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P & B 57 p reto e o branco. A ausência de cor e a união de todas as cores. O todo. A divisão absurda do todo que possibilitou g u e rras, conflitos, submissão e autoritarismo. Racismo. Pre c o n- ceito. Pré-conceito. Um lugar onde o preto é maio- ria e o branco domina e discrimi- na. Onde o branco da África do Sul deseja a volta do apartheid , onde o branco estrangeiro chega para tirar fotos plásticas, fazer matérias dramáticas e voltar para sua terra das oportunidades. Sem responsabilidade, sem peso, sem culpa. Um lugar abençoado por Deus e amaldiçoado pelo ho- mem. Natural, não é? Mas afinal de contas, o que é a África? Muitos até hoje a confun- dem com um país. Um país? Não! A África é um mundo. Um mun- do de contrastes. Um mundo de i n c e rtezas. Um mundo de insegu- rança. Um mundo de descre n ç a . Um mundo de esquecimento. Um mundo de desigualdade. Mas também, um mundo de belezas naturais, de riqueza cultural, de alegria, de música, de esperança, de garra e muita luta. África: continente em agonia BEL CLARK, JÚLIA FERRARI E NATHALIA TOSTO

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p reto e o branco. Aausência de cor e aunião de todas asc o res. O todo. A divisão

a b s u rda do todo que possibilitoug u e rras, conflitos, submissão eautoritarismo. Racismo. Pre c o n-ceito. Pré-conceito.

Um lugar onde o preto é maio-ria e o branco domina e discrimi-na. Onde o branco da África do

Sul deseja a volta do a p a rt h e i d,onde o branco estrangeiro chegapara tirar fotos plásticas, fazermatérias dramáticas e voltar parasua terra das oportunidades. Semresponsabilidade, sem peso, semculpa. Um lugar abençoado porDeus e amaldiçoado pelo ho-mem. Natural, não é?

Mas afinal de contas, o que é aÁfrica? Muitos até hoje a confun-

dem com um país. Um país? Não!A África é um mundo. Um mun-do de contrastes. Um mundo dei n c e rtezas. Um mundo de insegu-rança. Um mundo de descre n ç a .Um mundo de esquecimento. Ummundo de desigualdade. Mastambém, um mundo de belezasnaturais, de riqueza cultural, dealegria, de música, de esperança,de garra e muita luta.

África: continenteem agonia

BEL CLARK, JÚLIA FERRARI E NATHALIA TOSTO

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O passadoA África é historicamente um

continente sofrido. Desde semprefoi marcada pelo domínio doscolonizadores europeus, guerrascivis e exploração de suas ri-quezas minerais pelo invasor es-trangeiro.

No passado, o continenteafricano foi dominado principal-mente por ingleses, holandeses,franceses, portugueses e ita-lianos. Um lugar destruído pelaambição branca. O alvo princi-pal do interesse era o forneci-mento de mão-de-obra escravapara a América, o Novo Mundo,e também a exploração demetais preciosos, sobretudo doouro e diamante.

Numa comparação entre dé-cadas, percebem-se subdivisõesno mapa da África. Isso porqueos colonizadores, ao determ i-narem as fronteiras de cada país,não respeitaram as diferentes tri-bos, etnias, dialetos e culturasque haviam no continente. Até

hoje, esse desrespeito gera os con-frontos armados que matam mi-lhares de africanos.

Um continente enfermoAlém das guerras civis, das

ditaduras massacrantes, dos con-flitos étnicos e tribais, a Áfricaenfrenta hoje mais um implacá-vel inimigo: a Aids. O número decontaminados atinge proporçõesalarmantes. São 28,5 milhões depessoas contaminadas pelo HIV.Só no ano passado foram 3,5 mi-lhões de novas infecções.

Uma média de 8% da popu-lação daquele continente é porta-dora do vírus (enquanto noBrasil, essa taxa é de 0,57%). Setepaíses africanos têm mais de 20%da população contaminada, e ocaso mais grave é em Botsuanaque já atinge 36,6%. Desde o iní-cio da epidemia, mais de 20 mi-lhões de africanos morreram dadoença.

O maior impacto da falta dedinheiro na África se dá na com-

pra dos remédios que controlama infecção, os chamados co-quetéis. Os coquetéis permitemque o doente de Aids viva ativa-mente, mas custam caro demaispara qualquer país africano.

“É preciso combater a Aids noplano político, onde as disputasglobais por poder e recursos sãotravadas” afirma Lívia Fiore n-cio, jornalista que morou doisanos (2001-2003) na África doS u l .

A ausência de tratamento paraos doentes dizima a populaçãona idade mais produtiva, agra-vando a situação de pobreza. Atéo fim dessa década os especialis-tas prevêem que os órfãos afri-canos da Aids cheguem a 25 mi-lhões, 6% da população infantildo continente.

Lívia Fiorencio diz que daqui a20 anos uma geração inteira deafricanos terá sido disseminadapela Aids.

Duas realidadesO domínio do negro pela mino-

ria branca ficou flagrante no sis-tema abominável do a p a rt h e i d(extinto há 12 anos) na África doSul, país africano com o maiornúmero de brancos (a África doSul tem 44.300.000 de habi-tantes, sendo compostos basica-mente por 2,5% de asiáticos,8,5% de mestiços, 13% de eu-ropeus e 76% de negros).

Nelson Mandela, principal lí-der pacifista negro e ganhador doPrêmio Nobel da Paz, teve no-tória atuação no processo deinclusão sócio-econômica e po-lítica do povo sul-africano, tendoparticipado ativamente do movi-mento pelo fim do apartheid.

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A África concentra o maior número de famintos do planeta

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A África do Sul representa 2/5do PIB africano, export a n d omatéria-prima para dentro e forado continente. No entanto, seugoverno tem se mostrado absolu-tamente incapaz de sanar osproblemas do país. Para se teruma idéia, entre os anos de 1994até 1999 foram construídas ape-nas 430 mil casas, uma quanti-dade completamente inexpressi-va e distante do número de novashabitações que o governo prome-teu construir. A falta de moradiae o desemprego são problemasgravíssimos no país.

Reforçando a superioridadebranca no continente africano, oconjunto de países formado porEgito, Líbia e Argélia é chamadode África Branca e re p re s e n t aoutros 2/5 do PIB da África.

O quinto restante é compostopela população que vive abaixoda linha da pobreza. Vivendo,em média, com apenas um dólarpor dia, a população africanatambém é vítima da miséria cau-sada pela seca, pela distribuiçãode renda desigual e pelo descaso,tanto das autoridades locaisquanto internacionais. Esses fa-tores agravam a fome perma-nente que assola o povo.

A África é dos continentes quemais sofre o impacto dos desequi-líbrios em termos de desenvolvi-mento. O Índice do Desen-volvimento Humano (IDH) mos-tra que 20 países africanos so-f rem re g ressões desde 1990.Trezes desses países situam-se naÁfrica Subsaariana. Em oito des-tes (Angola, República Centro -Africana, Lesoto, Moçambique,Serra Leoa, Suazilândia, Zâmbiae Zimbábue) a esperança de vida

caiu para 40 anos ou menos, de-vido, em grande medida, à pan-demia da Aids.

Pelos cálculos da ONU, seriamnecessários 5,4 bilhões de dólaresaplicados diretamente em paísesafricanos para que a populaçãopassasse a viver de forma digna.“A África é um continente esque-cido e marginalizado por nãoestar no eixo de interesse dageopolítica das grandes potên-cias”, afirma Lívia Fiorencio.

A postura do BrasilO Brasil vem adotando no go-

verno Lula uma estratégia dife-rente, intensificando o diálogoSul-Sul. Foi o presidente que maisviagens fez ao país africano,prestigiando a parceria com essasnações.

Com a África do Sul, o Brasilnegocia um acordo de comércio

no setor automotivo, com empre-sas como a Marcopolo, grandefabricante de carrocerias de ôni-bus. Além disso, firmou váriosacordos de cooperação científica,tecnológica e de combate à Aids.

A África de hoje tem urg e n t enecessidade de ajuda. “Castigadapela fome, miséria, Aids, pre c o n-ceito, terrenos minados re m a n e s-centes das guerras civis, concen-tração de renda, a África é umcontinente agonizante, que neces-sita da conscientização intern a-cional a seu favor”, conclui a jor-nalista Lívia Fiorencio. Ela é tam-bém a nossa história, faz parte decada um de nós. E se continuar-mos a ignorar sua existência esua calamidade, certamente elaficará mais isolada, mais aban-donada do que já está. Ela estám o rrendo! Ajude no que puder, seconscientize, se humanize.

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Fonte: Insegurança Alimentar no Mundo/2004, relatório anualda Organizações das Nações Unidas para Agricultura eAlimentação (FA O )