Agatha christie - cipreste triste

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O detetive Hercule Poirot precisa desvendar a misteriosa morte da rica proprietária de uma mansão em Hunterbury. Ela parecia ter morrido durante o sono, mas a enfermeira que a atendia deu por falta de uma ampola de morfina em sua maleta de remédios. Pouco tempo depois, uma outra pessoa da casa morre – ao que parece, acidentalmente – da mesma maneira.

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PRÓLOGO

Elinor Katharine Carlisle. comparece perante este tribunalacusadadetermortoMaryGerrardnodia27deJulhopassado.

Confessa-seculpadaounão.”Elinor Carlisle estava de pé, muito direita, a cabeça

levantada. Era uma cabeça graciosa, de contornos finos e bemdefinidos.Osolhoseramdeumazulintenso,ocabelopreto.

As sobrancelhas tinhamsido reduzidas auma linha leve efina.

Houveumsilêncio-umsilênciobastantemarcado.Sir Edwin Bulmer, advogado de defesa, sentiu receio, e

pensou:“MeuDeus,vaiconfessar-seculpada...Perdeuacoragem.. .”ElinorCarlisle,entreabrindoaboca,disse:“Estouinocente.”Oadvogadodedefesarecostou-separatrás.Passouumlençopelatesta,epensouqueforaporumtriz...

Sir Samuel Attenbury estava de pé, expondo o caso aotribunal.

“Ex.moSr.Dr.Juiz,srs.jurados,nodia27deJulho,àstrêse meia da tarde, Mary Gerrard morreu em Hunterbury,Maidensford...” A voz continuou, sonora e agradável de ouvir.Embalava Elinor a ponto de quase perder consciência. Danarrativasimpleseconcisasóumaououtra frasepenetravanoseuconsciente.

...Casoparticularmentesimpleseclaro...“...Compete a este tribunal... esclarecer o motivo e a

oportunidade...“...Ninguém,aoqueparece,tinhamotivoalgumparamatara

infelizMaryGerrard,senãoaacusada.Eraumaraparigacomumexcelente feitio, de quem todos gostavam e sem ter, por assimdizer,qualquerinimigo...”Mary,MaryGerrard!Quelongínquoeirrealtudopareciaagora...

“..Chama-seavossaatençãoespecialmenteparaosseguintespontos:

1. Que oportunidades e meios tinha a acusada deadministraroveneno?

2.Quemotivotinhaparaofazer?

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“...Compete-me trazer perante vós testemunhas que vospossamajudarachegaraumaconclusãoverdadeirasobreestasquestões...

“...Quanto ao envenenamento de Mary Gerrard, tentareimostrar-vos que ninguém tinha oportunidade de cometer estecrimesenãoaacusada...”

Elinorsentia-secomoqueenvolvidanumdensonevoeiro.Palavrassoltasrompiamessabruma.“...Sanduíches...“...Conservasdepeixe...“...Casavazia...”Aspalavrasatravessavamaespessacortinaqueenvolviaos

pensamentosdeElinor -qualpicadasdealfineteatravésdeumvéupesadoqueaisolava...

O tribunal. Rostos. Filas e filas de rostos! Certo rosto comumgrandebigodepretoeolhosespertos.HerculePoirot,deolharpensativo,cabeçainclinadaumpoucoparaolado,observava-a.

Ela pensou: está a tentar compreender qual a verdadeirarazãoporquefizaquilo...Estáatentarpenetrarnomeuespíritoparacompreenderoquepensei-oquesenti...

O que senti... ? Uma nuvem toldou-lhe a vista e teve umaleve e deiagradável sensação de choque... O rosto de Roddy - orosto querido, com o seu nariz afilado e a boca revelandosensibilidade... Roddy! Sempre Roddy - lembrava-se dele desdepequena... desde aqueles tempos em Hunterbury por entre asframboesas, ou no parque, ou lá em baixo próximo do regato.Roddy--Roddy--Roddy...

Outros rostos! A enfermeira O'Brien, a boca ligeiramenteaberta, o rosto fresco e sardento muito espetado. A enfermeiraHopkinsdeaspectoimpecável-impecáveleimplacável.

OrostodePeterLordPeterLord-tãoamável,tãosimpáticotão - tão reconfortante! Mas parecendo agora - o quê? - aflito?Sim, era isso - aflito ! Preocupado - terrivelmente preocupadocom tudo aquilo! Enquanto ela própria, a figura central não sepreocupavanada!Ei-la,bastantecalmaeindiferente,peranteumtribunal,acusadadeassassínio.

Qualquer coisa se moveu; a cortina que lhe envolvia océrebrotornou-semaisleve,maistransparente.Notribunal!...

Muitagente...

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Genteinclinadaparaafrente,abocaumpoucoentreaberta,os olhos cheios de curiosidade, fixos nela, Elinor, com umasatisfaçãodevampiros,ouvindo,comumaespéciedeprazerlentoe cruel, o que aquele homem alto com nariz de judeu dizia arespeitodela.

“Os factos,neste caso, são extremamente fáceisde seguir enão estão em discussão. Vou apresentá-los de uma maneirasimples.Começandopeloinício...”Elinorpensou:

“Oinício...Oinício?Foinodiaemqueveioaquelahorrívelcartaanónima!Sim,foiesseoinício...”

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PRIMEIRAPARTE

Capítulo1Umacartaanónima!ElinorCarlisle,comelanamão,ficoua

olhá-la. nunca tinha recebido nenhuma Causava-lhe umasensação desagradável. Era uma carta mal escrita, com errosortográficosenumpapelbaratocor-de-rosa.Diziaoseguinte:

Tem esta o fim da avisar. ;Não digo nomes mas há uma

pessoaqueandamuitoderodadasuatiaesenãotemcoidadoficasemnada.

Asraparigasnovassãomutosabidaseassenhorasdeidadeficammutoderretidasguandoumapessoanovaasamimaelhesdizcoisasbonitas.Nomeuentenderdeviavircávercomosseusolhosoquesepassanãoéjustoquetiremoqueédasenhoraedootrosenhor6elaémutosabidaeaboasenhorapodemurrerdummumentopraoutro.

UmapessoaquelhequerBem.Elinor, estava ainda de olhos fixos nesta missiva, com as

sobrancelhasfranzidasnumaexpressãodedesagrado,quandoaportaseabriueacriadaanunciou:“Osr.Welman”.

Roddyentrou.Roddy! Como sempre que via Roddy, Elinor sentiu uma

sensação de ligeira tontura, uma vibração de súbito prazer, eachouquedeviamostrar quepossuíaumespíritoprático enãoerasusceptíveldeemoções.PorqueerabemevidentequeRoddy,apesardeaamar,nãosentiaporelaoqueelasentiaporele.Vê-lo, produzia-lhe um efeito como se lhe estivessem a oprimir ocoraçãoapontodequaselhefazerdoer.

Era absurdo que um homem - um homem vulgar, sim,perfeitamente vulgar - conseguisse produzir aquele efeito emalguém!Queosimples factodeolharparaele fizessevertudoàroda,queouvirasuavozdessevontadedechorar...

Oamordeviaser certamenteumaemoçãoagradável, enãotão intensa que se tornasse assim pungente... Uma coisa era

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evidente: era preciso ter o cuidado de mostrar que encarava aquestãodespreocupadaenaturalmente.Oshomensnãogostamdededicaçãonemdeadoração.ERoddynãogostavacomcerteza.

Eladissedesprendidamente:-Olá,Roddy!-Olá,querida.Estáscomartrágico.Issoéalgumaconta?Elinorabanouacabeçanegativamente.-Penseiquefosse;noVerão,bemsabes,équandoasfadas

dançam e as contas lá vêm dançando também. É terrível,horroroso.Éumacartaanónima.

Roddyfranziuatesta.Oseurostoafiladoetristonhotornou-seduro.

-Nãoépossível-esclamoucomrepulsa:Elinorrepetiu:-Éterrível,horroroso...Dirigiu-separaasecretária.-Omelhorqueháafazerérasgá-la,parece-me.Podia fazer isso - esteve quase a fazer - porque Roddy e

cartas anónimas eram incompatíveis. Podia deitá-la fora e nãopensarmaisnela.Elenãoa impediria.Ode interessepor tudoestava muito mais fortemente desenvolvido nele do que acuriosidade.

MasnumimpulsoElinorresolveuoutracoisaeobservou:- No entanto, talvez seja melhor tu lê-la primeiro. Depois

queimo-a.ÉarespeitodatiaLaura.Roddyabriumuitoosolhossurpreendido.-DatiaLaura?Pegou na carta, leu-a, fez uma expressão de desagrado e

tornouaentregá-la.- Sim, é de queimar, sem dúvida! Há pessoas muito

extraordinárias!-Édeumadascriadas,nãoachas?- Acho que sim. - Ele hesitou. - Não imagino quem seja a

pessoaaquesereferem.-DeveserMaryGerrard,julgoeu.Roddysemicerrouosolhosnumesforçodememória.-MaryGerrard?Quemé?-Afilhadoguarda.Deveslembrar-tedelaemcriança.Atia

Laurasempregostoumuitodagarotaetomouinteresseporela.Pagou-lhe os estudos e vários extras, como lições de piano e

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francêseoutrascoisasmais.-Ah,sim,jámelembrodela:umamiuditaqueerasópernas

ebraçoscomumagrandecabeleiraloira.Elinorconfirmou.-Sim,provavelmentenuncamaisavistedesdeaquelasférias

deVerãoemqueamãeeopai foramaoestrangeiro.ÉverdadequenãotensidoaHunterburytantasvezescomoeu,eelaesteverecentemente na Alemanha, mas nós costumávamos brincar efazertroçadelaquandoéramospequenos.

-Comoestáelaagora?-perguntouRoddy.- Está uma rapariga muito bonita e bem educada. Com

aquelaeducaçãoninguémdiráqueéfilhadovelhoGerrard.-Fez-seumasenhora,não?-Éverdade.Achoqueporcausadissonãovivemuitobem

emcasadopai.AsrªGerrardmorreuháalgunsanoseMaryeopainãosedãoumcomooutro.Ele faztroçadosestudosedas“maneirasfinas”dela.

Roddycomentouirritado:-Aspessoasnemsonhamomalquepodemfazeremeducar

alguém!Àsvezesécrueldadeenãobondade!-Suponhoqueelapassamuitotempoláemcasa...Seiquelê

paraatiaLauradesdequeelateveoataque.-Porquenãolhelêaenfermeira?-perguntouRoddy.Elinorrespondeucomumsorriso:-AenfermeiraOBrientemumsotaquemuitomarcado!Não

meadmiroqueatiaLauraprefiraaMary.Roddy passeou rápida e nervosamente de um lado para o

outroduranteunsminutos.-Sabes,Elinor,achoquedevíamosirlá.- Por causa disto? - perguntou Elinor após uma ligeira

surpresa.-Não,nãoéporcausadisso.Ouporoutra,sejamosfrancos,

é! Embora essa comunicação seja idiota, pode haver algumaverdade por trás dela. Bem vês, a pobre senhora está muitodoente.

-Sim,Roddy.Eleolhouparaelacomoseuencantadorsorriso,admitindo

asfraquezashumanas.- E o dinheiro tem importância para nós Elinor, para ti e

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paramim.-Poistem-concordouclaimediatamente.Elecontinuoucomarsério:-Nãoéqueeusejamercenário.MasaliásaprópriatiaLaura

temditoerepetidoquetueeusomososseusúnicosparentei.Tués sobrinha, filha de um irmão, e eu sou sobrinho domarido.Semprenosdeuaentenderquepormortedelatudooquepossuificariaparaumdenósoumaisprovavelmenteaindaparaambos.Eéumasomaconsiderável,Elinor.

-Sim,deveser-disseElinorpensativa.-ManterHunterburynãoébrincadeira.-Fezumapausa.-Parece-mequeo tioHenry já vivia oque sepode chamar

bem,quandoencontrouatuatiaLaura.Masalémdissoelaerauma herdeira. Ela e o teu pai ficaram bastante prósperos. Foipena que o teu pai se metesse em negócios e perdesse grandepartedodinheiro.

Elinorsuspirou.- Coitado do pai, nunca teve jeito para negócios. Andava

muitopreocupadocomtudoantesdemorrer.- Sim, a tua tia Laura tevemuitomais cabeça do que ele.

Casou-secomo tioHenryecompraramHunterbury,edisse-meela uma vez que tinha sido sempre excepcionalmente feliz noempregodecapital.Praticamentenadalhetinhafalhado.

-OtioHenrydeixou-lhetudoquandomorreu,nãodeixou?Roddyconfirmou.- Foi trágico morrer tão cedo. E ela não tornou a casar.

Envelheceufiel.Foisempremuitoboaparanós.Tratou-mecomose eu fosse sobrinho dela, pelo sangue. Sempre que estive emapurosajudou-me,oque,felizmente,nãosucedeumuitasvezes!-Paramim tem sido tambémmuitíssimo generosa - disse Elinorcomgratidão.

- A tia Laura é boa pessoa. Mas, sabes Elinor, talvez semquerer, tueeuvivamosbastanteextravagantemente,emrelaçãoaosmeiosdequerealmentedispomos!

Elaconfirmoucalmamente:- Suponho que sim... Tudo custa tão caro! Os fatos, o

cabeleireiro, coisas sem importância comocinemas e cocktails eatéosdiscos!

- Querida, tu és um dos lírios do campo, não és? Não

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trabalhasnemfias!-Achasquedevia,Roddy?Eleabanouacabeçanegativamente.-Gostodeticomoés:delicada,distanteeirónica.Detestava

quetomassesavidademasiadoasério.Sódigoquesenãofosseatia Laura estarias possivelmcnte trabalhando em qualquerempregodetestável.Eomesmosepassacomigo.Oempregoquetenho não me interessa. Estar no Lewis Hume não é muitofatigante.Estámesmoa calhar paramim.Mantenho o respeitopor mim próprio tendo um emprego; mas, nota bem, não mepreocupocomo futuroporcausadasminhasesperançasnatiaLaura.

-Parecemossanguessugas!- Qual! Foi-nos dado a entender que um dia teríamos

dinheiro, e pronto. É claro que esse facto influencia a nossaconduta.

Elinorobservou,pensativa:- A tia Lauranuncanos disse emdefinitivo e exactamente

comodeixariaodinheiro...- Isso não importa! Provavelmente dividiu-o por nós dois;

massenãoforassim,setedeixartodoouquasetodoporseresdoseusangue,eutambémopartilhareiporquevoucasarcontigo;eseaboasenhoraacharqueeudevoficarcomamaiorparte,comorepresentantemasculinodosWelmans,tambémestábem,porquetuvaiscasarcomigo.

Éumasortegostarmosumdooutro.Tugostasdemim,nãogostas,Elinor?

-Gosto-disseelafriamente,numtomquaseafectado.-Gosto! - repetiuRoddy imitando-a. - És adorável, Elinor.

Esseteuarzinhodistante,impenetrável...IaPrulccsscLointaine.Creioquesãoessesteusatributosquemefazemgostardeti.

Elinorconteveumsuspiroeexclamou:-Ah,sim?- Sim. Algumas mulheres são tão. . . não sei. . . tão

terrivelmente absorventes .. tão... tão caninamente dedicadas,alardeandoosseussentimentosportodaaparte!Detestavaisso.Contigonuncasei,nuncatenhoacerteza:deummomentoparaooutrovoltasascostascomaqueleteumodofrioedesprendidoedizes que mudaste de ideias, assim tal qual, friamente, sem

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pestanejar!Ésumacriaturafascinante,Elinor.Éscomoumaobradearte,tão,tãocompletae..Econtinuou:- Sabes, acho que o nosso casamento será um casamento

perfeito... Gostamos ambos um do outro, o suficiente sem serdemasiado. Somos bons amigos. Temos muitos gostos emcomum. Conhecemo-nos profundamente bem. Temos todas asvantagensde serprimos semasdesvantagensdeparentescodesangue.Nuncame cansarei de ti, porque és versátil. É verdadequepodescansar-tedemim.Souumapessoatãovulgar.

-Nuncamecansareideti,Roddy,nunca-disseElinor.-Minhaquerida!-Ebeijou-a.- Penso - disse ele ainda - quea tiaLaura, lápara si, tem

uma ideia do que se passa entre nós, embora não tivéssemosestadocomeladesdequeassentámostudo.Éumaboadesculpaparairmosláagora,nãoéverdade?

-Poisé.Outrodiaestiveapensar...Roddyacabouafraseporela.-...Quenãovamoslátantasvezescomodevíamos.Também

penseinisso.Quandoelateveoprimeiroataqueiamoslá,semanasim,semananão.Eagoradevehaverquasedoismesesquelánãovamos.

-Seelanostivessechamadotínhamosidoimediatamente-afirmouElinor.

- Isso é verdade. E sabemos que ela gosta da enfermeiraO'Brien e é bem tratada. Contudo, talvez tenhamos sido umpoucodescuidados.Agoranãoestouafalarsobopontodevistadodinheiro,masdomeroaspectohumano.

-Compreendo.-Afinal essa repelentecarta fezalgumbem!Vamos lápara

protegerosnossosinteresseseporquegostamosdaboasenhora!Acendeu um fósforo e deitou fogo à carta que tirou damão deElinor.

-Fazesideiadequemaescreveu?-perguntou.-Nãoéqueissotenha importância...Foicomcertezaalguémqueestava“donosso lado” como nós costumávamos dizer quando éramospequenos. Talvez nos tenham feito um favor. A mãe de JimPartingtonfoiparaaRivieratratar-se,apaixonou-sepelomédicoassistentequeeraumclínicoitalianonovoesimpático,edeixou-

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lhe todo o dinheiro que possuía. Jim e as irmãs tentarammodificarotestamentomasnãoconseguiram.

-AtiaLauragostadonovomédicoque foiparao lugardoDr. Ransomemas não a esse ponto! Aliás aquela horrível cartamencionavaumarapariga.DeveserMary.

-Vamosatélávercomosnossosprópriosolhos...IIAenfermeiraO'Briensaiusilenciosamentedoquartodasrª

Welmanparaacasadebanho.-Ésópôraáguaaferver-disse-comcertezasabe-lhebem

umachávenadechá,antesdeseirembora.AenfermeiraHopkinsexclamoucomsatisfação:-Poissim, filha,amimsabe-mesemprebemumachávena

dechá.Ecostumodizerquenãohánadaquechegueaumaboachávenadechá,bemforte!

AenfermeiraO'Brienenquantoenchiaachaleiraeacendiaofogãodegásexplicou:

-Tenhotudoaquinestearmário:bule,chávenaseaçúcar;eaEdnatraz-meleitefrescoduasvezespordia.Nãoéprecisoficarumtemposemfimatocaracampainha.Estefogãodegásébom;ferveumachaleiranuminstante.

A enfermeira O'Brien era umamulher de trinta anos alta,ruiva, com dentes brancos e brilhantes, o rosto sardento e umsorrisosimpático.Asuaboadisposiçãoevitalidadetornavam-naquerida dos doentes. A enfermeira Hopkins, enfermeira dalocalidade,quevinhatodasasmanhãsajudarafazeracamaeatoilette da pesada doente, era uma mulher de meia idade defeiçõesgrosseirascomareficienteemodosbruscos.

Estadisse,então,elogiando:-Nestacasaestátudom1itobemfeito.-Poisestá-concordouaoutra.-Apenasalgumascoisassão

antiquadas. Por exemplo, não há aquecimento central, emborahajamuitosfogõesdesala.QuantoàscriadassãotodasraparigasprestáveiseasrªBishopdirigia-asbem.

- Estas raparigas de agora, não tenho paciência para asaturar - exclamou a enfermeira Hopkins. - Não sabem o quequerem,enãofazemumdiadetrabalhoqueseveja.

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-MaryGerrardéboarapariga-disseaenfermeiraO'Brien.-RealmentenãoseioqueseriadasrªWelmansemela.Nuncaaouviu chamar por ela? Bem, devo dizer, que a rapariga éencantadoraesabelidarcomasenhora.

-TenhopenadeMary.Opaidelafaztudoparaahumilhar.-Nãosabeoqueéumapalavradelicada,odiabodohomem.

Pronto,achaleirajáestáaassobiar.Assimqueferverésódeitar-lheochá.

Fez o chá e serviu-o quente e forte. As duas enfermeiraspegaram nas chávenas e foram sentar-se para o quarto daenfermeiraO'BriencontíguoaodasrªWelman.

- O sr. Welman e Miss Carlisle vêm cá, - informou aenfermeiraO'Brien.-Chegouumtelegramaestamanhã.

- Agora percebo. Achei que a nossa doente estavaentusiasmada com qualquer coisa.Hámuito tempo que cá nãovem,poisnão?

-Estiveramcáhádoismesesoumais.Osr.Welmané tãonovoetãosimpático!Mastemumcertoarorgulhoso.

-Vi o retrato delanoTatlerumdia destes, emNewmarketcomumaamiga-disseaenfermeiraHopkins.

-Elaémuitoconhecidanasociedade,nãoé?Eandasempremuitobemvestida.Achaqueérealmentebonita?

- É difícil saber como realmente são estas raparigas semmaquilhagem! Na minha opinião não pode sequer comparar-secomaformosuradeMaryGerrard!

A enfermeira O'Brien cerrou os lábios e inclinou a cabeçaparaumlado.

-Pode serque tenha razão.MasàMary falta-lhe classe!Ohábitofazomonge-sentenciouaenfermeiraHopkins.

-Queroutrachávenadechá?-Poissim,obrigada.Com as chávenas fumegantes namão aproximaram-se um

poucomaisumadaoutra,eaenfermeiraO'Briendisse:- A nOite passada, aconteceuuma coisa estranha.Como é

costumeentreinoquartoàsduasdamanhãparacolocaranossadoente numa posição confortável, e ela estava acordada. Masdevia ter estado a sonhar, pois mal entrei disse: “A fotografia.Queroafotografia”.Entãoeuobservei-lhe“Poissim,srªWelman.Mas não prefere esperar pelamanhã?” “Não, quero vê-la agora”

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respondeu-me.Entãoperguntei:“Eondeestáessafotografia?Éado sr. Roderick?” “Roderick?Não, Lewis” disse ela e começou aquerer mexer-se. Ajudei-a a soerguer-se, tirou as chaves dacaixinha que está ao lado da cama e disse-me que abrisse asegundagavetadotoucador,eláestava,realmenteumafotografiagrandenumamolduradeprata.Eraa fotografiadeumhomemmuitointeressanteetinhaLewisesCritoaumcanto.Eraantiga,deve ter sido tirada há muitos anos. Levei-lha, ela agarrou-a eficoua contemplá-lamuito tempo.Murmuravaapenas, “Lewis...Lewis”-Depoissuspirou,deu-maemandou-mepô-lanomesmosítio.Equercrerquequandomevolteioutravezparaela,tinhaadormecidoSuavementecomoumacriança?

- Como que era o marido dela? - perguntou a enfermeiraHopkins.

era!Porqueestamanhãperguntei casualmente shop,qualeraoprimeironomedosr.Welmaneeladssse-mequeeraHenrY!

As duas trocaram olhares. A enfermeira Hopkins tinha onariz comprido e a ponta tremeu-lhe um pouco de agradávelemoção.Porfimdissepensativamente:

-Lewis...Lewis...Nãosei.Nãome lembrodessenomeaquiporestessítios.

-Devetersidohámuitosanos-lembrouaoutra.-Sim,éclaro,eeuestouaquiapenasháumpardeanos.

Nãosei.- Eraumhomemmuito interessante. Parecia ser oficial de

cavalaria!- É muito curioso! - exclamou a enfermeira Hopkins,

sorvendo o chá: - Talvez quando eram ambos novos tivesseminclinação um para o outro e um pai cruel os separasse... -conjecturouromanticamenteaenfermeiraO'Brien.

- Talvez ele tivesse morrido na guerra... - alvitrou aenfermeiraHopkinssuspirandoprofundamente.

IIIQuandoaenfermeiraHopkinsagradavelmenteexcitadapelo

chá e pelas especulações românticas saiu finalmente, MaryGerrardveioacorreraoencontrodela.

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-Possoiratéàvilaconsigo,srªHopkins?-Poispode,minhafilha.-Precisodelhefalar.Estoutãopreocupadacomtudoisto-

disseMaryGerrardofegante.Aoutraolhouparaelaternamente.Com os seus vinte e um anos, Mary Gerrard era uma

rapariga encantadora, comumpoucoda imaterialidadedeumarosaselvagem:umpescoçolongoedelicado,cabelodeumlouropálido, em leves ondas naturais emoldurando-lhe a cabeça,estranhamentemodelada,osolhosdeumazulintenso.

-Quehá?-perguntouaenfermeiraHopkins.-Háqueotempopassaeeusemfazernada.- Tem muito tempo - exclamou secamente a enfermeira

Hopkins.-Não,massinto-metão,tãopoucosegura.AsrªWelmanfoi

muitíssimo boa, dando-me todos aqueles estudos dispendiosos.Acho que devia agora começar a ganhar a vida. Devia arranjarqualquertrabalhoparairpraticando.

A enfermeira Hopkins fez um aceno de compreensão esimpatia.

- É desperdiçar tudo se não faço alguma coisa. Tenteiexplicar o que sintoà srªWelman,mas édifícil, elaparecenãocompreender.Dizsemprequetenhomuitotempo.

-Lembre-sedequeelaéumapessoadoente.Marycorou,embaraçada.-Sim,eusei.Seiquenãodevocausar-lheaborrecimentos.Mas estou preocupada, e o meu pai fala disto tão

brutalmente! Está sempre a implicar comigo por causa dasminhas“maneirasfinas”.Erealmenteeunãoqueroandaràboavida!

-Euseiquenãoquer.-O pior é que adquirir práctica de qualquer coisa é quase

sempre dispendioso. Sei bem alemão e podia aproveitar esseconhecimento. Mas o que eu desejava verdadeiramente era serenfermeira.Gostodeenfermagemedepessoasdoentes.

-Lembre-sedequetemdeserfortecomoumtouro!-disseprosaicamenteaenfermeiraHopkins.

- Eu sou forte! E gosto muito de enfermagem. A irmã daminhamãe,quevivenaNovaZelândia,foienfermeira.Comovê,

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está-menamassadosangue.-Quedizamassagens?-sugeriuaenfermeiraHopkins.-Ou

puericultura, jáquegostadecrianças.Nasmassagensganha-semuitodinheiro.

-Écaropraticar,nãoé?Eutinhaesperançadeque...mas,éclaro,émuitaambiçãominha...elajáfezmuitopormim.

-Refere-seàsrªWelman,nãoé?Entãonãodigadisparates.Ameuvereladeve-lheisso.Deu-lheumaeducaçãoexcelentemasdepoucautilidadeprática.Nãoquerserprofessora?

-Nãomeachosuficientementeinteligenteparaisso.-Háinteligênciaeinteligência!Sequerumconselho,Mary,

poragora tenhapaciência.Como lhedisse,naminhaopiniãoasrªWelman tem obrigação de a ajudar a arranjar ummodo devida.Enãotenhodúvidasdequetencionafazê-lo.Masaverdadeéquegostamuitodesienãoaquerperder.

-Achaqueéisso?-perguntouMarycontendoarespiração.-Nãotenhoamínimadúvida!Apobresenhoraestáparaali

maisoumenos inválida,paralíticadeumladoesemnadanemninguémqueadistraia.Paraelaéumagrandecoisateremcasaumapessoanova,bonitaefrescacomovocê.EaMarytemmuitojeitoparalidarcomdoentes.

-Serealmenteachaqueéisso,jámesintomelhor...QueridasrªWelman,gostotantodela!Foisempretãoboaparamim!Fariatudoporela!

-Entãoomelhorquetemafazerédeixar-seestarondeestáenãosepreocupar,nãoserápormuitotempo-disseaenfermeiraHopkinssecamente.

-Temaimpressãodeque...?OsolhosdeMaryaoesboçaraperguntapareciammaiorese

assustados.AenfermeiraHopkinsacenoucomacabeça.- Ela refez-se com facilidade, mas está por pouco. Terá

Segundoataqueeterceiro.Seibemcomoestascoisassão.Tenhapaciência, minha filha. Se preencher e tonar felizes os últimosdiasdapobre senhora éamelhoracçãoquepode fazer.Depoisterátempoparaoutrascoisas.

-Asenhoraémuitoboa.-Láestáoseupaiàportadecasa,enãoécomcertezapara

gozarestebelodia!

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Estavamprecisamenteachegaraosgrandesportõesdeferro.Na entrada da casa do guarda um homem de idade, curvado ecoxeando,desciaacustoosdoisdegraus.

AenfermeiraHopkinssaudoualegremente.-Bomdia,sr.Gerrard.EphraimGerrardresmungou:-Viva!-Lindodia.-Talvezparasi-disseovelhoGerrardcommaumodo.- Paramimnão.Omeu lumbago tem andado a atacar-me

que éumcaso sério. - Issodeve ter sidodo tempohúmidoqueesteve a semana passada. Agora este tempo quente e seco vaicurá-lodepressa.

O tombruscoeprofissionaldelapareceuaborrecero velhoquedissenumtomdesagradável:

-Enfermeiras...Asenfermeirassãotodasiguais.Comomaldosoutrospodemelasbem.Queimporta!EaindaaMaryfalaemser enfermeira também. Pensei que quisesse ser alguma coisamelhordoqueisso,comoquesabedefrancêsealemãoepianoetudo o que aprendeu nas boas escolas por onde andou e nasviagensaoestrangeiro.

-Serenfermeiraestámuitobemparamim!-disseMarycomentusiasmo.

-Sim,emelhorseriaaindanãofazernada,nãoé?Andaresparaaíapavonear-tecomessesareseessasmaneirasdesenhorafina,quenãotemnadaque fazer.Demandriaréquetugostas,minhamenina!

Maryprotestoucomaslágrimasnosolhos:-Issonãoéverdade,pai.Nãoéjustoquedigaisso!A enfermeiraHopkins interveio comardeponderação ede

gracejoforçado:- Estamos a destoar do tempo esta manhã, não estamos?

Não tem razão no que diz, Gerrard.Mary é boa rapariga e boafilha.

Gerrardolhouparaafilhaquasecomaversão.-Elaéláminhafilha...comfalardelico-doce...Uf!Virouas

costaseentrouparacasa.-Vêcomoédifícil?-disseMaryaindadelágrimasnosolhos.

-Eleétãoincompreensivo.Nuncagostoudemim,mesmoquando

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euerapequenina.Amãeestavasempreadefender-me.-Deixeláenãosepreocupe.Estascoisassão-nosmandadas

paranosexperimentar!MeuDeus, tenhoquemedespachar.Asvoltas que ainda tenho que dar esta manhã! Enquanto ficouolhando a figura desenvolta que se afastava, Mary Gerrardpensou desconsoladamente que não havia ninguémverdadeiramente bom ou que pudesse realmente ajudar-nos. Aenfermeira Hopkins apesar de toda a sua bondade, estavaperfeitamentesatisfeiradeapresentarumasériedebanalidadeseoferecê-lascomoideiasnovas.

EMarypensou:“Quehei-defazer?”

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Capítulo2A srª Welman estava recostada nos almofadões

cuidadosamenteempilhados.A respiraçãoeraumpoucopesadamasnãoestavaadormir.Osolhos,unsolhosaindaprofundoseazuiscomoosdasobrinhaElinor,contemplavamotecto.

Eraumasenhoraforte,pesadacomumbeloperfilaquilino.Umrostoreveladordeorgulhoedecisão.Baixouosolhosque forampousarnapessoasentadaperto

da janela. Pousaram nela ternamente, quase ansiosamente, echamouporfim:

-Mary.Araparigavoltou-seimediatamente.-Ah,estáacordada.-Sim,acordeihápouco...-disseLauraWelman.-Eunãosabia.Senãoteria...AsrªWelmaninterrompeu-a:-Nãofazmal.Estiveapensar...apensaremváriascoisas.-Ah,esteve?Oolhar simpático,a voz interessada,despertaramno rosto

daboasenhoraumaexpressãodeternuraedissesuavemente:-Gostomuitodeti,filha.Ésmuitoboaparamim.-OhsrªWelman,asenhoraéquetemsidoboaparamim.

Nãoseiqueseriademimsenãofosseasenhora!Devo-lhetanto!-Nãosei...Nãosei,parece-meque...-Adoentemoveu-se

desassossegadamente, o braço direito contraiu-se, e o esquerdopermaneceuinerteesemvida.-Cadaqualjulgaquefaztudopelomelhor;masétãodifícilsaberoqueéomelhor,oqueéjusto.Agisemprecomdemasiadaconfiançaemmimprópria...

-Tenhoacertezadequesabesempreoqueémelhoreoqueémaisjustoquesefaça.

MasLauraWelmanabanouacabeçanegativamente.- Não, não. E isso preocupa-me. Tive sempre um defeito

secreto,Mary:souorgulhosa.Oorgulhopodeserodiabo.Eédefamília.Elinortambémotem.-VaisermuitoagradávelparaasenhoratercáMissElinore

o sr.Roderick. Vai dar-lhemuita alegria.Há já bastante tempoquecánãovêm.

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- São bons pequenos, muito bons pequenos - disse a srªWelman suavemente. - E gostam ambos demim. Sei que bastachamá-los, vêm imediatamente. Mas não quero fazer issodemasiadas vezes. São novos e felizes, têm a vida à sua frente.Não há necessidade de os aproxirnar da decadência e dosofrimentoantesdetempo.

-Tenhoacertezadequenãosentiamnadadisso-afirmouMary.

A srªWelman, falando talvezmais para ela própria do queparaarapariga,continuou:

- Sempre tive esperanças de que se casassem. Mas nuncatentei sequer insinuar nada disso. os jovens são tãocontraditórios!Afastavam-se logoumdooutro.Tenho,desdehámuito tempo, ainda eles eram crianças, a ideia de que Elinorgosta de Roddy. Mas não estou nada certa sobre ele. É umapessoaestranha.Henryeraassim,muitoreservadoetristonho...Sim,Henry...

Ficouporalgumtemposilenciosa,pensandonomaridoquemorrera,eporfimmurmurou:

-Já lávai tantotempo... tantotempo...Estávamoscasadoshá cinco anos apenas quando ele morreu. Uma pneumoniadupla... Éramos felizes, sim, muito felizes; mas não sei porquêessa felicidade parece-me pouco real. Eu era então uma garotaestranha e grave, com a cabeça cheia de ideais e de admiraçãopelosgrandeshomens.Arealidadenãoexistia...

-Deveter-sesentidomuitosó...depois-murmurouMary.- Depois? Ah sim... terrivelmente só. Tinha vinte e seis

anos... e agora tenhomais de sessenta. Já lá vãomuitos anos,filha...muitos anos...-E com repentino azedume exclamou: -Eagoraisto!

-Asuadoença?- Sim. Um ataque destes foi o que sempre receei. A

indignidade disto! Ser lavada e tratada como um bebé! Estarimpossibilitada de fazer seja o que for por mim própria! É deenlouquecer! A O'Brien é boa pessoa, diga-se a verdade. Tempaciência para mim, e não é tão pateta como a maioria dasenfermeiras.Master-teatiMarysignificamuitoparamim.

- É realmente assim, srª Welman? - perguntou a raparigacorando.-Estoutão...tãocontente.

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LauraWelmandisseemtomdesuspeita:- Tens andado preocupada, não tens? Com o teu futuro?

Deixa isso comigo, filha. Eu providenciarei para que possas serindependenteeescolherumaprofissão.Mastempaciênciamaisumtempo.Paramiméumgrandeprazerter-teaqui.

- Pois sim, srªWelman, pois sim!Não a deixarei por nadadestemundo.Nunca,serealmentequerqueeufique...

-Sequeroquefiques...-Avozerainvulgarmenteprofundaefirme. - Tu és... tu és como uma filha para mim, Mary. Vi-tecrescer aqui emHunterbury, desde bebézinho a gatinhar até tetornaresumabonita rapariga...Orgulho-mede ti.Sóespero terprocedidosempreparateubem.

-Sepensaquetersidotãoboaparamimeter-meeducadoacima... bem, acima daminha posição... se pensa que isso metornouinsatisfeitaou...oumedeuoqueomeupaichamaideiasdesenhorafina,creiaquerealmentenãoéassim.Sólheestoueestareisempremuitograta,maisnada.

Eseestouansiosaporcomeçaraganharavida,ésóporqueachoquenãoéjustoqueeunão...nãofaçanadadepoisdetudoque fez por mim. Não gostava que pensassem que eu estava aviveràsuacusta.

AvozdeLauraWelmantornou-sesubitamenteaguda:- Com que então é isso que Gerrard te anda a meter na

cabeça? Não dês ouvidos ao teu pai, Mary. Nunca viveste nemviverás à minha custa! Peço-te que fiques cá um pouco maissomenteporminhacausa.Istoacabaráembreve...

Se as coisas acontecessem como devia ser, a minha vidaterminava neste momento, e não haveria nada destas demorastolascomenfermeirasemédicos.

- Não é bem assim, srª Welman. O dr. Lord diz que podeaindavivermuitosanos.

-Obrigada,masnãoodesejo!Disse-lheoutrodiaquenumpaísdevidamentecivilizado,oquehaviaa fazereraeudeclarar-lhecategoricamentequequeriaterminarcomistoeeleliquidava-mesemdorcomqualquerdrogaapropriada.Edisse-lhemais:Seodoutortivessecoragem,fazia-o!

-Equedisseele?-Odescaradolimitou-searirdemim,filha,edissequenão

estavaparasearriscaraserenforcado.Eacrescentouainda-“Se

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medeixasseoseudinheiro,eraumcasodiferente,éclaro!”Oravejamoimpertinente!Maseugostodele.

Assuasvisitasfazem-memelhordoqueosremédiosquemereceita.

- Sim émuito simpático - concordouMary. - A enfermeiraO'Brien temmuitaconsideraçãoporele ea enfermeiraHopkinstambém.

- AHopkins, com a idade dela, devia termais bom senso.QuantoàO'Brientodaelasorri,eexclama:“Ohdoutor!”esacodeaspontasdatoucaquandoeleseaproximadela.

-CoitadadaenfermeiraO'Brien.- Ela realmente não é má pessoa, mas as enfermeiras

aborrecem-me; julgam todas que nos há-de apetecer uma boachávenadecháàscincodamanhã:-fezumapausa.

-Quefoiisto?Seráocarro?Maryfoiveràjanela.-MissElinoreosr.Roderickchegaramagora.-FiqueimuitocontentedesaberqueestásnoivadeRoddy,

Elinor-disseasrªWelmanàsobrinha.Elinorsorriu-lhe.-Semprepenseiqueatiaficaria.- Gostas dele, não gostas, Elinor ? - perguntou a boa

senhora,depoisdeummomentodehesitação.Elinorergueuassobrancelhasfinas.-Claroquegosto.LauraWelmanapressou-seadizer:- Deves desculpar-me, filha. Bem sabes que és muito

reservada.Émuitodifícilsaberoquepensasousentes.Quandoaindaeramambosmuitopequenospareceu-mequecomeçavasainteressar-tedemaispeloRoddy...

Elinorergueudenovoassobrancelhasdelicadas:-Demais?- Sim - confirmou a boa senhora. - Gostar demais não é

sensato. E às vezes com as raparigas muito novas sucedeprecisamente isso... Fiquei contente quando partiste para aAlemanhaafimdepôrtermoàsituação.Depois,quandovoltasteparecias bastante indiferente para com ele - pois bem, tambémtivepena!Souumavelhadifícildecontentar!Massemprepenseique devias ter uma natureza bastante ardente - esse género de

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temperamentoéde família.Nãotrazgrandefelicidadeaosqueopossuem...Mas,comodigo,quandoviestedeforatãoindiferenteparacomRoddy,fiq1eicompena,porquesempreespereiqueseunissem.

E agora que vão unir-se, está tudo bem! E tu gostasrealmentedele?

- Gosto bastante de Roddy sem ser de mais - dissegravementeElinor.

AsrªWelmanfezumsinaldeaprovação.-Entãoparece-mequevaisserfeliz.Roddyprecisadeamor...

mas não gosta de emoções violentas. Furtar-se-ia a uma posseexcessiva.

- Conhece muito bem Roddy! - exclamou Elinorsensibilizada.

-SeRoddygostardetinemquesejasóumpoucomaisdoquetudele,tantomelhor-disseasrªWelman.

-PáginadeconselhosdatiaAgatha“Conservaoteunoivonaexpectativa!Queelenãoestejademasiadosegurodeti.”

- És infeliz, minha filha? Sucedeu alguma coisa? -perguntousobressaltadaLauraWelman.

-Não,nada.-Achasteapenasqueestavasendomuito...banal.Ésnova

esensível,minhafilha.Mascrêqueavidaémuitobanal...-Suponhoquesim-disseElinorcomligeiroazedume.-Ésinfelizfilha?Quetens?- Nada... absolutamente nada. - Levantou-se e dirigiu-se à

janela.Meiavoltadaparatrás,perguntou:- Diga-me, sinceramente, tia Laura, acha que o amor é

sempreumafelicidade?OrostodasrªWelmantornou-segrave.-Nosentidoquequeresdizer,não,provavelmentenão...Gostarapaixonadamentedeoutrapessoa traz sempremais

tristeza do que alegria; mas em todo o caso, Elinor, ninguémdevia deixar de ter essa experiência. Quem nunca amouverdadciramente,nuncaviveu...

Ajoveminclinouacabeça.-Sim...atiacompreende...sabeoqueissoé...De repente voltando-se disse, com uma expressão

interrogativa:-TiaLaura...

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Aportaabriu-seeaenfermeirao'Brienentrou,anunciandocomummododesembaraçado:

-Estáaquiomédicoparaaver,srªWelman.O dr. Lord era um homem de trinta e dois anos. Tinha

cabelolouroclaro,umrostofeioesardentomasagradáveleumqueixo acentuadamente quadrado. Os olhos eram azuis claros,penetrantesevivos.

-Bomdia,srªWelman-disseele.- Bom dia, dr. Lord. Apresento-lhe minha sobrinha, Miss

Carlisle.Uma perturbação muito evidente estampou-se no rosto

transparentedodr.Lord,queexclamou:“Muitoprazer!”TomoumuitocautelosamenteamãoqueElinorlheestendeu

comosereceassequebrá-la.AsrªWelmancontinuou:-Elinoreomeusobrinhovieramatécáparamedistraírem.- Óptimo! - exclamou o dr. Lord. - É exactamente o que

precisa!Tenhoacertezadequelhevaifazermuitobem.EcontinuavaolhandoparaElinorcomevidenteadmiração.Elinordisse,dirigindo-separaaporta:-Aindaotornoaverantesdeseirembora,nãoéverdadedr.

Lord?-...Sim.Evidentemente!Ela saiu, fechando a porta. O dr. Lord aproximou-se da

cama,comaenfermeiraO'Brien“adejando”atrásdele.AsrªWelmandissecomumpiscardeolhos:- Vamos aos malabarismos do costume: pulso, respiração,

temperatura.Quemaçadoresquesãoosmédicos!- Oh, srª Welman, como pode dizer uma coisa dessas ao

doutor!-exclamouaenfermeiraO'Briencomumsuspiro.-AsrªWelmanadivinhaosmeuspensamentos!-disseodr.

Lordpiscandooolho.-Masapesardissotenhoquefazeraminhaobrigação.Omeumalénãosaberamaneiraidealdelidarcomosdoentes.

- A suamaneira é excelente. E o senhor tem até bastanteorgulhonisso.

-Issoéoqueasenhorapensa!-observouPeterLordrindo.

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Depois de fazer algumasperguntasde rotina e de ouvir asrespostas,odr.Lordrecostou-separatrásnacadeiraesorriuàdoente.

-Poiséverdade.Vaiindomuitobem.- E em virtude disso dentro de algumas semanas poderei

correracasatodapelomeupé-disseLauraWelman.-Issomaisdevagar.-Nãoenão,seumaçador!Paraqueserveviverassim,para

aquiestendidaeasertratadacomc,umbebé?- Para que serve a vida, aliás? Essa é que é a verdadeira

questão. Nunca leu nada a respeito daquela bela invençãomedieval que consistia numa espécie de gaiola na qual não sepodiaestarnemdeitado,nemsentado,nemdepé?Eradesuporqueumapessoacondenadaàquilomorreriaempoucassemanas.Nada disso. Um homem viveu dezasseis anos numa dessasgaiolas,foilibertoemorreudevelho.

-Aondequer chegar comessahistória? -perguntouLauraWelman.

-Quero dizer que a pessoa temo instinto de viver.Não sevive porque anossa razão resolve que vivamos.Aspessoas que,como se costuma dizer “seria melhor morrerem”, não queremmorrer!Aspessoasqueaparentementetêmtodasasrazõesparaviverdeixamextinguiremsiavidaporquenãotêmenergiaparalutar.

MudandobruscamentedeassuntoasrªWelmanperguntou:-Gostadeviveraqui?-Gostobastante-dissePeterLordsorrindo.- Não é um pouco aborrecido para um homem novo como

você?Nãodesejaespecializar-se?Nãoachaotrabalhodemédicodealdeiabastantemaçador?

Lordsacudiuacabeçaloura.-Não,gostodomeutrabalho.Interesso-mepelaspessoas,e

gosto das doenças vulgares de todos os dias. Não pretendodescobrir o bacilo raro de qualquer doença obscura. Gosto dosarampo,dasbexigasedeoutrasdoençasquetais.Gostodevercomoorganismosdiferentesreagemaelas.Gostodeversepossoaperfeiçoar o tratamento consagrado. O meu mal é não terambiçõesnenhumas.Ficareiporaquiatétercabelosbrancoseaspessoascomeçaremadizer“Éverdadequeodr.Lordjácáestáhá

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muito tempoe é simpático;masestámuitoantiquadonos seusprocessoseétalvezmelhorchamarojovemfulanoqueestámaisactualizado...”

- Parece que tem tudo isso planeado ! - comentou a SrªWelman.

PeterLordlevantou-se.-Bem.Tenhodemeirembora.- A minha sobrinha deve querer falar-lhe, julgo eu. A

propósito,comolhepareceuela?Foiaprimeiravezqueaviu,nãofoi?

Odr.Lordfez-sesubitamenteescarlate.Atéaspálpebraslheficaramvermelhas:

-Eu...enfim!Émuitointeressante,nãoacha?E...pareceu-me...inteligenteetudoisso.

AsrªWelmanestavadivertidaepensouparasi:“Temaindareacçõesderapaz...”Edissealto:

-Osenhordeviacasar-se.Roddy tinha andado a vaguear pelo jardim. Atravessara o

largo espaço relvado, caminhara por um caminho de areia eentraradepoisnahortacercadademuros.Estavabemtratadaebem provida. Pensou se Elinor e ele viveriam um dia emHunterbury.Talvez.Ele,porsi,gostava.Preferiavivernocampo.NãosabiaseElinorseriadamesmaopinião.

Talveze5apreferisseviveremLondres...ComElinoreradifícilsabercomoquesepodiacontar.Revelava pouco da sua maneira de pensar e de sentir.

Gostavadissonela...Detestaraaspessoasquedesfiamperanteosoutrososseuspensamentosesentimentos,queachamquetodaagente se interessa pelo seu mecanismo interno. A reserva erasempremaisinteressante.

“Elinor, pensava ele criteriosamente, era uma pessoabastantelenfeita.Nelanadahaviadediscordanteouchocante.

Eraencantadoradever,espirituosaparaconversar-emtudoamaisatraentedascompanheiras”.

E complacentemente para si próprio: “Tenho uma sortefantástica em casar com ela. Não consigo perceber o que elaencontra num rapaz como eu.” Na verdade Roderick Welman,apesar do seu ar enfatuado, não era vaidoso. Admirava-sefrancamentequeElinortivesseacedidoemcasarcomele.

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A vida apresentava-se-lhe bastante agradável. Sentiaconsiderávelsegurança;eissoerasempreumafelicidade.

PensavaqueElinoreelecasariambrevemente-istoseElinorquisesse;talvezelapreferisseadiarmaisalgumtempo.

Não devia instar com ela. Em princípio teriam poucodinheiro.

Mas não era caso para se preocuparem. Ele desejavasinceramente que a tia Laura não morresse tão cedo. Gostavamuitodelaeelatinhasidosempremuitoboaparasi,tendo-oaliduranteasfériaseinteressando-sesemprepelasuavida.

Afastoudoespíritoopensamentodamortedela(geralmenteafastava do espírito qualquer coisa concretamente aborrecida).Nãogostavadeencarardefrentenadadesagradável...Mas-enfim- depois seriamuito agradável viver aqui, especialmente porquehaveriamuitodinheiroparamantertudo.Nãofaziaideiadecomoatiadeixariaascoisas.

Mas isso não tinha importância nenhuma. Com certasmulheresseriaimportanteserodinheirodelasouserdomarido.

MascomElinornão.Elatinhamuitotactoenãoapreciavasuficientementeodinheiroparafazerquestãoporisso.

Pensou: “Não,aconteçaoqueacontecer,nãohárazãoparapreocupações!”. Saiu da horta pela porta do fundo. Ela seguiupara o bosquezinho onde havia narcisos a desabrochar. O Solfiltrado através das árvores produzia uma luz verde muitointensa.

De repente assaltou-o uma inquietação estranha - umaperturbação da placidez anterior. Sentiu: “Há qualquer coisa...qualquer coisa queme falta... qualquer coisa que eu desejava...que eu desejava...” A luz verde dourada e a suavidade do arproduziram-lhe uma pulsaçãomais acelerada, uma agitação dosangue,umasúbitaimpaciência.

Uma rapariga surgiude entre as árvores caminhandoparaele-umaraparigadecabelosmuitoclaroseluminososedepelerosada.

Ele pensou: “Que beleza! Que beleza extraordinária!”Qualquercoisaoreteve;ficouparado,comopetrificado.Sentiaomundo a andar à roda, estava tonto, estava de súbitomaravilhosamente louco! A rapariga parou e depois foi-seaproximandodelequepermaneciamudo,absurdamenteparadoe

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debocaaberta.Eladissecomumaligeirahesitação:-Nãoselembrademim,sr.Roderick?Jálávaimuitotempo,

éverdade.SouMaryGerrardafilhadoguarda.-Ah,sim...ah...éaMaryGerrard?- Sou, sim - confirmou ela. E continuou com certo

acanhamento:-Mudeimuito,desdequemeviuaúltimavez.-Simmudou.Eunãoateriareconhecido.Continuavaaolhá-lafixamente.Nãoouviupassosatrásdele.

Maryouviuevoltou-se.Elinorficouimóveluminstante,edepoisexclamou:-Olá,Mary.- Como está, Miss Elinor? Muito prazer em vê-la. A srª

Welmantemestadosempreàesperaqueviessecá.-Sim,hámuito tempoquenãovinha...Eu...Aenfermeira

O'Brienmandou-meprocurá-la.Quer levantaraminhatiaedizqueaMarycostumaajudá-la.

-Voujá-disseMary.Desapareceu, correndo. Elinor ficou a vê-la. Mary corria

bem,haviagraçaemcadamovimentoseu.Roddy disse suavemente: “Atalanta...” Elinor não

respondeu.Ficouummomentoimóvele,depois,disse:-Sãoquasehorasdealmoço.Émelhorregressarmos.Caminharamladoaladoatéàcasa.-Vemdaí,Mary.ÉumfilmeestupendocomaGretaGarbo,

todopassadoemParis.Oargumentoétiradodeumlivrodeumescritorcélebre.Jáhouveemtemposumaópera.

-Agradeço-temuito,Ted,masnãovou.TedBiglandexclamouzangado:-Nãoconsigocompreender-teagora,Mary.Estásdiferente...

completamentediferente.-Nãoestounada,Ted.- Ah, isso é que estás! Acho que é por teres estado na tal

escolaimportanteenaAlemanha.Jánãotesentesbemaqui.-Issonãoéverdade,Ted-disseelacomveemência.Orapaz,tipodehomemvigoroso,olhouparaelacomestima,

emborazangado.-Ésim.Parecesquaseumasenhora,Mary.-Faltaoquase,nãoé?-disseMarycomamargura.

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-Não,achoquenão.Maryapressou-seadizer:-Tambémqueméquehojeseimportacomessaquestãode

verdadeirassenhoraseverdadeiroscavalheirosetudoisso?- Não importa tanto como dantes, não - concordou Ted,

pensativo.-Contudotem-seumasensaçãoqualquer.MeuDeus,Mary,tuparecesumaduquesaouumacondessa,seilá.

- Isso não é grande elogio. Tenho visto condessas queparecemtrapeiras!-disseMary.

-Poissim,tubemsabesoquequerodizer.Umafiguraimponente,deamplasproporções,elegantemente

vestidadepreto, passoupor eles.Olhou-os comumaexpressãopenetrante. Ted afastou-se um pouco do caminho ecumprimentou:-Boatarde,srªBishop.

AsrªBishopinclinouacabeçagraciosamente.-Boatarde,TedBigland.Boatarde,Mary.Eprosseguiuqualveleironavegandocomventodefeição.Tedficouaolharparaelarespeitosamente,eMaryexclamou:-Aquelaéqueparecerealmenteumaduquesa!-Sim.Temmuitaproa.Faz-mesempresubircaloràcara.-Nãogostademim-disseMarypausadamente.-Quedisparate!Nãogosta.agora.- Verdade. Não gosta. Está-me sempre a dizer coisas

desagradáveis.- Inveja - comentou Ted, inclinando a cabeça com ar de

sapiência.-Éoqueé.-Suponhoquesejaisso...- É. Podes ter a certeza. Há anos que é governanta em

Hunterbury,põeedispõe,mandaemtodaagente,eagoraasrªWelmansimpatizouconsigoeissoofusca-a!Éoqueé!

Marydissecomumasombradeperturbaçãonorosto:- É tolice minha, mas sofro quando alguém não gosta de

mim.Queroqueaspessoasgostemdemim.-Tenhoacertezadequehámulheresquenãogostamdeti,

Mary!Gatasinvejosasqueteachamdemasiadobonita!-Éhorrívelainveja.- Talvez... mas o certo é q1e existe. Vi um filme óptimo a

semana passada, sabes? Com o Clark Gable. Era um destessujeitos milionários que não ligam importância à mulher; e

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depoiselafingiaqueoenganava.Ehaviaumoutrohomem...-DesculpaTed,tenhodeir.Jávouatrasada-atalhouMary

despedindo-se.-Aondevais?-VoutomarchácomaenfermeiraHopkins.Tedfezumacareta.-Quegostooteu!Essamulheréamaiorbisbilhoteiradestes

sítios!Meteonarizemtudo!-Foisempreboaparamim.-Eunãodigoquesejamá.Masfalamuito.-Adeus,Ted.Despediu-se apressada, deixando-o ressentido a vê-la

afastar-se.AenfermeiraHopkinshabitavaumacasitanofimdavila.Tinha acabado de chegar e estava a desatar as fitas do

chapéuquandoMaryentrou.- Ora viva. Cheguei um pouco atrasada. A srª Caldecott

esteveoutravezmal.Atrasou-meoserviço.Vi-acomTedBiglandaofundodarua.

-Sim...-disseMarydesanimadamcnte.A enfermeiraHopkins que estava inclinada para acender o

fogãodegásporbaixodachaleira,levantouvivamenteosolhos,franziuonarizcompridoeinquiriu:

-Estavaadizer-lhealgumacoisadeespecial,filha?-Não.Pediu-mesóparaircomeleaocinema.-Compreendo-disseprontamenteaenfermeiraHopkins.- Enfim, é um rapaz simpático e vai muito bem lá na

garagem onde trabalha, e o pai vive bastante melhor que amaioria dos lavradores daqui. Mas apesar disso, filha, não meparecetalhadaparamulherdeTedBigland.Comumaeducaçãocomo a sua, nunca. Eu no seu caso iria para as maçagensquando fosse altura. Andaria por aqui e por ali, veria gente eaindateriabastantetempolivre.

- Vou pensar nisso. A srªWelman falou comigo outro dia.Compreendeu tudomuitobem.É exactamente o que a senhoradisse. Não quer que eu me vá embora por enquanto. Sentiriamuito aminha falta, segundodisse.Mas disse-me tambémque

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nãomepreocupassecomofuturo,poistencionavaajudar-me.AenfermeiraHopkinsexclamoucomardedúvida:-Esperemosquedeixeissoporescrito!Aspessoasdoentesàs

vezessãodifíceisdeentender.-Achaquea srªBishopnão gosta realmentedemimou é

impressãominha?-perguntouMary.AenfermeiraHopkinsreflectiuummomento.- Elamostramá cara, isso é verdade.É daquelas pessoas

quenãogostamdeveragentenovaagozaravidaoualguémaauxiliá-los.Acha,talvez,queasrªWelmangostademasiadodesieestáressentida.

Riualegremente.- Eu no seu caso não me preocupava, Mary. Abra esse

cartuchosefazfavor.Tragoaíunsbolinhos.

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Capítulo3- Sua tia teve scgundo ataque, a noite passada. Não há

motivoparaalarmemassugiroquevenhamsepossívelLord.Imediatamente após ter recebido o telegrama, Elinor

telefonou a Roddy, e agora iam juntos no comboio paraHunterbury.

Elinornão tinha vistomuitas vezesRoddyna semana quedecorreradesdeaúltimavisita.Nasduasbrevesocasiõesemquese encontraram tinha havido uma espécie de estranhoconstrangimentoentreeles.Roddytinha-lheenviadoflores-umgranderamodelindasrosas.Nãoeracostume.Quandojantaramos dois, ele parecera mais atento que habitualmente,consultando-a sobre a escolha do jantar e dos vinhos, sendoinvulgarmente solícito a ajudá-la a pôr e a tirar o casaco. Umpouco como se estivesse num palco a representar um papel, opapeldonoivodedicado...-pensouElinor.

Depois dissera para consigo: “Não sejas idiota. Nãoaconteceu nada... Estás a imaginar coisas! É esse teu espíritoestupidamente concentrado e romanesco! A atitude dela foratalvez ligeiramente mais desprendida, mais distante que ocostume.

Agora, nesta súbita emergência, o constrangimentodesaparecera,eelesconversavambastantenaturalmente.

Roddydisse:-Pobrecoitada,estavatãobemquandoavimosnooutrodia.-Custa-metantovê-laassim-disseElinor.-Seiquantoela

detesta estar doente e agora creio que ainda terá ficado maisimpossibilitada e não poderá aguentar! Tem-se a sensação,Roddy,dequeaspessoasdeviamserlibertadasdosofrimento,serealmentequisessem.

-Concordo.Éaúnicacoisacivilizadaqueháafazer.Acaba-se como sofrimentonos animais.Suponhoquenão se faz issocom os seres humanos, simplesmente porque sendo a naturezahumana como é, as pessoas seriam enterradas pelos zelososparentes, por causa do seu dinheiro, mesmo quando nãoestivessemrealmentemal.

- Isso estaria na mão dos médicos, é claro - disse Elinor,pensativa.

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-Ummédicopodeserummalandro.-Numhomemcomoodr.Lordpodiater-seconfiança.-Sim,parecebastantehonesto.Eésimpático-disseRoddy

desprendidamente.O dr. Lord estava debruçado sobre a cama. A enfermeira

O'Brien rondava por trás dele. De testa franzida ele procuravacompreenderossonsmurmuradosquesaíamdabocadadoente.

- Sim. Sim. Vamos, não se excite. Temos muito tempo.Levante-seumpoucoamãodireitaquandoquiserdizersim.Temalgumacoisaqueapreocupe?Recebeuumsinalafirmativo.

-Algumacoisaurgente?Sim.Algumacoisaquequerquesefaça?Quer que semande chamar alguém?MissCarlisle?O sr.Welman?Elesvêmaí.

A srª Welman tentou novamente falar. O dr. Lord ouviaatentamente:

-Quer que venham,mas não é isso? É outra pessoa?Umparente?Não?Umassuntoimportante?Compreendo.

Relaciona-se com dinheiro? Advogado?É isto não é?Querquemande chamar o seu advogado?Quer dar-lhe instruções arespeito de qualquer coisa? “Pronto, pronto, está bem. Estejacalma. Temos muito tempo. Que diz... Elinor? - Percebeu apalavraestropiada.

-Elasabequeméoadvogado?Elafalarácomele?Poissim.Devecáestardaquiameiahora.Digo-lheoquequer,venhocácom ela e arranja-se tudo. Não se preocupe mais. Deixe tudocomigo.Tratareidetudocomoquer.

Ficou ummomento até ela se acalmar e depois afastou-sedevagaresaiuparaopatamar.AenfermeiraO'Brienseguiu-o.

AenfermeiraHopkinsvinhajustamenteasubirasescadas.Elecumprimentou-aeelasaudou-oofegante:-Boanoite,doutor.-Boanoite.FoicomasduasaoquartodaenfermeiraO'Brien,naporta

ao lado, e deu-lhes as suas instruções. A enfermeira HopkinsficariaduranteanoiteparaajudaraenfermeiraO'Brian.

- Amanhã tenho de arranjar outra enfermeira permanente.Terrível,aquelaepidemiadedifteriaemStamford.Asclínicasdeláestãocomfaltadepessoal.

Depois, dadas as suas ordcns que foram ouvidas com

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reverente atenção (que às vezcs o irritava), o dr. Lord desceu,pronto para recber a sobrinha e o sobrinho que, segundo orelógiodele,deviamestarachegardeummomentoparaooutro.

No veitíbulo encontrou Mary Gerrard, de rosto pálidoansioso.quelheperguntou:

-Elaestámelhor?-Possoproporcionar-lheumanoite tranquila,é tudooque

sepodefazer-respondeuodr.Lord.-Parecetãocruel...tãoinjusro...-balbuciouMarycomvoz

entrecortada.Elemostrouconcordar.-Ascoisassãoassim...Calou-seeemseguidaexclamou:-Alivemocarro.SaiueMarysubiuasescadasacorrer.Elinorperguntoulogoqueentrou:-Estámuitomal?Roddyestavapálidoeapresansivo.Omédicodissecomargrave:- Reccio que seja um grande choque para si. Está

completamenteparalítica.Nãosepercebequasenadadoquediz.Eapropósito,elaestápreocupadacomqualquercoisa.Relaciona-secommandarchamaroadvogado.Sabequemé,MissCarlisle?

Elinorapressou-seadizer:-O sr. Seddorl, deBloomsburySquare.Masnão está lá a

estahoradanoite,nãoseiamoradadecasadele.-Hátempoamanhã-disseodr.Lordtranquilizando-a:-MasestoudesejosodeacalmaroespíritodasrªWelmano

mais depressa possível. Se viesse comigo lá acima agora, MissCarlisle,achoqueambosconseguiríamosacalmá-la.

-Poissim.Vamosentão.- Eu não sou preciso, pois não? - perguntou Roddy na

esperançadeumanegativa.Sentia-seumpoucoenvergonhadodesipróprio,mastinha

umreceiohistéricodeiraoquartodadoente,deveratiaLauraaliestendidainerteeinválida.

Odr.Lordsossegou-ologo:-Nãohánecessidadenenhumadevir,sr.Welman.Émelhor

aténãoestarmuitagentenoquarto.

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OalíviodeRoddytranspareceuclaramente.O dr. Lord e Elinor subiram. A enfermeira O'Brien estava

comadoente.LauraWelman,comumarespiraçãoprofundaeumaespécie

deestertorestavacomoassombrada.Elinorficouaolharparaela,impressionadacomaquelerostoexaustoecrispado.

De súbito a pálpebra direita da srª Welman estremeceu eabriu-se. Notou-se-lhe no rosto uma ligeira transformaçãoquandoreconheceuElinor.

Tentoufalar.“Elinor...” A palavra teria sido indecifrável para quem não

adivinhasseoqueelaqueriadizer.Elinorapressou-seadizer:-Estouaqui,tiaLaura.Estápreocupadacomalgumacoisa?

Querquemandechamarosr.Seddon?Ouviu-se outro daqueles sons cavos e roucos. Elinor

adivinhou-lheosentidoeperguntou:-MaryGerrard?Lentamenteamãodireita,trémula,moveu-se,confirmando.Umlongomurmúriosaiudoslábiosdadoente.Odr.Lorde

Elinor franziram a testa desanimados. Repetiu-se outra vez eoutra.EntãoElinorpercebeuumapalavra.

-Doação?Quer fazer-lhe uma doação, no seu testamento?Querqueelafiquecomalgumdinheiro?Compreendo,tiaLaura.Isso vai ser simples. O sr. Seddon vem cá amanhã e tudo searranjaráexactamentecomoquer.

A doente pareceu aliviada. A expressão de afliçãodesapareceudaqueleolharsuplicante.Elinorsegurouamãodelaentreassuasesentiuumalevepressãodosdedos.

AsrªWelmandissecomgrandeesforço:-Tu...tu...-Sim,sim,deixetudocomigo.Tratareidetudoquequiser!-

disseElinor.Sentiudenovoapressãodosdedos.Depoisafrouxou.Aspálpebrasdesceramefecharam-se.Odr.LordpousouumamãonobraçodeElinoreconduziu-

asuavementeparaforadoquarto.AenfermeiraO'Brienretomouoseulugarjuntodoleito.

Cáfora,nopatamar,MaryGerrardfalavacomaenfermeira

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Hopkins.Aovê-los,dirigiu-se-lheseperguntou:-Dá-melicençaqueeuváparaopédela,dr.Lord?Esteacedeu.-Masnãofaçabarulhoenãoaincomode.Maryentrouparaoquartodadoente,eodr.Lordobservou:-Oseucomboiochegouatrasado.Chegou...-Calou-se.ElinortinhavoltadoacabeçaparaolharparaMary.Derepentenotouosilêncioabruptodele.Voltou-sedenovoe

olhou-o interrogativamente. Ele tinha os olhos fixos nela comumaexpressãodesurpresa.Elinorcoroueapressou-seadizer:-Desculpe.Quedisse?

- Que estava eu a dizer? Não me lembro. Portou-seadmiravelmente bem ali dentro, Miss Carlisle! - Falavacalorosamente. -Compreendeu rapidamente, soube tranquilizar,exactamenteoquetinhaafazer.

Ouviu-seaenfermeiraHopkinsfungarmuitoaodeleve.Elinordisse:-Pobrecoitada.Custa-memuitíssimovê-laassim.- Está bem. Mas não o exteriorizou. Deve ter um grande

auto-domínio.- Aprendi a não exteriorizar os meus sentimentos - disse

Elinorcerrandooslábios.Contudo,amáscaraestásujeitaacairumavezououtra.AenfermeiraHopkins tinhaentradoparaacasadebanho.

Elinor,erguendoassobrancelhasdelicadaseolhandoparaeledefrenteperguntou.

-Amáscara?-Orostohumano,afinal,nãoénemmaisnemmenosque

umamáscara.-Eporbaixo?-Porbaixoestáohomemnatural,primitivo,ouamulher.Ela voltou-se bruscamente e começou a descer as escadas

adiantedelc.Peter Lord seguiu-a, intrigado e sério, como raramente

estava.Roddyveioaoencontrodelesnovestíbulo.-Então?-perguntouansiosamente.- Pobre Senhora! Faz muita pena vê-la... Eu no teu caso

Roddy,nãoirialáaté...até...elaperguntarporti.-Queriaalgumacoisa...deespecial?-perguntouRoddy.

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PeterLorddissedirigindo-seaElinor:-Tenhoderetirar-me.Poragoranãopossofazermaisnada.

Virei amanhã demanhã cedo. Adeus, Miss Carlisle. Não estejapreocupada.

Conservou amão dela nas suas ummomento. Tinha umaforma extraordinariamente tranquilizadora e reconfortante deapertaramão.olhouparaeladeummodobastantecuriosocomose...comosetivessepenadela,pensouElinor.

Quandoaportasefechouatrásdomédico,Roddyrepetiuapergunta.

Elinorexplicou:-AtiaLauraestápreocupadaporcausa...porcausadeuns

assuntos.Tenteiaca!má-laedisse-lhequeosr.Seddonviriacáamanhãcomcerteza.Temosdelhetelefonarlogodemanhã.

-Querfazernovotestamento?-perguntouRoddy.-Elanãodisseisso.-Queéque...?Parounomeiodapergunta.Mary Gerrard descia as escadas a correr. Atravessou o

vestíbulo e desapareceu pela porta que dava para os lados dacozinha.

Elinordissenumtomáspero:-Então?Oqueéqueiasperguntar?-Eu,oquê?Esqueci-meoqueera.Continuava a olhar para a porta por onde Mary Gerrard

tinhadesaparecido.Elinor cerrou os punhos. Sentia as unhas compridas e

afiadascravarem-se-lhenaspalmasdasmãos.Pensou:-Nãopossosuportaristo...Nãopossosuportaristo...não é imaginação... é verdade...Roddy...Roddy,nãoposso

perder-te...Econtinuouapensar:Oqueéqueaquelehomem,omédico,

viu naminha cara, lá em cima? Viu qualquer coisa... OhmeuDeuscomoavidaéhorrível,comoéhorrívelsentiroqueeusintoagora. Diz qualquer coisa, pateta. Domina-te! Finalmente dissealtoenumavozcalma:

-Arespeitodojantar,Roddy.Nãotenhomuitoapetite.Voupara o pé da tia Laura e as enfermeiras podem vir ambas parabaixo.

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-Nãojantascomigo?-perguntouRoddyalarmado.-Nãotemordem!-exclamouElinorfriamente.Masetu?Tensdecomerqualquercoisa.Porqueéquenão

jantamosprimeiroevêmelasdepoisparabaixo.- Não, é melhor como eu disse - exclamou Elinor, e

acrescentourudemente:-Elassãomuitosusceptíveis,sabes.Epensou:“Nãopossoestarsentadaaopédeleumarefeição

inteira-sozinhaconversando-procedendocomodecostume...Porfimexclamouimpaciente:-Deixa-mefazerascoisasàminhamaneira!”

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Capítulo4NãofoiumacriadaqualquerqueacordouElinornamanhÃ

seguinte. Foi a srª Bishop em pessoa, com o seu vestido pretoantiquadoechorandocopiosamente.

-Ai,MissElinor,elamorreu...-Quê?Elinorsentou-senacama.-Asuaqueridatia.AsrªWelman.Aminhaqueridasenhora.

Morreuduranteanoite.-AtiaLaura?Morreu?Elinor ficou de olhar parado. Parecia incapaz de

compreender.AsrªBishopchoravaagoramaisàvontade.- Só de pensar... - soluçava. - Depois de tantos anos! Há

dezoitoanosqueaquiestou.Masnaverdadenemparece...Elinordissepausadamente:- A tia Laura morreu durante a noite. . . muito

tranquilamente...Quefelicidadeparaela!AsrªBishopcontinuavaachorar.-Não de repente!Omédico a dizer que vinha estamanhÃ

outravez,tudocomoeracostume.-Não foibemderepente.Vendobemhá já tempoqueestá

doente.Estoumuitoreconhecidapor lhe tersidopoupadomaissofrimento.

A srª Bishop concordou lacrimosa que realmente se deviaestarreconhecidoporisso,eacrescentou:

-Quemdáanotíciaaosr.Roderick?-Doueu-disseElinor.Vestiuumroupão,dirigiu-seàportadoquartodeleebatcu.Avozdelerespondeu,dizendo:-Entre.Elaentrou.-Atialauramorreu,Roddy.Morreuduranteanoite.Roddy,sentando-senacama,suspirouprofundamente.-PobretiaLaura!LouvadosejaDeus!Nãopodiasuportarvê-

lacontinuarasofrernoestadoemqueestavaontem.-Nãosabiaqueatinhasvisto-disseElinormecanicamente.

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Elefezumtímidosinalafirmativo.-Averdadeéquemesentiahorrivelmentecobardepormeter

furtadoairvê-la!Fuivê-laontemànoite.Aenfermeira,agorda,foibuscarqualquercoisa,desceucomumabotijadeáguaquenteparece-me,eeuentrei.Elanãodeupormim,éclaro.Fiqueiumpoucoevi-a.DepoisquandoouviaSrªNão-Sei-Quêsubiroutravezaescadaescapei-me.Maseraterrível!

-Sim,era-confirmouElinor.-Eladeviadetestarviverassim!-exclamouRoddy.-Compreende-se.-Éextraordináriocomoambosencaramossempreascoisas

damesmamaneira.-Poisé.- Ambos sentimos o mesmo neste momento: absoluta

gratidãoporoseusofrimentoteracabado...-Que é?Andaàprocuradealgumacoisa ? - perguntoua

enfermeiraO'Brien.A enfermeira Hopkins, com o rosto muito vermelho,

procurava qualquer coisa dentro da pequena mala-estojo quetinhadeixadonovestíbulonavésperaànoite.

-Queaborrecimento.Nãoseicomofizisto!-lamentou-se.-Quefoi?AenfermeiraHopkinsexplicoupoucoclaramente:-ÉocasodeElizaRykin-umsarcoma.Temdelevarduas

injecções demorfina, umademanhã e outra à noite.Dei-lhe aúltimapastilhadeumtuboantigo,anoitepassada,antesdevirparacá,eiajurarquetinhaaquiumtubonovo.

-Vejaoutravez.Essestubossãotãopequenos!A enfermeiraHopkins deumais uma volta ao conteúdo da

maleta.-Não,nãoestácá!Devotê-lodeixadonoarmárioláemcasa!

Comfranqueza,semprejulgueiquepodiaconfiarmaisnaminhamemória!Iajurarqueotinhatrazido!

-Nãodeixouamaletaempartenenhumaantesdevirparaaqui?-Poisnão!-afirmouaenfermeiraHopkinsvivamente.

-Bem-disseaenfermeiraO'Brien-deveaparecer.-Comcerteza!Oúnicosítioondepouseiamaletafoiaquino

vestíbuloeninguémcáemcasaroubarianada!Deveseraminha

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memória.Mas,comodevecompreender,éaborrecido.Alémdissoaindatenhodeiraminhacasa,queénofimdavila,evoltar.

-Oxalánão tenhaumdiamuito fatigante, depoisdanoiteque passou. Pobre senhora! Sempre pensei que não durariamuito.

- Também eu. Mas parece-me que o médico vai ficarsurpreendido!

AenfermeiraO'Briendissenumtomdedesaprovação:-Ésempremuitooptimistacomoscasosdele.EnquantosepreparavaparaHopkinscomentou:-Émuitonovo!Nãotemanossaexperiência.Ecomestasentença,partiu.irembora,aenfermeiraO dr. Lord levantou-se nos bicos dos pés. Com as

sobrancelhasclaraslevantadasatéquasemergulharemnocabelo,disse,surpreendido:

-Comqueentãoacabou...hem?-Sim,doutor.AenfermeiraO'Brientinhanapontadalínguapormenores

exactosparadar,mascomrígidadisciplinaesperava.-Acabou-murmurouPeterLordpensativo.Continuou ainda a pensar uns momentos, e depois disse

comummodosacudido:-Traga-meáguaaferver.AenfermeiraO'Brienficousurpreendidaeintrigada,masfiel

aoespíritodaprofissãoobedeceusemfazerperguntas.Seummédicolhetivesseditoquefossebuscarumapelede

crocodilo,elateriamurmuradoautomticamente:“Sim,doutor”,esairiadoquartoobedientementepararesolveroproblema.

- Quer dizer que a minha tia morreu sem ter feifo

testamento... que nunca fez testamento? - inquiriu RoderickWelman.

-comodiz-confirmouosr.Seddanlimpandoosóculos.-Masqueextraordinário!-exclamouRoddy.Osr.Seddonteveumatossefraca.

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- Não é tão extraordinário como pensa. Acontece maisfrequentemente do que se julga. Há nisto uma espécie desuperstição. Geralmente as pessoas pensam que têm muitotempo. Parece-lhes que o simples facto de fazer testamento osaproximadamorte.Émuitocurioso,maséassim!

-Masnunca...enfim...discutiuoassuntocomela?-Frequentesvezes-respondeuosr.Seddonsecamente.-Equediziaela?- As coisas do costume. Que haviamuito tempo! Que não

tencionavamorrerporenquanto!Queaindanão tinharesolvidodefinitivamentecomohaviadedeixarodinheiro!

Elinorinterveio:-Mas,comcerteza,depoisdoprimeiroataque...?Osr.Seddonabanouacabeça.- Pelo contrário, foi pior ainda. não podia ouvir falar no

assunto!-Édeverascurioso!-exclamouRoddy.- Não, não é - disse novamente o sr. Seddon. -

Evidentementeadoençatornou-aaindamaisnervosa.-Maselaqueriamorrer...-observouElinorintrigada.-Minhacarasenhora,amentehumanaéumacuriosaparte

deummecanismo.AsrªWelmanpodiapensarquequeriamorrer;mas ao mesmo tempo tinha esperança de melhorarcompletamente. E por causa dessa esperança, creio eu, achavaque fazer testamento traria infelicidade. Não é que nãotencionassefazê-lo,simplesmenteiasempreadiando.

Compreende, não é verdade - continuou o sr. Seddon,dirigindosederepenteaRoddydeumamaneiraquasepessoal-comoseadiaeseevitaumacoisaqueédesagradável...quenãosequerencarar?

Roddycorouedisse:-Sim,sim,éclaro.Percebooquequerdizer.-Poiseraissojustamente.AsrªWelmansempreteveideiade

fazertestamento,masparaelahaviasempretempo!Elinordissepausadamente:-Eraporissoqueestavatãoaflitaontemànoite,enumtal

desassossegoparaomandaremchamar...-Comcerteza!-afirmouosr.Seddon.-Masquesucedeagora?-perguntouRoddy,comaratónito.

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-AosbensdasrªWelman? -oadvogado tossiu. -UmavezqueasrªWelmanmorreusemtestamento,todososseusbensvãoparaoparentemaispróximoousejaparaMissElinorCarlisle.

-Tudoparamim?-OEstadocobraumapercentagem-explicouosr.Seddon.Deumaispormenoreseterminou:- A srª Welman não empregou todo o dinheiro que tinha.

Conservouparteparafazerdeleoquequisesse.Passa,portanto,directamente para Miss Carlisle. Receio que os direitos detransmissão sejam um pouco pesados, mas mesmo depois depagos, a fortuna será ainda considerável, e parte dela está bemaplicadaemfundospúblicosperfeitamenteseguros.

-MasRoderick...-observouElinor.-Osr.WelmanéapenassobrinhodomaridodasrªWelman.

Não há parentesco de sangue - disse o sr. Seddon com umatossezinhadedesculpa.

-Éclaro-concordouRoddy.- Também não importa qual de nós herda, uma vez que

vamoscasarumcomooutro-disseElinorpausadamente.MasnãoolhouparaRoddy.Foiavezdosr.Seddonexclamar:“Éclaro!”,efê-lobastante

rapidamente.-Masnãoimportarealmente,poisnão?-perguntouElinor

quasesuplicando.Osr.Seddontinha-seretirado.OrostodeRoddycontraiu-senervosamenteaoresponder:-Odinheirodeveserparati.Éperfeitamentejustoqueseja.

PoramordeDeus,Elinor,nãopensesquetoinvejo!Nãoqueroodiabododinheiroparanada!

-EmLondresconcordámosquenãotinhaimportânciaqualdenósherdava,umavezque íamoscasarumcomooutro...? -disseElinorcomavozligeiramentefrémula.

Elenãorespondeueelacontinuou:-Nãotelembrasdedizerisso,Roddy?-Sim,lembro.F, ficou de cabeça baixa. O seu rosto estava pálido e

taciturno,ehaviaamarguranostraços firmesdabocade lábiosfinos.

Elinorerguendoderepenteacabeçagraciosamente,disse:

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-Nãoimporta,sevamoscasarumcomooutro...masiremos,Roddy?

-Iremosoquê?-Iremoscasar-nos?-Julgueiqueissoestivesseassente.E continuounomesmo tomde indiferença comum ligeiro

acinte.-Éclaroquesetensagoraoutrasideias...-Oh,Roddyporquenãoésfranco?Eleretraiu-seedepoisdisse,confuso,emvozbaixa:-Nãoseioquesepassacomigo...-Eusei...- Talvez seja isso - disse ele de chofre. - Afinal não gosto

muitodaideiadeviveràcustadaminhamulher...- Não é isso... É outra coisa... - Fez uma pausa e depois

disse:-ÉMary,nãoé?- Acho que sim. Como soubeste? - murmurou Roddy

tristemente.-Nãofoidifícil...Semprequeolhasparaela...Vê-senoteu

rosto, vê toda a gente que queira ver... - disse Elinor com umsorrisoforçado.

Acalmadeledesapareceusubitamente.- Oh, Elinor. . . Não sei o que é! Parece-me que vou

endoidecer! Foi quando a vi... a primeira vez... no bosque...bastouoseurosto...paratransformartudoàminhavolta.

Nãopodescalcular...-Possosim.Continua.Roddycontinuou,incapazdeconter-se:- Apaixonei-me por ela sem querer... Eu não queria, era

bastante felizcontigo.Oh,Elinor,quegaroticeaminha, falar-tedistoati...

-Nãodigasdisparates.Continua.Dizelá...-incitouElinor.Elefoidizendoaospoucos.-Ésmaravilhosa...Fazbemconversarcontigo.Gostotanto

de ti, Elinor! Acredita. Esta outra coisa é uma espécie deencantamento!Perturboutudo:omeuconceitodevida...aminhamaneira de apreciar as coisas e. . . toda a ordem razoável enaturaldascoisas...

-Oamornãoémuitorazoável...

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-Poisnão...-Disseste-lhealgumacoisaaela?-perguntouElinorcoma

voztremendoumpouco.-Estamanhã...comolouco...perdiacabeça...-Eentão?- Fez-me calar imediatamente, é claro! Ficou chocada. Por

causadatiaLauraedeti...-explicouRoddy.Elinortirouoaneldebrilhanteepéroladodedo.-Émelhordevolver-to,Roddy-disse.Aorecebê-lo,elemurmurousemolharparaela:-Nãopodesfazerideiaqueestúpidomesinto,Elinor.-Achasqueelacasarácontigo? -perguntouElinornasua

vozcalma.Eleabanouacabeça.-Nãofaçoideianenhuma.Pelostemposmaispróximos,creio

quenão.Parece-mequelhesouagoracompletamenteindiferentemaspossodeixardeoser...

-Achoquetensrazão.Devesdar-lhetempo.Nãoaveresporunstemposedepois...tentarnovamente.

-QueridaElinor!Ésamelhoramigaquepodehaver.-Pegounamãodelaebeijou-a.-sabes,Elinor,gostomuitodeti...comosempregostei!AsvezesMaryparece-meapenasumsonho.Comoseeupudesseacordardele,everqueelanãoexistia...

-SeMarynãoexistisse...-Asvezeschegoadesejarquenãoexistisse...Tueeufomos

feitosumparaooutro,nãofomosElinor?- Sim. Fomos feitos um para o outro - concordou ela

baixandolentamenteacabeça.Epensou:“SeMarynãoexistisse...”

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Capítulo5- Foi um lindo funeral! - exclamou a enfermeira Hopkins

emocionada.-Realmentefoi-replicouaenfermeiraO'Brien.-Easflores!

Jáviufloresmaislindas?Aquelapalmadelíriosbrancoseacruzderosasamarelas?Quelindas!

AenfermeiraHopkinssuspiroueserviu-sedebolo.AsduasenfermeirasestavamsentadasnoCaféBlueTit.

-MissCarlisle é umapessoa generosa.Deu-meumbonitopresente, embora não tivesse obrigação nenhuma - disse aenfermeiraHopkins.

- É generosa e é uma óptima pessoa - concordou aenfermeiraO'Brienentusiasticamente.-Detestogenteavarenta.

-Bem,elaherdouumagrandefortuna.- Sempre há coisas...! - esclamou a enfermeira O'Brien e

calou-se.-Quecoisas?-perguntouaoutraparalhedarcoragem.-Foiestranhoaquelasenhoranãoterfeitotestamento.-Foimaldade-disseaenfermeiraHopkinsvivamente.-Aspessoasdeviamserobrigadasafazertestamento!Sótraz

complicaçõesdesagradáveis,quandonãoofazem.-Sabe-seláaquemteriadeixadoodinheirosetivessefeito

testamcnto?- Uma coisa era certa - disse a enfermeira Hopkins

firmemente.-Oquê?-TeriadeixadoumacertaquantiaaMary...aMaryGerrard.-Sim,issorealmenteéverdade-concordouaoutra.Eacrescentouexcitada:-Eunãolheconteioestadoemqueapobresenhoraestava

naquelanoite, e odoutora fazer opossívclporacalmá-la!MissElinor segurava a mão da tia e jurava - disse a enfermeiraO'Bricn, dando livre curso à sua imaginação irlandesa - quemandariachamaroadvogadoe tudose fariacomoeladesejava.“Mary! Mary!”, dizia a pobre senhora. “É de Mary Gerrard quefala?”,perguntou .MissElinor,e imediatamente jurouqueMaryteriaoquelheeradevido!

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- Isso passou-se assim? - perguntou a enfermeiraHopkinsemtomdedúvida.

-Assimtalequal.Edigo-lhemais:naminhaopiniãoseasrªWelmannãotemmorridoetemfeitotestamentoerapossívelquetivéssemossurpresas!QuemsabesenãodeixariatodaasuafortunaaMaryGerrard?

- Não me parece que fizesse isso. Não creio que se devadeserdarosparentesdesangue.

- Há parentes de sangue e parentes de sangue - disse aenfermeiraO'Brienemtomdeoráculo.

-Quequerdizercomisso?AenfermeiraO'Brienrespondeucomdignidade:-Nãosoupessoadebisbilhotices!Elongedemimdenegriro

nomedealguémquejámorreu.-Temrazão.Concordoconsigo.Quantomenossefalamenos

seerra.Encheuobule.-Apropósito, achouo tal tubodemorfina emsua casa? -

perguntouaenfermeiraO'Brien.AenfermeiraHopkinsfranziuosobrolhoerespondeu:-Não.Davatudoparasaberaocertooquefoifeitodele,mas

achc, que deve ter sido o seguintc: pousei-o talvez na beira dachaminécomo fazemmuitasvezes,enquanto fechooarmário,etalveztenharoladoecaídonocestodospapéisqueestavacheioeque foidespejadonocaixoteprecisamentequandosaídecasa. -fez uma pausa. - Deve ter sido assim, porque não vejo outramaneira.

-Poise-disseaenfermeiraO'Brien.-Devetersidoassim.Não se deu o caso de tcr deixado amaleta emparte nenhuma,senão no vestíbulo em Hunterbury, por isso também acho quedeveserisso.Foinocaixotedolixo.

- Não pode ter sido outra coisa - afirmou a enfermeiraHopkinsimpetuosamente.

Serviu-se de um bolo coberto de açúcar cor-de-rosa ecomeçouadizer:“ErLiimé...”,edepoiscalou-se.

A outra concordou imediatamente - talvez demasiadodepressa.

-Eunoseucasonãomepreocupavamaiscomisso-disseelareconfortando-a.

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-Nãoestoupreocupada...-disseaenfermeiraHopkins.Muito jovem e digna no seu vestido preto, Elinor estava

sentadaàpesadasecretáriadasrªWelmannabiblioteca.Na sua frente estavam espalhados vários papéis. Tinha

acabado de falar com os criados e com a srª Bishop. EraMaryGerrard quem agora entrava, hesitando ummomento no limiardaporta.

-Desejafalarcomigo,MissElinor?Elinorlevantouacabeça.-Sim,Mary.Venhacáesente-sesefazfavor.Mary aproximou-se e sentou-se na cadeira que Elinor lhe

indicou. Ficoumeia virada para a janela e a luz incidia-lhe norosto,mostrandoasurpreendentepurezadapeleesalientandoodouradopálidodocabelo.

Elinor ocultou um pouco a cara com amão. Por entre osdedospodiaverorostodaoutraepensou:“Serápossívelodiar-setanto alguém sem o mostrar?” Por fim disse alto, numa vozagradáveledecidida:

-Sabebem,Mary,queminhatiasempretevemuitaestimaporsiecomcertezasepreocupavacomoseufuturo.

-AsrªWelmanfoisempremuitoboaparamim-murmurouMarynasuavozsuave.

Elinorcontinuounumavozfriaedesprendida:-Seiqueseminhatiativessetidotempodefazertestamento,

teria feito várias doações. Uma vez que morreu sem o fazer, aresponsabilidadederealizarosseusdesejoséminha.Consulteiosr.Seddoneaconselhodeleestabelecemosumalistadequantiaspara os criados conforme o tempo que tinhamde serviço. - Fezumapausa.-Você,éclaro,nãoestábemnestecaso.

Tinha uma certa esperança que aquelas palavrasencerrassem um estilete, mas o rosto que ela contemplava nãorevelou modificação alguma. Mary aceitou as palavras tal qualforamditaseesperouoqueseseguia.

Elinorprosseguiu:- Embora minha tia não pudesse falar com coerência,

conseguiufazer-secompreendernaúltimanoiteemqueviveu.Edecididamentequeriagarantiroseufuturo.

-Eramuitoboa-disseMarycalmamente.-Assimqueo testamento forexecutadoprovidenciareipara

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que lhesejamentreguesduasmil libras.Essaquantiaparasiepodefazerdelaoquequiser.

Marycorou.-Duasmillibras?Oh,MissElinor,quebondadeasua!Nem

seioquehei-dedizcr.-Nãoéporbondade,eporfavornãodiganada-exclamou

Elinorvivamente.Marycorounovamente.-Nemcalculaoarranjoquemefaz.-Aindabem-disseElinor.Hesitou.DesviouavistadeMaryeperguntoucomumligeiro

esforço:-Temalgunsplanos?-Tenhosim.Voutrabalhar.Emmassagens,talvez.Éoque

meaconselhaaenfermeiraHopkins.- Parece-me uma óptima ideia - disse Elinor. - Vou ver se

arranjoascoisascomosr.Seddonparaqueodinheiro lhescjaentregue o mais deprcssa possível, imediatamente até, se forviável.

-Muitoemuitoobrigada,MissElinor.- Era o desejo da tia Laura - disse sucintamente e

acrescentou depois de uma hesitação. - Bem, era só isto,obrigada.

Desta vez a despedida radical que as palavras implicavampenetrou a epiderme sensível deMary, que se levantou e dissecalmamente:

-Muitoobrigada,MissElinor.Eretirou-se.Elinorficousentadaimóvel,olhandofixamenteemfrente.Oseurostoestavacompletamenteimpassível.Nãosevianele

qualquerindicaçãodoquesepassavanoseuespírito.Continuoumuitotempoainda,imóvel,sentadaondeestava...

FinalmenteElinor foi àprocuradeRoddy.Encontrou-ona

sala. Estava de pé, olhando pela janela. Voltou-se bruscamentequandoElinorentrou.

Estadisse:-Jáacabei!QuinhentaslibrasparaasrªBishopqueestácá

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há muitos anos. Cem para a cozinhcira e para Milly e Olivecinquenta para cada. E Cill(o libras para cada um dos outros.Vinte e cincoparaStephens, o jardineiro-l hefe; e falta ainda oguarda, o velho Gcrrard. Ainda não tratei de nada para ele.Suponhoquetemdeselhedarumapensão.

Fezumapausaecontin1oufalandorapidamente:-VoudarduasmillibrasaMaryGerrard.Achasqueéoque

atiaLauragostaria?Parece-meumaboaquantia.- Sim, está bem. Sempre foste uma pessoa com critério,

Elinor-disseRoddysemolharparaela.Voltou-senovamenteparaajanela.Elinorcontevearespiraçãoummomento,depoiscomeçoua

falar com uma rapidez nervosa, as palavras saindoincoerentemente:

- Ainda há outra coisa. Claro... enfim é justo... isto é tensdireitoaficarcomatuaparte,Roddy.

Enquanto ele se virava com uma expressão de cólera, elaapressou-seadizer:

-NãoRoddy,ouve.Édepurajustiça!Odinheiroqueeradoteu tio e que eledeixouàmulher, possivelmente sempre julgouque virias a herdá-lo. A tia Laura tinha também essa ideia. Seiqueatinhapormuitascoisasquedisse.Seeuficocomodinheirodeletudeviasficarcomoqueeradele.Assiméqueéjusto.Eu...eu não posso suportar a ideia que te roubei... só porque a tiaLauranãochegouafazertestamento.Devesverquetenhorazão!

OrostocompridodeRoddytornara-sebranco.- Meu Deus, Elinor, queres fazer com que me sinta um

perfeitogaroto?Comopodespensarqueeueracapazdereceberessedinheirodeti?

-Nãotoestouadar.Éapenashonestidade.-Nãoquerooteudinheiro!-exclamouRoddy.-Nãoémeu!- É teu por lei e isso é que importa! Por amor de Deus,

sejamospráticos!Nãorecebereiumcentavodeti.Nãovaisarmaremminhaprotectora!

-Roddy!-Desculpa,querida.Nãoseichocado,tãodesanimado...-PobreRoddy...Eletinha-sevoltadooutravezparaajanelaebrincavacoma

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borladoreposteiro.Perguntounumtomdiferente,desprendido:-SabesoqueéqueMaryGerrardtencionafazer?

-Vaipraticarparamassagista.-Oh,sim.Houveumsilêncio.Elinor lavantouacabeça.Avozdelaao

falartornou-sesubitamentepersuasiva.-Roddy,queroquemeouçascomatenção!Elevoltou-separaelaligeiramentesurpreendido.-Poissim,Elinor.-Gostavaqueseguissesomeuconselhosefossepossível.-F.qualéoteuconselho?Elinordissecalmamente:- Não estás muito ocupado, pois não? Podes em qualquer

ocasiãoarranjarumasférias,nãopodes?-Posso.-Entãofazisso.Vaiviajardurante...digamos,trêsmeses.

Vai sózinho. Arranja novos amigos e vê novos lugares. Falemosfrancamente. Neste momento achas que estás apaixonado porMaryGerrard.Talvezestejas.Masnãoéalturadeteaproximaresdela... bem o sabes. O nosso noivado está definitivamenterompido.Por isso vai viajar comohomem livre que és, eno fimdos trêsmeses toma livremente uma decisão. Saberás então seamas realmente Mary ou se era apenas um entusiasmopassageiro.Eseestivcresperfeitamentecertodequerealmenteaamas... então, volta, procura-ae diz-lhe isso e mais que tens acertezaabsoluta,etalveznessaalturaelateouça.

quedigo.Sinto-metãoRoddyaproximou-sedelaepegou-lhenamão.- És maravilhosa, Elinor! Tão sensata ! Tão

extraordinariamente objectiva! Não há sombra de tacanhez oumaldade em ti. Não consigo exprimir toda a admiração quememereces.Voufazerexactamenteoquesugeriste.Parto,separo-medetudo...everificareiassimseomaldequesofroéautênticoouse tenho andado a fazer uma tremenda figura de pateta. Oh,Elinorquerida,nãoimaginascomogostodeti!Creioquenuncatemereci.Deusterecompensepelatuabondade.

Rapidamentc, impulsivamente, beijou-a no rosto e saiu dasala.

Foibomnãoterolhadoparatrásevistoacaradela.

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Unsdiasmais tardeMaryGerrardcomunicouàenfermeira

Hopkinsqueassuasperspectivasdefuturotinhammelhorado.Aquelamulherdeespíritopráticodeu-lhecalorosamenteos

parabéns.-Tevemuitasorte,Mary-disseela.-Aboasenhorapodiater

tidoóptimasintençõesaseurespeitomasquandoascoisasnãoestãoescritas,asintençõesdepoucovalem!Podiaterficadosemnada!

- Miss Elinor disse que na noite em que a srª Welmanmorreulhedissequefizessealgumacoisapormim.

AenfermeiraHopkinsfungou.- Talvez dissesse. Mas muita gente ter-se-ia

propositadamenteesquecidodepois.Osherdeirossãoassim.Faloporquetenhovistomuitacoisa.Pessoasamorreremdizendoquesabem que podem encarregar o seu querido filho ou filha decumprir os seus desjos. Noventa e nove por cento das vezes oquerido filho ou filha descobrem qualquel boa razão para nãocumprir desejos nenhuns. A natureza humana . assim, éninguém gosta de se privar de dinhciro se não é legalmenteobrigado a isso. Digo-lhe que tevemuita sorte, filha. AmaioriadaspessoasnãoétãohonestacomoMissCarlisle.

- E no entanto... não sei porquê... mas sinto que ela nãogostademim-disseMarypausadamente.

- E tem razão, parece-me.Ora vamos láMary, não se façainocente!Osr.Roderickolhaparasideumamaneira!

Marycorou.AenfcrmeiraHopkinscontinuou:-Creioquelhedeuforte.Apaixonou-seporsi,malaviu.E

você,filha?Sentealgumacoisaporele?- Eu... eu não sei. Crcio que não. Mas, realmente, acho-o

muitosimpático.-Hum,nãoéomeutipo!-disseaenfermeiraHopkins.-Édesteshomensdeconstituiçãodelicadaquesãoumfeixe

denervos.Provavelmenteesquisitocomacomida.Namelhordashipóteses, os homens não são grande coisa. Não tenha pressa,filha. Com a sua cara pode dar-se ao luxo de escolher. AenfermciraO'Brienobservou-meoutrodiaquevocêdeviairparao

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cinema.Sempreouvidizerquegostamdasloiras.Maryperguntou,franzindoligeiramenteatesta:-Queachaquedevofazercomomeupai?Eleachaqueeu

deviadar-lhepartedestedinheiro.-Não façauma coisa dessas - disse a enfermeiraHopkins,

furiosa.-NãoeraintençãodasrªWelmanqueessedinheirofosseparaele.Julgomesmoquesenãofossevocêelejátinhaperdidooemprego há anos. Nunca se viu homem mais indolente! - Écurioso que tendo ela tanto dinheiro nunca fizesse testamentoparalhedardestino-observouMary.

AenfermeiraHopkinsabanouacabeça.- As pessoas são assim. Não é de admirar. Vão sempre

adiando.-Parece-medisparate.- E a Mary já fez testamento? - inquiriu a enfermeira

Hopkinscomumligeiropestanejar.Maryolhouparaelaespantada:-Eunão.-Enoentantojáémaior.-Maseu...eunãotenhonadaparadeixar...istoé,agora

talveztenha.- Claro que tem. E até uma soma bem bonita - disse a

enfermeiraHopkinsvivamente.-Nãohápressa...-Oraaíestá-exclamouaenfermeiraHopkinssecamente.-É

assim que todos pensam. Lá porque é uma rapariga nova esaudável não é razão para não ser vítima de um desastre deautocarroounãoseratropeladanaruadeummomentoparaooutro.

Maryriu-se.-Nemsequerseicomosefaztestamento-disse.- É fácil. Na estação dos correios há impressos. Vamos lá

buscarumagoramesmo.Em casa da enfermeira Hopkins abriu-se o impresso e

discutiu-se o importante assunto. A enfermeira Hopkins estavagozandomuitíssimo.Nasuaopinião,maisinteressantequeumamortesóumtestamento.

-Paraquemficariaodinheiroseeunãofizessetestamento?-perguntouMary.

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-Paraoseupai,julgoeu.-Nãoseráparaele.Prefirodeixá-loàminhatiaquevivena

NovaZelândia.-Aliásnãoserviriademuitoaoseupai.Parece-mequenão

andaporcámuitotempo-disseaenfermeiraHopkinsnumtoméalegre.

Mary tinha ouvido a enfermeira Hopkins fazer esteprognósticotantasvezesquejánãoseimpressionavacomele.

-Nãomelembrodamoradadaminhatia.Háanosquenãosabemosnadadela.

- Creio que não tem importância. Basta saber o nome debaptismo.

-Mary.MaryRiley.- Está bem.Escreva que deixa tudo aMaryRiley, irmãda

falecidaElizaGerrarddeHunterbury,Maidensford.Maryinclinou-sesobreopapel,escrevendo.Quandochegou

aofimestremeceu.Umasombratinha-seinterpostoentreelaeosol. Levantou a cabeça e viu Elinor Carlisle do lado de fora dajanelaaolharparadentrodacasa.

-Queestáafazertãoatarefada?-perguntouElinor.-Está a fazer testamento - informoua enfermeiraHopkins

rindo.- A fazer testamento? - Elinor desatou a rir, um riso

estranho, quase histérico, e exclamou: - Com que então está afazertestamento,Mary.Essatemgraça.Temmuitagraça!...

Ainda a rir, virou as costas e continuou o seu caminho,andandorapidamente.

AenfermeiraHopkinsficouaolharespantada.-Jáviuaquilo?Queéquelhedeu?Elinor não tinha dadomais quemeia dúzia de passos ria

ainda-quandoumamãoportrásdelalheagarrouobraço.Parouabruptamenteevoltou-se.

Odr.Lordolhouadireitoparaela,coma testa franzida,einquiriuperemptoriamente:

-Dequeseestáarir?-Francamente...nãosei...-respondeuElinor.-Essarespostaébastantepateta!Elinorcorou.-Achoqueandonervosa...ounãosei-disseElinor.

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- Olhei para dentro da casa da enfermeira e. . . e MaryGerrardestavaláafazertestamento.Deu-mevontadederir;nãoseiporquê!

-Nãosabe?-disseLorddechofre.-Foipateticeminha...jálhedisse...estounervosa.-Eureceito-lheumtónico-ofereccuPeterLord.-Émuitoprestável-disseElinorcomvozcortante.Elesorriuconcordando.-Realmentenãoéfazermuito,concordo.Maséaúnicacoisa

quesepodefazerquandoapessoanãonosdizoquetem!-Nãotenhonada.-Issoéquetem-dissePeterlordcalmamente.-Tenhoandadonumacertatensãonervosa...-Numagrandetensãomesmo-disseele .Masnãoédisso

quesetrata.-Fezumapausa.-Ficaporcáaindamuitotempo?-Vou-meemboraamanhã.-Nãovemviverparacá?Elinorabanouacabeçanegativamente.- Não... de maneira nenhuma. Penso vender a casa se

conseguirumaboaofcrta.-Compreendo...- Vou andando para casa - disse ela e estendeu-lhe amão

firmemente.Peter Lord conservou-a certo tempo e disse com ar muito

sério: - Miss Carlisle, pode dizer-me em que estava a pensarquandohápoucoseria?

Elaretirouimediatamenteamão.-Emquehaviadeestarapensar?-Eraoqueeugostavadesaber.OrostodeleestavasérioeumpoucoLriste.-Acheiengraçado,emaisnada-disseElinorimpaciente.- QueMary Gcrrard estivesse a fazer testamento? Porquê?

Fazer testamento é até um acto muito sensato. Evita muitosaborrecimentos.Asvezestambémoscausa,écerto!

- É claro que toda a gente devia fazer testamento. Não eraissoqueeuqueriadizer.

- O sr. Welman, por exemplo, devia ter feito testamento -disseodr.Lord.

- Realmente devia - exclamou Elinor convictamente e

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corando.-Evocê?-perguntouinesperadamenteodr.Lord.-Euoquê?- Sim, acabou de dizer que toda a gente devia fazer

testamento.Jáfez?Elinorolhouparaeleadmiradaedepoisriu.- É extraordinário! Não fiz. Não pensei nisso! Estou

exactamente no mesmo caso da tia Laura. Lembrou bem, dr.Lord,vouparacasaevouescreveraosr.Seddonporcausadisso.

-Muitobem-dissePeterLord.NabibliotecaElinor acabaraprecisamentede escreveruma

carta.Ex.mo sr. Seddon: - Queira fazer-me o favor de lavrar um

testamentoparaeuassinar.Émuitosimples.QuerodeixartudoaRoderickWelman.

Com muita considcração Elinor Carlisle Olhou para orelógio.Ocorreioseguiadentrodeminutos.

Abriu a gaveta da secretária, depois lembrou-se que tinhautilizadooúltimoselonessamanhã.

Tinhaquase a certeza, porém,de quehavia algunsno seuquarto.

Foiláacima.Quandovoltouàbibliotecacomoselonamão,Roddyestavaaopédajanelaeexclamou:

- Vamos então amanhã embora!Deixamos esta velha casa.PassamosbonstemposaquiemHunterbury.

-Importas-tequeavenda?-perguntouElinor.-Não,demaneiranenhuma.Compreendoperfeitamenteque

éomelhorqueháafazer.Houveumsilêncio.Elinorpegounacarta,releu-aparaverse

estavabemclara.Depoisfechou-aeselou-a.

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Capítulo6CartadaenfermeiraO'BrienparaaenfermeiraHopkins,a14

deJulho:LaboroughCourtCaracolegaHopkins:- Há dias que tenciono escrever-lhe. Esta residência é

encantadoraeasgravurasnelabastantefamosas,masnãopossodizer que seja tão confortável como Hunterbury, não sei semeentende.Comoficaemplenocampoédifícilconseguircriadaseas que cá estão são raparigas inexperientes e algumas poucoprestáveis.Emboraeutenhaacertezadequenãosoupessoaquedê trabalho, as refeições que trazemnuma bandeja pod'zam aomenosserquentes:'rambémnãoháfacilidadedeferverágua,eochánemsempreéfeitocomáguaaferver!Masenfimtudoissoésuportável! O doente um homem calmo e simpático - umapnemonia dupla,mas a crise passou e omédico diz que está amelhorar.

Oque tenhoadizer-lhe,que lhe interessacomcerteza,éacoincidênciamais fantástica que possa imaginar. Na sala cá decasa, sobre o enorme piano, há uma fotografia numa molduragrandede prata, e calcule que é amesma fotografia de que lhefalei-aquelaassinadaLeLvisqueaSrªWelmanmepediu.Éclaroque fiquei intrigada - quemnão ficaria? Perguntei aomordomoquemera,eelerespondeuimediatamentequeeraoirmãodeLadyRattery-- Sir Lewis Rycroft. Parece que vivia perto daqui - emorreunaguerra.

Étriste,nãoacha?Pergunteicasualmenteseeracasadoeomordomo disse que sim, mas que Lady Rycroft tinha sidointernada num manicómio pouco tempo depois do casamento.Ainda é viva, scgundo me disse. Não é interessante isto?Estávamos enganadas em todas asnossashipóteses.Devem tergostadomuitoumdooutro,eleeaSrªWelmanenãopuderamcasarporcausadamulherestarnomanicómio.

Tal e qual como nos filmes, não acha? E ela viveu derecordaçõestodosestesanosecontemplouafotografiadelepoucoantesdemorrer.

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Ele morreu em 1917 disse o mordomo. Um verdadeiroromance,achoeu.

Jáviuonovo filmedaMyrnaLoy?SoubequecorriaaíemMaidensfoTdestasemana.Aquinãohásequercinemasperto!Éterrívelestardesterradanocampo.Nãoadmiraquenãoarranjemcriadasemtermos!Bem,adeusporhoje,escrevaeconte-metodasasnovidades.

SuaafectuosamenteEikenO'BrienCartadaenfermeiraHopkinsparaaenfermefraO'Briena14

deJulho:ChaléRosaQueridacolegaO'Brien:-Poraquivaitudocomoocostume.Hunterbuy está sem ninguém - os criados foram-se todos

emboraeestáláumaplacaquediz:“Vende-se”.OutrodiaviasrªBishop que vive agora em casa de uma irmã a um quilómetrodaqui.Comosepodecalcularficoumuitoimpressionadaquandosoubequeapropriedade iaservendida.Parecequeparaelaeracoisa assente que Miss Carlisle casaria com o sr. Welman eviveriamali.Masdizqueonoivadosedesfez!MissCarlislepartiuparaLondreslogodepoisder,oceAseteridoembora.Devezemquando a atitude dela era muito estranha. Eu não sabiaverdadeiramcnteoquehaviadepensar!MaryGerrardpartiuparaLondreseestáacomeçarapraticarparamassagista.Achoquefezmuitobem.MissCarlisle vai entregar-lheduasmil libras o queacho muito simpático da parte dela e um procedimento poucovulgar.

Apropósito, é curiosocomoascoisassesabem.Lembra-sede me ter falado numa fotografia assinada Lewis que a srªWelmanlhemostrou?TiveumdiadestesumaconversacomasrªSlattery (que foi governanta em casa do velho dr. RansomemédicodaquiantesdoDr.Lard).Elaviveuaquitodaavidaesabemuita coisa acerca das pessoas destes sítios. Puxei a conversanaturalmente,efalandodenomesdebaptismodissequeonomede Lewis não era vulgar, e logo elamencionou entre outros SirLewis Rycroft de Forbes Park. De parte do décimo-sétimoregimentode lanceirosqueestevenaguerra emorreuquasenofimdesta.Entãopergunteisenãoeraelequeeramuitoamigoda

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Srª Welman de Hunterbury. Olhou para mim imediatamente edisse: “Sim foram amigos muito íntimos e diz-se que forammesmomaisdoqueamigos”,maselanãoerapessoaquegostassedeficar...eporq2ceéquenãohaviamdeseramigos?Entãoeudisse que estavamuito bem, tantomais que a SrªWelman eraviúvanessaaltura,eeladissequesimqueelaeraviúva.Vilogoquequeriadizeralgumacoisacomaquiloeobserveiequeachavaestranhoquenãose tivessemcasado,eeladisse imediatamentequenãopodiamcasarporqueeletinhaamulherinternadanummanicómio! De modo que já soubemos tudo agora!ÉF curiosocomo as coisas se sabem, não é?Dada a facilidade comque seobtêmdivórciosactualmente,pareceimpossívelquealoucuranãotenhasidomotivosuficienteparaissonaqueletempo.

Lembra-sedeumrapaznovoebemparecidochamadoFredBiglandquecostumavaandarmuitoatrásdeMaryGerrard?Temandado de volta de mim para eu lhe dar a direcção dela emLondresmasnãolhatenhodado.

AmeuverGredBiglandnãoestáàalturadeMary.Não sei se reparou, mas o sr. R. W. andava muito

entusiasmado com ela. É pena porque causou aborrecimentos.Lembre-sedoquelhedigo,nãofoioutraarazãodeseterrompidoonoivadoentreeleeMIissCarlisle.Esemeperguntardigo-lhequeestaficoumuitoabalada.

Nãoseioqueelalheencontra-garantoquenãoeraomeuideal-massoubedefonteseguraquesempregostouloucamentedele.

É um pouco confuso, não é? E agora cla fica com aqveledinheiro todo. E no entanto ele tinha razão para ter esperançaqueatialhedeixassealgumacoisadesubstancial.

Oguarda,ovelhoGerrardestáporpouco- temtidováriascrisesmás.Continuabruto e casca grossa como sempre.OutrodiachegouadizerqueMarynãoerafilhadele.“Poisentão”disse-lhe,“eunoseucasotinhavergonhadedizerumacoisadessasdaminhamulher”.

Limitov.-seaolharparamimeadizer:“Asenhoraéparva.Não compreende nada”. Muito delicado, não foi? Dei-lhe umadescompostura.AmulherdeleantesdecasarfoicriadadequartodasrªWelman,creioeu.

ViATerraBenditaasemanapassada.Émaravilhoso.Parece

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équeasmulheressofrembastantelánaChina.SuamuitoamigaGessieHopkinsPostaldaenfermeiraHopkinsparaaenfermeiraO'Brien:Foiengraçadoasnossascartasterem-secruzado!Quemediz

aestetempohorrível?Postal da enfermeira O'Brien para a enfermeira Hopkins:

Recebiasuacartaestamanhã.Quecoincidência!Carta de Roderick Welman para Elinor Carlisle a 15 de

Julho:QueridaElinor:- Acabo de receber a tua carta. Não, sinceramente nãome

custa que Hunterbury seja vendido. E simpático da tua parteconsultares-me. Acho que é o melhor que tens a fazer, se nãopensasviverláoqueécertamenteocaso.Dez7es,noentanto,tercerta dificuldade em encontrar comprador. É uma casa muitogrande para as necessidades actuais, enfim, tenha sidomodernizada, e tenha tudo o que é preciso, bons quartos decriados,gás,luzeléctrica,etc.Desejoquetenhassorte!Aquiestáumtempodeliciosamcntequente.Passohorasdentrodeágua.Hámuitagentebastantecuriosamasemgeralmantenho-meàparte.Disseste-me uma vez que eu não eramuito sociázel. Parece-mebemqueéverdade.Achoamaioriadaespéciehumanabastanterepelente.Osoutrosprovalvelmentesentemomesmo.

Há muito que descobri que és uma das únicasrepresentantes Derradeiramerlte satisfatórias da humanidade.Estou a pensar em ir até à Dalmácia dentro de uma ou duassemanas.AdirecçãoéThomasCook,DuSrolnik,dodia22emdiante.Seprecisaresdealgumacoisa,diz.

AfectuosamenteRoddyCartadosr.Seddon,deSeddon,BlathenwickeSeddonpara

MissCarlisle,a20deJulhO:BloomsburySquarel04Excelentíssimasenhora:-Creio, semamínimadúvida,quedeveaceitaraofertado

major Somerwell que lhe dá doze mil e quinhentas libras (£

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¨2,500) por Hunterbury. As propriedades grandes, hoje, sãoextremamentedifíceisdevender,eopreçoestabelecidoparece-meser bastante vantajoso. A oferta depende, porém, da posseimediataeeuseiqueomajorSomerwelltemandadoaveroutraspropriedades nesses arredores, por isso aconselho-a a aceitarimediatamente.

O major Someruell deseja, julgo eu, instalar-se na casamobilada durante três meses, altura em que as formalidadeslegaisserãocumpridaseavendaseráefectuada.

Quanto ao guarda, Gerrard, e a questão de lhe dar umapensão,soubepelodr.Lordqueovelhoestáseriamentedoenteequenãoéprovávelqueescape.

O testamento ainda não foi aprovado legalmente, mas jáadiantei mil libras a Miss Mary Gerrard por conta da soma aentregar-lhe.

CommuitaconsideraçãoEdmundSeddonCartadodr.LordparaMissCarlislea24deJulho:Ex.maSenhora:- O velho Gerrard morreu hoje. Há alguma coisa em que

possa ser-lhe útil? Soube que tinha vendido a casa ao majorSomerwell,onossonovodeputado.

ComosmaiscumprimentossouPeterLardCartadeElinorCarlisleparaMaryGerrarda25deJulho:CaraMary:-Lamentomuitoamortedeseupai.Tenhoumcomprador

paraHunterbury-Um sr.major Someruell. Está desejoso de seinstalaromaisdepressapossível.Vouaté láparadarumavistade olho, aos papéis deminha tia e arranjar tudo. Gostava quetirassetambém,omaisdepressapossí1el,ascoisasdoseupaidacasaqueelehabitavanoparque.Desejoquetudolhevácorrendobemequenãoacheapráticadasmassagensmuitoárdua.

ComosmeuscumprimentosElinorCarlisleCartadeMaryGerrardparaa enfermeiraHopkinsa26de

Julho:SenhoraHopkins:-Obrigadapormeterdadoanotíciadofalecimentodemeu

pai.Aindabemquenãosofreu.MissElinorescreveu-meadizer

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queacasaestávendidaequegostavaqueeutirasseascoisasdanossa habitação omais depressa possível. Poderia ficar em suacasa quando for amanhã para o feneral? Se puder ser, não seincomodearesponder.

SouafectuosamenteMaryGerrard

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Capítulo7Elinor Carlisle saía do King's Arms na manhã de quinta-

feira,27deJulhoe ficouparadaummomentonaruaprincipaldeMaidensford,olhandoparaumladoeparaooutro?.

De repente, com uma exclamação de prazer, atravessou arua.

Aquela figura alta e digna, e aquele porte sereno, tal umgaleãoatodaavela,nãoofereciadúvidas.

-SrªBishop!-MissElinorporaqui!Quesurpresa!Nãosabiaqueestava

cá!SesoubessequevinhaaHunterburyterialáidologo!Queméquelhetratadascoisas?TrouxealguémdeLondres?

Elinorfezumsinalnegativocomacabeça.-Nãoestouláemcasa.EstounoKing'sArms.AsrªBishopolhouparaooutroladodaruaefungou.-Pode-seficarlá,tenhoouvidodizer-admitiuela.-Parecequeélimpo.Edizemqueacozinhaéboa,masnãoé

nadadaquiloaqueestáhabituada,MissElinor.”Elinordisse,sorrindo:-Poisestoubastantebem.Ésóporumdiaoudois.Tenho de fazer uma escolha lá em casa. Separar as coisas

pessoaisdaminhatia;etambémháunscertosmóveisquequerialevarparaLondres.

-Entãoacasaestárealmentevendida?- Está. Ao nosso novo deputado, o major Somerwell. Sir

GeorgeKerrmorreu,sabe,ehouveumaeleiçãoespecial.-Nãohouveoposição-disseasrªBishopcomarimportante.

-NuncativemossenãoconservadoresporMaidensiord.-Estou contentepor ter vendidoa casaaumapessoaque

realmenteaquerhabitar.Teriapenadevê-latransformadanumhotelouadaptada.

A srª Bishop fechou os olhos e toda a aristocrâtica figuraestremeceu.

-Sim, issoseriahorrível, realmenteseriahorrível!JácustabastantepensarqueHunterburyvaiparaamãosdeestranhos.

- Pois é, mas compreende, é uma casa demasiado grandeparaeuviver...sozinha.

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AsrªBishopfungoueElinorapressou-seadizer:-Queriaperguntar-lhesegostavadeficarcomalgummóvel

emespecial.Seassimfor,tenhomuitoprazeremdar-lho.ASrªBishoprejubilouedissecortêsmente:- É muito amável, Miss Elinor... muito amável. Se me

permite...Fezumapausa.-Façafavor-encorajou-aElinor.-Sempregosteimuitodasecretáriaqueestánasala.Acho-aummóvelmuitoelegante.Elinor lembrava-se dele, era um móvel de embutidos que

davaumtantonasvistas.- Pois sim, é para si, srª Bishop. Mais alguma coisa? -

perguntouElinor.-Não,MissElinor.Játemsidobastantegenerosa.-Háumascadeirasnomesmoestilodasecretária.Quere-as?A srª Bishop aceitou as cadeiras com os devidos

agradecimentoseexplicou:-Agoravivocomaminhairmã.Querqueaajudeemalguma

coisaláemcasa,MissElinor?Possoirláconsigosequiser.-Não,obrigada.Elinorfaloudepressaebastantebruscamente.-Não émaçadanenhumaparamim, pode ter a certeza.É

umprazer.Étristeterdeirdarvoltaàscoisasdaboasenhora.suaavantajada- Obrigada, srª Bishop, mas preciso de pôr mãos à obra

sozinha.Hácoisasquesefazemmelhorsó.-Comoquiser-disseasrªBishopempertigando-se.Econtinuou:-A filha doGerrard está cá.O funeral foi ontem.Está em

casa da enfermeiraHopkins.Ouvi dizer que iam lá a casa delaestamanhã.

Elinorconfirmou:-Sim,fuieuquempediuaMaryqueviessecátratardisso.OmajorSomerwellquerinstalar-seomaisdepressapossível.-Ah,sim.-Bem,tenhodeirandando-disseElinor.-Muitoprazerem

vê-lasrªBishop.Nãomeesqueçodasecretáriaedascadeiras.Apertou-lheamãoeseguiu.

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Entrou no padeiro e comprou um pão. Depois entrou naleitaria e comprou leite e duzentos e cinquenta gramas demanteiga.

Finalmentefoiàmercearia.-Queroconservasdepeixeparasanduíches,sefazfavor.-Muitobem,MissCarlisle.O sr. Abbot pessoalmente adiantou-se solícito, afastando

paraoladooempregado.-Quedeseja?Salmãooucamarão?Peruoulíngua?Salmão

ousardinha?Presuntooupaio?Tirouumboiãoemaisoutroecolocou-osemcimadobalcão.Elinordissecomumlevesorriso:-Apesardosnomesseremdiferentes,achoquesabemtodos

umpoucoaomesmo.Osr.Abbotconcordouimediatamente.-Realmenteé,issoé.Masnaverdadesãomuitosaborosas...

muitosaborosas.-Geralmentetem-semedodecomerconservasdepeixe.Tem havido casos de envenenamento, não tem? - disse

Elinor.Osr.Abbotfezumaexpressãodehorror.-Possogarantir-lhequeestamarcaéexcelenteedamáxima

confiança.N1ncativemosreclamações.-Voulevarumadesalmãoeanchovaseoutradesalmãoe

camarão.Obrigada.Tr Elinor Carlisle entrou na cerca de Huntcrbury pelo

portãodetrás.EraumdiadeVerãoclaroequente.Haviaervilhas-de-cheiro

emflor.Elinorpassoupertodeumcanteirodelas.Horlick o ajudante do jardineiro, que continuou ao serviço

para manter as coisas arranjadas, cumprimentou-arespeitosamente.

-Bomdia,menina.Recebiasuacarta.Aportadoladoestáaberta.Abriaspersianasequasetodasasjanelas.

-Obrigada,Horlick.Quando ia a afastar-se, o rapaz disse nervosamente,

tremendo-lheoqueixo:-Desculpe,menina,mas...Elinorvoltou-se.

Page 66: Agatha christie - cipreste triste

-Queé?-Éverdadequeassente?-Es1ásim!Horlickdissenervosamente:- Pensei se a menina podia falar de mim ao major

Somerwell. Ele deve precisar de jardinciros. Talvez eleme achemuito novo para jardinciro-chefe, mas eu trabalhei com o sr.Stephens quatro anos e parece-me que sei um bocado disto, etenhotratadomuitobemdascoisasdesdequeestoucásozinho.

- Pois sim, Horlick, vou fazer o que puder. Já tencionavafalar de si ao major Somelwcll e dizer-lhe que é um bomjardineiro.

-Acasaestávendida?JáestárealmenteOrostodeHorlickfez-semuitovermelho.-Obrigado,menina.Agradeço-lhemuito.Istojásevêfoium

choque... a srª Welman morreu e depois a casa vendida tãodepressa...eeu,enfim,estavaparacasaresteOutonomasumapessoatemdeteracertezaque...

Calou-se.Elinordisseamavelmente:-OmajorSomelwelldeveficarconsigo.Podeconfiaremmim

queeufareitodoopossível.-Obrigado,menina.Enfim,todosesperávamosqueafamília

ficassecomacasa.obrigado,menina.Elinorcontinuouoseucaminho.Subitamente, invadindo-a como um rio que rebentasse a

represa,inundou-aumaondadecólera,deferozressentimento.“Todosesperámosquea família ficassecomacasa...”Elae

Roddypoderiamhabitá-laumdia.ElaeRoddy...Roddygostaria.Elaprópriagostariatambém.Ambostinham

sempreadoradoHunterbury.OqueridoHunterbury...Nosanosqueantecederamamortedospais,quandotinham

estadonaÍndia,elacostumavavirparaaquipassarasférias.Brincava no bosque, passeava pelas margens do ribeiro,

apanhava grandes braçadas de ervilhas-de-cheiro, comiadeliciosasgroselhasedocesIramboesasmuitovermelhas.

Mais tarde vinham as maçãs. Havia recantos onde ela seaninhavahorasehorasalerumlivro.

AdoravaHunterburynessetempo.Sempretiveraumaíntima

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certeza de viver ali um dia permanentemente. A tia Lauraalimentaraessa ideiacompequenas frases,comcertaspalavras:“Talvezumdiamandescortaraquelesteixos,Elinor.

Sãoumpoucolúgubres!”“Deviahaveraquiumaestufa.Talvezvenhasafazê-la.”ERoddy?Roddytambémesperara

que Hunterbury viesse a ser a sua casa. Talvez mesmo o quesentiaporela nãofossealheioa isso.SentirapossivelmentenoseusubconscientequeficavabemeerajustoviveremambosemHunterbury.

Eteriamvividoambosaqui.Estariamambosaquiagora,nãopreparando a casa para vender, mas fazendo uma novadecoração, planeando novas maneiras de arranjar a casa e ojardim,caminhando ladoa lado,gozandooagradávelprazerdapropriedade - felizes - ambos felizes sim - se não fosse o acasofalal do aparecimento de uma rapariga bela como uma rosasilvestre...

QuesabiaRoddy,deMaryGerrard?Nada-poucomaisquenada! -Que importância tinhapara elea verdadeiraMary?Erauma rapariga com admiráveis qualidades, mas tinha Roddyconhecimento delas? Era a velha história, o velho truque daNatureza! Não tinha o próprio Roddy dito que era um“encantamento”? Não desejava o próprio Roddy - realmente -libertar-se dele? Se, por exemplo, Mary Gerrard morresse, nãoreconheceria Roddy um dia que tinha sido melhor assim, poiscompreendiaentãoquenãotinhamnadaemcomum...

Acrescentaria, talvez, com suave melancolia: “Era umacriaturaadorável!...”Quefosseparaeleumarecordaçãosuave,umaideiadebelezaedealegriaparasempre...

SeacontecessealgumacoisaaMaryGerrard,Roddyvoltariapara ela. Tinha a certeza disso! Se acontecesse alguma coisa aMaryGerrard...

Elinorabriuaporta lateral.Passoudaclaridadequentedeforaparaaluzsombriadacasa.Sentiuumarrepio.

Fazia frio, estava tudo escuro e sinistro... Era como sequalquercoisaestivesseàesperadelanaquelacasa...

Atravessouovestíbuloeempurrouoguarda-ventoquedavaparaacopa.

Cheiravaligeiramenteabolor.Abriuajaneladeparempar.Pousouosembrulhos-amanteiga,opão,apequenagarrafa

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de leite e pensou: “Estúpida! Esqueci-me de comprar café.”Procurounaslatasqueestavamnumaprateleira.Haviaumpoucodechánumadelas,masnãohaviacafé.

Pensou: “Não tem importância.” Desembrulhou os doisboiõesdeconservaseficouummomentoaolharparaeles.Depoissaiudacopaesubiuaoprimeiroandar.FoidireitaaoquartodasrªWelman.Começoupela cómodagrande, abriu gavetas, tiroucoisas,arrumou,dobrouroupasepôsemmonte.

Nacasadoguarda,MaryGerrardolhavaàsuavoltabastante

desanimada.Nãoimaginaraoestadoemquetudoseencontrava.Asuavidapassadavoltou-lhederepenteàmemória.A mãe fazendo vestidos para as bonecas. O pai sempre

rabugento e grosseiro. Jamais gostara de si. Sim, não gostaranuncadesi...

- O meu pai não disse nada, não me quis falar antes demorrer?-perguntouelaàenfermeiraHopkins.

A enfermeira Hopkins disse numa voz simultaneamentealegreedura:

-Não,filha,queideia!Ficouinconscienteumahoraantesdemorrer.

-Estouarrependidadenãotervindotratá-lo.Apesardetudoerameupai.

- Ouça, Mary - disse a enfermeira Hopkins com visíveissinaisdeembaraço-seeleeraseupaiounãonãovemagoraparao caso. Hoje em dia os filhos não se preocupammuito com ospais,peloquesevê,emuitospaistambémnãosepreocupamcomos filhos. A srª Lambert, da escola secundária, diz que assim éque deve ser. Segundo ela a vida de família é um erro, e ascriançasdeviamsereducadaspeloEstado.

Há-de vir a ser assim - um maravilhoso orfanato - mas,apesardisso,éumaperdadetempoficaraolharparaopassadoeentregarmo-nosasentimentalismos.Temosdeviveravida - éanossamissão-eàsvezesnãoémuitofácil!

-Deveterrazão.Mastenhoaimpressãodequetalvezfosseminha a culpa de não nos darmos melhor - disse l!,Iarpausadamente.

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-Nãodigadisparates!-exclamouaenfermeiraHopkinscomautoridade.

AfraseexplodiucomoumabombaetranquilizouMary.AenfermeiraHopkinsencaminhouaconversaparaquestões

maispráticas.-Quevaifazeràmobília?Guardá-laouvendê-la?-Nãosei.Queacha?-perguntouMaryhesitante.Lançando em volta um olhar de avaliação a enfermeira

Hopkinsaconselhou:-Algumascoisassãobastanteboasesólidas.Podiaguardá-

las,eumdiamobilarumapartamentozinhoparasi,emLondres.Oquenãoprestavenda.Ascadeirassãoboaseamesatambém.Raquelasecretáriaébonita,éumgéneroforademoda,masédemogno, e dizem que aquele estilo da época da rainha Vitóriaainda há-de voltar a usar-se. Eu no seu caso, vendia aqueleguarda-fatogrande,queédemasiadograndeedifícildearrumar.Comotamanhoquetemocupametadedoquarto.

Fizeram as duasuma lista das coisas para guardar e paravender.

-Osr.Seddon,oadvogado,foimuitoamável-disseMary.-Adiantou-mealgumdinheiroparaeupagar logode início

as despesas que tivera com a prática das massagens e outrascoisasdequeeuprecisasse.Segundoeledisseaindademoramaisoumenosummêsantesqueodinheirosejadefinitivamentemeu.

- Que tal acha o seu trabalho? - perguntou a enfermeiraHopkins.

- Creio que vou gostar muito. É bastante fatigante aprincípio.Chegoacasaestafada.

-JulgueiquemorriaquandoestiveafazerpelaprimeiravezserviçodeenfermagemnoHospitaldeSt.Luke.Penseiquenãoaguentavatrêsanos.Masaguentei.

Tinhamseparadoas roupasdovelho, e encontraramentãoumacaixadelatacheiadepapéis.

-Achoquedevemospassar a vistapor estespapéis - disseMarv.

Sentaram-se,cadaumadeseuladodamesa.AenfermeiraHopkinsresmungou,agarrandoumaporçãode

papéis:-Éextraordinárioasporcariasqueseguardam!Recortesde

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jornal! Toda a espécie de coisas! Mary disse, desdobrando umdocumento:

-Aquiestáacertidãodecasamentodopaiedamãe.EmSt.Albans,19l9.-Éumacertidãoantiquada.Muitaspessoascánavilaainda

usamessetipodecertidões.-Mas...-disseMarysurpreendida.A outra levantou bruscamente a cabeça. Viu tristeza nos

olhosdaraparigaeperguntou:-Queé?-Nãovê?Éde1919.Eeutenhovinteeumanos.Em1919

tinha eu um ano.Quer dizer... quer dizer... que omeu pai e aminhamãesósecasaramdepois...depoisdeeunascer.

AenfermeiraHopkinsfranziuatestaedisseenergicamente:-Eentão,quetemisso?Nãosepreocupecomissoagora!-Masnãopossodeixardemepreocupar.EntãoaenfermeiraHopkinsdissecomautoridade:-Hámuitoscasaisquesóvãoàigrejaumpoucodepoisdelá

deverem ter ido. Mas desde que vão, que mal tem? É assimmesmo!

-Achaqueeraporissoqueomeupainuncagostoudemim?Talvezporquefoiforçadoacasarcomaminhamãe?AenfermeiraHopkinshesitou,mordendoolábio:

-Creioquenãofoibemassim.-Fezumapausa.-Bem,sesevai preocupar com isso, digo-lhe a verdade: não é filha deGerrard.

-Entãoeraporisso!-exclamouMary.-Talvez.Marydisse,comumarosetavermelhaemcadaface:-Talveznãomefiquebem,masestoucontente!Sempresenti

remorsosdenãomepreocuparmaiscomomeupai,masseelenãoerameupai,entãoestátudobem!Comosoube?

-Gerrardfaloumuitosobre issoantesdemorrer.Mandei-ocalarbastanteàsperamente,maselenão ligou importância.Nãolheteriaditonadaasi,seissonãotivesseaparecido.

-Quemseriaomeupai...A enfermeira Hopkins hesitou. Abriu a boca para falar e

tornouafechá-la.Pareceuficarindecisa.Nestaalturaumasombraprojectou-senoquartoeasduas

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voltaram-se,eviramElinorCarlisledoladodeforadajanela.-Bomdia-exclamouElinor.AenfermeiraHopkinsretribuiuasaudação:-Bomdia,MissCarlisle.Estáumdialindo,nãoestá?Marydisse:-Bomdia,MissElinor.-Estivea fazersanduiches-disseElinor.-Nãoqueremvir

comeralgumas?Éumahoraeéumamaçadamuitograndeteremdeiracasaalmoçar.Trouxeosuficienteparatrês,jáacontar.

- Foi muito previdente, Miss Carlisle - disse a enfermeiraHopkinsagradavelmentesurpreendida.-Éumamaçadaterdeseinterromper o que se está a fazer, para ir à vila e voltar.Esperávamosqueistoficasseprontoestamanhã.

Fui fazerasminhasvisitasaosdoentesbastantecedo.Masairdecasadelesdemorasempremaisdoquesejulga.

- Obrigada, Miss Elinor, agradeço-lhe muito - disse Maryreconhecida.

Dirigiram-seastrêsparaacasa.Elinortinhadeixadoaportadafrenteaberta.Entraramnafrescuradovestíbulo.

Marytremeu.Elinorolhouparaelaeperguntou:-Quefoi?-Nada.Foiumarrepio.Foidevirdeládefora,docalor...- É curioso. Sucedeu o mesmo comigo esta manhã -

observouElinoremvozbaixa.A enfermeira Hopkins rindo, disse com uma voz sonora e

alegre:-Bem,daquiapoucodizemqueháfantasmascáemcasa.Amimnãomesucedeunada!Elinorsorriu.Dirigiram-separaasalaque ficavadireitada

porta da entrada. As persianas estavam abertas e as janelastambém.Eraumambientealegre.

Elinor atravessou o vestíbulo, e trouxe da copa um pratograndecomsanduíches,queofereceuaMary,dizendo:

-Sirva-se.Mary tirou uma. Elinor ficou um momento observando-a,

enquanto ela trincava a sanduíche comos seus dentes brancosmuitocertos.

Contevearespiraçãoedepoisexpeliu-anumlevesuspiro.Ficouunssegundosabstracta,segurandooprato,depois,ao

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ver a boca entreaberta e a expressão de apetite da enfermeiraHopkins,coroueofereceu-lheoprato.

Elinortiroutambémumasanduícheedissedesculpando-se:-Tencionavafazercafémasesqueci-medeotrazer.Massequiseremtêmcervejaemcimadaquelamesa.-Se aomenosme tivesse lembradode trazer chá - disse a

enfermeiraHopkinstristemente.-Háaindaumpoucode chánuma lata lánacopa -disse

Elinordeummodoalheio.OrostodaenfermeiraHopkinsiluminou-se.-Entãovoulánuminstantepôráguaaferver.Nãoháleite,

poisnão?-Hásim.Eutrouxe.- Bem, está bem - disse a enfermeira Hopkins. E saiu

apressada.ElinoreMaryficaramsós.Umaestranhatensãocarregouaatmosfcra.Elinorcomum

esforço visível, tentou fazer conversa. Os seus lábios estavamsecos,passoualínguaporeleseperguntouagrestemente:

-GostadoseutrabalhoemLondres?-Gostosim,obrigada.Estou...estou-lhemuitograta...Ouviu-seumsom rouco e brusco.EraElinor que ria, com

umrisotãodissonante,tãoinesperadoqueMaryolhouparaelasurpreendida.

-Nãohárazãoparameestaragradecida!Marydissebastanteatrapalhada:-Eu,enfim,não,istoé...Calou-se.Elinor olhava para ela com um olhar tão penetrante, tão

estranhoqueMaryhesitou.-Temalgumacoisa?-perguntou.Elinorlevantou-serapidamenteedissevoltando-se:-Quehaviadeter?-Pareciatão...-murmurouMary.Elinordisse,dandoumapequenagargalhada:-Estavacomoolharfixo?Peçodesculpa.Asvezesacontece-

mequandoestouapensarnoutracoisa.A enfermeira Hopkins assomou à porta e observou

alegremente:“Jápusaáguaaferver”,esaiuoutravez.

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Elinorteveumsúbitoataquederiso.-Lembra-sedaquelacantigaquecantávamosempequenas:

“Oh,Mariafazochá,oh,Mariafazochá”-Sim.Lembro-me.- Quando éramos pequenas... É pena não se poder voltar

atrás,nãoéMary?-Gostavadevoltaratrás?-perguntouMary.-Gostava,gostavamuito...OsilênciorecaiuentreelasporalgumtempoeporfimMary

disse,muitocorada:-MissElinor,nãopense...Calou-se, ao notar a atitude de superioridade que Elinor

assumiraderepente.Estadissenumavozgeladaemetálica:-Queéquenãodevopensar?-Eu...esqueci-meoqueiaadizer-murmurouMary.Elinordescansou,comoseumperigoqueestiveraiminente

tivessepassado.A enfermeira Hopkins entrou com uma bandeja na qual

vinhaumbulecastanhoetrêschávenas,edisse,absolutamenteinconscientedoanticlímaxqueestabelecia:

-Aquiestáochá!Colocou a bandeja em frente de Elinor. Esta abanou a

cabeçanegativamente.-Nãoquerochá.EmpurrouabandejaparaMaryqueencheuduaschávenas.AenfermeiraHopkinssuspiroudecontentamento.-Estábemforte.Elinor levantou-se e dirigiu-se para a janela. A enfermeira

Hopkinsdissepersuasiva.- Não quer realmente uma chávena de chá, Miss Carlisle?

Fazia-lhebem.-Não,obrigada-exclamouElinor.A enfermeira Hopkins esvaziou a sua chávena, tornou a

colocá-lanopiresedisse:- Vou apagar o gás porque deixei água a ferver, caso

precisássemosdeenchernovamenteobule.Retirou-se.Elinorvoltoudejuntodajanelaeprincipiounumavozque

continhaumapelodesesperado:

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-Mary...MaryGerrardrespondeulogo:-Sim?LentamentealuzdesapareceudorostodeElinor.Oslábios

cerraram-se-lhe.Asúplicadesesperada“tinguiu-se,edeixouumasimplesmáscara,geladaerigida.

-Nãoénada-disse.Umsilênciopesadoespalhou-senasala.Marypensou:“Étudotãoestranhohoje!Pareceque...quese

está à espera de qualquer coisa.” Elinor, por fim, quebrou aimobilidade.

Saiudeondeestava,eagarrounabandejadochádepoisdenelaterpostoopratodassanduíchesvazio.

Marylevantou-se.-EulevoMissElinor.-Não,deixe-seestar.Eutratodisto.Pegounabandeja e saiuda sala.Mas antes, virou-se para

trásparaverMaryGerrardqueficarapertodajanela,Jovem,belaecheiadevida...

AenfermeiraHopkinsestavanacopa.Limpavaorostocom

um lenço.QuandoElinorentrou levantouvivamenteacabeçaeexclamou:

-Estácaloraqui!Elinorrespondeumecanicamente:-Poisé,acopaestáviradaaosul.enfermeiraHopkinstirou-lheabandejadasmãos.- Vou lavar isto.Miss Carlisle não nasceu para fazer estes

serviços.-Porquenão?-eagarrandonumpanodaloiça.-Eulimpo.AenfermeiraHopkinstirouospunhos,edeitouáguaquente

dacafeteiraparaolavadouro.Elinordissecasualmente,olhandoparaopulsodela:-Picou-se.AenfermeiraHopkinsriu.- Foi naquela roseira grande que fica ao pé da casa do

guarda;umespinho.Depoisotiro.A roseiraque ficaaopédacasadoguarda...Umaondade

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recordaçõesinvadiuElinor.ElaeRoddybrigavam-eraaGuerradas Rosas. Ela e Roddy brigavam - e faziam as pazes.Maravilhososdias,risonhosefelizes.Depois,sentiuumaondaderevolta.Aquetinhachegadoagora?Aquenegroabismodeódio...demaldade...Estremeceuepensou:Queloucura...queloucura.

A enfermeira Hopkins olhava fixamente para ela com umolharcurioso.

“Tinha um ar esquisito...” assim a descrevia mais tarde“Falava como se não soubesse o que estava a dizer, e tinha osolhosbrilhanteseestranhos.”Aschávenaseospires tilintavamnolavadouro.Elinorpegounumdosboiõesvaziosqueestavaemcima damesa e pô-lo dentro do lavadouro. Ao fazer isto disse,admirando-sedafirmezadasuavoz:

-Estive lá emcimaasepararumas roupasda tiaLaura, epenseiquetalvezasenhoramepudesseinformaraquemfariamarranjonavila.

- Pois posso. Há a srª Parkinson, a velha Nellie e aquelapobrecriaturaqueviveemIvyCottage.Essascoisascaem-lhesdocéu.

Arrumaram as duas, a copa, e depois foram ao primeiroandar.

No quarto da srªWelman havia roupas dobradas e postascuidadosamente em montes: roupa de baixo e algumas peçaselegantesdevestuário,vestidosdeveludo,umcasacodepeles.

Estecasaco,explicouElinor,penseidá-loàsrªBishop.AenfermeiraHopkinsconcordou.ReparouqueoscasacosdevisondasrªWelmanestavamem

cimadacómoda.“Vaimandá-losarranjaiparaelacomumcortemoderno>”-

pensouparaconsigo.Deitou um olhar ao toucador. Pensou se Elinor teria

encontrado aquela fotografia assinada “Lewis”, e se tinhaencontrado,quelhefizera.

“Foiengraçado”pensouparaconsigo,“acartadaO'Brienter-secruzadocomaminha.Nuncapenseiquepudessesucederumacoisa assim. Ela dar com aquela fotografia precisamente no diaemquelheescreviafalardasrªSlattery.

Ajudou Elinor a separar as roupas para as diferentesfamíliaseofereceu-separaasentregar,dizendo:

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- Posso tratar disto enquanto Mary vai lá abaixo à casaacabar a arrumação. Só falta passar a vista por uma caixa depapéis.Eapropósitoondeestáela?Teriaidojáláparabaixo?

-Estavanasala...-disseElinor.-Nãoficouláestetempotodo.-Olhouparaorelógio.-Háquaseumahoraqueestamoscáemcima!DesceuapressadamenteasescadaseElinorseguiu-a.Dirigiram-seàsala.-Olha,adormeceu!-exclamouaenfermeiraHopkins.MaryGerrardestavasentadanumapoltronagrandepertoda

janela.Descansaraumpouco.Na salahaviaum som estranho:umrespirardifícildeestertor.

AenfermeiraHopkinsaproximou-sedaraparigaeabanou-a.-Acorde,filha...Parou. Baixou-se mais, fechou um dos olhos. Depois

começouaabanararaparigacomtremendaenergia.Voltou-se paraElinor, e na sua voz havia alguma coisa de

ameaçadorquandodisse:-QuevemaSeristo?-Nãoseioquequerdizer.Elaestádoente?- Onde é o telefone? Chame o dr Lord, o mais depressa

possível-ordenouaenfermeiraHopkins.-Quesucedeu?-perguntouElinor.-Quesucedeu?Araparigaestámal.Estáamorrer.Elinorrecuou.-Amorrer?- Foi envenenada... - disse a enfermeiraHopkins e os seus

olhos,carregadosdesuspeita,brilhanteseferozespousaramemElinor.

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SEGUNDAPARTE

Capítulo1Hercule Poirot, a cabeça em forma de ovo ligeiramente

inclinada para um lado, as sobrancelhas levantadasinquisitorialmente,asmãosapoiadasumanaoutrapelaspontasdos dedos, observava o rapaz que passeava furiosamente noquarto de um lado para o outro, o rosto sardento e simpáticofranzidoepreocupado.

-Orabem,meuamigo,dequesetrata?-perguntouele.PeterLorddeixoudepassear,ficouimóveleexplicou:-Sr.Poirot,osenhoréoúnicohomemquemepodeajudar.

OuviSlillingfleet falardesi;disse-meoque feznaquelecasodeBenedictFarley.Quandotodaagentepensavaquesetratavadeumsuicídioeosenhorprovouqueeracrime.

- Tem então entre os seus doentes algum caso de suicídiodumidoso?

PeterLordabanouacabeçanegativamenteesentando-seemfrentedePoirotdisse:

-Trata-sedeumarapariga.Foipresaevaiserjulgadacomoassassina!Eeuqueroquedescubraprovasdequenão foielaaautoradocrime!

Poirotlevantouaindamaisassobrancelhas.Depoisassumiuumaatitudediscretaeconfidencialeperguntou:

-Vocêeessarapariga...estãonoivos...não?Gostamumdooutro?

PeterLordriu-se-umrisoagudoeamargo.-Não,nãoé isso!Ela temomaugostodepreferirumtipo

com ar enfatuado, de nariz comprido e rosto melancólico! Épateticedela,maséassim!

-Ah,sim!-Poisé!-disseLordamargamente.-Nãohánecessidadede

esconder. Apaixonei-me por ela. E por isso não quero que aenforquem.Compreende?

-Dequeéelaacusada?-perguntouPoirot.- É acusada de ter morto uma rapariga chamada Mary

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Gerrard, envenenando-a com morfina hidroclorídrica. Deve terlidoorelatodoinquéritonosjornais.

-Equalomotivo?-Ciúmes!-Easeuverelanãocometeuocrime?-Poisnão;claroquenão.Hercule Poirot olhou para ele um momento, pensativo e

depoisdisse:- Em resumo, que quer que eu faça? Que investigue este

caso?-Queroqueasalve.-Nãosouadvogadodedefesa,meuamigo.-Oumelhor.Quero quedescubraprovas quepermitamao

advogadodedefesasalvá-la.- Põe a questão de uma maneira curiosa - disse Hercule

Poirot.-Nãofaçorodeios,éissoquequerdizer?Parece-mebastante

simples.Queroquesalveestarapanga.Achoquevocêéoúnicohomemcapazdisso!

-Querqueeuexamineos factosparadescobriraverdade?Paradescobriroquerealmenteaconteceu?

- Quero que descubra quaisquer factos que sejam a favordela.

HerculePoirot,comcuidadoeprecisão,acendeuumcigarromuitodelgado,edisse:

- Mas não é um pouco contra a ética o que acaba de mepedir?Descobriraverdade,sim,issointeressa-mesempre.Masaverdadeéumaarmacomdoisgumes.Suponhamosquedescubrofactoscontraessasenhora?Querqueosencubra?

PeterLordlevantou-sepálidoedisse:- Isso é impossível!Nãopodedescobrirnadaquesejamais

contra ela do que os próprios factos já são! Perfeita eabsolutamente comprometedores! Há todas as provas possíveiscontra ela, bem claras aos olhos de toda a gente! Não podeencontrar nada que a condene mais do que ela já está!Stillingileet diz que você tem uma extraordinária imaginação.Utilize-aparadesvendarumasaída,umaalternativapossível.

- Os advogados de;a fazem isso com certeza, não? - disseHerculePoirot.

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-Nãoseisefazem-orapazriucomcertoardedesprezo.- Estão vencidos de antemão! Pensam que não há nada a

fazer!EncarregaramdistoBulmer,ohomemdascausasperdidas,o que já é em si umadesistência.Grande orador, daqueles quecomovematéàs lágrimas,salientandoa juventudedaacusadaenãoseiquemais!Masojuiznãoodeixaráirlonge.Nãohásequerumaesperança!

- Suponhamos que é culpada; mesmo assim quer que asalvem?-perguntouHerculePoirot.

-Quero-afirmoucalmamentePeterLord.HerculePoirotmoveu-senacadeira.-Vocêinteressa-me...-disse.Apósunsmomentoscontinuou:- Acho que é melhor contar-me os pormenores exactos do

caso.-Nãoleunadasobreistonosjornais?-Sim,viumanotícia.Masosjornaissãotãopoucoexactos

quenuncameguiopeloquedizem.PeterLordcontou:- É muito simples. Horrivelmente simples. Esta rapariga,

Elinor Carlisle, tinha herdado há pouco uma residência pertodaqui-Hunterbury-eumafortunadeumatiaquemorreusemdeixar testamento.O apelido da tia eraWelman.Essa tia tinhaum sobrinho por parte do marido - Roderick Welman, o qualestava noivo de Elinor Carlisle - um noivado antigo, poisconhecem-sedesdecrianças.HaviaemHunterburyumaraparigaqueeraMaryGerrard,filhadoguarda.

AsrªWelmantinha-seinteressadoporela,tinha-lhepagoosestudos,etc.Oresultadofoiquearaparigatinhatodooaspectode uma filha de boas famílias. RoderickWelman parece que seapaixonouporela,econsequentementeonoivadodesfez-se.

"Agorachegamospropriamenteaacção.ElinorCarlislepôsacasaàvendaeumhomemchamadoSomerwellcomprou-a.Elinorfoi lá para tirar as coisas de uso pessoal da tia.MaryGerrard,cujopai tinhamorridopoucoantes,estavaaarranjaracasadoguarda.Istofoinamanhãde27deJulho.

"Elinor Carlisle estava hospedada na pensão da terra.Encontrou na rua a antiga governanta, a srª Bishop. Estaofereceu-separairàcasacomelaeajudá-la.Elinorrecusoucom

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exagerada veemência. Depois entrou na mercearia e comprouconservas de peixe e aí fez uma observação sobre osenvenenamentosqueessasconservasàsvezesproduzem.

Está a ver?Uma coisa perfeitamentenatural;mas, é claro,que é mais um argumento contra ela! Foi para a residência ecerca da uma hora dirigiu-se à casa do guarda, onde MaryGerrardestavaafazerarrumaçõescomaajudadaenfermeiradalocalidade,umabisbilhoteirachamadaHopkins,edisse-lhesquetinha lá em casa umas sanduíches. Foram com ela até lá,almoçaramsanduíches,epoucomaisoumenosumahoradepoisfui chamado e encontreiMaryGerrard inconsciente. Fiz tudo oquepudemasnãoserviudenada.Aautópsiarevelouquetinhaingerido uma grande dose de morfina pouco tempo antes. E apolícia encontrou um pedaço de um rótulo que tinha escritomorfina hidroclorídrica, precisamente aonde Elinor Carlisleestiveraaprepararassanduíches.

-QuemaiscomeuoubebeuMaryGerrard?- Ela e a enfermeira beberam chá com as sanduíches. A

enfermeirafezocháeMarydeitou-onaschávenas.Nãopodetersido aí. Eu bem sei que o advogado vai fazer um discurso porcausadassanduíches,dizendoqueastrêsascomerameportantoé impossível garantir que só uma pessoa ficasse envenenada.Disseramisso,naquelecasoHearnelembra-se?Poirotconfirmouedisse:

- Mas realmente é simples. Puseram-se as sanduíches emmonte. mma delas tem o veneno. Oferece-se o prato. no nossoactualcódigodecivilidadeestáestabelecidoqueapessoaaquemse oferece o prato deve tirar a sanduíche que se encontramaisperto.Parece-mequeElinorCarlisleestendeuopratoprimeiroaMaryGerrard,nãofoi?

-Foi.- Embora também lá estivesse a enfermeira que era uma

pessoamaisvelha.-Éverdade.-Issonãomeparecemuitobem.-Masnãosignificanada,narealidade.Numalmoçogénero

piqueniquenãosefazcerimónia.-Quemfezassanduíches?-ElinorCarlisle.

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-Estavamaisalguémemcasa?-Maisninguém.Poirotabanouacabeça.-Issoémau.Earapariganãocomeumaisnadasenãocháe

sanduíches?-Maisnada.Assimodemonstraoconteúdodoestômago.Poirotreflectiu.- Conclui-se que Elinor esperava que a morte de Mary

Gerrard fosse tomada como envenenamento alimentar, não éassim? Mas como tencionava ela explicar o facto de só umapessoatersidoatingida?

-àsvezesaconteceisso-explicouPeterLord.-Ealiáshaviadois boiões de conservas de peixe, ambos bastante parecidos. Aideiapodiaserqueumboiãoestavabom,equeporcoincidênciasó Mary Gerrard tinha comido a conserva do outro que estavaestragada.

- Isso dava um estudo interessante sobre as leis deprobabilidade - disse Poirot. - Acho que as probabilidadesmatemáticas disso não acontecer eram bastantes. Mas há umaoutra questão: no caso de se querer dar a impressão de umenvenenamentoalimentar,porquênãoescolheroutroveneno?Ossintomas da morfina não são nada semelhantes aos doenvenenamentoalimentar.Aatropinateriasidoprefcrível!

-Sim, issoéverdade.Mashámaisoutracoisa.Odiabodaenfermeiradalocalidadeafirmaquelhedesapareceuumtubodemorfina!

-Quando?-Háumassemanas,nanoiteemquemorreuasrªWelman.

A enfermeira diz que deixou amaleta no vestíbulo e demanhãdeu por falta de um tubo de morfina. Creio que é tudoimposturice.Provavelmentepartiu-oemcasa,emqualqucralturaeesqueceu-sedepois.

-ElasóselembroudissodepoisdamortedeMaryGerrard?- Para dizer a verdade, ela falou nisso logo na ocasião à

enfermeirapermanente.HerculePoirotolhavaparaPeterLordcominteresse,edisse

amavelmente:-Parece-me,meuamigo,quehámaisqualquercoisa...qualquercoisaqueaindanãomedisse.

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-Poisbem,émelhorsabertudo.OrdenaramaexumaçãodasrªWelman.

-Eentão?-Quandoofizerem,talvezencontremoqueprocuram,istoé,

morfina.-Porquedizisso?PeterLord,derostopálidosobassardas,exclamou:-Suspeitava.Hercule Poirot deu uma palmada no braço da cadeira e

exclamou: - Meu Deus, não compreendo! Sabia quando elamorreuquetinhasidoassassinada?

-Não,comosdiabos!-gritouPeterLord.-Nuncamepassouissopelacabeça!Penseiquefosseelaquetivessetomado.

Poirotrecostou-separatrásnacadeira.-Ah!Julgouisso...- Claro que julguei! Ela tinha-me falado nisso. Disse-me

mais de uma vez se eu não podia acabar com aquilo.Odiava adoença, a invalidez, o que ela chamava a indignidade de jazerparaaliesertratadacomoumbebé.Eparamaiseraumapessoamuitodecidida.

Ficousilenciosoummomento,edepoiscontinuou:-Fiqueiadmiradocomamortedela.Nãoesperava.Mandeia

enfermeira sair do quarto e procedi a uma investigação omaisminuciosapossível.Mas,éclaro,queeraimpossívelteracertezasemumaautópsia.Eparaqueserviaisso?Seelatinhaabreviadoa morte, por que havia eu de fazer assunto disso e criar umescândalo?Eramelhorassinaracertidãoedeixá-laenterrarempaz.Aliás,nãopodiateracerteza.Fizmal,parece-me.Masnuncamepassoupelacabeçaquese tratassedequalquermistificação!Tinhaabsolutacertezadequeforaela!-Comoimaginouqueelativesseconseguidoamorfina?-perguntouPoirot.

-Nãofaziaamínimaideia.Mascomolhedisse,elaeraumamulherinteligenteecheiadeiniciativa,commuitaimaginaçãoeextraordinariamentedecidida.

-Tê-la-iaconseguidodasmãosdasenfermeiras?PeterLordabanouacabeçanegativamente.-Issonunca!Nãosabecomoasenfermeirassão!-Edealguémdefamília?-Possivelmente.Podetê-losconvencidopelocoração.

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-Disse-mequeasrªWelmanmorreusemdeixartestamento.Se não tivesse morrido naquela altura, teria feito testamento?PeterLordfezumsorrisoforçado.

- Está a pôr o dedo nos pontos importantes com umaprecisão diabólica, não está? Sim, é verdade, estava para fazertestamentoeestavaatémuitopreocupadaporcausadisso.Nãosepercebia bem o que dizia mas conseguiu tornar claros os seusdesejos.ElinorCarlisletinhaficadodetelefonaraoadvogadologodemanhã.

- Então Elinor Carlisle sabia que a tia queria fazertestamento?EseatiamorressesemofazerElinorherdavatudo?

PeterLordapreisou-seadizer:-Elanãosabia isso.Não fazia ideianenhumadequea tia

nãotinhafeitotestamento.-Issoéoqueeladiz,meuamigo.Podiasaber.-Olhelá,Poirot,vocêéoadvogadodeacusação?- Agora sou. Tenho de saber toda a extensão do processo

contraela.ElinorCarlislepodiatertiradoamorfinadamaleta?-Podia.Mastambémqualqueroutrapessoapodia.Roderick

Welman.AenfermeiraO'Brien.Qualquerdoscriados.-Ouodr.Lord?PeterLordabriudesmedidamenteosolhoseexclamou:-Claro...Masporquê?-Piedade,talvez.PeterLordabanouacabeça.-Assimnadafeito!Temdeacreditarnoquelhedigo.HerculePoirotrecostou-separatrásnacadeira.-Admitamosumahipótese-disse.-SuponhamosqueElinor

Carlisletirouamorfinadamaletaeaadministrouàtia.Falou-senessaalturadodesaparecimentodamorfina?

- As pessoas da casa, não. Só as duas enfermeiras é quesabiam.

-Qual será,a seuver,a reacçãodoTribunal? -perguntouPoirot.

- No caso de encontrarem morfina no cadáver da srªWelman?

-Sim.PeterLorddisseemtomsombrio:- É possível que, seElinor se salvar da actual acusação, a

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voltemaprenderacusando-adetermortoatia.Poirotreflectiu:-Osmotivossãodiferentes;istoé,nocasodasrªWelmano

motivo teria sido o dinheiro, ao passo que no caso de MaryGerrardsupõe-sequeomotivofosseciúmes.

-Exactamente.-Quedirectrizsepropõeseguiradefesa?-perguntouPoirot.- Bulmer tenciona partir do princípio de que não havia

motivo. Apresentará a teoria de que razões de família eram omotivo do noivado entre Elinor e Roderick, para agradar à srªWelman,equelogoqueestamorreu,Elinororompeudesualivrevontade. Roderick Welman testemunhará que isto é verdade.Creiomesmoquequaseestáconvencidodisso!

-ElesupõequeElinornãoseinteressamuitoporele?-Supõe.-Enessecaso-dissePoirot-elanãoteriagranderazãopara

matarMaryGerrard.-Exactamente.-MasentãoquemmatouMaryGerrard?-Perguntabem!-Estádifícil!-exclamouPoirot.PeterLorddissecomardor:-É isso precisamente! Senão foi ela, quem foi?Há o chá;

mas a enfermeira Hopkins e Mary ambas o beberam. A defesatentará insinuar que foi a própria Mary Gerrard que tomou amorfina, depois das outras duas terem saído da sala, que sesuicidou,emsuma.

-Tinhaalgumarazãoparasesuicidar?-Absolutamentenenhuma.-Tinhacaracterísticasdesuicida?-Não.-QueespéciedepessoaeraMaryGerrard?PeterLordreflectiu:- Bem... era, era boa rapariga. Sim, era, sem dúvida, uma

boarapariga.Poirotsuspirou.-RoderickWelmanapaixonou-seporela,apenasporserboa

rapariga?PeterLordsorriu.

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-Jáseiaondeequequerchegar.Sim,erabonita.-Evocê?Nãosentianadaporela?PeterLordolhouparaeleadmirado.-Eu,não!HerculePoirotreflectiuummomentoedepoisinquiriu:-RoderickWelmandizqueentreeleeElinorCarlisleexistia

apenasafeição,enadamais.Concordacomisso?-Comohei-deeusaber,comosdiabos?- Disse-me, quando entrou nesta sala, que Elinor Carlisle

tinha omau gosto de amar um tipo com ar enfatuado e narizComprido.CreioqueéessaasuadescriçãodeRoderickWelman.Portanto,segundovocê,elagostadele.

PeterLorddisseemvozbaixaeexasperada:-Seja,gostadele!Gostamuitíssimo!-Entãohaviaummotivo...-concluiuPoirot.PeterLordvoltou-separaelecomorostoaarderdecólera.-Queimportaisso?Podeserquetenhasidoela,poisP?de.

Nãomeinteressasefoi.-Oh!-ExclamouPoirot.-Masnãoqueroqueaenforquem,percebe?Suponhaque

foi levadapelodesespero?Oamordesespera e transtorna. Podetransformarummonstronumaexcelentepessoa,epodelevarumhomemdecenteehonestoàsmaioresbaixezas!Suponhaquefoiela.Nãolhefazpena?

-Nuncaaprovoocrime-disseHerculePoirot.PeterLordolhouparaeleespantado,desviouavista,tornou

aolhareporfimdesatouarir.- Não tem mais nada a dizer, senão essa frase afectada?

Quem lhe pede que aprove? Não lhe peço tão-pouco que digamentiras.Averdadeéaverdade.Quandodescobrealgumacoisaafavordeumapessoaacusadanãoresolveocultá-laporapessoaserculpada,poisnão?

-Claroquenão.-Entãoporquediaboéquenãofazoquelhepeço?-Estouperfeitamente disposto a isso,meu amigo... - disse

HerculePoirot.

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Capítulo2PeterLordolhouparaelefixamente,tirouolenço,limpouo

rosto,eatirou-separaumacadeira.-Livra!-exclamou.-Estouestafado!Nãohaviamaneirade

compreenderaondeéquevocêqueriachegar!Poirotesclareceu:-EstavaaexaminaroprocessocontraElinorCarlisle.Agora

conheço-o. Administrarammorfina a Mary Gerrard; e pelo quepercebi, deve ter sido administrada nas sanduíches. Ninguémtocou nessas sanduíches senão Elinor Carlisle. Elinor CarlisletinhaummotivoparamatarMaryGerrard,e,aseuver,eracapazdeamatar,emuitoprovavelmentematou-a.Nãovejorazãoparaseduvidardisto.

“Esteéumaspectodaquestão,meuamigo.Passemosagoraà segunda hipótese. Afastemos do nosso espírito todas aquelasconsiderações e encaremos o assunto sob o ângulo oposto: SeElinorCarlislenãomatouMaryGerrard,quemfoiqueamatou?Outer-se-iasuicidado?

Peter Lord endireitou-se na cadeira, franziu a testa ecomentou:

-Nãoestáaverbemascoisas.-Eu?Nãoestouaverbemascoisas?Poirotpareceuofendido.PeterLordcontinuouimplacável:-Poisnão.Dissequeninguémtinhatocadonassanduíches

senãoElinorCarlisle.Eissovocênãoosabe.-Nãoestavamaisninguémemcasa.-Poroquesesabe:masestáexcluindoumbreveespaçode

tempo.HouveumperíododetempoduranteoqualElinorCarlislesaiu de casa para ir à casa do guarda.Durante esse espaço detempo as sanduíches estiveram num prato na copa, e alguémpodiater-lhesmexido.

Poirotrespiroufundo.-Temrazão,meuamigo-concordou.-Admitoisso.Houveumespaçodetempoduranteoqualalguémpodiater

tidoacessoaopratodassanduíches.Devemostentarformarumaideiadequempoderiaseressealguém;querdizer,queespéciede

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pessoa...Fezumapausa.- Pensemos em Mary Gerrard. Alguém sem ser Elinor

Carlisle deseja a morte dela. Porquê? Alguém lucraria com amortedela?Tinhadinheiroparadeixar?

PeterLordabanouacabeçanegativamente.-Agoranão.Dentrodeummêsteriaduasmillibras.ElinorCarlisleiaentregar-lheessaquantiaporquesupunha

que a tia assim o desejara.Mas os bens da senhora ainda nãoforamavaliados.

Poirotconcluiu:- Então pode pôr-se de parte o objectivo dinheiro. Mary

Gerrarderabonita,dissevocê.Issotrazsemprecomplicações.Elatinhaadmiradores?

-Provavelmente.Nãoseimuitobem.-Quemsaberá?PeterLordsorriucontrafeito.-Émelhorpô-loemcontactocomaenfermeiraHopkins.Éo

jornaldaterra.SabetudoquesepassaemMaidensford.-Iaagoramesmopedir-lhequemedissesseaimpressãoque

temdasduasenfermeiras.- Bem, a O'Brien é irlandesa, boa enfermeira, competente,

umpoucopateta,muitodadaafantasias.Otipoimaginativo,quenão tem bem o desejo de enganar,mas gosta de fazer de tudouma boa história. A Hopkins é uma mulher de meia idade,sensata, esperta, bastante amável e competente masdemasiadamenteinteressadapelavidaalheia!

- Se houvesse qualquer coisa com um rapaz da terra, aenfermeiraHopkinssaberia?

- Com certeza! - E acrescentou: - Contudo, não creio quehajanadaporesselado.Maryestevemuitotempoausentedaqui.EstevedoisanosnaAlemanha.

-Tinhavinteeumanos?-Tinha.-PodeterhavidoqualquercomplicaçãonaAlemanha.OrostodePeterLordiluminou-se,edissecomvivacidade:- Quer dizer que qualquer tipo alemão podia ter contas a

ajustar com ela? Podia tê-la seguido até aqui, esperado umaocasiãoefinalmenterealizadooseuobjectivo?

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-Parece-meumpoucomelodramático-disseHerculePoirotduvidando.

-Masépossível?-Noentantonãoémuitoverosímil.- Não concordo - disse Peter Lord. - Podia algum ter-se

apaixonado pela rapariga e ficar desesperado quando ela odeixou.Podeter-sejulgadovítimadela.Éumaideia.

-Sim,éumaideia-disseHerculePoirot,masoseutomnãoeraanimador.

-Continue,sr.Poirot-pediuPeterLord.- Já vejo que quer que eu seja prestidigitador.Que tire do

chapéuvaziocoelhosemaiscoelhos.-Poissejaassim,sequiser.-Háumaoutrapossibilidade-disseHerculePoirot.-Qual?-Alguémtirouumtubodemorfinadamaletadaenfermeira

HopkinsnaquelanoitedeJunho.SuponhaqueMaryGerrardviuessapessoa?

-Diziacomcerteza.-Não,nãodizia,meuamigo.Sejarazoável.SeElinorCarlisle

ou Roderick Welman, ou a enfermeira O'Brien ou mesmoqualquerdoscriadosabrisseamaletaetirasseumpequenotubode vidro, o que pensaria toda a gente? Simplesmente que aenfermeira tinha pedido a essa pessoa que fosse ali buscarqualquercoisa.MaryGerrardnãopensariamaisnocaso,masépossível que, mais tarde, se lembrasse e mencionassecasualmenteàpessoa,semamenorsuspeita,éclaro.MascalculeoefeitodessaobservaçãoparaapessoaculpadadamortedasrªWelman! Mary tinha visto: era preciso assegurar o silêncio deMaryatodoocusto!Garanto-lhe,meuamigo,queparaquemjácometeuumcrimenãohánadamaisfácildoquecometeroutro!

PeterLorddissefranzindoatesta:-Convenci-me imediatamenteque foraa srªWelmanquem

tomaraadroga...-Mas se estava paralítica... inválida... se tinha acabado de

terumsegundoataque!- Sim, eu sei. A minha ideia era que, tendo conseguido

morfinadequalquermaneira,aconservavaàmão.-Masnessecasodeviaterobtidoamorfinaantcsdosegundo

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ataque,eaenfermeirasódeuporfaltadeladepois.- A Hopkins deu por falta da morfina só naquela manhã,

maspodetersidotiradadiasanteseelanãoternotado.-ComoéqueasrªWelmanateriaobtido?-Nãosei.Talvezsubornandoumacriada.Seassimfoi,essa

criadanuncaodirá.-Achaquenenhumadasenfermeiraserasubornável?Lordabanouacabeçanegativamente.-Pornadadestemundo!Primeirosãoambasmuitorígidasà

éticaprofissional;segundoteriamummedoterríveldefazerumacoisadessas.Sabiamoperigoquecorriam.

- Isso é - concordou Poirot. E acrescentou reflectindo: -Parecequevoltámosaomesmo,nãoé?Qualapessoaquemaisprovavelmente teria tirado o tubo de morfina? Elinor Carlisle.Pode dizer-se que queria ficar certa de herdar uma grandefortuna. Pode ser-se mais condescendente e dizer-se que foimovidapela piedade, que tirou amorfina e a administrou à tiaindo ao encontro do desejo tantas vezes manifestado por esta;mastirou-a...eMaryGerrardviu-a fazer isso.Eassimvoltamosàssanduíches,àcasavaziae látemosElinorCarlisleoutravez,destavezcomummotivodiferente:salvarapele.

-Issoéfantástico-exclamouPeterLord.-Devodizer-lhequeela não é pessoa para fazer isso! O dinheiro não significaverdadeiramente nada para ela, nem também para RoderickWelman,estouprontoaacreditar.Ouvi-osaambosdizer isso! -Ouviu?Issoémuitointeressante.Aafirmaçãoédaquelasqueeuconsideromuitosuspeita.

- Com os diabos, Poirot, você há-de sempre dar volta àscoisasdemodoarevertertudocontraarapariga.

- Não sou eu que lhes dou volta: elas próprias é que sevoltam, é como uma agulha magnética. Gira, e quando pára,apontasempreomesmonome:ElinorCarlisle.

-Nãoébemassim!-exclamouPeterLord.Hercule Poirot abanou a cabeça tristemente, e depois

perguntou:- tal Elinor Carlisle tem parentes? Irmãs, primos ? Pai ou

mãe?-Não.Éórfã...vivemuitosó...-Quepatético!CreioqueBulmer fará fogocomisso!Quem

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herdaentãoodinheiroseelamorrer?-Nãosei.Nuncapenseinisso.Poirotcensurou:-Deve-se sempre pensarmuitas coisas. Ela fez, por acaso,

testamento?PeterLordcorouedissehesitante:-Não...nãosei.HerculePoirot olhouparao tecto, apoiouasmãosumana

outra,unindoaspontasdosdedos,eobservou:-Eramelhordizer-me.-Dizer-lheoquê?-Aquiloemqueestáapensar...mesmoquesejaprejudiciala

ElinorCarlisle.-Comosabeque...?- Sei, sei. Há no seu espírito qualquer coisa... qualquer

incidente!Eramelhordizer-me,senãojulgoacoisapiordoqueé!-Abemdizer,nãoénada...- Veremos se eu concordo que não é nada.Mas diga-me o

queé.Lentamente e contra vontade, Peter Lord deixou que lhe

extorquissem a história do episódio de Elinor rindo-se ao verMaryGerrardafazertestamentoemcasadaenfermeiraHopkins.

Poirotcomentoupensativo:- Ela disse isso, “com que então está a fazer testamento,

Mary? Essa tem graça, tem muita graça.)” E você viuperfeitamente em que é que ela estava a pensar... Talvez elativessepensadoqueMarynãoteriamuitotempodevida...

-Foiimaginaçãominha.Nãosei.-Não,nãofoiapenasimaginação..-dissePoirot.

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Capítulo3Hercule Poirot estava sentado em casa da enfermeira

Hopkins.O dr. Lord trouxera-o ali, apresentara-o e, a um sinal de

Poirot,deixara-ossozinhos.Tendo, a princípio, observado com desconfiança o seu

aspectoestrangciro,aenfermeiraHopkinsfoi-seapoucoepoucosentindomaisàvontadeedissecomumgozolúgubre:

-Sim, foiumacoisa terrível.Umadas coisasmais terríveisque tenho visto. Mary era uma rapariga extraordinariamentebonita.Podiaseractrizdecinema,sequisesse!Ealémdissoerasimpática,ajuizada,enadapresumida,comopodiaser,dadasasatençõesquelhedispensavam.

Poirotfezumaperguntaapropósito:-Refere-seàsatençõesquelhedispensavaasrªWelman?- Issomesmo.Aboasenhora tinhaumagrandeestimapor

ela,umaenormeestimarealmente.-Étalvezdeadmirar,não?-exclamouPoirot.- Depende. Também pode ser natural. Quer dizer... - a

enfermeira Hopkins mordeu o lábio e pareceu atrapalhada. - oqueeuquerodizeréqueMaryeramuitoboaparaela;asuavozsuave e maneiras agradáveis faziam-lhe bem. E na minhaopinião, faz sempre bem a uma pessoa de idade ter um rostojovemaopé.

HerculePoirotperguntou:-MissCarlisleveiovisitaratiaocasionalmente,nãofoi?-MissCarlislevinhaquandopodia-respondeuvivamentea

enfermeiraHopkins.-AsenhoranãogostadeMissCatlisle.-Nãoédeesperarquegostedeumacriminosaqueenvenena

asangue-frio!-exclamouela.-Ah,jávejoqueparasiocasonãooferecedúvidas.- Que quer dizer com isso de não oferecer dúvidas? -

pertguntouaenfermeiraHopkinscomcertoardesuspeita.-Temacertezaabsolutadequefoielaquemadministroua

morfinaaMaryGerrard?-Queoutrapessoapodiatersidogostavaeudesaber.Não

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estáainsinuarquefuieu?-Longedemimtalideia.Maslembre-sedequeaculpadela

aindanãoestáprovada.-Foielacomcerteza-afirmouaeniermmeiraHopkinscom

uma segurança calma. - Aliás via-se-lhe na cara, sempremuitoestranha. E levou-me ao primeiro andar e reteve-me lá,demorandoomaispossível.Edepoisquandomevolteiparaelaaoencontrar Mary naquele estado, lia-se-lhe no rosto claramente.Elasabiaqueeusabia!

- É, evidentemente, difícil ver que outra pessoa possa tersido.Amenos,éclaro,quefosseelaprópria.

-Quequerdizercomissodeserelaprópria?QuerdizerqueMarysesuicidou?Nuncaouvitamanhodisparate!

-Nuncasesabe-disseHerculePoirot.-Ocoraçãodeumaraparigaémuitosensível,muitofrágil.-Fezumapausa.-Creioqueerapossível.Poderia terdeitadoqualquercoisanochádelasemqueasenhoranotasse?

-Deitadonachávenadela,éissoquequerdizer?-Sim.Nãoestavaconstantementeaobservá-la.-Poisnão,nãoestavaaobservá-la.Sim,creioquepodiater

feitoisso...Maséumperfeitodisparate!Porquehaviaeladefazerumacoisadessas?

- Enfim, o coração de uma rapariga... é muito sensível.Talvez um caso sentimental infeliz... - sugeriu Hercule Poirotretomandoaatitudeanterior.

AenfermciraHopkinsfungou.- As raparigas não sematam por questões sentimentais, a

nãoserqueestejamàesperadeumfilho,eessenãoeraocasodeMarydeixe-medizer-lhe!

Lançou-lheumolharbrilhanteeferoz.-Nãoestavaapaixonada?-Não.Estava livredisso. Interessava-sepeloseutrabalhoe

gozavaavida.- Mas se era uma rapariga tão atraente devia ter

admiradores.-Nãoeradessasraparigascommuito“sex-appeal”.Erauma

raparigasossegada!-Mashaviacomcertezanaterrarapazesqueaadmiravam.-Poishavia,haviaTedBigland-disseaenfermeiraHopkins.

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PoirotobteveváriasinformaçõesarespeitodeTedBigland.- Andavamuito apaixonado porMary - disse a enfermeira

Hopkins. -Mas,como tantasvezes lhedisseaele,nãoestavaàalturadela.

- Deve ter ficado furioso quando ela lhe disse que não seinteressavaporele,nãoficou?

-Ficouaborrecido,pois ficou-admitiuela. -Pensouqueaculpaeraminha.

-Pensouqueaculpaerasua?- Foi o que ele disse. Mas eu tinha todo o direito de

aconselhararapariga.Porqueenfimconheçoavidaeachavaqueelaeramalempregada.

- E que é que a levava a ter tanto interesse por Mary? -perguntouPoirotsuavemente.

- Bem, nem sei... - Ela hesitou. Pareceu ficar tímida e umpoucoenvergonhada. -Bem,Mary tinhaemsiqualquercoisa...deromântico.

-Nasuapessoa,masnãonasuavida.Erafilhadoguarda,nãoera?

-Poisera.Pelomenos...Ela hesitou, olhou para Poirot que a contemplava numa

atitudemuitosimpática.-Narealidade-disseaenfermeiraHopkinsnumimpulsode

confidência-nãoeranadafilhadovelhoGerrard.Disse-moele.Opaidelaeranobre.

-Ah,sim...Eamãe?A enfermeira Hopkins hesitou, mordeu o lábio, e depois

continuou:-Amãedela foi criadadequartodasrªWelman.Casou-se

comGerrard,depoisdeMaryternascido.- É como disse um verdadeiro romance... um romance de

mistério.OrostodaenfermeiraHopkinsiluminou-se.- É, não é? E não podemos deixar de nos interessar pelas

pessoas quando sabemos a respeito delas coisas que maisninguémsabe.Porummeroacasovimadescobrirmuitacoisa.Para falarcom franqueza foiaenfermeiraO'Brienquemmepôsna pista; mas isso é outra história. E, como o senhor diz, éinteressante conhecer histórias de outros tempos. Há muitas

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tragédiasquepassamdesapercebidas.Avidaéassim.Poirot suspirou e acenou com a cabeça em sinal de

aprovação.AenfermeiraHopkinsdisse,subitamentealarmada:-Maseunãodeviater-mepostoparaaquiafalar.Nãogostavaquesesoubessenemumapalavradetudoisto!

Aliásnãotemnadaavercomocaso.Paratodaagente,Maryerafilha deGerrard e nem sequer se deve insinuar qualquer outracoisa.Seriacolocá-lamalaosolhosdetodosdepoisdemorta!Amãecasoueéobastante.

- Mas a senhora sabe por acaso quem era o pai dela? -perguntouPoirot.

-Bem,seienãosei.Istoé,saberpropriamente,nãoseinada.Posso pôr uma hipótese. Histórias e pecados velhos, como secostumadizer!Maseunãosoupessoaparafalardavidaalheiaenãodigonemmaisumapalavra!

Poirotcriteriosamenteafastou-sedaquestãoeabordououtroassunto.

-Háainda outra coisa,umassuntodelicado.Mas tenho acertezadequepossoconfiarnasuadiscrição.

AenfcrmeiraHopkinslevantouacabcçaorgulhosamente.Umsorrisoabertoapareceunoseurostogrosseiro.Poirotcontinuou:-Refiro-meaosr.RoderickWelman.Peloqueouvidizerele

sentiacertaatracçãoporMaryGerrard.- Estava absolutamente louco por ela! - disse a enfermeira

Hopkins.-EmboranessaalturaestivessenoivodeMissCarlisle.- Se quer que lhe diga, ele não eramuito terno paraMiss

Carlisle.Nãoeraoquesepodechamarternoparacomela.Poirotperguntou,usandoumafraseforademoda:-EMaryGerrarddava-lheesperanças?- Portava-se muito bem. Ninguém podia dizer que o

provocava!-Egostavadele?-perguntouPoirot.-Não,nãogostava.-Massimpatizavacomele?-Nemmuitonempouco.-Talvezcomotempopudessesairdalialgumacoisa,não?

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AenfermeiraHopkinsadmitiuisso.-Talvez.MascomMarynadasefariaderepente.Eladisse-

lhe, aqui, que ele não devia dirigir-se a ela naqueles termosestandonoivodeMissCarlisle.E quando ele a foi procurar emLondres,disse-lheomesmo.

- E pessoalmente que pensa de Roderick Welman? -perguntouPoirotcomumardecativantesimplicidade.

- É um rapaz bastante simpático, embora nervoso. Temaspectodevirasofrerdedispepsia,daquiaunsanos.Acontecemuitasvezesissoàspessoasassimnervosas.

-Gostavamuitodatia?-Creioquesim.-Eleestevemuitoaopédelaquandoela jáestavabastante

doente?- Quer dizer quando ela teve o segundo ataque? Na noite

anterior àmorte dela, quando chegaram?Não creio que tivesseidosequeraoquarto.

-Pareceimpossível.AenfermeiraHopkinsapressou-seadizer:- Ela não perguntou por ele. E, é claro, não se fazia ideia

nenhumadequeofimestivessetãopróximo.Hámuitoshomensassim,comosabe:evitamomaispossívelaproximar-sedepessoasque sofrem. É superior a eles. E não se trata de cobardia. Éapenasporquenãosequeremsensibilizar.

Poirotfezcomacabeçaumsinaldecompreensão.-Temacertezadequeosr.Welmannãofoiaoquartodatia

antesdelamorrer?-perguntou.-Bem,pelomenosenquantoeuestivedeserviço,nãofoi!A

enfermeiraO'Briensubstituiu-meàstrêshorasdamanhã,epodetê-lo ido chamar antes dela morrer; mas se assim foi, não modisse.

- Poderia ter entrado no quarto quando a senhora estavaausente!-lembrouPoirot.

- Nunca abandono os meus doentes, sr. Poirot - disseimediatamenteaenfermeiraHopkins.

- Peço-lhemil desculpas.Não queria dizer isso. Pensei queprecisassede ir ferver água, oude ir lá abaixobuscar qualquermedicamentonecessário.

Apaziguada,aenfermeiraHopkinsexplicou:

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- Fui lá abaixo encher novamente as botijas. Sabia quecostumavahaverumacafeteiradeáguaafervernacozinha.

-Esteveausentemuitotempo?-Talvezcincominutos.-Ah,sim,entãoosr.Welmanpodeteridovê-lajustamente

nesseespaçodetempo?-Seofez,foimuitorapidamente.Poirotsuspirou.- Como a senhora acabou de dizer, os homens fogem das

pessoas que sofrem. São asmulheres os anjos que velam. Queseria de nós sem elas? Especialmente as mulheres com a suaprofissão.Éumavocaçãoverdadeiramentenobre.

- É muito amável em dizer isso - agradeceu a enfermeiraHopkins ligeiramente corada. - Nunca encarei o caso por esselado.Navidadeumaenfermeirahádemasiadotrabalhoparasepensarnoladonobredaprofissão.

- E não sabe dizer-me mais nada a respeito de MaryGerrard?-perguntouPoirot.

HouveumapausaapreciávelantesqueaenfermeiraHopkinsrespondesse:

-Nãoseimaisnada.-Temacerteza?AenfermeiraHopkinsdisseumtantoforadepropósito:-OsenhornotequeeugostavadeMary.-Enãotemmaisnadaadizer-me?-Não,nãotenho!Evidentementequenãotenho.

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Capítulo4NarespeitávelemajestosapresençadasrªBishop,vestidade

preto, Hercule Poirot, sentado, parecia humildementeinsignificante.

QuebrarafriezadasrªBishopnãoeracoisafácil,porqueasrªBishop,pessoadeopiniõesehábitosconservadores,opunhaumaforteresistênciaaestrangeiros.EHerculePoirotera,semamenordúvida,umestrangeiro.Asrespostasdelaeramglaciaiseolhava-ocommávontadeedesconfiança.

A apresentação do dr. Lord fizera pouco para aplanar asituação.

-Acho-disseasrªBishopquandoodr.Lordsefoiembora-queodr.Lordéummédicomuitointeligenteebemintencionado.Odr.Ransome, predecessor dele esteve cámuitos anos!Queriadizer: Podia-se ter confiança que o dr. Ransome procederia deumamaneiraadequadaàquelaterra.Aopassoqueodr.Lord,umsimplesrapazoteirresponsável,umnovatoq1etomaraolugardodr.Ransome, só tinhauma coisa a recordá-lo: “inteligência” nasua profissão. E a inteligência - toda a atitude da srª Bishoppareciaindicá-lo-nãoerasuficiente!

Hercule Poirot foi foi insinuante, hábil, mas por maissabiamente que tentasse cativá-la, a srª Bishop permaneciadistanteesolene.

- Amorte da srªWelman fora uma pena. Tinha sido umapessoa muito respeitada por aqueles sítios. A prisão de MissCarlisleera"umapoucavergonha!"econsideradacomoresultado"dosnovosmétodospoliciais".AsopiniõesdasrªBishol-sobreamorte deMaryGerrard eramextremamente vagas: “Nisto venhobemacerteza”eratudooquerespondia.

HerculePoirotfezumaúltimatentativa.NarroucomingénuoorgulhoumavisitarecenteaSandringham.Faloucomadmiraçãoda gcntileza, da encantadora simplicidade e bondade de finasmajestades.

AsrªBishopqueseguiadiariamente,pelagazetadacorte,osmovimentosexactosdaCasaRealficouconquistada.

Enfim,seelestinhamchamadoosr.Poirot...entãoeraoutracoisa. Estrangeiro ou não, quem era ela, Ema Bishop, para

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resistir,quandoaRealezatinhaabertoasportas?Imediatamente,ela e o sr. Poirot, se embrenharam numa conversa agradávelsobre umassunto realmente interessante - nada ]liCllOS que aselecçãodeumfuturomaridoadequadoparaaprincesaherdeira.

Tendepor fimpostodeparte todossopossíveis candidatospor não os acharem com as qualidades necessárias, a conversaderivouparaassuntosmaiscomezinhos.

Poirotobservousentenciosamente:-Infelizmenteocasamentoacarretaperigosearmadilhas!- Sim, realmente, com este malvado divórcio - disse a srª

Bishopcomoseestivesseareferir-seaumadoençacontagiosa,àsbexigasporexemplo.

-Eradeesperar-perguntouPoirot-queasrªWelman,antesdemorrerestivesseansiosaporverasobrinhacasada?

ASrªBishopbaixouacabeça.-Sim,issoera.OnoivadodeMssCarlisleedosr.Roderick

Welmandeu-lheumgrandedescanso.Eraumacoisaememqueelasempredepositaraesperanças.

Poirotalvitrou:-Talvezonoivadotivessesidoarranjadoempartepelodesejo

delheagradar.-Issonão,nãodigoisso,sr.Poirot.MissCarlisletevesempre

muitaestimapelosr.Roddy-sempredesdepequenina-eraumencantovê-la.MissElinorpossuiumaíndolelealededicada!

-Eele?-perguntouPoirot.-Osr.RoderickestimaMissCarlisle-disseasrªBishopcom

austeridade.-Noentantoromperamonoivado...AcorsubiuaorostodasrªBishopqueexclamou:-Devidoàsmaquinaçõesdeumaviborazinha,sr.Poirot.Poirotpareceudevidamenteimpressionado.-Realmente?AsrªBishopexplicou,tornando-severmelhaainda:-EmInglaterra,háocostumedeobservarumcertorespcito

quando se fala dos mortos. Mas aquela rapariga tinha muitamanha.

Poirotolhouparaelaummomentoreflectindo,depoisdissecomvisívelnaturalidade:

-Admira-meoquediz.Tinham-medadoaentenderqueela

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eraumaraparigamuitosimplesemodesta.OqueixodasrªBishoptremeuumpouco.- Era manhosa, sr. Poirot. Enganava as pessoas. A

enfermeira Hopkins, por exemplo! E a minha pobre patroatambém!

Poirotabanouacabeçacomsimpatiaefezcomalínguaumruídodereprovação.

-Poiséverdade-disseasrªBishop,estimuladaporaquelessons. - A pobrezinha estava a finar-se e aquela raparigaconseguiu captar-lhe a confiança. Sabia procurar as suasconveniências. Sempre de roda dela, lendo-lhe, trazendo-lheramosdeflores.EraMaryparaaqui,Maryparaali,e“OndeestáMary?”a todaahora.Eodinheiroquegastoucoma rapariga.Escolas caras e viagens de estudo ao estrangeiro, uma raparigaqueera filhadovelhoGerrard!Estenãogostavadaquilo,possodizer-lho! Costumava lamentar os seus modos de menina fina.Nãomereciaaeducaçãoquetinha.Tinhaumaeducaçãoboademaisparaumaraparigadasuaclasse.

DestavezPoirotabanouacabeçaedisseemtomlamentoso:-Semprehácoisas!-Edepoisasmanifestaçõesquefaziaaosr.Roderick!Eleera

demasiadosimplesparaveroquehaviaportrásdaquelaatitude.EumapessoacomumespiritotãodelicadocomoMissCarlisle,éclaro que não percebia o que se passava. Mas os homens sãotodos iguais: entusiasmam-se facilmente quando lhes apareceumacarabonitaqueosadule!

Poirotsuspirou.- Ela tinha admiradores damesma condição social, não? -

perguntouele.-Poistinha.HaviaTed,o filhodeRufusBigland,omelhor

rapazquesepodeimaginar.Mas,éclaroquesuaexcelêncianãooachava digno dela! Eu não tinha paciência para aqueles seusares!

-Elenãoandavazangadoporcausadamaneiracomoelaotratava?

-Andava.Acusava-adedeitarasvistasparaosr.Roderick.Seiqueissoeraumfacto.Nãocriticoorapazporficarzangado!

- Nem eu - disse Poirot. - A senhora desperta-me muitointeresse. Há pessoas que têm o dom de descrever um carácter

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clara e nitidamente em poucas palavras. É um grande dom.TenhofinalmenteumretratoclarodeMaryGerrard.

-Eunãodissenadacontraarapariga,notebem!-exclamoua srª Bishop. - Não faria uma coisa dessas, tendo elamorrido.Masnãohádúvidaquecausoumuitosaborrecimentos!

-Nemseioqueviriaasuceder-dissePoirot.- Nem eu! Posso garantir-lhe, sr. Poirot, que se a minha

querida patroa não tivessemorrido quandomorreu e embora ochoquenaquelaaltura tivessesidomuitograndevejoagoraquefoiumaverdadeirabenção,nãoseiquepoderiasuceder!

-Quelheparece?-perguntouPoirotconvidativamente.AsrªBishopdissecomsolenidade:-Tenhoassistidoacoisasdestasdevezemquando.Aminha

irmã estava a servir numa casa em que aconteceu uma coisaassim: o velho coronel Randolph, quando morreu, não deixounem um centavo à pobre da esposa para deixar tudo a umaatrevidaqueviviaemEastbourneeaqualsetornousrªDacreseporsuavezdeixoutudoaoorganistadaigreja,umdessesrapazesnovosdecabelocomprido,tendoelafilhasefilhoscasados.

- Suponho que quer dizer que a srª Welman podia terdeixadotodooseudinheiroaMaryGerrard.

-Nãomeadmiravanada!Era issoquearaparigaandavaapreparar, não tenha dúvidas. E digomesmo que a srªWelmanestava pronta a prescindir de mim, embora eu estivesse lá emcasaháquasevinteanos.Hámuitaingratidãonestemundo,sr.Poirot.Tentamoscumprironossodevereninguémnosdávalor.

-Infelizmente,issoéverdade!-suspirouPoirot.-Masamaldadenemsemprevence-disseasrªBishop.-Poisnão.MaryGerrardmorreu...-AgoraquefoichamadaadarcontasaDeus,nãodevemos

julgá-la-sentenciouasrªBishop.- As circunstâncias da morte dela parecem bastante

inesplicávcis-dissePoirotcomarintrigado.-Estapolíciaeosseusprocessosmodernos!-criticouasrª

Bishop.-Entãoélápossívelqueumameninabemformada,comuma educação excelente como Miss Carlisle andasse para aí aenvenenar pessoas? Querem meter-me nisso, também, dizendoqueelaafirmaraqueasuaatitudeeraestranha!

-Mas.nãoeraestranha?

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- E por que não havia de ser? - O busto da srª Bishopalterou-se sob o vestido negro como azeviche. - Miss Carlisle éumameninacomsentimentos.Estavaadarvoltaascoisasdatiaoqueeraumacoisadolorosa.

Poirotfezumsinaldecompreensão.- Teria sido muito mais fácil para ela se a srª a tivesse

acompanhado.-Euquis,masela recusoubastantesecamente.Bem,Miss

Carlislesemprefoiumapessoamuitoorgulhosaereservada.Noentanto,antestivesseidocomela!

-Nãopensouirláterdepois?-inquiriuPoirot.AsrªBishopergueuacabeçamajestosamente.-Eunãomemetoondenãosouchamada,sr.Poirot.Poirotpareceuembaraçado.-Alémdissotalvezasenhorativesseassuntosimportantesa

tratarnessamanhã?-Estavaumdiademuitocalor,lembro-me.Muitoabafado-

suspirou.-FuiapéatéaocemitériopôrumasfloresnacampadasrªWelman,umpreitodesaudade,etivedeficarláadescansarbastante tempo. Estava estafada com o calor. Cheguei a casatarde para o almoço, e a minha irmã ficou muito preocupada,quando viu o estado de esgotamento em que eu estava, e dissequeellnuncadeviateridofazeraquilonumdiaassim.

Poirotolhouparaelacomadmiração.- Invejo-a srª Bishop - disse. - É realmente agradável não

termosnadadetuenosarrependerquandoalguémmorre.Clculoquensr.RodderickWelmansedeve terarrependidodenão teridoveratianaquelanoite,emboraevidentemeteelenãopudesseadivinharqueelaíafalecertãocedo.

-Estáenganado,Sr.Poirot.Possogarantir-lheumfacto.OSl. Roderick foi ao quarto da tia. Eu estava justamente nopatamar, quando ouvi a enfermeira descer, e pensei que talvezfossemelhorirverificarseasenhoraprecisavadealgumacoisa,porque sabe o que são as enfermeiras: demoram-se sempre atagarelarcomascriadasouentãoestãosempreamaçá-lascomascoisas que pedem. Não que a enfermeira Hopkins fosse tãomácomo a irlandessa estava sempre a dar à língua e a levantarqueixas,mas,comoiadizendo,penseiirverseestavatudobem,efoientãoqueviosr.Roderickentrardevagarparaoquartodatia.

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Nãoseiseelaoconheceuounão;mas fossecomo fosse.assim,elenãotevenadadequesearrepender!

-Aindabem.Eleéumpouconervoso-dissePoirot.-Umpoucoesquisito.Semprefoi.- A senhora é realmente uma pessoa dotada de grande

discernimento-dissePoirot.-Tenhomuitaconsideraçãopelasuaopinião. Qual lhe parece ser a verdade sobre a morte de MaryGcrrard?

AsrªBishopfungou.-Muitosimples.Aporcariadaquelesboiõesdeconservada

mercearia do Abbot. Tem-nos lá nas prateleirasmeses emeses!Um primo meu já esteve à morte por causa de caranguejo deconserva!

Poirotobjectou:-Masentãoemorfinaqueencontraramnocadáver?AsrªBishopdissecomarimportante:-Eunãopercebonadadissodemorfina!Masseicomosão

os médicos: se lhes disserem que procurem uma coisa,encontram-nalojo!Conservadepeixeestragadanãolhesbasta!

-Nãoachapossívelelater-sesuicidado?-perguntouPoirot.- Ela? - fungou a srª! Bishop -Não, olha quem!Andava a

preparar-se para casar com o sr. Roderick Welman, ia agorasuicidar-se!

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Capítulo5Comoeradomingo,HerculePoirotencontrouTedBiglandna

fazendadopai.Não foi difícil fazer falar Ted Bigland. Pareceu bendizer a

oportunidadequetinhadedesabafar.-ComqueentãoestáatentardescobrirquemmatouMary?-

disseTedpensativo.-Éumgrandemistério,esse.-NãoacreditaentãoquefoiMissCarlislequemamatou?TedBiglandfranziuatestanumaexpressãointrigadaquase

infantiledissepausadamente:-MissCarlisleéumapessoacommoral.Éumapessoaque...

enfim,nãoconseguimos imaginá-laa fazerumacoisadaquelas,umacoisaviolenta,nãoseisemeentende?Etambémnãoénadaprovávelqueumapessoatãobondosacomoelafossefazeraquilo,poisnão?

HerculePoirotabanouacabeçanumaatitudepensativa.-Não,nãoéprovável...Masquandosetratadeciúmes...Fezumapausa,observandoobelogigante louroque tinha

nasuafrente.TedBiglandadmirou-se:- Ciúmes? Sim, bem sei como as coisas acontecem;mas é

geralmenteovinhoouadiscussãoquefazemumapessoaperderacabeçaesentirvontadedematar.MissCarlisle...umameninatãoboaecalma...

- Mas Mary Gerrard morreu... e não morreu de mortenatural.Temalgumaideia...temalgumacoisaadizer-mequemepossaajudaradescobrirquemmatouMaryGerrard?

Ooutroabanouacabeçadevagarerespondeu:-Parecementira.Parece impossível,nãosei semepercebe,

quealguémtenhamortoMary.Elaparecia...pareciaumaflor.Ederepente,duranteumlúcidominutoHerculePoirotteve

uma nova ideia da morta... naquela voz rústica e hesitante ajovem Mary renascia e voltava a florescer: “Parecia uma flor.”Houve, subitamente, uma pungente sensação de perda, dedestruiçãodequalqucrcoisadelicada...

Noseuespíritosucediam-seasdiversasopiniões.AdePeterLord: “era boa rapariga.” a da enfermeira Hopkins: “Podia ser

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actrizdecinema,sequisesse.”AverrinosaopiniãodasrªBishop:“Nãotinhapaciênciaparaaquelesaresdela.”Eagora,finalmente,anulando essas opiniões, as suaves palavras de admiração:“Parecia uma flor.” Hercule Poirot disse, abrindo asmãos numlargogestodeapelo:

-Masentão...?OsolhosdeTedBiglandconservavamaexpressãoparadae

brilhantedeumanimalquesofre.-Eusei -disseele. -Seiqueoquediz é verdade.Elanão

morreudemortenatural.Masjátenhopensadose...Fezumapausa.-Oquê?-inquiriuPoirot.-Tenhopensadosenãoteriasidoumacidente?-Umacidente?Masqueespéciedeacidente?- Eu sei que parece um disparate, mas tenho pensado e

parece-mequedevetersidoisso.Umacoisaquenãosequeriaqueaconteeesse ou qualquer engano. Enfim, preeisamente, umacidente!

LançouaPoirotumolharsuplicante,atrapalhadocomasuafaltadeeloquência.

Poirotficouummomentoemsilêncio.Pareciareflectiredisseporfim:

-Éinteressantepensarisso.TedBilglanddissemodestamente:-Creio que lhe pareceumdisparate.Mas eupormimnão

consigoperceberasrazõesdestecrime,eoque lhedisseéumaimpressãoquetenho.

- As impressões são, às vezes guias importantes... Peço-lhedesculpa seme refiro a coisas dolorosas,mas diga-me: gostavamuitodeMaryGerrard,nãogostava?

Um rubor intenso afogueou o rosto queimado de Ted, querespondeusimplesmente:

-Todaagentedestessítiossabeisso.Creioeu.-Queriacasarcomela?-Queria.-Maselanãoestavadeacordo?O rosto de Ted ensombrou-se um pouco. Disse com uma

pontadecólerareprimida:- As pessoas são bem intencionadas, mas não deviam

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eitabelecer confusões na cabeça de outros nem dificultar-lhes avidaecomsuainterferência.Todosaquelesestudoseviagensaoestrangeiro transformaram Mary. Não quero dizer que aarastassem,ouqueelaficassevaidosa,nadadisso.Mas...

Dislumbraram-na!Deixoude receberoquequeria.Enfim-diga-se embora seja cruel - eunão amerecia;mas tambémporseu lado ela não estava à altura de um homem como o sr.Welman.

- Não gosta do sr. Welman? - perguntou Hercule Poirotobservando-o.

- Por que diabo não havia de gostar?O sr.Welman é boapessoa.Nãotenhonadaadizerdele.Nãoébemoqueeu

lhechamoumhomem.podiaagarrarneleefazê-loemdois.Creio que é inteligente... mas isso não serve de muito se, porexemplo, o nosso carro tem uma avaria.. . pode-se saber oprincípioquefazandarumcarrooquenãoimpedequesefiqueatrapalhado como uma criança quando é preciso mudar umaroda.

-Éverdadequetrabalhanumagaragem?-PerguntouPoirot.TedBiglandfezumsinalafirmativo.-NaHendersonaofundodarua.-Estavalánamanhãemqueocasosedeu?- Estava a experimentar o carro de um cliente. Tinha um

barulho qualquer e não consegui saber onde. Andei a dar umavoltacome;e.Pareceestranhopensarnistoagora.Estavaumdiamaravilhoso, com os caminhos ainda cheios de madressilva...Marygostavademadressilva.Costumávamosirapanhá-lajuntosantesdeelairparaoestrangeiro...

De novo apareceu no rosto dele a expressão intrigada einfantil.

HerculePoirotficoucalado.Com um movimento repentino Ted Bigland sai1 do seu

torporecontinuou:-Desculpe,esqueçaoqueeudissearespeitodosr.Welman.

Aborrecia-me que ele andasse de volta da Mary. Devia tê-ladeixadoempaz.Elanãoerapessoaparaele,realmentenãoera.

-Achaqueelagostavadele?-inquiriuPoirot.TedBiglandfranziudenovoatesta.-Achoquenão.Maspodeserquegostasse,nãosei.

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-HaviamaisalgumhomemnavidadeMary?Alguémqueelativesseconhecidoestrangeiro,porexemplo?

-Nãoseidizer.Nuncasereferiuaninguém.-TinhainimigosaquiemMaidensford?-Querdizeralguémquetivesserazãodequeixacontraela?-Abanouacabeçanegativamente.-Ninguémaconhecia

bem,mastodosgostavamdela.-AsrªBishop,agovernantadeHunterburygostavadela?-

perguntouPoirot.ComumsorrisoforçadoTedrespondeu:-Bem,essaerasódespeito!NãogostavaqueasrªWelman

estimassetantoMary.-MaryGerrarderafelizaqui?GostavaelasrªWelman?- Teria sido bastante feliz, creio eu, se a enfermeira a

deixasseempaz.Refiro-meàenfermeiraHopkins.Meteu-lhenacabeçaideiasdeirganharavidaeaprendermassagens.

-MaselagostavadeMary,nãogostava?-Sim,gostavabastantedela,masédogénerodepessoasque

sabemsempreoqueémelhorparaosoutros!- Supondo que a enfermeira Hopkins soubesse qualquer

coisa...qualquercoisaque,digamos,trariaumcertodescréditoaMary...achaquenãodirianada?

TedBiglandolhouparaeleintrigado:-Nãopercebobemoquequerdizer.-AchaqueseaenfermeiraHopkinssoubessequalquercoisa

contraMarysecalaria?-Duvidoqueessamulherfossecapazdesecalar!-disseTed

Bigland.-Éapessoamaisbisbilhoteiracádaterra.Massefossecapazdesecalararespeitodealguém,seriaarespeitodeMary.-E acrescentou vencido pela curiosidade: -Gostava de saber porqueperguntaisso.

HerculePoirotexplicou:- Quando se fala com alguém fica-se com uma impressão.

OraaenfermeiraHopkinsfoiperfeitamentefrancaesincera,mastive a impressão - uma forte impressão - de que ela escondiaqualquercoisa.Podenãoserumacoisaimportante.Podenãoterrelaçãocomo crime.Masháqualquer coisaque ela sabe enãodisse. Tive também a impressão de que o quer que seja é comcertezaemdesabonodocarácterdeMaryGerrard...

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TedBiglandpareceudesanimado.HerculePoirotsuspirou:-Enfim.Comotempovireisaber.

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Capítulo6Poirotcontemplavacominteresseorostocompridoesensível

deRoderickWelman.OsnervosdeRoderickestavamnumestadolastimoso.Torciaasmãos,tinhaosolhosraiadosdesangue,eavozera

roucaeirritada.-Evidentementequeconheçooseunome,sr.Poirot-disse

olhandoparaocartão.-Masnãopercebooqueéqueodr.Lordachaqueosenhorpodefazernestecaso!E,aliás,quetemelecomisto? Matou a minha tia mas, de resto, é absolutamente umestranho. Elinor e eu nem sequer o conhecíamos. Só oconhecemosquandoláfomosemJunho.ASeddonéquecompetetratardetudo.

- Teoricamente é como diz - replicou Poirot Roderickcontinuou comar infeliz -Não é queSeddonme inspiremuitaconfiança.Acho-olúgubre.

-Osadvogadossãoassim.- Todavia - disse Roderick animando-se um pouco -

encarregámosBulmer.Parecequeestáemvogaetemmuitafama,nãotem?

-Temfamadedefendercausasperdidas.Roddypareceuchocado.- Espero que não lhe desagrade que eu tente ajudar Miss

Carlisle?-Claroquenão.Mas...-Masquepossoeufazer?Eraissoqueiaperguntar?UmrápidosorrisoperpassounorostopreocupadodeRoddy

- um sorriso tão agradável que Hereule Poirot compreendeu osubtilencantodaquelehomem.

Roddydissedesculpando-se:- isso dito assim parece-me um pouco indelicado. Mas

realmente é isso. Não farei rodeios. Que pode o senhor fazer,Poirot?

-Vouprocuraraverdade-dissePoirot.-Poissim.Roddypareceuduvidar.- É possível que descubra factos que sejam favoráveis à

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acusada.Roddysuspirou.-Seissofossepossível!- Estou sinceramente desejoso de ser útil - prosseguiu

HerculePoirot.-Querajudar-me,dizendo-meexactamenteoquepensadistotudo?

Roddy levantou-se e começou a passear no quartoagitadamente.

-Quequerquelhediga?Étudotãoabsurdo,tãofantástico!Desconcerta-me só a simples ideia de Elinor - a Elinor que euconheçodesdecriança-fazerumacoisatãomelodramáticacomoesta de envenenar uma pessoa. É completamente ridículo! Mascomoexplicaristonotribunal?

- Acha completamente impossível que Miss Carlisle tenhacometidoocrime?

- Completamente! Nem se pergunta! Elinor é uma pessoaestranha, mas perfeitamente ponderada e equilibrada; não temuma índole violenta. É intelectual, sensível e cormpletamenteincapazdepaixõesselvagens.Masponhadozepatetasenfatuadosaformarumjuri,eDeussabeoquelhespodemfazeracreditar!Aliássejamosrazoáveis;nãoestãoaliparaapreciarumcarácter,estãoaliparaavaliaremaculpa.Factos,factos,emaisfactos!Eosfactossão terríveis!HerculePoirotabanouacabeça,pensativoedisse:

-Osenhoréumapessoacomsensibilidadeeinteligência,sr.Welman.OsfactoscondenamMissCarlisle.Masasuaimpressãoé ade que ela está inocente.Que terá acontecido então?Que équepodeteracontecido?

Roddyabriuosbraçosemsinaldedesespero.- Isso é que é o diabo! Creio que não pode ter sido a

enfermeira.- Ela nunca mexeu nas sanduíches; fiz averiguações

minuciosas;enãopodiaterenvenenadoMarysemseenvenenarasiprópria.Jámecertifiqueidisso.Alémdomais,porque razãohaviaeladequerermatarMaryGerrard?

-PorquerazãohaviaalguémdequerermatarMaryGerrard?-exclamouRoddy.

-Issopareceserumaperguntasemresposta-dissePoirot.-Ninguém queria matar Mary Gerrard. - Acrescentou para si: -

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SenãoElinorCarlisle.Portantoaconclusão lógicapareceriaser:Marynãofoimorta!Masinfelizmentenãoéassim.Foimort!

Eacrescentou,numtomligeiramentemelodramático:-Mas ela repousana campa.E quanto sofrimento issome

causa!-Como?-perguntouRoddy.HerculePoirotexplicou:-Wordsworth.Leio-omuito.Estesversosexprimemtalvezo

queosenhorsente,não?-Eu?-Peçodesculpa,muitadesculpa.Édifícilserdetectiveeao

mesmotempoverdadeiroamigo.ComosedizaquiemInglaterrahácoisasquenãosemencionam.Mas,infelizmente,umdetectiveé forçado a mencioná-las! Tem de fazer perguntas sobre osassuntosparticularesesobreossentimentosdecadaum!

- Com certeza tudo isso tem muito pouca utilidade nestecaso,nãolhepareee?-exclamouRoddy.

Poirotretorquiurápidaemodestamente:- Interessa-me apenas conhecer a situação. Depois

deixaremosesteassuntodesagradávelenãovoltaremosareferir-nosaele.ÉsabidoqueosenhoradmiravaMaryGerrard,nãoéassim? Roddy levantou-se e ficou de pé próximo da janela,brincandocomaborladoreposteiro.

-É-respondeu.-Apaixonou-seporela?-Suponhoquesim.-Eestádesoladocomamortedela...-Enfim,julgo...parece-meque,realmente,sr.Poirot...Voltou-se,numestadode irritaçãoenervosismoprópriode

umapessoaqueseencontranumasituaçãodifícil.- Se pelomenosme dissesse... me explicasse claramente...

nãosefalavamaisnisso.RoderickWelmansentou-senumacadeira,edissesemolhar

paraooutroeinterrompendo-seacadapasso:-Émuito difícil explicar.É realmente preciso abordar este

assunto?- Nem sempre se pode voltar as costas e deixar passar as

coisas desagradáveis da vida, sr. Welman! Disse supor quegostavadarapariga.Nãotementãoacerteza?

- Não sei... - disse Roddy. - Ela era encantadora, era um

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sonho...É o que istomeparece agora.Umsonho semnadadereal!Tudo-aprimeiravezqueavi-enfim,omeuentusiasmoporela! Uma espécie de loucura! E agora tudo acabou... passou...comose...comosenuncativesseacontecido!

-Sim,percebo...-dissePoirot.E acrescentou: - Não estava em Inglaterra quando ela

morreu,poisnão?- Não, parti a 9 de Julho e regressei a 1 de Agosto. O

telegramadeElinorandoudeumladoparaooutroantesqueeuorecebesse.Volteiàpressaassimquesoubeanotícia.

-Devetersidoumgrandechoqueparasisegostavamuitodarapariga-observouPoirot.

HaviaamarguraedesesperonavozdeRoddyaodizer:- Por que é que acontecem estas coisas? Não é por

desejarmos que aconteçam! São tão contrárias à ordem naturaldas coisas! - Ah, mas a vida é assim! Não permite que aarranjemos e ordenemos ao nosso gosto. Não permite que nosfurtemosàsemoções,quevivamospelointelectoepelarazão!Nãose pode dizer: “Quero sentir só tanto e nadamais.” A vida, sr.Welman,podesertudomenosumprodutodarazão!

-Tambémmeparece...-exclamouRoderickWelman.-Umamanhã de Primavera, um rosto fresco de rapariga e

adeusexistênciabemordenada.EPoirotcontinuou:-àsvezesbastaumrosto.Queéque,porexemplo,sabiaa

respeitodeMaryGerrard,sr.Welman?- Que sabia? Muito pouco, vejo agora. Ela era, creio eu,

suave e meiga; mas realmente não sabia mais nada,absolutamentemais nada... Suponho que é talvez por isso quenãosintoasuafalta...

Oantagonismoeressentimentotinhamdesaparecido.Falava com toda a naturalidade. Poirot com o seu jeito

especialtinhapenetradoasdefesasdoadversário.Roddypareciasentirumcertoconforto.emdesabafar,econtinuou:

-Suave...meiga...nãomuitointeligente,talvez,massensíveleboa.Tinhaumagentilezaquenãoeradeesperarnumaraparigadasuaclasse.

- Era o género de rapariga que criasse inimizadesinconscientemente?

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Roddynegoucomardor:-Não,nãocreioquehouvessealguémquenãogostassedela,

istoé,gostarrealmente.Despeitoéoutracoisa.-Despeito?Achaquehaviagentedespeitada?- Devia haver... se não não se justificava a carta - disse

Roddydistraidamente.-Quecarta?-inquiriuPoirot.Roddycorouepareceuaborrecido.-Nãotemimportância-disse.-Quecarta?-repetiuPoirot.-Umacartaanónima.Falavacomrelutância.-Quandofoirecebida?Aquemeradirigida?BastantecontravontadeRoddyexplicou.-Issoteminteresse.Possoveressacarta?-Tenhomuitapena,masnão,porqueaqueimei.-Essaéboa!Porquefezisso,sr.Welman?-Pareceu-me ser o indicadonaquela ocasião - disseRoddy

bastantesecamente.- Foi em virtude dessa carta que o senhor e Miss Carlisle

partiramapressadamenteparaHunterbury?-Partimosdefacto.Nãoseisefoiapressadamente.-Masnãosesentiammuitodescansados,poisnão?Ficaram

talvezatéumpoucoalarmados?-Nãopossoafirmarisso.- Mas evidentemente que era natural que assim fosse! A

vossaherança...aherançaquevosestavadestinada...estavaemrisco.Eranaturalqueficasseminquietos!Odinheiroéumacoisamuitoimportante!

-Nãoétãoimportantecomolheparece.-Umdesinteresseassimélouvável!-exclamouPoirot.Roddycorou.-Éclaroqueodinheirotinhaimportânciaparanósnãolhe

éramos completamente indiferentes. Mas o nosso principalobjectivoeraveranossatia,ecertificarmo-nosdequeestavabem.

-FoilácomMissCarlisle.Nessaalturaasuatiaaindanãotinha feito testamento. Pouco tempo depois teve outro ataque.Quisentão fazer testamento,mas, felizmenteparaMissCarlisle,morreunaquelanoitesemoterchegadoafazer.

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-Aondequerchegarcomisso?OrostodeRoddyrevelavafuror.Poirotrespondeu-lherápidocomoumrelâmpago:-Osenhordisse-mearespeitodamortedeMaryGerrardque

omotivoatribuídoaElinorCarlisleéabsurdo,queelanãoera,emsuma,pessoaparafazersemelbantecoisa.Masháaindaoutrainterpretação. Elinor Carlisle tinha razão para temer serdeserdada a favor de uma pessoa estranha. A carta tinha-aavisado,easpalavrasquaseincompreensíveisdatiaconfirmaramesse receio. Cá em baixo no vestíbulo estava uma maleta comvários medicamentos e apetrechos médicos. Era fácil tirar umtubodemorfina.E,depois, eusoubequeela esteve sozinhanoquartodatiaenquantoasenfermeirasforamjantar...

- Meu Deus, sr. Poirot, que está a insinuar agora? QueElinormatouatiaLaura?Essaideiaaindaémaisridícula!massabeque foi requeridauma licençapara exumar o corpoda srªWelman,nãosabe?

-Poissei.Masnãoencontrarãonada!-Suponhaqueencontram?-Nãopodeser!-afirmouRoddycategoricamente.- Não tenho a certeza. E só havia uma pessoa, que

beneficiavacomamortedasrªWelmannaquelemomento...Roddysentou-se.Tinhaorostopálidoetremiaumpouco.Olhou,espantado,paraPoirot.-Penseiqueosenhoreraafavordela...-disseele.- Seja a favor de quem for, devemos encarar os factos! -

sentenciouPoirot.-Creioqueosr.Welman,navida,temsemprepreferido não encarar as verdades desagradáveis, quando isso épossível.

- Porquê atormentarmo-nos encarando o lado pior dascoisas?HerculePoirotreplicougravemente:

-Porqueàsvezesénecessário...Fezumapausacurtaeacrescentou:-Encaremosapossibilidadedesedescobrirqueamorteda

suatiafoidevidaaadministraçãodemorfina.Eentão?Roddyabanouacabeçadesanimado.-Nãosei.-Masdevetentarpensar.Quempodiater-lhaadministrado?

DeveadmitirqueElinorCarlislefoiquemtevemaisoportunidade

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deofazer.-Easenfermeiras?- Qualquer delas o podia ter feito, é verdade. Mas a

enfermeira Hopkins estava nessa altura preocupada com odesaparecimento do tubo e referiu-se abertamente a isso, semprecisar de o fazer, visto que a certidão de óbito já estavaassinada. Porquê chamar a atenção para a falta da morfina sefosse ela a culpada? Assim seria pelo menos censurada pordescuido e se tivesse envenenado a srª Welman seriaevidentemente idiota chamar a atenção para a morfina. Alémdisso que ganhava ela com amorte da srªWelman?Nada. E omesmoseaplicaàenfermeiraO'Brien.Podia teradministradoamorfina,podiatê-latiradodamaletadaenfermeiraHopkins,masestamosnamesma:quemotivotinhaparaofazer?

-Realmenteissoéverdade-concordouRoddy.-Eháaindaosenhor.Roddyendireitou-sebruscamente.-Eu?- Sim, o senhor. Podia ter tirado a morfina. Podia tê-la

administrado à srª Welman! Esteve sozinho com ela um breveespaçodetemponaquelanoite.Masigualmenteporquehaviadeofazer?Seelavivesseotempoprecisoparafazertestamento,erapelomenosprovável que fossemencionadonele. Por isso, comovê,nãohaviamotivo.Sóduaspessoastinhammotivo.

OsolhosdeRoddybrilharam.-Duaspessoas?-Sim.UmaeraElinorCarlisle.-Eaoutra?-A outra foi quemescreveu a tal carta anónima - replicou

Poirotfalandolentamente.Roddypareceuduvidar.- Alguém escreveu essa carta, alguém que odiava Mary

Gerrardouquepelomenosnãogostavadela,alguém,queestava,como se costumadizer, “do vosso lado”, isto é, alguémquenãoqueria que Mary Gerrard beneficiasse com a morte da SrªWelman.Temalgumaideiadequempossaterescritoatalcarta?

- Não faço a menor ideia. Era carta de uma pessoaanalfabeta,umacartacheiadeerrosecomaspectomodesto.

Poirotfezumgestodeindiferença.

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-Issonãoquerdizernada!Podiamuitobemtersidoescritaporumapeisoaeducadaqueprocurassedisfarçarofacto.Porissoéqueeugostavaquetivesseaindaacarta.Aspessoasquetentamescreveràmaneiradosanalfabetosgeralmentedenunciam-se.

-Elinoreeupensámosquetivessesidoumdoscriados.-Pensaramemalgumemespecial?-Não,nãotinhamosideianenhuma.-Achaquepodiatersidoagovernanta,asrªBishop?Roddypareceuchocado.-Não,elaéamaisrespeitávelesolenedaspessoas.Escreve

cartasnumestilo arrebicado e compalavrasbemsoantes.Alémdisso,tenhoacertezadequenunca...

Aohesitar,Poirotinterrompeu-o:-ElanãogostavadeMaryGerrard!-Suponhoquenão.Masnuncanoteinada.-Mas talvez ao sr.Welman passem desapercebidasmuitas

coisas.-Nãoacha,sr.Poirot,queaminhatiapodiatertomadoela

própriaamorfina?-Sim,éumaideia-concordouPoirot.Roddyesclareceu:- Ela odiava a invalidez. Disse muitas vezes que desejava

morrer.-Mas,noestadoemqueestava,nãopodiater-se levantado

dacama,descerasescadasetiradootubodemorfinadamaletadaenfermeira.

-Poisnão,masalguémlhopodiaterdado-observouRoddy.-Quem?-Umadasenfermeiras,talvez...- Não, as enfermeiras não, porque compreenderiam muito

bemoperigoqueissorepresentavaparaelas!Asenfermeirassãoasúltimaspessoasdequemsedevesuspeitar.

-Então...outrapessoa...Iaparafalarmascalou-se.- Lembrou-se de alguma coisa, não lembrou? - perguntou

calmamentePoirot.-Sim...mas...-Roddyhesitou.-Nãosabesemehá-dedizerounão?-Sim...

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Comumcuriososorrisoaoscantosdaboca,Poirotdisse:-QuandoéqueMissCarlisledisseisso?Roddyrespiroufundo.-Co'abreca,adivinhou!Foinocomboioquandoíamospara

lá.TínhamosrecebidootelegramaadizerqueatiaLauratinhatidooutroataque.Elinordissequetinhamuitapenadela,queapobre senhora detestava estar doente e que agora ficaria aindamaisimpossibilitadaequeseriaumverdadeiroinfernoparaela.Eexclamouporfim.“Tem-seasensaçãodequesedeviaabreviaramortedessaspessoasseelasprópriasrealmenteodesejam.”

-Eoqueéqueosenhordisse?-Concordei.- Há pouco o sr. Welman rejeitou a possibilidade de Miss

Carlisle ter morto a sua tia por motivos monetários. Tambémrejeitaagoraapossibilidadedeatermortoporcompaixão?

-Eu,não,nãoposso...-disseRoddy.HerculePoirotbaixouacabeça.-Sim,calculei...tinhaacerteza...queiadizerisso...

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Capítulo7Nos escritórios dos srs. Seddon, Blatherwick & Seddon,

Hercule Poirot foi recebido com extrema reserva para não dizercomdesconfiança.

O sr. Seddon, tocando com o dedo indicador no queixoescanhoado, mostrou-se reservado e os seus olhos sagazesobservaramatentamenteodetective.

- Pois evidentemente que o seu nome me é familiar. sr.Poirot.Mascusta-meacompreenderasuaposiçãonestecaso.

-Estouaagirembenefíciodasuacliente-esclareceuPoirot.-Ah,sim,equemoencarregoudisso?-Estouaquiapedidododr.Lord.Osr.Seddonfranziuatestanumaexpressãodeespanto.-Oraessa!Issoparece-memuitoesquisito,mesmomuito.O

dr.Lordfoicitadocomotestemunhadeacusação,parece-me.HerculePoirotencolheuosombros.-Quetemisso?- As diligências para a defesa de Miss Carlisle estão

inteiramenteanossocargo.Nãoachoquerealmentenecessitemosdequalquerauxílioestranhonestecaso.

-Masporquê?Porqueainocênciadasuaclienteserámuitofacilmenteprovada?-perguntouPoirot.

O sr. Seddon retraiu-se e depois enfureceu-se de umamaneiramuitolegaleseca.

-Essapergunta-disse-éindiscreta,bastanteindiscreto.-Oprocessocontraasuaclienteémuitoforte...-Nãoconsigo realmenteperceberoquesabea respeito,sr.

Poirot.Poirotexplicou:-Emboratenhasidochamadopelodr.Lord,tenhoaquium

cartãodosr.RoderickWelman.Entregou-ocomumcumprimentodecabeça.O sr. Seddon leu as poucas linhas que ele continha e

observoucommávontade:-Istodá,defacto,umoutroaspectoàquestão.Osr.Welman

responsabilizou-se pela defesa deMissCarlisle. Nós estamos aodispordeleecumprimosassuasordens.

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Eacrescentoucomvisíveldesagrado:-Anossa firmadedica-sepoucoa... a casosde crime,mas

achei que era meu dever para com a minha antiga clienteencarregar-me da defesa da sobrinha dela. Devo dizer que jáchamámosSirEdwinBulmer.

Poirotsorriuironicamente.- Não se poupam a despesas. Está perfeitamente certo! -

comentouele.Olhandoporcimadosóculososr.Seddondisse:-Realmente,sr.Poirot...Poirotcortou-lheoprotesto.- Eloquência e apelos ao sentimento não salvarão a sua

cliente.Seráprecisomaisdoqueisso.-Queaconselha?-perguntousecamenteosr.Seddon.-Averdadevemsempreàtonadeágua.-Temrazão.-Masnestecasoaverdadeajudar-nos-á?-Essaobservaçãoétambémbastantemelindrosa.-Gostariaquemerespondesseaalgumasperguntas-disse

Poirot.-Nãopossogarantirquelherespondasemconsentimentoda

minhacliente.- Naturalmente. Eu compreendo isso. - Fez uma pausa e

depoisinquiriu:-ElinorCarlisleteminimigos?Osr.Seddonmostrouumalevesurpresa.-Queeusaiba,não.-AfalecidasrªWelmanfeztestamentoemqualqueralturada

suavida?-Nunca.Adiousempre.-ElinorCarlislefeztestamento?-Fez.-Recentemente?Jádepoisdamortedatia?-Sim.-Aquemdeixouafortuna?-Issoéconfidencial,sr.Poirot.Nãopossodizcr-lheissosem

oconsentimentodaminhacliente.-Entãotereideentrevistarasuacliente!-Receioquenãoseja fácil - replicouosr.Seddoncomum

sorrisofrio.

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Poirotergueu-se,dizendo:-TudoéfácilparaHerculePoirot.

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Capítulo8Oinspector-chefeMarsdenfoiamável.- Então, sr. Poirot - disse ele - vem esclarecer-me sobre

algumdosmeuscasos?-Não,não.E sóumpoucode curiosidadedaminhaparte

maisnada-exclamouPoirotcomarhumilde.-Tenhomuitoprazeremlhasatisfazer.Qualéocaso?-ElinorCarlisle.- Ah sim, a rapariga que envenenou Mary Gerrard. Vai a

julgamentodentrodequinzedias.Éumcaso interessante.E,apropósito:tambémfezomesmoàpobresenhora.Orelatóriofinalaindacánãoestá,masparecequenãohádúvida.Encontrarammorfina. É uma pessoa com extraordinário sangue-frio. Nuncamostrousinaisdeperturbaçãooucomoçãoquernomomentodeser presa, quer depois. Nunca disse nada. Mas temos muitasprovascontraela.Foielacomcerteza.

-Achaquefoiela?Marsden, um homem experiente, de aspecto bondoso,

abanouacabeçaafirmativamente.-Nãohádúvida.Pôsa“coisa”nasanduíchedecima.Éuma

hóspedacomgrandesangue-frio.- Não tem dúvidas? Não tem dúvidas absolutamente

nenhumas?- Não. Tenho absoluta certeza. É uma sensação agradável

ter-se a certeza! Gostamos tão pouco de cometer erros como osoutros. Não nos agarramos a uma convicção, como algumaspessoas julgam. Desta vez posso proceder com a consciênciaserena.

-Compreendo-dissePoirotlentamente.OhomemdaScotlandYardolhouparaelecomcuriosidade.-Háalgumacoisaemcontrário?-Porenquantonão-afirmouPoirot.-Atéagoratudooque

descobrisobreocasoindicaqueElinorCarlisleéculpada.-Evidentemente!-exclamouoinspectorMarsdencomalegre

convicção.-Gostavadeavisitar-dissePoirot.oinspectorMarsdensorriucomindulgência.

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- Se traz o último número da revista Home Secretary naalgibeira,entãovaiserfácil.

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Capítulo9-Então?-perguntouPeterLord.-Então,pouco-respondeuHerculePoirot.-Nãoconseguiudescobrirnada?Poirotdissepausadamente:- Elinor Carlisle matouMary Gerrard por ciúmes... Elinor

Carlislematouatiaparalheherdarodinheiro...ElinorCarlislematouatiaporcompaixão...Podeescolher,meuamigo!

-Estáabrincar!-exclamouPeterLord.-Estou?OrostosardentodeLordpareceuirritado.-Quequerdizercomtudoisso?-Achaqueseriapossível?-interrogouPoirot.-Achopossíveloquê?- Que Elinor Carlisle fosse incapaz de suportar diante dos

olhosadesgraçadatiaeaajudasseapôrtermoàvida.-Issoéumdisparate!-Édisparate?Vocêmesmomedissequeapobresenhoralhe

tinhapedidoqueaajudasse.- Não era a sério. Ela sabia que eu não faria semelhante

coisa.-Noentantotinhaaideianoespírito.ElinorCarlislepodia

tê-laajudado.PeterLordpasseavadeumladoparaooutro.-Nãosepodenegarqueissosejapossível-dissefinalmente.

-MasElinorCarlisleéumapessoaequilibradaelúcida.Nãocreioqueestivessetranstornadapelapiedadeapontodeperderdevistaorisco.Eteriapercebidoperfeitamentequepodiaseracusadadecrime.

-Entãoachaqueelanãofariaisso?-Achoqueumamulheropoderiafazerpelomaridooupelo

filho, ou talvez pelamãe.Masnão o faria por uma tia, emboragostasse dela. E acho que em qualquer caso só faria isso se apessoa em questão estivesse realmente sofrendo doresinsuportáveis.

-Talveztenharazão-concordouPoirotpensativo.Depoisacrescentou:

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- Acha que o sr. RoderickWelman poderia ter sido levadopelacompaixãoafazersemelhantecoisa?

- Não teria coragem para isso! - replicou Peter Lord comdesprezo.

-Nãosei-dissePoirot.-Omeuamigonãodáodevidovaloràquelerapaz.

-Bem,creioqueéinteligente,intelectual...-Sim,eésimpáticotambém...Repareinisso.-Reparou?Eununca reparei!Masouçacá,Poirot,nãohá

realmentenada?-Asminhasinvestigaçõesnãosãotãobemsucedidascomo

pensa!Vãodarsempreaomesmoponto.Ninguémlucravacomamorte deMary Gerrard, ninguém odiavaMary Gerrard - senãoElinorCarlisle.Sóhátalvezumaperguntaafazeranóspróprios.Devemosperguntartalvez:“AlguémodiavaElinorCerlisle?”

PeterLordabanouacabeçadevagar.- Que eu saiba, não... Quer dizer que alguém pode ter

preparadotudoparaelaseracusadadocrime?-Éumaideiarebuscadaenãosebaseiaemcoisaalguma...

senão,talvez,nademasiadalógicadosfactosqueaincriminam.Contouaooutroocasodacartaanónima:- Como vê - disse - isto torna possível elaborar um forte

processocontraela.Foiavisadadequepodiasercompletamentebanidadotestamentodatia-queaquelarapariga,umaestranha,podiavira ficarcomtodoodinheiro.Por isso,quandoatia,nasuafalaininteligível,pediuumadvogado,Elinornãosearriscouearranjoutudoparaapobresenhoramorrernaquelanoite!

- E Roderick Welman? Ele também perdia com isso! -exclamouPeterLord.

- Não. Esse tinha vantagem que a srª Welman fizessetestamento. Semorresse sem testamento, ele não recebia nada,lembre-sedisso.Elinoreraaparentamaispróxima.

-MaseleiacasarcomElinor!-Poissim-dissePoirot.-Maslembre-setambémquelogoa

seguir o noivado foi rompido e que ele lhemostrou claramentequequeriadesligar-sedocompromisso.

PeterLordlevouasmãosàcabeça.-Entãovoltamosoutravezaomesmo!-exclamouele.-Sim,anãoserque...

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Ficouumminutocaladoedepoiscontinuou:-Háumacoisa...-Oquê?- Uma coisa - um pedacito do quebra-cabeças que falta. É

umacoisaquedizrespeitoaMaryGerrard,tenhoacerteza.Omeu amigo ouve por aqui umas certas bibilhotices, uns

certosescândalos.Jáouviudizeralgumacoisacontraela?-ContraMaryGerrard?Contraoseucarácter,querdizer?- Qualquer coisa. Qualquer história antiga por exemplo...

Qualquer indiscriçãodaparte dela...Um indício de escândalo...Umadúvidaarespeitodasuahonestidade...Umboatomaliciosoarespeitodela...Qualquercoisa,enfim,masqualquercoisaquesejapositivamenteemdetrimentodele...

-Esperoquenãoestejaainsinuarcoisasdessa...natureza-disse Peter Lord pausadamente. - A tentar levantar coisas arespeito de uma inocente rapariga que morreu e não se podedefender...E,aliás,achoquenãotemrazãoparaofazer!

-Ela eraumaespéciedeD.Galaaz emmulher -umavidasemmácula?

-Peloquesei,era.Nuncaouvidizeroutracoisa.-Nãodevepensarqueeumexonalamaondeelanãoexiste...

-dissePoirot.-Não,nãoénadadisso.MasaenfermeiraHopkinsnãoépessoaqueescondaosseussentimentos.GostavadeMary,eháqualquercoisaarespeitodaraparigaqueelanãoquerquesesaiba,istoé,háqualquercoisacontraMaryqueelareceiaqueeudescubra.supõequenãotemnenhumarelaçãocomocrime,noentanto,estáconvencidaqueestefoicometidoporElinorCarlisle,eevidentementeotalfacto,qualquerqueseja,nãotemnadaavercomElinor.Como vê,meu amigo, é forçoso que eu saiba tudo.PorquepodeserqueMarytenhafeitomalaumaterceirapessoa,enessecaso, essa terceirapessoapodia terummotivopara lhedesejaramorte

-Mas,comcerteza,nessecaso,aenfemeiraHopkinstambémcompreenderiaisso-observouPeterLord.

- A enfermeira Hopkins é umamulher lastante inteligentedentro dos seus limites, mas o seu intelecto está longe de secomparar com omeu. Pode ser que ela não veja o queHerculePoirotveria!

-Tenhopena,masnãoseinada-dissePeterLord.

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Poirotcontinuou,pensativo:- Ted Bigland também não sabe e tem vivido sempre aqui

todaasuavida.NemasrªBishop,poissesoubessealgumacoisadesagradável a respeito da rapariga não teria sido capaz de secalar!Masenfim,háaindaumaesperança.

-Qual?-Vouencontrar-mehojecomaenfermeiraO'Brien.-Elanãosabemuitodecoisaspassadasnestessítios.Sócá

esteveummêsoudois.- Eu sei. Mas, meu amigo, a enfermeira Hopkins tem a

línguacomprida,segundomedisseram.Nãofalavanavila,ondeas suas palavras podiam prejudicar Mary Gerrard, mas duvidoquesepudessecontersemfazerpelomenosumaalusãoaoquelheestavaocupandoopensamento,aumadesconhecidaecolega!PodeserqueaenfermeiraO'Briensaibaalgumacoisa.

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Capítulo10AenfermeiraO'Brienabanouacabeçaruivaesorriucomum

sorrisoabertoparaohomembaixoqueseencontravaemfrentedela,dooutroladodamesa.

Pensou para consigo: “Que figura engraçada que ele tem!Olhosverdesdegatoeaindaporcimaéesperto,segundodisseodr.Lord.”

-Éumprazerconhecerumapessoatãocheiadeenergiaedevitalidade. Tenho a certeza de que os seus doentes devemmelhorartodos-disseHerculePoirot.

-Nãosoupessoaparamostrarcaratriste,epoucosdoentesmeusmorremporminhacausa,possodizê-lo.

- É claro que no caso da srª Welman foi um fimmisericordioso.

- Ah isso foi, coitada! - Os olhos dela assumiram umaexpressãodeespertezaquandoolhouparaPoiroteperguntou:-Ésobreissoquemequerfalar?Ouvidizerqueaiamdesenterrar...

-Nãotevequalquersuspeitanaaltura?-Nemamenor, embora realmente pudesse ter tido, coma

caraqueodr.Lordtinhanaquelamanhãeamandar-meaqui,alie acolá buscar coisas de que não precisava ! Mas apesar dissoassinouacertidão!

Poirotiaadizerqueeletinhaassuasrazõesmaselatirou-lheaspalavrasdaboca.

-Realmente tinhamotivo para as ter.Não é bomparaummédico pensar coisas e ofender a família, porque se se enganaestádesgraçadoeninguémmaisomandaráchamar.Ummédicotemdeteracerteza!

-HáahipótesedasrªWelmansetersuicidado-dissePoirot.- Ela? Ali deitada sem se poder mexer? Só podia levantar

umadasmãosemaisnada!-Alguémpodiatê-laajudado...- Ah, agora percebo o que quer dizer. Miss Carlisle, sr.

WelmanoutalvezMaryGerrard.-Erapossível,nãoacha?- Nenhum deles se atreveria! - exclamou a enfermeira

O'Brien.

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-Talveznão-admitiuPoirot.Econtinuou:- Quando foi que a enfermeira Hopkins deu pela falta do

tubodemorfina?-Foinessamanhãmesmo.“Tenhoacertezadequeotinha

aqui”,disseela.Primeiroestavamuitocerta;massabecomoelaé.Passado um bocado baralharam-se lhe as ideias e por fim jágarantiaqueotinhadeixadoemcasa.

-Emesmoentãonãosuspeitoudenada?-perguntouPoirot.-Não,nada!Claroquenuncamepassoupelacabeçaqueas

coisasnãoeramcomodeviamser.Emesmoagoraháapenasumasuspeita.

- A falta do tubonunca lhe causou a si nemà enfermeiraHopkinsummomentodepreocupação?

-Bem,nãodigoquenão...Lembro-meperfeitamentequeaideia me veio ao espírito e também ao espírito da enfermeiraHopkins,parece-me,quandoestávamosumaveznoCaféBlueTit.Vi que o pensamento passoudomeu espírito para o dela. “Nãopodetersidosenãoeutê-lodeixadonachaminédofogãoeotubocaiunocestodospapéis”,disseela.“Sim,foiassimcomcerteza!”,respondi eu; e nenhuma de nós disse o que pensava e omedocomqueestava.

-Equepensaagora?-Selheencontrammorfinahaverápoucadúvidasobrequem

tirouotaltubonemparaquefoiusado,emboraeunãoacreditequeelamandassetambémapobresenhoraparaooutromundo,atéseprovarquehámorfinanocadáver.

- Não tem a mínima dúvida de que Elinor Carlisle matouMaryGerrard?-inquiriuPoirot.

- Na minha opinião não há a mínima dúvida. Que outrapessoateriarazãooudesejodeofazer?

-Aquestãoéessa-dissePoirot.AenfermeiraO'Briencontinuoudramaticamente:- Não estava eu lá naquela noite quando a pobre senhora

queriafalarsempodereMissCarlisle lheprometeuquetudosefariaconvenientementeedeacordocomosseusdesejos?Enãovieu a cara dela a olhar paraMary quando ela umdia descia asescadas,oódioque tinhanelaestampado?Tinhavontadedeamatarnaqueleinstante!

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--EmsuaopiniãoqualarazãoporqueElinorCarlisle teriamortoasrªWelman?

- Porquê? Por causa do dinheiro, é claro. Duzentas millibras, nada menos. Era o que ganhava com isso e foi essa arazão.Éuma rapariga corajosa e inteligente, não tem receio denadaetemumespíritoforte.

-SeasrªWelmantemvividomaistempoefeitotestamento,aquemachaqueelateriadeixadoodinheiro?-perguntouPoirot.

- Não sei nada disso - disse a enfermeira O'Brien,denunciando,contudo,muitossintomasdeestarquaseadizeroquerealmentedisse.-Mas,ameuver,todoodinheiroqueaboasenhoratinhaseriaparaMaryGerrard.

-Porquê?O monossílabo simples pareceu perturbar a enfermeira

O'Brien.- Porquê? Perguntou porquê? Bem, parece-me que seria

assim.- Algumas pessoas podem dizer que Mary Gerrard tinha

jogado as suas cartas muito inteligentemente e que tinhaconseguidocativaraboasenhoraapontode fazê-laesqueceroslaçosdesangueeafeição.

-Poispodem-disseaenfermeiraO'Brienlentamente.-MaryGerrarderaumaraparigainteligenteedissimulada?-

perguntouPoirot.-Eunãoachava...Tudoquefaziaerabastantenaturalesem

segundo sentido. Não era dessas pessoas. E muitas vezes paracertascoisashárazõesquenuncasevêmasaber...

-Creio quea senhora éumapessoamuitodiscreta - disseHerculePoirot.

- Não sou pessoa para falar de coisas que não me dizemrespeito.

Observando-adeperto,Poirotcontinuou:- A senhora e a enfermeira Hopkins decidiram ambas que

haviaassuntosquenãosedevemtrazeràluz.-Quequerdizercomisso?-perguntouaenfermeira.Poirotapressou-seaexplicar:- É uma questão, quero eu dizer, que não tem nada a ver

comocrimeoucrimes.AenfermeiraO'Briendisse,abanandoacabeça.

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-Dequeservedesenterrarumavelhahistória,seelaeraumasenhoradeidade,honesta,semumasombradeescândaloàsuaroda,equemorreurespeitadaeconsideradaportodos?

HerculePoirotmoveuacabeçaconcordando.-ComoacabadedizerasrªWelmaneramuitorespeitadaem

Maidnsford.Aconversatinhatomadoumrumoinesperado,masorosto

delenãoexprimiasurpresanemarintrigado.AenfermeiraO'Briencontinuou:-Foihátantotempojá!Todosmorrerameforamesquecidos.

Eutenhoumcoraçãosensívelaromances,edigo,esempredisse,queédifícilparaumhomemquetemamulhernummanicómioestarpresotodaasuavida,sóamorteopodendolibertar.

-Sim,édifícil...-dissePoirot,desnorteado.-A enfermeiraHopkinsdisse-lhe que a carta dela se tinha

cruzadocomaminha?-Nãomedisseisso.- Foi uma coincidência curiosa.Mashá coisas assim.Hoje

ouve-se um nome, um ou dois dias depois voltamos a depararcomeleedepoisoutravezeoutra.Assim,euviatalfotografiaemcimadopianonamesmaocasião emquea enfermeiraHopkinsestavaaouvirtudodabocadagovernantadomédico.

-Issoémuitocurioso.Eexclamoutentadoramente:-MaryGerrardsabiadisso?-Queméquelheiadizer?Nãoeu,eaHopkinstambémnão.

Aliásdequelheserviasaber?Levantouacabeçaruivaeolhouparaeledefrente:Poirotdissecomumsuspiro:-Sim,realmentedequelheservia?

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Capítulo11ElinorCarlisle...DooutroladodamesaqueosseparavaPoirotolhouparaela

inquisitorialmente.Estavamosdoissozinhos.Atravésdeumaparededevidro,

umguardaobservava-os.Poirotreparounorostodelicadoeinteligentecomumatesta

branca,larga,enosuavecontornodasorelhasedonariz.Belaslinhas; uma pessoa sensível e orgulhosa, revelando educação,auto-domínioe-algumacoisamais-capacidadedepaixão.

Poirotapresentou-se:- SouHercule Poirot. Fui enviado aqui peloDr. Peter Lord

queachaquelhepossoserútil.-PeterLord...-murmurouElinorCarlisle.Oseutomerade

quemserecorda.Porummomentosorriucomumsorrisoparado.Depoiscontinuou:-Elefoimuitoamável,masachoqueosenhornãopoderáfazernada.

- Importa-sede responderàsminhasperguntas? - inquiriuPoirot.

- Creia que realmente era melhor não as fazer - disse elasuspirando. - Estou bem entregue. O sr. Seddon tem sidomuitíssimoamável.Vouterumadvogadomuitocélebre.

-Nãoétãocélebrecomoeu!-dissePoirot.ElinorCarlisleteveummovimentodeenfado:-Temmuitafama-disseela.- Sim, de defender criminosos. Eu tenho muita fama, de

provarainocência.Ela levantou finalmente os olhos - olhos deum lindo azul

intenso,mergulhou-osnosdePoiroteperguntou:-Acreditaqueestouinocente?-Eestárealmente?Elasorriucomumsorrisozinhoirónico.- São desse género as suas perguntas? Émuito fácil dizer

quesim,nãoacha?- Está muito cansada, não está? - perguntou ele

inesperadamente.Elaabriumuitoosolhos,umtantoadmirada,erespondeu:

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-Estousim.Comosabe?-Calculei...-Ficareicontentequandoistoacabar-disseElinor.Poirotolhouparaelauminstanteemsilêncioedepoisdisse:

-Estivecomoseu...primo.Possodesignarassimosr.Welman,porconveniência?

Aorostopálidoeorgulhososubiulentamenteacor.Percebeu logo que uma das suas perguntas estava

respondidamesmosemafazer.- Esteve com Roddy? - perguntou ela e a voz tremeu-lhe

ligeiramente.-Estáafazertudooquepodeporsi-dissePoirot.-Eusei.Avozdelaerabruscaesuave.-Eleépobreourico?-perguntouPoirot.-Roddy?Nãotemmuitodinheiro,não.-Eéextravagante?- Nenhum de nós deu nunca importância ao dinheiro.

Sabíamosqueumdia...Calou-se.-Contavamcomaherança?Issoécompreensível-retorquiu

Poirot.Econtinuou:-Nãoseisesoubeoresultadodaautópsiadocadáverdasua

tia?Morreuenvenenadacommorfina.-Eunãoamatei-disseElinorCarlislefriamente.-Eajudou-aamatar-se?-Seaajudei...?Ah,compreendo.Não,nãoajudei.-Sabiaqueasuatianãotinhafeitotestamento?-Não,nãofaziaideia.A voz dele era igual, monótona. As respostas mecânicas,

desinteressadas.-Easenhorafeztestamento?-Fiz.-Fê-lonodiaemqueodr.Lordlhefalounisso?-Foi.Denovoumarápidaondadecorlhesubiuaorosto.-Aquemdeixouasuafortuna,MissCarlisle?- Deixei tudo a Roddy, a Roderick Welman- respondeu

Page 132: Agatha christie - cipreste triste

Elianorcalmamente.-Elesabe?-Não.-Nãodiscutiuoassuntocomele?- Claro que não. Teria ficado horrivelmente atrapalhado e

desagradar-lhe-iamuitooqueeuiafazer.-Quemmaisconheceoconteúdodoseutestamento?-Sóosr.Seddoneosseusempregados,creio.-Foiosr.Seddonquemlheredigiuotestamento?-Foi.Escrevi-lhenaquelamesmanoite, isto é, nanoite do

diaemqueodr.Lordmefalounisso.-Pôsasenhoramesmaacartanocorreio?-Não.Foiparaacaixadecorreiodacasajuntamentecomas

outrascartas.- Escreveu-a, meteu-a no sobrescrito, selou-a, fechou-a e

deitou-ana caixa, foi assim?Não fez umapausa para reflectir?Paraareler?

- Sim, reli-a - disse Elinor olhando para ele fixamente: -Depoisfuiprocurarselos,equandovimcomeles,reliacartaparamecertificarsetinhaditoclaramenteoquequeria.

-Estavaalguémnoquartoconsigo?-SóRoddy.-Elesabiaoqueasenhoraestavaafazer?-Jálhedissequenão.-Podiaalguémter lidoacartaenquantoestavaausenteda

sala?-âNãosei...Umdoscriados,éissoquequerdizer?Creioque

podiamtê-lofeitoseporacasoentrassemalienquantoeulánãoestava.

-Eantesdosr.RoderickWelmanentrar...-Sim.-Eelepodetê-lalidotambém,não?-dissePoirot.AvozdeElinoreraclaraedesdenhosaaodizer:-Possogarantir-lhe,sr.Poirotqueomeu“primo”,comolhe

chama,nãolêascartasalheias.-Euseiqueéessaaidciageralmenteaceite,masasenhora

ficariaadmiradadaquantidadedepessoasquefazemoquenãodevemfazer.

Elinorencolheuosombros.

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-FoinessediaquelhcveiopelaprimeiravezaideiadematarMaryGerrard?-perguntouPoirotnumtomcasual.

PelaterceiravezoruboraflorouaorostodeElinorCarlisle.Destavezfoiumruborescaldante:

-PeterLordcontou-lheisso?-Foinessaaltura,nãofoi?Quandoolhoupelajanelaeaviu

afazertestamento?Foientão,nãofoi,quepensouqueengraçadoseria-equevantajoso-seMaryGerrardmorresse...

-Elepercebeu...olhouparamimepercebeu...-murmurouElinor.

- O dr. Lord percebe muita coisa... Não é tolo nenhum,aquelerapazderostosardentoecabeloruço...

-Éverdadequeomandoupara...parameajudar?¿-Éverdade,sim,minhasenhora.Elasuspirou.-Nãocompreendo.Não,realmentenãocompreendo.-Ouça,MissCarlisle.Éprecisoquemedigaexactamenteo

queaconteceunodia em rueMaryGerrardmorreu: onde foi, oquefez,emaisainda,querosabertambémoquepensou.

Ela olhou para ele. Depois, lentamente, um estranho eligeirosorrisoaflorou-lheaoslábios.

-Osenhordeveserumhomemincrivelmentesimples.Nãovêquefácilmeémentir-lhe?

-Nãofazmal-disseplacidamenteHerculePoirot.Elaficouintrigada.-Nãofazmal?-Não,porqueasmentirasdizemaointerlocutortantocomo

as verdades. às vezes até dizem mais. Comece. Encontrou agovernanta, a srª Bishop. Ela quis ir ajudá-la e não lheconsentiu.Porquê?

-Queriaestarsó.-Porquê?-Porquê?Porquê?Porquequeria...pensar.-Queriapensar,estábem.Equefezemseguida?Elinor de queixo levantado com uma expressão de desafio

respondeu:-Compreiumasconservasparafazersanduíches.-Doisboiões.-Sim.

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-EfoiparaHunterbury.Quefezlá?-Subiaoquartodaminhatiaecomeceiasepararascoisas

dela.-Queéqueencontrou?- Que é que encontrei? - ela franziu a testa. - Roupas...

cartas...fotografias...jóias.-Nadadesecreto?-perguntouPoirot.-Secreto?Nãoocompreendo.Elinorcontinuou:-Desciàcopaefizassanduíches...-Equepensou?-inqUiriusuavementePoirot.Osolhosazuisdelafaiscaramderepente.-PenseinaminhahomónimaLeonordeAquitânia...-Compreendo-dissePoirot.-Compreende?-Sim.Seiahistória.EladeuaescolheràBelaRosamunda

um punhal ou uma taça de veneno, não é assim? Rosamundescolheuoveneno...

Elinornãodissenada.Ficoubranca.-Masdestaveznãohaveriaescolha...Continueedepois?-Pusassanduíchesprontasnumpratoedirigi-meàcasado

guarda.AenfermeiraHopkinsestavalácomMary.Disse-lhesquetinhasanduíchesláemcasa.

Poirotqueestavaaobservá-ladissesuavemente:-Sim,evieramtodasparaacasagrandeaomesmotempo,

nãofoi?-Foi.Comemosassanduíchesnasaladeentrada.-Sim,sim...sempreemsonho...Edepois...- Depois? - Ela ficou a olhar para ele. -Mary ficou de pé,

próximodajanelaeeufuiparaacopa.Estavaainda,comodiz,emsonho...Aenfermeiraestavaláalavaraloiça...

Dei-lheoboiãodaconserva.-Sim.Equesucedeuentão?Emquepensoudepois?Elinordissesonhadoramente:-Aenfermeiratinhaumsinalnopulso.Referi-meaele e ela disse que fora um espinho da roseira que ficava

junto da casa do guarda. A roseira junto da casa do guarda...Roddyeeutivemosumavezumaquestão-hámuitotempo-aGuerra das Rosas. Eu era Lancaster e ele York. Ele gostava de

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rosas brancas. Eu disse que não eram verdadeiras, que nemsequer cheiravam! Eu gostava de rosas vermelhas grandes,escuras e aveludadas, cheirando a Verão... Discutimos muitopatetamente.Recordei-medistotudo,compreende...alinacopa,ealguma coisa... alguma coisa se extinguiu... O ódio negro quetinha no coração desapareceu ao recordar os tempos em quebrincávamosjuntosemcrianças.JánãoodiavaMary.Nãoqueriaqueelamorresse...

Calou-se.- Mas mais tarde, quando voltámos à sala e ela estava a

morrer...Deteve-se.Poirotolhouparaelacommuitainsistênciaeela

corou.-Vaiperguntar-meoutravezsemateiMaryGerrard?Poirotpôs-sedepéedisserapidamente:-Nãolhevouperguntarmaisnada.Hácoisasquenãoquero

saber...

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Capítulo12Odr.Lordfoiàestaçãoesperarocomboiocomotinhaficado

combinado.HerculePoirotvinhanele.Tinhaumaspectomuitolondrino

etraziasapatosdecabedalcompontacomprida.PeterLordobservou-lheorostoansiosamente,masHercule

Poirotnãodenunciavanada.- Fiz o possível para obter respostas às suas perguntas -

dissePeterLord-PrimeiroMaryGerrardsaiudaquiparaLondresno dia 10 de Julho. Segundo, não tenho governanta - duasraparigasdecarasrisonhastratam-medacasa.Creioquesedeverefe:ir à srª Slattery que foi governanta de Ransome (o meuantecessor).Possolevá-loláestamanhã,sequiser.Combineicomelaparaestaremcasa.

-Poissim,tambémpodeser,irvê-lajá...-dissePoirot.- Além disso parece-me que queria ir aHunterbury, não?

Possoirconsigo.Admiro-mequeaindalánãotenhaestado.Nãopercebo porque lá não foi quando cá esteve da primeira vez.Julgavaqueaprimeiracoisaafazernumcasodesteseravisitarolocalondeocorreuocrime.

Inclinando umpouco a cabeça para o lado,Hercule Poirotperguntou:

-Porquê?-Porquê?-PeterLordficouumpoucodesconcertadocoma

pergunta.-Nãoéoquesecostumafazer?- O trabalho de investigar não se faz commanual! - disse

HerculePoirot.-Bastaanossainteligêncianatural.-Podiaencontrarláqualquerchave-sugeriuPeterLord.Poirotsuspirou:- Lê demasiada literatura policial. A polícia deste país é

admirável, e não tenho dúvida nenhuma de que fizerampesquisasmuitocuidadosasemtodaacasaearredores.

- à procura de provas contra Elinor Carlisle, não provas afavordela.

Poirotsuspiroudenovo:-Meuamigo,apolícianãoéummonstro!ElinorCarlislefoi

presaporqueseencontraramprovassuficientesparaseinstaurar

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um processo contra ela, um processo muito forte, diga-se averdade.Erainútiliraolocalondeapolíciajátinhaestado.

-Masentãoeagoraquerláir?-objectouPeterLord.HerculePoirotfezumsinalafirmativo.-Sim,agoraépreciso.Porqueagoraseiexactamenteoque

vouinvestigar.Antesdeusarosolhosdevemoscompreendercomascircunvolaçõescerebrais.

-Entãoachaquepodeaindaláencontraralgumacoisa?-Tenhoaimpressãodequeaindaláencontraremosalguma

coisa,éverdade.-AlgumacoisaqueproveainocêncideElinor.-Nãodigoisso.PeterLordexclamouderepente.-Querdizerqueaindapensaqueéculpada?- Tem de esperar, meu amigo, primeiro que receba uma

respostaaessapergunta-dissePoirotgravemente.Poirotalmoçoucomomédiconumaagradávelsalaquadrada

comumajanelaabertaparaojardim.- Conseguiu tirar da velha Slattery o que queria? -

perguntouLord.-Consegui-dissePoirot.-Queéqueosenhorqueriadela?- Conversa! Falar de coisas passadas. Alguns crimes têm

raízesnopassado.Parece-mequeesteteve.-Nãoperceboumapalavra do que está a dizer - exclamou

PeterLordirritado.Poirotsorriuecomentou:-Estepeixeestádeliciosamentefresco.- Com certeza - disse Lord impaciente. - Apanhei-o esta

manhãantesdopequenoalmoço.Ouça cá,Poirot, podedar-meuma ideia do que está a insinuar? Porquê ocultar-me qualquercoisa?

-Porque,porenquanto,ascoisasnãoestãoclaras.EsbarrosemprecomofactodequenãohavianinguémquetivessemotivoparaamatarMaryGerrard,senãoElinorCarlisle.

- Não pode ter a certeza disso - objectou Peter Lord - Elaestevebastantetemponoestrangeiro.

-Sim,eusei,fizinquéritos.-OsenhorestevenaAlemanha?

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- Eu próprio, não. - Com uma ligeira gargalhadaacrescentou:-Tenhoosmeusespiões!

-Podeconfiarnoutraspessoas?-Evidentemente.Eunãoposso andar a correr deum lado

paraooutro,afazer,comoamador,coisasqueporumapequenaquantiaalguémpodefazercomproficiênciadeespecialista.Possogarantir-lhe, meu caro, que tenho vários ferros no fogo. Tenhoalgunsassistentesúlteis-umdelesumantigosalteador.

-Paraqueoutiliza?-Aúltimacoisaparaqueoutilizeifoiparaumabuscamuito

minuciosanoapartamentodosr.Welman.-Quefoieleláprocurar?- Gosta-se sempre de saber exactamente quementiras nos

disseram-observouPoirot.-Welmandisse-lhealgumamentira?-Decididamente.-Quemmaislhementiu?- Toda a gente parece-me: a enfermeira O'Brien

romanticamente; a enfcrmeira Hopkins teimosamente; a srªBishopverrinosamente.Evocêpróprio...

-MeuDeus!-interrompeu-oPeterLord,semcerimónia.-Estárealmenteapensarquelhementi?-Aindanão-admitiuPoirot.PeterLordrecostou-separatrásnacadeira.-Vocêéincrédulo,Poirot!Depoisdisse:-Se,jáacabou,podemosiraHuntebury,nãoacha?Tenho

doentesaveretratamentosafazer,depois.-Estouaoseudispormeuamigo.Foramapéeentraramnacercapelocaminhodastraseiras.Nomeio encontraramum rapaz alto e com bom aspecto a

empurrarumcarrodemão.Tirourespeitosamenteobonéaodr.Lord.

-Bomdia,Horlick.Esteéo jardineiroHorlick.Estavacáatrabalharnaquelamanhã.

-Estavasimsenhor -confirmouHorlick. -ViMissCarlislenessamanhãefaleicomela.

-Oqueéqueelalhedisse?-perguntouPoirot.- Disse-me que a casa estava, a bem dizer, vendida, e isso

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afligiu-me bastante; mas Miss Elinor prometeu que ia falar demimaomajorSomewellequetalvezelemedeixasseficar-senãomeachassemuitonovopara jardineiro-chefe - tendoemvistaapráticaquearranjeiaquiatrabalharcomosr.Stephens.

- Pareceu-lhe que ela estava como de costume, Horlick? -perguntouodr.Lord.

-Sim,sómepareceuumpoucoexcitadacomose...comosetiveisealgumacoisanaideia.

-ConheciaMaryGerrard?-perguntouHerculePoirot.-Sim,senhor.Masnãomuitobem.-Comoeraela?Horlickpareceuatrapalhado.-Querdizer,comoeraelaàvista?- Não, não é bem isso. Quero dizer que espécie de pessoa

era? - Bem, era uma rapariga assim... com um ar superior, emuito bem falante. Tinha-se na conta, como hei-de dizer... degrandepessoa.Jásabe,asrªWelmantrazia-anaspalminhas.Opaidelairritava-secomisso.Pareciaumleãonajaula.

- Pelo que ouço dizer, o velho tinha muito mau génio -observouPoirot.

-Sim,issotinha.Semprearesmungarea implicar.Nuncatinhaumapalavradelicadaparaninguém.

- Você estava cá naquela manhã. Em que sítio mais oumenosandavaatrabalhar?-perguntouPoirot.

-Nahorta.-Delánãosevêacasa?-Não,senhor.- Se alguém se tivesse aproximado da casa e viesse até à

janeladacopanãoteriavisto?-dissePeterLord.-Não,senhor.-Quandofoialmoçar?-perguntouPeterLord.-Aumahora.- E não viu nada... nenhum homem por aí... ou um

automóvelláforanadadisso?Ohomemabriumuitoosolhosmostrandocertasurpresa.-Emfrentedoportãodetrás?Estavalásóoseucarro.-Omeucarro?-exclamouPeterLord.-Nãoeraomeucarro

comcerteza!EufuiaWithenburynessamanhã,esóvolteidepoisdasduashoras.

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Horlickpareceuatrapalhado.-Tenhoacertezaqueeraoseucarro-afirmouelehesitando.-Estábem,nãotemimportância.Bomdia,Horlick.Poirot e Lord continuaram. Horlick ficou a vê-los um

momentoedepoisseguiulentamenteoseucaminhocomocarrodemão.

PeterLordexclamoucomgrandeentusiasmo:-Finalmente,umapista.Dequemseriaocarroparadoaqui

naquelamanhã?-Quemarcaéoseucarro,meuamigo?-inquiriuPoirot.-UmFord,verde-escuro.Hámuitos,éclaro.-Etemacertezaquenãoeraoseu?Nãoseenganounodia?-Acertezaabsoluta.EstiveemWhitenbury,regresseitarde,

almoceiqualquercoisaefoientãoquemechamaramporcausadeMaryGerrard,evimacorrer.

- Então, meu amigo, parece que encontrámos finalmenteumacoisatangível.

- Esteve aqui alguém naquela manhã... alguém além deElinorCarlisle,MaryGerrardeaenfermeiraHopkins...

- Isso é curioso - disse Poirot. - Venha, procedamos àsinvestigações.Vejamos,porexemplo,supondoqueohomem(oumulher)queriaaproximar-sedacasasemservisto,que faria?Ameio do caminho havia um carreiro que atravessava unsarbustos.Meteramporalie,acertaaltura,PeterLordagarrouobraçodePoiroteapontouparaumajanela.

-AliestáajaneladacopaondeElinorCarlisleesteveafazerassanduíches.

Poirotconcluiu:- E daqui, qualquer pessoa podia vê-la a fazê-las. A janela

estavaaberta,sebemmelembro.-Estavaabertadeparempar-dissePeterLord.-Lembre-se

queeraumdiademuitocalor.HerculePoirotreflectiu:- Se alguém quisesse observar o que se passava, sem ser

visto,daquiseriaumbomlocal.OsdoishomensconsideraramahipóteseePeterLorddisse:-Háaquiumbomlocal,atrásdestesarbustos.Ehásinais

de pés. A erva já cresceu outra vez mas podem ainda ver-sebastantebem.

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Poirotfoiparajuntodeleedissereflectindo:-Sim,éumbomlocal.Nãosevêdocaminho,eestaabertura

nasebedeixaverbemajanela.E,então,quefezonossoamigoqueesteveaqui?Fumou,talvez?

Baixaram-se, examinandoosoloeafastandoas folhaseosramos.

Derepente,HerculePoirotsoltouumaexclamação.PeterLordinterrompeuasuaprópriabusca.-Queé?-Umacaixade fósforos,meuamigo.Umacaixade fósforos

vaziaenterradanosolo,molhadaedeteriorada.Pegounoobjectocomcuidadoedelicadeza,eapresentou-o

porfimsobreumafolhadepapelquetiroudaalgibeira.- É estrangeira. Meu Deus! Fósforos alemãaes! - exclamou

PeterLord.-EMaryGerrardtinhavindorecentementedaAlemanha!-Temosfinalmentequalquercoisa!Nãopodenegá-lo-disse

PeterLordexultante.-Talvez...-admitiuHerculePoirotsementusiasmo.-Masco'osdiabos,homem!Queméquehaviadeterfósforos

estrangeiros,porestessítios?-Bemsei,bemsei-disseHerculePoirot.Os seus olhos perplexos dirigiram-se da abertura na sebe

paraajanela.-Nãoétãosimplescomopensa-disseele.-Háumagrande

dificuldade.Nãoestáavê-la?-Oqueé?Diga-me.Poirotsuspirou.-Senãoestáavê-la...Masvenha,continuemos.Continuaram até à casa. Peter Lord abriu a porta de trás

comumachave.Seguiu à frente até à cozinha passando por um corredor

ondehaviaumbengaleirodeumladoeumacopadooutro.Nacopaosdoishomensolharamàvolta.Tinhaoscostumadosarmárioscomportasdecorrerparaos

vidros e as louças. Havia um fogão de gás e duas cafeteiras, enumaprateleira,latasondeseliacháecafé.

Havia um lavadouro, um suporte de loiça e umamesa emfrentedajanela.

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PeterLordexplicou:-FoinestamesaqueElinorCarlislefezassanduíches.O fragmento do rótulo de morfina foi encontrado nesta

frinchadochão,porbaixodolavadouro.- As buscas da polícia são muito cuidadosas. Quase nada

lhesescapa-comentouPoirot.PeterLordcomeçouaargumentarviolentamente:- Não há provas que Elinor tivesse tido o tubo nas mãos!

Alguémaestavaaobservardaquelasebealém.Digo-lhoeu.Elafoiàcasadoguardaeessapessoaviuaoportunidadee

introduziu-se aqui, desrolhou o tubo, reduziu algunscomprimidosdemorfinaapóepô-lossobreasanduíchedecima.Não reparou que tinha rasgadoumpedaçodo rótulo do tubo equeesteseintroduziranafrincha.Afastou-serapidamcnte,pôsocarroemmarchaepartiu.

Poirotsuspirou.-Masvocênãocompreende,homem!Éextraordinárioquão

obtusoumhomeminteligentepodeser.-Querdizerquenãoacreditaquealguémestivessenaquela

sebeaobservarestajanela?-perguntouPeterLordirritado.-Sim,acredito...-condescendeuPoirot.-Entãotemosdedescobrirquemfoi!-Nãoprecisamosdeirlonge,parece-me.-Querdizerquesabe?-Tenhoumaideiavaga.- Então os seus ajudantes que fizeram averiguações na

Alemanhatrouxeram-lhealgunselementos...- Está tudo aqui na minha cabeça, meu amigo - disse

Hercule Poirot, batendo na testa. - Venha, passemos revista àcasa.

Estavam finalmente na sala onde Mary Gerrard tinhamorrido.

A casa tinha uma estranha atmosfera: parecia viver derecordaçõesepresságios.

PeterLordabriuumadasjanelaseexclamoucomumligeiroarrepio:

-Estacasapareceumtúmulo...-Seasparedes falassem... -dissePoirot. -Estáaqui tudo,

tudo,nestacasa-oprincípiodetodaahistória.

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Fezumapausaedepoiscontinuou:-FoiaquinestasalaquemorreuMaryGerrard.- Encontraram-na sentada ali, naquela poltrona, ao pé da

janela...-esclareceuPeterLord.HerculePoirotdissepensativo.-Umaraparigabonita,romântica.Fezprojectosouintrigas?

Eraumapessoaenfatuadaquesedavaares?Erasuaveemeiga,nãopensandoemfazerintrigas...umajovemnocomeçodavida...umaraparigaqueeraumaflor...?

-Fosseoquefosse-dissePeterLord.-Ninguémquisqueelamorresse.

-Pensose...-começouHerculePoirot.Lordolhouparaelefixamente:-Quequerdizer?Poirotabanouacabeça.-Aindanão.-Jápassámosrevistaàcasatoda.Jávimostudooquehavia

paraveraqui.Vamosagoraàcasadoguarda.Estava também tudo em ordem: as casas com pó, mas

arrumadas, e sem objectos de uso pessoal. Os dois homensdemoraram-se ali apenas alguns minutos. Ao saírem Poirotmexeunasfolhasdeumaroseiraquehaviaperto.Asrosaseramvermelhasecheiravammuitobem.

- Sabe o nome desta roseira? É Zephyrine Drouhin, meuamigo-exclamouPoirot.

-Queinteressaisso?-dissePeterLordirritado.HerculePoirotexplicou:- Quando estive com Elinor Carlisle ela falou-me de umas

rosas.Foientãoquecomeceiaver,nãoumaluzclara,masofracolampejodeluzqueseobservanumcomboioquandoseestáquasea chegar ao fim de um túnel. Não é bem a luz do dia mas apromessadessaluz.

-Quelhedisseela?-perguntouàsperamentePeterLord.-Falou-medasuainfância,debrincaraquineste jardim,e

como ela e Roderick Welman constituíam partidos diferentes.Eram inimigos porque ele preferia a rosa brancade York, fria eaustera,eela,segundomedisse,adoravarosasvermelhas,arosavermelha de Lancaster. Rosas vermelhas que têm cheiro e cor,paixão e calor. E é essa a diferença entre Elinor Carlisle e

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RoderickWelman,meuamigo.-Eissoexplicaalgumacoisa?-dissePeterLord.- Explica Elinor Carlisle - que é apaixonada e orgulhosa e

que amava desesperadamente umhomem que era incapaz de aamar...

-Nãoocompreendo...-dissePeterLord.- Mas eu compreendo-a... Compreendo-os a ambos. Agora,

meu amigo, vamos outra vez àquela pequena clareira entre osarbustos.

Foram.O rostosardentodePeterLordestavaperturbadoezangado.

Quandochegaramaolocal,Poirotficouimóvelalgumtempo,ePeterLordobservava-o.

Derepenteodetectivedeuumsuspirodeaborrecimento.-Érealmentetãosimples-disseele.-Omeuamigonãovêo

erro fatal do seu raciocínio? Segundo a sua teoria, alguém,possivelmenteumhomemquetivesseconhecidoMaryGerrardnaAlemanha veio aqui no propósito de amatar. Mas veja, amigo,veja!Useosolhosquetemnacara, jáqueosdoespíritoparecequenãolheservem.Quevêdaqui:umajanela,nãoé?Eàjanela-uma rapariga. Uma rapariga a fazer sanduíches! Isto é, ElinorCarlisle.Maspenseumminutonoseguinte:QueméquehaviadedizeraoobservadorqueaquelassanduíchesiamseroferecidasaMary Gerrard? Ninguém sabia isso senão a própria ElinorCarlisle - mais ninguém! Nem mesmo Mary Gerrard, nem aenfermeiraHopkins.Portanto,eisoqueacontece:Seumhomemestivesseaquiaobservar,sedepoissedirigisseàjanela,saltasseparadentroetocassenassanduíches,quepensavaele?Pensava,devia pensar, que as sanduíches iam ser comidas por ElinorCarlisle...

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Capítulo13PoirotbateuàportadacasadaenfermeiraHopkins.Estaabriu-lhacomabocacheiadebolo.-Quemaisquer,sr.Poirot?-perguntouelasacudidamente.-Possoentrar?Com certa má vontade a enfermeira Hopkins afastou-se e

permitiuquePoirotentrasse.Demonstrou-lheasuahospitalidadeoferecendo-lhe chá, e, um minuto depois Poirot olhava com ardesconsoladoparaumachávenadeumabebidaescura.

-Acabadodefazer,estáquenteeforte!-disseela.Poirotmexeucuidadosamenteo chá e sorveuheroicamente

umgole.-Fazalgumaideiadoquemetrazcá?-perguntouele.-Nãopossosaberaocertosemosenhormedizer.Nãotenho

pretensõesdelernosespíritosalheios.-Vimpedir-lhequemeconteaverdade.AenfermeiraHopkinslevantou-secolerica:- Que quer dizer com isso, posso saber? Sempre falei

verdade. Não sou pessoa para usar disfarces. Declareifrancamentenoinquéritoodesaparecimentodotubodemorfinaquando muitas no meu lugar teriam ficado impávidas e nãoteriam dito nada. E no entanto eu sabia muito bem que seriacensurada pela falta de cuidado em deixar aminhamaleta poraqui e por ali; e todavia é uma coisa que pode acontecer aqualquerpessoa!Fuicensuradapor isso-oquenãoserámuitobomparamimnaminhaprofissão,possogarantir-lhe.Masnãomeimporteicomisso!Sabiaalgumascoisasqueserelacionavamcomocasoedeclarei-o.Agradeço-lhe,sr.Poirot,queguardeparasi as insinuações mas s! nada há acerca da morte de MaryGerrardsobrequeeunãotenhasidoclaraefrancacomoaluzdodia,eseosenhorpensademaneiradiferenteagradecia-lhequeseexplicasse. Não escondi nada. absolutamente nada! E estoupronta a prestar juramento e apresentar-meno tribunal para odeclarar.

Poirotnãotentouinterromper.Sabiamuitobematécnicadelidarcomumamulherzangada.Deixou-airritar-seerecuperaracalma.Depoisfalou-lhesuavemente:

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-Nãoestouainsinuarquehajaqualquercoisasobreocrimequeasenhoranãotivessedito.

-Entãoqueestáainsinuar,possosaber?-Pedi-lhequecontasseaverdade-Nãoacercadamortemas

acercadavidadeMaryGerrard.-Ah!-AenfermeiraHopkinspareceudesúbitoembaraçada.

-Comq1eentãoéaíquequerchegar?Masissonãotemnadaavercomocrime.

-Eunãodisseque tinha.Dissequea senhora se estavaanegaradarinformaçõessobreela.

- Por que não, se nada tem a ver com o crime - Poirotencolheuosombros.

-Eporquesehá-derecusar...?-Porqueédamaiscomumdecência!-exclamouaenfermeira

Hopkinscomorostomuitovermelho.-Jámorreramaspessoas,todasaspessoasaquemocasodizia respeito.Eninguémmaistemnadacomisso!

- Se são apenas conjecturas, talvez não. Mas se saberealmenteaverdadeédiferente.

-Nãoseibemoquequerdizer...Poirotofereceu:- Eu ajudo-a. Notei umas alusões da enfermeira O'Brien e

tiveumalongaconversacomasrªSlatteryquetemumaexcelentememóriaparaacontecimentosquesepassaramhámaisdevinteanos.Voudizer-lhe exactamenteoquesoube.Hámaisde vinteanoshouveumcasodeamorentreduaspessoas.UmadelaseraasrLWelman,viúvaháanosequeeraumamulhercapazdeumamor profundo e apaixonado. A outra pessoa era Sir LewisRycroft que tinhaa grande infelicidadede ser casado comumamulher que estava loucasem cura possível. A lei naquele temponãoadmitiaahipótesedeliberdadepelodivórcioeasrªRycroftcuja saúde física era excelente podia viver até aos noventa. Aligaçãoentreestasduaspessoasfoi,creio,suspeitada,maseramambos discretos e cuidadosos emmanter as aparências.DepoisSirLewisRycroftmorreunaguerra.

-Equemais?-disseaenfermeiraHopkins.-Suponho-dissePoirot-quenasceuumacriançadepoisda

mortedeleequeessacriançaeraMaryGerrard.-Parece-mequesabetudooqueháasaber!-exclamouela.

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- Tambémme parece.Mas é possível que a senhora tenhaumaprovadefinitivadequeascoisassãoassim.

A enfermeira Hopkins ficou um momento sentada emsilêncio, franzindo a testa, depois abruptamente levantou-se,atravessouoquarto,abriuumagavetaetirouumsobrescritoqueentregouaPoirot.

- Já lhe digo como issome veio ter àsmãos. Eu tinha asminhas suspeitas. Por um lado a maneira como a srª Welmanolhavaparaa rapariga,eporoutrooqueouviamurmurar.EovelhoGerrarddisse-mequandoestavadoentequeMarynãoerafilhadele.

“Depois da morte de Mary acabei de arrumar a casa doguarda, e numa gaveta, entre outras coisas do velho, encontreiessacarta.Leiaoquediz.

Poirot leu o que estava escrito no topo, a tinta muitodesvanecida:ParaMary-paralheserentreguedepoisdaminhamorte.

-Estepapelnãoérecente!-observouPoirot.-NãofoiGerrardquemoescreveu-explicouela.-Foiamãe

deMary, quemorreu há catorze anos. Destinava-se à rapariga,masovelhoconservou-aentreassuascoisaseporissoelanuncaachegouaver-eaindabemquenãoviu!Pôdeandarsempredecabeçalevantada,enãoteverazãoparasesentirenvergonhada.

Fezumapausaecontinuou:-Estavaselada,masquandoaencontreiconfesso-lhequea

abrieli,logonaqueleinstante,oque,diga-se,nãodeviaterfeito.MasMary tinhamorrido, eu calculavamais oumenos o que acarta dizia, e pensei que não interessasse a mais ninguém.Contudo,nãomeagradoudestruí-la,porqueacheiquetalveznãofossebomfazerisso.Masaítem,émelhorlê-laosenhor.

Poirot leu a folha de papel escrita numa letra pequena eangulosa:

O que aqvi fica escrito é a verdade, caso ela venha a serprecisa.

EueracriadadequartodaSrªWelmanemHunterbury,eelaera muito boa para mim. Aconteceu-me uma desgraça, e elaamparou-me e retomou-meao seu serviçoquando tudoacabou;masacriançamorreu.AminhasenhoraeSirRycroftgostavamumdooutro,masnãopodiamcasar,porqueelejáeracasadoea

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mulherestavanummanicómio.EraumsenhormuitodistintoededicadoàSrªWelman.

Morreu e ela disse-me pouco depois que ia ter um filho.DepoisfoiparaaEscóciaelevou-meconsigo.Acriançanasceulá-emArdlochrie.BobGcrrard,quemetinhaviradoascostaseguemeabandonouquandoeuestavaemdificuldades,começououtravezaescrever-me.

Combinou-sequecasariamos,viveríamosnacasadoguardaeelejulgariaqueacriançaeraminha.Vivendoali,serianaturalqueaSrªWelmanse interessassepelacriança,cuidassedasuaeducaçãoelhedesseumfuturo.ElaachouqueseriamelhorparaMary nunca saber a verdade. A Srª Welman deu-nos uma boaquantia em dinheiro;mas eu tê-la-ia ajudadomesmo sem isso.FuibastantefelizcomBob,maselenuncagostoudeMary.Calei-me sempre enuncadissenada aninguém,mas acho quedevoescreveristoparaocasodeeumorrer.

ElizaGerrard(desolteiraElizaRiley)HerculePoirotrespiroufundoedobrouacarta.- Que vai fazer com isso? - perguntou ansiosamente a

enfermeira Hopkins. - Já morreram todos ! Não serve de nadarevolver essas coisas.Todaagentenestes sítios respeitavaa srªWelman; nunca se disse nada dela. Todo esse escândalo antigoseria cruel. E o mesmo sucede com Mary. Era uma raparigaadorável.Porquehá-detodaagentesaberqueerafilhailegítima?Deixemosdescansarosmortoséoquelhedigo.

-Temdesepensarnosvivos-retorquiuPoirot.-Masistonadatemavercomocrime-repetiuela.-Podeteratémuito-afirmouHerculePoirotgravemente.SaiudecasadaenfermeiraHopkins,deixandoestadeboca

abertaaolharparaele.Tinha caminhado um pouco quando se apercebeu duns

passoshesitantesatrásdele.Parouevoltou-se.EraHorlick, o jardinheiro deHunterbury. Tinhauma cara

deatrapalhaçãoetorciaeretorciaobonécomasmãos.-Desculpe,maspossodar-lheumapalavra?Horlickfalavaengolindoassílabas.-Comcerteza.Oqueé?Horlick retorceu o boné ainda com mais fúria e disse,

desviandoavistacomumacaradeafliçãoeembaraço.

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-Éporcausadocarro.-Ocarroqueestavaaopédoportãodetrásnaquelamanhã?-Simsenhor.Odr.Lorddissehojedemanhãquenãoerao

carrodele...masera.-Temacertezadisso?-Simsenhor.Porcausadonúmero.EraMSS2022.Reparei

especialmentenisso,MSS2022.ÉconhecidocánaterraporMissDoiseDois!Porissotenhoacerteza.

Poirotsorriu.- Mas o dr. Lord diz que estava em Withenbury nessa

manhã.Horlickrepetiucomumarinfeliz:-Poisé.Euouvi.Maseraocarrodele...Iajurarqueera.-Obrigado,Horlick,é issoprecisamenteoquepodeterque

fazer...-dissePoirot.

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TERCEIRAPARTE

Capítulo1Estavacalorou frionotribunal?ElinorCarlislenãosabia

bem.àsvezessentia-seaescaldar,comosetivessefebre,elogoaseguirtremiadefrio.

Nãotinhaouvidoo fimdodiscursodoadvogadodedefesa.Tinhavoltadoaopassado-revividolentamentetodoocaso,desdeo dia em que recebeu a horrível carta até o momento em queaqueleagentedapolícia,decarabemescanhoada,tinhaditocomterrívelfluência:

“A senhora é que é Elinor Katharine Carlisle? Tenho aquiumaordemdeprisãoportermortoMaryGerrard,envenenando-a,a27deJulhopassado,edevoavisá-laquetudooquedisserserá registado por escrito e pode ser usado como prova no seujulgamento.” Horrível e assustadora fluência... Sentia-seapanhada por uma engrenagem, bem lubrificada, trabalhandosuavemente,umaengrenagemdesumanaefria.

Eagoraaquiestava,sentadanobancodosréussobofocodapublicidade, com centenas de olhos, que não eram nemindiferentes nem desumanos, olhando-a com curiosidade emalignasatisfação...

Só os jurados não olhavam para ela. Embaraçados,conservavam os olhos desviados, numa atitude estudada...Pensava:

“Éporquesabemoquevãodizerbrevemente...”Odr.Lordestavaaprestardeclarações.EraomesmoPeter

Lord,ojovemmédicoderostosardentoealegrequetinhasidotãobomeafável emHunterbury?Estavamuitodireito, rigidamenteprofissional. As suas respostas saíam monotonamente: tinhamsido chamado a Hunterbury pelo telefone; mas chegarademasiadotardeparafazerqualquercoisa;MaryGerrardmorrerapoucosminutosdepoisdelechegar;amorte,nasuaopinião,foraprovocada por envenenamento com morfina numa das suasformasmenosvulgares-otipo“foudroyante”.

SirEdwinBulmerlevantou-separainterrogaratesemunha.

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-OsenhorerajáhátempomédicoaisistentedafalecidasrªWelman?

-Era.-DuranteassuasvisitasaHunterburyemJunhopassado

teveocasiãodeveraacusadaeMaryGerrardjuntas?-Váriasvezes.-QuedizdaatitudedaacusadaparacomMaryGerrard?-Perfeitamentesimpáticaenatural.- Nunca viu quaisquer sinais daquele “ódio saturado de

ciúme”dequesetemfaladotanto?-perguntouSirEdwinBulmercomumligeirosorrisodesdenhoso.

-Não-respondeufirmementePeterLord.Elinor pensou: Mas viu - ele viu... acaba de dizer uma

mentiraparamefavorecer...Elesabia...A Peter Lord sucedeu o cirurgião da polícia. As suas

declarações forammais longas emais pormenorizadas. Amortetinha sido devida a envenenamento commorfina e era do tipochamado“foudroyante”.Pediram-lhequeexplicasseaqueletermo.Fê-locomcertoprazer.Amorteporenvenenamentocommorfinapodiaterdiversosaspectos.

Omaiscomumeraumperíododeintensaexcitação,seguidodesonolênciaenarcose,comaspupilascontraídas.Umaoutra,não tão vulgar, fora classificada pelos franceses como“foudroyante”.Nestescasosumsonoprofundosobrevinhapoucotempo depois - cerca de dez minutos; as pupilas ficavamgeralmentedilatadas...

A audiência tinha sido interrompida e aberta novamente.

Houveraalgumashorasdedepoimentosmédicosespecializados.O dr. Alan Garcia, distinto analista, falou com prazer e

muitos termos científicos do conteúdo do estômago: pão,conservas de peixe, chá, presença de morfina... mais termoscientíficos e váriosnúmerosdecimais.Quantidade ingeridapelamorta,avaliadaemquatrogrãosaproximadamente.

Adosefatalpodiaseràsvezesapenasdeumgrão.SirEdwinlevantou-seaindacalmo.- Gostaria que isso ficasse perfeitamente claro. Não

encontrounoestômagonadasenãopão,conservadepeixe,cháemorfina?Nãohaviaoutrosalimentos?

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-Maisnenhuns.-Querdizerqueavítimanãocomeusenãosanduíchesechá

duranteumespaçodetempoconsiderável?-Exactamente.-Haviaalgumacoisaquemostrasseemqueveículoespecial

amorfinatinhasidoingerida?-Nãocompreendobem.-Euexplico:Amorfinapodiatersido ingeridanaconserva

depeixe,nopão,ounamanteigadopão,nochá,ounoleitequesejuntouaochá?

-Evidentemente.- Não havia indicação especial que a morfina estivesse na

conservadepeixeemvezdeestaremqualqueroutroalimento?-Não.

-Eamorfinapodiadefactotersidoingeridaseparadamente,isto é, sem qualquer veículo? Podia ter sido simplesmenteingeridaemformadecomp:imidos?

-Sim,podia.SirEdwinsentou-se.SirSamuelinterrogouaseguir:- Contudo, é de opinião que, quando quer que a morfina

tivesse sido ingerida, foi aomesmo tempo que os alimentos e abebida?-Sim.

-Obrigado.O inspector Brill fez o juramento com uma fluência

mecânica.Estavaalimilitarmenteeimpassíveldesfiandoassuasdeclaraçõescomafacilidadedequemtinhapráticadoqueestavaafazer.

- Fui chamado à casa... A acusada disse: “Deve ter sido aconservadepeixequeestavaestragada...”buscadaspremissas...um boião de conserva de peixe lavado estava no lavadouro nacopa,outromeio-vazio...maisbuscanacopaenacozinha...

-Queencontrou?- Numa fenda, do soalho próximo da mesa, encontrei um

pedacitodepapel.Opedaçodepapelemquestãofoiapresentadoaojúri."COMPRIMIDOSHIPOH;drOMORFINA"-Queachamqueseja?- Um pedaço de um rótulo como os usados nos tubos de

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vidroquecontêmmorfina.Oadvogadodedefesalevantou-secompassadamentee,com

à-vontade,perguntou:-Achouestepedaçodepapelnumafendadosoalho?-Sim.-Partedeumrótulo?-Sim.-Encontrouorestodorótulo?-Não.-Nãoencontrounenhumtubodevidro,nemnenhumfrasco

aoqualpudessepertencerorótulo?-Não.-Qualeraoestadodopedaçodepapelquandooencontrou?

Estavalimpoousujo?-Estavacomarbastantenovo.-Quequerdizercombastantenovo?-Tinhasomenteumpoucodepódochãoàsuperfície,mas

derestoestavabastantelimpo.-Nãopodialáestarhámuitotempo,poisnão?-Não,tinhacaídoalihápoucotempo.- Diria, até, que teria caído ali no próprio dia em que o

encontrou,enãoantes?-Sim.Fungandooadvogadosentou-se.A enfermeira Hopkins, estava no lugar das testemunhas,

comorostovermelhoeumarvirtuoso.Apesar de tudo, pensou Elinor, a enfermeira Hopkins não

era tão temível como o inspector Brill. A desumanidade doinspectorBrillcausavaarrepios.Eracomosefizessepartedeumagrande máquina. A enfermeira Hopkins tinha sentimentos epreconceitos.

-OseunomeéJessieHopkins?-Sim.-ÉenfermeiraeresidenoChaléRosaemHunterbury?-Sim.-Ondeestevenodia28deJunhopassado?-EstiveemHunterbury.-Tinhasidochamada?-Sim.AsrªWelmantinhatidoumataque,osegundo.Fui

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ajudar a enfermeira O'Brien até se encontrar uma outraenfermeiraparticular.

-Levavaconsigoumamaleta?-Sim.-Digaaojúrioquecontinha.- Ligaduras, pensos, uma seringa hipodérmica e alguns

medicamentos,incluindoumtubodemorfinahidroclorídrica.-Paraquefimotinha?- Um dos doentes da terra tinha de tomar injecções

hipodérmicasdemorfinademanhãeànoite.-Quecontinhaotubo?- Continha vinte comprimidos de meio grama de morfina

hidroclorídricacadaum.-Quefezàsuamaleta?-Deixei-acáembaixonovestíbulo.- Issopassou-senanoitede28.Quandoéquevoltoua ter

ocasiãodeabriramaleta?- Na manhã seguinte cerca das nove horas, precisamente

quandomepreparavaparameirembora.-Faltavaalgumacoisa?-Faltavaotubodemorfina.-Referiu-seaessedesaparecimento?- Falei dele à enfermeiraO'Brien, a enfermeira permanente

dadoente.-Amaletaestavanovestíbulo,ondeaspessoascostumavam

passarquandoentravamousaíam?-Sim.SirSamuelfezumapausaedepoisperguntou:-Conheciaavítimaintimamente?-Sim.-Queopiniãotinhadela?-Eraumaraparigamuitomeigaeboa.-Tinhaumfeitioalegre?-Muitoalegre.- Que a senhora soubesse, ela não tinha nada que a

preocupasseoudesgostasse?-Não.- Na ocasião em que morreu havia alguma coisa que a

preocupasseoulhefizesseanteverumfuturoinfeliz?

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-Nada.-Nãoteriatidorazãonenhumaparapôrtermoàvida?-Absolutamentenenhuma.Emaisumavezserepetiuamalditahistória.Aenfermeira

HopkinsacompanharaMaryàcasadoguarda,oaparecimentodeElinor, a sua atitude excitada, o convite para comer assanduíches,opratooferecidoprimeiroaMary.

A sugestãodeElinor de que se lavasse tudo e a sua outraideiadeircomaenfermeiraaoprimeiroandarparaelaaajudaraescolherasroupas.

Houve frequentes interrupções e objecções de Sir EdwinBulmer.

Elinor pensou: Sim, é tudo verdade - e ela sabe-o. Tem acerteza que fui eu. E tudo que diz é verdade - é isso o maishorrível.Étudoverdade.

Aoolharparaasaladotribunal,viumaisumavez,acaradeHercule Poirot contemplando-a, pensativo, quase ternamente.Contemplando-acomdemasiadacompreensão...

Olhandoparaelacomoquemsabemuitacoisa...O cartão com o pedaço de rótulo colado foi passado à

testemunha.-Sabeoqueistoé?-Éumbocadodeumrótulo.-Podedizeraojúriquerótulo?- Sim, é um bocado de um rótulo de um tubo de

comprimidos hipodérmicos. Comprimidos de morfina de meiogramacada,comooquemedesapareeeu.

-Temacertezadisso?-Claroquetenho.Édomeutubo.Ojuizinterveio:-Hánelequalquer sinalpeloqualpossa identificá-lo como

sendoorótulodotuboqueperdeu?-Não,excelência,masdeveseromesmo.-Tudooquepodedizerpositivamenteéqueéprecisamente

idêntico,nãoé?-Sim,éissoquequerodizer.Otribunalencerrouasessão.

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Capítulo2Nodiaseguinte.Sir Edwin Bulmer estava de pé interrogando. O seumodo

nãoeranadasuave.-Arespeitodamaletadequesetemfaladotanto:deixou-a

no dia 28 de Junho, toda a noite, no vestíbulo principal deHunterbury?

AenfermeiraHopkinsconfirmou:-Sim,deixei.-Issorevelabastantefaltadecuidado,nãoacha?Elacorou.-Confessoquesim.-Temocostumededeixarmedicamentosperigososporaqui

eporaliondequalquerpessoaospodetirar?-Não,claroquenão.-Ah,não?Masfê-lonessaocasião?-Poisfiz.-E,é facto,quequalquerpessoadacasapodiatertiradoa

morfinasequisesse?-Suponhotuesim.-Nãotemquesupor.Éassimounãoé?-É.-NãoeraapenasMissCarlislequemopodiatertirado,poii

não? Qualquer dos criados podia. Ou o dr. Lord, ou o sr.RoderickWelman ou a enfermeiraO'Brien oumesmo a própriaMaryGerrard?...

-Suponhoq1esim.-Éassimounãoé?-É.-Alguémsabiaquetinhamorfinanasuamaleta?-Nãosei.-Disse-oaalguém?-Não.- Portanto, na verdade, Miss Carlisle não podia saber que

havialámorfina?-Podiaterabertoparaver.-Nãoémuitonatural,poisnão?

Page 157: Agatha christie - cipreste triste

-Nãosei.-Havia outras pessoas que tinhammais probabilidades de

saberdaexistênciadamorfinadoqueMissCarlisle.Odr.Lord,porexemplo.Elesabia.Estavaadarmorfinaporreceitadele,nãoera?

-Claro.-MaryGerrardtambémsabiaqueatinhanamaleta?-Não,nãosabia.-Elaiafrequentesvezesasuacasa,nãoia?-Não,muitasvezes.- Devo dizer-lhe que ela estava lámuito frequentemente, e

que seria de todas as pessoas da casa a que tinha maiorpossibilidadedesaberquehaviamorfinanamaleta.

-Nãoconcordo.SirEdwinfezumapausacurta.-DissedemanhãàenfermeiraO'Brienqueamorfinatinha

desaparecido?-Sim.-Lembro-lhequeoquerealmentedissefoi:“Deixeiamorfina

emcasa.Tenhodeirbuscá-la.”.-Não,eunãodisseisso.-Nãosugeriuqueamorfinatinhasidodeixadanachaminé

dofogão,emsuacasa?- Bem, quando não a encontrei, pensei que talvez tivesse

acontecidoisso.-Narealidade,nãosabiabemondeatinhaposto?-Sabiasim.Pu-lanamaleta.- Então porque sugeriu namanhã de 29 de Junho que a

tinhadeixadoemcasa?-Porquepenseiqueopodiaterfeito.-Devodizer-lhequeéumapessoamuitodescuidada.-Issonãoéverdade.-Fazàsvezesafirmaçõesbastanteimprecisas,nãoacha?-Não,nãofaço.Tenhomuitocuidadonoquedigo.- Referiu-se a uma picada de uma roseira no dia 27 de

Julho,diadamortedeMaryGerrard?-Nãopercebooqueissotemavercomocaso!Ojuizperguntou:-Issotemimportânciaparaocrime,SirEdwin?

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-Sim,Excelência,éumaparteessencialdadefesaetencionoapresentartestemunhasparaprovarqueaquelaafirmaçãoéfalsa.

Erecomeçou:- Mantém que picou o pulso numa roseira no dia 27 de

Julho?-Mantenho.AenfermeiraHopkinstinhaagoraumararrogante.-Quandofoiisso?-Sucedeuprecisamenteaosairdacasadoguardaparame

dirigiràcasagrandenamanhãde27deJulho.-Eemqueroseirafoi?-perguntouSirEdwincepticamente.-Numatrepadeiracomrosasvermelhaslogoàsaídadacasa

doguarda.-Temacertezadisso?-Absolutacerteza.Sir Edwin fez uma pausa e depois prosseguiu o

interrogatório: - Continua a afirmar que a morfina estava namaletaquandoveioparaHunterburya28deJunho?

-Continuo.Trazia-acomigo.- Suponha que a enfermeira O'Brien se apresenta, agora,

como testemunha e jura que a senhora lhe disse que a tinhaprovavelmentedeixadoemcasa?

-Estavanaminhamaleta.Tenhoacertezadisso.SirEdwinsuspirou.-Nãosesentiunadapreocupadacomodesaparecimentoda

morfina?-Não,preocupada,não.-Ah,estavaentãoperfeitamentetranquila,apesardofactode

lheterdesaparecidoumagrandequantidadedeummedicamentoperigoso?

-Nãopenseinaalturaquealguémotivessetirado.- Compreendo. Apenas naquele momento não se lembrou

ondeotinhaposto.-Nadadisso.Estavanamaleta.- Vinte comprimidos demeio grama, isto é, dez gramas de

morfina.Osuficienteparamatarváriaspessoas,nãoéassim?-É.- Mas não ficou preocupada e nem sequer participou

oficialmenteodesaparecimento.

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-Penseiquenãotinhaimportância.-Devodizer-lhequeseamorfinadesapareceue,damaneira

comodesapareceu,asenhoradevia, comopessoaconscienciosa,participaroficialmenteodesaparecimento.

- Mas não o fiz - disse a enfermeira Hopkins com o rostomuitovermelho.

-Issofoi,semdúvida,umdescuidogravedasuaparte.Nãoparecetomarassuasresponsabilidadesmuitoasério.

Perdemuitasvezesessesmedicamentosperigosos?-Nuncametinhaacontecido.Ointerrogatóriodurouaindaalgunsminutos.Aenfermeira

Hopkins perturbada, com o rosto vermelho, contradizendo-se...emsumaumapresafácilparaotalentodeSirEdwin.

-Éverdadeque,naquinta-feira,6deJulho,MaryGerrardfeztestamento?

-É.-Porquefezelaisso?-Porqueachouqueodeviafazer.Edevia.- Tem a certeza de que não foi por se sentir deprimida e

incertasobreofuturo?-Nadadisso.-Ofacto,porém,mostraqueaideiadamorteestavapresente

noseuespírito,queelapensavanoassunto.-Demaneiranenhuma.Achavasimplesmentequeeraoque

deviafazer.- É este o testamento? Assinado por Mary Gerrard, sendo

testemunhas Emily Biggs e Roger Wade empregados deconfeitaria,legandotudooquepossuíssenadatadasuamorteaMaryRiley,irmãdeElizaRiley?

-Éissomesmo.Odocumentofoientregueaojúri.-Queasenhorasoubesse,MaryGerrardtinhaalgunsbens

paradeixar?-Não,naquelaaltura,nãotinha.-Masiaterembreve?-Sim,ia.-ÉounãoumfactoqueMissCarlislecomeçara jáadara

Maryumaquantiaconsiderávelemdinheiro,qualquercoisacomoduasmillibras?

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-Sim,éverdade.-MissCarlislenãoeraobrigadaafazerisso.Foiapenasum

impulsogenerosodapartedela?-Sim,fezissodesualivrevontade.-MascertamentequeseodiasseMaryGerrard,comosediz,

não lhe daria de sua livre vontade uma enorme quantia emdinheiro.

-Talvez.-Quequerdizercomessaresposta?-Nãoquerodizernada.-Muitobem.Entãooutroassunto:ouviualgumainsinuação

maliciosasobreMaryGerrardeosr.RoderickWelman?-Estavaapaixonadoporela.-Temprovasdisso?-Sabiaapenas,maisnada.- Ah, sabia apenas. Receio que isso não seja muito

convincenteparaojúri.DissenumaocasiãoqueMarynãoquerianadacomeleporestarnoivodeMissElinorequeelalhedisseraissonovamenteemLondres?

-Foioqueelamecontou.SirSamuelAttenburyvoltouainterrogar:- Quando Mary Gerrard estava discutindo consigo o texto

destetestamentoaacusadapassounaruaacercou-sedajanelaeviu?

-Sim,viu.-Quedisseela?-Disse:“Comqueentãoestáafazertestamento,Mary?Essa

tem graça!”. E desatou a rir, a rir. Naminha opinião - disse atestemunhamalevolamente - foinessemomentoquea ideia lheveio à cabeça, a ideia de acabar com a pequena! Lia-se-lhe nosolhosodesejodeamatar.

- Limite-se a responder às perguntas que lhe são feitas. Aúltimapartedessarespostanãodeveserconsiderada...-disseojuizàsperamente.

Elinor pensou: “É curioso... Quando alguém diz a verdadenão tomam em consideração.”. Apetecia-lhe rir, rirhistericamente.

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EratestemunhaaenfermeiraO'Brien.- Namanhã de 29 de Junho a enfermeiraHopkins fez-lhe

algumaobservação?-Fez.DiSsequelhetinhadesaparecidodamaletaumtubo

demorfinahidroclorídrica.-Equefezasenhora?-Ajudei-aaprocurá-lo.-Masnãooachou?-Não.-Queasenhorasaiba,amaletafoideixadadeumdiaparao

outronovestíbulo,nãofoi?-Foi.-Osr.Welmaneaacusadaestavamambosinstaladosláem

casanaalturadamortedasrªWelman,istoé,de28para29deJunho?

-Estavam.-Querfazerofavordenoscontarumincidenteocorridoa29

deJunho,nodiaseguinteàmortedasrªWelman?-Viosr.RoderickWelmancomMaryGerrard.Eleestavaa

dizer-lhequeaamavaetentoubeijá-la.-Estavanessaalturanoivodaacusada?-Estava.-Queaconteceudepois?- Mary disse-lhe que ele se devia sentir envergonhado e

admirou-sequefizesseaquiloestandonoivodeMissElinor.-Nasuaopiniãoquaiseramossentimentosdaacusadapara

comMaryGerrard?- Odiava-a. Costumava olhar para ela como se quisesse

aniquilá-la.SirEdwinlevantou-sedeumpulo.Elinor pensou: “Por que é que fazem questão? Que

importânciatem?FoiavezdeSirEdwinBulmerinterrogar:-É,ounão,verdadeaenfermeiraHopkinsdizerquepensava

terdeixadoamorfinaemcasa?-Bem,foiassim:depoisde...-Queiraterabondadederesponderàminhapergunta.Elanãodissequeprovavelmentetinhadeixadoamorfinaem

casa?

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-Disse.- Naquele momento não estava realmente preocupada com

isso?-Não,naquelemomento,não.- Porque pensou que a tinha deixado em casa. Portanto,

como é natural, não estava preocupada. Ela não pensou quealguémativessetirado?

-Poisnão.SódepoisdamortedeMaryGerrardpormeiodemorfinaéqueaimaginaçãodelacomeçouatrabalhar.

Ojuizinterrompeu:- Sir Edwin, acho que já debateu essa questão com

testemunhaanterior.-PeçodesculpaaV'.Excelência.-QuantoàatitudedaacusadaparacomMaryGerrard,não

houvenuncanenhumaquestãoentreelas?-Nuncahouvequestãonenhuma,issonão.-MissCarlislefoisempreamávelcomarapariga?-Sim.Opioreraamaneiracomoolhavaparaela.- Sim, pois sim. Mas não podemos guiar-nos por isso. É

irlandesa,nãoé?-Sousim,senhor.- Os irlandeses têm uma imaginação bastante viva, não é

verdade?-Tudooquedisseéverdade-exclamouaenfermeiraO'Brien

exaltada.OmerceeiroAbbotapresentou-secomotestemunha.Apareceu perturbado, vacilante (todavia ligeiramente

satisfeito com a sua importância) As suas declarações forambreves.

A compra de dois boiões de conserva de peixe. A acusadatinhadito:“Hámuitoscasosdeenvenenamentocomasconservasdepeixe.”Tinhaumaspectoexcitadoeestranho.

Nãohouveinterrogatório.

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Capítulo3Discurso do advogado de defesa: “Senhores jurados, podia,

sequisesse,declarar-vosquenãoháprovasnenhumascontraaacusada.Aresponsabilidadedasprovaspertenceàacusaçãoenaminha opinião - e sem dúvida na vossa - não provaramabsolutamente nada ! A acusação afirma que Elinor Carlisletendoconseguidoapoderar-sedamorfina(aqualtodaagentenacasatinhatidooportunidadedetirarequealiásnãosesabeaocertoseláestariaounão)decideenvenenarMaryGerrard.Aquiaacusaçãobaseou-seapenasnaoportunidade.Procurouprovaromotivo mas observo-lhes que foi isso precisamente que nãoconseguiu fazer. Porque, senhores membros do júri, não hámotivo!Aacusaçãofaloudorompimentodeumnoivado.Singularmotivo - com franqueza! Se um noivado desfeito é motivo paracrime, por que não se cometem crimes todos os dias? essenoivado, reparem, não era um caso de paixão desesperada, eraumnoivadoarranjadopormerasrazõesdefamília.MissCarlisleeosr.Welmancresceramjuntos,sempregostaramumdooutro,egradualmente foram impelidos a um laço mais estreito; mastencionoprovar-vosqueera,namelhordashipóteses,umcasodepuroafecto.

(Oh,Roddy,Roddy!Umcasodepuroafecto!).Alémdisso,onoivadofoiacabado,nãopelosr.Welman,mas

pelaacusada.observo-lhesqueonoivadoentreElinorCarlisleeRoderickWelmanfoiarranjadoprincipalmenteparaagradaràsrªWelman.Quandoestamorreuamboscompreenderamqueosseussentimentosnãoeramsuficientemente fortespara justificaremocasamento. Ficaram, porém, bons amigos. Além disso, ElinorCarlisle, que herdou a fortuna da tia, num gesto de bondademandou dar a Mary Gerrard uma quantia considerável emdinheiro.

Eéacusadadetermortoessarapariga!Chegaasercómico.A única coisa que há contra Elinor Carlisle são as

circunstânciasemqueoenvenenamentosedeu.Aacusaçãodisserealmente:NinguémsenãoElinorCarlisle

podiatermortoMaryGerrard.Portantotrataramdeprocurarummotivopossível.

Mas, comovosdiise, foram incapazesdeacharummotivo,

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porquenãohavianenhum.AgoravejamoséverdadequeninguémsenãoElinorCarlisle

podiatermortoMaryGerrard?Não,nãoé.HáapossibilidadedeMaryGerrardsetersuicidado.Háapossibilidadedealguémtermexido nas sanduíches enquanto Elinor Carlisle foi à casa doguarda.Háaindaumaterceirapossibilidade.É lógicoquesesepodedemonstrarqueexisteumaalternativapossíveleconsistenteparaocaso,aacusadadeveserabsolvida.Tencionodemonstrar-vos que havia outra pessoa que tinha idêntica oportunidade deenvenenar Mary Gerrard, e que tinha um motivoincomparavelmente melhor para o fazer. Tenciono apresentarprovas que vos mostrem que havia outra pessoa que tinhapossibilidadedeobteramorfinaequetinhaumexcelentemotivopara matar Mary Gerrard, e posso também mostrar que essapessoa tinha uma oportunidade igualmente boa de o fazer.Observo-lhesquenenhumjúrinomundocondenariaestamulherpor crime quando não há nenhuma prova contra ela senão aoportunidadeequando,aindaparamais,sepodedemonstrarquehá provas contra outra pessoa: não só a oportunidade mastambémummotivofortíssimo.Apresentareitambémtestemunhaspara provar que houve juramento falso deliberado da parte deumadastestemunhas.Masprimeirochamareiadetidaparaelavoscontarasuaversãodahistória,eparapoderemverporvóspróprios que as acusações contra ela são completamenteinfundadas.”

Elinortinhaprestadojuramento.RespondiaàsperguntasdeSirEdwinemvozbaixa.Ojuiz,inclinadoparadianteparaouvir,disse-lhequefalassemaisalto...

Sir Edwin falava suavemente e, encorajando-a, fazia-lheperguntascujasrespostaselatinhaensaiado.

-GostavadeRoderickWelman?- Gostava muito. Era para mim como um irmão ou um

primo.Sempreoconsidereicomoprimo...O noivado... impelida a isso... muito agradável casar com

alguémquesempreseconheceu...- Não era, decerto, o que se podia chamar um caso de

paixão?(Paixão?Oh,Roddy...).-Bem,issonão...bemvê,conhecíamo-nostãobem...-Depois damorte da srªWelmanhouve entre ambosuma

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ligeirasensaçãodeafastamento?-Sim,houve.-Comoexplicaisso?-Achoqueeraemparteporcausadodinheiro.-Dodinheiro?-Sim.Roddysentia-seconstrangido.Achouqueaspessoas

podiampensarqueelecasavacomigoporinteresse...-Onoivadodesfez-seporcausadeMaryGerrard?- Acho francamente que Roddy estava bastante

entusiasmadoporela,massupusquefossecoisapassageira.-Teriaficadocontrariadasenãofosse?-Não, com certeza. Acharia apenas que eraum casamento

desigual.-Agora,outroassunto,MissCarlisle:tirouounãotirouum

tubodemorfinadamaletadaenfermeiraHopkinsnodia28deJunho?

-Nãotirei.-Játevealgumavezmorfinanasuamão?-Nunca.-Sabiaqueasuatianãotinhafeitotestamento?-Não.Foiumagrandesurpresaparamim.-Achaqueelalhequeriacomunicarqualquercoisananoite

de28deJunhoquandomorreu?- Compreendi que ela não tinha feito nenhuma doação a

MaryGerrardeestavadesejosadeofazer.-E,pararealizarosdesejosdela,estavadispostaaentregara

raparigaumaquantiaemdinheiro?-Sim.QueriarealizarosdesejosdatiaLaura.Eestavagrata

pelabondadecomqueMarytrataraminhatia.- A 26 de Julho chegou aMaidenford vinda de Londres e

hospedou-senoKing'sArms?-Sim.-Porquefoilá?-Tinhaumcompradorparaacasaeestequeriatomarposse

dela omais depressa possível. Precisava de tirar os objectos deusopessoaldeminhatiaearranjartudo.

- A 27 de Julho comprou vários géneros alimentícios nocaminhoparacasa?

- Comprei. Pensei que seria mais fácil fazer lá um almoço

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géneropiqueniquedoquevoltaràvila.- Foi então direita à casa e separou os objectos de uso

pessoaldasuatia?-Sim.-Edepoisdisso?-Vimàcopaefizsanduíches.Depoisfuiàcasadoguardae

convideiaenfermciradalocalidadeeMaryGerrardparavirematéláacasa.

-Porquefezisso?-Quispoupar-lhesumacaminhadadeida.evoltaatéàvila

comocalorqueestava.-Foi,realmente,umactoamávelenaturaldasuaparte.Elas

aceitaramoconvite?-Sim.Vieramcomigo.-Ondeestavamassanduíchesquetinhafeito?-Deixei-asnumprato,nacopa.-Ajanelaestavaaberta?-Estava.- Alguém podia ter entrado na copa enquanto esteve

ausente?-Comcerteza.-Sealguémaestivesseaobservardeforaenquantocortava

assanduíches,oqueteriapensadoessealguém?- Julgo que pensava que me preparava para um almoço

géneropiquenique.-Nãopodiasaberqueoutraspessoasiampartilharoalmoço,

poisnão?-Não.Aideiadeconvidarasduassómeocorreuquandovia

quantidadedecomidaquehavia.- Então se alguém tivesse entrado em casa, durante a sua

ausência,ecolocadomorfinanumadaquelassanduíches,seriaasi,queestavaatentarenvenenar,nãoéassim?

-Sim,é.-Quesucedeuquandochegaramastrêsàcasagrande?-Fomosparaasaladeentrada.Fuibuscarassanduíchese

ofereci-asaambas.-Bebeualgumacoisa?-Bebiágua.HaviacervejamasaenfermeiraHopkinseMary

Gerrardpreferiramchá.AenfermeiraHopkinsfoiàcopafazê-lo.

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Trouxe-onumabandejaeMarydeitou-onaschávenas.-Bebeutambém?-Não.-MasMaryGerrardeaenfermeiraHopkinsbeberamambas

chá?-Sim,beberam.-Quesucedeudepois?-AenfermeiraHopkinssaiuparairapagarogás.-Deixando-asozinhacomMaryGerrard?-Sim.-Edepois?-Passadospoucosminutospegueinabandejaenopratodas

sanduícheselevei-osparaacopa.AenfermeiraHopkinsestavaláeasduaslavámosascoisas.

- A enfermeira Hopkins tinha os punhos tirados nessaaltura?

-Sim,tinha.Lavouascoisaseeulimpei.-Fez-lhealgumaobservaçãosobreumferimentonumpulso?-Perguntei-lhesesetinhapicado.-Querespondeuela?-Disse:“Foiumespinhodaroseiraqueficajuntodacasado

guarda.Tiro-odepois.”-Queatitudeeraadelanessaaltura?- Julgo que estava com calor.Estava a suar e o rosto dela

tinhaumacorestranha.-Quesucedeudepois?- Fomos ao primeiro andar e ela ajudou-me a arranjar as

coisasdaminhatia.-Quehoraseramquandovoltaramparabaixo?-Devetersidoumahoradepois.-OndeestavaMaryGerrard?- Estava sentada na sala de entrada. Respirava de uma

maneira esquisita e estava em coma. Telefonei ao médicoconformeas instruçõesdaenfermeiraHopkinse ele chegouumpoucoantesdelamorrer.

SirEdwinlançouosombrosparatrásnumaatitudeteatral.- Matou Mary Gerrard, Miss Carlisle? (Eis a sua deixa.

Levantouacabeçaeolhouemfrente).-Não!

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EraavezdeSirSamuelAttensburyainterrogar.Sentiuum

baquenocoração.Agoraestavaàmercêdeuminimigo!Acabara-seagentileza,acabaram-seasperguntasaquesabiaresponder.

Maselecomeçoubastantesuavemente:-Estavanoivaeiacasar,disse-nos,comosr.Welman?-Sim,estava.-Gostavadele?-Gostavamuito.- Não estava profundamente apaixonada por Roderick

Welman e violentamente ciumenta do amor dele por MaryGerrard?

-Não(teriasoadocomadevidaindignaçãoaquele“não”?).SirSamueldisseameaçadoramente:- Julgo que a senhora planeou afastar deliberadamente a

rapariga do caminho, na esperança de que Roderick Welmanvoltasseparasi.

- Nunca faria isso. (Desdenhosamente - com um tom defadiga.Foimelhordestavez).

Asperguntascontinuaram.Eracomoumsonho...umsonhomau...umpesadelo...

Perguntasobrepergunta...perguntashorríveis,dolorosas...Para algumas estava preparada, outras apanhavam-na

desprevenida...Sempreatentarlembrar-sedopapel.Nuncaestaràvontade,

nunca poder dizer: “Sim, odiava-a... Sim, queria que elamorresse... Sim, todo o tempo que estive a fazer as sanduíchespenseinamortedela...”Permanecercalmae iria respondendoomaissucintaeindiferentementepossível...

Lutar...Lutaremcadamomento.Acabou...Ohorrívelhomemcomnarizdejudeusentou-se.Eaamável euntuosa vozdeSirEdwinBulmer faziamais

algumas perguntas. Perguntas fáceis e agradáveis, destinadas aafastarqualquermáimpressãoqueelapudesseterprovocadoaoserinterrogadapeloadvogadodeacusação...

Estavadenovosentadano lugardos réus, olhandoparaojúri,pensando...

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Roddy no tribunal. Roddy ali, pestanejando um pouco,

detestandotudoaquilo.Roddyparecendo-lhemuitopoucoreal.Masjánadaéreal.Tudogiradeumamaneiradiabólica.Opretoébranco,ofiméoprincípio,olesteéoeste...Eeu

nãosouElinorCarlisle; sou “aacusada”.Equermeenforquemquermesoltem,avidaparamimnuncamaisseráamesmacoisa.Sehouvesseaomenosumacoisasãaquemepudesseagarrar...

(OrostodePeterLord,talvez,comassardaseaqueleseuarsempreigual...)

QueperguntavaagoraSirEdwin?-Quer fazero favordenosdizerquaiseram,realmente,os

sentimentos de Miss Carlisle em relação ao senhor? Roddyrespondeucomasuavozbemtimbrada:

- Eu diria que ela me estimava muito, mas não estavaloucamenteapaixonadapormim.

-Estavasatisfeitocomoseunoivado?-Absolutamente.Compreendiamo-nosmuitobem.- Quer fazer o favor de dizer ao júri exactamente por que

acabouonoivado?-Bem,amortedasrªWelmanfez-mereconsiderar,eeunão

gosteidaideiadecasarcomumamulherricaquandoeupróprionão tinha dinheiro. Na realidade o noivado desfez-se demútuoacordo.Ficámosambosbastantealiviados.

-AgoraqueirafazerofavordenosdizerquaiseramassuasrelaçõescomMaryGerrard.

(OhRoddy,pobreRoddy,comodevesdetestartudoisto!)-Achava-aencantadora.-Estavaapaixonadoporela?-Umpouco.-Quandofoiqueaviupelaúltimavez?-Deixe-mever.Devetersidoa5ou6deJulho.-Creioquea viudepoisdisso -disseSirEdwin, comuma

vozmetálica.-Não,fuiparaoestrangeiro,VenezaeDalmácia.-QuandovoltouparaInglaterra?- Quando recebi um telegrama - deixe-me ver - no dia de

Agosto,creioeu.-Masparece-mequeosenhorestavaemInglaterranodia27

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deJulho.-Nãoestava.- Então sr.Welman. Lembre-se de que prestou juramento.

NãoéverdadequeoseupassaporterevelaqueosenhorregressouaInglaterranodia25deJulhoetornouapartirnanoitede27?

AvozdeSirEdwintinhaumtomsubtilmenteameaçador.Elinor franziu a testa, e de repente voltou à realidade. Por

que estava o advogado a ameaçar a sua própria testemunha?Roddy ficoumuitopálido.Nãodissenadaporunsmomentos edepoisdeclarou,fazendoumesforço:

-Sim,éverdade.-FoivisitarMaryGerrardaoapartamentodelaemLondres

nodia25?-Fui.-Pediu-lhequecasasseconsigo?-Pedi.-Qualfoiarespostadela?-Recusou.-Érico,sr.Welman?-Não.-Etembastantesdívidas?-Quetemosenhorcomisso?-NãosabiaqueMissCarlislelhedeixavatodoodinheiroem

testamento?-Éaprimeiravezqueouçodizerisso.-EstavaemMaidensfordnamanhãde27deJulho?-Não.SirEdwinsentou-se,eoadvogadodeacusaçãocomeçoupor

suavezointerrogatório.- Afirmou que, na sua opinião a acusada não estava

profundamenteapaixonadaporsi.-Simfoiissoqueeudisse.-Osenhortemumespíritocavalheiresco,sr.Welman?-Nãoseioquequerdizer.-Seumasenhoraestivesseprofundamenteapaixonadapor

si, e o senhor não estivesse apaixonado por ela, sentir-se-ia naobrigaçãodeesconderofacto?

-Evidentementequenão.-Quecolégiofrequentou,sr.Welman?

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-Eton.SirSamueldissecomumsorrisocalmo:-Maisnada.AlfredJamesWargrave.-ÉcultivadorderosaseviveemEmsworth,Berks?-Sim,Senhor.-Foi,nodia20deOutubro,aMaidensford examinaruma

roseiraqueficajuntodacasadoguardaemHunterburyHall?-Fui,simsenhor.-Querfazerofavordedescreveressaroseira?-Éumaroseiratrepadeira,ZephyrineDrouhin.Dáumaflor

vermelhamuitoperfumada.Nãotemespinhos.-Seriapossívelalguémpicar-senumaroseiradessas?-Seriacompletamenteimpossível.Nãotemespinhos.Ointerrogatórioterminouaqui.-OsenhoréJamesArthurLittledale,químicoespecializado,

empregadonoslaboratóriosJenkins&Hale?-Sou,simsenhor.- Quer ter a bondade deme dizer o que é este bocado de

papel?Aamostrafoi-lheentregue.-Éumfragmentodeumdosnossosrótulos.-Queespéciederótulo?-Orótulodostubosdecomprimidoshipodérmicos.-Hánessefragmentoelementossuficientesparapoderdizer

com certeza quemedicamento estavano tubo ao qual pertenciaesserótulo?

-Há sim. Posso dizer comabsoluta certeza que o tubo emquestão continha comprimidos hipodérmicos de HipomorfinaHidroclorídricademeiograma.

-Nãoseriamorfinahidroclorídrica?-Não,nãopodiaser.-Porquenão?- Nesses tubos a palavra Morfina está escrita com letra

grande. E aqui o fim do m visto com a minha lente, mostraclaramente que se trata de um m minúsculo e não de um Mmaiúsculo.

-Faz favordeixao júriexaminarcoma lente.Temconsigo

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algunsrótulosparamostraroquequerdizer?Osrótulos foramentreguesaojúri.

SirEdwinrecomeçou:- O senhor diz que isto é de um tubo de Apomorfina

hidroclorídrica? O que é precisamente Apomorfinahidroclorídrica?

- A fórmula é C17 Hr7 NO2. É um derivado de morfinapreparadopelasaponificaçãodamorfinaaquecendo-acomácidohidroclorídricodiluído.Amorfinaperdeumamoléculadeágua.-QuaissãoaspropriedadesespeciaisdaApomorfina?

Osr.Littledaleexplicoucalmamente:- A apomorfina é o mais rápido e poderoso vomitório

conhecido.Actuaempoucosminutos.- Então se alguém tivesse ingerido uma dose mortal de

morfinae injectassehipodermicamenteumadosedeapomorfinaquesucederiapoucodepois?

-Vomitavaquase imediatamente e amorfina seria expelidadoorganismo.

- Portanto se duas pessoas tivessem comido a mesmasanduíche ou bebido do mesmo bule de chá, e uma delasinjectassedepoisumadosedeapomorfina,qualseriaoresultado,supondo que o alimento ou bebida partilhados continhammorfina?

-Apessoaqueinjectasseaapomorfinavomitavaoalimentoeabebidajuntamentecomamorfina.

-Eessapessoanãosofrianadacomisso?-Não.Houvederepenteummovimentodeexcitaçãonotribunaleo

juizordenousilêncio.- A senhora é AméliaMary Sedley e reside ordinariamente

emCharlesStreet17,BoonambaAuckland?-Simsenhor.-ConheceumatalsrªDraper?-Sim.Conheço-ahámaisdevinteanos.-Sabeonomedesolteiradela?-Sei.Estivenocasamentodela.Chamava-seMaryRiley.-ASrªDraperénaturaldaNovaZelândia?

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-Não,senhor,foideInglaterraparalá.- A senhora tem estado presente no tribunal desde o

princípiodestejulgamento?-Sim,senhor,tenho.-ViuessatalMaryRileyouDraper,notribunal?-Sim,senhor.-Ondeaviu?-Prestandodeclaraçõesaquiondeestou.-Sobquenome?-JessieHopkins.-EtemacertezadequeestaJessieHopkinséaqueconhece

comoMaryRileyouDraper?-Nãotenhoamínimadúvida.Umligeirotumultoaofundodasaladotribunal.-QuandoviuMaryDraperpelaúltimavezsemseragora?-HácincoanosquandoveioparaInglaterra.SirEdwindissecomumavénia.-Atestemunhaestáaoseudispor.SirSamuel,levantando-secomorostoligeiramenteperplexo,

começou:-Lembro-lhesrªSedleyquepodeestarenganada.-Nãoestouenganada.- Pode ter feito confusão, pode tratar-se de uma parecença

ocasional.-ConheçomuitobemMaryDraper.- A enfermeira Hopkins é uma enfermeira diplomada que

exercelegalmenteasuaprofissão.-MaryDrapereraenfermeiraantesdecasar.- Sabe que está a acusar uma testemunha de ter feito um

juramentofalso?-Seioqueestouadizer.- Edward JohnMarshall, viveu alguns anos emAuckland,

NovaZelândiaeresideagoraemWrenStreetI4,Deptford?-Simsenhor.-ConheceMaryDraper?-Conheço-ahámuitosanos,deNovaZelândia.-Viu-ahojenestetribunal?

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-Visim.Apresenta-secomoHopkins,maseraasrªDrapercomcerteza.

O juiz levantou a cabeça e falou numa voz clara epenetrante: - Julgo que era conveniente chamar de novo atestemunhaJessieHopkins.

Umapausa...Ummurmúrio.- Jessie Hopkins saiu do tribunal há poucos minutos,

Excelência.HerculePoirot!HerculePoirotassomouao lugardas testemunhas,prestou

juramento,retroceuobigodeeesperou,comacabeçaumpoucoinclinadaparaumlado.Deuonome,adirecçãoeaprofissão.

-Reconheceestedocumentosr.Poirot?-Reconheço.-Comoentrouempossedele?-Deu-moaenfermeiraHopkins.SirEdwindisse:-Comsualicença,Excelência,vouleraltoestedocumentoe

podedepoisserentregueaojúri.

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Capítulo4Discursofinaldadefesa.“Senhoresjurados,aresponsabilidadeagoraévossa.Compete-vosdizerseElinorCarlisledevesairem liberdade

destetribunal.Sedepoisdasdeclaraçõesqueouvistes,aindacreisqueElinorCarlisleenvenenouMaryGerrard,entãoévossodeverdeclará-laculpada.

Massevosparecerqueháprovasigualmentefortesetalvezainda mais fortes contra outra pessoa, então deveis libertar aacusadasemmaisdificuldades.

Já devem ter notado que nesta ocasião os factos desteprocessosãomuitodiferentesdoquepareciamseroriginalmente.

Ontem,depoisdasdramáticasdeclaraçõesprestadaspelosr.Hercule Poirot, chamei outras testemunhas para provaremincontestavelmentequeMaryGerrarderafilhailegítimadeLauraWelman.Sendoassim,acontece,queaparentamaispróximadasrªWelmannão era a sua sobrinhaElinorCarlislemas a filhailegítima de nomeMary Gerrard. E portanto Mary Gerrard pormortedaslªWelmanherdavaumaenormefortuna.Estaé,meussenhores,achavedasituação.

MaryGerrard herdarauma quantia de duzentasmil librasaproximadamente. Mas ela própria não tinha conhecimento dofacto. Como também não tinha conhecimento da verdadeiraidentidadedaHopkins.Devempensar,meussenhores,queMaryRiley ouDraper deve ter tido uma razão perfeitamente legítimapara mudar o nome para Hopkins. Sendo assim, por que nãoexplicou abertamente qual era essa razão? O que sabemos é oseguinte: que por instigação da enfermeira Hopkins, MaryGerrard fezumtestamentoemquedeixava tudoquepossuía “aMaryRiley,irmãdeElizaRiley”.

Sabemos que a enfermeira Hopkins, em virtude da suaprofissão, tinha possibilidade de obter morfina e apomorfina econheciabemassuaspropriedades.Alémdissoprovou-sequeaenfermeiraHopkinsnãofalouverdadequandodissequesetinhapicadonumespinhodeumaroseiraqueafinalnãotemespinhos.Porquehaviaeladementirsenãofosseporquequeriadarumaexplicação para a marca recentemente feita pela agulha

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hipodérmica?Lembrai-vos, também,queaacusadaafirmousobjuramentoqueaenfermeiraHopkins,quandoelaentrounacopa,tinha mau aspecto e o rosto de uma cor esverdeada, o que ébastante compreensível tendo ela acabado de vomitarviolentamente.

Queroaindafrisarumoutroponto:SeasrªWelmantivessevivido mais vinte e quatro horas, teria feito testamento; eprovavelmenteessetestamentoconteriaumadoaçãograndeparaMary Gerrard, mas não a designaria como herdeira de toda afortuna, uma vez que a srª Welman entendia que a sua filhailegítima seria mais feliz se permanecesse numa outra esferasocial.

Nãomecompeteamimdeclararculpadaoutrapessoa,massimmostrarqueessaoutrapessoatinhaidênticasoportunidadeseummotivomuitomaisforteparaocrime.

Observo-lhes senhores jurados que visto sob este ponto devista,ocasocontraElinorCarlislecaipelabase..”

ConclusõesdojuizBeddingfeld:“..Devemconcordarqueestamulheradministrourealmente

uma dose perigosa de morfina a Mary Gerrard no dia 27 deJulho.Seconcordamdevemabsolveradetida.

A acusação afirmou que a única pessoa que tinhaoportunidade de administrar veneno a Mary Gerrard era aacusada.Adefesatentouprovarquehaviaoutrasalternativas.

Há a teoria de queMaryGerrard se suicidoumas a únicaprovaemquesebaseiaessateoriaéofactodeMaryGerrardterfeitotestamentopoucoantesdemorrer.Nãoháamenorprovadequeestivessedeprimidaousesentisse infelizounumestadodeespírito que a levasse a acabar com a vida. Sugeriu-se tambémque a morfina podia ter sido posta nas sanduíches por umapessoa que entrasse na copa durante o tempo em que ElinorCarlislefoiàcasadoguarda.Nessecasoovenenodestinar-se-iaaElinor Carlisle e a morte de Mary Gerrard fora um engano. Aterceiraalternativa sugeridapeladefcsa équeoutrapessoa teveuma oportunidade idêntica de administrarmorfina e que nesteúltimocasoovenenofoipostonocháenãonassanduíches.Parafundamentar esta teoria a defesa chamou a testemunhaLittledalc,que jurouqueopedaçodepapelencontradonacopaerapartedeumrótulodeumtuboquecontinhacomprimidosde

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apomorfinahidroclorídrica,umvomitóriomuitopoderoso.Foram-lhesmostradosambosostiposderótulos.Ameuver,

apolíciacometeuumerrogrosseiroemnãoterestudadobemofragmento,comparando-ocomorótulocompletoe terconcluídoprecipitadamente que era um rótulo demorfina. A testemunhaHopkinsafirmouquesetinhapicadonumaroseiraqueestájuntoda casa do guarda. A testemunha Wargrave examinou essaroseira e verificouquenão tinha espinhos.Os senhores têmdedecidir o que foi que causou a marca no pulso da enfermeiraHopkinseporquementiuela...

Se a acusação vos convenceu de que foi a acusada quemcometeuocrime,entãodeveisconsideraraacusadaculpada.

Se a teoria alternativa sugerida pela defesa é possível ecoerentecomosfactos,aacusadadeveserabsolvida.

Peço-vosquedecidamcomcoragemeinteresse,tomandoemcontaapenasasprovasquevosforamapresentadas.”

IIIElinorfoiintroduzidamaisumaveznasaladotribunal.Ojúripreencheuosseuslugares.-Estãodeacordosobreadecisão,senhoresjurados?-Sim.-Olhaiparaaré.dizeiseéculpadaouestáinocente.-Estáinocente...

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Capítulo5Fizeram-nasairporumaportalateral.Tinha notado rostos cumprimentando-a... Roddy... o

detectivecomosgrandesbigodes...MasfoiparaPeterLordqueelasevoltou.-Querosairdaqui...-murmurou.Ele levava-a agora de automóvel rapidamente para fora de

Londres, e não tinham ainda trocado uma palavra. Ia sentadagozandoosilêncio.

Cadaminutoaafastavamaisdoquesepassara.Umavidanova...Eraoquedesejava...Umavidanova.Derepentedisse:-Queroirparaumsítiosossegado...ondenãohajagente...-Estátudoarranjado-declaroucalmamentePeterLord.- Vai para uma casa de repouso. Um sítio sossegado com

lindosjardins.Ninguémaincomodará.-Sim,éissoquequero...-disseelacomumsuspiro.Compreendia-aporsermédico,pensavaela.nãoamaçava.

Dava-lheumainfinitatranquilidadeestarcomeleeafastar-sedetudo,sairdeLondres...paraumsítioseguro...

Queria esquecer tudo... Fora tudo mentira. Tudo passara,desaparecera, acabara juntamente com a vida e as emoçõesanteriores.Eraumaoutrapessoa,tímida,indefesa,muitosimplese ignorante,que iacomeçardenovoavida.Muitotímidaecommuitomedo...

MasestarcomPeterLorderareconfortante...EstavamjáforadeLondresatravessandoossubúrbios.-Foivocêquefeztudo...-disseelaporfim.-Nãofuieu,foiHerculePoirot.Éumhomemdasarábias!-

exclamouPeterLord.MasElinorabanouacabeçaerepetiuobstinadamente:-Nãofoivoeê.Vocêéqueofoibuscareometeunisto!Peterfezumsorrisoforçado.-Poissim,fuieuqueometinisto...- Sabia que não tinha sido eu ou não tinha a certez? -

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perguntouElinor.-Nuncativebemacerteza.-Foiporissoqueestivequaseadeclarar-meculpadalogono

princípio... porque,bemvê, eu tinhapensado em...Sim,penseinisso naquele dia em queme encontrou a rir perto da casa daenfermeira.

-Sim,eupercebi...-dissePeterLord.-Parecetãoestranhoagora...Eraumaideiafixa.Nodiaem

quecompreiasconservasefizassanduíchespenseiparacomigo:“Podia misturar aqui veneno e quando ela comesse morreria, eentãoRoddyvoltariaparamim.”

-Pensaressascoisasàsvezesajudaaspessoasasuportararealidade.Nãofazmalnenhum.Apessoaliberta-sepelafantasia.Alheia-se.

-Sim,é isso.Porquederepentepassou!Deixeidever tudonegro.Quandoaquelamulhermencionouaroseirajuntodacasadoguarda,tudovoltouànormalidade...

Ecomumarrepiocontinuou:- Depois quando entrámos na sala e ela estava morta, ou

pelo menos a morrer pensei: “Haverá muita diferença entrecometerumcrimeepensaremcometê-lo?”

-Umadiferençaenorme!-exclamouPeterLord.-Mashaverárealmente?-Claro quehá. Pensar emmatarnão fazmalnenhum.As

pessoas têm ideias disparatadas sobre isso e pensam que é amesma coisa que planear um crime! Mas não é. Se se pensarmuitoemcometerumcrime,derepentevê-seclaroepercebe-sequeéumdisparate!

-Vocêtranquiliza-me...-exclamouElinor.-Ésóumaquestãodeverascoisascomoelassão.Aslágrimasvieram-lheaosolhoseElinordisse:- De vez em quando no tribunal olhava para si. Dava-me

coragem.Tinhaumaspectodepessoasimples. -Edepois riu: -Desculpe!

-Compreendo-disseele. -Quandoseestánomeiodeumpesadelo a única esperança é qualquer coisa simples. Aliás ascoisassimplessãoasmelhores.Semprepenseiassim.

Pela primeira vez, desde que entrara no carro, voltou-se eolhouparaele.

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OrostodelenãolheproduziuamesmasensaçãoqueorostodeRoddylheproduzia;nãolhedeuaquelasensaçãomistadedoragudaedeprazer;emvezdissofê-la,sentirconfortoeamparo.

Comoacaradeleésimpática...eengraçadaereconfortante...-pensouela.

Continuavampelaestrada.Chegaram por fim a um portão, entraram com o carro e

seguiramatéaumacasabrancadeaspectosossegadoqueficavanaencostadeummonte.

-Aquificarálivredetodaagente.Ninguémaincomodará-disseele.

Numimpulsoelaagarrou-lhenobraço.-Viráver-me?-perguntouela.-Claroquesim.-Muitasvezes?-Semprequequiser.-Entãovenhamuitasvezes...

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Capítulo6-Comovê,meuamigo,asmentirasqueaspessoasdizemsão

tãoúteiscomoaverdade?-disseHerculePoirot.-Alguémlhementiu?-perguntouPeterLord.- Pois mentiu. Por esta ou por aquela razão. É até uma

pessoaquetinhaobrigaçãodedizeraverdadeequearespeitavaescrupulosamente.Foiaquemaismeintrigou!

-AprópriaElinor!-exclamouPeterLord.- Exactamente. Todas as provas eram contra ela. E ela

própria,comasuaconsciênciasensívelecheiadetédionãofazianada para dissipar a acusação. Acusando-se a si própria dodesejo e não do acto, quase ia abandonando uma lutadesagradávelesórdidadeclarando-seperanteotribunal,culpadadeumcrimequenãotinhacometido.

PeterLordsuspirouexasperado:-Éincrível.-Nãoé-dissePoirot.-Elacondenava-seporquesejulgavaa

culpada de acordo comumpadrãomais recto do que o exigidopelaHumanidadeemgeral!

-Sim,elaéassim-dissePeterLordpensativo.HerculePoirotcontinuou:-Desdeomomentoemque inicieiasminhas investigações

houvesempreafortepossibilidadedeElinorCarlisleserculpadado crime de que era acusada.Mas cumpri o que lhe prometi edescobriqueerapossívelapresentarprovasbastantefortescontraoutrapessoa.

-AenfermeiraHopkins?-Aprincípio,não.RoderickWelmanfoiaprimcirapessoaa

atrair aminha atenção.O caso dele também começouporumamentira. Disse-me que tinha partido de Inglaterra no dia 9 deJulho e regressado a 1 de Agosto. Mas a enfermeira Hopkinsdissera casualmente que Mary Gerrard tinha repudiado aspropostasdeRoderickWelmanqueremMaidensfordquerquandose encontrou comela emLondres.”MaryGerrard segundo vocêmeinformou,foiparaLondresa10deJulho-umdiadepoisdeRoderickWelman terpartidode Inglaterra.EntãoquandoéqueMary Gerrard tinha tido uma entrevista com RoderickWelman

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emLondres?PusomeuamigosalteadoratrabalharepeloexamedopassaportedeWelmandescobriqueestiveraemLondresde25a 27 de Julho. Tinha mentido deliberadamente. Tive semprepresente no espírito o espaço de tempo em que as sanduíchesestiveram num prato na copa comElinor Carlisle fora de casa.Mas a pouco e pouco compreendi que nesse caso a vítimadesignadaseriaElinorenãoMary.RoderickWelmantinhaalgummotivo paramatarElinorCarlisle? Sim, tinhaumbommotivo.Elatinhafeitotestamentodeixando-lhetodaafortuna;eporuminterrogatório hábil descobri que Roderick Welman podia tertomadoconhecimentodessefacto.

-Eporquemudoudeopinião?-perguntouPeterLord.- Por causa de outra mentira. Uma mentirazinha muito

estúpida e evitável. A enfermeira Hopkins disse que tinhaarranhado o pulso numa roseira com espinhos. E eu fui ver aroseiraenãotinhaespinhos...Portanto,semdúvida,aenfermeiraHopkins tinha mentido - e a mentira era tão pateta eaparentemente tão desnecessária que me despertou a atenção.ComeceiapensarnaenfermeiraHopkins.Atéentãoconsiderava-aumatestemunhaperfeitamentecoerenteefiel,apenascomumaforte antipatia pela acusada derivada como era natural da suaafeiçãopelamorta.Masdepois,pensandonaquelamentirazinhadesnecessária, examinei muito cuidadosamente a enfermeiraHopkins e oque eladissera e compreendiumacoisaqueaindanãotinhatidoaagudezadeperceberantes.AenfermeiraHopkinssabia alguma coisa sobre Mary Gerrard, coisa essa que estavaansiosapordizer;quequeriarevelar.

- Julguei que fosse precisamente o contrário! - observouPeterLord,surpreendido.

- Aparentemente era. Representou muito bem o papel dealguém que sabe alguma coisa e não quer dizer! Mas quandovolteiapensarnocasocuidadosamente,compreendiquetudooqueela tinhaditosobreoassunto foraproferidotendoemvistaum fim diametralmente oposto. A minha conversa com aenfermeiraO'Brienconfirmou-meessaimpressão.Hopkinstinha-se servido dela inteligentemente e sem a enfermeiraO'Brien terconsciência disso. Era evidente, portanto, que a enfermeiraHopkinsestavaafazeroseujogo.Compareiasduasmentiras,adelaeadeRoderickWelman.Seriamambasinofensivas?Nocaso

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deRoderick,respondilogo:sim.RoderickWelmanéumapessoamuitosensível.Admitirqueforaincapazdecumpriroseuplanodepermanecernoestrangeiroeforaimpelidoaregressaràsocapaparaandardevoltadaraparigaquenãoquerianadacomele,tê-lo-ia ferido terrivelmente no seu orgulho. Uma vez que nãoestiverapróximodolocaldocrimenemtiveraconhecimentodeletomouocaminhomaisfácil,evitandocoisasdesagradáveis(umacaracterísticasuamuitomarcada)enãomencionouaquelarápidavisita a Inglaterra e disse simplesmente que regressara a 1 deAgostoquandorecebeuanotíciadocrime.

Agora quanto à enfermeira Hopkins, seria a sua mentirainofensiva?Quantomaispensavamaisextraordináriameparecia.PorqueéqueaenfermeiraHopkinstiveranecessidadedementirpor ter uma marca no pulso? Que significava aquela marca?Comecei a fazer perguntas a mim próprio. A quem pertencia amorfinaquedesapareceu?àenfermeiraHopkins.

QuempodiateradministradoessamorfinaàsrªWelman?AenfermeiraHopkins.Sim,masentãoporquechamaraaatençãoparaoseudesaparecimento?Sópodiahaverumarespostaparaisto,sefosseaenfermeiraHopkinsaculpada,porquesignificavaqueooutrocrime,amortedeMaryGerrard,jáestavaplaneadaeescolhido um bode expiatório, e seria preciso que a pessoaescolhida tivesse tido oportunidade de obter morfina. Haviaoutros pormenores que se ajustavam à ideia. A carta anónimaescrita a Elinor, destinada a criar animosidade entre Elinor eMary.A ideia era, semdúvida, queElinor viesse e quisessepôrtermo à influência de Mary sobre a srª Welman. O facto deRoderick Welman se apaixonar violentamente por Mary, era, éclaro,umacircunstânciatotalmenteimprevista,masaenfermeiraHopkinssoubelogoaproveitar-sedela.EisomotivoidealparaobodeexpiatórioousejaparaElinor.

Mas qual era a razão dos dois crimes? Que motivo podiahaverparaaenfermeiraHopkinsmatarMaryGerrard?Comeceiavislumbrarqualquercoisaemboraaindavagamente.AenfermeiraHopkins tinha muita influência sobre Mary e um dos modoscomo exerceu essa influência foi induzindo a rapariga a fazertestamento.MasotestamentonãoeraembenefíciodaenfermeiraHopkins.EraembenefíciodeumatiadeMaryquevivianaNovaZelândia. E então lembrei-me de uma observação casual que

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alguém na aldeia me tinha feito, afirmando que essa tia foraenfermeira.

Comecei a vermelhor. A razão do crime estava a tornar-semaisaparente.Opassoseguintefoifácil.FuivisitarumavezmaisaenfermeiraHopkins.Ambosrepresentámosmuitobemonossopapel. Por fim fingiu ter sido convencida a dizer o que desde oinícioestavadesejosaquesesoubesse!Nãotencionavatalvezdizê-lotãocedo!Masaoportunidadeeraboaeelanãopôderesistjr.E,de resto, a verdade havia de saber-se de qualquermaneira. Porisso com pseudo-relutância mostrou-me a carta. E então, meuamigo, acabaram-se as conjecturas. Fiquei sabendo! A cartadenunciava-a.

-Como?-perguntouPeterLordfranzindoatesta.-Meucaro,ocabeçalhodacartaeraoseguinte:“ParaMary,paralheenviaremdepoisdaminhamorte.”Mas

amaneiracomoacartaestavaescritarevelavaperfeitamentequenãoeraMaryGerrardquedeviasaberaverdadequeelacontinha.A palavra enviada (e não entregue) escrita no sobrescrito eratambémelucidativa.AquelacartanãotinhasidodirigidaaMaryGerrardmasaoutraMary.ElizaRileyescreveraaverdadeparaairmã delaMaryRiley que vivia emNova Zelândia. A enfermeiraHopkinsnão encontraraaquela cartana casado guardadepoisdamortedeMaryGerrard.Hámuitosanosqueatinhaemsuaposse. Recebera-a na Nova Zelândia, para onde fora enviadadepoisdamortedairmã.

Fezumapausa.-Umavezdescobertaaverdadecomainteligência,orestofoi

fácil.Arapidezdasviagensaéreastornoupossívelapresença.notribunaldeumatestemunhaqueconheceubemMaryDrapernaNovaZelândia.

- Suponha que se tinha enganado e queMary Draper e aenfermeiraHopkinsnãoeramamesmapessoa?-dissePeter.

-Nuncameengano!-dissePoirotfriamente.PeterLordriu-se.HerculePoirotcontinuou:-Meuamigo,sabemosagoraalgumacoisadestaMaryRiley

ouDraper.ApolíciadaNovaZelândianãoconseguiuobterprovassuficientesqueconfirmassemassuassuspeitas,masandavamavigiá-laquandoderepenteabandonouopaís.Houveumadoente

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dela,umasenhoradeidadequedeixouàsua“queridaenfermeiraRiley”umarazoávelherançazinhaecujamorteintrigoubastanteomédicoassistente.OmaridodeMaryDraperfezumsegurodevidanumvalorconsiderávelafavordelaeasuamortefoisúbitaeinexplicável.

Infelizmenteparaela,elenãotinhaaindapagooseguro.Nãosesabequantasmortesmaisselhepodematribuir.Ocertoéqueé uma mulher sem consciência e sem escrúpulos. Pode-seimaginar que a carta da irmã lhe sugeriu possibilidadestentadoras.QuandoaatmosferanaNovaZelândiaselhetornouinsuportável,comosecostumadizer,eelaveioparaInglaterraerecomeçouasuaprofissãosobonomedeHopkins (umaantigacolegadeladohospitalquemorreunoestrangeiro),Maidensfordera o seu objectivo. Talvez tivesse pensado primciramente emqualquer chantagem. Mas a srª Welman não era o género depessoaquesedeixasseenganar,eaenfermeiraRileyouHopkinsmuito sensatamente não tentou fazer nada disso. Sem dúvidainformou-se e descohriu que a srªWelman eramuito rica e emqualquer ocasião a srª Welman podia ter revelado, scm querer,quenãotinhafeitotestamento.

Então,nessanoitedeJunho,quandoaenfermeiraOBriencontouàcolegaqueasrªWelmanpediraparamandaremchamaroseuadvogado,Hopkinsnãohesitou.

AsrªWelmantinhademorrersemfazertestamentoparaqueafilhailegítimaherdasseafortuna.Hopkins,entretanto,tornara-seamigadeMaryGerrardeadquirirabastanteinfluênciasobrearapariga. Restava-lhe persuadi-la a fazer testamento deixando afortunaàirmãdamãe;ecuidadosamenteinspirou-lhearedacçãodessetestamento.Nãosemencionavaoparentesco:diziaapenas“MaryRileyirmãdafalecidaElizaRiley”.Umavezassinadoisto,MaryGerrardestavaperdida.Amulhersótinhaqueesperarumaoportunidade.Játinhaplaneado,imaginoeu,ométododocrimecomousodeapomorfinaparalhegarantirumalibi.

Pode ter pensado levar Elinor e Mary a sua casa, masquandoElinorveiotercomelasàcasadoguardaelhespediuquefossem consigo comer sanduíches compreendeu imediatamentequeaquelaeraaoportunidadeideal.AscircunstânciaseramtaisqueerapraticamentecertoElinorsercondenada.

-Esenãofosseosenhor,seriacondenada-dissePeterLord.

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-Não,meuamigo,éasiqueela temdeagradeceravida -afirmouPoirot.

-Eu?Eunãofiznada.Tentei...Calou-se.HerculePoirotsorriuligeiramente.- Sim, é verdade, tentou tudo, não tentou? Estava

impacientepornãomeverchegaranenhumaconclusão.Eporoutroladotinhareceiodequeelafosserealmenteculpada.Eporisso, com grande impertinência tambémmementiu! Mas, meucaro,nãoo fezcommuita inteligência.De futuroaconselho-oatratarosarampoeasbexigaseanãoarmaremdetective.

PeterLordcorou.-Percebeutudo?-perguntouele.-Levou-mepelamãoaumaclareiranosarbustoseajudou-

meaencontrarumacaixadefósforosalemãesquelátinhaposto!Queinfantilidade!

PeterLordpestanejou.-Esqueça-sedisso!Poirotcontinuou:- Conversou com o jardineiro e convenceu-o a dizer que

tinhavistooseucarronaestrada;edepoisfingiuumsobressaltoe disse que não era o seu carro. E olhou paramim com ar desuspeitaparamedaraentenderquealguém,umestranhodeviatercáestadonessamanhã.

-Fizumatristefigura-dissePeterLord.-EqueéquefoifazeraHunterburynessamanhã?PeterLordcorou.-Erapurapatetice...Tinhaouvidodizerqueelaestavacáe

fui láacimaàcasanaesperançadeaver.Nãotencionavafalar-lhe.Sóqueria,enfim,sóqueriavê-la.Daquelecaminhoentreosarbustosvi-anacopaacortarpão...

-CarlotaeopoetaWerther.Continue,meuamigo.-Nãotenhonadaadizer.Meti-menosarbustosefiqueialia

olharparaelaatéelaseirembora.-Apaixonou-seporElinorCarlisleaprimeiravezqueaviu?-

perguntousuavementePoirot.-Creioquesim.Houveumsilênciolongo.PeterLorddisseporfim:- Creio que ela e Roderick Welman casarão e serão muito

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felizes.- Meu caro amigo, você não crê nada disso! - exclamou

Poirot.- Por que não? Ela perdoar-lhe-á o caso deMary Gerrard.

Aliásfoiapenasumentusiasmo.-Émaiscomplicadodoqueisso...Háàsvezes,umprofundo

abismoentreopassadoeofuturo.Quandosecaminhoupelovalesombriodamorteesesaiudeleparaa luzclaradosol -então,meuamigo,começaumavidanova...Opassadonãoserve...

Esperouuminstanteecontinuou:-Uma vidanova... É o queElinorCarlilsle está a começar

agora-efoivocêquemlhedeuessavida.-Não,demaneiranenhuma.-Foisim.Foiasuadecisão,asuaarroganteinsistênciaque

meimpeliuafazeroquemepedia.Admiteounãoagoraqueéasiqueeladeveestargrata?

-Sim,estámuitograta -dissePeterLordpausadamente. -Pediu-mequeafossevisitarmuitasvezes.

-Elaprecisadesi.-Não tanto comoprecisadele! - exclamouPeter Lordnum

tombrusco.-ElanuncaprecisoudeRoderickWelman-afirmouPoirot.-

Amava-omaseraumamorinfeliz,desesperadomesmo.-Nuncameamaráassim-disserudementePeterLordcom

umaexpressãoparadaeamarga.-Talveznão-dissePoirotcomvozsuave.-Masprecisadesi,

meuamigo,porquesóconsigopodeviraserfeliz.PeterLordficoucalado.AvozdeHerculePoirottornou-seaindamaissuave.-Porquenãoaceitaosfactos?ElaamavaRoderickWelman.

Equetemisso?Consigopodeserfeliz...

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SobreaAutora

AgathaChristieiniciousuabrilhantecarreiraliteráriacomo

livro “Omisterioso casodeStyles”em1921.Desdeseuprimeiro

romance, revelou uma habilidade fantástica para arquitetar um

mistério policial, engendrando uma série de pistas falsas. Ao

mesmo tempo, demonstrava um notável senso de observação

psicológica.

NascidaemTorquay,na Inglaterra,emsetembrode1891,

Agatha Mary Clarissa Miller era filha de mãe inglesa e pai

americano, que morreu quando ela ainda era bem criança. Na

infânciae juventude,dedicou-secomentusiasmoàleitura,e logo

descobriu seusautorespreferidos.Emvezdehistóriasdeamor,

seu interessevoltava-separaCharlesDickenseConanDoyle,o

criadordeSherlockHolmes.

Seusconhecimentosdequímica,poçõesevenenos,quetêm

papelrelevanteemquasetodasassuastramas,foramadquiridos

quando trabalhou como voluntária em um hospital da Cruz

Vermelha, durante a Primeira Guerra Mundial, ajudando

especialmenteosrefugiadosbelgas.

Dame Agatha sempre foi excelente cozinheira, gostava da

vidadomésticaeodiavaapublicidadeeasocasiõesemquetinha

de aparecer em público. Construía seus mistérios caminhando

pelos parques ou devorando maças em grande quantidade,

durante seus banhos de imersão. Lia muita poesia moderna e

detestava o revólver e o punhal: “Prefiro as mortes por

envenenamento”,costumavadeclarar.

“Aparticipaçãodo leitorêessencial.Eledevedesvendaro

mistério lentamente, como se estivesse sendo envenenado.” Tão

traduzida quanto Shakespeare, com quase quatrocentosmilhões

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deexemplaresvendidos,a“damadocrime”éaresponsávelpela

quarta tiragemmundial de todos os tempos: à sua frente estão

apenasLênin,JúlioVerneeLievTolstói.

Ao falecer, em 1976, deixou uma obra que continua a

mereceraadmiraçãodeleitoresdomundointeiro.