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1 Agentes Comunitários de Saúde: uma síntese da literatura Gabriela Lotta e Janaína Camassa RESUMO Tendo em vista a necessidade de síntese dos diversos enfoques produzidos pela literatura nos últimos anos em relação ao Programa Saúde da Família e ao Programa de Agentes Comunitários da Saúde, este artigo tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica a respeito das principais questões que nortearam o debate sobre os Agentes Comunitários da Saúde. Para tanto, a análise da literatura foi dividida sob três eixos principais: a produção até outubro de 2004, a produção entre agosto de 2005 e agosto de 2009 e uma compilação das questões relevantes que ainda podem ser objeto de futuros trabalhos. O diagnóstico da literatura sistematizada permite perceber que há um enfoque da literatura sobre os ACS no olhar empírico da realidade e da prática de ação dos agentes. Entretanto, também há na literatura uma diversidade em termos analíticos e metodológicos, que apontam para diferentes conclusões a respeito do trabalho dos ACS. Para além da riqueza que esta conclusão aponta, fica evidente também a necessidade de mais trabalhos que sintetizem a análise sobre os ACS, buscando olhares intermediários e de médio alcance para observar e concluir qual o rumo que tal literatura tem apontado a respeito do trabalho dos ACS. PALAVRAS-CHAVE Programa Saúde da Família – Programa de Agentes Comunitários da Saúde – Agentes Comunitários da Saúde – saúde pública

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Agentes Comunitários de Saúde: uma síntese da literatura

Gabriela Lotta e Janaína Camassa

RESUMO

Tendo em vista a necessidade de síntese dos diversos enfoques produzidos

pela literatura nos últimos anos em relação ao Programa Saúde da Família e

ao Programa de Agentes Comunitários da Saúde, este artigo tem como

objetivo realizar uma revisão bibliográfica a respeito das principais questões

que nortearam o debate sobre os Agentes Comunitários da Saúde. Para tanto,

a análise da literatura foi dividida sob três eixos principais: a produção até

outubro de 2004, a produção entre agosto de 2005 e agosto de 2009 e uma

compilação das questões relevantes que ainda podem ser objeto de futuros

trabalhos. O diagnóstico da literatura sistematizada permite perceber que há

um enfoque da literatura sobre os ACS no olhar empírico da realidade e da

prática de ação dos agentes. Entretanto, também há na literatura uma

diversidade em termos analíticos e metodológicos, que apontam para

diferentes conclusões a respeito do trabalho dos ACS. Para além da riqueza

que esta conclusão aponta, fica evidente também a necessidade de mais

trabalhos que sintetizem a análise sobre os ACS, buscando olhares

intermediários e de médio alcance para observar e concluir qual o rumo que tal

literatura tem apontado a respeito do trabalho dos ACS.

PALAVRAS-CHAVE Programa Saúde da Família – Programa de Agentes Comunitários da Saúde –

Agentes Comunitários da Saúde – saúde pública

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O Programa Saúde da Família (PSF), criado em 1994, integra um

conjunto de medidas de reorganização da atenção básica à saúde na

perspectiva de se constituir uma das estratégias de reorientação do modelo de

atendimento à população no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O

Programa busca garantir atenção básica com a prestação de serviços nos

próprios domicílios, com o objetivo de humanizar o atendimento, abordar a

saúde dentro do contexto social e intervir sobre fatores de risco das residências

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).1

O PSF é estruturado a partir de equipes de profissionais responsáveis

por uma área territorial e todas as famílias que vivem dentro dela. As equipes

são formadas por um médico, um (a) auxiliar de enfermagem, um (a)

enfermeiro (a) – coordenador (a) da equipe - e quatro a seis Agentes

Comunitários de Saúde (ACS). Cada equipe é, em tese, responsável por uma

área geográfica que engloba de 600 a 800 famílias.

As equipes ficam situadas dentro de uma Unidade Básica de Saúde

(UBS), sendo esta um equipamento público onde são realizados procedimentos

básicos e onde se localizam também algumas equipes e profissionais que não

participam diretamente do PSF.

Para garantir a atenção direta às famílias, o PSF tem como figura central

o Agente Comunitário de Saúde, cuja origem remete à experiência no Ceará,

em 1987, que possuía o duplo objetivo de criar oportunidade de emprego para

mulheres na área da seca e contribuir para queda da mortalidade infantil. Esta

estratégia se expandiu no estado e foi encampada pelo Ministério da Saúde no

Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). A

incorporação do PACS no PSF, em meados dos anos 90, trouxe a figura do

ACS para um papel estratégico no desenvolvimento de ações nos domicílios de

sua área de responsabilidade e junto à unidade de saúde para programação e

supervisão de suas atividades.

1 Atualmente, o Programa tem cerca de 28.000 equipes atuando em 80% dos municípios brasileiros, o que abrange cerca de 65 milhões de pessoas (35% da população brasileira).

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O ACS é uma pessoa da própria comunidade que deve orientar as

famílias a cuidarem de sua saúde e da saúde comunitária. Ele atua ligado a

uma Unidade Básica de Saúde e atende os moradores de cada domicílio da

micro-região de que é responsável. Em 2006, uma portaria do Ministério da

Saúde revisou e consolidou as funções e as responsabilidades de cada pessoa

da equipe do PSF, destinando aos ACS os encargos de desenvolver ações

integrando as equipes e as famílias, orientar as famílias a respeito dos serviços

de saúde, elaborar atividades de promoção da saúde e acompanhar os

usuários em seus domicílios, entre outros.

Os ACS são selecionados entre os moradores da comunidade e devem

ter idade mínima de 18 anos, saber ler e escrever, residir na comunidade há

pelo menos 2 anos e ter disponibilidade integral para exercerem suas

atividades.

Metodologia Desde a origem do Programa Saúde da Família e do Programa de

Agentes Comunitários de Saúde, a literatura tem trabalhado e analisado

experiências sob diversos enfoques. Tendo em vista a necessidade de síntese

desta literatura produzida, este artigo tem como objetivo realizar uma revisão

bibliográfica a respeito das principais questões que nortearam o debate sobre

os ACS nos últimos anos.

Para tanto, a análise da literatura foi dividida sob três pilares centrais. O

primeiro deles analisará a literatura científica até outubro de 2004, que já foi

sistematizada por diversos trabalhos acadêmicos (BORNSTEIN e STOTZ,

2008, SANTOS, 2004). Para a presente síntese, utilizou-se o trabalho

desenvolvido por Bornstein e Stotz (2008), que consultaram cerca de 504

artigos de periódicos científicos, manuais e documentos oficiais, dos quais 49

foram analisados na íntegra, sistematizados e analisados.

O segundo eixo de análise terá como base a produção sobre os ACS

realizada entre agosto de 2005 e agosto de 2009. Para tanto, tomou-se como

base de busca os artigos indexados no Portal Scielo Brasil, a partir das

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palavras-chave ou palavras de título como Agentes Comunitários de Saúde,

ACS, Agente Comunitário, Agentes Comunitários e Agentes de Saúde. Na

pesquisa foram encontrados 56 artigos dos quais, após uma análise breve,

foram selecionados 47 que tivessem como foco a análise do trabalho dos

agentes, considerando suas práticas, saberes, processos de educação,

capacitação, formação ou inserção na equipe, entre outros. Estes artigos foram

lidos e estruturados a partir de enfoques como: objetivos do artigo, metodologia

adotada, pessoas pesquisadas e contribuição da pesquisa para entender os

ACS.

Por fim, no terceiro eixo, será apresentada, a partir destes materiais

organizados e de outras teses e livros publicados, uma compilação das

questões relevantes que ainda podem ser objeto de futuros trabalhos.

A literatura até 2004 Em artigo publicado em 2008, Bornstein e Stotz (2008) realizaram um

levantamento da bibliografia organizando as referências da literatura a respeito

dos Agentes Comunitários de Saúde publicados até 2004.

Para a pesquisa, foram levantados todos os artigos e trabalhos

acadêmicos encontrados nas seguintes bases de dados: Escola Nacional de

Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Biblioteca do Ministério da Saúde,

Editora do Ministério da Saúde, Portal Capes, Portal Scielo Brasil e Revista

Interface – Comunicação, Saúde e Educação (2008). Somado a isso, foram

utilizadas como palavras-chave Agente Comunitário, Agente Saúde, Saúde da

Família, Agente Comunitário de Saúde, entre outros.

Após o levantamento de mais de 2500 resultados, eliminou-se os artigos

que tivessem como foco principal indicadores de saúde, aspectos financeiros e

administrativos e temas de interesse específico regional. Dessa forma,

consultou-se cerca de 504 artigos de periódicos científicos, manuais e

documentos oficiais, dos quais 49 foram consultados na íntegra, permitindo

sistematizar as referências da literatura relacionadas à formação e aos

processos de trabalho dos ACS.

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A partir da análise e revisão dos artigos, os autores encontraram

basicamente quatro eixos temáticos significativos e recorrentes na literatura:

• Mudança do modelo de atenção à saúde

• Mediação/elo

• Perfil profissional e atribuições

• Formação

Quanto ao primeiro eixo - mudança de modelo de atenção à saúde - os autores afirmam que, desde 1997, o PACS e o PSF passaram a ser

prioridades no Plano de Metas do Ministério da Saúde. Neste sentido,

especialmente o PSF, é visto como estratégico, pois visa à reorientação do

modelo assistencial, na medida em que inverte a lógica hospitalocêntrica para

um modelo que tem como foco as famílias e sua interação com o ambiente

físico e social, a adscrição territorial das famílias e das equipes, a estruturação

de equipes multiprofissionais, a prevenção em saúde, o foco em detecção das

necessidades da população e não nas demandas espontâneas e a atuação

intersetorial para promoção da saúde.

No entanto, ao analisar a literatura da época, os autores encontram um

discurso mais pessimista com relação às possibilidades de transformação e

inversão do Programa Saúde da Família. Uma das críticas encontradas na

literatura a respeito dos processos de transformação é de que o PSF

promoveria uma mudança apenas incremental, havendo uma defasagem entre

o discurso mudancista e as práticas implementadas. Analisando o processo de

implementação e seus problemas, identificaram dificuldades como o alto grau

de normatividade do programa, a insuficiência do foco em vigilância e

epidemiologia, a excessiva intromissão dos profissionais na privacidade das

pessoas, a existência de unidades médicocentradas, entre outras. Nesta

perspectiva, aponta-se que a implantação do PSF por si só não resultaria em

uma mudança do modelo (VIANNA e DAL POZ, 1998).

Outra perspectiva aponta que o trabalho dos ACS seria visto como um

serviço para pobres ou como alternativa para os serviços tradicionais. Neste

sentido, haveria o risco de focar em projetos que perpetuam a desigualdade e a

discriminação, com especialização e tecnologia para os ricos e simplificação e

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baixa qualidade para os pobres. Assim, os serviços prestados pelo PSF teriam

problemas com relação à baixa resolutividade, rigidez na formação profissional

das equipes, despreparo e qualificação insuficiente dos médicos, entre outros

(GIFFIN & SHIRAIWA, 1989, FERNANDES, 1992, FAVORETO & CAMARGO

Jr, 2002).

Com relação ao eixo Mediação/Elo, os autores apontam que é uma

unanimidade, tanto na literatura como nos documentos oficiais, o tratamento do

ACS como um mediador ou elo entre comunidade e serviços ou entre saberes

diferentes. Os autores apresentam diversas pesquisas conduzidas em estados

e municípios brasileiros que apontam alguns benefícios e críticas à função de

mediação dos ACS. Nesta perspectiva, uma das questões centrais diz respeito

ao pertencimento dos ACS à comunidade e sua vinculação e identidade

cultural comuns aos da população usuária dos serviços.

Outra questão apresentada refere-se à penetração dos ACS junto à

população das áreas cobertas. Pesquisas neste sentido apontam, por exemplo,

que os ACS eram muito conhecidos e tidos como referência pelos usuários do

serviço. Os próprios usuários considerariam os agentes como elo que facilitaria

seu acesso às UBS.

No terceiro eixo sistematizado por Bornstein e Stotz (2008) - perfil profissional e atribuições - os autores relatam como a literatura aponta uma

ambigüidade ou pluralidade no entendimento das atribuições dos ACS.

Neste sentido, há diferentes entendimentos e compreensões a respeito

de quais seriam as atribuições dos ACS e qual o papel deste ator no sistema

de saúde. Para o próprio Ministério da Saúde, os ACS seriam vistos enquanto

trabalhadores do âmbito do SUS e, ao mesmo tempo, relevante no contexto de

mudança das práticas de saúde e em seu papel social junto à população.

Para alguns autores os ACS são vistos como trabalhadores sui generis,

e genérico, na medida em que possuem uma identidade comunitária e realizam

tarefas que não se restringem ao campo da saúde, ao mesmo tempo em que

são vistos, por vezes, como pertencentes ao grupo de enfermagem

(NOGUEIRA et al, 2000).

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Já para Silva e Dalmaso (2002), o trabalho dos ACS possui duas

dimensões: uma estritamente técnica (atendimento aos indivíduos,

monitoramento e prevenção de agravos, etc.) e outra mais política (saúde

entendida como organização da comunidade e transformação das condições

de vida). Neste sentido, para as autoras,

“Sua capacidade de liderança e sua história de iniciativas de

ajuda comunitária seriam partes integrantes e importantes do

seu perfil. Portanto, como requisito da política que lhe deu

origem, o conjunto das atividades típicas dos ACS tem de ser

ancorado nesse perfil social (...) o ACS constitui um

trabalhador sui generis” (SILVA e DALMASO, 2002:92).

Ainda a respeito da literatura, Bornstein e Stotz (2008) apontam que há

também uma evidência de que os ACS seriam “super-heroizados” e

romantizados, atribuindo-se a eles o papel de “mola propulsora da

consolidação do SUS” (TOMAZ, 2002). Haveria, aqui, uma sobrecarga de

expectativa em relação aos trabalhos dos ACS, em relação à atribuição que se

dá a estes agentes em seu papel de apoio emocional e psicológico para as

famílias.

O quarto eixo da literatura sistematizada por Bornstein e Stotz (2008) diz

respeito à formação dos ACS. Os autores apontam como principais fontes os

documentos oficiais do Ministério da Saúde, como a Lei 10.507/2002 que criou

a profissão dos ACS e estabelece as exigências de qualificação mínima, as

capacitações recomendadas pelo Ministério, os manuais que dizem respeito

aos conteúdos a serem tratados e o referencial curricular para o curso técnico

com suas etapas formativas I, II e III. O que chama atenção nestes

documentos é a questão de que a formação em saúde para os ACS deve ser

tratada de forma ampla, considerando aspectos relacionados à alimentação,

moradia, trabalho, cultura, educação, participação, etc. Além disso, estão

colocadas claramente questões relacionadas à prevenção de doenças e

promoção de saúde e o conceito de risco.

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Com relação à literatura, os autores afirmam que há pouca menção a

experiências de formação dos ACS. No entanto, uma das questões apontadas

pelo artigo é a necessidade de a formação ter como referência as demandas

apresentadas pela população somadas às responsabilidades técnicas de

saúde. Dessa forma, o treinamento dos ACS deve muni-los de saberes

diversos em torno do processo de saúde doença e, ao mesmo tempo, de

saberes que lhes permitam interação cotidiana com as famílias e

reconhecimento de suas necessidades. (GRIFFIN & SHIRAIWA, 1989, e TRAD

et al, 2002).

Outro aspecto abordado pela literatura diz respeito à contradição na

formação dos ACS, na medida estes normalmente possuem mais acesso a

saberes biomédicos, o que poderia levar a uma supervalorização destes em

relação aos saberes cotidianos e populares (NUNES et al, 2002).

O artigo ainda aponta algumas menções a respeito de novas tecnologias

de ensino para os ACS, como educação à distância e novas tecnologias, bem

como a importância de se ter um olhar para capacitação a partir de

competências.

A literatura de 2005-2009 A fim de analisar a literatura mais recente a respeito dos ACS e

identificar as principais questões discutidas atualmente, realizou-se um

levantamento e síntese da literatura publicada entre agosto de 2005 e agosto

de 2009. A base de busca foi os artigos indexados no Portal Scielo Brasil, a

partir das palavras-chave ou palavras de título como Agentes Comunitários de

Saúde, ACS, Agente Comunitário, Agentes Comunitários e Agentes de Saúde.

Foram encontrados 56 artigos dos quais, após uma análise breve, foram

selecionados 47 que tivessem como foco a análise no trabalho dos agentes,

considerando suas práticas, saberes, processos de educação, capacitação ou

formação ou sua inserção na equipe, entre outros. Assim, foram excluídos os

trabalhos que analisassem a saúde clínica dos ACS, por exemplo.

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Os 47 artigos selecionados foram lidos e organizados a partir dos

seguintes enfoques:

I. Objetivos do artigo

a. O que o artigo quer entender

b. Qual o foco (ex: gestão, política pública, psicologia do trabalho,

etc.)

II. Metodologia

a. Se é qualitativa ou quantitativa

b. Qual foi a forma de coleta das informações (questionários,

entrevistas, grupos focais)

c. Local de coleta das informações (ex: unidade básica, município,

estado, etc.)

III. Pessoas pesquisadas

a. Número

b. Profissões (ex: enfermeiras, ACS, médicos, população, etc.)

IV. Resumo da contribuição da pesquisa para entender os ACS

a. O que querem saber dos ACS?

b. Se o foco do artigo é nos ACS

c. Qual a principal contribuição que tiram sobre os ACS

A seguir segue a análise realizada a partir das sínteses realizadas dos

artigos.

Ao longo destes 5 anos de estudo, 69% dos artigos tiveram como base

pesquisas qualitativas e 31% se utilizaram de métodos quantitativos. Das

pesquisas qualitativas, 38% deles se basearam em entrevistas com

profissionais ou usuários do PSF, 29% se utilizaram de questionários

estruturados, 21% de grupos focais, 4% de observação participativa ou

metodologias etnográficas, 4% em análise documental e 4% em metodologias

de história oral.

43 dos 47 estudos tiveram como base pesquisas de campo realizadas

em diversos municípios e estados, totalizando 89 municípios e 2 estados

estudados, divididos da seguinte maneira:

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22 estudos (correspondendo a 51%), realizados em municípios do

Estado de São Paulo; 8 estudos (19%), em municípios do Estado do Rio

Grande do Sul. Foram ainda realizados 2 estudos em municípios do

Pernambuco, 1 estudo em municípios de cada estado: Espírito Santo, Minas

Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Ceará. Há

ainda dois trabalhos relativos ao Governo Estadual do Rio Grande do Sul, um

estudo da Região Nordeste do Brasil e outro estudo comparando as regiões

Nordeste e Sul.

Com relação aos profissionais estudados, verificaram-se as seguintes

constatações:

Categoria profissional ou pessoas

Número de profissionais estudados

Agentes Comunitários de

Saúde

4613

Equipes 4749

Gerentes de UBS 4

Auxiliares de Enfermagem 17

Enfermeiras e Médicos 355

Agentes de Vetores 677

Famílias 400 Fonte: autoria própria

No entanto, vale uma ressalva de que apenas 63% dos artigos

analisados tinham como foco central estudar os Agentes Comunitários de

Saúde.

Cabe agora analisar os temas estudados pelos trabalhos mais recentes.

Para tanto, os trabalhos foram organizados a partir dos temas mais recorrentes

a que se referiam, o que levou na identificação de 6 temas centrais e

respectivos 14 subtemas. Os artigos foram classificados a partir destes temas e

subtemas, levando à construção da tabela abaixo, com os percentuais de

recorrências de artigos para cada tema e subtema.

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Principais Temas Discutidos

% de Recorrência

1. Psicologia e Relações de Trabalho 17%

Relações de Trabalho 2%

Psicologia do Trabalho 11%

Saúde Ocupacional 4%

2. Trabalho dos ACS - Práticas e Conhecimentos 40%

Análise do Trabalho dos ACS 17%

Conhecimento do Trabalho 23%

3. Trabalho das Equipes PSF - Práticas e Conhecimentos 8%

Análise do Trabalho das equipes 2%

Conhecimento das equipes 6%

4. Formação dos ACS 12%

Avaliação de instrumento de formação 2%

Avaliação de formação 6%

Capacitar ACS 2%

Construir programa de capacitação 2%

5. Análises Comportamentais - ACS e Equipes 13%

Analisar percepção dos ACS 9%

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Discussão sobre privacidade 4%

6. Avaliação do Impacto do Programa 9%

Avaliar impacto da política pública 9%

Fonte: autoria própria

A partir da análise da tabela acima, percebe-se que o tema mais

recorrente diz respeito às Práticas e Conhecimentos dos Agentes Comunitários

de Saúde, com cerca de 40% dos trabalhos. Em segundo lugar, estão os

estudos sobre Psicologia e Relações de Trabalho (17%), seguidos de Análises

Comportamentais dos ACS e das Equipes (13%), Formação dos ACS (12%),

Avaliação do Impacto do PSF (9%) e Práticas e Conhecimentos das Equipes

(8%).

Em seguida, os temas e subtemas foram classificados por conteúdos

específicos de saúde que eram tratados pelos artigos, levando a elaboração da

tabela abaixo. A principal função desta tabela é apresentar como os conteúdos

específicos da saúde são tratados em cada um dos temas e subtemas dos

artigos.

Temas e Subtemas

% de Recorrência

Conteúdo da Saúde

No. de Artigos Correspondentes

1. Psicologia e Relações de Trabalho 17%

Relações de Trabalho 2% Genérico 1

Psicologia do Trabalho 11% Saúde Mental 2

Identidade do ACS 2

Perfil das equipes 1

Saúde Ocupacional 4% Saúde mental do 1

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ACS

Qualidade de vida

do ACS 1

2. Trabalho dos ACS - Práticas e Conhecimentos 40%

Análise do Trabalho dos ACS 17% Farmácia 1

Conduta e ética 1

Educação para

saúde 1

Genérico 1

Dengue 2

Saúde bucal 1

Saúde mental 1

Conhecimento do Trabalho 23% Saúde do Idoso 1

Drogas 1

Morbidade 1

Saúde bucal 2

Saúde sexual 2

Saúde mental 2

Doenças

respiratórias 1

Tuberculose 1

3. Trabalho das Equipes PSF - Práticas e Conhecimentos 8%

Análise do Trabalho das

equipes 2% Uso do SIAB 1

Conhecimento das equipes 6% Genérico 1

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Aleitamento Materno 1

Saúde do idoso 1

4. Formação dos ACS 12%

Avaliação de instrumento de

formação 2% Cartilha 1

Avaliação de formação 6% Fonoaudiologia 1

Saúde bucal 1

Saúde auditiva 1

Capacitar ACS 2% Saúde sexual 1

Construir programa de

capacitação 2% Genérico 1

5. Análises Comportamentais - ACS e Equipes 13%

Analisar percepção dos ACS 9%

Farmácia e

medicamentos 1

Sobre o PSF 1

Sobre famílias

Monoparentais 1

Saúde do Idoso 1

Discussão sobre privacidade 4% Saúde Sexual 1

Relação usuários e

ACS 1

6. Avaliação do Impacto do Programa 9%

Avaliar impacto da política

pública 9% Saúde sexual 1

Saúde da criança 2

Gestantes 1 Fonte: autoria própria

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Compilando os conteúdos principais da saúde tratados acima,

encontrou-se uma grande diversidade de temas, com pouca representatividade

de cada um. Os destaques que podem ser feitos são para Saúde Mental, com

6 trabalhos, Saúde Sexual, com 5, Saúde Bucal, com 4, e Saúde do Idoso, com

3. Os demais temas se apresentam apenas uma ou duas vezes nos artigos

analisados.

Analisando o perfil dos trabalhos acima colocados em comparação com

os trabalhos de 2004, podemos ver algumas mudanças consideráveis de

enfoques dados aos estudos. Vale ressaltar que estamos considerando apenas

os artigos indexados no Portal Scielo Brasil, sem contemplar aqui as

dissertações e teses acadêmicas, nem os livros, que serão tratados em

seguida. Contudo, pode-se considerar que a base de comparação é válida, na

medida em que reflete parte da produção acadêmica da atualidade no país em

relação a este tema.

Em primeiro lugar, a análise permite verificar que não há mais tanta

recorrência com relação aos trabalhos que ressaltavam o poder de mudança

ou transformação do modelo colocado pelo PSF. Também há menor enfoque

para os trabalhos que evidenciam o poder de mediação ou elo do Agente

Comunitário de Saúde, embora esta questão apareça de outra maneira – em

análises práticas sobre o trabalho e comportamento do ACS e sua relação com

os usuários e equipes. Há também forte tendência aos estudos que enfocam o

perfil e as atribuições dos profissionais, bem como sua formação.

Como ressalta Cohn (2009), a vasta produção acadêmica até o início

dos anos 2000, era marcada pelo que denomina de “espanto da novidade”, na

medida em que era um programa novo, construído a partir de diversas

experiências municipais, que mereciam análises mais focadas e ênfase aos

aspectos transformadores do programa. Já nos anos recentes, como aponta a

pesquisadora, predominam as pesquisas de avaliação de impacto e as

destinadas ao processo organizacional e institucional da implantação do

programa, da dinâmica de seu financiamento e da questão de recursos

humanos (COHN, 2009:7).

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Esta mudança pode ser percebida nas sínteses acima colocadas. Como

comentado anteriormente, o destaque à novidade e à transformação diminuiu

drasticamente nos últimos anos, sendo que questões mais voltadas ao

funcionamento cotidiano, aos aspectos organizativos e à avaliação foram

colocadas na agenda. Considerando que o PSF é um programa com mais de

uma década de implementação, justifica-se entrarem na agenda acadêmica

aqueles temas que busquem analisar como se dá a implementação, seja do

aspecto profissional, organizacional ou comportamental, ou que busquem a

avaliação das experiências do programa, tanto do ponto de vista de resultados

como das conseqüências que gera para seus profissionais.

Além disso, observa-se também uma mudança no que diz respeito aos

conteúdos tratados pelas pesquisas, na medida em que eles tendem a ser

cada vez mais pulverizados e especializados e menos genéricos, reflexo

também dos estudos de monitoramento e avaliação de experiência, menos

normativos e gerais.

Ao mesmo tempo em que este olhar permite perceber que há cada vez

mais enfoque em temas específicos da saúde, a síntese dos artigos também

permite ver que boa parte das pesquisas ainda se restringe ao campo da

saúde, analisando o programa e o profissional do PSF nos aspectos clínicos ou

psicológicos. Como afirma Cohn (2009), com raras exceções predominam “os

estudos de natureza micro sobre aqueles de natureza macro” (COHN, 2009: 8).

Assim, há poucas pesquisas que consideram temas mais gerais e relativas às

políticas públicas, especialmente para questões gerenciais do programa, para

seus aspectos e relações federativas, para as condições que impactam na sua

implementação, para o papel dos profissionais ou burocratas na

implementação do programa ou para os avanços em termos de efetividade e

qualidade de vida do programa para a população.

Questões relevantes para análises futuras

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Analisando as sínteses acima colocadas, bem como outras teses,

dissertações e livros a respeito dos Agentes Comunitários de Saúde, percebe-

se que há ainda algumas questões relevantes a serem tratadas pela literatura,

como: 1) Funções, Práticas e Processos de Trabalho dos Agentes

Comunitários de Saúde; 2) Processos de mediação, 3) Percepção de suas

funções.

Com relação aos Processos de Trabalho, Ferraz e Aerts (2005), em

estudo desenvolvido em 29 UBS de Porto Alegre, entrevistaram 114 agentes,

buscando levantar as ações por eles desenvolvidas. A pesquisa aponta que os

ACS realizam, em média, 7 a 9 visitas por dia e que, além das visitas, o

cuidado à crianças é a atividade mais apreciada por eles. Por sua vez, as

menos apreciadas são as administrativas e o preenchimento do Sistema de

Informação da Atenção Básica (SIAB).

As autoras então apresentam um quadro com as atividades mais

desenvolvidas por eles, levantadas a partir de entrevistas e grupos focais com

atividades previamente levantadas:

Atividades Incidência

Visita domiciliar 67,4%

Educação em saúde 32,6%

Acompanhamento de grupos de

risco

23,9%

Incentivo e participação na

formação de grupos

21,7%

Controle vacinal 19,6%

Cadastramento 19,6%

Busca ativa de faltosos 15,2%

Trabalho comunitário 13%

Controle e participação nos

programas de saúde

13%

Atividades burocráticas do posto 13% Fonte: Ferraz e Aerts,

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18

Por fim, as autoras concluem que na maioria dos serviços existe uma

rotina preestabelecida em relação aos trabalhos dos ACS nas unidades, seja

com escala diária ou semanal.

O levantamento do trabalho dos ACS também foi fruto de pesquisa

conduzida por Kluthcovsky e Takayanagui (2006). As autoras buscavam refletir

sobre a atuação dos ACS em um contexto de mudança do modelo de saúde.

Entre outras coisas, as autoras concluem que os ACS trabalham em três

dimensões diferentes: a técnica, que opera com saberes epidemiológicos e

clínicos; a política, na qual se utilizam de saberes da saúde coletiva; e a de

assistência social, na qual trabalham com a idéia de equidade e acesso aos

serviços de saúde.

Em pesquisa conduzida com entrevistas a ACS de um município no

estado de São Paulo, as autoras buscam, através dos discursos coletivos,

compreender o processo de trabalho dos ACS. Para elas os agentes

descrevem seus trabalhos com atividades como: visitas domiciliares,

investigação da existência de situação de risco nos domicílios, orientação para

prevenção de doenças, levar os problemas encontrados nos domicílios para

discussão com a equipe e serviço à comunidade ensinando o que aprenderam.

Para elas, ainda, o foco de seu trabalho é preventivo, de equipe e que

recebem informações que devem ser transmitidas às famílias. Comparando

estas atribuições com aquelas desenhadas pelo Ministério da Saúde, os

autores concluem que “as atividades de identificação de parceiros e recursos

da comunidade, bem como a mobilização da comunidade para a conquista de

ambientes e condições favoráveis à saúde não foram citadas” pelos ACS, o

que significa que eles não entendam estas como suas funções.

Já com relação às Questões Gerenciais de Implementação do Programa, pode-se levantar também algumas pesquisas que apontam para

temas e lacunas interessantes.

A fim de analisar o processo de gerenciamento das UBS para

compreender quais as características que garantem uma boa execução do

programa, NETO e SAMPAIO (2008) entrevistaram as gerentes de 28

Unidades Básicas de Saúde do Município de Sobral.

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19

Como resultado, concluem que os fatores que mais impactam na

produção de bons resultados do programa são: Bom relacionamento com a

equipe (39%), Organização dos serviços de saúde (21%), Equipe

compromissada com o trabalho (18%), Equipe multifuncional (14%), Apoio

dado pela Secretaria (10,7%), Conhecimento das características do território

(10,7%), e Roda de gerentes e da equipe de saúde (10,7%), tendo todos os

outros fatores menos de 10% de incidência.

Como relatado mais adiante, os resultados desta pesquisa confirmam as

impressões que tivemos de que o bom relacionamento, divisão de tarefas e

organização dos serviços são essenciais para que as equipes atuem de forma

integrada – especialmente no que tange a divisão de responsabilidades entre

as gerentes das UBS e as enfermeiras.

Já com relação à literatura de mediação, há algumas contribuições que

a literatura tem feito e outras que poderiam ainda ser objeto de estudo,

apresentadas a seguir.

Uma pesquisa importante sobre este tema foi desenvolvida por Trad et

al (2002) em cinco municípios do Estado da Bahia. A partir de uma extensa

pesquisa etnográfica os autores afirmam que os ACS são valorizados pelos

usuários no que diz respeito à sua capacidade de transitar no sistema formal

de acesso à saúde e facilitar o acesso dos usuários ao sistema. As atribuições

dadas aos ACS provocariam um movimento bi-direcional: por um lado os

agentes informam à população os modos de fazer estabelecidos pelo sistema

médico oficial e, por outro, munem os profissionais de saúde de elementos-

chave para a compreensão dos problemas de saúde das famílias e das

necessidades da população.

Ao mesmo tempo em que são valorizados pela população no acesso aos

serviços de atenção básica, a pesquisa aponta que, quando se trata de acesso

a serviços de alta complexidade, os sistemas de referência e contra-referência

dependeriam de contatos pessoais e informais dos usuários com profissionais

do sistema.

Outra pesquisa relevante foi desenvolvida por Nunes et al e, para eles,

os ACS podem funcionar tanto como facilitadores quanto como empecilhos na

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20

mediação entre os saberes, na medida em que estes atores convivem com a

realidade comunitária e, ao mesmo tempo, são treinados a partir de

referenciais biomédicos.

A partir de pesquisa realizada em três estados e na capital federal,

Nogueira (2000) analisou o papel dos ACS e suas relações de trabalho. O

autor argumenta que o “papel que o ACS exerce na relação com a comunidade

tem que ser contemplado como prioridade na sua caracterização, que abrange

dois aspectos fundamentais: a) identidade com a comunidade; e b) pendor para

a ajuda solidária” (NOGUEIRA et al., 2000:13).

Para o autor, o ACS estabelece o “elo – a ponte entre as ações do

centro de saúde, os profissionais de saúde e as necessidades e prioridades da

comunidade”. Nogueira (2000) ressalta que a atuação do ACS o permite ser

mediador entre as distintas esferas de organização de vida social, mediando os

objetivos das políticas sociais e os objetivos próprios aos cotidianos da

comunidade; “entre as necessidades de saúde e de outros tipos de

necessidades das pessoas; entre o conhecimento popular e o conhecimento

cientifico sobre saúde; entre a capacidade de auto-ajuda própria da

comunidade e os direitos sociais garantidos pelo Estado” (NOGUEIRA,

2000:13).

Outra maneira de observar o processo de mediação exercido pelos ACS

foi construído a partir dos estudos de Fortes e Spinetti analisando o papel das

informações no estabelecimento das relações entre os ACS e os demais

profissionais do PSF.

Para os autores, a reflexão sobre as informações que ocorrem entre

usuários e ACS é importante na medida em que os agentes são os primeiros

ou mais constantes elos de contato entre a população e o restante da equipe.

Através de entrevistas com gerentes de UBS, enfermeiros e ACS, os

autores chegam à conclusão de que, para os gerentes e enfermeiros, o

trabalho dos ACS deveria ter como foco veiculação de informações sobre

saúde, considerando ainda que estas informações deveriam ser mediadas e

decididas por aquilo que os profissionais da equipe entendem ser importante.

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21

Assim, a partir das pesquisas, os demais profissionais da equipe, à parte

dos ACS, mostraram “preocupação e dúvidas quanto ao conteúdo e aos limites

das informações a serem veiculadas pelo agente”. E, neste sentido, há uma

tendência em se estabelecerem limites para o ACS do acesso a determinadas

informações pessoais ou clínicas dos pacientes, de forma que os ACS se

restringissem a passar informações administrativas e organizacionais, como os

serviços disponíveis e seu funcionamento.

Já para os ACS, o principal enfoque de informações deveria ser voltado

a medidas preventivas, formas de facilitação do acesso de usuários ao serviço

e discursos a respeito de questões sociais que interferem no processo de

saúde.

Conclui-se desta pesquisa, portanto, que freqüentemente há debates,

nas próprias equipes, a respeito de qual deve ser o papel de mediação dos

ACS e até que ponto eles devem se estender nesta tarefa sem comprometer a

própria concepção de serviços de saúde.

Uma das críticas ao trabalho dos ACS, colocada por esta literatura, é a

dificuldade dos agentes em encontrar respostas aos encaminhamentos

realizados, especialmente para os serviços de maior complexidade, o que

causaria uma perda de legitimidade em suas ações.

Outra crítica apontada é a respeito do discurso dos ACS que, por sua

formação e relação com as equipes, poderia apenas reproduzir as questões

técnicas de forma mecânica, mudando, inclusive, sua forma de atuação e

comportamento após assumirem as funções de agentes comunitários de saúde

(PEDROSA & TELES, 2001, FERNANDES, 1992, SOLLA et al, 1996).

Bornstein e Stotz (2008) afirmam que falta, pela literatura até 2004, uma

análise e descrição mais profunda sobre como se efetiva o processo de

mediação ou de estabelecimento de elo entre os agentes, população e

profissionais do PSF. Esta questão, inclusive, iria posteriormente servir de base

para o desenvolvimento da tese de doutorado de Bornstein (2008) e de

mestrado de Lotta (2006).

Em pesquisas desenvolvidas entre 2004 e 2005 nos municípios de

Londrina (PR) e de Sobral (CE), pode-se dizer que, no processo de mediação,

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22

os ACS se utilizam de dinâmicas interativas para estabelecerem relação com

os usuários da política pública. Através do uso de mecanismos de interação e

da criação e adaptação de práticas, os ACS mudam sua prática de forma a

tornarem as informações e serviços acessíveis aos usuários.

A partir de análise etnográfica dos 20 ACS identificamos que eles se

utilizam de quatro mecanismos de interação entre estado e sociedade: a) ACS

utilizam referências da comunidade em suas práticas; b) ACS intercalam

saberes adquiridos enquanto profissionais de saúde e saberes próprios de

suas vivências; c) ACS realizam tradução de saberes; d) ACS fazem

triangulação (LOTTA, 2006). O trabalho conclui, então, que é a partir destas

dinâmicas interativas, ou mecanismos relacionais, que os ACS constroem

processos de mediação que lhes permitem legitimar suas ações e colocar em

prática a política pública.

Em pesquisa a uma UBS do Rio de Janeiro, conduzida durante 2005

com observação participante, Bornstein (2008) levantou aspectos relativos ao

processo de mediação conduzido pelos ACS. Para a autora, a mediação é

entendida sob diversos aspectos: como “facilitação do acesso da população

aos serviços; melhor estratégia para que as normas, objetivos e metas dos

serviços sejam entendidos e assimilados pelas ‘classes populares’; maneira de

buscar nos serviços uma abertura para o entendimento da lógica e da dinâmica

locais”, ainda como mediação entre o conhecimento popular e o tecnocientífico

ou como facilitação do acesso aos direitos de cidadania (BORNSTEIN e

STOTZ, 2008).

Para os autores, há uma ambigüidade na mediação conduzida pelos

ACS na medida em que pode tanto significar mediação entre diferentes

saberes ou entre diferentes naturezas de entendimento.

Os autores afirmam que os ACS mediam basicamente cinco elementos

diferentes, priorizados pelos próprios ACS durante as visitas domiciliares: 1.

Informações e conhecimentos sobre a comunidade e os pacientes; 2. Mediação

no serviço local de saúde (UBS); 3. Ouvidor dos serviços de saúde; 4.

Trabalhos educativos em outros espaços e serviços sociais; e 5. Apoio social e

psicológico.

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23

Bornstein e Stotz (2008) trabalham com duas concepções distintas de

exercício de mediação: uma mais vertical, que pressupõe que o conhecimento

científico seja melhor e que as pessoas não têm este conhecimento, por isso

precisam recebê-lo, e outra concepção mais crítica, que pressupõe a

construção compartilhada de conhecimento no processo de mediação.

Os autores constroem, então, uma tipologia de mediação baseada nas

observações:

1) Mediação convencedora: nela busca-se repassar informações sobre

o que seria correto em termos de atitudes e comportamentos. São

usados argumentos como: o medo da morte, a prescrição, etc. Esta

mediação justifica uma educação mais vertical e autoritária

2) Mediação transformadora: tem como ênfase a transformação

democrática da sociedade e contribui para novas práticas de saúde,

com reconhecimento dos diferentes saberes. Nela são reconhecidos

os limites do conhecimento científico da saúde.

Analisando a prática dos ACS, os autores argumentam que eles variam

entre os dois tipos de mediação durante sua prática, e que esta variação

depende de diversas questões, como as próprias diretrizes dos serviços, as

metas exigidas, a organização dos serviços e sua permeabilidade à demanda

da população e a formação dos agentes e dos demais profissionais.

Para concluir, é interessante notar que a observação da literatura

sistematizada, bem como das lacunas existentes, permite perceber que há um

enfoque grande da literatura sobre os ACS no olhar empírico da realidade e da

prática de ação dos agentes. Entretanto, também há na literatura, uma

diversidade grande em termos analíticos, metodológicos e de conclusão, que

apontam para diferentes conclusões a respeito do trabalho dos ACS.

Para além da riqueza que esta conclusão aponta, fica evidente também

a necessidade de mais trabalhos que sintetizem a análise sobre os ACS,

buscando olhares mais intermediários e de médio alcance para observar e

concluir qual o rumo que tal literatura tem apontado a respeito do trabalho dos

ACS.

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