AGOSTO 2014

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, AGOSTO/2014 - ANO XVII - N o 211 O ESTAFETA Não podemos imaginar Piquete sem al- gumas edificações do século passado que, devido à sua importância cultural, se torna- ram símbolos para os moradores da cidade, guardiãs da memória e referência na paisa- gem urbana. Você consegue conceber a cidade sem a Antiga Matriz de São Miguel; ou sem as estações ferroviárias do ramal férreo Lorena – Piquete; sem a Vila Militar da Estrela com a Casa 1; sem a Praça Duque de Caxias, o Pórtico da FPV, o Elefante Branco e o Cine Estrela, e outras tantas edificações de valor arquitetônico e cultural para a sociedade piquetense? Nos últimos anos, cada vez mais tem-se discutido a necessidade de se preservar o patrimônio cultural das cidades. Esse patrimônio, de fundamental importância para a população, é formado pelo conjunto de bens de natureza material ou imaterial que guarda em si referências à identidade, à ação e à memória de diferentes gerações de seus moradores. O patrimônio cultural é um elemento im- portante para o desenvolvimento sustenta- do, para a promoção do bem-estar social, a participação e a cidadania. É importante ter-se consciência de que cada indivíduo é parte de um todo – da so- ciedade e do ambiente onde vive – e que ele constrói, com os demais, a história dessa sociedade, legando às futuras gerações, por meio dos produtos criados e das interven- ções no ambiente, registros capazes de pro- piciar a compreensão da história humana pelas gerações futuras. A destruição dos bens herdados das gerações passadas acar- reta o rompimento da corrente do conheci- mento, levando-nos a repetir incessante- mente experiências já vividas. Recentemente, a importância da preser- vação ganha novo foco decorrente da ne- cessária consciência de discutirmos o im- pacto sobre o ambiente provocado pela pro- dução de bens. A preservação e o reúso de edifícios e objetos contribuem para a redu- ção de energia e de matéria-prima necessá- rias para a produção de novos. Devem ser preservados todos os bens de natureza material e imaterial de interesse cultural ou ambiental que possuem signifi- cado histórico, cultural ou sentimental, e que sejam capazes, no presente ou no futuro, de contribuir para a compreensão da identidade cultural da sociedade que os produziu. Assim, a exemplo do que vem aconte- cendo em muitas cidades, os piquetenses estão cientes de que esforços precisam ser feitos em prol da preservação de nosso patrimônio. Um movimento nesse sentido já se encontra em andamento. O patrimônio cultural e sua importância Foto Laurentino Gonçalves Dias Jr. O Conselho Estadual do Meio Am- biente – CONSEMA, no exercício de sua competência legal, manifestou-se, em 20 de agosto, favorável à proposta de cria- ção de Unidade de Conservação na Ser- ra da Mantiqueira. Após a apresentação de trabalho da Fundação Florestal executado a pedido da Secretaria de Meio Ambiente do Es- tado de São Paulo, vários conselheiros fizeram suas considerações, todas favo- ráveis à proteção da Mantiqueira. Movimentos em defesa do meio am- biente multiplicam-se por todo o mun- do. O homem percebeu que sua ambi- ção desmedida por criar e sustentar uma civilização consumista, imediatista e so- cialmente incorreta está levando a hu- manidade e as espécies animais e vege- tais a um grau de extinção sem prece- dentes. Destruindo as fontes naturais de vida no planeta, o homem está com- prometendo, de maneira irremediável, toda e qualquer possibilidade de recu- peração da natureza. Há quase duas décadas, com frequência O ESTAFETA retoma o tema “preservação ambiental”. Busca, as- sim, contribuir para que o assunto seja discutido não apenas nas escolas, mas em toda a sociedade. A região montanhosa em que se lo- caliza o município de Piquete é impor- tante pela diversidade biológica encon- trada nos remanescentes de mata atlân- tica que cobrem extensas áreas de seu território. A Serra da Mantiqueira cons- titui conjunto de notável importância, com atributos relacionados à biodi- versidade, paisagem, geologia, geomor- fologia e hidrologia, que lhe conferem destaque entre as demais regiões do estado. A ocupação humana da região não a poupou da degradação histórica provocada pelo homem. Redução do habitat, fragmentação e isolamento dos remanescentes de florestas acompanha- ram a conversão das formações natu- rais em áreas urbanas ou agrícolas. Em- bora a legislação ambiental proteja esse rico patrimônio, são necessárias ações outras voltadas à conscientização per- manente aliadas à fiscalização, para a sua preservação. A proposta aprovada pelo CONSEMA abre espaço para o diálogo entre a Secretaria de Meio Ambiente e todos os interessados, uma vez que a tônica é não apenas a questão am- biental, mas também a valorização da cultura regional. A palavra de ordem nesse trabalho é sustentabilidade. Devem ser preservados todos os bens de natureza material e imaterial de interesse cultural ou ambiental que possuem significado histórico, cultural ou sentimental, e que sejam capazes, no presente ou no futuro, de contribuir para a compreensão da identidade cultural da sociedade que os produziu.

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Edição 211, de agosto de 2014, do informativo O ESTAFETA, da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, AGOSTO/2014 - ANO XVII - No 211

O ESTAFETA

Não podemos imaginar Piquete sem al-gumas edificações do século passado que,devido à sua importância cultural, se torna-ram símbolos para os moradores da cidade,guardiãs da memória e referência na paisa-gem urbana.

Você consegue conceber a cidade sem aAntiga Matriz de São Miguel; ou sem asestações ferroviárias do ramal férreo Lorena– Piquete; sem a Vila Militar da Estrela coma Casa 1; sem a Praça Duque de Caxias, oPórtico da FPV, o Elefante Branco e o CineEstrela, e outras tantas edificações de valorarquitetônico e cultural para a sociedadepiquetense?

Nos últimos anos, cada vez mais tem-sediscutido a necessidade de se preservar opatrimônio cultural das cidades. Essepatrimônio, de fundamental importância paraa população, é formado pelo conjunto debens de natureza material ou imaterial queguarda em si referências à identidade, à açãoe à memória de diferentes gerações de seusmoradores.

O patrimônio cultural é um elemento im-portante para o desenvolvimento sustenta-do, para a promoção do bem-estar social, aparticipação e a cidadania.

É importante ter-se consciência de quecada indivíduo é parte de um todo – da so-ciedade e do ambiente onde vive – e que ele

constrói, com os demais, a história dessasociedade, legando às futuras gerações, pormeio dos produtos criados e das interven-ções no ambiente, registros capazes de pro-piciar a compreensão da história humanapelas gerações futuras. A destruição dosbens herdados das gerações passadas acar-reta o rompimento da corrente do conheci-mento, levando-nos a repetir incessante-mente experiências já vividas.

Recentemente, a importância da preser-vação ganha novo foco decorrente da ne-cessária consciência de discutirmos o im-pacto sobre o ambiente provocado pela pro-dução de bens. A preservação e o reúso deedifícios e objetos contribuem para a redu-ção de energia e de matéria-prima necessá-rias para a produção de novos.

Devem ser preservados todos os bensde natureza material e imaterial de interessecultural ou ambiental que possuem signifi-cado histórico, cultural ou sentimental, e quesejam capazes, no presente ou no futuro, decontribuir para a compreensão da identidadecultural da sociedade que os produziu.

Assim, a exemplo do que vem aconte-cendo em muitas cidades, os piquetensesestão cientes de que esforços precisam serfeitos em prol da preservação de nossopatrimônio. Um movimento nesse sentidojá se encontra em andamento.

O patrimônio cultural e sua importância

Foto Laurentino Gonçalves Dias Jr.

O Conselho Estadual do Meio Am-biente – CONSEMA, no exercício de suacompetência legal, manifestou-se, em 20de agosto, favorável à proposta de cria-ção de Unidade de Conservação na Ser-ra da Mantiqueira.

Após a apresentação de trabalho daFundação Florestal executado a pedidoda Secretaria de Meio Ambiente do Es-tado de São Paulo, vários conselheirosfizeram suas considerações, todas favo-ráveis à proteção da Mantiqueira.

Movimentos em defesa do meio am-biente multiplicam-se por todo o mun-do. O homem percebeu que sua ambi-ção desmedida por criar e sustentar umacivilização consumista, imediatista e so-cialmente incorreta está levando a hu-manidade e as espécies animais e vege-tais a um grau de extinção sem prece-dentes. Destruindo as fontes naturaisde vida no planeta, o homem está com-prometendo, de maneira irremediável,toda e qualquer possibilidade de recu-peração da natureza.

Há quase duas décadas, comfrequência O ESTAFETA retoma o tema“preservação ambiental”. Busca, as-sim, contribuir para que o assunto sejadiscutido não apenas nas escolas, masem toda a sociedade.

A região montanhosa em que se lo-caliza o município de Piquete é impor-tante pela diversidade biológica encon-trada nos remanescentes de mata atlân-tica que cobrem extensas áreas de seuterritório. A Serra da Mantiqueira cons-titui conjunto de notável importância,com atributos relacionados à biodi-versidade, paisagem, geologia, geomor-fologia e hidrologia, que lhe conferemdestaque entre as demais regiões doestado. A ocupação humana da regiãonão a poupou da degradação históricaprovocada pelo homem. Redução dohabitat, fragmentação e isolamento dosremanescentes de florestas acompanha-ram a conversão das formações natu-rais em áreas urbanas ou agrícolas. Em-bora a legislação ambiental proteja esserico patrimônio, são necessárias açõesoutras voltadas à conscientização per-manente aliadas à fiscalização, para a suapreservação.

A proposta aprovada peloCONSEMA abre espaço para o diálogoentre a Secretaria de Meio Ambiente etodos os interessados, uma vez que atônica é não apenas a questão am-biental, mas também a valorização dacultura regional. A palavra de ordemnesse trabalho é sustentabilidade.

Devem ser preservados todos os bens de natureza material e imaterial de interesse cultural ou ambientalque possuem significado histórico, cultural ou sentimental, e que sejam capazes, no presente ou nofuturo, de contribuir para a compreensão da identidade cultural da sociedade que os produziu.

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A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro Chaves

Jornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204

Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues Ramos

Laurentino Gonçalves Dias Jr.Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Fotos Arquivo Pró-Memória

Em 8 de dezembro de 1942, numa ceri-mônia no Salão Nobre do Círculo Militarda Estrela, foi assinado, em ato solene, oAviso no 3231, segundo o qual a Fábrica dePiquete passou a denominar-se FábricaPresidente Vargas.

Os estudiosos são unânimes em consi-derar Getúlio Vargas como o personagemmais popular e carismático da nossahistoriografia. Pioneiro no uso de estratégi-as de comunicação dirigidas às massas, in-cluindo-as no jogo político, politizou as maisvariadas instâncias da vida social – em es-pecial o trabalho –, que passaram a ser con-troladas pelo Estado.

Durante o primeiro período em que exer-ceu o poder, de 1930 a 1945, mobilizou oaparelho estatal para implantar uma série demedidas que costuraram a unidade nacio-nal, viabilizaram o processo de industriali-zação, modificando definitivamente a facedo país. Vargas pôs em prática um estilo atéentão inédito de fazer política – manipulador,paternalista e autoritário – que deixou mar-cas profundas e vários herdeiros.

Para muitos, Getúlio Vargas é conside-rado o maior político da história brasileira.Outros são mais precavidos e preferempercebê-lo como resultado de um conjuntode circunstâncias históricas que o projeta-ram no cenário político nacional. De acor-do com uma perspectiva, a ênfase no su-cesso político de Getúlio estaria em suaforte personalidade e na sua habilidade dejogar com muitas forças opostas em seupróprio benefício.

Sua popularidade foi conquistada pormeio da manipulação de instrumentos depropaganda que ele próprio criou. Sempreque possível, estava em contado com asmassas, em desfiles, eventos e comemora-ções cívicas.

A chegada de Getúlio ao poder consoli-dou o caminho para a modernização indus-trial. Trazia junto, ainda, outras invenções,mais tarde entendidas como corporativismo,trabalhismo, populismo, nacionalismo edesenvolvimentismo.

O problema histórico da legislação tra-balhista, reunida na CLT por ele regulamen-tada, foi solucionado. A relação entre traba-lho e capital era contraditória: reconheciadireitos sociais, mas manifestava o desejodo Estado de controlar e cooptar os traba-lhadores. Passados os sessenta anos de suamorte, ocorrida nas primeiras horas da ma-nhã do dia 24 de agosto de 1954, a data élembrada por todo o país. Naquele dia, anotícia chegou a Piquete e causou grandecomoção em toda a população. A cidademanteve por certo tempo dúbia relação comesse personagem histórico. Palco da Revo-lução Constitucionalista de 1932, em que oestado de São Paulo se voltou contra o di-tador Getúlio Vargas e a favor da reconsti-tucionalização do país, o movimento foi der-rotado em menos de três meses de combate.O município e a direção da Fábrica de Pól-vora sem Fumaça tiveram importância estra-tégica nesse conflito. A oficialidade que di-rigia a instituição manteve-se fiel ao gover-no Vargas. O operariado, no entanto, aderiu

ao movimento, ao término do qual, mais decem foram demitidos. Anistiados, retorna-ram ao trabalho, mas ficaram as mágoas...Dentro de uma política de expansão da Fá-brica, por duas vezes Getúlio Vargas visitouPiquete: em julho de 1939 e outubro de 1940,conforme registrados nas imagens que ilus-tram essa página: em trajes civis, em 1939, efardado, quando das manobras militares noVale do Paraíba, em 1940. Em ambas as oca-siões, foi ovacionado pela população e pelooperariado, que, sem esquecer 1932, reco-nheciam os benefícios sociais que vinhamsendo implementados.

Decorridas seis décadas de seu suicí-dio, muitos se debruçam em trabalhos quebuscam desvendar esse personagem que,sem nada recear, num gesto inusitado, se-renamente, deu o primeiro passo no cami-nho da eternidade e saiu da vida para en-trar na história.

O patrono da Fábrica de Piquete

Imagem - Memória

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Tereza JunqueiraTerezinha Oliveira de Souza Junqueira

nasceu a 14 de julho de 1933. É a sétimaentre doze os doze filhos do casal ManoelAntônio de Souza, o Cabo Souza, como eraconhecido, e dona Maria José de Oliveira, adona Zezé.

Quando nasceu, a família morava na“Aldeia”, antiga aglomeração de casas novale do ribeirão Benfica, na região do “Con-tingente da FPV”.

“Morei lá até quase sete anos, quandomudamos pra ‘cidade’, aqui perto de ondemoro até hoje. Nunca saí dessa área..,”.

Ao se mudar, iniciou os estudos no Gru-po Escolar Antônio João, de onde cita asprofessoras Maria Tereza de Melo, MariaAparecida Luz e Alice Luz. “Todas muitoboas...”, afirma. Dona Tereza fala com cari-nho das irmãs Maria Justina e Olga Eklunde de Maria Aparecida Rosa, “amigas queri-das que muito me incentivaram a continuaros estudos... A família era muito grande e,por pouco não parei com a escola”, contacom um tom de voz carinhoso... Ao terminaro Ginásio, uma nova legislação passou aexigir a cadeira de Inglês no Ginásio, o quefez com que tivesse aulas deste idioma du-rante dois anos, no período noturno: “Fo-mos beneficiadas, pois tínhamos aulas como excelente professor Waldemar”. Em segui-da, ingressou na Escola Normal Livre Du-que de Caxias. Formou-se em 1956 e foi au-tomaticamente contratada para lecionar na“escola do professor Leopoldo”, no pré-pri-mário. Lá ficou por dezoito anos, até que,em 1968, orientadas pelo próprio diretor, elae várias outras professoras ingressaram noMagistério estadual. “Era a última oportu-nidade de ingressar utilizando os ‘pontos’que tínhamos... O Professor Leopoldo foinosso grande incentivador”.

Tereza assumiu, então, sua cadeira efe-tiva no Grupo Escolar Darwin Félix, próximoa sua casa. Aposentar-se-ia naquela tradici-onal instituição de ensino em agosto de1976. Nesse interim, conheceu Silvio AlvesJunqueira – “Foi nos bailinhos do Comerci-al que nos conhecemos... A música, a boaconversa e as danças nos aproximaram...”.Entre namoro e noivado foram três anos. O

casamento aconteceu em 26 de dezembrode 1958 e a união proporcionou ao casal doisfilhos, Silvia e Sílvio, três netos e quatrobisnetos. “Foram 33 anos de casamentomuito felizes”...

Após a aposentadoria, por pouco nãoretornou à escola do professor Leopoldo.Declinou do convite, no entanto, por ques-tões de saúde na família. Sobressair-se-ia asolidariedade – característica marcante dapersonalidade de Tereza. Desde então, de-dicou-se ainda mais à família e à comunida-de. Ingressou na Rede Feminina de Comba-te ao Câncer, entidade da qual fala com mui-to carinho e respeito. “A Rede presta gran-de e importante trabalho em nossa Piquete.Estava faltando renovação, pois já estamostodas ‘bem experientes’ e começam a surgiras limitações. Mas novas colaboradoras jáingressaram e darão continuidade aos tra-balhos”.

Viúva, Tereza dedica-se inteiramente aolar, à família. Além da Rede Feminina, fazparte da APAP (Associação dos Professo-res Aposentados de Piquete). Os compro-missos hoje são menos frequentes,

mas ela não lhesatribui menor im-portância. “O cor-po está chegandoao limite, mas amente é jovem”,afirma. Não hádúvidas de queTerezinha Jun-queira é muito jo-vem e tem muitocarinho e solida-riedade para dis-pensar à famíliae a todos osque partilhamde sua vida.

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE- BiodiversidadePoucos lugares no planeta abrigam

tantas diferentes formas de vida como aMata Atlântica. São milhares de plantas,animais e microorganismos, algunsdesconhecidos até mesmo da ciência.Conforme o tipo de solo, a altitude e asdiferenças climáticas, as espécies mudamembora continuem fazendo parte do mesmoecossistema. Algumas dessas espéciessão endêmicas, ou seja, não encontradasem nenhum outro lugar do mundo. Entreelas, 50% de plantas. Estudos recentesmostraram, por exemplo, que a variedadede árvores pode ser ainda maior que a daFloresta Amazônica. Portanto, a maiordiversidade da Terra. Em relação à fauna,o número de espécies endêmicas tambémimpressiona: 73 mamíferos, 181 aves e 253anfíbios, fora os numerosos insetos.

Nosso país abriga entre 15% e 20% dasespécies animais do planeta, grande parteconcentrada na Mata Atlântica. Por causade toda sua riqueza viva, ela foi declarada,pela UNESCO, “Reserva da Biosfera” e“Patrimônio da Humanidade”. Adestruição da floresta que, infelizmente,continua, provoca a extinção de algumasespécies antes mesmo que elas venham aser conhecidas e estudadas.

- ÁguaEstudiosos prevêem que em breve a

água será a causa principal de conflitosentre nações. Há sinais dessa tensão emáreas do planeta como Oriente Médio eÁfrica. Mas também os brasileiros, quesempre se consideraram dotados de fontesinesgotáveis, vêem algumas de suascidades sofrerem falta de água.

A distribuição desigual é a causa maiorde problemas. Entre os países, o Brasil éprivilegiado com 12% da água docesuperficial do mundo. Outro foco dedificuldades é a distância entre fontes ecentros consumidores. É o caso daCalifórnia (EUA), que depende paraabastecimento até da neve derretida nodistante estado do Colorado. E também éo caso da cidade de São Paulo, que,embora nascida na confluência de váriosrios, viu a poluição tornar imprestáveispara consumo as fontes próximas e tem decaptar águas de bacias distantes, alterandocursos de rios e a distribuição natural daágua na região.

Na última década, a quantidade de águadistribuída aos brasileiros cresceu 30%,mas quase dobrou a proporção de águasem tratamento (de 3,9% para 7,2%) e odesperdício assusta; 45% de toda a águaofertada pelos sistemas públicos.

Tome nota...

Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental

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O ESTAFETA Piquete, agosto de 2014Página 4

Um belo livro de Valéria RodriguesAlves. A Casa Encantada, uma história defamília, cheia de amor e sabor. Remete-nos aSão Francisco dos Campos de Jordão, nalocalidade da Fazenda do Barão da Bocaina,Francisco de Paula Vicente de Arzevedo.

Tinham residência na Fazenda de SãoFrancisco dos Campos de Jordão Luiz e aesposa Carmem, ele administrador primo deseus avós João e Irene. João lá foi trabalhare fincou raízes, casando-se com Irene parahabitar a Casa Encantada.

Aí participou da obra do Barão em tor-nar a estância local aprazível e de referênciapara o turismo montanhês, implantada queera na belíssima Serra da Mantiqueira, devários picos muito elevados. Para lá da fron-teira de Minas Gerais, de ligação com SãoPaulo, a estância teve papel importante emvários acontecimentos históricos.

A historiadora e professora Valéria enri-queceu sua obra com relato dos aconteci-mentos nos quais a Fazenda teve papel dedestaque, ao mesmo tempo que ministraconhecimentos a eles inseridos. Episódiosligados à I Guerra Mundial e à Revoluçãode 1932 são discorridos com maestria e co-lorido nas narrativas, cuja leitura se tornaprazerosa e instrutiva.

Linda a história de Lourdinha (Ana deLourdes, da família Rodrigues Ramos), ca-sada com Olegário Pereira Alves, pais daautora Valéria. Conheço bem Lourdinha,sempre empenhada em tudo o que faz. Ex-celente aluna, fui por pouco tempo sua pro-fessora no Ginásio Noturno da FPV subs-tituindo temporariamente o professorLeopoldo Marcondes de Moura Netto nadisciplina de História.

Valéria comenta os invernos rigorososda Casa Encantada do Alto da Serra e, ape-sar disso, o prazer de ali viver não era dimi-nuído na família. Lembro-me de que um dosancestrais da família visitava meu avôChiquinho Máximo e nos contava que, noinverno, a água congelava nos encanamen-tos e era necessário martelar para fazê-la fluirnormalmente, mas com dificuldade. E oscampos ficavam branquinhos, cobertos degeadas densas. Valéria descreve bem essesmomentos, e eu, lendo, ouço a voz daquelehomem que conversava conosco sobre oassunto. Eu me emocionava e ficava imagi-nando a paisagem. Lendo o livro que co-mento, retorno às imagens e às memórias,recuo no tempo e completo o imaginário quea descrição da autora suscita.

Importante o capítulo sobre a Revolu-ção de 1932, pois, além de levantar ques-tões para a nossa História nacional, regio-nal e local, apresenta novas informações que

O relato da Casa Encantadapodem passar desapercebidas pelos estu-diosos da questão. A cor local dá a ênfase.

Além do mais, o comentário sobre omovimento dos tropeiros e suas trocas co-merciais. Muito importante para o levanta-mento de nossas origens. Piquete surgiu ese desenvolveu pelas casas e roças da bei-ra dos caminhos de trânsito das tropas eseus condutores. Ao pé da serra, para a tro-ca de animais, pasto e descanso geral: dostropeiros e suas mulas de cargas.

E assim, analisando usos e costumes,Valéria nos deleita com a história de vidafamiliar na Casa Encantada.

No capítulo final – belamente denomi-nado “Raízes e Asas”, ela encerra a história,capítulo escrito de maneira sensível paralembrar Irene, João e Lourdinha.

São palavras da autora: “– O que fica? AHistória e a vida que se viveu. – O que vai?...O que não valeu”.

E, finalmente, “O que vale?” Só nós so-mos responsáveis e únicos senhores dosnossos destinos”. Fechamos o livro emoci-onados pela leitura. Leiam e apreciem. Para-benizo a autora e a ilustradora FernandaMaris Ramos Miranda. Não menos impor-tante o posfácio de Luiz Flávio Rodriguesao tecer considerações sobre o “encanta-mento” da casa. É o fecho bem colocadopara nos aproximar mais do encanto do qualpartilhou como membro da família.

Dóli de Castro Ferreira

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As eleições e acidadania

Estamos, mais uma vez, em ano eleito-ral. Desta vez, as eleições serão a 5 de ou-tubro e votaremos para os cargos de Pre-sidente da República, governadores, se-nadores, deputados federais e estaduais.

Escândalos de corrupção quase diári-os, aparelhamento do Estado efisiologismo há décadas vêm desacredi-tando os cidadãos da política partidáriaem nosso país. O que fazer? Basear nos-sos votos em propagandas eleitoraissabidamente “marqueteiras”, destinadas aconquistar o voto a partir da emoção e dediscursos meticulosamente elaborados?Há que se tomar muito cuidado. A alterna-tiva é buscar, a fim de complementar asinformações sobre o possível candidato,informações na internet, em revistas e jor-nais diversos. Devemos, porém, nos aten-tar para a imparcialidade, que, infelizmen-te, não é característica principal da mídia,cujo papel deveria ser o de aproximar aimagem do candidato o mais próximo pos-sível da realidade. Infelizmente, nem sem-pre isso é o que acontece. Interesses pró-prios sempre cerceiam os artigos das pu-blicações. Portanto, variedade comcriticidade é essencial.

A opinião política é individual e deveser respeitada. Toda discussão deve ter afinalidade de atingir pontos em comum eser conduzida com respeito à opinião dointerlocutor. Independentemente da orien-tação ideológico-partidária, devemos man-ter o foco no bem-estar comum, no desen-volvimento e no progresso nacional, o que,ao final, proporcionará melhores condi-ções de vida a todos nós, brasileiros.

As eleições deste 2014 foram abaladaspela morte de Eduardo Campos, políticopernambucano de 49 anos candidato à Pre-sidência da República pelo Partido Socia-lista Brasileiro (PSB). O acidente aéreo quevitimou Eduardo e mais seis pessoas alte-rou significativamente a campanha e omapa político nacional. Devemos, no en-tanto, buscar encontrar um lado bom emmomentos ruins. Além da comoção nacio-nal, a tragédia ocorrida em Santos no 13de agosto parece ter conseguido um fatoimportante: despertou brasileiros que es-tavam se posicionando à margem da cam-panha eleitoral para a responsabilidadeque nos impõe o voto.

Que a trágica morte de Eduardo Cam-pos reavive em todos o civismo e a cida-dania. Que sejamos tocados pelo sentimen-to de nação, uma nação que não dependade um político apenas, mas de todos osbrasileiros, para crescer e se tornar um paísforte e unido.

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O ESTAFETA Página 5Piquete, agosto de 2014

A vida sobre a terra, relativamente aosanimais e plantas, não é eterna. Isso postoporque sucessivas extinções ocorreram du-rante a história física do planeta. Os fósseissão encontrados como testamentos do quejá existiu e se extinguiu. Ou transformou-sesob a pressão de eventos catastróficos ecumulativos. Cortes em terrenos demons-tram em profundidade a sequência da vidasobreposta em camadas até a superfície ex-posta, sobre a qual vivemos e desenvolve-mos nossas atividades. No corte das gran-des árvores, em anéis, o tempo conta comosucedeu a vida e as condições físico-quími-cas e biológicas, como ocorreram as mortese as transformações. A sobreposições dascamadas é a chave do entendimento e a des-lumbrada maravilha da descoberta pelo pes-quisador atento e dedicado. A resposta paraas indagações e a sugestão das hipótesespara encaminhar o espectro das cogitações.

Fogo, água, terra e ar, os elementos fun-damentais em ação, para, combinados aotrabalho dos animais e dos humanos, da-rem as bases para a continuidade das pes-quisas, levantamento das hipóteses e bus-ca de respostas. Na constatação de quenada é eterno, fisicamente falando, todo oarranjo da composição da estrutura plane-tária é sempre dinâmico e exige observa-ção continuada.

De que nos serve o conhecimentocientífico?

Estudos recentes procuram demonstrarque o ser humano acelerou o ritmo dasextinções em mil vezes. Publicações da re-vista especializada “Science” demonstrampela biodiversidade a interferência humana,para afirmar que após o surgimento doshomens sobre a Terra, o ritmo das extinçõesse acelerou – considerado até “mil vezesmaior do que aquele que ocorre normalmen-

te ao longo dos milênios”. Conclusão co-mentada na coluna Ciência-Saúde da Folhade S.Paulo, 30/05/2014, p.C11.

Afirma-se nesse comentário que, segun-do o ecólogo norte-americano ClintonJenkis, “os humanos são o equivalente aoasteroide que colidiu com a Terra”. Aqueleque, segundo consta, fez extinguir osdinossauros, cuja existência foi anterior àhumana, mas totalmente destruída pelo trá-gico e catastrófico evento. Os bancos dedados de História Natural ilustram esse co-nhecimento pelas análises dos fósseis emfunção dos possíveis cenários a que o meioambiente esteve submetido em eras passa-das. Desses cenários é possível levantarhistórias conclusivas, não tomadas de for-ma determinante, mas abertas a hipótesessequenciais, ou seja, que se sucedem a pardo aprimoramento das técnicas de investi-gação. Reavaliação dos registros de fósseistornam-se necessárias e também os estudosdos climas passados, alguns totalmente mo-dificados. Assim, por exemplo, admite-se quea presença de vegetação de área úmida podeser observada como fósseis nos subsolosmais profundos do deserto saariano. Ou deáreas continentais que foram fundos demares. A ocorrência de fósseis marinhos ede água salgada em profundidade acusa apretérita existência de antigas coberturasmarinhas; em compensação físico-biológi-ca, depósitos e fósseis de origem continen-tal podem ser localizados nos abismos oce-ânicos do presente.

A presença do petróleo na plataformacontinental, área submersa ligada aos blo-cos continentais, evidencia essas hipóte-ses, pois é da vida terrestre, pelos fósseis,mais o sal, ligado a essa origem, que se for-ma esse combustível. Encontrado nos con-tinentes, o petróleo atesta a origem maríti-

ma. Daí as camadas do pré-sal em pesqui-sas que já tiveram no Brasil força total. Aprofundidade das formações é o desafiopara o uso de equipamentos adequados ànatureza dos terrenos.

De outro lado, novas espécies surgem echamam a atenção, algumas até então com-pletamente desconhecidas.

Admite-se que desde 1900 já foram des-cobertas 1230 novas espécies de aves, so-mando-se às mais de 95 mil espécies já co-nhecidas. Consta, entretanto, que 13 des-sas espécies já estão extintas. Conclui oestudo que “hoje a taxa de extinção paraaves é duas vezes e meia mais veloz do quevinha ocorrendo antes do século passado”.E ainda que, segundo Stuart Pimm, da Uni-versidade de Duke (EUA), “o ritmo atual desumiço de criaturas é de 100 extinções pormilhão de espécies. Antes do surgimentodo homem, essa taxa era de apenas 0,1”.Além disso, vejamos o caso do mascote daCopa Mundial de Futebol no Brasil (2014),o chamado “Fuleco”, um tatu-bola, típicoanimal da caatinga brasileira já em risco deextinção.

Presa fácil por não cavar buracos paradefesa e não correr muito, enrola-se numacrosta semelhante a uma bola e assim serencaçapado pelos caçadores sem nenhumadificuldade.

Portanto, a vulnerabilidade do animal otorna frágil e avalia-se que a redução des-ses mamíferos pode ter sido de 1/3 em 15anos, segundo a Lista Vermelha lançada pelaUnião Internacional para a Conservação daNatureza. Seria interessante que, por suafunção de mascote, se justificasse uma cam-panha de preservação.

Dóli de Castro Ferreira

O exercício do conhecimento

CONSEMA inicia estudos para Unidade de Conservação na Mantiqueira

Fotos Arquivo Pró-Memória

O desafio de se preservar a Serra daMantiqueira é muito grande. É unanimidadea ideia de que alguma coisa precisa ser feitapara que esse rico patrimônio natural sejaconservado para as futuras gerações. Suaimportância ambiental é inquestionável,principalmente neste momento em que seagrava a crise por falta de água no Sudestebrasileiro decorrente de uma seca sem pre-cedentes. Preservar nossas encostas e ma-tas faz-se mais do que necessário.

A notícia de que o Conselho Estadualdo Meio Ambiente – CONSEMA, aprovou,em reunião do último dia 20 de agosto, a

criação de um grupo para estudar a implan-tação de uma unidade de conservação naSerra da Mantiqueira, com participação dasociedade, acende uma luz nesta questãoque vem tirando o sono de muitos. Não sepode pensar em preservação ambiental sema participação dos moradores.

A iniciativa do governo do estado nosremete a um dos motes da criação do Insti-tuto Socioambiental – ISA, o de que“sociodiversidade e biodiversidade definemo Brasil em um mundo com acelerado pro-cesso de globalização. Mas o desenvolvi-mento predatório e socialmente excludente

dilapida o patrimônio, corrói a identidade eagrava a crise brasileira. O futuro pede comopassaporte uma nova síntese: a sustenta-bilidade socioambiental”.

O equívoco de se separar social deambiental torna-se ainda mais grave quan-do se imagina que só podemos nos desen-volver pagando algum preço ambiental, istoé, estragando alguma coisa. Isso não é ver-dade. Ou o desenvolvimento é sustentávelou não é desenvolvimento. Podemos me-lhorar o ambiente e aprender a evoluir emsintonia com ele.

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Page 6: AGOSTO 2014

O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, agosto de 2014

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroConversas baixas...

O quarto...

Eu acho horrivelmente feio qualquer pes-soa meter-se na vida alheia. Colocar a co-lher na sopa dos outros, ou, mais propria-mente dentro do contexto giriático, fofocar,principalmente sobre conhecidos. Não façoisso. Sou contra isso. Abomino quem issofaz.

Certa noite, no escritório, fazia serão –tinha que terminar uma conferência urgen-te, que não poderia ser preterida – e algoestranho aconteceu: já passava das dezhoras da noite e ali estávamos eu, o escritó-rio, seus móveis e utensílios sozinhos. Vazi-as as cadeiras, mesas, arquivos, máquinas...Tudo repousando. Dava a impressão de quea sala dormia. Silêncio total. Somente minharespiração e a caneta conferindo o relatório.Foi por aí, comecei a ouvir murmúrios:

– Puxa! O João deve andar nervoso, comalgum problema... Lascava cada dedada nasminhas teclas, que doía até a última molinha!– era a máquina de escrever reclamando paraa mesa.

– Eu sei... Você notou a força com queele batia minhas gavetas? Se tomasse maisconta da mulher, não iria dar no que deu! E agente que leva pancada! – maldosamenteprotestava a mesa.

– A Joaninha precisa fazer regime... Nãohá tatu que aguente! Parece uma baleia forad’água! – lamentava-se a cadeira.

– Ah! Aquela... Do jeito que come, mi-nha filha, nunca vai perder um grama! Cadavez mais solteirona e mais ranzinza! – acres-

centava, friamente, a máquina de calcular.Lá no fim da sala, de frente e bem no

centro, a grande mesa do chefe resmunga-va:

– E eu que vivo levando murros sem ser“sparring”! O velho não resolve seus pro-blemas e eu viro saco de pancadas dele. Setivesse mais cuidado e vergonha, a mulhernão o teria apanhado com a Zelita. Bem fei-to pr’aquela sirigaita! Tá no olho da rua.Mas o pior é que o chefão está em fase totalde improbidade em casa, com cara de ca-chorro ladrão aqui no escritório e, no frigirdos ovos, quem paga o pato? Euzinha!

Num canto confidenciavam:– Fiquei sabendo que a Chiquinha está

grávida! – dizia um arquivo para o outro.– Não me diga!– Pois é! E dizem que o filho é do chefe

da expedição!– Quem diria, não?! Ela com aquela cara

de sonsa! Confie-se nas caras!A coisa estava cada vez mais quente.

Toda a vida íntima dos habitantes diurnosera deslindada malignamente de um paraoutro objeto. Se não foram eles que expla-navam o assunto, o que as pessoas disse-ram durante o dia ficou vagando em ondassonoras pelo ar...

Uma ou outra: ou os móveis linguaru-dos ou as palavras ficaram vibrando no es-paço da sala... Eu é que não falei nada! Deusme livre de meter o nariz na vida dos outros!Não sou e nunca serei de fazer fofocas...

O Jongo de Piquete participou da 50a

edição do Festival do Folclore de Olímpia,SP, que aconteceu entre os dias 09 e 17 deagosto. Durante o “Fefol”, Olímpia se trans-forma na Capital Nacional do Folclore, re-cebendo artistas de todo o Brasil.

Em 2014, o Festival do Folclore teve aparticipação de 48 grupos, dos quais 22 deOlímpia e demais provenientes de treze es-

Jongo de Piquete no Festival de Folclore de Olímpiatados. Muitos grupos folclóricos encon-tram no Festival de Olímpia motivação parase manterem vivos, atuantes e, dessa for-ma, manterem preservadas a tradição e acultura popular.

O Jongo de Piqute, como sempre, re-presentou nossa cidade e colaborou parao maior brilhantismo desta edição comemo-rativa do maior festival de folclore do país.

Faz tempo que não escrevo nada.

Hoje, ao levantar-me, comecei a imagi-nar o que poderia escrever. Poderia ser uma

narração, descrição ou sei lá, talvez até umconto de amor. E não saiu nada, a inspira-

ção abandonou-me.À noite, no aconchego do meu quarto,

olhando para o teto, de súbito desvio o olharpara o computador. Distrair-me nele seria uma

boa. Navegar nas profundezas da internet,melhor ainda. Mas não é isso que eu quero.Eu quero mesmo é escrever, entoar frases,

trabalhar com verbos, adjetivos, substanti-vos... Elaborar textos.

Sobre a cômoda, um aparelho de som.Não quero ouvir músicas. Apesar de gostar

das relaxantes. Colocar e tirar o Cd... Quechateza! FM e AM nem pensar... Não é isso

que eu quero!Do outro lado do quarto, sobre a

sapateira, uma televisão. Pior ainda... Ape-sar de que é hora do Jornal Nacional... As

notícias do dia, porém, já estão cansadas deser veiculadas.

O guarda-roupas beje contrasta com asparedes de cor areia e o teto neve. A cama

tubular de cor preta faz frente à porta deverniz escura que dá acesso ao quarto. Na

parede, sobre a cabeceira da cama, a gravu-ra d’uma corrente d’água descendo entre

perdas.A janela Sasazaki de cor gelo tem corti-

na persianas cinza. De vez em quando, euas deixo abertas, a fim de receber a brisa da

noite e espiar a lua torta.Quarto simples, chão de piso frio; nele

aqueço-me, rezo, sonho e construo meussonhos.

Nele passamos um terço de toda a nos-sa vida.

Acesse na internet, leia edivulgue o informativo

“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”

www.issuu.com/oestafetaJongo de Piquete em São Paulo

Page 7: AGOSTO 2014

O ESTAFETAPiquete, agosto de 2014 Página 7

O refém e o poema

“DedicatóriaEis os versos que outrora, ó Mãe Santíssima

te prometi em voto,

vendo-te cercado de feros inimigos.

Enquanto entre os Tamoios conjurados,

pobre refém tratava suspiradas pazes

tua graça me acolheu

em teu materno manto

e teu véu me velou intactos corpo e alma.

A inspiração do céu,

eu muitas vezes desejei penar

e cruelmente expirar em duros ferros.

Mas sofreram merecida repulsa meus desejos:

só a heróis

compete tanta glória!”

Edições Paulinas, 4ª edição, p. 307

Anchieta veio ao mundo para construiro Reino de Deus. E sua participação foi dig-na dos louvores dos homens.

Quando recebi como questão de provaum trecho do Evangelho em tupinambá,

Paulistas, desde muito cedo nos habi-tuamos a ver a figura de Anchieta usandoo seu bastão para escrever na areia da praiade Iperoig, aldeia do chefe Caoquira, ondepermaneceu como refém até que Nóbregalevasse a cabo o armistício no conhecidoepisódio da Confederação dos Tamoios.

Que escrevia Anchieta na areia?No exórdio, introdução, reluta em es-

crever porque, segundo ele, não existia lín-gua humana capaz de traduzir as excelênci-as da Mãe de Deus.

Anchieta era canarino. O castelhano erasua língua materna. Fez seus estudos emCoimbra. Falava o português. Ilustrou-seno latim na Companhia de Jesus. E ele pró-prio fez o levantamento da gramática tupi.

Aplainados os receios, optou por es-crever o poema em latim.

Dada a condição de refém e considera-da a ferocidade dos tamoios que percor-riam longas distâncias para destruir os po-voados que iam tomando feição no litoral,na montanha e no planalto, estava Anchietacerto de ser conduzido ao martírio.

O poema Beata Virgine Matre Dei Ma-ria soma 5.732 versos, ou 2.866 dísticos em5 cantos, sem contar a Dedicatória e as PiasPetições em ordem de Alfabeto.

A tradução portuguesa em ritmos foi fei-ta por Armando Cardoso, também jesuíta.

Examinemos com atenção a Dedicatóriado Poema da Virgem.

não consegui, mesmo na premência do tem-po, deixar de contabilizar minha admiraçãopor tamanho esforço.

Do Colégio de São Paulo, passando peloRio de Janeiro e chegando ao Espírito San-to, os passos de Anchieta são obrasedificadas de profunda correspondência àDoutrina de Jesus Cristo.

Que ganharia o Reino de Deus se ostamoios derramassem o sangue deAnchieta?

O Reino de Deus é feito de vivos, nãode mortos. A Doutrina Cristã é uma sagapara edificadores da paz, da concórdia eda ajuda mútua.

Anchieta, em seu poema, não entendepor que a Mãe de Deus, ao receber a extra-ordinária notícia, não se apronta para rece-ber louvores, mas sai correndo para servir.

Não entende por que o Menino, depoisde discutir com os doutores no Templo,fica recluso na casa de sua Mãe até os trin-ta anos.

Creio ser oportuno lembrar Anchietaneste momento. O mundo transformou-seem um campo de cadáveres. A vida é des-respeitada em todo o Planeta. Bombas sãolançadas sobre escolas e hospitais.

Como é possível alguém se dedicar aencaminhar para o martírio adolescentescapazes de vir a criar remédios que poderi-am salvar milhares de vidas?

Como é possível alguém se dedicar aconvencê-los a amarrar bombas ao corpoe explodi-las em aglomerações de preten-sos inimigos?

Nascemos para edificar o mundo. Paramanifestar o gênio humano que está guar-dado nesta caixa que é o nosso cérebro.

O cidadão deve viver pela Pátria, cons-truir a Pátria. O crente deve viver pela fé,construir o Reino de Deus.

As Organizações Internacionais estãoperdendo força. As Religiões não reagemaos desmandos de seus seguidores.

Vamos conclamar todos os pacíficospara que o mundo adquira uma face ilumi-nada.

Não é bom conviver com gente de bomsenso?

Depois de sua estada em Iperoig(Ubatuba), Anchieta agradeceu ao chefeCaoquira pela hospitalidade e ganhou umacarona na canoa de Cunhambebe até SãoVicente.

Abigayl Lea da Silva

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Pai, afasta de mimesse cale-se!

Nos dias de hoje, o preconceito vemsendo combatido em todas as suas for-mas. A sociedade não aceita mais discrimi-nações e a imposição de leis vem sendo aforma principal de combatê-las. Entendocomo uma condição necessária para co-meçarmos a extirpar o preconceito de nos-sa sociedade. Julgo-me democrata e bus-co viver em harmonia numa sociedade bra-sileira cada vez mais plural.

Na internet – em meu modo de pensar,a mais democrática das ferramentasdisponibilizadas pela tecnologia – encon-trei dia desses uma versão diferente damúsica “Calice”, de Chico Buarque deHolanda. Censurada à época da ditaduramilitar no Brasil devido à ambiguidade dotítulo (Cálice / Cale-se), esta canção tor-nou-se um dos símbolos da resistência àcensura. E foi Criolo, expoente brasileirodo rap, ritmo contestador por natureza, oresponsável pela versão que encontrei nasredes sociais. Seguem alguns versos:

“(...)Há preconceito com o nordestino...Há preconceito com o homem negro...Há preconceito com o analfabeto...Mas não há preconceito se um dos três/ for rico...(...)”

Os versos da versão de Criolo ilustrambem o que penso sobre o preconceito noBrasil: o mais afetado é o pobre... Não é onegro, o nordestino, o analfabeto – ape-sar de sabermos que a pobreza se concen-tra nesses grupos da sociedade. Nossoproblema é mais profundo: é a cultura dodesrespeito ao pobre e a consequente sub-serviência ao mais rico.

Sempre digo que se os governos pro-porcionarem educação básica de qualida-de seremos um país em que negros, índi-os, brancos e todos os das demais “co-res” estarão preparados para assumir me-lhores posições de trabalho em todas asprofissões. Diminuir-se-ia, assim, o gran-de abismo social brasileiro e, porconsequência, asfixiaríamos a principalcausa do preconceito. O que falta é a cul-tura do respeito incondicional ao próximo.Enquanto houver os que se julgam supe-riores porque estudaram mais, porque têmmais dinheiro, porque moram em casasmelhores, e os que se submetem aos “su-periores”, não haverá paz, não haveráfraternidade neste país e no mundo.

O preconceito está aí há séculos e éfruto de uma sociedade injusta...

Há sociedades mais evoluídas, em queo preconceito realmente é menor – não ve-lado, como muitas vezes se evidencia. Emtodas essas sociedades, essa evolução foiatingida com educação séria e de qualida-de. É numa sociedade assim que espero vi-ver, é nela que acredito e é com base nessaesperança que norteio minha vida.

Parafraseando o então contestadorChico Buarque: Pai, afasta de mim essecale-se! Afasta de mim a ignorância!

“Como seria belo se cada um de vós pudesse, ao fim do dia, dizer: hoje

realizei um gesto de amor pelos outros!

Deus usa de tanta misericórdia conosco. Aprendamos também nós a

usar de misericórdia com os outros, especialmente aqueles que

sofrem.”Papa Francisco

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O ESTAFETA Piquete, agosto de 2014Página 8

O mês de agosto terminará com fatosinesperados na vida política nacional. Osbrasileiros, ainda enlutados por conta datrágica morte do candidato à presidênciada República pelo PSB, o Governador Eduar-do Campos, recebem a boa notícia de queMarina Silva o substituirá no pleito eleito-ral que se aproxima.

Temos, agora, bons candidatos comprojetos distintos para o Brasil. O PSDB deAécio Neves, que foi muito importante noprocesso de consolidação da redemocra-tização do País, possui propostas ideolo-gicamente tendidas à agenda mais conser-vadora: economia desenvolvimentista deviés neoliberal sem muita preocupação coma sustentabilidade ambiental, proposital en-fraquecimento do Estado, privatizações deempresas estatais, alienação dos serviçospúblicos e total liberdade para o mercadose autorregular. Política externa menosdiversificada e voltada às grandes potên-cias com as quais se criam relações de cer-ta subserviência e vistas como mais segu-ras e estáveis, inclusive em questões mili-tares. Pouca atenção aos programas soci-ais, certa relativização dos problemas quetocam a vida das camadas maisempobrecidas da população, grande rigore pouco diálogo com os movimentos soci-ais como MST e demais movimentos cam-poneses e urbanos, havendo um forte ape-

Distintos projetos para o Brasillo à manutenção da ordem e da legalidade,ainda que seja necessário o uso da força eque haja prejuízos sociais.

A Presidente Dilma Rousseff, que tentase reeleger pelo PT, dará continuidade aoque se tem realizado em nosso país desdeque Lula foi eleito para presidir a Nação em2002. Os governos do PT não promoveramgrandes reformas e mudanças nas estrutu-ras econômicas e políticas do País, mas fo-ram menos subservientes e diversificaramas relações externas, foram mais sensíveisaos problemas da sociedade, promoveram ainclusão dos mais pobres, reduziram a misé-ria, aumentaram a igualdade social, criarampossibilidades das classes menos privilegi-adas terem acesso à educação superior, in-clusive no exterior. Inúmeros programassociais dos governos do PT são elogiadospela ONU e fizeram com que os índices dedesenvolvimento humano, em todo o País,progredissem. Outras característicasmarcantes desses anos foram o maior diálo-go com os movimentos sociais e o esforçopor garantir direitos às minorias étnicas esociais.

Marina Silva é uma liderança política quepode trazer inovação. Mulher cabocla, vin-da da periferia do Brasil, politizada nos mei-os populares, nas comunidades eclesiais debase da Igreja Católica e no movimento deresistência dos seringueiros de Xapuri no

Acre. Foi uma das primeiras filiadas do Par-tido dos Trabalhadores no Acre, na décadade 1980, e militou por muitos anos no parti-do. A ex-senadora seria uma boa opção paraos eleitores que estão desgostosos com oatual governo, porém não querem o regres-so da política conservadora e, na avaliaçãode muitos, elitista do PSDB. Marina tem umabiografia ilibada e, por suas origens, pro-vavelmente seria aberta ao diálogo com osmovimentos sociais, daria continuidade àspolíticas afirmativas que beneficiam as mi-norias e aos louváveis programas de inclu-são social promovidos pelos governospetistas. Diferentemente dos seus concor-rentes, adeptos de um desenvolvimentismoque não leva em conta os prejuízosambientais, Marina Silva propõe-se a pro-mover um desenvolvimento sustentável, umgrande avanço em tempos de grave criseambiental.

É muito importante que acompanhemosentrevistas, debates e programas eleitoraisveiculados nos meios de comunicação,para que, conhecendo nossos candidatos,possamos escolher com liberdade e bomdiscernimento que rumo achamos melhorpara o Brasil. Nossa democracia tem ama-durecido e se consolidado. Creio que opovo brasileiro saberá escolher o melhorpara nosso País.

Pe. Fabrício Beckmann

“A velocidade da fotografia é a velocidade da vida”A fotografia provoca as mais diversas

reflexões sobre a vida. Por meio dela é pos-sível voltar ao passado, por mais incrívelque isso nos pareça. Os céticos dirão queisso é coisa de românticos, de saudosistas...Não estou me referindo a essa forma de vol-ta ao passado, mas, sim, àquela que nos re-mete a bons momentos com a família e ami-gos, que traz para nosso lado os que já nãomais estão fisicamente entre nós, que nospermite revisitar lugares infinitamente... Afotografia dá a oportunidade de nos reunir-mos a nós mesmos aos 10, 15, 30, 40 anos –diferentes feições e traços ali, juntinhos...

Descobri, por acaso, que o 19 de agostoé dedicado ao Dia Internacional da Foto-grafia. Concluí que a entrevista com Sebas-tião Salgado, à qual havia assistido no dia

anterior, tinha motivos outros que não ape-nas a magia do olhar desse brasileiro consi-derado um dos mais importantes fotógrafosde todos os tempos. Assistindo à entrevis-ta, pude entender a brilhante trajetória deSebastião Salgado. A voz forte mas pausa-da, o discurso denunciando sua vasta cul-tura, a coerência do pensamento humanista...Apaixonante... É o mínimo que se pode di-zer da vida de um homem que, com seu tra-balho, nos presenteia com algumas das maisbelas fotografias já publicadas. Guardei,especialmente, da entrevista, a frase com aqual intitulei este texto... Com ela SebastiãoSalgado indicou aos que optam pela Foto-grafia como profissão o estudo da Antro-pologia, da Sociologia e de outras ciênciashumanísticas, a fim de que saibam identifi-

car a vida do que foi fotografado, pois, paraele, a fotografia interpreta a realidade, temvida e é dinâmica.

Desconheço muitas das técnicas da fo-tografia. Julgo-me, no entanto, um apaixo-nado pela arte de fotografar. Acredito per-seguir os mesmos anseios de Sebastião Sal-gado: capturar emoções, fotografar a vida...Com isso, aprendi que as imagens captadaspodem se tornar importantes fontes de me-mória pessoal ou comunitária. Aprendi quea fotografia é assunto para longos e anima-dos bate-papos e motivo para reunir ami-gos ou o mote de novas de amizades...

Que sejamos dinâmicos e que dinâmicassejam nossas vidas! E que nossas fotogra-fias sigam a velocidade de nossas vidas!

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Fotos Dogmar Brasilino