perfil e

interesses do doador potencial estiverem em desacordo com a filosofia e

valores da organização requerente, na melhor das hipóteses, esta última

renuncia a essa fonte de recursos; mas, na hipótese mais realista (até pela

relação quantitativa doador/requerente e pela necessidade imperiosa de

esta última obter recursos externos), a organização adapta sua missão ao

perfil do doador, ou torna sua filosofia tão laxa, flexível, vazia, que lhe

permita a negociar com praticamente qualquer doador potencial. 60

Nas entrevistas com alunos e ex-alunos da escola, percebe-se uma ênfase na atuação

da escola enquanto instituição profissionalizante, visto que a maioria diz almejar e sonhar

com carreiras em companhias de dança internacionais, enquanto que nas entrevistas com a

equipe de funcionários da escola percebe-se uma ênfase maior na ação social praticada.

60. Ídem, p.208 e 209.

117

É interessante ressaltar também as diferenças entre o vídeo motivacional, destinado

aos candidatos às bolsas de estudos e o vídeo institucional, destinado aos candidatos a amigos

do Bolshoi, (o conteúdo de ambos pode ser encontrado no anexo deste trabalho). Os dois

vídeos basicamente possuem o mesmo conteúdo, com as mesmas informações, mas, o

primeiro enfatiza a formação profissional do aluno como bailarino e o segundo, foca a atuação

social, cultural e educacional da escola.

Deste modo, não é difícil perceber como os projetos de ação cultural, aliados à ação

social praticada pela escola, adequam a sua atuação ao cenário do terceiro setor, gerando

recursos financeiros para a formação profissional de bailarinos.

Existe hoje, de fato, uma razoável concentração de opiniões ao redor do

entendimento da ação cultural como instrumento de criação de um projeto

social. 61

De acordo com este entendimento, o Bolshoi acredita que a prática dos projetos de

ação cultural dependem da ação social e vice-versa. A escola usa os resultados da sua ação

social como chamariz que indica uma “intervenção social de importância relevante” para a

sociedade. Assim, é muito mais fácil obter recursos provenientes da privatização do dinheiro

público via Leis de Incentivo à Cultura do que se assumisse meramente um papel de

Instituição Cultural Profissionalizante como a sede Russa.

61. COELHO, Teixeira. O que é Ação Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p.41.

118

IDENTIDADE DESMASCARADA

A questão inicial levanta uma provável incompatibilidade entre dois processos

amplamente enfatizados e divulgados pela escola: a ação cultural e a profissionalização. O

assunto foi averiguado e discutido por meio de levantamentos bibliográficos, legislação,

material de informação e divulgação da escola, acompanhamento de aulas e ensaios,

entrevistas com professores, coordenadores, ex-professores, alunos, ex-alunos e pais de

alunos da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil.

Traçando o perfil da escola, incluindo o modo como foi instalada no Brasil e o seu

modo operacional, foi possível entender que a instituição tem o intuito de formar profissionais

para atuarem no campo artístico e, por este motivo, possui uma metodologia com fases e

características bem definidas, que necessita da “adaptação do aprendiz” em vários aspectos,

não sendo, portanto, um processo totalmente democrático, pois acaba excluindo, mesmo após

a inclusão. Esta visão tem mais a ver com um processo de profissionalização que,

influenciado pelo rigoroso padrão disciplinar russo de dança clássica, enfatiza a constituição

física como critério indispensável para a definição da aptidão do aluno.

Deste modo, averiguamos no decorrer dos capítulos desta dissertação, o modo de

operação da escola sob todos os aspectos. Aliamos os casos de alunos significativos aos

questionamentos levantados por este trabalho e à missão da escola no Brasil, que envolve

projetos de ação cultural e características próprias do conceito atual de Terceiro Setor.

No primeiro capítulo abordamos a instalação da escola, como instituição filantrópica,

no cenário brasileiro, o modo como foi escolhido para abrigar a primeira e única filial do

Bolshoi russo e como foi feita a transferência da metodologia Vaganova para a Prefeitura

Municipal de Joinville.

Relatamos como é a estrutura física da escola e como será a nova sede, conforme

projeto presenteado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Listamos os nomes dos patrocinadores da

escola, denominados Amigos do Bolshoi, explicando como são feitas as “doações” e quais

são os critérios para a divisão nas categorias: diamante, ouro, prata e menção honrosa.

119

Descrevemos ainda a estrutura pedagógica e o modo como é realizada a rigorosa

seleção para novos alunos, levantando questões com relação à ênfase na importância da

constituição física “perfeita para a aplicação da técnica, segundo moldes russos”. Observamos

também, a profissionalização de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino Médio

Profissionalizante.

No segundo capítulo, abrimos espaço aos depoimentos de alunas e ex-alunas da

Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, para que, a partir de suas experiências, pudéssemos

compreender o que sustenta o “sonho de Cinderela” tão presente nas palavras de todos os

alunos e pais entrevistados. Através destas histórias compartilhadas, foi possível observar

como os alunos “compram”, junto aos pais, a proposta da escola de ascensão social e cultural,

sem questionar o envolvimento de privações, frustrações e, até mesmo, danos físicos que

acarretam à vida dos aprendizes.

No terceiro capítulo, desmascaramos a identidade da escola, que se escondia atrás do

belo discurso da ação cultural, subsidiada pela abordagem social de operação do Terceiro

Setor. Detectamos os equívocos da missão divulgada pela escola, que é: “Formar artistas-

cidadãos mais conscientes do seu papel na sociedade” e/ou “Formar artistas-cidadãos,

promovendo e difundindo a arte-educação”. Levando em conta este processo

profissionalizante tão seletivo, rígido e autoritário, como visto nos capítulos um e dois, é

impossível acreditar na veracidade destas missões, mesmo porque, como foi verificado no

terceiro capítulo, os projetos de ação cultural propostos pela escola têm maior preocupação

com a disciplina da sociedade como platéia para os espetáculos de balé. Vejamos a citação a

seguir:

Trata-se de criar o maior número possível de oportunidades para que o

maior número possível de interessados conheça parte essencial da aventura

cultural que é a criação, distanciada milhões de anos-luz da experiência

passiva da contemplação, da recepção. E fazê-lo não insistindo tanto no

produto em si, na necessidade de se chegar a um produto final acabado e

delimitado, como aquele que fazem os 'profissionais', mas no processo de

produção em si (e não com o editor ou o produtor teatral ou o governo ou

o partido ou, mesmo, com o público). A ação cultural que não se mover

alimentada por essa utopia nunca alcançará nem um reles vôo rasteiro. 62

62. COELHO, Teixeira. O que é Ação Cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p.85.

120

Na citação acima, fica claro que este tipo de processo se distancia muito do real

processo de “ação cultural” descrito por Teixeira em sua obra “O que é ação cultural”. Mesmo

tendo aliado seus projetos de ação cultural ao programa de ação social e evidenciado ambas as

ações em sua divulgação, o que ocasiona a associação direta da sociedade a esta imagem, a

Escola do Teatro Bolshoi brasileira está longe de ser agente cultural. O processo de ação

cultural não tem nada a ver com uma profissionalização rígida, que delimita o acesso e

pretende alcançar um fim especifico. De modo contrário, pretende disponibilizar acesso a um

grande contingente de pessoas com o intuito de proporcionar um processo criativo sem se

preocupar com o “produto final” do mesmo.

Portanto, os dados indicam que o Bolshoi no Brasil absorveu os conceitos de “ação

cultural” e “ação social” para obter maior aceitação e apoio por parte dos setores públicos e

privados, já que no Brasil não há tradição em balé clássico e nem alto retorno profissional e

financeiro para o “mercado da dança”. Por outro lado, a escola possui um formato

profissionalizante, facilmente distinguido no rigor do exame classificatório para seleção de

alunos, assim como nas exigências e etapas obrigatórias para conclusão de cada um dos

cursos que oferece.

Pode-se considerar então que os projetos de ação cultural e ação social da Escola do

Teatro Bolshoi do Brasil, “mascaram” um processo autoritário de profissionalização de

bailarinos, que é a missão original do Bolshoi, garantindo, através desta imagem velada, os

recursos necessários à sua permanência e “sobrevivência financeira” no contexto brasileiro,

através do apoio do governo, empresas e pessoas físicas de acordo com o modo operacional

que caracteriza o Terceiro Setor.

“Assim como nem tudo é cultura – salvo de um ponto de vista antropológico-

acadêmico que não interessa aqui -, nem tudo é ação cultural.” 63 Constatamos então que, a

ação cultural está muito distante do projeto da Escola do Teatro Bolshoi aqui no Brasil.

Quando a máscara cai, a verdadeira identidade é revelada. Aqui, se mostra a identidade

específica de um modo de “formação profissional” que se choca com a cultura brasileira, à

medida que enfatiza uma constituição física muito diferente da que caracteriza o miscigenado

povo brasileiro, além da atitude disciplinar rígida e coerciva, que contradiz a formação de

cidadãos reflexivos, que tenham capacidade de colaborar com a sociedade na criação de um

mundo melhor.

63. Idem, p.32.

121

Assim, abrimos o caminho para que as pessoas possam enxergar e estar atentas em

relação aos projetos que, envolvendo ação cultural e filantropia, prometem criar um “mundo

melhor”, através da realização dos sonhos do proletariado, respaldados pelo jargão da

“cidadania”, mas apresentam uma preocupação excessiva em demonstrar como resultado: “os

talentos”, lapidados a custo de rigorosa disciplina, tanto emocional quanto corporal.

É preciso ainda abrir os olhos da sociedade que, encantando-se com os grandiosos

resultados que são apresentados por projetos como o da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil,

pouco se preocupa em verificar o processo envolvido para chegar ao que é divulgado

orgulhosamente na mídia.

Quem sabe através das palavras destas doces crianças e jovens possam ser abertos,

não somente os olhos, mas o coração e a mente das pessoas, fazendo-as entenderem que eles

realmente são os “futuros cidadãos” responsáveis pela construção do futuro, mas que esta

“grande obra” não precisará de “sonhos de Cinderela”, e sim de caminhos que levem à

reflexão e ao pensamento crítico.

122

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• Site: www.escolabolshoi.com.br

Documentos Consultados da ETBB:

• Cartas timbradas da assessoria de imprensa em anexo ao trabalho.

• Entrevistas feitas com alunos, professores, pais e profissionais da equipe

Bolshoi em Joinville (com gravação em áudio).

• Vídeo Institucional da escola.

• Vídeo Motivacional da escola.

126

ANEXOS

Cartas Timbradas da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil

127

128

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