Ágora n.º 18

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Suplemento do JORNAL DE NOTÍCIAS, de 14 de julho de 2012, não pode ser vendido separadamente NÚMERO 18 sábado, 14 julho 2012 JORNAL UNIVERSITÁRIO LABORATÓRIO DO CURSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO INSTITUTO SUPERIOR DA MAIA Urueña Vila do Livro Ibérica MUSEU DA MÚSICA: SONS E PAIXÃO //PÁG. 4 200 KM SEPARAM DESIGNER DO GABINETE EM MADRID //PÁG. 5 joaquim diaz, O VISIONÁRIO //última E-lea: PASSADO E FUTURO //PÁG. 3 Não há no mundo um sítio tão pequeno com uma concentração de cultura tão vasta

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Page 1: Ágora n.º 18

Suplemento do JORNAL DE NOTÍCIAS, de 14 de julho de 2012, não pode ser vendido separadamente

NÚMERO 18 sábado, 14 julho 2012

JORNAL UNIVERSITÁRIO LABORATÓRIO DO CURSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃOINSTITUTO SUPERIOR DA MAIA

Urueña Vila do Livro Ibérica

MUSEU DA MÚSICA: SONS E PAIXÃO //PÁG. 4

200 KM SEPARAM DESIGNER DO GABINETE EM MADRID //PÁG. 5

joaquim diaz, O VISIONÁRIO //última

E-lea: PASSADO E FUTURO //PÁG. 3

Não há no mundo um sítio tão pequeno com uma concentração de cultura tão vasta

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JORNAL ÁGORA SÁBADO 14/07/12182 // GRANDE REPORTAGEM: URUEÑA

ficha técnicaEDITOR: Luís Humberto Marcos (Coordenador do curso) COORDENADORES: Carla Oliveira, Inês Esteves Car-doso, Sara Luísa PereiraREDAÇÃO: Afonso Pacheco, Ana Lamas, Carla Oliveira, Catarina Reis, Cátia Sá, Cláudio Carvalho, Denise Assis, Elsa Fernandes, Inês Esteves Cardoso, Janine Mouta, Lucía Etcheves, Tânia Faria, Sara Luísa Pereira e Sónia OliveiraFOTOgRAFIA: Ana Lamas, Carla Oliveira, Catarina Reis, Luís Humberto e Sara Luísa PereiragRAFISMO: Cláudio Carvalho ENDEREÇO: Instituto Superior da Maia Av. Carlos Oliveira Campos Castêlo da Maia 4475-690 Avioso S. Pedro Tel. (351) 22 982 53 19 / Fax. (351) 22 282 5319 ONLINE: www.ismai.pt - [email protected] facebook.com/jornal.agora IMPRESSÃO: Naveprinter ISBN: 978-989-8609-00-7

P ela primeira vez, o Ágora saiu em grande reportagem. Para uma experiência univer-sitária singular. Já o 1º número havia sido

feito em Espanha: cobertura do IX Ibercom, em Sevilha. Desta vez, a ambição é maior. As pedras guardam memórias de séculos. Muitas histórias de vitórias e derrotas marcam Urueña. A cerca de 400 Kms do Porto, esta vila medieval nunca tinha reunido tantos “jornalistas” ao mesmo tempo. Fomos descobri-la. As ruas deixaram de ser linhas de terra batida e poeira para servirem de ligação entre praças, casas, livrarias, museus, restaurantes, estúdios de grava-ção de música, oficinas… São vasos comunicantes de uma vida social singular e revitalizadora. Com a cultura como âncora do desenvolvimento. Uma vila-sonho. Uma vila inventada, ficcionada, que não comprime os cidadãos, que não corre, que não esmaga o pulsar da vida, como no frenesim urbano. As tecnologias ligam-na ao mundo. Com conta e medida. Ou seja, é possível mergulhar na multidão sem perder a tranquilidade, a calma e o ritmo con-templativo de uma Urueña. O verdadeiro cidadão glocal (de Paul Virilo) pode ver-se aqui na sua na-tureza mais pura. Ligado ao mundo mais distante e evoluído a partir do velho rincão medieval, carre-gado de história e de campos verdes, tranquilos.Um sonhador – Joaquin Diaz – de projeto, ânimo e saber, fez do passado, em ruínas, um presente di-nâmico e acolhedor. Atrás dele outros vieram atraí-dos pela mesma utopia. Já lá vão quase 20 anos. Ao som da música e da etnografia foi-se construindo a melodia atraente da vila del libro. Contemplação, calma e prazer. Dinamismo cultural. De zero, zero, zero, passou-se para onze livrarias, seis museus, vá-rios restaurantes. Urueña tem tudo para fazer qualquer um feliz, no prazer da cultura. É preciso descobri-la, cortejá-la, como fizeram os jovens “jornalistas” do Ágora. ■

Foi ruína, dá prazer Luís Humberto Marcos

linha curva cultura literária em cenário medievalTrês milhões de euros do governo autonómico de Castilla y León transformaram Urueña no local escolhido para a única Vila do Livro da Península Ibérica. O Ágora remexeu na história e descobriu como a leitura se integra num ambiente medieval.

noite cai. A aventura de três dias em Urueña inicia-se agora com a promessa de experiências diferentes a quem a ousa visitar. Assim

que se avistam as muralhas que resguardam a pequena vila, a curiosidade aumenta. Chegamos. O frio acompanha-nos à medida que percorremos as ruas da vila. Tudo perman-ece calmo e não há estranheza perante os novos visitantes. É impossível não reparar no ambi-ente rústico e intocável que tão bem carateriza épocas anteriores. Caminhamos sobre ruas irregulares com pedras alisadas e amassadas com o passar dos séculos. As casas construídas em pedra com as suas portas e janelas feitas a partir de madeira acompanham o que ainda resta das muralhas, cuja estrutura imponente protege aquela que é única Vila do Livro da Península Ibérica. É hora de jantar e somos recebidos pelo Presidente da Câmara, Manuel Perez-Minayo Reguera. Entre conversas e a degustação das iguarias locais, somos brindados com infor-mações e o programa da nossa visita. Horas depois é tempo para descansar porque os dias seguintes serão de pura descoberta. O dia começa cedo e estamos prontos para uma aventura de conhecimento. Urueña conta com vários séculos de história. Ligada a tempos ancestrais, entre reinados e person-alidades marcantes, toda a vila mantém vivos os vestígios de várias épocas. Deslocamo-nos, rapidamente, às muralhas e desfrutamos das vistas que nos oferecem: paisagens imensas de campos onde o verde refrescante se faz notar. A sua construção remonta ao século XII, altura em que Urueña se tornou uma fronteira do reino de D. Sancho III e, apesar de já terem sido reconstruídas, continuam a adaptar-se de forma homogénea a todos os recantos da vila. Existem pequenas entradas que permitiam o acesso da população à vila, em tempos remo-tos. Conhecida como Puerta del Azogue, a sua

estrutura é admirável. Quem por ela espreita, nada mais vê do que a natureza na sua forma mais pura. Continuamos a percorrer as ruas numa visita guiada. Laura Gonzalez, guia turística, conta- -nos a história da vila por entre calles e museos. Com origem na Era Românica, o castelo é o símbolo mais emblemático desta época. Mandado construir pelo rei D. Fernando I, no século XII, funcionava como prisão e, desde o século XIX que o seu propósito se cinge a um cemitério. Fica apenas a lembrança de um monumento que resistiu ao passar do tempo e que não passa despercebido aos milhares de visitantes que anualmente se deslocam a Urueña. A visita continua e alguns metros à frente deparamo-nos com a Igreja da Santa Maria del Azogue. Laura conta-nos que esta igreja “já assistiu às várias fases da vida da vila e já viu várias pessoas importantes da história espan-hola a passarem por lá”. Antes de entrarmos, dispomos de alguns momentos para apreciar a sua construção. Mandada construir no século XVI, cuja essência era de estilo renascentista, o seu nome ficou a dever-se à proximidade com o mercado durante os tempos medievais. À medida que caminhamos para o seu interior, deparamo-nos com uma imagem de cristo crucificado, do século XIV. Ao fundo, por cima do altar encontra-se uma pia batismal da época medieval e que foi transportada para lá, após a demolição da antiga igreja. Antes de sairmos, os nossos olhares direcionam-se para um quadro pendurado na parede. “A menina pintada nesse quadro foi salva de uma doença incurável graças a um milagre da santa e em sinal de gratidão os pais mandaram pintar essa obra e colocá-la na parede”, explica Laura. O passeio pela vila continua. Quem aqui vem fica com vontade de voltar sempre. A nostalgia começa logo que, à saída, a muralha medieval vai ficando cada vez mais longe. ■

lider municipal em discurso direto

Elsa Fernandes e Janine Mouta

A

“Nos anos 50, apenas existiam agricultores e ganadeiros e com a revolução industrial a população diminuiu e não havia dinheiro para conservar o património. A partir da década de 70 levámos a cabo um projeto de restauração onde se reconstruiu a parte sul da muralha. Uma década mais tarde, a comunidade de Castilla y León reconstruiu a zona oeste. Nos anos 90, o governo de Valladolid decidiu patrocinar as iniciativas culturais e reconstruir toda a vila.” Qual a razão para Urueña ter sido o sítio escolhido para a Villa del Livro? Manuel Perez-Minayo confidencia-nos que “existe uma ligação da vila com a cultura literária e que era a única povoação pequena com uma livraria aberta todo o ano”. O município cedeu espaços para restauro e os interessa-dos elaboraram planos viáveis, na condição de manterem o mesmo estilo medieval no exterior de todas as casas. Para o futuro, as perspetivas são boas. Con-servar o que já está restaurado e conseguir financiamento para um novo cemitério e para o restauro do castelo são objetivos que o alcaide alimenta. ■

Manuel Perez-Minayo Reguera

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18JORNAL ÁGORA SÁBADO 14/07/12 GRANDE REPORTAGEM: URUEÑA // 3

Villa del Libro como é conhecida Urueña, tem 11 espaços onde se pode adqui-rir livros de inúmeros autores nacionais ou internacionais e sobre os mais variados temas.

São 11 livrarias especializadas nos mais diversos temas como livros antigos e de coleção, ativida-des vinícolas, caligrafia, história, arte, cultura e infantis. Aqui encontramos todos os géneros, de todas as épocas. Em alguns casos, exemplares quase únicos, raros.

Livaria Alcaraván, pioneira a romper o medo

Calcorreiam-se as ruas e as livrarias aparecem, cada uma com a sua particularidade: Livraria El Rincón Escrito; Livraria Páramo; Livraria Enote-ca Museo del Vino; Alcuino Caligrafía; Livraria Bibliomanía; La Bodega Literaria; Livraria El Grifilm; Boutique del Cuento; Livraria Almadí; Museo del Cuento de la Villa del Libro- Colec-ción Rosana Largo; Livraria Alcaraván. Esta é a mais antiga.As livrarias são o chamariz de Urueña. Se aqui encontramos a Librería Alcaraván, dois passos à frente é possivel avistar a Associación Alcuino. A Alcaraván é antiquada, no bom sentido. A decoração sugere um caráter rústico

mas, no seu interior, os materiais, que podem ser adquiridos são atuais. Aqui não encontramos uma livraria como as que estamos habituados a visitar. Para além dos livros, há pinturas, mar-cadores de livros e outras pequenas lembranças. Todas elas manufaturadas e com os pássaros como tema central. Jesus Alcaraván de 54 anos, proprietário do espaço, chegou a Urueña com 35 anos e nunca mais quis sair deste pequeno grande ponto no reino de Castela Leão, onde reside há já duas décadas. Amável, o ornitólogo, Jesus dedica-se a esta livraria como o projeto da sua vida, nunca perdendo o interesse pelas belas criaturas voadoras. Sobre a história da livraria, as questões são mui-tas e as respostas muito simples. A consagração do espaço deu-se há muito tempo: “Tive medo de arriscar, mas o meu coração dizia-me que era a decisão a tomar”, confessa Jesus Alcaraván. Se inicialmente o medo de arriscar em Urueña era grande, hoje considera que foi a melhor opção. É um espaço requintado e simpático, longe da confusão quotidiana, com população instruída ao nível da cultura e das artes. O espaço é aco-lhedor e no meio das infindáveis coleções que aqui se encontram, não faltam autores portugue-ses como Saramago e Miguel Sousa Tavares, os mais procurados, segundo Jesus Alcaraván.Urueña, a vila recatada de Castela Leão, é um marco universal em território espanhol. Parte disso deve-se à literatura, por vezes convencio-nal, que conta histórias daquilo que é e foi o seu povo. ■

entrada, um arco e um texto gravado: “Educar as crianças, deve ser um sucessivo des-pertar de curiosidades”. A ho-menagem está bem patente.

Miguel Delibes, jornalista e escritor de Valladolid, é o patrono do centro e-LEA. O coração da Villa del Libro, bate forte ao proporcionar a todos os visitantes a leitura, a escrita e as suas aplicações. Encostada à muralha, encontramos uma mistura

sintónica: Uruenã e a cultura de mãos dadas com a arquitetura moderna e funcional. Situado na rua Costanilla, n.º12, com apenas 1.296 m2, o edifício cativa o turista. O e-LEA possui moder-nas instalações: biblioteca especializada, sala de investigação e documentação, área pedagógica, espaço para exposições e um pequeno jardim. ENTRE LÍNEAS. UNA HISTORIA DEL

E-LEA: o coração da vilaCarla Oliveira

Catarina Reis e Sónia Oliveira

LIBRO. Este é o título da exposição temática permanente do Museo del Libro. Um museu diferente, recheado de espaços multimédia, onde o visitante interage com o sistema descobrindo a informação ao seu ritmo. Sem grandes apresentações, o visitante poderá descobrir os 6000 anos de história do livro e

da escrita, desde a sua origem até à atualidade. A exposição está organizada cronológicamen-te, desde o nascer da escrita à produção do livro industrial. O centro e-LEA é um dos principais focos de atração de Uruenã. Pedro Mendia, o seu Diretor, sublinha que “só as livrarias não

Jesus Alcaraván, 20 anos dedicados aos livros

Museu do Conto

A Vila do Livro de Urueña aco-lhe um novo espaço de expo-sição, o Museu do Conto que mostra as criações artísticas

de Rosana Largo.Esta instituição está incorporada na exposi-ção permanente das mais conhecidas obras de literatura clássica e infantil, uma coleção de livros importados de diversos lugares do mundo de distintas épocas.O Museo del Cuento é considerado um “armazém de memórias”, de narrações que através de elementos concretos e expositi-vamente atrativos, representam uma expe-riência artística ao alcance de todos os seus visitantes. Estes elementos são os livros soltos de dife-rentes épocas, originais e raros, assim como as criações artísticas baseadas em contos infantis da pintora Rosana Largo Rodríguez.A exposição permanente deste museu é composta por contos como Cinderela, A Bela Adormecida, Alice no país das mara-vilhas, Peter Pan, Pinóquio, Capuchinho Vermelho, Branca de Neve e os sete anões, O Gato das Botas, Hansel e Gretel, entre muitos outros, havendo ainda uma secção dedicada exclusivamente a fábulas (Esopo, Samaniego, La Fontaine, etc) e aos Contos Orientais.Merecem destaque especial, pela sua bele-za, as edições victorianas de finais do século XIX. ■

Lucía Etcheves e Tânia Faria

Livros que chegam e que partem Peças com história

oferecem uma atração turística suficiente para os visitantes”. E-LEA é “o centro cultural da Villa del Libro”.Miguel de Cervantes uma vez escreveu “quem lê muito e viaja muito, conhece muito e sabe muito”. Para Pedro Mendia, este é “um slogan extraordinário para o projeto de turismo cultural como é esta Villa del Libro”. No e-LEA “trabalham fundamentalmente, três guias e o diretor”. “Uma equipa muito pequena mas muito competente”, refere Pedro Mendia. No chão, livros que viajam pelo mundo. Livros com histórias e que trazem consigo outra história. Uma história sentida por anónimos que têm algo em comum – o gosto pela leitura. Com o book crossing, hoje somos nós. Mas amanhã o mesmo livro poderá ser lido pelo amor da nossa vida em qualquer canto do mundo! Para o diretor, o mercado do Livro “é um ato de animação cultural”. Que atrai muita gente. “Os visitantes que mais vêm a Urueña são de Madrid”. Os portugueses superam os visitantes de qualquer outro país. “Portugal é o país que mais nos tem visitado”, revela Pedro Mendia, minutos antes da despedida. ■

À

A

Os portugueses são os principais visitantes estrangeiros

Museu da Música

Museu da Música

LuísDelgado

Museu da Música

Museu da Música

Museu do Conto

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JORNAL ÁGORA SÁBADO 14/07/124 // GRANDE REPORTAGEM: URUEÑA 18

luís delgado: MÚSICA É COM ELEColeção pessoal de 1200 instrumentos musicais mostra a paixão de um grande músico

al chegamos ao museu fica explícita a paixão de Luís Delgado pela música e a tudo a que com ela se rela-ciona. Recebe-nos com um largo sorriso e entusiasmo.

Luís Delgado orgulha-se muito da sua coleção, do seu museu. Na sala retangular e alta, as únicas luzes acesas são as dos mostradores, de forma a dar mais relevância e destaque aos protagonistas: os instrumentos. Este museu conta com uma coleção pessoal de 1200 instrumentos musicais, entre os quais uns de vento e corda, oriundos de vários países. A coleção está catalogada e possui instrumentos de várias catedrais, nomeadamente, Santiago de Compostela e Burgos. “Para a criar não basta ter dinheiro. É preciso tempo e saber”. Há um nome português de grande relevo nesta coleção, o do artesão bracarense, Domingues Martins, autor de alguns dos instrumentos espalhados pelas vitrinas.

Quando começou a sua coleção?A minha coleção começou quando tinha apenas 14 anos, era muito novo.

Quando montou o museu?Há 10 anos.

E porque pensou fazer esta coleção?Isso nunca se pode dizer... Os colecionistas são uma espécie de ser humano que são uma rari-dade, pois há colecionistas de todas as coisas e mais algumas.

Toca vários instrumentos?Sim, eu sou músico, toco música medieval, andaluza e árabe. Tem muitos instrumentos, algum deles é tradicional de Urueña?Não, aqui não temos nenhum instrumento exclusivo. E eu ainda não criei nenhum porque eu não sou construtor, mas sim, músico.Há alguma razão por ter escolhido Urueña para partilhar a sua coleção com o público?O primeiro a vir para cá foi o Joaquín Díaz e foi ele que abriu o Centro Etnográfico. A partir daí Urueña cresceu e começaram a chegar mais pessoas com novas ideias e objetivos para este

local. Foi ele o impulsionador do turismo cultural que abriu portas a que Urueña fosse “colocada no mapa”. Tudo isto levou muito tempo, mas foi um projeto muito seguro e dependeu apenas das pessoas que cá estavam. Quantas pessoas por ano costumam visitar este museu?Por ano costumamos ter entre 5000 e 6000 visi-tantes. O objetivo deste museu é a exposição dos instrumentos. A internet, nos últimos tempos, tem sido a nossa grande aliada, pois os nossos visitantes têm acesso aos nossos instrumentos, bem como à história do museu. No entanto, tam-bém não queremos um museu muito informa-tizado, com imagem, sim, mas não em exagero.■

Inês Esteves Cardoso e Sara Luísa Pereira

Museu dos sinos

sons que falam

O Centro Etnográfico Funda-ção Joaquín Díaz é con-templado por uma coleção de sinos cedida pelo fundi-

dor Manuel Quintana, proprietário da fábrica “Campanas Quintana” situada em Saldaña, fundada no século XVII e que se encontra em funcionamento até aos dias de hoje.Esta coleção é constituída por exem-plares de distintos tamanhos e modelos de sinos que teriam sido produzidos e comercializados desde o século XV até ao século XX. O edifício que alberga esta exposição foi um antigo celeiro perten-cente à casa principal do Conde de Isla e atualmente é denominada como “Sala Mercedes Rueda”.O museu contém uma coleção de 20 sinos de diferentes tamanhos e formas, criados a partir da fundição de bronze, estando expostos em vitrines e ao ar livre. Possui também painéis informa-tivos explicando a origem da sua cria-ção, o significado dos diferentes toques, bem como o objetivo e funcionamento de cada sino. Inicialmente esta exposição foi criada com um caráter temporal de apenas um ano. No entanto, graças à aceitação e sucesso entre o público ganhou um lu-gar permanente. Durante a visita é possível obter diversos conhecimentos sobre a “linguagem” dos sinos, tendo em conta a frequência e ve-locidade dos seus toques: informações relativas a horários na vida rural, alertas de incêndios, de casamentos, funerais, nascimentos, missas, atos festivos e muito mais.Um dos toques merece destaque espe-cial, como conta a guia Aurora Ramos: “antigamente, quando uma mulher es-tava a dar à luz em casa, as suas amigas mais chegadas estavam com ela, no quarto, e a cada momento iam informar o médico local sobre o evolução do par-to, que por sua vez, transmitia ao resto da povoação através de determinados toques de sinos”. Por fim, o sino tocava uma vez se a criança fosse uma menina e duas vezes se fosse um menino. ■

Lucía Etcheves e Tânia Faria

museu do gramOfone

M

O Gramofone é um gravador e leitor desenvolvido em 1897 pelos laboratórios de Alexander Graham Bell nos Estados Unidos.Este instrumento serviu não só para ouvir música, mas também era utilizado como máquina de ditar (ditafone)

Concertinas, raras e únicas são parte integrante da coleção

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para que o trabalho, mesmo a uma grande distância, possa ser desenvolvido por várias equipas em simultâneo.Antigamente era impensável haver esta dis-tância entre colegas. Juan António explica a mudança: “Com o passar dos anos as pessoas deixaram o preconceito de lado de que só com contato visual se poderiam realizar tra-balhos e negócios; agora é tudo mais fácil.”

O lema da empresa - “Tens que ter confiança em ti”- ajuda a ultrapassar barreiras.Quando Juan Antonio veio para Uruena, os colegas duvidaram do seu sucesso profissio-nal. Ele não. Sempre esteve convicto de que era nesta pequena terra, longe de tudo, que queria estar: “Eu não quero ir para mais lado nenhum, gosto de estar aqui, saí do centro, um pouco para tomar a iniciativa e mostrar que apesar de ser um meio rural é possível desenvolver um projeto tão ambicioso como este”. Inicialmente defrontou-se com várias difi-culdades: “Era complicado trabalhar, mas com o tempo o problema converteu-se em vantagem, porque se antigamente os clientes

não davam trabalho a pessoas que não viam cara a cara, com os anos, a mentalidade foi mudando”. Agora é diferente. “Em geral - conta-nos Juan António - todos os clientes acham que um profissional, ao estar aqui, tem mais tempo para pensar neles e nos trabalhos que pedem; isto porque, no fundo, vivemos isolados, longe da confusão das cidades”.Juan Antonio tem consciência de que, no seu

emprego, estar numa cidade como Madrid, seria uma grande vantagem pelos recursos que existem, mas para si o ambiente não é bom. Um desenhador precisa de ter tempo, precisa de inspiração. Para além do trabalho que tem na TF Media, Juan dedica-se à agri-cultura. “Gosto muito do trabalho na terra, desfruto do sol; este meio desperta-me os sentidos, respiro ar puro”.Este ambiente é estimulante para a sua criatividade. É por isso, confessa, que tem desenvolvido muitos trabalhos com bastante sucesso. Entre eles, a criação de dois livros que estiveram nos prémios Nacionais de Fo-tografia - Lewis Hine, e catálogos para a Yves Saint Laurent e Jean Paul Gautier. ■

uan Antonio Moreno, dire-tor e designer da empresa TF Media, à pergunta “Por-quê Urueña?”, responde-nos: “Porque é aqui que

quero estar, é aqui que tenho inspiração”. As tecnologias encurtam distâncias.A empresa TF Media situada em Urueña, é líder em serviços de impressão e presta serviços de produção gráfica. Possui uma vasta equipa qualificada de profissionais com tecnologias de ponta do setor. Com sede em Madrid, foco de todos os tra-balhos desenvolvidos na empresa, é a partir de Urueña que Juan gere a empresa. Esta pequena aldeia com uma população de aproximadamente 220 pessoas, nada tem a ver com um grande centro urbano, mas mesmo assim, tem um bom nível de comu-nicações. Para realizar todo o tipo de comunicações entre Madrid-Urueña ou entre outras em-presas, a TF Media desenvolveu um servidor próprio para que as informações cruzem todas as equipas de trabalho de forma eficaz, rápida e segura, o que não poderia aconte-cer caso utilizassem um servidor comum a milhares de pessoas. Também através deste servidor é possível a qualquer pessoa da TF aceder à informação que esteja noutro computador (ficheiros, imagens, trabalhos) através de um código

“É aqui QUE tenho inspiração” galeria DILAB

Um desafio especial

O DiLab é um estúdio dirigi-do por Miryam Anllo Vento. Dedica-se ao desenvolvi-mento e difusão de desen-

ho gráfico, industrial, arquitetura, entre outros. É através do espaço DiLab que se processam a programação de cursos, reuniões ou exposições onde são apre-sentados novos projetos criativos. A artista sentiu várias dificuldades ao abrir a galeria na Vila de Urueña. “Quando abri a galeria fiz um projeto com coisas que a população me trouxe, como por exemplo o vestido de noiva da dona do café do largo; na apresen-tação do projeto só estavam mulheres; os homens não vieram porque tinham uma partida de cartas, então organizei uma partida de cartas aqui para os con-hecer”, conta Miryam Anllo Vento.Este laboratório é reconhecido como uma referência importante em Valladol-id. Foi galardoado com o prémio “Igual-dade de Oportunidades na Imprensa 2010” pelo Concelho de Valladolid. ■

Lucía Etcheves e Tânia Faria

Ana Lamas, Cátia Sá e Denise Assis

Juan Antonio Moreno, designer e diretor da TF Media

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“Todos os clientes acham que um profissional, ao estar aqui, tem mais tempo para pensar neles e nos trabalhos que pedem; isto porque, no

fundo, vivemos isolados, longe da confusão das cidades”

Museu do Conto

Museu da Música

CentroEtnográfico

FundaçãoJoaquin Diaz

TF Media

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JORNAL ÁGORA SÁBADO 14/07/12186 // GRANDE REPORTAGEM: URUEÑA

A noite já estava posta há muito quando iniciamos a visita gastronómica por Urueña. Por trás de qualquer cultura há sempre uma gastro-nomia por descobrir, por isso vamos conhecer os sabores que estão dentro da muralha da única Vila do Livro da Península Ibérica.

O restaurante Villa de Urueña está situado na principal praça da vila. A decoração é rústica – como se tivesse parado no tempo – mas dá um toque de diferença ao espaço. Luis Antonio Vallecillo é o dono e a sua esposa a cozinheira. Estão em Uruenã há quase 25 anos e garantem que “a maioria dos visitantes vem de Madrid, muito porque a vila fica junto à autoestrada A-6, que liga a capital espanhola à Corunha”. Ao contrário da proprietária do El Pago de Marfeliz, Luis Antonio diz que “recebe muitos clientes de Portugal, principalmente aos fins-de-semana”, e garante que “os pratos da ementa que costu-mam ter mais saída são o Revuelto de Morcilla – especialidade da casa -, as Patatas con Bacalao e as Alubias con Oreja”. Outra coisa fundamental, é “o vinho e o pão, porque são produtos típicos de Castela e Leão, e tem muita qualidade”, refere Luis Antonio Vallencillo. Tal como em Portugal, o vinho branco, o tinto e o rosé são os mais conceituados, e Luis Antonio diz que é normal

servir alguns destes vinhos típicos da região a partir das 11 da manhã, até fechar o estabeleci-mento. Já o dia vai a meio quando decidimos fazer mais uma paragem para degustar a gastronomia do restaurante Pozolico. Somos recebidos por uma jovem de 21 anos que se destaca por ser uma das caras mais novas que vimos na vila durante a nossa estadia. Deborah Fraile não vive em Urueña, e garante que “não gosta da tranquili-dade da vila, porque é calma demais para uma jovem na flor da idade, e só vem à vila ao fim-de-semana, para ajudar o pai no restaurante”. O pai de Deborah, dono do Pozolico, junta-se à filha e apresenta como especialidades do res-taurante a “Potaje de Garbanzos – especialidade da casa -, o Bacalao à Pozolico e as Torrijas con Miel”. Javier Fraile refere que no Pozolico não trabalha com ementa, pois prefere “servir o que os clientes querem comer na hora”. Esta viagem gastronómica pelas estreitas ruas de

Urueña não fazia sentido se não falássemos do principal símbolo da gastronomia espanhola: as tapas. Por isso visitamos o café e restaurante El Portalón, que chama à atenção pela impo-nente porta de madeira que tem na fachada, um pormenor que dá um toque medieval ao espaço, e volta a transportar a nossa memória para os mais conhecidos filmes de cowboys. O restaurante tem uma vista fantástica sobre os campos que rodeiam a vila, e um ambiente descontraído e irreverente, graças às cadeiras com uma cor verde que se destaca. Na mesa não pode faltar o pão e o vinho típicos da região, a acompanhar uma imensa variedade de petiscos como a “Tortilla de Patata, a Tostada de Paté, ou o Chorizo a la Olla”. É um restaurante diferente dos anteriores, muito semelhante ao que em Portugal se chama de snack-bar, já que serve na grande maioria petiscos. As famosas tapas podem não agradar a todos, principalmente a quem está mais habituado aos típicos petiscos portugueses, porque apesar das semelhanças entre as duas gastronomias, há uma grande diferença nos sabores. Como Vila do Livro – desde 2007 – Urueña já recebeu cerca de 320 mil visitantes. Os donos dos quatro restaurantes que estão em funciona-mento gostavam que mais portugueses fossem conhecer o património gastronómico da vila. A distância entre Portugal e Urueña não é muita, mas as diferenças entre as gastronomias são acentuadas, exceto num ponto: numa casa espanhola ou portuguesa, fica bem pão e vinho sobre a mesa. ■

Afonso Pacheco e Cláudio Carvalho

PEQUENA VILA, GRANDES SABORES

BRINQUEDOS do passado no presente

Os donos da loja de brinquedos de Urueña tentaram recuperar brinquedos de outros tempos, bastante difíceis de encontrar

nas lojas de brinquedos atuais. Nesta loja podemos encontrar peões, ca-valinhos de madeira, brinquedos de lata, aparelhos de cozinha, conjuntos de argo-las, bonecas de papel, entre muitos outros. Seguem à risca os desenhos e as técnicas de construção antigas e são provenientes de Portugal, Espanha, Bélgica, Holanda, França, Alemanha e da República Checa. Alguns dos brinquedos da loja da vila fo-ram emprestados para as filmagens de uma série romântica transmitida na TVE 1.

Lucía Etcheves e Tânia Faria

comércio livre na praça central

Ajornada pelos quatro restau-rantes da vila começou no El Pago de Marfeliz. A entrada do edifício é discreta, mas há um pormenor que salta

à vista: uma placa com o nome do restaurante pendurada sob a entrada e que faz lembrar as casas dos filmes de cowboys da década de 70. Raquel Perez está em Urueña há 13 anos e é a proprietária. Já visitou várias vezes Portugal, e garante que é “apaixonada pela cidade do Porto e pelos pratos de bacalhau confecionados em Portugal”. Sempre que pode dá um salto ao nosso país, e até encontra “muitas semelhanças entre a gastronomia portuguesa e a de Urueña”, já que “ambas são cozinhas mediterrânicas, e usam receitas à base de azeite, legumes e carnes”. Apesar das semelhanças, Raquel Perez garante que não costuma ter muitos clientes portugue-ses, e considera “obrigatório que quem vem de fora experimente as Patatas a la Importância, o Cocido Completo e o Chuletón de Ávila”. Tudo isto acompanhado por um dos muitos vinhos típicos de Castela e Leão, porque “sem um bom vinho a comida nem parece a mesma”, diz a proprietária entre risos e um gole no copo de vinho rosé que acompanha a conversa. O dia está terminado e já sentimos um chei-rinho do que a gastronomia de Urueña tem para oferecer, mas a jornada não fica por aqui. Há mais três restaurantes para conhecer, mas o relógio já nos diz que está na hora de descansar, afinal a viagem foi longa. Novo dia, novo restaurante, novos sabores.

Esta loja, cujo o conceito é o passado no presente, tem vindo a receber vários pré-mios: Prémio Comércio Tradicional de Cas-tela e Leão (sétima edição, Novembro de 2007, Junta de Castilla y León), o Contrato do Ano Prémio Castela e Leão (Segunda Edição, Outubro de 2007 ATA) e o Prémio Igualdade de Oportunidades de Negócios (Quarta Edição, 2006, Delegação de Valla-dolid). A visita virtual, em www.oriente9.es, abre o apetite a quem quiser recordar a infância de há várias décadas. ■ Ao domingo, a praça “Mayor” transforma-se

numa espécie de ágora grega. Vende-se e compra-se. Convive-se. Trocam-se novas.

Pensa-se no futuro.

A oferta gastronomica na vila é vasta e rica

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JORNAL ÁGORA SÁBADO 14/07/12 GRANDE REPORTAGEM: URUEÑA // 718

estímulo à criação musical

Lucía Etcheves e Tânia Faria

pistas para urueñaCOMO CHEGARPorto: 392 km (cerca de 4 horas)Lisboa: 589 km (cerca de 6 horas)Faro: 828 km (cerca de 8 horas)Saindo de Portugal dirija-se à A-6 (Madrid - Coruña) A 50 km a Oeste de Valladolid encontrará a indicação para Urueña, siga as indicações com a inscrição Urueña, a 6,5 km chega à Villa del Libro.Coordenadas gps: N 41° 43’ 38’’, 5° 12’ 13’’

ONDE FICAR Carrelalegua - Calle Lagares, 32 Tel: +34 677 620 541 / +34 666 738 905Capacidade: 4 - 22 pessoas - 24,38€[email protected] | www.carrelalegua.com CAsA DE lOs BEAtOs -Calle Nueva, 4Tel: +34 626 847 [email protected] | www.villadeuruena.es Capacidade: 10 pessoas | Quartos: 5 duplosDiária (toda a casa): 300€CAsA DE lOs IlustREs - Calle Parra, 24Tef: +34 626 847 133 | Capacidade: 10 pessoasQuartos: 5 duplos | Diária (toda a casa): 250€POzOlICOTelm: 983 71 74 81 | Tel: + 34 699 633 [email protected]: Fim de Semana 2 pax 2 Noites: sexta e sábadoPequeno-almoço incluídoPreço do quarto por noite: 69,50€

ONDE COMEREl PORtAlóN - Calle LagaresTel.: +34 983 717 042 | 609 621 863lOs lAGAREs - Calle Catahuevos, 6www.mesonloslagares.comTel.: +34 983 717 554 | 696 835 765PAGO DE MARFElIz - Calle Real, 8www.elpagodemarfeliz.comTel.: +34 983 717 042 | 609 621 863VIllA DE uRuEñA - Calle Corro de San Andrés, 6www.villadeuruena.esTel.: +34 983 717 063 | 606 018 345Preço médio por refeição: 10 - 20€

POstO DE tuRIsMOPlaza Mayor, 1 - Valladolid - España Tel.: +34 983 717 [email protected] - www.urueña.esTerça-feira das 16:30 a 19:00h. De Quarta-feira a Domingo e feriados das 10:00 às 14:00h e das 16:30 às 19:00h.

Michel Lacomba: “atraímos grupos de pessoas distintas e especiais”

arlovento Músicas é um estúdio de gravação dedica-do à produção de música, localizado num ambiente privilegiado para escapar da vida agitada do quotidiano.

Neste pequeno estúdio de Urueña são trabalha-dos todos os estilos musicais, especialmente a música acústica em todos os aspetos, princi-palmente o folk e a música tradicional. “Podem vir todos os artistas a este estúdio, mas não o vão fazer, não é um estúdio clássico, desses há muitos em Madrid, Barcelona e nas grandes ci-dades”, explica Michel Lacomba. O seu estúdio “tem interesse, para outros músicos e outras músicas“. Foi pensado para artistas muito particulares e está preparado para acolher um músico e deixar o artista que há nele fluir.

Michel Lacomba, cuja carreira de músico profissional começou em Valladolid, no final dos anos 60, já tocou com artistas como Luis Eduardo Aute, Pastor Luis, Cabrera Quintin, Suburban, Joaquin Diaz, Maria Salgado, Rasha e Eliseo Parra, entre outros grandes nomes da música espanhola.Como produtor musical a sua experiência e carreira cresceu com o seu próprio estúdio Barlavento Músicas, criado em 1998 e transfe-rido para Urueña em 2005.Como técnico de som colaborou com vários estúdios como por exemplo na década de 80 no estúdio de gravação do falecido Tony Mar-tinez (The Braves), em Madrid.O trabalho do estúdio Barlavento Músicas centra-se nos seguintes domínios: produção, edição musical, composição, arranjos, grava-ção, mixagem, masterização e digitalização do som.

Para fugir dos convencionais e vulgares estú-dios de gravação, Michel Lacomba escolheu a Vila de Urueña como local de trabalho. Ele explica porquê: “é um sítio especial, o povo é especial, há sempre algo diferente, atraímos grupos de pessoas distintas e especiais”. O técnico e músico espanhol quis dar prefe-rência a um lugar de excelência rodeado de natureza para conseguir recriar de forma natu-ral e acolhedora um ambiente que permita ao artista dar o máximo do seu potencial criativo. A sala de gravação é revestida a paredes de pe-dra que juntamente com as cores predominan-tes verde e azul se unem criando um ambiente cativante e perfeito para a criação artística.Graças à localização do Barlovento Musicas, Michel Lacomba tem sido capaz de realizar vá-rios projetos com o proprietário do Museu da Música e músico Luis Delgado e com Joaquin Diaz, o impulsionador de Urueña. ■

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JORNAL ÁGORA SÁBADO 14/07/12última // GRANDE REPORTAGEM: URUEÑA 18

o princípio da utopiaJoaquín Diaz recebe-nos de forma acolhedora, na Fundação que tem o seu nome. Através de corredores e salas chegamos até à biblioteca especializada do Centro Etnográfico. Aí, num cantinho sossegado, convida-nos a sentar. Sobre a mesa, chá e bolachas. O músico espanhol, fala-nos da sua fundação e da paixão pela etnografia.

indivíduos. Eu sou defensor de que aquilo que interessa são as valências de cada um, o que faz com o indivíduo se diferencie dos restantes, destacando as suas qualidades. Acredito ainda, que o nosso caminho é feito e construído por nós, mas também, através das várias influências que sofremos ao longo do nosso percurso.

Passados 23 anos, Urueña modificou muito. Este desenvolvimento estava dentro das suas expetativas?O Centro corresponde àquilo que eu idealizei, um lugar de encontro e consulta, isso para mim é o mais importante, a conservação e valorização dos materiais. Já em relação ao turismo espanhol, o Ministério, conta apenas quem vem não importa saber se essas pessoas ampliaram os seus conhecimen-tos ou melhoraram as suas capacidades. Eu prefiro partir do princípio que a cultura e o património são a fonte do turismo. Se nós tivéssemos em Valladolid éramos apenas mais um museu, um centro, os últimos da lista, aqui em Urueña somos os únicos, o número um e, por isso, marcamos a diferença não só aqui na zona, mas em toda a Espanha. Tornámo-nos, portanto, ao longo de 23 anos uma referência nesta área.

E o Museu do Gramofone também é iniciativa sua. Quais são os próximos passos?A ideia é potenciar, dentro do possível, tudo aquilo que são instrumentos musicais e tudo aquilo que é conhecimento sobre a música. Para mim a ideia é muito simples, tudo o que esteja relacionado com a oferta cultural nós apoiamos. Com esse fim, fazemos várias exposições sobre diversos temas, tendo sempre como objetivo dar a conhecer Urueña e a cultura envolvente.

Por que razão vêm as pessoas para Urueña?Por lhes parecer um projecto e um sítio agradável e interessante. Um dos exemplos é a “Vila do Livro” que aqui se instalou devido à existência deste museu, Museu do Gramofone. Tudo isto contribuiu para que Urueña se tornasse conhecida.

Qual era o seu objetivo inicial para a Vila de Urueña?Há muitos anos, eu tinha a ideia de criar um projeto: “Urueña, Vila das Artes”. Esse projeto, não era somente do livro, contemplava artes plásticas, escultura, artesanato, e ainda, práticas agrícolas, tudo isto integrado num plano global. Mas sempre com a preocupação de manter a estrutura arquitetónica da zona. Não podemos encontrar em mais nenhuma parte do mundo, um sítio tão pequeno com uma concentração de cultura tão vasta.

E relação à Vila do Livro?Em relação à Vila do Livro um dos meus objectivos é conse-guir converter um moinho de trigo num moinho de papel, para fabricar papel para a única Vila do Livro da Península Ibérica, mas este projeto não será concretizado num futuro próximo. Como sou otimista por natureza, acredito que isto, um dia, seja possível. n

É sábado. No final da entrevista, Joaquin Diaz traz-nos até à porta. Despedimo-nos. Foi por ele que a utopia de Urueña começou.

Inês Esteves Cardoso e Sara Luísa Pereira

Porque razão escolheu Urueña para sede da sua fundação? Começou pelo facto de a casa nos ter sido cedida. A ideia era criar um centro de documentação, onde se pudesse armaze-nar muito material para consulta. Além disso, pretendia-se que viessem muitos especialistas de diferentes áreas para que desta forma pudessem trocar ideias entre si.

É por isso que o centro aposta em várias áreas?Uma biblioteca deve ser versátil e diversificada, de forma a não limitar a visão de quem a consulta. Aqui, na Fundação, podemos assistir a diversas tertúlias. Há dois anos realizaram-se dois simpósios que tiveram como principal objetivo colocar os professores e os alunos no mesmo plano. As ideias não são propriedade de ninguém, as ideias surgem quando estamos a trabalhar sobre um tema. Neste momento, a mentalidade está ameaçada por elementos externos à nossa própria forma de ser e que, de certa forma, é-nos imposta. Esta imposição faz-se por meios muito mais eficazes do que antes.

Refere-se aos media?Sim, não se trata de se prescindir dos meios nem menos-preza-los. Mas sim, de saber a nossa própria identidade e personalidade e a partir desse momento edificar a nossa cultura. A diferença duma pessoa do século XVIII para uma de hoje em dia é que a primeira falava da sua experiência, da sua própria vida. Hoje em dia a cultura é algo que se acumula e que não está diretamente relacionado com os

Joaquín Díaz

Tem mais de sessenta discos editados, dirigiu programas de rádio e televisão. Foi agraciado com o Prémio Nacional da Fonografía do Ministério da Cultura espanhol, em 1984, e em 2000 recebeu do rei de Espanha a Medalha de Ouro de Mérito nas Belas Artes. Oito anos depois, foi contemplado com o Prémio Músico do Ano. As ligações com Portugal foram desde sempre estreitas. Conheceu o músico Zeca Afonso e, em 2007, celebrou um protocolo com o Museu Nacional de Imprensa.