África num Mundo Globalizado O Pesadelo de Darwin

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Faculdade de Economia Universidade de Coimbra Ciclos Integrados de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC 2005-2006 Combate à Pobreza no Mundo. Ingenuidade ou Compromisso? http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2005_2006.htm África num Mundo Globalizado O Pesadelo de Darwin de Hubert Sauper 17 de Maio de 2006 Teatro Académico Gil Vicente Caderno de Textos de Apoio

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Faculdade de Economia Universidade de Coimbra

Ciclos Integrados de Cinema, Debates e

Colóquios na FEUC

2005-2006 Combate à Pobreza no Mundo. Ingenuidade ou Compromisso?

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2005_2006.htm

África num Mundo Globalizado

O Pesadelo de Darwin de Hubert Sauper

17 de Maio de 2006

Teatro Académico Gil Vicente

Caderno de Textos de Apoio

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Índice

Parte I. ALGUMAS NOTAS SOBRE “O PESADELO DE DARWIN” I.1. Recensões I.2. Notas de intenção As origens do pesadelo O centro do mundo No coração das trevas A lei do mais forte? Críticas Hubert Sauper - Biografia Le cauchemar de Darwin por Stéphane Mas Mondialisation: dommages collateraux, por Véronique Smée Les poissons empoisonnes du Lac Victoria, por Khaled Elraz Jornal le Monde, por Pierre Barthélémy Le cauchemar de Darwin: l'horreur economique ou un film d'horreur trop reel, por Vanessa de Pizol Le cauchemar de Darwin, por Gilles Fumey La otra guerra de los mundos: Depredadores, globalización y cinismo, por Tònia Pallejà A importância do filme “O pesadelo de Darwin”, por Sylvie Touboul Parte II. OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O DRAMA DA DÍVIDA EXTERNA - UMA TRAGÉDIA EM VÁRIOS ACTOS

ACTO I. Dívida liquidada, cabeça levantada ACTO II. A gestão da crise do endividamento depois de 1982 ACTO III. Comércio internacional e o desenvolvimento (da dívida externa) nos países em desenvolvimento ACTO IV. Um exemplo do consenso de washington: a tanzânia Parte III. OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E OS MERCADOS MUNDIAIS: UMA OUTRA PERSPECTIVA DO CONSENSO DE WASHINGTON E A EXPLORAÇÃO FEITA ATRAVÉS DOS PREÇOS BAIXOS. 1. O café 2. O cacau 3. O algodão 3.1. É o algodão 4. A madeira

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Parte I

ALGUMAS NOTAS SOBRE “O PESADELO DE DARWIN”

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I.1. RECENSÕES SINOPSE As margens do maior lago tropical do mundo, considerado como o berço da

Humanidade, são hoje o palco do pior pesadelo da globalização. Na Tanzânia, nos anos 60, a Perca do Nilo, um predador voraz, foi introduzida no

lago Vitória, como experiência científica. Depois, praticamente todas as populações de peixes indígenas foram dizimadas. Desta catástrofe ecológica nasceu uma indústria frutuosa, pois a carne branca do enorme peixe é exportada com sucesso para todo o hemisfério norte.

Pescadores, políticos, pilotos russos, prostitutas, industriais e comissários europeus são os actores de um drama que ultrapassa as fronteiras do país africano.

No céu, enormes aviões de carga da ex-União Soviética formam um ballet incessante, abrindo a porta a outro tipo de comércio: o comércio de armas.

1.2. NOTAS DE INTENÇÕES

AS ORIGENS DO PESADELO A ideia deste filme nasceu durante a investigação para outro documentário

"Kisangani Diary – Loin du Rwanda”, cujo assunto era os refugiados da revolução no Congo. Foi em 1997 que fui testemunha pela primeira vez do tráfico destes enormes aviões. Enquanto um avião chegava da América com comida para os refugiados dos campos da ONU, um segundo avião descolava para a União Europeia com 50 toneladas de peixe a bordo.

O encontro e os laços de amizade que estabeleci com alguns dos elementos da equipa de um dos aviões de carga russos permitiram-me descobrir o impensável. Os aviões não traziam só ajuda humanitária dos países desenvolvidos, mas também traziam armas. Os aviões traziam a comida que os alimentava durante o dia e as armas que os matavam à noite. De manhã, a minha câmara que tremia filmava nesta selva os cadáveres e os campos destruídos.

Conhecer a cronologia e os rostos de uma realidade tão cínica tornou-se o objectivo de O PESADELO DE DARWIN.

O CENTRO DO MUNDO A Região dos Grandes Lagos é o centro verde, fértil e mineral da África e é

considerado como o berço da Humanidade. Esta região é conhecida pela sua vida selvagem única, os seus vulcões cheios de neve

e os seus parques nacionais. E ao mesmo tempo é o “coração das trevas”. As guerras civis que assolam este local têm origem numa espécie de esquecimento moral. Elas são, de longe, os conflitos mais mortíferos desde a Segunda Guerra Mundial.

No Congo, em cada dia do ano, o número de mortos ligados à guerra é equivalente ao número de vítimas do 11 de Setembro em Nova Iorque.

Sem serem completamente ignoradas, as inumeráveis guerras são frequentemente classificadas como “conflitos tribais”, como os do Ruanda ou do Burundi.

As causas escondidas destas perturbações são, na maioria das vezes, interesses imperialistas por causa dos recursos naturais.

NO CORAÇÃO DAS TREVAS Éramos uma pequena equipa a filmar O PESADELO DE DARWIN: Sandor, o meu

habitual companheiro de viagem, a minha pequena câmara e eu.

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Devia aproximar-me das “personagens” e seguir as suas vidas durante longos períodos. Era por isso fácil arranjar boas imagens, mas também era fácil ter problemas. Na Tanzânia, devíamos esconder a nossa actividade das autoridades. Para subir aos aviões de carga, tivemos de fingir que éramos pilotos e ter bilhetes de identidade falsos. Nas aldeias, pensaram que éramos missionários humanitários. Os directores das fábricas pensaram que éramos inspectores de higiene da União Europeia.

Também fingimos ser homens de negócios ou turistas inofensivos que andavam só a tirar fotografias. Perdemos imensos dias a enfrentar polícias corruptos e interrogatórios. Uma grande parte do dinheiro do orçamento do filme foi gasto a dar “luvas” para pagar a nossa liberdade. Para nós tratou-se de uma rotina morosa: não trabalhar, ficar sentado debaixo do implacável sol equatorial rodeado de milhões de esqueletos de percas do Nilo, tentando não enlouquecer.

A LEI DO MAIS FORTE? A eterna questão é saber que estrutura social e política é a melhor para o mundo

encontrar uma resposta. O capitalismo ganhou. As sociedades futuras serão dominadas por um “sistema consumista”, considerado “civilizado” e “bom”. No sentido Darwiniano, o “bom sistema” ganhou. Ganhou ao convencer os seus inimigos ou então eliminando-os.

Em O PESADELO DE DARWIN tentei transformar a história do sucesso de um peixe e o boom efémero à volta deste animal “perfeito” numa alegoria irónica e assustadora sobre a nova ordem mundial. Mas, a demonstração seria a mesma na Serra Leoa, nas Honduras, no Iraque, na Nigéria ou em Angola.

Para mim, o cinema é o único meio que consegue transmitir, com um verdadeiro impacto, algumas realidades.

A maior parte de nós conhece os mecanismos que destroem a actualidade sem ter verdadeiramente consciência.

Por exemplo, sempre que um recurso natural é descoberto, os habitantes desse local morrem na miséria, os filhos tornam-se soldados e as filhas criadas ou prostitutas.

Depois de centenas de anos de escravatura e colonização em África, os efeitos da globalização estão a infligir humilhações mortais aos habitantes.

A atitude arrogante dos países ricos, no que diz respeito ao Terceiro Mundo, cria perigos futuros para todos os povos.

“Não teríamos percas do Nilo no nosso supermercado se não houvesse Guerra em África.”

Neste documentário, tentei filmar o mais intimamente possível. Sergey, Dimond, Raphael, Eliza… São personagens verdadeiras que representam maravilhosamente a complexidade deste sistema. Para mim, elas representam um verdadeiro enigma.

“Podia fazer a mesma demonstração na Serra Leoa, e em vez de peixes teria diamantes, nas Honduras seriam bananas, no Iraque, na Nigéria e em Angola seria petróleo.”

CRÍTICAS É um documentário indispensável. Um trabalho extraordinário de jornalismo visual,

uma reportagem ricamente ilustrada sobre uma catástrofe distante. Mas, O PESADELO DE DARWIN também é um trabalho de arte. Há imagens que têm a terrível sublimação de uma pintura de El Greco ou Bosch.

A. O. SCOTT, NEW YORK TIMES

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Tem detalhes fascinantes, enriquecidos pela dignidade com que trata entrevistas chocantes. Sauper tem uma facilidade admirável para se aproximar dos sujeitos — pilotos, políticos, donos das fábricas — e mostrá-los não como vilãos, mas sim como pessoas.

VARIETY Um conto fascinante que mostra como é que na era da globalização as coisas podem

evoluir da pior forma possível. É incisivo, comovente, chocante, e muito imaginativo. TIME OUT LONDRES O documentário espantoso de Hubert Sauper mostra a sobrevivência de duas

espécies: a perca do Nilo, que aniquilou todas as outras espécies quando foi introduzida no lago Vitória nos anos 60, e os grandes vencedores do capitalismo. Os aviões de carga aterram com armas — aparentemente para alimentar as guerras nos países vizinhos — e voltam a partir para a Europa com toneladas de percas do Nilo, enquanto a população local morre à fome. O filme de Sauper não deixa dúvidas que os perdedores da globalização são escravos a quem hoje dão outro nome.

JESSICA WINTER, VILLAGE VOICE O PESADELO DE DARWIN parece-se mais com um fragmento de “O Juízo Final”,

de Bosch, do que com um filme de Michael Moore. Hubert Sauper, tal como o pintor holandês, compôs a sua visão do mundo com detalhes. (...) Planos perturbadores e sequências espantosas que amplificam, como num thriller, a demonstração filmada e anunciada de Sauper: “Não teríamos percas do Nilo nos nossos supermercados se não houvesse guerra e fome em África”.

Mas Sauper não é apenas militante ou jornalista, é visivelmente um cineasta. E é com grande habilidade que se distingue do grupo de “documentários-choque” que abundam actualmente. (...)

Sauper não se fica pela força da demonstração em imagens, entrevistas e comentários; ele serve-se também de procedimentos de cinema para meter o espectador numa condição de extrema perturbação.

ANNICK PEIGNÉ-GIULY, LIBÉRATION O escândalo da situação africana e a responsabilidade passada e presente das

potências ocidentais neste estado são sobejamente conhecidos. Se vários filmes já denunciaram esta situação, não se encontram muitos que o façam tão eficazmente, tão profundamente e que acordem tão violentamente a consciência do espectador. (...) Numa palavra, o filme do austríaco Hubert Sauper mostra com as armas do cinema (comparando imagens e confrontando planos) cem vezes mais e cem vezes melhor que qualquer retórica militante. (...)

Ninguém sairá deste filme incólume. J.M., LE MONDE É a quadratura do círculo, uma obra total, sem falhas, que não só agradará aos

militantes das causas humanitárias, mas também aos cinéfilos. O filme é terrível, perturbador, tantos são os horrores que concentra — e esplêndido pela sua forma inventiva, que não se inscreve em nenhuma lógica linear e consegue tratar todos os temas de forma pessoal e profunda. (...)

Toda a África parece concentrada nesta visão apocalíptica. Raramente vimos expresso tanto desespero com tanta graça.

VINCENT OSTRIA, LES INROCKUPTIBLES

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HUBERT SAUPER - BIOGRAFIA Hubert Sauper nasceu numa pequena aldeia tirolesa nos Alpes austríacos. Viveu na

Grã-Bretanha, na Itália, nos Estados Unidos e dez anos em França. Estudou cinema em Viena e em Paris. Dá aulas na Europa e nos Estados Unidos. Os últimos dois documentários que realizou receberam doze prémios internacionais.

Extraído de: http://www.atalantafilmes.pt/opesadelodedarwin

LE CAUCHEMAR DE DARWIN Stéphane Mas 31 de Janeiro de 2006

Une vision noire de l’Afrique pour un film magnifique, par ce qu’il montre et

dévisse de systèmes aliénants, par sa mise en scène surtout. Perfection du documentaire, ou comment faire du documentaire en l’insufflant de fiction.

Un plan d’avion sur une surface bleue : le bleu du ciel et le noir de l’ombre. Hubert Sauper s’intéresse à l’ombre de l’avion, l’ombre dans l’Afrique, et ce n’est pas du ciel mais de l’eau qu’il s’agit. Première méprise d’une longue série que le cinéaste entend mettre à mal en nous ouvrant les yeux. Retour au sol. Sur la piste, des carcasses d’avions scratchés laissent entrevoir le défilé incessant des machines, tandis que dans la tour de contrôle un responsable du trafic aérien, affable, un journal à la main, s’acharne à détruire un insecte contre une vitre. Métaphore incroyable de tout un ordre absurde, inversé, qui semble régir l’Afrique et face auquel Hubert Sauper ne peut laisser lettre morte.

Mwanza, alias Fish city, est sur le bord du lac Victoria, en Tanzanie, l’endroit d’où sont issus tous les filets de perche du Nil de nos supermarchés. Pêchés dans l’eau par des noirs, transportés dans les airs par des blancs. A travers ce manège entre l’Europe et l’Afrique, entre capitalisme messianique et misère du monde, ce que choisit de filmer Sauper ce sont des hommes, des femmes en plein cauchemar. Eliza chante un mythe pris sous filet, paradis perdu qu’elle ne reverra pas Tanzania, Tanzania... Elle boit, s’abandonne au bas ventre de pilotes russes, elle fume beaucoup et ne tiendra pas longtemps. De ce trou mort en filets se retrouve, s’échange tout un monde interlope - prostituées, pilotes mercenaires, businessmen, politiques cyniques, toxicos adolescents, pour une misère si noire, si sombre qu’on n’oserait la filmer si elle n’était réelle. Un réel plus fort que la fiction, d’où le principe d’identification semble d’abord absent : impossible ici de se dire que tout n’était qu’un rêve. Bienvenue dans le cauchemar du réel.

Deux Afriques, deux cinémas, un combat.

Un cinéaste documentaire devrait se faire témoin du centre, englober un fragment de réalité, le transcrire en détail, par la longueur, l’insistance, avec le moins possible d’effets, de manigance, d’effets de manche. Aucun doute dans ce sens, Le Cauchemar est un documentaire. Si l’Afrique est un cancer, Sauper en montre l’ampleur, la progression, la démesure, pas à pas, plan par plan. Un film divisé en deux pôles autour desquels le scénario, l’enquête, la caméra s’avancent.

D’un côté la terre d’Afrique et ce lac Victoria, origine supposée du monde dont Sauper nous convainc qu’il porte aussi sa perte. Le cinéaste passe dans les villages, il en filme les acteurs : les pêcheurs, les prêtres, les ouvriers d’usine, menaçants, le couteau tranchant, des masques sur la bouche. Portrait d’une Afrique qui joue les règles - économiques, religieuses - et perd sur toute la ligne. Il filme ces jeunes adolescents défoncés à la colle, se battre comme des bêtes - littéralement - pour une ration de riz. Il

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filme aussi les décideurs. Cet homme d’origine indienne par exemple qui dirige la pêcherie et ne ment presque pas. Son bureau vide, très propre, mise sur la transparence. Il tire ses comptes, joue le capitalisme et constate l’invraisemblable : chaque jour, 55 tonnes de poissons pêchés en Tanzanie, bien trop chers pour les noirs, seront exportées vers l’Europe. On entend presque simultanément la demande de 17 millions de dollars d’aide alimentaire des Nations Unies pour lutter contre la famine dans ce même pays, cette même région.

Noir, c’est noir : le tranchant des coupes.

Inversion des valeurs et des systèmes que les politiques Africains, érigeant le cynisme en guise de politique générale, s’empressent de cautionner. Une scène suffit à passer des noirs aux blancs. Sauper décrypte le rôle des émissaires de l’Union Européenne en une séquence de quelques secondes. Tandis qu’ils se congratulent sur la pêcherie de Mwanza comme d’un bel exemple à suivre pour les futurs projets économiques locaux des pays émergeants, une légère ouverture du cadre permet d’apercevoir au bas de l’immeuble une troupe d’unijambistes se pressant dans les rues. Coupe sèche; ou de la relativité des discours sur les jambes.

Mwanza ne serait rien sans la perche, rien sans les avions-cargos ni leurs équipages russes. Voici donc le versant de l’Afrique blanche, celle des chasseurs, des mercenaires. Serguey d’abord, figure de proue d’un Ilioutchine 76 faisant la navette entre Mangwa et la communauté européenne. Son équipage se compose de quadras mariés, la bouteille bien en main, arborant une nostalgie très russe lorsqu’ils regardent les images en DV de leurs femmes et enfants. Ils boivent beaucoup, chantent très faux et ne peuvent s’empêcher, peut-être parce qu’il est blanc comme eux, de prendre Sauper comme presque l’un des leurs. Ce travail du temps, Sauper l’articule au long cours. Il fait l’inventaire de l’exil, des souvenirs, puis montre les noces improbables de ces russes avec les prostituées de bars, il rentre à l’intérieur des chambres, s’immisce avec lenteur. Ils se dévoilent, ils hésitent, mais on aperçoit par incises comment, derrière la culpabilité qui les ronge, Sauper les guide, les mène lentement jusqu’à l’aveu.

De même, l’intérêt fabuleux du film repose entre deux pôles du cinéma : Sauper filme d’abord un documentaire. Il accumule des faits, confronte des points de vue, analyse les nœuds, le fonctionnement des systèmes - religion, politique, libéralisme, permettant au spectateur d’avoir une vue d’ensemble. Mais cette distance des faits est toujours mêlée à la proximité de la fiction. La prostituée Eliza, le peintre Jonathan, le guerrier Raphael, le mercenaire Serguey, personnages réels et figures de théâtre, sont les acteurs d’un drame à la fois intime et collectif, dont l’exposition, l’enchevêtrement et le passage de l’un à l’autre, confèrent au film sa force rare.

Mise en scène et cinéma : l’artiste comme double.

De tous ses personnages, Sauper ne filme qu’un artiste : Jonathan, adolescent, peintre de son état, affirmant que dans son art comme dans la rue, dans son monde, son Afrique, la règle est celle du fight to survive. Le plan suivant montre un chant de femme pour mettre en terre un cercueil. Ces plans de coupe marquent tout au long du film un véritable art de cinéaste : exit le voyeurisme spectaculaire des cris, des coups, du sang. Sauper dramatise par échos, par touches, par contrastes entre ce qui est dit et ce qui est montré. Ainsi lorsque le patron de l’usine de la pêcherie active hilare son jouet mécanique en forme de perche, la queue du poisson bouge et une chanson retentit. Don’t worry, be happy. Lorsque le journaliste indépendant Richard Mgamba explique le gain financier induit par le doublé importation d’armes/exportation de poissons, lorsqu’il demande pourquoi l’Union Européenne et les Nations Unies tentent de guérir le mal au lieu d’essayer d’en empêcher l’apparition, un fantastique effet de réel charge le ciel d’éclairs. Menace physique sur une parole que personne ne veut entendre : nier la cause pour mieux s’occuper du symptôme.

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Médecine, social, politique, économie : l’axe du déni par isoloir mental se porte toujours bien. Ce travail sur la mise en scène, sur le montage, révèle donc avant tout un cinéaste. Un homme tire d’un antique filet des poissons de toutes tailles, puis un léger mouvement vers l’arrière permet de lire un nom à l’étrave de la barque : Jesus. De la bible, le cauchemar ne garde que l’enfer de l’ancien testament. Sauper ramène cet enfer au western, avec pour seule arme visible l’arc et les flèches enduites de poison de Raphael. Lui seul concentre le regard fou d’une fiction. Il garde pour 1$ la nuit les entrepôts de la compagnie de pêche. « You must be ready for fight », dit-il l’œil menaçant. Il parle de guerre, la souhaite, l’espère même. Une guerre, synonyme de fonds occultes provenant de régimes pour qui l’argent ne manque jamais. Se faire soldat, être payé, vivre et manger à sa faim, quitte à laisser des morts. Quel mal à cela ?

Abyme et politique.

Les politiques ne sont donc pas en reste. Collusion des pouvoirs locaux à l’exploitation libre et non faussée de leurs pays, de leurs peuple, les dirigeants agissent souvent sous la férule d’un pouvoir religieux collaborateur dans l’âme. Ils se débattent mollement, lorsqu’ils ne sont pas eux-mêmes commanditaires du suicide collectif. Ainsi cette scène de mise en abyme où, filmant caméra cachée, Sauper montre la diffusion d’un documentaire expliquant les dommages irréversibles de la perche sur le lac Victoria. La scène se déroule lors d’un congrès écologique au Kenya devant un parterre de politiques parés comme des maquereaux. Le temps de quelques secondes, on retrouve le commentaire expressionniste, la voix gonflée de testostérone, la surdramatisation de tout un pan des documentaires u.s. Le verdict est pourtant sans appel : à ce rythme, l’écosystème du plus grand lac de Tanzanie sera bientôt irréversiblement détruit. On aimerait voir l’indignation sur les visages de dirigeants. Que nenni. L’un d’entre eux se contente d’une plainte contre les effets négatifs d’un tel document sur l’avenir économique de la région. « We are here to sell our countries. Why only show the negative aspects ? ».

Ouvrir à l’aveu : filmer le temps du documentaire.

Aussi vrai que le documentaire inséré à l’intérieur du cauchemar est bavard, Sauper au contraire, à travers les silences, les plans vides, met en scène la patience nécessaire à l’aveu. Durant les premières conversations avec l’équipe de pilotes russes, il se contente d’observer, de placer quelques inserts, et l’on devine à mesure comme il traque. Il se prépare, se couvre, s’avance à petits pas avant d’embrayer lentement. Tout son travail d’enquête à l’intérieur de ce monde s’en ressent à l’écran, faisant de cette lente progression vers l’aveu, vers l’humain, une des grandes forces du film. De même, lorsque le prêtre applique à la lettre le génocide catholique en matière de préservatifs. Un fondu au noir en dit plus que cent commentaires. Sauper conserve donc les codes du documentaire mais filme en cinéaste. Sa grammaire évolue sans cesse : plan séquence en portrait, caméra à l’épaule en extérieurs dans les villages de pêcheurs, travellings dans les rues de Mwanza, mise en abyme, caméra cachée, tous les moyens sont bons. Il veut tout prendre, ne rien laisser. Le monteur seul reconnaîtra les siens.

Qui viendra mettre fin ?

Dans l’usine de traitement des poissons, une fois la tête arrachée, le poisson est emballé, mis sous barquette, sous cellophane, expédié pour l’Europe. Les déchets, seulement eux, resteront en Afrique. L’emballage sera brûlé, transformé en colle toxique sniffée par de jeunes adolescent à la rue, tandis que les queues, les têtes, le pourri seront brûlés, mis à sécher sur des barrières de bois, dans un charnier grouillant de vers où ceux qui travaillent se décomposent à l’ammoniac. Les enfants, les femmes, se nourrissent des ordures de l’usine. Ils y perdent parfois un œil. Les hommes encore valides plongent au lac

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pour rabattre les perches. Ils y croisent parfois des crocodiles pour y perdre une jambe. Ceux qui n’ont plus la force consomment trop d’alcool, de prostitution, et finissent par abandonner ces enfants qu’ils ne peuvent pas nourrir. L’Afrique noire, sans qu’il ne soit question de peau, l’Afrique des Misérables, où l’on vendrait ses dents pour se nourrir de pain, cette Afrique là est aussi celle d’aujourd’hui. Dont acte.

Même s’il y ressemble parfois, le Cauchemar n’est pas un traité d’hygiène mentale dix-huitièmiste. Alors comment faire accepter au spectateur cet enchaînement du pire ? Comment le faire tenir jusqu’au bout ? Comment ne pas le plomber face à une telle noirceur du réel ? Par la mise en lumière de la fiction, à l’intérieur même du réel. Jonathan a choisi la peinture - compositions brutes, couleurs fauves, cadre naïf pour mettre ce cauchemar en couleurs. Des carrefours à la nuit, des enfants qui dorment dehors, des combats de rue. Puis cette toile où des noirs portent les perches du lac jusqu’aux avions-cargos, mais sur sa toile, on ne voit plus des poissons, mais des obus.

Tout le film s’attache à ce trait. D’un coup de pinceau surgit l’impensable. Ce n’est pas simplement un avion qui atterrit, décharge son aide humanitaire et décolle le lendemain avec 50 tonnes de poisson frais. Ce n’est pas simplement d’exporter vers l’Europe sa richesse quand son propre peuple meurt de faim, il y mieux. Les avions n’avaient pas à leur bord que la nourriture qui permettait aux réfugiés de vivre la journée. Ils transportaient aussi les armes qui les tuaient la nuit.

La toile de Jonathan reprend donc le film de Sauper, chacun trouvant dans son art un même besoin de montrer, de sortir au dehors. Utiliser des codes - pour le cinéaste, la mise en scène de fiction, la rigueur du documentaire - afin d’être témoin d’une horreur qui, pour une fois, s’échappe de l’abstraction des mots (libéralisme, mondialisation, concurrence non faussée) pour rentrer dans les corps, les vies d’hommes et de femmes qui font face. Le résultat est bouleversant.

Extraído de http://www.peauneuve.net/article.php3?id_article=37,

MONDIALISATION: DOMMAGES COLLATERAUX Véronique Smée 28 de Janeiro de 2006 Extraído de: http://www.novethic.fr,

Dans son documentaire intitulé "Le cauchemar de Darwin", Hubert Sauper montre

comment la mondialisation devient l'ultime étape de l'évolution humaine, et comment la loi du plus fort, appliquée au système économique et social, engendre des catastrophes écologiques et humaines.

Tanzanie, rive du lac Victoria, fin des années 50. C'est dans cette région jusque-là préservée que les occidentaux décident d'introduire la " perche du Nil ", poisson très apprécié des consommateurs européens et japonais mais qui va se révéler être un redoutable prédateur, transformant un des plus riches éco-systèmes du monde en une zone de mort. Ce prédateur a en effet éliminé les 200 espèces de poisson présentes à l'origine dans le lac Victoria, laissant des eaux sans oxygène et sans espèces vivantes. Les espèces de poisson qui se nourrissaient d'algues ayant peu à peu disparu, les algues s'accumulent, meurent et provoquent des chutes de teneurs en oxygène, tandis que la perche du Nil finit par se nourrir de ses propres petits, faute d'autres ressources...Sur-exploitée par des pêcheurs de plus en plus nombreux -en 1970, 4.000 bateaux ramenaient 15.000 tonnes de poissons, en 1980 leur nombre est passé à 6.000 et la pêche a produit 100.000 tonnes de

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poissons-, la perche du Nil a, en quelques décennies, transformé un lac vieux de 500 000 ans en eaux eutrophiées. "Le capitalisme a gagné"

Parallèlement à ce spectacle funeste, le réalisateur montre l'arrivée d'une délégation de la Commission européenne, venue se féliciter, avec les industriels locaux, du succès économique de la perche du Nil. 34 millions d'euros ont été versés par l'Europe pour développer cette filière, dont la production est destinée uniquement aux consommateurs occidentaux (2267 tonnes en 2004 pour le seul marché français). La population qui survit aux abords du lac ne se nourrit, elle, que des déchets de poisson impropres à la vente. Car cette industrie n'a pas détruit que la richesse écologique de la région, elle a également mis en pièces le système économique et social local, les petits pêcheurs locaux exclus de l'industrie de la perche du Nil n'ayant plus d'autres espèces à pêcher. " L'éternelle question qui consiste à se demander quelle structure sociale et politique est la meilleure pour le monde semble avoir trouvé une réponse, constate l'auteur. Le capitalisme a gagné. Les sociétés futures seront régies par un système consumériste perçu comme " civilisé " et " bon ".

LES POISSONS EMPOISONNES DU LAC VICTORIA ARMES ET POISSONS : LES DELIRES DE LA MONDIALISATION Khaled Elraz 6 de Dezembro de 2004 Extraído de : http://www.afrik.com

Avec "Darwin’s Nightmare", le réalisateur Hubert Sauper signe un documentaire

bouleversant sur les effets entrecroisés de la mondialisation des échanges : une fable tragique dont le pivot est constitué par le plus grand lac tropical du monde, le lac Victoria

Il est des films qui frappent et après lesquels il n’est plus possible de regarder le monde avec les mêmes yeux. C’est le cas du film d’Hubert Sauper intitulé "Darwin’s Nightmare", qui sortira en France dans le courant du Printemps 2005, mais qui a déjà commencé sa carrière dans les Festivals, puisqu’il a obtenu un Prix à Venise en septembre 2004.

Ce n’est certainement pas un film à thèse, mais peu de films font autant réfléchir sur les délires de notre époque, entraînée par l’idéologie du profit dans des abîmes d’inhumanité. Rien n’est dit, tout est montré. Rien n’est expliqué, tout est révélé. C’est toute la force de ce film insolite : il ne nous propose pas de lecture rassurante ou d’explication apaisante. Il montre les blessures où notre époque saigne. Sans cautériser.

Le lac Victoria est au centre de plusieurs grands pays d’Afrique Centrale et de l’Est. Autant dire qu’à l’extrêmité orientale du Congo, il baigne une zone de conflits perpétuels que l’actualité tragique ne délaisse jamais : massacres, offensives, invasions, évacuations, exodes, contre-offensives, paix provisoires. Depuis la déstabilisation majeure que constitua le génocide rwandais, jamais cette grande région ne connaît le repos, elle qui fut le berceau de l’humanité.

Les avions cargos déchargent les caisses d’armes... Une telle situation profite à quelques uns : des norias d’avions cargos, souvent

russes, très légalement affrêtés par des compagnies européennes, déchargent jour après

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jour les caisses de munitions et d’armes, en alternance avec... les caisses d’aide humanitaire. Même provenance, même destination.

Mais l’histoire ne s’arrête pas là : au cours des années 1960, un poisson jusque là inconnu du lac Victoria fut introduit dans ses eaux fertiles : la Perche du Nil. Ce redoutable carnivore s’acclimata tellement bien aux eaux chaudes du lac qu’il s’y multiplia, décimant les autres espèces de poissons. Or la Perche du Nil est particulièrement adaptée aux exigences de la grande distribution sur les marchés occidentaux : larges filets sans arêtes, viande blanche et facile à cuire.

Au cours de la dernière décennie, de superbes usines de conditionnement du poisson, subventionnées par la Commission européenne, ont donc vu le jour le long du lac Victoria, et si la pêche reste toujours aussi dangereuse (les crocodiles, les maladies), le poisson ne finit plus désormais sur les étals locaux, il part vers les usines, d’où des centaines de milliers de tonnes de filets soigneusement levés s’envolent quotidiennement vers l’Europe. C’est donc du lac Victoria qu’arrivent ces larges filets blancs qui cassent les prix dans les supermarchés...

... et repartent chargés de poisson ! C’est que leur acheminement est particulièrement bon marché, puisque les caisses

réfrigérées empruntent pour leur voyage retour les avions cargos qui avaient atterri quelques heures avant, chargés d’armes. Lorsque vous entendez parler de nouveaux combats dans l’Afrique des Grands Lacs, Européens réjouissez-vous, le cours du poisson va baisser.

L’Afrique a bien connu le "commerce triangulaire", de sinistre mémoire, où les bâteaux d’Europe se chargeaient d’esclaves en Afrique avant d’aller échanger leur cargaison en Amérique en échange de coton, par exemple... C’est un nouvel épisode de ce même feuilleton que l’on nous rejoue : les avions partent d’Europe avec les munitions et les mitrailleuses, ils rentrent avec les filets frais prêts à être vendus.

Un désastre pour les populations locales L’écoeurement gagne peu à peu, quand Hubert Sauper nous décrit le mode de vie des

pêcheurs, le développement des villes champignons au bord du lac, autour de l’aéroport, l’essor de la prostitution, la propagation instantanée du sida, l’utilisation des résidus plastiques des usines par les enfants pour fabriquer une colle hallucinogène, la multiplication rapide des orphelins, sans abri fixe, la désagrégation du tissu social traditionnel autour du lac...

Tandis que l’on suit l’Odyssée lointaine des Perches qui volent vers l’Europe, la presse parle de famine en Tanzanie et d’aide alimentaire. On voit les immenses décharges pleines de squelettes de poissons qui sèchent, on voit les tristes carcasses décharnées récupérées pour la consommation locale. La Tanzanie meurt de faim, mais sa première exportation vers l’Europe est la Perche du Nil...

Cauchemar d’une mondialisation ignorante des hommes et aveugle à ses effets sur leurs conditions de vie. Cauchemar d’une Afrique assassinée par des guerres favorisées par des marchands d’armes sans scrupules, par des maladies que personne ne combat vraiment, et que l’ignorance propage. Cauchemar d’une Afrique pillée, au point même de mettre en danger ses richesses naturelles renouvelables... Comme le montre l’exemple du lac Victoria !

On regardera désormais autrement les filets blancs des Perches du Nil.

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Jornal LE MONDE Pierre Barthélémy

A-t-il un fond au puits de l'abjection? A la question, Hubert Sauper répond caméra au

poing. Ou plutôt avec une caméra en guise de poing. Pas à la manière d'un Michael Moore, dont les documentaires à thèse s'apparentent à des chemins d'uppercuts bien alignés d'où le spectateur ne peut guère s'échapper. Sauper frappe en finesse. Il a l'art de vous restituer son coup d'oeil sur ce bas monde sans jugement ni colère. A vous de juger, à vous de vous fâcher.

Pourtant, rien ne semblait prédestiner cet Autrichien à devenir témoin de notre planète. Né au bas de la Streif, la mythique piste de ski de Kitzbühel, il est enfant d'hôteliers. Mais la station tyrolienne, bien que perdue dans les Alpes, est un concentré de cosmopolitisme : "J'ai grandi, dit-il, dans un lieu public, le restaurant de mes parents, au milieu d'Italiens, d'Allemands, de Slovaques..." Il prend des photos, semble suivre la trace familiale en effectuant des stages en hôtellerie, voyage, puis, à 22 ans, choisit la voie de l'image et du voyage. Premier documentaire sur des Tsiganes en Roumanie.

Et première véritable frappe, en 1997, lorsqu'il suit, dans l'ex-Zaïre, un groupe de réfugiés fuyant la rébellion de Laurent-Désiré Kabila. Ce sera Kisangani Diary - Loin du Rwanda, qui reçoit de multiples prix internationaux. Au cours du tournage, le cinéaste se retrouve en Tanzanie, à l'aéroport de Mwanza, sur les bords du lac Victoria. Et là, aux sources du Nil, non loin du berceau de l'humanité, il a l'idée de ce que sera le film suivant, Le Cauchemar de Darwin, une allégorie à peine masquée sur le stade ultime de l'évolution, la mondialisation : "Deux avions se croisaient, se rappelle Hubert Sauper. Le premier atterrissait avec 45 tonnes de pois chiches américains, destinés à alimenter les réfugiés des camps de l'ONU. Le second décollait pour l'Union européenne avec 50 tonnes de poisson frais à son bord. J'ai demandé pourquoi on ne nourrissait pas les gens en détresse avec ce poisson, avec cette production locale. On m'a dit que le poisson allait là où les gens le payaient. A question candide, réponse candide."

La vodka aidant, les équipages russes de ces avions-cargos révèlent qu'ils n'apportent pas que des pois chiches, mais aussi tout pour faire la guerre, rarement absente dans la région des Grands Lacs. Hubert Sauper est scandalisé. Et le pilote de rétorquer : "Comment pensais-tu que les armes arrivaient ? Par la Lufthansa ?" "Pour lui, c'était d'une logique banale, alors que de mon point de vue cela me semblait hallucinant : la même compagnie faisait un jour l'humanitaire, le lendemain la kalachnikov. Les mêmes avions amenaient aux réfugiés de quoi les nourrir la journée et de quoi les tuer la nuit."

Ainsi naît l'idée du Cauchemar de Darwin, dont le tournage, commencé en 2001, durera six mois, répartis sur trois ans. Trois années passées à acquérir la confiance des aviateurs et, surtout, à faire connaissance avec l'héroïne involontaire du film, la perche du Nil. Introduit à la fin des années 1950, ce prédateur a éliminé la quasi-intégralité des quelque 200 espèces de poisson présentes à l'origine dans le lac Victoria. Mais cette grosse bête était une manne pour l'industrie locale : les pêcheurs affluèrent, des usines de traitement de poisson se montèrent, le tout accompagné d'un cocktail mortifère de prostitution, de sida, d'orphelins des rues. Un condensé des malheurs de l'Afrique.

Sans oublier les à-côtés monstrueux, ces coups de machette cinématographiques avec lesquels Hubert Sauper lacère notre bonne conscience de bons petits Blancs. Ainsi, nous autres Européens, achetons chez notre poissonnier les beaux filets de perche du Nil. Mais que fait-on des carcasses ? Elles sont récupérées dans d'immondes et primitives déchetteries, séchées, revendues, frites, et mangées par la population locale...

"Le principe darwinien s'est appliqué à nos sociétés : le 'meilleur' système, le plus fort, a gagné, explique Hubert Sauper. Le capitalisme international se révèle l'espèce la mieux adaptée au point qu'il a éliminé les autres. Il s'est globalisé, mais notre possible

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contrôle éthique, politique et social, lui, ne s'est pas globalisé... J'ai essayé de transformer l'histoire du succès d'un poisson et le boom éphémère autour de cet animal en une allégorie ironique et effrayante du nouvel ordre mondial." Le cinéaste assure que la démonstration pourrait être répétée à l'identique en Sierra Leone, où les poissons seraient des diamants, au Honduras, où ils seraient des bananes, en Irak, au Nigeria, en Angola, où ils seraient du pétrole.

Le cynisme, c'est la réalité. D'ici quelques années, la perche du Nil aura disparu du lac, faute de nourriture. Elle en est déjà à dévorer ses propres petits... Déjà, l'eutrophisation liée à la destruction de la chaîne alimentaire prive d'oxygène certaines zones. Le lac Victoria, deuxième plus grand lac du monde, risque bientôt de n'être plus qu'un trou stérile. "Mais le directeur de l'usine de poisson que j'ai interrogé s'en moque, raconte Hubert Sauper. Il réinvestira son argent dans une usine de coton ou d'autre chose. C'est le côté le plus effrayant du capitalisme : il fonctionne malgré tout. C'est un 'miracle', la force de l'argent dépasse tout." A commencer par l'humiliation des populations pillées.

Il n'y a pas de commentaire dans Le Cauchemar de Darwin. Hubert Sauper ne nous dit pas ce qu'il pense. "Mon rôle est de remplir un élément de la chaîne qui manquait. Des milliers de gens connaissent mieux la mondialisation que moi. Des milliers ont plus d'informations que moi. Mais il leur manque l'image comme argument. Mes films sont comme les images radiologiques d'un poumon sur lesquelles on aperçoit des taches noires. Les images qu'il faut au médecin pour montrer au patient qu'il est malade."

LE CAUCHEMAR DE DARWIN L'HORREUR ECONOMIQUE OU UN FILM D'HORREUR TROP REEL Vanessa de Pizol CULTURE, nº 18

Tout ce qu'on a pu voir, lire et entendre de plus pessimiste sur l'Afrique semble

encore bien loin de la réalité au regard de cet hymne au désespoir qu'est Le cauchemar de Darwin. Le spectateur est soumis à un choc émotionnel d'une rare violence, on lui assène l'insoutenable pendant près de deux heures. Mais il s'agit d'un choc indispensable, la première étape d'une prise de conscience. La vie des Tanzaniens de la région du lac Victoria apparaît à travers la lunette intransigeante de l'horreur économique et de la catastrophe humanitaire. La perche du Nil a été introduite dans les années soixante (on ne sait trop comment) dans cette immense réserve naturelle qu'était initialement le lac Victoria. En dangereux prédateur, elle n'a cessé de se multiplier et a fini par détruire la faune et la flore. On assiste donc à un véritable phénomène de cannibalisme qui en détermine un autre sur le plan économique : le marché de la perche du Nil, qui connaît une expansion débridée, fait le vide autour de lui.

Le poisson est pêché en masse, conditionné sur place et exporté notamment à bord de gros cargos russes (l'Illiouchine). Jusque-là, rien d'anormal. Sauf que la dissection de ces mécanismes économiques et l'observation des conséquences sur la population telles qu' Hubert Sauper les met en scène font apparaître le revers de la médaille. Cette évolution trop rapide n'est pas digérée par le pays. L'aéroport n'a pas les moyens de faire face au flux aérien et doit improviser : les avions doivent s'approcher très près sans pouvoir être guidés et prennent d'énormes risques pour atterrir. Le prix à payer pour charger la précieuse cargaison est parfois le crash, comme l'attestent plusieurs carcasses d'avion qui font désormais partie du paysage. Mais il reste dérisoire en comparaison des dégâts subis par les Tanzaniens dont ils n'ont pas forcément conscience. Le commerce de la perche du Nil est à l'origine d'une chaîne de maux plus graves les uns que les autres et qui n'épargnent

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personne. Immédiatement liée à l'exportation du poisson par avion, la prostitution des jeunes femmes qui proposent leurs services aux pilotes étrangers. Le témoignage de l'une d'entre elles s'avère d'autant plus poignant qu'on apprend au cours du film qu'elle a été assassinée par l'un de ses clients, des clients violents qui n'hésitent pas à panacher sexe et meurtre là où une existence humaine ne vaut vraiment pas cher, là où la disparition d'un être humain n'émeut plus.

On comprend peu à peu dans quel cycle de décadence et de mort se trouvent pris les habitants du lac Victoria, un cycle que les pays occidentaux ayant des intérêts en Afrique, et plus particulièrement en Tanzanie, ne font qu'alimenter. Les familles qui ont quitté la campagne pour la ville, pensant avoir leur part de cette manne sortie tout droit du lac, sont bien vite décimées. Les pêcheurs, trop nombreux, à bord de leurs frêles embarcations, trouvent souvent la mort. Les femmes, livrées à leur propre sort, se prostituent et le VIH se propage à grande vitesse. Une femme contaminée, très digne et très belle malgré son effroyable maigreur, explique, dans un souffle, qu'elle n'arrive plus à manger. En contrepoint, la parole du pasteur qui admet que les femmes sont contraintes à la prostitution, que la population est rongée par le virus mais que le préservatif reste un péché au regard de l'Eglise. A la pensée que cet homme qui défend obstinément ce précepte (également soutenu par le chef de l'Eglise catholique) ne fait rien pour enrayer le génocide, lui que les Tanzaniens écoutent, lui qui par conséquent pourrait être le vecteur d'un progrès, la révolte nous envahit. Reste le témoignage cinématographique, la pellicule qui fixe la fragile existence de cette femme atteinte du Sida, si près de s'éteindre et déjà oubliée de l'Histoire. Ces êtres humains condamnés ne sont plus utiles à la société, et à peine sont-ils inaptes au travail que leurs compatriotes eux-mêmes les envoient mourir loin du coeur économique.

Et les autres ? Il y a ceux qui travaillent dans des conditions épouvantables mais qui disent être conscients de la chance qu'ils ont et rendent grâce à l'existence de la perche. Une femme a pour fonction de faire sécher les milliers de restes du poisson traité dans l'usine de conditionnement : les parties les meilleures étant exportées, les africains écopent des déchets pour se nourrir. Des déchets qu'il faut bien évidemment stocker (l'équation Tiers-Monde = poubelle des pays riches s'impose alors avec une évidence redoutable). Cette femme circule entre des étals de bois, les pieds nus dans la boue grouillant de vers (passage ponctué dans la salle obscure par des exclamations horrifiées) et se déclare heureuse de son travail bien qu'elle ait à déplorer la perte de son oeil (soulevant un pan de son fichu, elle découvre à la caméra une orbite que les bactéries ont littéralement rongée) et les émanations nauséabondes qui rendent sa tâche difficile.

Les enfants, dans tout ça, n'incarnent même plus l'espoir. Des bandes d'orphelins ou de laissés pour compte, les parents n'ayant plus les moyens d'assurer leur subsistance, hantent les rues, tentent de survivre en rognant le grand squelette de la perche du Nil, s'affrontent ou deviennent la cible des plus âgés. Des meutes de chiens, ni plus ni moins, que la famine a rendu féroces, comme dans cette scène où la découverte d'une boîte en fer blanc permet de faire du riz dont une poignée s'obtient à force de coups ou de ruse. La caméra suit avec insistance l'évolution d'un groupe de gamins : le vilain canard, un petit unijambiste armé d'une béquille et d'un bout de bois, essaie de ne pas se laisser distancer. Mais le moment le plus difficile du film reste pour moi la vision de ces deux jeunes garçons occupés à fumer mais surtout à sniffer le plastic fondu des emballages de la perche. On voit l'un des deux gamins coller son nez sur la bouteille de plastic en fusion et on a envie de crier non, d'arracher la caméra, de tout envoyer valser, pour qu'une fois au moins le pire soit évité. Mais la réalité est là, sans fard : on assiste impuissant au processus de destruction et le petit s'écroule sur le bitume, les larmes ne servent de rien.

On peut bien sûr continuer à fermer les yeux, comme ces fonctionnaires européens venus pour examiner l'usine de conditionnement et concluant, dans une salle de conférence

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imperméable à la misère du dehors, aux bienfaits économiques de ce commerce et au respect des règles d'hygiène. Comme ce chef d'Etat tanzanien mettant au placard les véritables problèmes de la région du lac Victoria pour pouvoir continuer à vendre son pays. Comme ce radio russe affirmant sans hésiter une seconde qu'en Afrique, il n'y a pas de guerre et que les africains ne veulent pas travailler, ce qui explique la situation désastreuse du continent noir. Pourtant, un de ses compatriotes, pilote de son état, finit par reconnaître à demi-mot l'existence du trafic d'armes et se prend à regretter que des enfants noirs reçoivent un tank pour Noël. Car les avions qui arrivent soi-disant vides en Tanzanie, et repartent chargés de nourriture pour l'Occident, débarquent en réalité du matériel d'extermination, comme si tous les maux qui touchent la population africaine ne la plongeaient pas assez vite dans le chaos.

Comment ne pas penser que tout cela cache le but inavouable des puissances mondiales d'avoir une Afrique exsangue entre leurs mains, afin d'en disposer comme ils l'entendent ? Fort heureusement, quelque journaliste local en est fortement convaincu et le clame haut et fort dans la presse, rétablissant une vérité qu'on cherche à étouffer. Une vérité qui doit encore faire son chemin pour s'imposer aux consciences des citoyens de la planète.

Le cauchemar de Darwin c'est cette évolution à l'envers, cette dégénérescence d'une population entretenue dans un complot global par une partie du monde, la plus riche, qui se croit à l'abri de la lèpre. Mais le prédateur est menacé par l'asphyxie quand sa voracité sauvage le pousse à détruire l'écosystème qui le nourrit. Laisser crever l'Afrique équivaut à un suicide de la planète.

Le bouleversement profond occasionné par ce chef-d'oeuvre qui prend aux tripes nous pousse véritablement à agir et il n'est pas de plus belle réalisation artistique que celle qui se prolonge hors de son cadre, auprès de son public, sur le coup de l'émotion et de la révolte. Il faut aller voir ce documentaire, et écrire la suite au quotidien.

Le succès rencontré par cette oeuvre cinématographique (Prix du Meilleur Documentaire Européen - EFA 2004; Grand Prix du Meilleur Film, Festival de Copenhague 2004; Prix du Meilleur Documentaire - Festival de Montréal 2004;...) rend compte à la fois de la bonne santé du genre (tout comme l'essai en littérature, le documentaire répond à un besoin de réflexion sur la société actuelle et de compréhension de notre environnement au sens large), de la force du propos et de la nécessité de témoigner et de dénoncer, plus que jamais valable.

Le choc émotionnel est fort, le sentiment de malaise que l'on ressent en sortant du cinéma dure longtemps : les effets spéciaux et les scénarios catastrophe ne pèsent rien à côté de la vérité nue. Extraído de: http://www.geocities.com/actpol/V18PizolDarwin.html

LE CAUCHEMAR DE DARWIN Gilles Fumey 27 de Junho de 2005

Le cauchemar de Darwin (Hubert Sauper)

Voici un film qui intéresse au premier chef les géographes qui voient se constituer un puzzle documentaire de la planète (de l’Argentine au Cambodge, du commerce du vin aux pamphlets politiques anti-Bush). Ce film tient autant de la provocation à la Marcel Ophuls qu’à la méthode, plus en retrait, de Raymond Depardon. Il surfe sur cette vague où l’on voit Michaël More, Wang Bing ou Rithy Panh traquer l’information sans lésiner sur l’esthétique, ce qui est toujours un pari risqué. Fallait-il raconter encore une énième

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version de L’Afrique noire est mal partie de René Dumont ou s’exercer à quelques trémolos altermondialistes sans risquer de lasser ou de s’en tenir à des procédés ?

La qualité du film tient au fait qu’il est construit comme un polar, avec de vrais détectives qui ont dû se déguiser pour faire parler des pilotes d’avion, des missionnaires d’ONG, des randonneurs, voire des hommes d’affaire australiens. Ces Philip Marlowe sont condamnés à constater le désastre de cet assassin poissonneux qui a supprimé toutes les espèces du lac Victoria. La mise en place d’une filière commerciale vers l’Europe a écarté les Tanzaniens du banquet dont ils n’ont que les restes, misérables carcasses de pourriture et de vermine qui rendent alléchante la viande des marins du Potemkine.

La honte nous saisit d’être les complices d’une pareille catastrophe humaine. Mais les maux de la Tanzanie ont-ils à voir avec cette ruée vers l’or ? Les enfants abandonnés, la pandémie du VIH, la guerre, tout cela est-il lié à ce trafic de poissons comme Sauper pourrait le faire croire avec le supposé trafic d’armes vers l’Angola ? Il y a quelques décennies, la Tanzanie de Nyerere assurait son alimentation et on pourrait se demander si la misère s’est accrue avec la loi économique du plus fort qui règne sur ces pays. Le film n’apporte pas de réponse. Tout juste a-t-on le sentiment qu’en prenant ce film comme une métaphore de la mondialisation, on se trompe de concept alors que la terminologie coloniale conviendrait toujours : le territoire n’est plus possédé par les étrangers mais les ressources le restent, comme on le dit dans le film. Ce qui tenait lieu d’armées d’occupation a été remplacé par des firmes transnationales qui font le « sale boulot ». Notre mauvaise conscience vient du fait que l’horreur dans sa crudité nous est rendue « normale », « inéluctable ». Un film-coup de poing comme celui-ci peut-il faire bouger les choses ? Ce n’est pas incertain si on prend le pouls du débat lancé par ces cinéastes de l’agit-prop dans les salles.

C’est ainsi qu’on a pu ressortir de Candide (Voltaire, 1759) ce dialogue édifiant : «En approchant de la ville, ils rencontrèrent un nègre étendu par terre, n’ayant plus que la moitié de son habit, c’est-à-dire un caleçon de toile bleue. Il manquait à ce pauvre homme la jambe gauche et la main droite.

-«Eh, mon Dieu ! lui dit Candide en hollandais, que fais-tu là, mon ami, dans l’état horrible où je te vois ?

-J’attends mon maître, M. Vanderdendur, le fameux négociant, répondit le nègre. -Est-ce M. Vanderdendur qui t’a traité ainsi ? -Oui monsieur, dit le nègre, c’est l’usage. On nous donne un caleçon de toile pour

tout vêtement deux fois l’année. Quand nous travaillons aux sucreries et que la meule nous attrape le doigt, on nous coupe la main; quand nous voulons nous enfuir, on nous coupe la jambe : je me suis trouvé dans les deux cas. C’est à ce prix que vous mangez du sucre en Europe ».

Est-ce au prix de ce qui est décrit dans Le cauchemar de Darwin que nous mangeons de la perche en Europe ? « Les Européens ont donné 34 millions d’euros pour subventionner cette économie de la perche, a précisé Hubert Sauper. J’aurais aimé qu’ils analysent ce que cela allait produire. Je leur reproche de s’être laissés séduire par le succès immédiat de cette industrie. Nous sommes spectateurs d’un succès, la globalisation du capital et nous ne sommes pas prêts à en comprendre les conséquences. Les néolibéralistes pensent que l’Afrique vit aujourd’hui une période de transition, que l’Europe a vécue aussi. Et qu’après, tout ira bien. Je ne le crois pas : dans le lac Victoria, il n’y aura plus de poisson ».

Le film est terrible car on ne voit pas l’espoir ni l’avenir. Le veilleur de nuit, Raphaël, avec son arc et ses flèches au curare qui attend la guerre, tout comme d’autres silhouettes de cette chaîne infernale, rêvent à peine d’échapper à l’enfer. Il faut dénoncer, dénoncer tout cela. Certains voient dans le documentaire nouveau style l’embryon d’une conscience mondiale citoyenne. On l’espère aussi.

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Pour aller plus loin : Le site Géoconfluences propose une brève sur la pêche dans le Lac Victoria, un

exemple de mal développement Extraído de : http://www.cafe-geo.net/article.php3?id_article=671

LA OTRA GUERRA DE LOS MUNDOS: DEPREDADORES, GLOBALIZACIÓN Y CINISMO Tònia Pallejà La Butaca

"La pesadilla de Darwin" tiene el mérito de explicar algo que no interesa a nadie, y el

valor de seguir interesada en explicárselo a todo el mundo. Porque el foco de atención de este modélico documental no es otro que África, cuna olvidada de la Humanidad, destino turístico de los privilegiados, pero, sobre todo, despensa y vertedero de las potencias blancas de Occidente que la han sumergido en un pozo de pobreza, guerra, corrupción y marginalidad in secula seculorum. La imagen que devuelve el espejo inevitablemente molesto del subdesarrollo no podría ser más nítida: es la falta de escrúpulos de aquellos que continúan expoliando a los más débiles a través de un nuevo orden de colonialismo, pero también la connivencia de los que la aprueban y la indiferencia de quienes, finalmente, apartan la mirada hacia otro lado. Es algo que a nadie le gusta escuchar, pero que no por ello deja de ser menos cierto: el Primer Mundo vive bien gracias a que en el Tercer Mundo se vive muy mal. Y es esa responsabilidad compartida lo que, en última instancia, tanto nos cuesta digerir.

Lo que nos cuenta Hubert Sauper bajo este oportunísimo título es una fábula terrorífica, más que audaz, salvaje, que trata precisamente sobre la evolución y la supervivencia del más fuerte a costa de los menos aventajados. En Tanzania, esa Naturaleza que dicta idénticas leyes para los animales y los hombres, ha servido una significativa metáfora envuelta en la ironía más despiadada. Durante los años sesenta, un pez exótico fue introducido en el Lago Victoria a modo de experimento científico a pequeña escala. La perca del Nilo resultó ser un feroz depredador para las especies autóctonas, a las que no tardó en arrasar, reproduciéndose a gran velocidad y amenazando el equilibrio ecológico de las extensas aguas. Sin embargo, la exquisita carne de aquel animal abrió un nuevo filón para las empresas extranjeras, y, en la actualidad, alrededor de la perca gira una industria multimillonaria que abastece a algunos países de Europa y Japón, donde este pescado es de consumo común. La exportación del producto enlatado en tierras africanas genera un constante tráfico de aviones rusos, que aterrizan en un rudimentario aeropuerto sembrado de esqueletos de otras naves accidentadas como consecuencia de la precariedad de las instalaciones —suena a chiste, pero no lo es: el flujo de vehículos está en manos de un semáforo de bolsillo con el que el único responsable de la cabina de control sustituye una radio inutilizada—. A diario, esta flota, mayoritariamente ucraniana, parte con una carga de toneladas de pescado, pero la voz del periodista, siempre fuera de campo, interroga una y otra vez sobre la misma cuestión: lo que le inquieta no es el viaje de vuelta, sino aquello que llevan dentro de sus bodegas en el de ida. La respuesta pertenece también al fuera de campo, disimulada o evasiva, y no hace más que confirmar las sospechas: el comercio de la perca está ligado a la introducción de armamento, que se destina a las guerras vecinas de Sudán o El Congo. Pero, además, la cadena de la perca ha hecho florecer otro negocio residual: la presencia permanente de los pilotos ha dado sentido a la prostitución como solución de emergencia ante las penosas

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circunstancias que atraviesa el país. Son las mujeres tanzanesas que venden su compañía al personal aéreo por precios irrisorios, jugándose a menudo la vida entre hombres de paso a quienes nadie pedirá explicaciones si algo va mal.

No obstante, la más atroz de las paradojas servidas por la globalización está aún por llegar: la perca que alimenta cada día a dos millones de personas en el exterior y engrosa las arcas de las multinacionales, mata literalmente de hambre a los habitantes de Tanzania. La gente que vive alrededor del lago tiene prohibido pescar para consumo privado para no perjudicar la venta, y la industrialización ha disparado los precios de este pescado hasta extremos tan inalcanzables para la población civil, que tienen que conformarse con comer sus desechos. Un camión transporta desde la fábrica hasta los arrabales montañas de cabezas y raspas en estado de descomposición que otros se encargan de ahumar en extensos caballetes de madera, poniendo en peligro su salud por el ácido que se desprende. Se trata de una manufactura que discurre paralela a la de las factorias: la que cubre el mercado interior. Y suma y sigue, porque todavía existe un último eslabón más trágico, si cabe, que saca provecho del proceso de envasado. Con el plástico sobrante, los niños que malviven sin techo por las calles de Mwanza y Musoma, obtienen una cola líquida que inhalan para desconectar de una rutina de abusos sexuales y mendicidad.

Lamentablemente, las desgracias que desangran a Tanzania no se acaban aquí. Está también el azote periódico de la hambruna, la amenaza constante de los conflictos bélicos, y las ONGs, que han convertido la ayuda humanitaria en otra fuente de lucro, porque sus clientes son el hambre, la muerte y la enfermedad, y sin clientes no existe justificación. Está la plaga del SIDA, esos críos que acuden a la droga más pedestre, y está esa otra droga, la de la religión, con Jesucristos blanquísimos en Technicolor, cuyos ministros condenan el uso del preservativo porque es pecado, mientras lamentan la alarmante propagación del VIH. Y están, por último, las autoridades políticas y espirituales, preocupadas por la mala imagen que se pueda ofrecer en el exterior, porque ellos quieren, textualmente, "vender el país" y así no hay manera, frente a la hipocresía de los supervisores de la Unión Europea, que durante sus visitas de rigor dan el visto bueno a todo lo que ven y a lo que no ven... o prefieren no ver.

Sauper, director y guionista del proyecto, no deja títere con cabeza en este fresco desgarrador que se va extendiendo ante nuestros ojos, porque, simple y llanamente, aquí hay muchos títeres, pero ya no queda ninguna cabeza que se pueda erguir con orgullo, ya sea por vergüenza o desesperación. Su historia es la del pez grande que devora al pequeño, una espiral de atrocidades que, como la pescadilla, se muerden la cola, y esa perca omnipresente como catalizador de ese otro depredador que es el hombre. Hay una escena que resume a la perfección el sentido alegórico de la película: un pez mecánico que cuelga del despacho del ufano director de la fábrica canta el "Don't worry, be happy" mientras se contonea. Es éste, por supuesto, un mensaje teñido de sarcasmo que va dirigido al Primer Mundo: aquí todo está bajo control. Más desarmante resulta, sin embargo, la actitud de los ciudadanos negros que, aun sumergidos en todas las adversidades posibles, no han perdido su capacidad para reír, soñar, luchar, solidarizarse... Nunca se lamentan, no maldicen, no gimotean; en cambio, agradecen tener todavía un trabajo y algo que llevarse a la boca al cabo del día. Se trata de la mayor lección de humildad y dignidad que un ser humano puede regalar a otro, y que contrasta con el fácil victimismo que aflora en las naciones desarrolladas a las primeras de cambio.

Haciendo de la escasez de medios una virtud, y siguiendo el hilo de sus propios descubrimientos, este soberbio film nos depara un discurso visual austero, oscuro, granuloso, sólo aparentemente errático, porque avanza en cículos concéntricos, si no viciosos, igual que el destino turbio y estancado de sus protagonistas, ampliando con cada nueva vuelta la perspectiva, profundizando en los temas y poniendo de relieve nuevos lazos. Como si trazara pinceladas aisladas, este realizador de origen tirolés nos acerca a la

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actividad alrededor del lago, a los ejecutivos y empleados de las factorías, a la intimidad del personal aéreo y a sus chicas de recreo. La cámara pasea por las barracas de una comunidad integrada por pescadores y prostitutas, confinados en una isla como si fueran una suerte de leprosos sociales, para quienes la muerte es más cara que la vida; desciende a las calles desérticas que de noche se pueblan por esa infancia abocada al vagabundeo y la autodestrucción; se introduce en las reuniones de los altos estamentos y en las hogueras que congregan a los desposeídos en la playa. De los despachos a las chabolas, de la pista del aeropuerto al interior de las casas, del banquete de unos a las migas que recogen los otros, del paisaje natural al rostro humano. En este recorrido sórdido y grotesco surgen testimonios descorazonadores, como el del vigilante nocturno que ha conseguido el trabajo porque mataron a su antiguo compañero y se protege con un puñado de flechas de punta envenenada, el de la mujer desahuciada por el virus a la que sólo le queda esperar a la muerte, o el de esa otra que se tapa el ojo que perdió y aguarda una operación que probablemente no llegará. Pero son las escalofriantes escenas las que, en definitiva, se pegan a la boca del estómago y aniquilan cualquier atisbo de cinismo: esas manos y esos pies hundiéndose en los restos del pescado putrefacto que luego se comerán, donde los gusanos se confunden con el fango, son imposibles de olvidar. El resultado final de estos retazos, engañosamente inconexos, fatídicamente vinculados, es un paisaje dantesco ante el que uno no sabe si sentir asco o pedir perdón. Llamar notas de humor a ciertos momentos de distensión sería obsceno: la risa se queda congelada cuando nos damos cuenta de lo que la motiva.

Aun así, es el impecable tratamiento que se le ha dado a todo este material lo que aumenta su valía. "La pesadilla de Darwin" posee el rigor de la honestidad y la modestia: el autor cede todo el protagonismo posible a los afectados a través de imágenes y conversaciones en estado puro, silencios que respiran, elocuentes miradas y gestos, apenas pautados por unos rótulos que nos sitúan, subrayan o contrastan aquello que observamos y oímos. Pero, más allá de la fuerte impresión que genera, de sus contundentes revelaciones o de la denuncia que suscita, existe algo que hace de este documental, tan incómodo como de obligado visionado, un ejemplo a seguir. Sauper ha confeccionado un producto inteligente destinado a los que considera espectadores inteligentes, porque enseña sin juzgar, transmite sin manipular, pone en relación sin necesidad de colgar etiquetas, y secuestra el interés con contenidos y no con especias —no hay música, ni montajes efectistas, ni voces en off, que amenicen o sobredimensionen este brutal descenso a los infiernos—. Y encontrarse hoy en día con algo así, que rehuya el panfleto y sortee la tentación de complacer, para que cada uno extraiga luego su propia valoración, es un milagro. De hecho, el cojín de premios que lo respaldan —incluido el de Mejor Documental en los Premios del Cine Europeo— son una nadería frente al incontestable aval que otorga la realidad desquiciante a la que nos aproxima. No hace falta recurrir a las ficciones alienígenas de Spielberg con las que comparte cartelera para asistir a la guerra de los mundos más perversa.

La conclusión no podría ser más pesimista. Pero si cambiar el curso de la Humanidad supera la utopía, abrumarnos por nuestra cuota de culpa es, como mínimo, impagable: "La pesadilla de Darwin" no sirve, ni mucho menos, para sentir lástima por los otros, sino para sentir vergüenza de nosotros mismos. Sin ningún género de dudas, uno de los documentales más impactantes y memorables que se hayan podido ver, uno de los más necesarios y valiosos que se hayan podido producir. Por el arrojo y la lucidez con que nos implica a todos y cada uno, no cabe sino agradecerle la bofetada.

Extraído de http://www.labutaca.net

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A IMPORTÂNCIA DO FILME “ O PESADELO DE DARWIN” Sylvie Touboul Margaret Nakato, co-Presidente do Fórum Mundial dos Pescadores e dos

Trabalhadores da Pesca projectou o filme O Pesadelo de Darwin para os pescadores da pequena aldeia de Katosi, à beira do lago Vitória.

As reacções dos pescadores foram comoventes, sem cólera. Longe de designarem os culpados ou de se posicionarem contra as regras inequitativas do comércio internacional, estas foram mais do domínio da auto-crítica e sublinhavam as urgências. As crianças, privadas de educação; a poluição inquietante do lago; a epidemia de sida (16% de doentes nas comunidades de pescadores, contra 6% no resto do país); a prostituição; a necessidade de encontrarem alternativas à pesca, de “não venderem o logo Vitória”, de obterem ajudas do governo, de organizarem-se melhor graças às associações locais e internacionais, como o Fórum Mundial dos Pescadores. “Foi comovente mostrar este filme” testemunha Nakato. “Certas pessoas choravam, mas isto pode ter um impacto muito formativo, exactamente.”

É também na Europa que Margaret Nakato espera ser a porta-voz destes pescadores do lago Vitória, apoiando-se sobre a tomada de consciência que se criou com a passagem do filme. Nakato veio a França e encontrou-se com responsáveis do sector da pesca, em especial, na Bretanha. Sem apelar ao boicote da perca do Nilo, espera fazer reagir os mais altos níveis de decisão europeus.

A partida está longe de ser ganha. De facto, em Junho de 2005, Marie-Helène Aubert (grupo dos Verdes) interrogou as autoridades europeias sobre a gestão dos fundos europeus para o desenvolvimento em África, tendo em conta as consequências desastrosas da exploração intensiva da perca do Nilo, mostradas em O Pesadelo de Darwin. A União Europeia, na sua resposta que foi dada em Setembro, precisa que o filme não tem críticas sobre responsabilidades da União Europeia na introdução da perca do Nilo nem no estabelecimento das fábricas de produção intensiva. A União Europeia, simplesmente contribuiu para melhorar as condições de produção e de controlo sanitário dos produtos da pesca, para um melhor acesso ao mercado mundial destes produtos, a fim de reduzir a pobreza. Enfim, a União Europeia precisa “que a perca do Nilo nunca fez parte da

alimentação tradicional da população local” e sublinha a incontestável elevação do nível de via das comunidades que vivem à beira do lago e a inserção deste programa numa lógica de desenvolvimento sustentável.

Hubert Sauper comentou este texto, lembrando que a única visão durável da União Europeia e do Banco Mundial era um cínico círculo vicioso: “aumentar por todos os meios os rendimentos dos países tais como a Tanzânia para os ajudarem a financiarem… as suas dívidas”.

Excertos de: Sylvie Touboul, Le cauchemar de Darwin pour réveiller les pêcheurs

africains et l’EU.

Fonte: http://www.novethic.fr

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Parte II OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O DRAMA DA DÍVIDA EXTERNA -

UMA TRAGÉDIA EM VÁRIOS ACTOS

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ACTO I. DÍVIDA LIQUIDADA, CABEÇA LEVANTADA Um homem rico e bem estabelecido diz a um ambicioso que também o quer ser: Quem paga a sua dívida, enriquece-se. O outro responde: Como é que eu posso enriquecer se, para reembolsar a minha dívida, sou obrigado a endividar-me de novo? O rico responde: Vê-se mesmo bem que és um novato nestas coisas. Só tens que fazer como eu: empresta a outros. O outro: Mas a quem? O rico: Volta-te está um pobre atrás de ti, e ele quer contrair um empréstimo. Empresta-lhe. O outro: Eu empresto-lhe ou ele empresta-me? O rico: É igual. Fazes-me perder o meu tempo e vais-me dever mais. O outro, espantado: Porquê? O rico: Porque o tempo é dinheiro. Não te tenho sempre dito? O outro: Não. O tempo faz dinheiro? O rico: Sim, com a condição de que um pobre trabalhe durante esse tempo. O outro: Eu pensava que só se emprestava aos ricos. O rico: Empresta-se aos ricos que têm muitos pobres que trabalham para eles e a certos pobres que trabalham duas vezes mais. O outro: Mas o que produzem os pobres pertence-lhes. O rico: Não, se tu emprestaste a um pobre para que ele trabalhe, o que ele produzir é para ti. O outro: Já compreendi a quem se deve emprestar. Mas com quê? O rico: Já te disse. Eu empresto-te. O outro: Mas tu, de onde é que tu tens o que me emprestas? O rico: Ah, é isso. Tu não compreendes mesmo nada. Eu conheci outros pobres antes de ti! Mas ainda há muitos mais. Despacha-te que eu quero ir agarrá-los. E depois cala-te para que não nos ouçam.

História verdadeira. História sórdida. A história da geração de uma dívida que não existia há quarenta anos e que hoje atinge 2030 mil milhares de milhões de dólares, mais 465 mil milhares de milhões de dólares referentes aos países de leste. Em suma, um total de 2500 mil milhares de milhões de dívidas dos países mais pobres do planeta às grandes instituições financeiras internacionais, aos grandes bancos ocidentais ou aos Estados desenvolvidos. A história de uma formidável punção operada pelo sistema financeiro capitalista mundial sobre os povos mais empobrecidos. Uma punção que é normalmente programada para ser sem fim graças a um mecanismo infernal de reprodução da dívida a uma escala cada vez mais vasta, que só poderá ser cortada por uma anulação pura e simples da dívida. A engrenagem da dívida

Depois da 2ª guerra mundial o mundo descobre a realidade do subdesenvolvimento. É a época das lutas pela independência face às potências coloniais ou face aos dois blocos da guerra fria. Nos anos 50, emerge uma consciência do Terceiro Mundo com as conferências de Bandung (1955) e mais tarde de Belgrado (1961) e de Argel (1973). Alguns países iniciam no decorrer dos anos 50 e 60 processos de desenvolvimento económico sobre uma base nacionalista, por vezes, seguindo uma via não capitalista. Pense-se na Índia de Nehru, na Jugoslávia de Tito, no Egipto de Nasser, na Cuba de Castro e de Che Guevara, na China de Mao.

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Estes começos de desenvolvimento fazem-se sem se subordinarem completamente a processos de financiamento de que eram mestres os bancos e as instituições internacionais. A maior parte dos fluxos de capitais indo do Norte para o Sul são, nos anos 50 e 60, de origem pública. A subordinação do Terceiro Mundo, nesta época, passava essencialmente ou por um colonialismo clássico ainda não eliminado ou por um não controlo da exploração e do preço das matérias-primas em cuja produção os países do terceiro mundo se tinham especializado. As duas principais manifestações desta subordinação eram então a troca desigual e a degradação dos termos de troca. Estes dois problemas subsistem ainda hoje, mas são agravados pela engrenagem da dívida.

Tudo vai mudar, a partir dos anos setenta sob a conjunção de duas séries de acontecimentos concomitantes.

A primeira é a crise do capitalismo que aparece nesta altura e que se traduz por uma baixa da rentabilidade do capital, isto é, das oportunidades de lucro, por um afundamento em 1971 do sistema monetário internacional fundado em Bretton-Woods com a queda do dólar já minado pela acumulação de dólares no mundo e pelo quadruplicar do preço do petróleo em 1973.

Os grandes bancos ocidentais vão encontrar-se com enormes somas em dólares, acumulados ao longo dos anos devido ao défice da balança de pagamentos americana e repentinamente acrescidos com o primeiro choque petrolífero. Estes, vão pois, num momento em que o crescimento dos países industrializados dá os primeiros sinais de fadiga, ser forçados a um frenesi para concederem créditos fáceis aos países do terceiro mundo e incitá-los ao recurso a estes créditos. As taxas de juro reais são muito baixas devido a uma forte inflação. E ainda, por sorte para os países do terceiro mundo, a baixa do preço das matérias primas durante a década dos anos 70 prometia-lhes receitas de exportação capazes de ajudá-los a pagarem os empréstimos A consequência é que de 1973 a 1981 os créditos dos bancos privados sobre os países em vias de desenvolvimento progrediram à média anual de 28%. De 1974 a 1982, a rácio da dívida externa sobre as exportações passou de 72,2% para 113,7% e o rácio do serviço da dívida sobre as exportações passou de 8,5% para 17,2%. Esta deterioração dos rácios é sobretudo marcada na América Latina (o dobrar do primeiro rácio; e 26,4% para o segundo) e em África (triplica o primeiro rácio; o segundo só progride 13,3% porque a parte dos financiamentos públicos permaneceu importante). Só, a do Sudeste mantinha rácios mais suportáveis porque beneficiava de um crescimento forte e de exportações importantes. O segundo elemento explicativo da subida rápida do endividamento é mais político. No início dos anos 70, as elites capitalistas tomavam consciência que havia um grande risco de verem o terceiro mundo passar seguir a via de desenvolvimento alternativo o que era entendido como uma ameaça comunista. Os Estados Unidos atolaram-se no Vietname e aprontaram-se a sofrer uma derrota, o Chile tenta uma experiência original com Allende e, mesmo na ponta da Europa, Portugal desfaz-se da ditadura de Salazar com a revolução dos cravos. Também a ONU assim como instituições como o FMI ou o Banco Mundial lançam elas, por sua vez, a ideia de “decénios do desenvolvimento” anunciando para amanhã o fim da miséria e da mal nutrição no mundo. A revolução agrícola verde deve impedir a revolução vermelha. Todos os projectos de desenvolvimento apresentados pelos países do terceiro mundo forem aceites sem qualquer reticência e mesmo encorajados, fossem eles faraónicos e destruidores do ambiente, como a barragem de Inga, no ex-Zaire, a de Narvada na Índia, a de Kedung Ombo na Indonésia ou como a auto-estrada trans-amazónica no Brasil, ou fossem eles, e com mais forte razão, comandados por regimes ditatoriais ou fascistas como a Indonésia de Suharto, o Brasil dos militares, a Argentina de Videla e mais tarde o Chile de Pinochet.

Esta conjuntura financeira que se teria podido considerar como favorável aos países do terceiro mundo não podia durar. Favorável, porque um endividamento não é qualquer

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coisa de mal em-si mesmo sobretudo se as taxas de crescimento e principalmente as taxas de crescimento das exportações forem superiores às taxas de juro reais. Ora, imediatamente após o segundo choque petrolífero, em 1979, os Estados Unidos efectuam uma viragem completa da sua política monetária. Para acabar com a inflação e afastar a queda de valor do dólar, o FED inicia uma política de taxas de juro elevadas que se vai rapidamente propagar ao mundo inteiro e ter consequências desastrosas para os países do terceiro mundo muito endividados. Não somente o custo do crédito se encontra brutalmente encarecido porque 70% da dívida tinha sido contraída a taxas de juro variáveis, mas também este encarecimento dá-se no momento em que termina o período fausto para o terceiro mundo no que se refere aos preços das matérias-primas que recomeçam a baixar no início dos anos 80.

Resultado: as receitas de exportação que permitiam a obtenção de divisas estão em baixa e aumenta a necessidade de se contraírem novos empréstimos para pagar os anteriores. Simultaneamente, os países desenvolvidos entram em recessão uma vez que as políticas de austeridade monetária agravaram os efeitos do 2º choque petrolífero. Seguiu-se que as importações dos países desenvolvidos com origem nos países em vias de desenvolvimento se contraíram, precipitando estes para a crise.

A primeira crise do endividamento aparece em Agosto de 1982 quando o México anuncia que não está em condições de poder honrar o serviço da dívida e que deixa de reembolsar e de pagar os juros. Esta cessação de pagamento aparece depois da degradação das capacidades de pagamento pelas razões que acabámos de invocar e depois da saída de uma enorme massa de capitais internacionais (22 milhares de milhões de dólares) que fugiam de uma moeda considerada sobreavaliada.

A crise do México abala o sistema financeiro internacional, e tanto mais fortemente que este país era considerado como um dos mais fiáveis tendo em conta as suas reservas petrolíferas. A vulnerabilidade do sistema bancário aparece à evidência uma vez que o montante do endividamento externo dos países do terceiro mundo atinge, no final de 1982, 635 milhares de milhões de dólares e que este endividamento está muito concentrado, pois perto da metade do total está assumido somente por 5 países (Brasil, México, Argentina, Coreia do Sul e Venezuela).

É a questão crucial para a compreensão das questões da resolução da crise da dívida. Pelas suas ligações com a América Latina e a sua dominação sobre ela, os Estados Unidos têm os seus bancos muito implicados com os países mais endividados do terceiro mundo. Os créditos sobre o Brasil, a Argentina, a Venezuela e o Chile representavam, em 1982, 141% dos fundos próprios da Morgan Guaranty, 158% dos do Bank of América, 170% dos do Chemical Bank, 175% dos da City Bank e 263% dos do Manufactures Hannover.

Desde então, a palavra de ordem financeira, bancária e política internacional torna-se, não em salvar os países endividados, mas sim em salvar os bancos credores da falência. E é aqui que entram em cena o FMI e o Banco Mundial. Excertos de: Jean-marie Harribey, « Qui annule sa dette relêve sa tête », Universidade de Bordeaux, Janeiro de 2001.

ACTO II. A GESTÃO DA CRISE DO ENDIVIDAMENTO DEPOIS DE 1982

Para cuidar das suas economias gangrenadas pela crise da dívida, os países em vias de desenvolvimento (os PED) foram sujeitos à imposição de um tratamento de choque,

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exigido pelos países do Norte e que esconde bem o seu nome: o consenso de Washington1. Este remédio, considerado regulador da crise, aniquila de facto toda e qualquer esperança de desenvolvimento dos PED. 1. O consenso de Washington como remédio para a crise do endividamento

Depois dos finais dos anos setenta, assiste-se a um retorno das políticas liberais. De facto, os keynesianos não conseguem fazer sair as economias ocidentais de uma situação de estagnação com inflação e as políticas tradicionais de relançamento da economia mostram os seus limites. Do lado dos PED, os modelos de desenvolvimento “autocentrados”, baseados em políticas de substituição de importações, não produziram os resultados esperados. O anúncio feito pelo México, em Agosto de 1982, vai ser a ocasião para os liberais testarem os seus remédios sobre os países do Sul. Assim, vendo que esta crise poderia ter más repercussões sobre a estabilidade do sistema financeiro internacional, o Fundo Monetário internacional, passado para segundo plano depois do afundamento de Bretton-Woods, vai reencontrar a situação que o coloca à boca de cena. Com o seu acordo, as instituições financeiras internacionais (IFI) o Banco Mundial e o FMI vão gerir os interesses dos Estados do Norte e tentar coordenar a acção dos bancos. É pois neste contexto de retorno ao liberalismo que se vai colocar em marcha o consenso de Washington, cujo conteúdo é resumido por Williamson em dez mandamentos:

1) Austeridade orçamental: limitar as despesas públicas para evitar a inflação e os défices;

2) Reforma fiscal: aumentar o número de contribuintes, diminuir as taxas elevadas e generalizar o IVA;

3) Política monetária ortodoxa: as taxas de juro reais devem ser positivas para atrair os capitais internacionais;

4) Taxas de câmbio competitivas: desvalorizar a moeda para tornar as exportações atraentes;

5) Liberalização: baixar as barreiras tarifárias comerciais (direitos alfandegários) para acentuar o comércio internacional e dar uma total liberdade aos movimentos internacionais de capitais;

6) Competitividade: atrair os investimentos directos estrangeiros (IDE) para financiar o desenvolvimento garantindo-se uma igualdade de direitos com os capitais nacionais;

7) Privatização: vender os activos estatais para sanear as finanças públicas e desenvolver as empresas privadas, supostas melhor geridas;

8) Redução dos subsídios: suprimir os subsídios agrícolas, ao consumo, etç e deixar o mercado determinar o “justo preço” dos bens;

9) Desregulamentação: eliminar todas as regras que entravem a iniciativa económica e a livre concorrência;

10) Direitos de propriedade: reforçar os direitos de propriedade para promover a criação privada de riquezas.

A orientação é claramente neoclássica. Trata-se de proclamar a supremacia do mercado na afectação de recursos, de favorecer as trocas privadas, únicas criadoras de riqueza, e de suprimir toda e qualquer intervenção do Estado, limitando o papel do Estado. É neste contexto que vão aparecer os programas de ajustamento estruturais elaborados

1 A expressão é de Williamson, que define Washington “como o Washington político do Congresso, os altos funcionários da administração e o Washington tecnocrático das instituições financeiras internacionais, dos organismos económicos do governo, da Reserva Federal e dos grupos de reflexão”.

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pelas IFI. O objectivo assumido destes programas é o de “sanear” as economias dos países endividados afim de assegurar a sua inserção no mercado mundial e permitir-lhes, em virtude das suas vantagens comparadas, o desenvolvimento das actividades exportadoras gerando as divisas necessárias ao reembolso da dívida. Os países endividados não têm então outra alternativa senão aceitar as condições determinadas pelas IFI se querem obter reestruturações da dívida. Mas, esta aceitação tem como contrapartida o colarem sob a tutela das IFI as suas economias.

Assim, um país confrontado com problemas de endividamento deve cumprir duas condições se quer conseguir uma reestruturação da sua dívida. Primeiramente, deve ter um suporte de pagamento e encontrar-se em risco de “não pagamento eminente”, isto é, já em risco de não poder honrar o serviço da sua divida. Em seguida, deve ter concluído com o FMI um acordo no que se refere a um programa de ajustamento estrutural. Preenchidas estas duas condições, o país poderá passar diante do Clube de Paris a fim de reestruturar a sua dívida bilateral

2 ou diante do Clube de Londres a fim de reestruturar a sua dívida

privada. Ele encontrar-se-á assim, sozinho, face ao grupo organizado dos credores, uma vez que os bancos, como os Estados do Norte, adoptam uma abordagem país a país, a fim de manterem um controlo sobre os seus devedores.

As operações de reestruturação assumem as seguintes quatro formas: a) O reescalonamento, que consiste numa modificação das datas ou o deferimento

para mais tarde do pagamento do principal e ou dos juros. O objectivo é o de dar um pouco de oxigénio a um país em dificuldade. Nos actos, trata-se de perpetuar os créditos com o objectivo de manter os PED sob controlo. Assim, o Clube de Paris

negociou 174 acordos de reescalonamento entre 1976 e 1998 no montante de 55 milhares de milhões de dólares. O clube de Londres conhece uma actividade muito mais importante porque a dívida privada representa mais de 60% da dívida total dos PED.

b) O refinanciamento, que consiste na concessão de novos empréstimos pelas IFI, pelos Estados e pelos bancos do Norte. Na prática, face ao desenvolvimento crescente dos bancos nos anos 80, o FMI vai emprestar aos países em crise a fim de que eles possam reembolsar os bancos do Norte. Assim, a dívida aumenta sem que as populações se aproveitem das somas emprestadas.

c) A conversão, que consiste numa mudança de natureza da sua dívida. O mercado secundário dos créditos mal parados, aparecido em 1983, quando os credores privados procuraram individualmente fazerem-se pagar das dívidas com desprezo pelos acordos feitos em Londres, foi lugar de numerosas inovações que serão institucionalizadas com o Plano Brady em 1989, que reconhece, então oficialmente, que a dívida dos PED não pode mais ser paga pelo seu valor facial. Os créditos podem então ser convertidos em activos reais ou ainda em títulos.

d) A anulação, que consiste em reduzir o stock da dívida, é o instrumento menos utilizado porque ele volta a dar margem de manobra aos PED. Em resposta às críticas que lhes são dirigidas, as IFI vão portanto desenvolver esta prática a partir de 1996, através da iniciativa países pobres muito endividados (PPTE).

2. O consenso de Washington como travão ao desenvolvimento

2 A dívida multilateral é em princípio excluída das operações de reestruturação e isto por duas razões: primeiramente, tanto o devedor como o credor fazem geralmente parte das IFI e beneficiam em consequência desta excepção. Em seguida, considera-se que as IFI participam já na resolução do problema da dívida ao continuarem a assegurar o financiamento dos devedores. A situação evoluiu desde 1996.

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Depois de vinte anos de aplicação das receitas liberais saídas do consenso de Washington, o balanço é largamente negativo para os PED quer seja ao nível da sua dívida ou, mais geralmente, quer seja ao seu nível de vida. 2.1. O consenso de Washington não resolveu os problemas do endividamento

O Plano Brady, posto em acção em 1989, marca para alguns autores o fim da crise da dívida dos anos 1980. Contudo, apesar dos reembolsos efectuados durante dez anos, a dívida dos PED mais do que dobrou e atinge em 1990 1.450 milhares de milhões de dólares. De facto, este plano permite aos PED acederem de novo aos mercados de capitais internacionais3. Para o fazerem, tiveram que aceitar abrir as suas economias afim de atrair os capitais estrangeiros. As medidas preconizadas são sempre as mesmas. Trata-se de assegurar uma perfeita mobilidade dos capitais e de garantir os direitos dos investidores directos estrangeiros (IDE) a fim de permitir aos PED investirem mais do que a sua poupança sem alargar o défice nos pagamentos.

Nos actos, a liberalização dos movimentos de capitais acresceu a sua volatilidade e aumentou a instabilidade financeira. Nos países com uma saúde económica precária, a liberalização financeira traduziu-se por fugas maciças de capitais. Os países que, como os tigres asiáticos, apresentavam situações económicas sãs também não foram poupados. Terá bastado um ataque especulativo sobre a moeda tailandesa (o bath) em 1997 para que as economias emergentes da região tenham sido brutalmente afectadas. Como o mostrou muitíssimo bem Keynes no capítulo XII da sua Teoria Geral os agentes económicos intervenientes nos mercados financeiros têm comportamentos típicos de rebanhos de carneiros de tal modo que as suas antecipações formuladas têm frequentemente um comportamento de auto-realização. Assim, quando a economia tailandesa começou a vacilar, os investidores temeram que esta crise se propagasse aos países vizinhos e decidiram retirar o mais cedo possível os seus capitais, sem que houvesse nenhuma barreira a impedirem, precipitando assim países como a Indonésia ou a Coreia do Sul para a crise que eles temiam.

Depois do México em 1994, as crises financeiras dos países emergentes têm tido todas como origem os movimentos de enormes volumes de capitais privados e extremamente voláteis característicos da liberalização financeira,4 tendo tido maior incidência sobre os países que tinham taxas de câmbio fixas, tornando, com este facto, completamente ineficaz a sua politica monetária5. A fim de reencontrarem as suas margens de manobra, os países em crise tinham que se resignar a deixar flutuar a sua moeda (uma vez que o consenso de Washington impõe a livre circulação de capitais), para que esta se deprecie então a grande velocidade o que se traduz numa elevação importante do valor da sua dívida.

Em cada uma das crises financeiras dos anos 90 o pirómano FMI agarrou-se à sua bela farda de bombeiro e tentou apagar o incêndio — de que tinha sido, ele próprio e pelo menos parcialmente, o autor do fogo posto ― concedendo créditos aos 8 países mais 3 Na verdade só uma vintena de países emergentes pode aceder aos mercados de capitais internacionais. Os países mais pobres estão dependentes da boa vontade dos países do Norte — através da ajuda pública ao desenvolvimento — e das IFI. 4 Estes movimentos de capitais assumem a forma de créditos interbancários, de IDE, de subscrições de obrigações de Estado e de compra de acções nas bolsas estrangeiras, isto é, de investimentos de porte-fólio realizados por fundos de pensões, por exemplo. Os créditos bancários — o que se chama de financiamento intermediário — representavam, em média, 11,7% dos fluxos privados com destino aos PED no período 1990-1997 contra 63,9% no período 1973-1981. 5 Foi Mundell que mostrou, com a ajuda do seu triângulo das incompatibilidades, que uma política monetária eficaz exige que se abandone ou o regime de câmbios fixos ou a mobilidade dos capitais.

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afectados6 de mais 300 milhares de milhões de dólares. Entre 1995 e 2000, a condição para estes créditos era a de que estes servissem prioritariamente para o reembolso dos credores do Norte. Assim, são as populações dos PED que devem agora suportar as consequências dos riscos assumidos pelos especuladores que os afundaram na crise reembolsando uma dívida de que eles não sentiram nenhum efeito sobre as suas condições de vida.

Os IDE são considerados favorecer as transferências de tecnologia e de competências do Norte para o Sul. Ainda aí, a realidade é outra. Se os IDE em direcção aos PED efectivamente conheceram uma certa progressão, nos anos 907 constata-se que uma parte crescente destes fluxos assume a forma de fusões e aquisições de empresas existentes, não consistindo pois em investimentos produtivos. É o caso quando os Estados devem aplicar as receitas do consenso de Washington privatizar as empresas públicas8.

Fluxo a longo prazo para os PED (em milhares de milhões de dólares)

Tipo de fluxos 1991 1994 1997 2000 Fluxos públicos 60,9 48,0 42,8 38,6 Fluxos privados 62,1 175,7 299,8 257,2

Muito frequentemente, trata-se só de uma transferência de propriedade e de controlo

das empresas para empresas estrangeiras, o que se acompanha não menos frequentemente de despedimentos e de fecho de unidades de produção. A isto se acresce o facto de que, graças à liberalização dos movimentos de capitais, as multinacionais procedem ao repatriamento maciço dos lucros.9

No total, a aplicação do consenso de Washington, longe de resolver a crise do endividamento dos anos 80, participou no aparecimento da crise do endividamento dos anos 90. Os países emergentes viram de novo o fardo que constitui a sua dívida externa crescer crescendo a sua dependência face aos seus credores. Por seu lado, os países mais pobres, que não têm acesso aos mercados internacionais têm sempre outras tantas dificuldades a assegurar o reembolso da sua dívida, se bem que as IFI comecem a integrar a ideia de que as acumulações de dívidas são necessárias. 2.2. O consenso de Washington aumentou a pobreza e as desigualdades

O consenso de Washington não permitiu que se saísse da espiral da dívida na qual se deixaram encerrar os PED desde há vinte anos.

Antes, pelo contrário, parece que contribuiu para manter este fenómeno que constitui um poderoso instrumento de dominação sobre os países endividados. As medidas impostas através dos planos de ajustamento estruturais tiveram, peloÿÿeu lado, consequências dramáticas sobrÿÿa situação macroeconómica dos PED.

A austeridade orçamental traduz-se por uma redução drásticas das despesas sociais (de educação, saúde, habitação, infra-estruturas) que não são rentáveis a curto prazo. A isto se acrescem os despedimentos de funcionários e o congelamento dos salários — ou mesmo a sua redução. Do lado das receitas, a política fiscal deve favorecer, segundo a teoria

6 Trata-se do México, Tailândia, Indonésia, Rússia, Brasil, Turquia e Argentina. 7 Representavam 50,3% dos fluxos privados para os PED no período 1990-1997 contra 16,8% entre 1973 e 1981. 8 O governo de Carlos Menem “soldou” assim 90,% do sector bancário argentino e 40% das empresas nacionais às firmas multinacionais a fim de recuperar as divisas necessárias ao reembolso da dívida externa do país. A Vivendi, por exemplo, gere a distribuição de água e, conjuntamente, com o operador espanhol Telefónica, o telefone argentino. 9 Em 2001, as firmas multinacionais repatriaram 55 milhares de milhões de dólares de lucros realizados nos PED, enquanto simultaneamente os PED 51 milhares de milhões de dólares de APD.

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liberal, as camadas de maior disponibilidade de rendimentos que assim podem constituir a poupança necessária ao financiamento dos investimentos produtivos. Na realidade, empobreceu-se um pouco mais as camadas da população já desfavorecidas e permitiu-se às camadas de maiores rendimentos, graças à liberalização dos movimentos de capitais, colocar as suas poupanças no estrangeiro, reforçando assim a dependência financeira dos países endividados. Além disso, as privatizações impostas, se elas permitem reduzir o défice orçamental, conduzem à re–colonização económica dos PED. Praticamente o retorno ao equilíbrio orçamental visa a limitar o endividamento do Estado a fim de que o reembolso da dívida pública interna não se substitua ao da dívida pública externa. Para o conseguir, não se hesita a condenação de uma grande parte da população à miséria através de políticas que os próprios países do Norte se têm recusado eles próprios a aplicarem em situações parecidas.10

A política monetária ortodoxa, baseada em taxas de juro reais elevadas, permite atrair os capitais internacionais, que se assumem como capitais altamente especulativos. O investimento interno é desencorajado porque os custos são muito importantes e a rentabilidade é mais do que aleatória, o que tem repercussões sobre o nível de produção nacional. A ausência de investimentos públicos, para permitir, principalmente, melhorar as infra-estruturas, agrava ainda mais a situação. Além do mais, as taxas de juro reais elevadas aumentam a carga da dívida pública interna do Estado e alarga o défice orçamental que se considera importante eliminar, e, daí, uma nova vaga de reduções de despesas públicas.

Em matéria comercial, a lógica liberal fez igualmente as suas razias. Os subsídios aos produtos essenciais (pão, arroz, leite, açúcar, combustível…) que os governos dos PED praticavam afim de reduzir os efeitos da inexistência de um rendimento mínimo garantido são suprimidos, por ordem do FMI e do Banco Mundial, o que provoca distúrbios sociais nestes mesmos países. Por exemplo, o plano de ajustamento estrutural posto em prática no Peru em 1991 teve efeitos particularmente devastadores: numa noite, o preço da gasolina foi multiplicado por 31 e o do pão por 12. A cólera reapareceu devido às dificuldades da população em cozer os alimentos assim como para fazer ferver a água e torná-la potável, por falta de combustível.

A desregulamentação e a abertura total dos mercados agravam os problemas dos PED. Longe de favorecer o consumo, fazendo baixar os preços, estas medidas permitem sobretudo às firmas multinacionais conquistarem partes de mercado inundando os PED de produtos subsidiados ― em clara violação das regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) ― e originando o desaparecimento dos produtores locais. A baixa dos preços prometida transforma-se então, frequentemente, em alta, implicando assim inflação e desemprego.11

10 Stiglitz sublinha que “os países do mundo em desenvolvimento não deixam de perguntar porque é que os Estados Unidos, quando são confrontados com uma crise económica, se pronunciam por políticas orçamental e monetária expansionistas, enquanto, quando eles se encontram, eles próprios, os Estados Unidos, na mesma situação, exigem que eles façam exactamente o contrário”. 11 Contudo, como o sublinha Stiglitz, “a maior parte dos países industrializados avançados ― entre os quais o Japão e os EUA ― têm desenvolvido a sua economia protegendo judiciosamente certos dos seus ramos, até ao momento em que eles são suficientemente fortes para enfrentarem a concorrência externa. (…) Forçar um país em desenvolvimento a abrir-se aos produtos importados que vão rivalizar com algumas das suas indústrias, perigosamente vulneráveis à concorrência dos seus homólogos estrangeiros, bem mais poderosos, pode ter desastrosas consequências ― sociais e económicas. Os camponeses pobres dos países em desenvolvimento não podem evidentemente resistir aos produtos fortemente subsidiados provenientes da Europa e dos Estados Unidos; os empregos são sistematicamente destruídos antes que os sectores industrial e agrícola nacionais tenham podido desenvolver uma dinâmica de crescimento forte e de criar novos empregos”.

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Afim de obterem as divisas necessárias ao reembolso da sua dívida, os PED devem aumentar as suas exportações. Assim, conforme à teoria clássica, eles especializam-se naqueles produtos para os quais têm vantagens comparativas (produtos agrícolas como o algodão, o café, o cacau ou matérias primas como o petróleo, o gaz natural, o cobre, etç.12) e abandonam a produção de produtos agrícolas destinados à alimentação da população local. A sua economia torna-se então largamente dependente da procura mundial, o que aumenta a instabilidade.

Segundo a mesma lógica, as IFI impõem aos países endividados que desvalorizem as suas moedas a fim de tornarem os seus produtos mais baratos no exterior e de assim obterem mais divisas. Se o efeito de tal medida é teoricamente indiscutível quando um país a adopta, é porém muito mais criticável quando vários países fazem o mesmo simultaneamente. Neste caso, a oferta do produto exportável aumenta fortemente e se, como é geralmente o caso, a procura mundial não se expande da mesma forma que os preços descem, então resulta uma descida das cotações destes produtos e uma baixa das receitas de exportação dos PED. Ao mesmo tempo, os produtos importados pelos PED vêem os seus preços subirem rapidamente, donde um desequilíbrio crescente na sua balança comercial. Enfim, a dívida, geralmente expressa em dólares, “explode”. Tudo isto significa que para aquilo que o Banco Mundial pensou a realidade as voltas lhe trocou. Extractos de: Eric Berr, La dette des pays en développement: bilan et perspective, Universidade de Bordéus.

ACTO III. COMÉRCIO INTERNACIONAL E O DESENVOLVIMENTO (DA DÍVIDA EXTERNA) NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Desenvolvimento da dívida externa e desenvolvimento humano

A dívida dos PED tornou-se muito importante para estas economias frágeis e aniquilou toda e qualquer tentativa de desenvolvimento. Segundo Kofi Anan, Secretário-Geral da ONU, em 2000, o serviço da dívida atinge, em média, 38% do orçamento dos países da África sub-sahariana.

Se se segue as exigências do FMI, do Banco Mundial e dos outros credores, não se tem outro recurso que não seja a aplicação de políticas macroeconómicas de austeridade orçamental rigorosas. Isto implica despesas públicas reduzidas ao mínimo, em domínios como a educação, a saúde, a manutenção das infra-estruturas, dos investimentos públicos em actividades geradoras de empregos, da habitação, sem falar já da investigação e da cultura. Serão somente poupadas as reduções nas despesas com a polícia e com a justiça. Parte do orçamento destinado aos serviços sociais de base e ao serviço da dívida de 1992-1997

País Serviços Sociais Serviço da Dívida Camarões

Costa do Marfim Quénia Zâmbia Níger

4% 11,4% 12,6% 6,7%

20,4%

36% 35% 40% 40% 33%

12 A título de exemplo, o algodão representa 84% das receitas das exportações do Benin em 2000 contra 47% do Mali e 39% no Burkina Faso. O café representa 56% das receitas das exportações do Uganda contra 40% na Etiópia ou 25 % na Nicarágua.

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Tanzânia 15% 46%

A fim de pagar estas somas colossais, os governos devem procurar obter os dólares (ou outras moedas fortes) nos quais os reembolsos devem ser efectuados. Com essa finalidade, a prioridade deve ser dada às políticas de exportação: exploração acelerada dos recursos naturais (minerais, petróleo, gaz, etç) e o desenvolvimento desenfreado dos produtos agrícolas (café, cacau, chá, açúcar, etç). A monocultura, tão perigosa, porque cria um estado de dependência para os países já fortemente desprotegidos, generaliza-se. As culturas de legumes frescos são abandonadas o que conduz frequentemente os países exportadores de produtos agrícolas a importarem produtos alimentares de que têm necessidade. Para produzirem ao menor custo, não se tem nada em conta as condições de vida ou de sobrevivência das referidas populações. As conquistas sociais são mínimas e frequentemente postas em causa e as condições de trabalho são deploráveis.

Além disso, os recursos naturais dos PED, frequentemente abundantes e variados, são sobre-explorados o que cria graves problemas ambientais. Segundo as estimativas, certos países deverão ver esgotarem-se dentro de algumas décadas os seus principais recursos naturais, como por exemplo, o petróleo no Gabão. Numerosos países do Sul não se alarmam com os estragos ambientais causados pela desflorestação resultante da exploração intensiva das florestas tropicais ou do aumento das superfícies agrícolas cultivadas. Segundo a FAO, no decorrer dos anos 90, mais de 94 milhões de hectares de florestas desapareceram assim, quase que exclusivamente, nos PED, enquanto em certas regiões, as populações mais vulneráveis dependem das florestas para a sua subsistência. Cada ano, uma superfície de florestas equivalente ao território da Hungria é arrasado. Pior, um relatório da Academia Internacional para a Paz, nas Nações Unidas, afirma que metade da madeira importada pela União Europeia foi cortada ilegalmente em África. Enfim, segundo o Presidente do Banco Mundial, 12% das espécies de pássaros e 25% dos mamíferos estão ameaçadas de extinção. (…)

Para tentar dar uma solução a estas graves ameaças, a ONU organizou, em 2002, a Cimeira Mundial do Desenvolvimento Durável em Joanesburgo, reunindo 60.000 delegados do mundo inteiro. O custo desta grande organização atingiu os 80 milhões de dólares, 35 milhões pagos por companhias privadas da África do Sul e os restantes 45 milhões pela ONU. Lembremo-nos que estes 80 milhões de dólares representam 80% do orçamento anual do Mali para a saúde.

A este nível de análise, a relação entre a dívida e o desenvolvimento humano é clara. O mecanismo da dívida permite às instituições financeiras internacionais, aos Estados do Norte e às multinacionais assumirem o controle dos PED e de porem a mão nos seus recursos e nas suas riquezas, em detrimento das populações locais. É uma nova colonização, regulada pela adopção de planos de ajustamento estruturais. As decisões referentes ao Sul não são tomadas no Sul, mas em Washington (no departamento do tesouro americano, na sede do Banco Mundial ou do FMI), em Paris (na sede do Clube de

Paris que reagrupa os Estados credores do Norte) ou no seio do clube de Londres (que reagrupa os grandes banqueiros do Norte). Por esta razão, a satisfação dos direitos humanos fundamentais não é posta em prioridade. A prioridade é dada aos critérios económicos, financeiros e geopolíticos, como o reembolso da dívida, a abertura das fronteiras aos capitais e às mercadorias, o tratamento privilegiado dos países aliados, das grandes potências ou o estrangulamento dos países inimigos, como Cuba.

O montante reembolsado pelos PED como serviço da dívida atingia já os 382 milhares de milhões de dólares, em 2001. Estes reembolsos muito elevados privam os PED de preciosos recursos para lutarem eficazmente contra a pobreza, enquanto a ajuda do Norte não para de diminuir. A dívida aparece hoje como o principal obstáculo à satisfação das necessidades humanas fundamentais, no coração do sistema de dominação dos países

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ricos sobre o conjunto dos PED. Precisamos de compreender este mecanismo simultaneamente subtil e perverso.

Mesmo assim, os franceses, cultos e informados, sabiam o que faziam as suas tropas no Vietname e na Argélia. Do mesmo modo, os russos, cultos e informados, sabiam o que faziam as suas tropas no Afeganistão, os sul-africanos e os americanos, cultos e informados, sabiam o que os seus “auxiliares” faziam em Moçambique e na América Central. Do mesmo modo, hoje, os europeus, cultos e informados, sabem como as crianças morrem quando a arma da dívida sopra por cima dos países pobres. Sven Lindqvist, Exterminez tous ces bruts. A perspectiva do consenso de Washington de como as coisas se iriam passar

[Como se viu anteriormente] até ao final dos anos setenta, o endividamento era suportável para os países do Sul, porque as taxas de juro eram baixas e estes créditos permitam-lhes produzir mais, logo exportar mais, e recuperar as divisas para reembolsar e investir.

O desenvolvimento visto pelo Banco Mundial

Estes quatro intervenientes (os bancos privados, os Estados do Norte, o Banco

Mundial, os governos do Sul) estão na origem do aumento exponencial da dívida externa dos PED, que, multiplicada por 12 entre 1968 e 1980, passou de 50 milhares de milhões para mais de 600 milhares de milhões de dólares. “O peso da dívida abafa os orçamentos nacionais de numerosos países em desenvolvimento, e isto, muito frequentemente para reembolsar o financiamento de projectos improdutivos assumidos muito tempo antes por regimes autoritários”. PNUD, Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano, 2002. Os actores e autores do endividamento

Dos empréstimos contraídos pelos dirigentes do Sul, as populações muito pouco aproveitaram. A maior parte foi contraída por regimes ditatoriais, aliados estratégicos das grande potências do Norte. Basta estudar a lista dos mais endividados em 1980 para aí encontrar um enorme número de regimes com ligações políticas estreitas com a Tríade, e frequentemente de natureza autoritária: Brasil, México, Coreia do Sul, Argentina, Indonésia, Argélia, Turquia, Egipto, Filipinas, Chile, Paquistão, Roménia, Peru, Nigéria, Tailândia, etç. “Em numerosos casos, os empréstimos eram destinados a corromper os governos durante a guerra-fria. O problema não era então de saber se o dinheiro favorecia o bem-estar do país, mas se conduzia a uma situação estável, sendo dadas as realidades geopolíticas mundiais”, refere Joseph Stiglitz.

Modernização da indústria e da

agricultura de exportação

Subida das receitas das exportações

Reembolso da dívida e participação no

crescimento mundial

Endividamento do Terceiro

Mundo

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Uma parte importante das somas emprestadas foi desviada pelos regimes corrompidos (…) com o apoio dos outros actores do endividamento. Como explicar que na altura da sua morte, Mobutu, à frente do Zaire durante mais de 30 anos, dispusesse de uma fortuna estimada em 8 milhares de milhões, o equivalente a dois terços da dívida externa do seu país, e isto sem contar com o enriquecimento dos seus amigos e familiares? Ou no Haiti, em que, em 1986, a dívida externa estava avaliada em 750 milhões de dólares quando a família Duvalier, que governou com mão de ferro o Haiti por mais de 30 anos, fugiu para a Côte d’Azur francesa com uma fortuna avaliada em mais de 900 milhões de dólares? Que outra explicação encontrar para o enriquecimento da família Suharto que, no momento em que caiu do poder, após 32 anos de reino tinha um fortuna avaliada em 40 milhares de milhões de dólares?

Por vezes, como no caso da Argentina (1976-1983) a situação era ubesca. Durante este período, a dívida foi multiplicada por 5,5 para atingir 45,5 milhares de milhões de dólares em 1983, essencialmente contraída junto de bancos privados, com o acordo das instituições americanas. Desde 1976, um empréstimo do FMI tinha dado um sinal forte aos bancos do Norte: a Argentina da ditadura era aceitável. (…) Mas, as divisas dos empréstimos contraídos praticamente nunca chegaram às caixas das empresas públicas. As somas levantadas nos bancos dos Estados Unidos eram aí, em grande parte, colocadas sob a forma de depósitos, a uma taxa inferior à do empréstimo contraído. Assistiu-se então a um enriquecimento pessoal dos homens do poder ditatorial, pela via das comissões importantes. A título de exemplo: entre Julho e Novembro de 1 1976, o Chase Manhatan Bank recebeu mensalmente depósitos de 22 milhões de dólares e remunerou-os à taxa de 5,5%; durante este período, ao mesmo ritmo, o Banco Central da Argentina contraía empréstimos de 30 milhões de dólares ao mesmo banco e à taxa de 8,75%. Tudo isto se fez com o apoio activo do FMI e dos Estados Unidos, permitindo a manutenção de um regime de terror aproximando ao mesmo tempo a Argentina dos Estados Unidos, após a experiência nacionalista do Peru e dos seus sucessores.(…) Além do mais, a fortuna dos ditadores era muito útil aos bancos porque lhes permitia servir de garantia. Se, repentinamente, o governo de um país endividado mostrasse má vontade em reembolsar os empréstimos contraídos em nome do Estado, o banco podia gentilmente ameaçar confiscar os activos pessoais secretos dos dirigentes, ou mesmo confiscá-los. A corrupção e os desvios desempenharam um papel importante.

Aliás, o dinheiro que mesmo assim chegava ao país tomador do empréstimo foi utilizado de maneira bem precisa.

Os créditos iam prioritariamente para os mega-projectos energéticos ou de infra-estruturas (barragens, centrais térmicas, estradas, vias férreas…) muito frequentemente inadaptados e megalomaníacos, a que se deu o nome de elefantes brancos. A finalidade não era melhorar a qualidade de vida das pessoas que aí viviam, mas sobretudo de extrair as riquezas naturais do Sul e transportá-las facilmente para os mercados mundiais. Por exemplo, a barragem de Inga, no Zaire, permitiu, a partir de 1972, obter uma linha de alta tensão, sem precedentes, de 1900 quilómetros para o Katanga, província rica em minerais e tendo em vista a sua extracção. Mas esta linha não foi acompanhada da instalação de transformadores para se fornecer a electricidade às terras por onde passava. Outras barragens frequentemente faraónicas foram possíveis graças aos financiamentos do Norte: Kedung Ombo na Indonésia, Bhumibol e Pak Mun na Tailândia, Alto Krishna e Sardar Sadovar na Índia, Tarbeta no Paquistão Ruzizi no Rwanda, etç.

Esta lógica prevalece ainda regularmente, como o prova a construção do pipe-line Tchad–Camarões, lançado a meados dos anos 90 e permitindo levar o petróleo da região de Doba (Tchad) ao terminal marítimo de Kribi (Camarões), a 1.000 kilómetros de distância.

Outros exemplos:

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- A China iniciou em 1994 a construção da barragem faraónica das três gargantas, cujo lago de retenção tem 600 km de comprimento, seja dois terços da França! Esta barragem vai implicar a deslocação de dois milhões de pessoas e transformará irremediavelmente o ecossistema local. As violações dos direitos do homem e do meio ambiente não puseram de forma alguma em causa a presença das multinacionais do Norte. (…).

- Na Nigéria, o Banco Mundial financiou um projecto de exploração petrolífera no delta do Níger, implicando a sociedade Shell. Opostas à destruição do seu habitat natural as populações pauperizadas opuseram-se e foram violentamente reprimidas pela polícia nigeriana e o seu líder Ken Saro-Wiwa sumariamente executado. Em 1997 calculavam-se já em 2.000 mortos e 30.000 pessoas deslocadas, pela intensificação da exploração petrolífera.

- Na Tanzânia, em 1993, na sequência da flexibilização da legislação da Tanzânia a favor dos investimentos externos inspirada pelo Banco Mundial, a sociedade canadiana Sutton — comprada depois pela Barrick Gold — assume o controlo da mina de ouro de Bulyanhulu. Em 1996, 30.000 a 40.000 pessoas foram deslocadas e 62 pessoas foram mortas ou queimadas vivas. Vários advogados que denunciam as violações feitas foram presos em Novembro de 2001.

Infra-estruturas impostas pelas multinacionais do Norte, ajuda ligada, compra de armas para uma repressão maciça, desvios e corrupção, eis para que serviram os empréstimos contraídos durante décadas. Hoje, as populações sangram, por todas as veias, para reembolsarem uma dívida de que nada aproveitaram. “Quais foram os banqueiros que franziram as sobrancelhas quando viram que este ou aquele empréstimo destinado a uma sociedade estatal mexicana ou filipina estava de facto depositado directamente, em Boston ou em Genebra, na conta de um alto funcionário?” Philippe Noirel e Eric Saint-Alary, L’endettement du Tiers-Monde, 1998.

[E sangram tanto mais quanto a evolução dos preços mundiais dos produtos que exportam também não os vem ajudar.] Como se explica a crise da dívida?

A grande maioria dos empréstimos foi contraída nas moedas fortes, como o dólar. No decorrer dos anos 70, os países devedores devem pois procurar obter as divisas necessárias para reembolsarem os seus credores. Condicionados para continuarem a efectuar os seus pagamentos, custe o que custar, só têm então um único recurso: produzir mais para exportar mais. Assim fazendo, colocam no mercado e ao mesmo tempo, cada vez mais matérias-primas (café, cacau, algodão, açúcar, minerais, petróleo, etç), enquanto no Norte, a procura não aumentou. Isto implica uma severa queda das cotações, como se constata no quadro seguinte.

Preço de certos bens primários entre 1980 e 2001

Produto unidade 1980 1990 2001 Café (robusta) cêntimos/Kg 411,7 118,2 63,3 Cacau cêntimos/Kg 330,5 126,7 111,4 Óleo de amendoim $/tonelada 1090,1 963,7 709,2 Óleo de palma $/tonelada 740,9 289,9 297,8 Soja $/tonelada 376 246,8 204,2 Arroz (Thai) $/tonelada 521,4 270,9 180,2 Açúcar cêntimos/Kg 80,17 27,67 19,9

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Algodão cêntimos/Kg 261,7 181,9 110,3 Cobre $/tonelada 2770 2661 1645 Chumbo cêntimos/Kg 115 81,1 49,6

O Sul deve pois pagar mais dispondo de rendimentos menores: encontra-se pois

preso na forca da dívida, incapaz de respeitar os prazos de reembolso. Deve-se endividar de novo para reembolsar, mas desta vez ao preço forte. A situação deteriora-se rapidamente.

O que realmente se passou

O que se passou foi a crise da dívida, que abalou todos os países do Sul, um a seguir ao outro. (…)

Em síntese, a crise da dívida foi provocada por dois fenómenos que se sucederam rapidamente:

a) o crescimento muito importante das somas a pagar, devido à subida brutal das taxas de juro decidida em Washington;

b) a diminuição muito importante das cotações dos produtos exportados pelos países endividados para o mercado mundial.

Todos os países endividados da América latina e de África (e um pouco mais tarde a

Ásia), qualquer que seja o governo, qualquer que seja o degrau de corrupção e de democracia, foram confrontados com a crise da dívida. Como evoluiu a dívida nestes últimos trinta anos

Lembremos primeiramente que a dívida foi multiplicada por 12 entre 1968 e 1980.

Durante este período, as despesas que representavam o reembolso desta dívida eram suportáveis na medida em que as taxas de juro reais eram muito baixas e as receitas das exportações eram elevadas. A situação mudou dramaticamente em 1980-1981 na sequência da fortíssima subida das taxas de juro impostas pelos Estados Unidos e pelas autoridades britânicas e da forte descida das cotações das matérias-primas.

Endividamento dos PED por empréstimo

Subida das exportações de matérias

primas

Subida das taxas de juro e descida do

preço das matérias-primas

Aumento do endividamento

e crise da dívida

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Os números são eloquentes:

Os montantes a reembolsar são muito mais importantes (por causa das taxas de juro),

enquanto os rendimentos das exportações estão em baixa, na sequência da descida brutal das cotações das matérias-primas e dos produtos agrícolas de base. Pode-se resumir a

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acção conjugada destes dois fenómenos por um esquema muito simples, o de uma tesoura que corta na base toda a esperança de desenvolvimento.

Depois de 1980, a dívida externa dos PED continuou a sua ascensão: 600 milhares de milhões em 1980, 1450 milhares de milhões em 1990, 2.150 milhares de milhões em 1995 e 2.450 milhares de milhões em 2001. A sua evolução foi a seguinte:

A ligeira descida entre 1998 e 2001 explica-se da maneira seguinte: por um lado a

variação das taxas de câmbio entre as moedas, ou por outras palavras, a taxa de variação do dólar que é a unidade de conta; e por outro a consequência da crise asiática que se estendeu ao Brasil e à Rússia. Os créditos bancários e as emissões de títulos da dívida baixaram fortemente enquanto os países endividados efectuarem enormes reembolsos. Não quer isto dizer que esta tenha começado a diminuir, muito longe disso. Ela mantém-se a um nível insustentável. Ela abafa os PED e força a maioria dos seus habitantes à miséria. Excertos de: L’origine de la crise de la dette du tiers-monde, Eric Toussaint e Damien Millet, publicado em “50 questions/50 réponses sur la dette, Le Fmi et la Banque Mondiale”, coedição CADTM/Syllepse, Paris, 2002.

ACTO IV. UM EXEMPLO DO CONSENSO DE WASHINGTON: A TANZÂNIA

Grande como quase dois vezes a França, a Tanzânia é um país de África oriental

situado junto ao Índico. Este país resulta da união de Tanganyika e de Zanzibar.

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O Tanganyika (antiga colónia alemã e depois britânica) acede à independência em 1961 e Zanzibar (antiga colónia britânica) em 1963. Em Abril de 1964, os dois países proclamam a sua união, preservando uma autonomia respectiva.

De 1964 a 1980, a Tanzânia conhece um período de desenvolvimento e de progresso em todos os domínios

Julius Nyerere, dirigente pan-africanista e terceiro mundista, actor principal da luta pela independência, foi o seu Presidente até 1985. A sua política articulou-se em torno de três princípios: “um governo honesto, igualdade entre ricos e pobres, independência económica”.

Tornou a escola obrigatória, apoia numerosos movimentos africanos de libertação e contribui para provocar a queda do ditador sanguinário Idi Amin Dada no Uganda. Participa activamente nas negociações do fim do apartheid na Rodésia do Norte. No plano económico dá um forte papel e central ao Estado: nacionalização dos bancos e de numerosas sociedades, criação de cooperativas do Estado, para conseguir chegar à auto-suficiência alimentar. De 1961 a 1977 a esperança de vida passa de 35 anos para os 47 anos. A sua política autoritária de reagrupamento de aldeias será, todavia, contestada e no final do seu mandato, em 1985, assiste-se ao desenvolvimento da corrupção económica e de dificuldades económicas.

A partir de 1980, crise da dívida para os países do Sul: a Tanzânia é atingida.

A Tanzânia apoiava-se na ajuda externa (inglesa, alemã e chinesa) para financiar a

sua política, como todos os países do terceiro mundo. Mas, em 1979, os Estados Unidos decidem unilateralmente triplicar as taxas de juro

americanas, o que arrasta o aumento das taxas a nível mundial. Como 70% das dívidas tinham sido contraídas a taxas de juro variáveis, indexadas

sobre o mercado, os países do Sul viam a sua dívida aumentar, enquanto o preço das matérias-primas que exportam estavam a descer e reduzem-se as receitas das exportações. É a crise da dívida. Os países endividados deixam de a poder reembolsar.

Em 1983, a dívida externa da Tanzânia é superior a 6,8 milhares de milhões de dólares. Fim da independência: nova colonização pelas Instituições Financeiras Internacionais (IFI)

Desejosos em permitirem aos bancos recuperarem os seus fundos, o FMI impõe aos países em crise, entre os quais a Tanzânia, novos empréstimos, condicionados à aplicação de programas económicos ultraliberais: os planos de ajustamento estrutural. Os sucessores de Nyerere lançam assim a Tanzânia na via da liberalização económica.

Penetração de capitais estrangeiros, supressão de subsídios sobre os produtos de primeira necessidade, baixa drástica dos orçamentos sociais, privatização dos domínios agrícolas estatais. As consequências sociais são terríveis: ruína das pequenas empresas tanzanianas, miséria dos camponeses privados de sementes e adubos, violência, fome… O vírus da sida desenvolve-se sem travão e a esperança de vida desce para os 43 anos. A partir de 2003, sob o controlo das IFI, a dívida externa aumenta

Espiral infernal: os novos empréstimos servem prioritariamente para pagar o serviço da dívida. Esta atinge 7,5 milhares de milhões de dólares.

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Entre 1980 e 2002, a Tanzânia, contudo, “beneficiária” do estatuto de PPTE (país pobre muito endividado) reembolsou 4,3 milhares de milhões de dólares de serviço da dívida: dinheiro que cruelmente lhe faz falta para assegurar as suas despesas sociais.

A absurdidade social e de vista curta da política de “Tudo para a Exportação” (algodão, café, peixe), defendida pelas IFI, está demonstrada na exploração da Perca do Nilo.

Esta produção só serve para reduzir a dívida, enriquecer as firmas europeias e uma pequena minoria local. Ela desestrutura a sociedade, efectua-se em prejuízo das necessidades alimentares da maioria da população e no desprezo dos direitos de gerações futuras que irão herdar um lago sem vida. O tráfico de armas que lhe está associado mostra que um comércio sem regras e sem freio, tal como funciona hoje, conduz a práticas mafiosas, de que as primeiras vítimas são as populações.

“Por todo o lado onde um importante recurso natural é descoberto, os habitantes morrem na miséria” diz Hubert Sauper, mas isto não é uma fatalidade.

A sociedade civil africana organiza-se, apesar das dificuldades e conduz lutas contra as políticas liberais e pelo exercício da democracia. A multiplicação de fóruns é disso o testemunho (cimeira de Dakar, fórum social de Bamako, d’Addis-Abeba, de Lusaka, fórum dos povos de Siby no Mali). Os Estados africanos foram capazes de enfrentar a OMC para bloquear as negociações em Setembro de 2003, em Cancún, como reacção à manutenção dos subsídios dos países ricos sobre o algodão”. Excertos de: La Tanzanie et le mecanisme de la dette, Attac Pays d’Aix, Março, 2005.

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Parte III OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E OS MERCADOS MUNDIAIS: UMA

OUTRA PERSPECTIVA DO CONSENSO DE WASHINGTON E A

EXPLORAÇÃO FEITA ATRAVÉS DOS PREÇOS BAIXOS.

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1. O CAFÉ

A crise do café atinge actualmente 25 milhões de produtores de café no mundo inteiro. O preço do café está ao seu nível mais baixo desde há 30 anos e as perspectivas a longo prazo mostram-se desastrosas. Nos países em desenvolvimento, os produtores de café são, na sua maioria, pequenos agricultores pobres, que vendem os seus grãos de café a um preço muitas vezes inferior ao seu custo de produção. A crise do café pode tornar-se um verdadeiro desastre em matéria de desenvolvimento, cujos efeitos serão ressentidos por muitos anos.

As famílias que vivem do dinheiro obtido com o café retiram os seus filhos das escolas, em particular as raparigas. Deixam de ter meio, inclusive, para pagar os medicamentos básicos e privam-se de alimentos. Para além deles, as economias nacionais ressentem-se igualmente. Os negociantes de café deixam as suas actividades, alguns bancos estão à beira da falência e os governos que contam com as receitas geradas pela exportação do café são confrontados com um declínio considerável dos orçamentos destinados aos programas de educação e de saúde, assim como a uma insuficiência de fundos para o reembolso da dívida.

Se a mundialização deve agir em favor dos mais pobres e se o comércio deve favorecer os mais desprotegidos, então é necessário que o mercado do café deixe de faltar aos seus compromissos para com os pobres, como actualmente o faz. O seu funcionamento deve necessariamente evoluir.

Nas salas de reuniões das quatro maiores sociedades de café no mundo, conhecidas sob o nome de torrefactores ― Kraft Foods, Nestlé, Procter and Gamble e Sara Lee ― os negócios estão em ebulição. Só estas quatro sociedades controlam as principais marcas de café: Maxwell House, Nescafé, Folgers e Dowe Egberts, Kraft, ela própria controlada pela Philippe Morris, a sociedade do tabaco - tiveram lucros superiores a mil milhões de dólares nas vendas de bebidas, cereais e sobremesas em 2001. O café instantâneo da Nestlé, de que 3.900 chávenas de café são bebidas por segundo, permite obter lucros de tal forma consideráveis que um analista financeiro descreve-a “como o equivalente comercial do paraíso”.

Os desafios aos quais o mercado mundial é confrontado são um exemplo flagrante das dificuldades ligadas a um grande número de matérias-primas de que dependem os países em desenvolvimento. A procura de uma solução para a crise actual permitirá avaliar se a mundialização e o mercado assim criado podem efectivamente ser proveitosos para as populações mais desfavorecidas. Quando o café conduz à falência

Outrora o café oferecia uma perspectiva de futuro melhor para as populações dos PED.

O café é uma das raras matérias-primas negociadas à escala mundial que é sempre e produzida, não sobre grandes plantações, mas sobre pequenas propriedades agrícolas exploradas pelos camponeses locais. Setenta por cento da produção mundial de café é cultivada em explorações cuja superfície é inferior a dez hectares. Sobre estes 70%, a vasta maioria do café é cultivado sobre parcelas familiares de uma superfície de um a 5 hectare. Mesmo nos países em que existem grandes plantações, como no Brasil, na Índia ou no Quénia, existe em paralelo um grande número de pequenas explorações agrícolas.

Na região de Kilimanjaro, na Tanzânia, o dinheiro obtido com o café permitia atingir níveis de escolaridade elevados e níveis nutricionais acima da média. Na Colômbia, com o

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dinheiro do café financiavam-se as escolas, as infra-estruturas e a formação dos agricultores. As regiões produtoras de café eram menos sujeitas á violência política que existe noutras regiões. Este factor contribui, em parte, para a prosperidade relativa dos produtores de café.

O café é cultivado na grande cintura tropical e sub-tropical que envolve o Equador, nela compreendendo-se certos países que são confrontados com as mais severas dificuldades de desenvolvimento no mundo.

Certas economias entre as mais pobres do mundo são largamente dependentes do comércio do café. Esta dependência é particularmente importante em certos países africanos. No Uganda, os meios de subsistência de cerca de um quarto da população assentam, de uma maneira ou de outra, sobre as vendas do café. Na Etiópia, o café representa mais de 50 % dos rendimentos de exportação, enquanto no Burundi esta percentagem atinge os 80%. Nas Honduras, os meios de subsistência de mais de 10% da população são provenientes do café. Na Nicarágua, o segundo país mais pobre da América Central, o café representa 7% do rendimento nacional. A devastação das comunidades locais e os países produtores de café

O preço que os países produtores recebem pelo seu café caiu a um nível terrivelmente baixo, quer para a qualidade café robusta, quer para a arábica. Em 1997, os preços começaram a cair perigosamente para atingirem o seu nível mais baixo desde há 30 anos, em 2001. Em Junho de 2002 mantinham-se ao mesmo nível. Todavia, tendo em conta a inflação, o preço “real” dos grãos de café caiu a nível consideravelmente mais baixo. Situa-se agora aproximadamente em 25% do preço de 1960. Por outras palavras, o dinheiro que se obtém com o café permite hoje comprar apenas 25% do que se podia comprar em 1960. Trata-se possivelmente do preço real mais baixo que os produtores tenham recebido desde há quarenta anos. Em 2001, o gabinete Landell Mills Consultants estimava que através do mundo os produtores eram incapazes de cobrir os seus custos de produção totais, quer na produção do café arábica quer do robusta. Para este último não cobre sequer os custos variáveis. A título de exemplo, no Vietname, um dos países com custos mais baixos no mundo, o inquérito feito pela OXFAM na província de Dak Lak sugere que, no início de 2002, o preço que os agricultores recebiam cobria somente 60% dos seus custos de produção.

É uma época terrível para os produtores, que estão desesperados pelos preços que não lhes permitem sequer cobrir as necessidades mais fundamentais das suas famílias.

Certos são forçados a venderem as suas terras, outros deixam as suas casas e as suas famílias para irem procurar trabalho noutros lados, provocando uma reacção em cadeia de comunidades inteiras.

Segundo César Villanueva, a trabalhar na ONG Rainforest, “a crise dos preços atinge directamente as mulheres. O chefe de família (homem) parte frequentemente para ir trabalhar algures, pelo menos durante uma parte do ano, deixando as mulheres e as crianças a trabalharem a terra. Por esta razão as crianças abandonam geralmente a escola”.

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Ainda os preços e as margens - a cadeia comercial do café

No Uganda, o café verde, a cereja sem qualquer tratamento, vale por

$0,14 cêntimos/Kg aos quais se adicionam: - $ 0,05 cêntimos/Kg para o intermediário local - $ 0,05 cêntimos/Kg de custos de transporte para a fábrica local - $ 0,02 cêntimos/Kg de encargos de ensacamento. Preço do café à entrada no exportador em Kampala - $0,26 cêntimos/Kg. Adiciona-se: - $ 0,09 cêntimos/Kg encargo do exportador - $ 0,10 cêntimos/Kg custo de embalagem e de transportar até ao Oceano Índico. Soma = $ 0,45 cêntimos/Kg. Adiciona-se $0,07 de frete de embarque e seguro. Soma $0,52 cêntimos/Kg. Soma-se $0,11 cêntimos de encargos do importador e obtemos $ 0,63 cêntimos. Para obter um quilo de café solúvel são necessários em média 2,6 de café em grão,

ou seja $ 1,64 é o custo de um quilo de café solúvel em matéria-prima com todos os seus encargos, mas o quilo de café solúvel custa $ 26,40. Esquematicamente temos:

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A questão da sobre-produção

O mercado de café é confrontado com uma situação de sobreprodução grave com queda vertiginosa dos preços e baixa de qualidade. Esta oferta excedentária de um ano para outro é estimada em 40 milhões de sacos. Mesmo se a oferta se alinhasse pela procura a presença destes enormes stocks continuaria a manter os preços a um nível de crise. Três razões explicam estes sinais de crise: o enorme peso de novos produtores, a queda dos mercados organizados e a redução do ritmo de consumo.

- O fim do mercado organizado No decorrer destes últimos 15 anos, o mercado do café mudou radicalmente. Até

1989, o café, como a maior parte das matérias-primas, era negociado num mercado

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organizado, regulamentado pelo Acordo Internacional do Café. Os governos das nações produtoras e consumidoras procuravam colocar-se de acordo quanto aos níveis de fornecimento predeterminados, estabelecendo-se quotas de exportação para os produtores. O objectivo consistia em manter o preço do café a um nível relativamente elevado e estável, num intervalo de 1,20-1,40USD por libra-peso. Para evitar uma oferta excedentária, os países deviam aceitar não ultrapassar a sua parte “equitativa” das exportações de café. Se os preços atingissem o máximo, os produtores eram autorizados a ultrapassarem as suas quotas para responder à variação repentina da procura. Um desacordo entre os membros levou à ruptura deste acordo em 1989. A oposição dos Estados Unidos que se retiraram do acordo foi uma importante razão deste falhanço e a Organismo Internacional do Café perdeu a sua margem de intervenção, isto é, a determinação das quotas e do intervalo de preços. Agora os preços são determinados nos dois principais mercados a prazo, o de Londres e o de Nova Iorque. O preço do café é determinado pelo número considerável de contratos relativos ao café negociado, e que ultrapassam, de longe, a quantidade física que é realmente negociada;

- A chegada de novos gigantes O Brasil e o Vietname remodelaram a oferta de café mundial. Há dez anos o

Vietname era apenas representado estatisticamente no mundo do café, com uma produção de 1,5 milhões de sacos. Hoje produz mais de 15 milhões e é o segundo produtor mundial. O Brasil mecanizou a sua produção de café e relançou a sua capacidade de posicionamento no mercado mundial.

- Enquanto a produção se acresceu fortemente a procura tem tido um comportamento bastante reduzido.

As famílias conhecem a fome

Em Janeiro de 2002, a União Europeia e a USAID (Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional) alarmaram-se com o crescimento da pobreza na Etiópia e com os problemas alimentares dos produtores de café, e assumiram que estes vendiam os seus bens e se privavam de alimentos. Na província de Dak-Lak, no Vietname, com os rendimentos obtidos pelos agricultores mais pobres dependentes do café, estes são considerados na situação de “pré-fome”. As crianças são excluídas das escolas

Quando a OXFAM realizou inquéritos no Vietname, no Peru e na África oriental, os produtores citavam o preço do café como um entrave à educação dos seus filhos.

No Uganda, onde uma grande parte da população conta sobretudo com as receitas do café, a crise afecta a capacidade das famílias mandarem os seus filhos para a escola.

Bruno Selugo (17 anos) e o seu irmão Michael (15 anos) abandonaram a escola, porque não podiam pagar os custos da escolaridade. “Eu nunca serei bem sucedido na vida se não for à escola, diz Bruno. Eu deveria contentar-me em ficar aqui a cultivar um pouco de alimentos. Eu fui reenviado muitas vezes para a escola secundária. Eles não hesitam em nos excluir se não pagarmos os encargos.13 Nós estamos em plena época do café. 13 Em África, as escolas degradam-se por falta de meios. Exige-se o pagamento dos custos de inscrição e o número de alunos por professor aumenta consideravelmente. Em África a taxa de inscrição nas escolas primárias progrediu de 41% a 79% entre 1965 e 1980. Em 1988 esta taxa desceu para 67%.Concedem-se créditos aos professores para criarem a suas próprias escolas privadas. Os governos gastam 6 vezes menos no ensino que no reembolso da dívida

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Habitualmente toda a gente volta à escola com o dinheiro do café, mas agora, nós não temos dinheiro. Os preços são de tal forma baixos que as pessoas já não se deslocam para longe para o colherem. Podiam pagar-nos um outro preço. Tudo o que eu queria era ir para a escola”. Patrick Kayanja, director da escola de Bruno explica: “o número de alunos do liceu é muito pequeno. Se bem que nós nos esforçamos em reduzir os custos, os pais não podem pagar. Outrora, contavam com o dinheiro que se recebia da colheita do café, mas agora, isso acabou. Eu lembro-me da época entre 1995 e 1997 em que nós tínhamos 500 alunos. Há três anos tínhamos 250. No ano passado começámos o ano com 140 e terminámos com 54.” Trabalhadores sazonais e operários miseráveis

Os trabalhadores sazonais e os operários estão entre as pessoas mais pobres e mais vulneráveis que participam no comércio do café. Trabalham nas pequenas e nas médias plantações (10 a 50 ha) e nas grandes plantações (mais de 50 ha) que produzem 30% do café mundial. Afastados das suas casas, não estão em condições de complementarem a sua alimentação com as culturas das suas terras e podem bruscamente ficar sem trabalho.

Segundo o Banco Mundial, na América Central, perto de 400.000 trabalhadores temporários e 200.000 permanentes na indústria do café perderam recentemente o seu trabalho. Esta crise conduziu numerosas pessoas a assumirem medidas desesperadas. Nas regiões produtoras de café, na Guatemala, os trabalhadores sazonais invadiram as terras onde houve grandes despedimentos. Em Karmaka, onde se produz uma grande parte do café indiano, o número de trabalhadores reduziu-se em 50%. Crise financeira para as economias nacionais

A forte baixa do preço do café tem um impacto severo que se ressente bem para além das comunidades rurais: ela tornou-se uma crise de desenvolvimento para os países pobres que cultivam o café. A redução das receitas do café é uma das principais razões que explicam o afundamento de vários bancos. Na América Central a crise é considerada como tendo um impacte equivalente ao do furacão Mitch em termos de perdas de rendimento: estes países constataram uma redução de rendimentos da exportação de café em 44% num só ano, passando de 1,7 milhares de milhões de dólares em 1999/2000 para 0,9 milhares de milhões de dólares em 2000/2001. Em 2002/2003 espera-se ainda um declínio suplementar de 25%.

Na África sub-sahariana passa-se a mesma história. Os rendimentos da exportação do café caíram 42% na Etiópia, passando de 257 milhões de dólares americanos para 149 milhões, num só ano. No Uganda, onde cerca de 25% da população depende do café de uma maneira directa ou indirecta, as receitas caíram aproximadamente 30%.

É um duplo golpe bem duro para os países produtores: o preço das suas exportações tem tendência a declinar no decorrer dos anos, mas o preço das suas importações, que são frequentemente produtos manufacturados, não baixam tão rapidamente (ou não baixam mesmo) o que implica uma degradação dos seus termos de troca. A figura seguinte, por exemplo, mostra que um produtor de café será obrigado a vender duas vezes mais café agora que em 1980 para comprar uma faca suíça.

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a.

Pior ainda, o custo da dívida está fixo em dólares, mas o valor em dólares das exportações do café baixa regularmente, o que provoca dificuldades cada vez maiores para a reembolsar. Os países pobres beneficiam das iniciativas de redução da dívida, mas a redução das suas receitas das exportações destrói os esforços de estabilização das suas finanças. As exportações do café da Etiópia passaram de 257 milhões de USD para 149 milhões num ano. Para se ter uma perspectiva destes valores sublinhe-se que a redução da sua dívida foi de 58 milhões de USD.

Em vez de se criar um sector agrícola próspero, o café acabou por obrigar os governos a tomarem medidas de urgência para apoiar os seus produtores. A Colômbia imputou 72 milhões de USD ao financiamento do preço do mercado interior destinado aos cultivadores, a Costa Rica teve que fornecer um crédito de urgência de 73 milhões de USD, isento de juros. Na Tailândia, o governo prepara-se para comprar mais de metade da colheita de 2001/2002 a uma taxa fixa, que sendo inferior aos custos de produção é, apesar de tudo, bem superior ao preço que os agricultores teriam recebido no mercado [mas o mercado é que é a verdadeira lógica do consenso de Washington]. Propostas da OXFAM para a crise do café: 1) Como medida prioritária, os governos dos países ricos e as empresas de torrefacção

devem comprometer-se a financiar a destruição de 5 milhões de sacos de café de menor qualidade que se empilham actualmente nos países importadores.

Esta operação custaria perto de 100 milhões de dólares, mas daria um sinal ao

mercado, e, segundo os especialistas, deveria levar a uma subida de 20 cêntimos por quilo relativamente aos preços de 2000/2001, que permitiria fornecer rendimentos suplementares à exportação no montante de 700 a 800 milhões de dólares aos países produtores de café.

A mais longo prazo, os diferentes actores deverão colaborar mais para encontrarem em conjunto os mecanismos de mercado que lhes permitam evitar tais desequilíbrios entre a oferta e a procura. Esta colaboração só se poderá efectuar se existir uma real vontade internacional de juntar todas as partes implicadas. É necessário igualmente que o acordo a fazer preveja uma intervenção sobre o mercado para regular a oferta.

2) Restabelecer a qualidade e aumentar a produtividade

O restabelecimento da qualidade é essencial à revalorização do café. A proposição

mais pertinente para enfrentar a crise é o plano de melhoria da qualidade da OIC. Este

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plano visa acabar com as exportações de café que não respondam a dadas normas de qualidade.

Se este projecto for posto em prática poderá acabar com 5% do café no mercado mundial e acabar com a tendência actual de favorecer as produções de menor qualidade. Este projecto precisa de apoio financeiro, particularmente para avaliar o impacte sobre as explorações dos países mais pobres. Os pequenos produtores têm frequentemente o potencial para produzirem um café de muito boa qualidade até porque podem fazer a colheita das cerejas vermelhas mais cuidadosamente que nas grandes plantações mecanizadas. Todavia, os pequenos produtores têm necessidade de ajuda para dominar os outros elementos determinantes da qualidade. Por exemplo, têm necessidade de ajuda para adquirirem as boas práticas de transformação, assim como as competências técnicas necessárias à melhoria da qualidade.

Por exemplo, a Autoridade de Desenvolvimento do Café no Uganda criou um programa que permite fornecer gratuitamente as sementes de um híbrido de café mais produtivo.

Do mesmo modo, certas empresas forneceram fundos para contribuir para a melhoria da qualidade. O subsídio de 1,5 milhões de dólares oferecidos pela Procter and Gamble e o subsídio de 500.000 USD que a Fundação Ford e a Starbucks ofereceram à OXFAM são também destinadas a ajudarem os produtores para melhorem a qualidade do café produzido. Mas as raras iniciativas filantrópicas das empresas não chegam para resolver a crise dada a sua dimensão. Aumentar os preços e garantir os meios de subsistência correctos

Os torrefactores deveriam comprometer-se a pagar preços que assegurem um rendimento correcto aos produtores e a gerirem as suas fileiras de abastecimento para que os produtores obtenham uma parte mais importante dos rendimentos e também um rendimento justo. Um rendimento justo não deveria apenas cobrir os custos de produção, mas permitir igualmente às famílias à satisfação das suas necessidades de alimentação, de educação elementar, assim como de saúde e de alojamento. Os cálculos destes custos, que existem já, diferem de país a país.

Todavia as dificuldades não são uma razão para nada se fazer. Na maior parte das indústrias, a necessidade de cobrir os custos dos fornecedores não é sequer sujeita a discussão porque muito poucas empresas se podem dar ao luxo de explorar os seus fornecedores que continuam a produzir ano após ano.

Mas, se os preços aumentam, os produtores continuam sujeitos ao risco das flutuações de preços. Face a estas dificuldades, um grupo do sector privado formou-se, sob a égide do Banco Mundial, para ajudar os pequenos agricultores a lidarem com a volatilidade dos preços. Existem já projectos pilotos em diversos países. Manter e construir uma capacidade de produzir valor acrescentado

Um dos poucos meios de que os agricultores dispõem para aumentar o valor acrescentado consiste em assegurar a transformação. O café que é descorticado ou a que é retirada a polpa vende-se a um melhor preço que as cerejas em bruto. Os pequenos investimentos nas tecnologias apropriadas podem levar a resultados consideráveis para os produtores. Por exemplo, na Colômbia, a Federação do Café desenvolveu uma máquina mecânica eléctrica portátil que retira a polpa do café arábica. Evidentemente para que os agricultores possam recolher os frutos destes investimentos é necessário que vendam para um mercado que recompense uma melhor qualidade.

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Ao nível nacional, o desafio consiste em produzir mais valor acrescentado nos países produtores. É necessário enfrentar este desafio rapidamente para aumentar as capacidades de transformação dos produtos destes países. Estabelecer reais possibilidades de desenvolvimento rural

É necessário reduzir a produção do café e apoiar os produtores mais pobres. Por exemplo, o Vietname exprimiu recentemente a necessidade de reduzir a produção de certas qualidades de robusta deficitárias e de qualidade inferior. Tais projectos teriam necessidade de um apoio financeiro para cobrir os custos de transição.

Os esforços de diversificação devem ser avaliados tendo em conta as tendências negativas sobre os outros produtos de base. É urgente que a comunidade internacional adopte uma abordagem integrada face aos produtos de base. Conclusão

O plano do café deveria servir de projecto-piloto para uma iniciativa de gestão de matérias-primas a mais longo prazo visando a melhoria dos preços e o fornecimento de outros meios de subsistência aos produtores: Deverá conduzir aos elementos seguintes:

1) os governos dos países produtores e consumidores porão em prática mecanismos que rectifiquem o desequilíbrio entre a procura e a oferta a fim de se assegurarem preços razoáveis aos produtores.

2) cooperação entre os governos dos países produtores e consumidores para impedir que a quantidade de matérias-primas que entrem no mercado não sejam superior à capacidade de venda;

3) apoio aos países produtores para que eles recebam uma grande parte do valor acrescentado a estas matérias-primas;

4) medidas de incitação financeira para reduzir a dependência financeira dos produtores relativamente às matérias-primas agrícolas;

5) o fim da política de dois pesos e duas medidas da União Europeia e dos Estados Unidos.

6) as sociedades pagarem um preço conveniente por cada uma das matérias-primas, incluindo o café”.

Conclusão da conclusão: Como se está a propor pretende-se estar longe do consenso de Washington, no extremo oposto. Excerto extraído de: OXFAM, Une tasse de café, un goût d’injustice.

2. O CACAU O Banco Mundial, o FMI e o Sector do Cacau

O Banco Mundial e o FMI também contribuíram para a crise do trabalho infantil na

África Ocidental. A África tornou-se o “continente esquecido”, deixado para trás na concorrência

global. Muitos países africanos fazem parte dos mais pobres do mundo. O legado do passado colonial, a corrupção e a dependência das economias sub-saharianas dos produtos primários são algumas das vias explicativas para este fenómeno. Contudo, o aparecimento

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dos planos de ajustamento estrutural impostos pelo Banco Mundial e pelo FMI nesta região e durante estes últimos 20 anos exacerbaram os problemas económicos e sociais.

Fundados em 1946, O FMI e o Banco Mundial concedem crédito aos países em desenvolvimento com necessidades de assistência financeira. Embora muitos dos países pertençam a estas duas instituições, o poder permanece nas mãos dos seus mais fortes contribuintes, os EUA, o Japão e a Europa. Estes países, em particular os EUA, têm a última palavra a dizer sobre que países recebem a assistência financeira e em que condições. Isto é importante porque simplesmente observando o FMI e o Banco Mundial tomando uma dada decisão obscurece o facto de que conscientemente tem havido uma deliberada e fundamental mudança na política em ambas as instituições desde que foram fundadas e que países como os EUA têm sempre conduzido estas mudanças de acordo com os seus próprios interesses. O FMI e o Banco Mundial assumiram os seus actuais mandatos neo-liberais quando Reagan, nos USA, e Tatcher, na Inglaterra, chegaram ao poder em 1981. Ambos se empenharam e de forma quase devota e fundamentalista em defender os princípios económicos do mercado livre e a pretenderem forçar os mercados dos países em desenvolvimento a serem abertos ao investimento privado externo e às importações ocidentais.

O Banco Mundial e o FMI são respectivamente uma instituição internacional de desenvolvimento e uma instituição financeira internacional que se criaram ambas em Bretton-Woods, em 1946, com a função de apoiarem a retoma a partir da devastação da 2ª Guerra Mundial. Estas instituições tinham como principal objectivo estabilizar as economias nacionais e a balança de pagamentos de modo a encorajar os investimentos externos. Também concediam ajuda e crédito desde que os países recebedores aplicassem os planos de ajustamento estruturais. Estes planos incluem a redução da despesa pública, austeridade de política monetária, eliminação dos subsídios governamentais para alimentação, privatização de empresas públicas e redução das barreiras comerciais e das restrições ao investimento externo.

Hoje, passados mais de 50 anos, o Banco Mundial e o FMI têm gerado mais pobreza que riqueza. As suas receitas para cada país são constituídas por um pacote de reformas estruturais, que é considerado como um modelo de referência para todos os países em desenvolvimento. Independentemente do nível de desenvolvimento do país recebedor ou da credibilidade do seu governo, as reformas nos sectores financeiro, bancário e exportador assim como as reformas fiscais têm que ser postas em prática como contrapartida para a concessão de ajuda e de crédito.

Levando os países a assumirem enormes despesas com o pagamento da dívida a Costa do Marfim, por exemplo, gasta 5 vezes mais com os juros da dívida do que com o seu orçamento em despesas sociais estas instituições desviaram recursos de programas sociais críticos. Na sequência dos problemas com o pagamento da dívida, estas instituições forçaram os países devedores a aplicarem políticas de ajustamento estruturais que conduziram, por seu lado, a que os países produtores de cacau se tornassem incapazes de estabilizarem os seus preços deste produto.

A Costa do Marfim é um muito bom exemplo das consequências funestas das políticas destas duas instituições. Depois de aceitar os empréstimos concedidos pelo FMI, a Costa do Marfim adoptou um número de políticas de ajustamento estruturais que devastaram o seu sector do cacau: pressão para acelerar a liberalização do comércio; a eliminação dos fundos de estabilização governamentais; e a desregulamentação do controle das indústrias locais para serem mais abertas ao estrangeiro.

Antes de se ter envolvido com o FMI e o Banco Mundial, este país tinha um sistema de estabilização dos preços à exportação da colheita anual que garantia aos produtores um rendimento estável. Até 1980 este sistema foi um sucesso, tendo permitido aos produtores uma preços estável e relativamente elevado. O sistema começa a vacilar quando o Banco

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Mundial forçou a liberalização do sector do cacau, na segunda metade dos anos 80. Simultaneamente os preços mundiais caíram tornando a situação especialmente precária. No entanto, o FMI e o Banco Mundial forçaram uma maior liberalização nos anos 90. Todos os sistemas de estabilização foram removidos em 1999 e o sector do cacau tem estado em crise desde então.

Os produtores ficaram completamente desprotegidos, sem capacidade para determinarem o preço de mercado sem o conhecimento de como funciona o mercado mundial neste produto foram abandonados e ou aprendiam as regras do jogo ou seriam sujeitos à exploração. Enquanto se deram estas mudanças repentinas, os preços mundiais do cacau foram caindo fortemente, deixando os produtores na pior das situações possíveis. Os rendimentos dos produtores desceram para metade (...).

Note-se que os fundos de estabilização podem levar os países a contraírem dívidas se os preços mundiais se situarem, por muito tempo, abaixo do preço mínimo garantido durante períodos de tempo significativos. É por isso que os sistemas de estabilização internacionais dos preços são muito importantes.

Em vez de procurarem ajudar a International Cocoa Organization a reconstruir os sistemas de estabilização internacional dos preços, os países importadores forçaram os países produtores a seguirem o Banco Mundial e o FMI no seu conjunto de medidas para a liberalização do comércio. Como resultado, a partir de 2001 deixou de haver para os produtores qualquer referência nos organismos internacionais aos sistemas de estabilização dos preços de mercado. Um relatório da UNCTAD de 2000-2001 atribuía as baixas significativas dos preços à liberalização do comércio e à ausência de mecanismos de estabilização.

O trabalho infantil Em cada dez crianças utilizadas em trabalho infantil 3 estão em África e quando a

população africana é apenas um décimo da mundial. A taxa de participação média da força de trabalho infantil com idades entre os 5 e os 14 anos situa-se nos 40%, ultrapassando os 50% em alguns países. (...) Na Costa do Marfim trabalham mais de 625.000 crianças nas plantações de cacau e destas, estimam-se em 20.000 as crianças que aí trabalham sem qualquer laço familiar sendo um sinal claro que foram traficadas ou vendidas para serem abusivamente em condições de trabalho abusivas. Muitas outras crianças declaram que trabalhavam nas terras do cacau por uma questão de necessidade e vendo isto como o melhor possível e talvez como a única opção para quebrar o ciclo de pobreza nas suas famílias e nas suas comunidades. Há ainda a sublinhar que 29% das crianças referenciadas declararam que não eram livres para deixarem o seu trabalho se assim o quisessem fazer. Estas crianças, quase um terço dos trabalhadores assalariados, estão essencialmente numa situação de trabalho forçado. São literalmente escravas das circunstâncias presentes. O efeito mais imediato das políticas do FMI e do Banco Mundial foi a destruição da capacidade dos governos africanos de protegerem os seus cidadãos. Enquanto a expressão “falência dos Estados Africanos” se tornou, em termos académicos, banal, a verdade é outra, a verdade é que os Estados Africanos foram sistematicamente desmantelados. O seu papel tornou-se o de facilitar o investimento estrangeiro e o comércio internacional e de manter um clima política favorável aos negócios internacionais.

Durante a recessão global dos anos 70 a procura de cacau reduziu-se e os preços desceram. O governo da Costa do Marfim teve que suportar défices crescentes e obrigou-o a contrair empréstimos superiores aos que poderiam ser cobertos pela sua poupança. Incapazes de financiarem os seus programas de investimentos ou incapazes de instituírem medidas de ajustamento adequadas a estas circunstâncias, muitos países africanos

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encontraram-se eles próprios numa situação de estagnação da economia combinada com inflação, uma combinação debilitante.

O exemplo da Costa do Marfim A Costa do Marfim é um sólido exemplo dos maus efeitos das políticas do Banco

Mundial e do FMI. Este país era um dos mais estáveis da África antes de 1980, mas tornou-se um dos mais pobres depois de se ter envolvido com o Banco Mundial e o FMI. A Costa do Marfim assinou o seu primeiro acordo com o FMI em 1989, contraiu, entre 1989 e 1993, 6 empréstimos com programas de ajustamento estrutural e teve, em 1995, um crédito especial de 384 milhões de dólares.

Esta progressão é ela própria uma clara manifestação da falência das medidas destas instituições e até porque este último crédito especial é destinado apenas aos países mais pobres, categoria em que caiu a Costa do Marfim depois dos seis empréstimos anteriores junto do Banco Mundial.

Seguindo as determinações do Banco Mundial e do FMI, a Costa do Marfim adoptou um rigoroso programa de Ajustamento Estrutural, centrado na liberalização do sector agrícola, na redução do papel do Estado e da despesa pública social e na desvalorização da sua moeda. Seguiu-se uma rápida degradação social. Por exemplo, a taxa de pobreza subiu de 17,8% para 37% de 1988 a 1995. Entre 1980 e 1990 o emprego no sector informal mais do que duplicou, enquanto a taxa de desemprego praticamente triplicou.

Tais mudanças tiveram um impacto directo na indústria do cacau, levando ao aumento das dificuldades nos países da África Ocidental dependentes dos rendimentos do cacau. Nos anos 60 e 70 o governo regulava os preços de mercado das principais colheitas, como o cacau, o café, o óleo de palma, o sésamo e o algodão através dos fundos de estabilização.

Os fundos de estabilização operavam poupando rendimentos quando os preços mundiais eram superiores aos preços do produtor e devolvendo-os aos produtores quando os preços mundiais eram inferiores ao preços do produtor. Até 1980 o sistema funcionou bem. O Governo foi capaz de proteger os seus agricultores das flutuações dos preços mundiais e oferecer então preços relativamente altos. O sistema começou a abanar quando o Banco Mundial forçou o governo a liberalizar o sector do cacau na segunda metade dos anos 80.

Em 1988 o fundo de estabilização oferecia 400 FCFA por quilo quando o mercado mundial pagava a 450 FCFA. Como aos 400 FCFA pagos ao produtor seria necessário acrescentar mais 300 FCFA por quilo para transportes e outros encargos, o governo perdia 250 FCFA por quilo, ou seja, um dólar por quilo. Os rendimentos do fundo esgotaram-se rapidamente e o governo acabou por contrair empréstimos, principalmente junto de bancos comerciais franceses. De tudo isto resultou uma profunda crise económica.

Nos anos 90, o Banco Mundial e o FMI conduziram a Costa do Marfim a uma maior liberalização e em 1999 todos os sistemas de estabilização foram completamente removidos. Desde aí, o sector do cacau tem estado continuamente em crise.

Virtualmente desprotegidos, os produtores da Costa do Marfim, iletrados, sem rádios para conhecerem os preços internacionais e sem qualquer conhecimento do modo de funcionamento do mercado mundial ou como se negoceia com intermediários (a que os mexicanos chama os coiotes) são deixados à sua sorte para aprenderem as regras do jogo ou então para serem explorados. Criaram-se as condições subjacentes à utilização abusiva do trabalho infantil. O trabalho infantil abusivo e muito outro sofrimento humano teriam sido evitados se os mecanismos de estabilização dos preços estivessem a funcionar.

O leitor astuto pode questionar a eficácia dos fundos de estabilização dado que eles podem colocar o governo em dívida se o preço mundial for ao fundo durante períodos de

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tempo significativos. É por esta razão que os mecanismos de estabilização internacional são tão críticos. O International Cocoa Organization ((ICCO) procurou alcançar a estabilidade dos preços de mercado através International Cocoa Agreement (ICAS). De modo equivalente aos fundos de estabilização nacionais, o ICAs operava pelas vias da gestão de stocks e de um preço mínimo garantido. O ICAs ainda hoje, existe mas perdeu a sua eficácia devido ao mesmo tipo de políticas de ajustamento estrutural que levaram à eliminação dos fundos de estabilização nacionais.

A capacidade do ICA nunca foi testada durante a vigência dos dois primeiros acordos porque os preços nunca desceram abaixo do preço mínimo garantido. Durante este período, o ICCO foi capaz de acumular 230 milhões de dólares e usou-os para comprar os excedentes suficientes de cacau para que o preço se mantivesse a um nível modestamente elevado. Na altura do terceiro acordo, em 1980 os preços mundiais do cacau desceram significativamente e o ICCO ficou com excedentes de 210.000 toneladas e sem disponibilidades monetárias. Em 1980, o preço médio era de 1,18 USD/lb. No início de 1981 desceu para 0,94 USD/lb e para 0,75 USD/lb em Junho do mesmo ano. Quando os traders do cacau anteciparam a renovação do acordo os preços saltaram para 1,06 USD/lb. Mais tarde, quando já era óbvio de que não haveria nenhum acordo de estabilização, o preço desceu para 0,79 USD/lb em 1982. Como se disse, em vez de procurarem ajudarem a reconstituir o ICCA, os países importadores forçaram os países produtores a seguirem as políticas do Banco Mundial e do FMI e a liberalizarem ainda mais o sector do cacau. Como resultado, o ICA de 1993 deixou de ter provisões e stocks tampão e os que se tinham acumulado de acordos anteriores foram liquidados em Março de 1998. Pior ainda, o actual ICA (2001) não faz qualquer referência à estabilização dos mercados como um dos seus objectivos. Enquanto o acordo de 1993 pretendia “contribuir para a estabilização do mercado do mundo do cacau no interesse de todos os seus membros”, “para assegurar um equilíbrio de médio e longo prazo” e “para assegurar a adequada oferta a preços razoáveis e equitativos para produtores e consumidores” o acordo de 2001 não continha nenhum destes objectivos. Como afirma um relatório da UNCTAD de 2000-2001, a descida dos preços está directamente ligada à liberalização do comércio e à eliminação dos mecanismos de estabilização: “isto pode ser visto, a nível internacional, como o fim das cláusulas económicas nos acordos internacionais de mercadorias”, tal como refere a UNCTAD.

Ao mesmo tempo que as políticas do Banco Mundial e do FMI enfraqueceram o poder dos produtores, dos governos e dos mecanismos de estabilização, elas ajudaram alguns exportadores a aumentarem fortemente o seu poder. Através da desregulação da consolidação das operações locais de exportação pelas multinacionais, umas poucas grandes empresas estrangeiras conseguiram assumir o controlo de partes significativas do mercado mundial do cacau e do comércio local. Daqui resultaram importantes descidas dos preços e uma impressionante redução dos rendimentos para os países produtores do cacau.

Em suma, o Banco Mundial e o FMI desempenharam vários papeis fundamentais na promoção do trabalho infantil e mesmo da escravatura infantil na Costa do Marfim. Primeiro, porque as políticas de ajustamento estrutural fizeram subir os custos de produção, promoveram os excedentes de produção e a consequente descida dos preços, eliminaram os mecanismos de estabilização dos preços e dos rendimentos, eliminaram serviços sociais fundamentais e fizeram subir o custo de necessidades básicas como do ensino. Tudo isto forçou muitas famílias que viviam da agricultura a tomarem a dura decisão de retirarem os seus filhos da escola para irem trabalhar ou como emprego assalariado ou nas terras da família. Em segundo, ao promoverem a rápida liberalização do comércio e a eliminação dos fundos de estabilização, o Banco Mundial e o FMI deixaram os produtores e as economias nacionais sem defesas face à volatilidade dos preços mundiais. Em terceiro, as multinacionais ganharam um poder crescente para manterem

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baixos os preços do cacau através das políticas de ajustamento estruturais assim como apoiando o FMI e o Banco Mundial no seu apoio ao bloqueio de políticas que ameacem os seus lucros. E por fim, os produtores de cacau, são forçados a procurarem os custos mais baixos possíveis, levando-os à utilização do trabalho infantil ou mesmo do trabalho escravo infantil.

Recomendações para o Banco Mundial e FMI 1) Apoiar a diversificação de culturas e produção de alimentos para consumo

interno. Desde “a revolução verde” dos anos 70, a USAID (United States Agency for

International Development) e outras organizações promoveram o uso de híbridos de alto resultado e da monocultura, isto é, a especialização num só produto. Isto faz parte de muitas políticas de ajustamento estrutural relativamente ao crescimento das exportações do sector agrícola. Isto causou uma variedade de problemas tais como a ausência da biodiversidade, a perda de segurança alimentar, excedentes de produção e a frequente devastação económica. A diversificação de colheitas pode assegurar o equilíbrio ecológico. Encorajar os produtores regressarem às culturas e aos métodos tradicionais que são baseados na diversificação de culturas será um passo importante que deve ser activado. A World Cocoa Foundation menciona a diversificação de culturas como uma componente central para promover uma produção ecologicamente sustentada de cacau.

2) Permitir a reinstalação dos mecanismos de estabilização O papel dos sistemas de estabilização das mercadorias já foram descritos.

Adicionalmente, oferecem uma protecção fundamental relativamente ao mercado mundial, quer para os produtores quer para as economias nacionais. Geram, por essa via rendimentos adicionais que podem ser aplicados em programas sociais de base permitindo uma certa auto-suficiência e escapar ao problema da dívida internacional.

3) Taxas de juro mais baixas e um acesso mais fácil ao crédito Quando os países produtores de cacau aumentam as taxas de juro devido às políticas

de ajustamento estruturais, os produtores têm uma maior dificuldade no acesso ao crédito. Enfrentando os baixos preços do cacau e mercados instáveis, os agricultores têm poucos recursos para poupar e não podem prever os seus rendimentos de ano para ano. Isto significa uma extrema dificuldade ou mesmo impossibilidade de gerar poupanças. Como resultado, os produtores têm poucas e difíceis escolhas como a utilização de trabalho infantil para evitarem perder ou vender as suas terras.

4) Reinstalar a despesa social Os cortes na despesa social derivados das políticas de ajustamento estrutural

deixaram muitos produtores num estado de instabilidade económica. Os produtores agora precisam de mais dinheiro para satisfazerem as suas despesas básicas como educação e saúde, mas os seus rendimentos estão a afundar-se. As medidas também tornaram os governos incapazes de cuidar dos seus próprios cidadãos. Os governos devem ter o direito de gastar mais fundos estatais a promover o bem estar dos seus cidadãos. Os produtores devem ter acesso a serviços essenciais e à educação pública se se esperar que eles enviem os seus filhos para a escola e que remunerem decentemente os seus trabalhadores.

Excertos de: Deborah Toler, Melissa A. Schwelsguth, edit Jason D. Mark. While

Chocolates Lovers Smile, Child Cocoa Workers Cry, Global Exchange, 2003. Disponível em: http://www.globalexchange.org.

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3. O ALGODÃO Quando o Norte afunda o Sul na miséria

Os produtos agrícolas de África face ao mercado mundial, como o algodão, têm

sérias dificuldades a fazerem-se valer, porque, apesar da existência de estruturas de regulação internacional do mercado, a OMC no caso presente, várias e sérias distorções são visíveis. Eu referir-me-ei directamente à prática da política de subvenções à agricultura pelos países desenvolvidos o que implica sobre–produções e consequentemente descidas drásticas das cotações mundiais. As matérias-primas são pagas mais baratas no produtor africano e o produto acabado é-lhe revendido a um preço mais caro. Mais grave ainda, estas sobre-produções, como a do arroz e a do trigo, são enviadas para o continente africano e implicam no mercado interior sérias diminuições de preços. Num tal contexto, os produtos africanos são incapazes de resistir à concorrência e o produtor de base reencontra-se sem receitas, por vezes sobre-endividado.

Para voltarmos à queda das cotações de algodão no mercado mundial, como consequência dos subsídios acordados pelos Estados Unidos e certos países da Europa aos seus produtores de algodão, nós constatamos que o produtor americano recebeu um preço garantido de 72 cêntimos do dólar, ou seja aproximadamente 450 CFA/Kg em 2002/2003, enquanto o produtor de Burkina Faso teve uma remuneração de 175 CFA/Kg, ou seja menos 275 CFA/Kg, o que representa um não ganho de 10.075.000000 CFA (sobre uma produção de 403.000 toneladas) registada pelos produtores relativamente à colheita anterior.

As consequências duma tal distorção da concorrência são dramáticas para os produtores de algodão dos países como Burkina Faso no sentido em que o desenvolvimento da exploração é travado, uma vez que o produtor sente cada vez mais dificuldades para liquidar o seu crédito de campanha e não dispõe de recursos suficientes para a compra da charrua, do carro de bois, de charretes para a sua exploração. É necessário assinalar que somente a zona do algodão é equipada em mais de 60% em material agrícola financiado pelos rendimentos gerados elo algodão. Permanece claro que uma tal situação tem repercussões sobre a produção cerealífera. Do produtor de algodão que permanece, lembremo-nos, o maior produtor de cereais de Burkina Faso e certamente noutros países desta região.

O produtor vê-se cada vez mais limitado na sua capacidade em garantir certas necessidades cruciais da sua família, como a saúde, a escolarização dos seus filhos, a habitação, os meios de transporte, a roupa e mesmo certos bens de consumo que não podem ser produzidos na sua exploração, como o açúcar, a carne, o leite, etç. As condições de vida degradam-se e a miséria instala-se nas casas. Um chefe de exploração de algodão tem a seu cargo, em média, 12 pessoas, ou seja, os 210.000 produtores de algodão de Burkina Faso asseguram a sobrevivência a 2.500.000 pessoas. Daí segue-se um vasto êxodo dos jovens para os centros urbanos, deixando atrás de si os velhos, as mulheres e as crianças. Infelizmente, nestes destinos tão procurados, o emprego torna-se cada vez mais raro, deixando lugar à delinquência, à prostituição e ao Sida.

De uma forma geral, a pobreza no meio rural agrava-se com as suas repercussões sobre a economia nacional. Quando o produtor não dispõe de meios no final da campanha, isto ressente-se sobre o sector da indústria em especial na da fabricação de bicicletas, de pneus, de telas, de cimento, transporte, combustíveis, etç.

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Face a uma tal situação, qual deve ser a atitude a ter pelos produtores de algodão e os governos dos países africanos produtores de algodão?

Como diz um dos nossos provérbios, “quando um bebé tem sede e não chora acaba por morrer de sede”. É assim que as organizações de produtores de algodão de África, sob a impulsão da UNPC-B (União Nacional dos Produtores de Algodão de Burkina Faso) lançaram, a partir de Bobo-Dioulasso, desde 21 de Novembro 2001, um primeiro apelo dirigido à comunidade internacional. Este apelo foi fortemente reproduzido pelos grupos de solidariedade na Europa e por todo o mundo. Um segundo apelo foi lançado a 2 de Maio de 2002 e com o mesmo sucesso. O objectivo destes dois apelos era o de denunciar os prejuízos das subvenções americanas e europeias sobre a nossa agricultura. Nós aí denunciámos a inércia aparente dos nossos governos e convidávamo-los a fazerem-se ouvir ao nível da PMC. Desde então, já se registaram avanços significativos.

(…) Para além da luta contra essas subvenções, os nossos produtores de algodão da África ocidental, apoiados pelos nossos governos, devem aprofundar a reflexão com o objectivo de incitar os parceiros no desenvolvimento a promoverem a solidariedade internacional através dos apoios a título compensatório das perdas sofridas pelos produtores do Sul. Os EUA contam perto de 25.000 produtores de algodão contra 10 milhões de produtores na África Ocidental e Central. Será humanamente justo sacrificar o futuro de 10 milhões de pessoas para garantir o luxo (não a sobrevivência) de 25.000 americanos? É urgente reduzir a nossa dependência face ao mercado internacional valorizando no espaço sub-regional o nosso algodão pela criação de indústrias têxteis. Isto terá o mérito de evitar ao produtor africano vender mais barato o seu produto bruto para comprar o produto acabado a um preço fortemente elevado como é o que se passa actualmente.

Enfim, para concluir, verifico que para além do caso específico do algodão que acabo de expor, a quase totalidade dos produtos agrícolas do Sul sofrem os efeitos do comércio internacional tal como se pratica actualmente. Porque, como é que se compreende que a África que produz tantas matérias-primas (café, cacau, algodão, sésamo, etç) permaneça sempre ao nível do subdesenvolvimento?

O que nos parecer incompreensível, é o paradoxo que nós constatamos entre a vontade afirmada dos países do Norte de lutar contra a pobreza em África e a prática dos subsídios que atira mais de 80% das nossas populações para situações de miséria máxima.

Numerosos organismos dos países desenvolvidos estão implantados nos países africanos com o objectivo de lutar contra a fome, o analfabetismo e a pobreza. No final de um grande número de anos, a avaliação da situação não é positiva. As necessidades de saúde estão longe de serem cobertas ― é necessário por vezes andar mais de 30 km para encontrar um posto de saúde primário. As escolas estão sempre aquém das expectativas e é necessário geralmente andar entre 3 a 8 km a pé para ver uma escola primária cujos efectivos variam entre os 50 e os 100 alunos por sala. As zonas rurais entram em decomposição num isolamento que não favorece o desenvolvimento da agricultura. De facto, as vias de transporte rurais são para os nossos produtores parecidas aos tubos de extracção para os países produtores de petróleo. Face à pandemia de SIDA que faz razias em meios rurais, as populações estão sem meios de defesa, os preços dos mediamentos anti-retrovirais ultrapassam de longe o seu poder de compra e as campanhas de sensibilização permanecem sempre tímidas.

Fonte: François Traore, Passarelle, vol. 4, n.º 2, 2003

3.1. É O ALGODÃO

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“Os produtores americanos embarcam tudo o que podem para a China, onde é

armazenado nos portos…. Quer tenha sido comprado ou não pelos chineses. Aproveitam-se assim dos subsídios que irão só terminar no final da campanha.”

O International Cotton Advisory Committee publicou, em 3 deste mês, um relatório anunciando um grande aumento dos stocks mundiais. Aliás, se a seca continuar no Texas os agricultores não poderão aí semear soja ou milho. Plantarão algodão, o que agravará ainda mais os excedentes, China ou não. Este círculo vicioso continuará até 2013, quando os Estados Unidos suprimirem os 4 milhares de milhões de dólares em subsídios que eles continuam a pagar aos seus produtores de algodão. E enquanto se espera? “Não sonhemos. As cotações manter-se-ão à volta de 55 cêntimos, abaixo do preço de custo africano. A não ser que o barril de petróleo passe para 90 USD e que o seu sub-produto, o poliester, veja explodir os seus custos de fabricação”. Sonhemos”????

Fonte: Alain Faujas, C’est coton, Le Monde, 9-10 Abril de 2006, Paris.

4. A MADEIRA

Ao imporem sanções de objectivos bem precisos, a comunidade internacional demonstrou que estava preocupada com a ameaça que representa a Libéria para a segurança da região. Apesar das aberturas recentes, esta ameaça é bem real: a Libéria continua a apoiar e a armar os rebeldes da Frente Revolucionária Unida e continua igualmente a importar armas em violação das sanções assumidas.

Apesar das restrições sobre o comércio liberiano de armas, a Libéria consegue sempre encontrar aliados para se lançar neste comércio ilegal de armas. Entre os mais implicados neste facilitar de importação de armas está a Costa do Marfim, o Níger, o Burkina Faso (através de falsos certificados de utilizador final), o Tchad e a Gâmbia. Entre as pessoas implicadas na indústria florestal e no fornecimento de armas figura o reputado chefe da máfia ucraniana, Leonild Mini, o traficante de armas Sanjivan Ruprah, que era igualmente o comissário adjunto dos Negócios Marítimos da Nigéria, o grande traficante de armas Victor Bout, que segundo Ruprah, quando preso, teria fornecido armas à rede terrorista internacional Al Quaida. Há inclusive quem admita ligações entre o Presidente Taylor e a própria Al Quaida. [Assinale-se ainda] a presença de uma multiplicidade de grupos que estão presentes na região e que aumentam as possibilidades de desestabilização regional. Os ucranianos que equipam a maior parte dos aviões na região, estão próximos de Charles Taylor. A máfia ucraniana está presente a Libéria desde há muito tempo. Mercenários da Costa do Marfim, da Gâmbia, do Burkina Faso e sul-africanos naturalizados estão igualmente à disposição de Taylor.

A exploração da floresta húmida da Libéria é hoje um tema de preocupação maior para os ecologistas, tanto no interior como no exterior da Libéria. Mas para a maior parte dos liberianos, a preocupação máxima está para além do meio ambiente e da manutenção dos meios de subsistência e compreende a violação dos direitos do homem, a institucionalização da anarquia, a corrupção do governo e o isolamento do governo que mostrou que é insensível aos desejos e aspirações do povo.

Todavia, estas preocupações são muito pouco quando comparadas com os temores expressos por uma larga camada da população. Que poderia resultar do aventureirismo militar de Taylor nesta região, financiado em parte pela exploração florestal. Um consenso existe sobre o facto que os problemas da destruição da floresta e das suas consequências ecológicas assim como os problemas da distribuição desigual dos rendimentos da

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exploração florestal não deveriam desviar a atenção dos problemas explosivos e mais complexos da utilização destes rendimentos pelo Presidente Taylor para desenvolver um exército com o único objectivo de rearmar o seu regime tirânico e despótico. O risco de explosão de um conflito que mergulharia essa região no caos e na anarquia é muito real para que alguém o possa ignorar.

A indústria da madeira que, em 2000, gerou lucros mínimos de 100 milhões de dólares é o vector económico que torna tudo isto possível. Estes lucros não beneficiaram o Estado, mas fornecem os recursos essenciais à máquina de guerra de Charles Taylor. Até que algum entrave seja posto a estes rendimentos, será impossível assegurar a segurança nesta região. Com a excepção dos postos atribuídos aos ex-repatriados, os empregos ligados à exploração florestal são raros, sazonais e precários. As sanções prejudicarão uma elite de militares e uma indústria ávida bem mais do que a maioria dos libérios que vivem já numa pobreza abjecta sobre um território quase sem infra-estruturas. A continuação das práticas de exploração florestal actuais prejudica seriamente a população da Libéria.

Este relatório descreve o papel cada vez mais importante da indústria da madeira na Libéria sobre o agravamento da insegurança na região. Esta indústria é utilizada pelo governo da Libéria para fazer o tráfico de armas, e ela é também a fonte principal dos rendimentos da Frente Revolucionária Unida (FRU) da Serra Leoa. Os rendimentos gerados por esta indústria financiam igualmente as famosas forças de segurança do Presidente Charles Taylor, implicadas em numerosas violações dos direitos do homem. Por esta razão, a capacidade da Libéria em tomar parte no comércio internacional da madeira significa que o país pode também continuar a prolongar o conflito e a insegurança da região e no interior das suas próprias fronteiras. É importante notar que a importância da madeira cresceu consideravelmente desde que o comércio dos diamantes foi oficialmente limitado.

Este relatório coloca em relevo estas ligações, demonstrando que os elementos no seio da indústria florestal na Libéria não somente financiam o comércio das armas mas nele tomam igualmente parte. Além disso, o relatório demonstra que, devido às sanções, Charles Taylor foi obrigado a virar-se para outra fontes de rendimentos. Sendo dado que os rendimentos provenientes dos registos de barcos são relativamente estáticos, Taylor só teve como escolha possível a de intensificar os rendimentos da madeira. Ele próprio o confirmou, na sua mensagem do dia mundial da população quando disse que o “seu governo depende fortemente da floresta e em mais de metade do produto nacional bruto” e concluiu “que nunca, na história do nosso país, o ambiente e particularmente os recursos florestais foram objecto de tantas pressões”. Esta dependência acrescida face à indústria da madeira depois da imposição das sanções permite-lhe não somente manter o seu regime opressivo e corrupto, mas é igualmente a causa da destruição das florestas da Libéria e a ritmo alarmante, que conduzirá quase certamente à liquidação comercial e ambiental deste precioso recurso natural.

A capacidade de Taylor em utilizar os recursos naturais da Libéria para os seus próprios fins foi facilitada pela lei sobre as matérias-primas estratégicas, que apresentou no Congresso da Libéria no final de 1999. Apesar de uma forte oposição, esta lei passou em Fevereiro de 2000 sem ser objecto de votação justa e equitativa.

No artigo 3, a lei diz que “O Presidente da República da Libéria tem o poder exclusivo de executar, negociar e concluir todos os contratos ou acordos comerciais com todo o investimento nacional ou estrangeiro para a exploração das matérias-primas estratégicas da República da Libéria. Tais acordos comerciais entrarão em vigor e implicarão a República como todo e qualquer tratado em que a República é parte constituinte, com a única aprovação e assinatura do Presidente da República da Libéria”.

Esta lei coloca assim todos os recursos da Libéria sob o controle exclusivo do Presidente Charles Taylor. Isto permite-lhe pelo seu lado comprar as armas e financiar os

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simpatizantes de que tem necessidade para desestabilizar a região e tomar o controle dos recursos para além das fronteiras.

Em suma, a pressão acrescida sobre as florestas devido à omissão de sanções sobre a indústria da madeira mina não somente a eficácia das sanções actuais, mas terá impactos a longo prazo sobre o país.

Em 2000 a produção de madeira era de 934 mil metros cúbicos, com um valor no mercado mundial de 187 milhões de dólares e com um volume de exportações de 645 mil metros cúbicos. A soma recebida pelo Banco Central da Libéria no decorrer do mesmo período foi somente de 6,7 milhões de dólares: 7 USD por metro, em média. A produção anual foi de 157 mil metros em 1998. Em 1999 tinha praticamente dobrado, atingindo um total de 335 mil metros e em 2000 tinha quase que triplicado relativamente ao ano anterior. A produção mínima no decorrer dos cinco primeiros meses do ano de 2001 era 30 % mais elevada que o valor da mesma data em 2000. Estes números mostram a dependência de Taylor face à indústria da madeira e a ameaça que isto representa.

As implicações são graves. Quando a Libéria retomar um dia a sua estabilidade, a sua tesouraria e a sua população serão privadas de um precioso recurso económico. Os impactes ecológicos e económicos negativos da desflorestação tais como as inundações, as secas e as variações climáticas sazonais poderão provocar desgastes para a maioria da população que depende da agricultura para sobreviver.

A oposição às sanções sobre a madeira veio da China e da França, os dois maiores importadores de madeira da Libéria, e do governo da Libéria. [As exportações para a China e a França] representam 71% do conjunto das exportações e um valor de 91,5 milhões de dólares americanos. Nos dois casos, as principais empresas exportadoras estão ligadas ao tráfico de armas e à utilização de milícias armadas. A oposição francesa e chinesa falam dos efeitos negativos que as sanções poderiam ter sobre as populações e sobre a insuficiência de provas ligando a indústria da madeira aos financiamentos militares e ao comércio das armas.

Todavia, a maior parte dos jornais da Libéria independentes e cidadãos interrogados pela Global Witness consideram as sanções como essenciais para proteger os recursos florestais da Libéria. Além do mais, para a maior parte dos liberianos, a situação actual não poderia ser pior. Estas sanções afectariam a elite, não os cidadãos normais da Libéria.

De todos os países, a França e a China, são os países que tem interesses mais importantes no sector da madeira, na Libéria. A França e a China conduziram a sua oposição contra a inclusão da madeira nas sanções contra a Libéria desde 2001. As razões avançadas são as seguintes:

China: “O impacto humanitário das sanções sobre o povo liberiano. É certo, nós importamos também madeira da Libéria, mas isto não é a nossa preocupação maior, nós queremos fundamentalmente encontrar um justo equilíbrio entre os problemas humanitários e a ligação possível entre os recursos naturais e as armas”.

França: “A ausência de ligação entre a madeira e as armas, mas nós somos completamente abertos à ideia de impor sanções sobre a madeira e a borracha se a ligação com as armas é estabelecida”.

A França tem níveis de trocas muito desenvolvidas com a Africa Ocidental e deseja talvez não ser vista como uma ameaça para os governos africanos.

O argumento comercial é igualmente válido para a China também. Enquanto a China aprecia sem qualquer dúvida as árvores da Libéria é igualmente provável que ela procure seduzir Taylor para o afastar de Taiwan com quem ele tinha formado uma aliança.

A indústria mundial da madeira tropical dirige-se tradicionalmente aos Chefes de Estado que possuem vastos recursos florestais e instituições frágeis. Respeitando “as práticas de comércio local” ela negoceia os mercados para explorar os recursos brutos ao preço mais baixo possível. Esta forma de fazer negócios convém muitíssimo bem à

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economia dos senhores da guerra. As sociedades transnacionais predadoras não têm nenhum problema moral para nenhum país, elas também não respeitam as leis e as regulações locais a não ser que sejam obrigadas pelos seus hospedeiros. A sua capacidade em operar depende de negociações directas com a elite do poder e de uma procura contínua para os produtos de contraplacado e madeiras duras, neste caso para consumidores que não se preocupam, ou ignoram, a origem destes bens. Desta forma, o mercado mundial dos troncos de árvores e de produtos da madeira faz o jogo dos chefes militares como Taylor. Taylor responde às possibilidades que lhe oferece o mercado, não é ele que as cria ou produz. Extractos de Enterrer la hache, Setembro, 2002 e de Sur mesure pour Taylor: le rôle

crucial dés forêts du Libéria sur les conflits régional, Setembro, 2001 Fonte: www.globalwitness.org.