Afonso Lopes Vieira

32
Leiria, 1878 Lisboa, 1946

description

Alguns poemas de Afonso Lopes Vieira para sessões de leitura na nossa BE.

Transcript of Afonso Lopes Vieira

Page 1: Afonso Lopes Vieira

Leiria, 1878 – Lisboa, 1946

Page 2: Afonso Lopes Vieira
Page 3: Afonso Lopes Vieira

O PINHAL DO REI

Page 4: Afonso Lopes Vieira

Catedral verde

Catedral verde e sussurrante aonde a luz

se ameiga e se esconde e aonde ecoando

a cantar se alonga e se prolonga a longa

voz no mar:

Ditoso o “lavrador” que a seu contento

por suas mãos semeou este jardim:

Ditoso o poeta que lançou ao vento esta

canção sem fim.

Page 5: Afonso Lopes Vieira

Ai flores, ai flores do pinhal florido

Que vedes no mar?

Ai flores, ai flores do pinhal florido do

rei D. Dinis, bom poeta e mau marido,

lá vêm as velidas bailar e cantar.

Page 6: Afonso Lopes Vieira

Encantado jardim das minha infância

aonde a minha alma aprendeu a musica

do Longe e o ritmo da distância que a

tua voz marítima lhe deu.

Por estes fundos claustros gemem os ais

do velho do Restelo.

Mas tu debruças-te no mar e ao vê-lo

teus velhos troncos de saudades fremem.

Page 7: Afonso Lopes Vieira

Ai flore, ai flores do pinhal louvado que

vedes no mar?

Ai flores, ai flores do pinhal louvado são

as caravelas, teu corpo cortado,

é o verde pino no mar a boiar.

Page 8: Afonso Lopes Vieira

Pinhal de heróicas árvores tão belas,

foi do teu corpo e da tua alma também

que nasceram as nossas caravelas

ansiosas de todo o Além;

foste tu que lhe deste a tua carne em flor

e sobre os mares andaste navegando,

rodeando a terra e olhando os novos

astros.

Page 9: Afonso Lopes Vieira

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,

que vedes no mar?

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,

que grande saudade, que longo gemido

ondeia nos ramos, suspira no ar.

Page 10: Afonso Lopes Vieira

Na sussurrante e verde catedral

oiço rezar a alma de Portugal:

ela aí vem, dorida, e nos seus olhos

sonâmbulos de surda ansiedade,

no roxo da tardinha,

abre a flor da Saudade;

ela aí vem, sozinha,

dorida do naufrágio e dos escolhos,

Page 11: Afonso Lopes Vieira

Viúva de seus bens

e pálida de amor,

arribava de todos os aléns

de este mundo de dor;

ela aí vem, sozinha,

e reza a ladainha

na sussurrante catedral aonde

toda se espalha e esconde,

e aonde, ecoando a cantar,

se alonga e se prolonga a longa voz do

mar.

Page 12: Afonso Lopes Vieira
Page 13: Afonso Lopes Vieira

Dança do vento

O vento é bom bailador,

Baila, baila e assobia.

Baila, baila e rodopia

E tudo baila em redor.

E diz às flores, bailando:

- Bailai comigo, bailai!

E elas, curvadas, arfando,

Começam, débeis, bailando.

Page 14: Afonso Lopes Vieira

E suas folhas, tombando,

Uma se esfolha, outra cai.

E o vento as deixa, abalando,

- E lá vai!...

O vento é bom bailador,

Baila, baila e assobia,

Baila, baila e rodopia,

E tudo baila em redor.

E diz às altas ramadas:

Bailai comigo, bailai!

Page 15: Afonso Lopes Vieira

E elas sentem-se agarradas

Bailam no ar desgrenhadas,

Bailam com ele assustadas,

Já cansadas, suspirando;

E o vento as deixa, abalando,

E lá vai!...

O vento é bom bailador,

Baila, baila e assobia

Baila, baila e rodopia,

E tudo baila em redor!

Page 16: Afonso Lopes Vieira

E diz às folhas caídas:

Bailai comigo, bailai!

No quieto chão remexidas,

As folhas, por ele erguidas,

Pobres velhas ressequidas

E pendidas como um ai,

Bailam, doidas e chorando,

Page 17: Afonso Lopes Vieira

E o vento as deixa abalando

- E lá vai!

O vento é bom bailador,

Baila, baila e assobia,

Baila, baila e rodopia,

E tudo baila em redor!

E diz às ondas que rolam:

- Bailai comigo, bailai!

e as ondas no ar se empolam,

Em seus braços nus o enrolam,

E batalham,

E seus cabelos se espalham

Nas mãos do vento, flutuando.

Page 18: Afonso Lopes Vieira

E o vento as deixa, abalando,

E lá vai!...

O vento é bom bailador,

Baila, baila e assobia,

Baila, baila e rodopia,

E tudo baila em redor!

Page 19: Afonso Lopes Vieira

Afonso Lopes Vieira

Repartia o seu tempo entre Lisboa e S.

Pedro de Moel, Leiria – no Inverno em

Lisboa, nos meses mais aprazíveis em S.

Pedro – onde recebia vários amigos,

também escritores.

Page 20: Afonso Lopes Vieira

Basta uma lágrima cheia

De uma saudade de tudo

Page 21: Afonso Lopes Vieira

Bartolomeu Dias

Era uma vez um capitão português

chamado Bartolomeu que venceu um

gigante enorme e antigo.

Bartolomeu, em menino pequenino, ia

para o pé do mar e ficava a olhar o mar.

E Bartolomeu cismava…

Page 22: Afonso Lopes Vieira

Ó que lindo, ó que lindo o mar e a sua

voz profunda e bela!

Uma nuvem no céu era uma caravela

que nos céus andava descobrindo…

Ó que lindo, os navios que vão

suspensos entre a água e o céu com

velas brancas e mastros esguios e com

bandeiras de todas as cores.

Bartolomeu cismava porque ouvia tudo

o que o mar dizia.

Page 23: Afonso Lopes Vieira
Page 24: Afonso Lopes Vieira

A última cantiga

Esta palavra saudade

Aquele que a inventou

A primeira vez que a disse

Com certeza que chorou.

E tão felizes correm os meus dias

E o meu sono é aqui tão descansado,

Que inda espero pagar em agonia

Cada dia de agora, sossegado!

Page 25: Afonso Lopes Vieira
Page 26: Afonso Lopes Vieira

CAVALEIRO DO CAVALO DE PAU

Vai a galope o cavaleiro e sem cessar

Galopando no ar sem mudar de lugar.

E galopa e galopa e galopa, parado,

E galopa sem fim nas tábuas do sobrado.

Oh! Que bravo corcel, que doídas

galopadas,

– Crinas de estopa ao vento e as

narinas pintadas!

Em curvas pelo ar, em velozes carreiras,

O cavalo de pau é o terror das cadeiras!

E o cavaleiro nunca muda de lugar,

A galopar, a galopar a galopar! …

Page 27: Afonso Lopes Vieira

Penso às vezes

Penso às vezes como depois de eu morto

Certos objectos do meu uso irão chorar

por mim.

Essas saudades deles comovem-me

De modo que sinto até já saudades

minhas.

Page 28: Afonso Lopes Vieira

Casa do poeta em S. Pedro de Moel

Page 29: Afonso Lopes Vieira

Chora no ritmo do meu sangue

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Na praia, de bruços,

fico sonhando, fico-me escutando

o que em mim sonha e lembra e chora

alguém;

e oiço nesta alma minha

um longínquo rumor de ladainha,

e soluços,

de além...

Page 30: Afonso Lopes Vieira

São meus Avós rezando,

que andaram navegando e que se foram,

olhando todos os céus;

são eles que em mim choram

seu fundo e longo adeus,

e rezam na ânsia crua dos naufrágios;

choram de longe em mim, e eu oiço-os

bem,

choram ao longe em mim sinas,

presságios,

de além, de além...

Page 31: Afonso Lopes Vieira

Onde a terra se acaba e o mar começa

Onde a terra se acaba e o mar começa

É Portugal;

Simples pretexto para o Litoral,

Verde nau que ao mar largo se

arremessa.

Onde a terra se acaba e o mar começa

A Estremadura está,

Com o Verde pino que em glória

floresça,

Mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!

Page 32: Afonso Lopes Vieira

Onde a terra se acaba e o mar começa

Há uma casa onde amei, sonhei, sofri;

Encheu-se-me de brancas a cabeça

E, debruçado para o mar, envelheci…

Onde a terra se acaba e o mar começa

É a bruma, a ilha que o Desejo tem;

E ouço nos búzios, até que o som

esmoreça,

Novas da minha pátria – além, além!...