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desafios Agosto de 2004 • Ano 1 • nº 1 www.desafios.org.br do desenvolvimento De olho no futuro Uma agenda de mudanças para garantir o crescimento sustentado MAMIRAUÁ centro de excelência na floresta KOFI ANNAN o secretário-geral da ONU fala sobre a paz mundial Agosto de 2004 • Ano 1 • nº 1 desafios R$ 8,90 ApontoZ.com capaALEX2 8/3/04 20:46 Page 1

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do desenvolvimento

De olhono futuroUma agenda de mudanças paragarantir o crescimento sustentado

MAMIRAUÁcentro de excelência na floresta

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1 desafios

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4 Desafios • agosto de 2004

Desafios do Desenvolvimento é a revista mensal de infor-mação e debate do Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea) e doPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Suaproposta é contribuir para o debate de alternativas para o Brasilalcançar o desenvolvimento sustentável, com redução da pobreza einclusão social.

O Ipea é uma fundação pública vinculada ao Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão, criada em 1964, como institui-ção pioneira em pesquisa econômica. Construiu uma tradição derigor científico e tem a missão de subsidiar a elaboração, a formu-lação e o aprimoramento de políticas públicas. O Pnud é um organis-mo das Nações Unidas criado em 1965 para estimular o desenvolvi-mento global por meio de intercâmbio de conhecimentos, experiên-cias e recursos entre os países. Tem cerca de 189 projetos no Brasil nasáreas de governança democrática, redução da pobreza, tecnologia dainformação, energia, meio ambiente e combate ao vírus da AIDS.

Embora sabendo da importância da publicidade, a revista nãoaceitará anúncios que promovam o uso de bebidas alcóolicas outabaco, de fabricantes de armamentos, ou empresas e instituições quepratiquem qualquer tipo de discriminação racial ou sexual, ou aindaque agridam o meio ambiente

O leitor verá que Desafios do Desenvolvimento trata os temascom rigor, como é de se esperar de uma publicação com patroci-nadores do porte do Ipea e do Pnud, e que tem texto ágil e muitomaterial de ilustração. Economia, sociedade, educação, inovaçãotecnológica, infra-estrutura, meio ambiente, reformas institucionais epolíticas públicas para o desenvolvimento serão temas sempre pre-sentes na revista. Também serão freqüentes reportagens acerca deexperiências de aplicação de melhores práticas por empresas, porsetores da sociedade civil ou por governos. É o caso, nessa edição, dareportagem Vida Melhor da Floresta (página 64), que conta a expe-riência da reserva de Mamirauá, no Amazonas, um centro depesquisa em manejo de recursos florestais que é referência mundial.Também nessa edição há uma entrevista exclusiva com o Secretário-geral da ONU, Kofi Annan (página 10).

Aproveite e não deixe de mandar seus comentários para osendereços abaixo.

Ottoni Fernandes Jr., diretor

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redaçãoSBS Quadra 01 Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília – DFVisite nosso endereço na Internetwww.desaf ios.org.br

Carta ao leitor

www.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoREPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR GERAL Luiz Henrique Proença Soares

DIRETOR Ottoni Fernandes Jr.

RedaçãoEDITORES Andréa Wolffenbüttel, Marcello Antunes,Maysa Provedello, Walter Clemente

EDITORAS ASSISTENTES Clarissa Furtado, Lia Vasconcelos

COLABORADORES Eliana Simonetti, Mário de Almeida, Mônica Teixeira,Paulo Roberto Almeida, Sérgio Sister, Luiz Antonio Ribeiro,Paulo Jabur, Samuel Iavelberg (fotografia), Adilson Secco (mapa)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

ASSISTENTE DE ARTE Luciana Sugino

INFOGRAFIA Fábio Machado

TRATAMENTO DE IMAGEM E FINALIZAÇÃO Inovater

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71)9988-4211• email : [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • email : [email protected] GERAIS • Ponto de Vista Comunicação MarketingTel. (31) 3281-7363 • email : [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização LtdaTel. (41) 3015-0792 – Fax (41) 3019-.3716 • [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • email : [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização LtdaTel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • email: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

RedaçãoSBS Quadra 01 - Edifício Bndes sala 801, CEP 70076-900 Brasília – DFTel. (61) 315-5188 Fax (61) 315-5031

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Administração Instituto UniempAv. Paulista, 2.198 – conjunto 161, CEP 01310-300, São Paulo – SPTel: (11) 288-0466 Fax: (11) 3283-3386

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Atendimento ao Jornaleiro LM&X - Tel. (11) 3865-4949

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Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaMinistério do Planejamento Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoOrganização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

Tiragem: 30.000 exemplares

DIRETOR RESPONSÁVEL • Ottoni Fernandes Jr.

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Carlos LopesDecisão implica escolhas

Glauco ArbixDe olhos e mãos no futuro

Luiz Gonzaga BelluzzoRazões do sucesso do modelo asiático

Ricardo Paes de BarrosModernização agrícola e pobreza

Mario Sergio SalernoInovar requer capacitação e trabalho

Ana Amélia CamaranoOs caminhos dos jovens em direção à vida adulta

2 Desafios • agosto de 2004

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Entrevista Kofi AnnanO secretário-geral da ONU fala sobre crises mundiais e sobre o Brasil

Capa O caminho para o desenvolvimentoO que precisa ser feito para que o Brasil acerte o passo no rumo da prosperidade

Sistema Financeiro Falta crédito no BrasilPorque os bancos emprestam pouco e a um custo elevado

Sociedade A vida no campo melhoraOs benefícios que a aposentadoria leva ao interior do país

Educação Prospecção de inteligênciasA Olimpíada de Matemática revela talentos para a pesquisa de novas tecnologias

Emprego Falta trabalho para os jovensQuase metade dos desempregados tem entre 15 e 24 anos de idade

Desenvolvimento Humano Uma sociedade multiétnicaA promoção da igualdade previne conflitos sociais e enseja o crescimento

Melhores Práticas MamirauáReserva de excelência na Amazônia

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Sumário

Artigos

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Giro

Circuito

Estante

Indicadores

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Seções

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A combinação de uma fortepolítica de ações sociais cominvestimentos em publicidadepermitiu à Petrobras e à Valedo Rio Doce a conquista de uma imagem privilegiadaentre os jovens. Em pesquisarealizada pelo Instituto Cida-dania no final do ano passado,ambas foram citadas espon-taneamente pelos jovens comoinstituições que apóiam traba-lhos sociais. A Petrobras me-receu 5% das menções e a Valedo Rio Doce 1%. Também fo-ram lembrados o Sebrae e osparticipantes do sistema “S”,Senai, Sesi, Sesc e Senac.

Apesar dos esforços do Minis-tério da Saúde, a participaçãodos medicamentos genéricos nomercado brasileiro de fármacosainda é bastante modesta, secomparada à de outros países.Um estudo elaborado pelo Insti-tuto Wharton, ligado à Universi-dade da Pensilvânia e patrocina-do pela Merck, uma gigante dosetor, analisou o desempenhodos medicamentos genéricos emnove países.

O Chile apresentou maioraceitação dos genéricos, querespondem por 83% das vendas,

seguido pela Alemanha, com61%, e pelo Canadá, com 59%.No Brasil, que não está entre osalvos da pesquisa, a fatia con-quistada pelos medicamentosgenéricos fica em 9%.

O levantamento também traza participação dos genéricos emtermos de faturamento, o quepermite deduzir que quantomaior a diferença entre a volumee a receita, maior a diferença depreço entre o remédio de marca eseu equivalente genérico.

Os medicamentos são maisbaratos nos Estados Unidos, vin-

do em segundo lugar o Canadá eem terceiro a Alemanha. No Bra-sil seus preços ainda estão bempróximos dos de marca. Talvezum aumento da fatia de mercado

dos genéricos, que vem crescen-do a uma velocidade média de1,5% ao ano, possa mudar essarelação, trazendo mais benefíciospara o consumidor.

Eleições 2004

Levantamento do IBGE traçaum perfil dos governantesdos 5.560 municípiosbrasileiros, cujo trabalhoserá avaliado pelos eleitores em outubro.Saiba mais sobre eles.

Sexo94% são homens

33% são mulheres

Idade69% têm entre 40 e 60 anos

11% têm menos de 25 anos

Escolaridade 40% têm cursosuperior completo

25% não têm escolaridade

Aprovação2.272 foram reeleitos no último pleito. Em 2000,a metade dos prefeitos doNordeste foi reconfirmada no cargo.A região com menoríndice de reeleição foi oCentro-Oeste, com 35%.

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

Fronteira agrícola

“Terra Nostra” na Amazônia

Já faz quase meio século que oBrasil perdeu o posto de destinocobiçado por imigrantes e pio-neiros, mas o espírito desbra-vador ainda corre nas veias dosdescendentes de europeus. PauloReginato é um gaúcho, neto deitalianos vindos de Treviso e, co-mo seus antepassados, deixou aterra natal em busca de novasoportunidades.Atravessou o paísaté chegar a Rondônia, onde en-

controu terras em abundância eclima propício para o plantio dauva, atividade à qual sua famíliasempre se dedicou. Implantou avinicultura em três municípios,Alta Floresta, Rolim e Vilhena.

Atualmente são vinte hectaresproduzindo uvas niágara, isabel ebordeaux. Mas Reginato sonhamais alto e quer aumentar aquantidade e a qualidade dasuvas de Rondônia. Para isso,pediu a colaboração da EmpresaBrasileira de Pesquisa Agrícola(Embrapa), e recebeu o apoio datécnica Patrícia de Souza Leão, amesma pesquisadora que ajudoua criar o pólo de fruticultura dePetrolina, no semi-árido nordes-tino. “Plantando variedades re-sistentes ao calor podemos ace-lerar muito o processo tradi-cional de produção de vinho semsacrificar o sabor”, garante Regi-nato, que espera ter o mesmo su-cesso de seus colegas que se esta-beleceram no Nordeste.

Brasil e Mundo

Mercado de genéricos

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Medicamentos Genéricos participação no mercado

Unidade Faturamento

Petrobras e CVRD

Imagem positiva

GIRO

6 Desafios • agosto de 2004

Fonte: Brasil: Pró-Genérico; demais países: Wharton, Pennsilvania University

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Sete pontos comandam a agen-da do Congresso no segundo se-mestre: Lei das Falências, Refor-ma do Judiciário, Parcerias Públi-co-Privadas (PPP), Lei de Ino-vação Tecnológica, Lei de Biosse-gurança, Agências Reguladoras eAgência Brasileira de Desenvol-vimento Industrial. É uma pautafundamental para o aumento dosinvestimentos em infra-estruturae o crescimento sustentável.

Aprovar as PPP e o projeto das Agências Reguladoras exigirámuita negociação. O projeto de leidas Agências pode ir para plenário

em setembro, enquanto a dis-cussão das PPP só avançará noSenado se houver garantia de quea novidade não porá em risco aLei da Responsabilidade Fiscal.

A Lei das Falências voltará àCâmara porque foi alterada peloSenado. A Lei de Biossegurançaprecisa passar em quatro comis-sões do Senado antes de chegar ao plenário. A Lei de InovaçãoTecnológica começará a tramitarno Senado em agosto e poderá seraprovada rapidamente.

O mesmo vale para o projetoque cria a Agência de Desenvolvi-

mento Industrial. Tudo, espera-se,estará pronto em setembro. E estáem contagem regressiva e em re-gime de urgência, ainda, o projetode lei que regulamenta os consór-cios públicos municipais.

Como se vê, os parlamentaresterão muito trabalho num anoeleitoral, com 79 dos 513 deputa-dos federais e quatro dos 81 senadores disputando prefeituras municipais.

Para estimulá-los a compa-recer em Brasília haverá uma se-mana de esforço concentrado emcada mês.

Munição diplomáticaO Itamaraty está criando uma base de informaçõespara municiar diplomatasbrasileiros que participarãoda próxima sessão de nego-ciações do Sistema Global dePreferências Comerciais(SGPC), que reúne 43 paísesem desenvolvimento e é vistocomo um foro alternativo àOrganização Mundial doComércio. O projeto Núcleode Informação da Integra-ção Regional prevê a cria-ção de um página na Internet,aberta a interessados. A basede dados conterá toda a le-gislação sobre comércioexterior, íntegra dos acordosregionais, balança comerciale tarifas, e deve estar prontaaté o final do ano.

Mulheres ao trabalho Nos últimos 40 anos, aAmérica Latina deixou de ser a última região do globoem termos de participação damulher no mercado de traba-lho e está quase atingindo ospatamares mundiais. O estudoComércio e Gênero, elabo-rado pela ONU, mostra que em1960 a mão-de-obra femininana América Latina era respon-sável por apenas 20,9% daatividade econômica, e em2002, esse percentual subiupara 38,9%. Na América doSul, ele cresceu ainda mais,chegando a 40,6%. A médiamundial é de 40,7%. O mundoislâmico é a região onde hámenos mulheres em atividadeseconômicas. No norte daÁfrica a participação feminina é de 25,7% e noOriente Médio de 26,1%.Nessas regiões a presençadas mulheres no mercado de trabalho vem caindo.

Curtas

Parece o placar dos finalistas do campeonato debaseball, mas não é. Nesse momento, Miami eAtlanta se enfrentam por um título vitalício quepode representar um acréscimo de quinhentos mi-lhões de dólares por ano ao PIB da cidade. Elas pre-tendem ser a capital da Área de Livre Comércio dasAméricas (Alca). Estudiosos acreditam que a ci-dade escolhida será beneficiada com a criação decerca de 11 mil empregos, além de atrair as grandesempresas que queiram negociar com o bloco.Miami, a maior cidade hispânica dos EstadosUnidos, apresenta-se como capital natural do mun-do latino-americano. Lá, 60% da população nasceuno exterior, e dois entre cada três moradores falamespanhol, mas a cidade concentra uma imensacolônia proveniente de Cuba, um dos poucos paísesdo continente que não farão parte do bloco co-mercial – o que é uma desvantagem. Atlanta, por

sua vez, vem registrando enorme crescimento depopulação hispânica, predominantemente de me-xicanos. E não está isolada. Na lista das dez cidadesdos EUA que mais receberam latino-americanosnos últimos anos, oito são vizinhas de Atlanta. Maistrês capitais brigam para ser a Bruxelas das Amé-ricas: Cidade do México, Cidade do Panamá ePorto de Espanha, em Trinidade e Tobago. A pri-meira ficou um pouco ofuscada quando o governomexicano escolheu Puebla para sede de uma dasrodadas de negociações da Alca. A segunda é, pro-vavelmente, a mais forte concorrente fora dosEstados Unidos. E a terceira tem a desvantagem selocalizar em um pequeno país sem tradição degrandes representações. A sorte está lançada. Avencedora sediará o bloco que poderá reunir 34países e concentrar um PIB na casa dos 13 trilhõesde dólares.

Capital da Alca

Miami x Atlanta

Reforma

A agenda do Congresso está repleta de reformas

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Miami Atlanta

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C a r l o s L o p e sARTIGO

Brasil vive um momento único em ter-mos de participação da sociedade civilnos processos de formulação, tomadade decisão, implementação e avaliação

de políticas públicas. As instâncias participati-vas se multiplicam em todos os níveis de gover-no, nas organizações não governamentais semfins lucrativos e mesmo no setor empresarial.Participação tornou-se sinônimo de exercícioda cidadania e de consolidação democrática.

Mas participação sem o debate em torno dealternativas é apenas uma prática ritualísticasem implicações além da retórica vazia. Quan-do se fala em participação, a tendência é con-centrar as atenções nas suas dimensões proces-suais. Mas... a participação per se não significanecessariamente nada. Em muitos casos cria-sea ilusão de um debate. Noutros busca-se pro-duzir uma legitimidade que emanaria do pro-cesso de participação. Há ainda situações emque a participação visa apenas a validação dedecisões. Mas nenhum desses riscos pareceminar as expectativas.

A participação nas diversas fases do proces-so de políticas públicas só faz sentido se envol-ver a compreensão e o engajamento em escolhassobre as alternativas em consideração. Casocontrário é uma atividade passiva, sujeita a ma-nipulação e instrumentalização. Sem a presençado contraditório, do embate das possibilidadese da perspectiva de se adotarem cursos alterna-tivos de ação, a participação é litúrgica, rotinei-ra e, provavelmente, inócua.

Espera-se muito quando se incorporam for-mas de participação em processos decisórios.Mas sem que esses processos contenham con-teúdos conflitivos a serem adensados e clarifica-dos para que alternativas fundamentadas sejamdiscutidas publicamente, para que serve a par-ticipação? Para mascarar e legitimar fragilida-des e superficialidades. É como se a participa-ção assegurasse a qualidade do processo decisó-rio. É como se, quando o Estado internalizassemecanismos de consulta e participação, se des-responsabilizasse dos conteúdos resultantes. Écomo se a institucionalização da participação

funcionasse como uma garantia de convergên-cia entre interesses estatais e sociais.

O Brasil já passou por períodos de overdose departicipação. Isso ocorreu entre 1963 e 1964 eentre 1987 e 1988. Foram momentos da histórianacional de intensa mobilização popular quegeraram reações extremadas. O primeiro culmi-nou com um golpe militar. O segundo terminoucom a eleição de um presidente que sofreria umprocesso de impeachment no meio do seu man-dato. Sinal dos tempos. A democracia brasileiravem amadurecendo de forma consistente em umcontinente marcado pela instabilidade política eeconômica. Nesse sentido, o boom da partici-pação observada com a criação de múltiplosconselhos com os mais variados formatos e di-nâmicas pode tanto caminhar para um aprimo-ramento da democracia como ser uma contri-buição para a desmoralização da política.

Ninguém defende políticas destinadas apromover a recessão econômica, o aumento dodesemprego, a concentração de renda, o incre-mento da violência, a expansão do analfabetis-mo, a deterioração da infra-estrutura do país, adegradação ambiental, a proliferação das fave-las ou o crescimento das doenças. Mas, se háconsenso sobre a direção das políticas públicasque integram a agenda dos chamados Objeti-vos de Desenvolvimento do Milênio, não pare-ce haver um debate suficentemente rico nemsobre as alternativas de formulação para essaspolíticas nem sobre os distintos eixos articu-ladores de seu conjunto.

Desafios do Desenvolvimento é uma apos-ta para ampliar e aprofundar o debate. Esta é amelhor contribuição para assegurar a qualidadedas decisões visando a redução da pobreza e dadesigualdade no Brasil. O desafio de todos é aconquista de um modelo de desenvolvimentocapaz de aumentar as oportunidades de formaeqüitativa. O Brasil atrai a atenção do mundopor oferecer essa possibilidade. Esse pode serum marco histórico se a enorme energia cidadãfor bem aproveitada.

Carlos Lopes é o Representante do PNUD e da ONU no Brasil.

Decisão implica escolhas

“O desafio de todos

é a conquista de

um modelo de

desenvolvimento

capaz de aumentar

as oportunidades de

forma eqüitativa”

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10 Desafios • agosto de 2004

ENTREVISTA

Desafios - Qual é o objetivo das reformas

que o senhor vem tentando introduzir nas Na-

ções Unidas?

Annan – De início tentamos tornarnossos processos administrativosmais eficientes. Além disso, estamostentando dar coerência ao trabalhodos diversos órgãos da ONU, remo-vendo duplicidades. Também tenteiincluir parlamentares, a sociedadecivil e o setor privado para traba-lharem em parceria com a ONU. Eenfocar um pouco mais as necessi-dades reais das pessoas, questões rela-tivas à pobreza. Por isso criamos osobjetivos de desenvolvimento do“Milênio”. Estamos muito atuantes nocombate à epidemia da AIDS. Es-tamos preocupados com a degra-dação ambiental. Armas de destrui-ção em massa e o terrorismo estão emnossa agenda. Em novembro de 2003criamos um novo painel, formado por16 pessoas eminentes, que está ana-

Kof i AnnanMudança, para enfrentar novas ameaças

impossível não ficar fascinado numa conversa com o secretário-geral da Organização das NaçõesUnidas, Kofi Annan. Ele fala muito baixo, em tom monocórdio. Mas tem uma eloqüência e um caris-ma que dispensam maiores malabarismos para prender a atenção do interlocutor, o que pode ser

explicado pela sua história: ele vem de uma família nobre de Gana e é o primeiro funcionário de carreira aassumir o principal cargo da ONU, onde trabalha desde 1962 (leia quadro ao lado). Sua intenção é adequar oorganismo, que reúne 191 países, à realidade do século XXI, e especialmente capacitar o Conselho deSegurança para enfrentar as novas ameaças à ordem mundial.

Annan falou a Desafios do Desenvolvimento em São Paulo, onde esteve para a Conferência das NaçõesUnidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). O diretor do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), Luiz Henrique Proença Soares, também participou da conversa.

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e n t r e v i s t a a O t t o n i F e r n a n d e s J r .

O secretário-geral da ONU fala da renovação do organismo que completa 60 anos

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Desaf ios • agosto de 2004 11

lisando as novas ameaças e desafios àordem mundial e quais mudanças de-vem ser feitas para enfrentá-los. A rea-lidade é diferente de um país para ou-tro. Para alguns, a pobreza é a questãomais importante no mundo. Para ou-tros, é a AIDS ou é a degradação am-biental. Na América do Norte, dirãoque são o terrorismo e as armas dedestruição em massa. Tudo é terrível.Esse painel deverá abordar a expansãodo Conselho de Segurança, porque amaior parte das pessoas concorda queesse organismo pode tornar-se maisrepresentativo e democrático. Sei quese trata de uma questão de grande in-teresse para o Brasil também.

Desafios - Qual é o prazo de apresentação das

propostas desse painel?

Annan - Irão me apresentar o relatórioem dezembro próximo. E irei, combase nisso, submeter um relatório aosestados membros para que decisõessejam tomadas na Assembléia Geraldo próximo ano, quando comemo-raremos o 60º Aniversário das NaçõesUnidas. Entraremos na maturidade.Não estou dizendo que somos velhos,mas maduros aos 60 anos.

Desafios – O Brasil tem chance de conquistar um

assento permanente no Conselho de Segurança?

Annan - Acho que dependerá das re-comendações que forem apresen-tadas pelo painel. No entanto, dada aposição do Brasil na região e o papelque desempenha no mundo, pode teruma chance.

Desafios – Qual a sua opinião sobre esse tema?

Annan - A decisão cabe aos estadosmembros.

Desafios - O Brasil adotou nos últimos anos

uma posição mais ativa na área internacional e

tenta ag lutinar um grupo de países em desen-

volvimento para negociar melhor vantagens co-

merciais. Esse desempenho implica certo anti-

americanismo.

Annan - Não diria antiamericanismo.Sou uma dessas pessoas que sempreacreditou que os países do sul, os paí-ses em desenvolvimento, nem semprese organizaram de forma correta paranegociar. Estão sempre em desvan-tagem. Já entram em posição dedesvantagem e se dividem ao enfren-tar um grupo muito poderoso. Emcada uma dessas posições saem comoperdedores. Então, ver um grupo depaíses se reunir, dividir seus interessescomuns, determinado a colocar e de-fender sua posição e seu interesse nãoé antiamericanismo. De fato, estãofazendo a mesma coisa que o outrolado faz. Os norte-americanos, assimcomo os europeus, entram na mesa denegociações para defender seus inte-resses. Nada mais natural do que a for-mação de alianças de países em desen-volvimento, como o Grupo dos 20,para defender seus interesses comuns.Por exemplo, o Brasil levou a questãodo algodão para a Organização Mun-dial do Comércio e acabou ganhando.Esses países se reúnem para se defen-der, o que considero legítimo. Isso nãoimplica ser contra um país ou grupode países. Estão protegendo seus inte-resses. Do mesmo modo que o outrolado.

Desafios - Como foi recebida a decisão do go-

verno brasileiro de participar da força de paz da

ONU, de enviar tropas ao Haiti e dessa forma

participar ativamente do cenário internacional?

Qual é o signif icado disso?

Annan - Na ONU, vemos isso comoum avanço muito positivo. Penso queinternacionalmente seja visto da mes-ma forma. Já é hora de todos perceber-mos que não podemos permitir quepaíses em crise vivam no nosso meio efingir que estamos seguros.Penso que o Afeganistão é parte dessalição. Tais estados tornam-se paraísospara certos grupos terroristas, que po-dem tomá-los como reféns e afetar ospaíses vizinhos. É ofensivo. O Haiti

e diz que o Brasil faz bem em buscar alianças para ganhar força nas negociações internacionais

O secretário-geral da Organizaçãodas Nações Unidas Kofi Annan é des-cendente de uma linhagem aristocráti-ca de Gana, país de 19 milhões de ha-bitantes da costa leste da África. Pri-meiro negro a assumir a chefia da or-ganização, ele foi reeleito e deverá per-manecer no cargo até 2006. Sua ges-tão tem sido marcada pelo esforço paraa revitalização da ONU com o trabalhopela redução das desigualdades e peladisseminação da paz e do respeito aosdireitos humanos no planeta.

É figura bastante respeitada entreas lideranças internacionais. Sua atua-ção foi decisiva para a implementaçãodos planos de paz que se seguiram àsguerras no Kuait e na Iugoslávia.Annantambém conseguiu adiar por algunsanos a guerra do Iraque. E nos últimostempos tem defendido a idéia de quehaja uma flexibilização do direito de pa-tentes sobre medicamentos contra aAids, para que a doença possa ser com-batida nos países mais pobres.

Nascido em 8 de abril de 1938,Annan estudou na Universidade deCiência e Tecnologia de Kumasi, em seupaís, e completou o bacharelato emEconomia no Macalester College, emSt. Paul, Minnesota, nos Estados Unidos.Também cursou Economia no InstitutoUniversitário de Altos Estudos Interna-cionais, em Genebra, e obteve mestradona faculdade de administração Sloan,do Instituto de Tecnologia de Massa-chusetts (MIT). Começou a trabalharpara as Nações Unidas em 1962, comofuncionário de administração e orça-mento da Organização Mundial deSaúde em Genebra.

Fala fluentemente inglês, francês ediversas línguas africanas.É casado comNane Annan, cidadã sueca, uma juristaque também se dedica às artes.

Uma vida em

poucas palavras

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12 Desafios • agosto de 2004

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Desaf ios • agosto de 2004 13

está na região da América Latina e doCaribe. Não é vizinho ao Brasil, masna minha opinião o governo bra-sileiro, o Brasil e seu povo acertaramao fazer uma contribuição e mostrarque podemos estabilizar o Haiti e daràs pessoas a oportunidade de cadauma juntar as peças e começar a re-construir sua vida. Não será fácil. Tra-ta-se de uma proposta de longo prazo.Estamos realmente gratos ao Brasil.Acho que sua atuação terá um im-pacto muito positivo, não só nessasquestões específicas, mas no que dizrespeito à paz mundial.

Desafios – Qual a sua avaliação da política

externa do governo Lula?

Annan - Acho que a idéia de expandiro comércio entre os países do sul, depressionar para que algo seja feito paraacabar com a desigualdade que existena sociedade, a desigualdade que exis-te entre os estados e dentro dos esta-dos, é algo que encontra ressonânciaem todo o mundo.A proposta brasilei-ra de juntar os países do hemisfério Sulpara negociar em conjunto a remoçãodas barreiras comerciais é algo que émuito positivo. Não constitui substi-tuto para um sistema multilateral glo-bal de comércio, mas é um comple-mento importante e sinto-me feliz porestarmos nos movendo nesta direção.

Desafios – A globalização da economia garante

automaticamente a redução da pobreza nos paí-

ses menos desenvolvidos?

Annan - Às vezes, as pessoas falam daglobalização como se fosse um proble-ma. Mas é um processo que se disse-mina com rapidez em todos os luga-res, se movimenta mais rapidamentehoje do que no passado. O importanteé definir regras do jogo que sejam jus-tas para todos, países desenvolvidos eem desenvolvimento. Somente assimserá possível assegurar que países egrupos não sejam marginalizados e fi-quem fora do esquema. Um regimecomercial justo deverá reverter emvantagem para todos. Mas isso tam-

bém significará remover as tarifas so-bre importações dos países em de-senvolvimento, independentementede como estejam disfarçadas, sejam naembalagem ou de outra forma, e tam-bém em remover as tecnicalidades quesão algumas vezes utilizadas para im-pedir a entrada de produtos. Abrirá ocomércio e fará avançar a Rodada doUruguai. Se houver abertura para olivre comércio, a ajuda para o desen-volvimento de alguns países não serámais necessária. A abertura comercialnão somente propiciará o desenvol-vimento, mas criará empregos. Decerto modo, por assim dizer, dará umaface humana à globalização.

Desafios – As políticas de reforma baseadas

no mercado, com privatizações, câmbio f lu-

tuante, controle de inf lação e ajuste f iscal, são

suf icientes para reduzir a pobreza nos países

menos desenvolvidos?

Annan - Não, não são suficientes parareduzir a pobreza e há certos bens pú-blicos que as forças mercadológicasnão podem produzir. Assim, é precisoter políticas que assegurem a criaçãode uma rede de segurança para o maisfraco e o mais pobre.

Desafios - Que tipos de políticas por exemplo?

Annan - Começaria com as políticasde saúde, educação e infra-estruturaque proverão os pobres em água po-tável, eletricidade e outras necessida-

des básicas. Isso nunca acontecerá sedepender das forças mercadológicas.Os governos têm um papel e devemdesempenhá-lo.

Desafios – O novo governo do Iraque con-

seguirá conter os insurgentes que lá existem?

Annan – Acho que deve tentar e sei quetentará. Não será uma tarefa fácil. AsForças Armadas Iraquianas foramdesfeitas. As forças policiais foram des-feitas. E o funcionalismo público pra-ticamente não existe. Para restabelecera ordem pública, é preciso não só umsistema policial eficaz, mas tambémum sistema judiciário, um sistemapenal. Tudo isso precisa ser construí-do. Espero que agora, com a soberanianas mãos dos iraquianos, eles tomempara si a responsabilidade da ordempública. Isso dissuadirá alguns insur-gentes de continuar a lutar. No en-tanto, há aqueles que persistirão emlutar até o dia em que não haja maisnenhuma tropa em seu território. Asegurança é o ponto principal para oprogresso futuro e para que o ira-quiano médio, homem ou mulher,possa tocar a vida, é a chave para aseleições que serão realizadas em ja-neiro, bem como para a reconstruçãodo país. A chave para atrair investi-mentos. Sem segurança o Iraque en-frentará um sério problema e seráextremamente difícil que a ONU re-torne ao país e reinicie seu trabalho.

Desafios – Uma força multinacional sob a

bandeira das Nações Unidas seria capaz de li-

dar com os insurgentes iraquianos, uma vez que

há resistência à presença das tropas norte-

americanas?

Annan - Não creio que isso seja umaopção para a ONU. Não dispomos dacapacidade para fazer isso. Existemhoje 160 mil soldados no Iraque. Aúltima resolução que o Conselho de Se-gurança aprovou foi para aquelas for-ças ficarem no Iraque até que um novogoverno decida que não mais desejasua permanência. Creio ser essa aúnica opção.

“Acho que o Brasil e

seu povo acertaram ao

mostrar que podemos

estabilizar o Haiti e

dar às pessoas a

oportunidade de cada

uma juntar as peças e

reconstruir sua vida”

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14 Desafios • agosto de 2004

G l a u c o A r b i xARTIGO

esafios do Desenvolvimento, comoexpressão do Ipea e do Pnud, apresenta-se ao público em um momento impor-tante de nossa história recente, em que a

economia dá mostras claras de recuperação ecrescimento. Ainda que iniciais, os resultadossão animadores nas áreas mais sensíveis da ativi-dade produtiva, permitindo-nos olhar com oti-mismo para o amanhã. Principalmente porqueem meio à severidade da crítica - parte inte-grante e necessária do arsenal dos economistas,acadêmicos e políticos brasileiros - os indicado-res de emprego e renda começaram a oscilarpositivamente. E ainda melhor, com recupera-ção do emprego formal. Mesmo com o elevadoíndice de subocupação por insuficiência de ren-da - trabalhadores que têm rendimentos por ho-ra inferiores ao salário mínimo por hora - a con-tinuidade do crescimento da ocupação deveráprovocar diminuição estrutural da taxa de de-semprego. Essa é a questão chave, pois a arte dobem governar o Brasil só adquire real sentido seestiver orientada para a geração de empregos epara a diminuição da desigualdade e da miséria.

Desafios dedicará seus esforços para tornaro trabalho decente o objetivo central do desen-volvimento includente, sustentável e sustentadopara todos. Essa é a ponte desejável entre o so-cial e o mundo da economia.Tão desejável quan-to difícil, uma vez que os conflitos, os jogos deinteresse, as inadequações institucionais e as as-pirações menores e egoístas já demonstraramseu poder de atuação ao longo da história.Vencer essa batalha é a preocupação central detodo o povo brasileiro. Desafios nasce buscan-do inspiração no diálogo reflexivo e no respeitoà diversidade contra as armadilhas da receitafácil, do fast food ideológico, dos prestígios daaventura e da mistificação política.

Ipea e Pnud consolidaram ao longo dos anosa compreensão de que a dívida social que o Bra-sil enfrenta é fruto de várias décadas de cresci-mento rápido, porém socialmente perverso,excludente e concentrador, seguidas de mais deduas décadas de virtual estagnação. O desafiodos próximos anos é prosseguir no caminho do

crescimento, aprofundando o debate sobre co-mo fazê-lo beneficiar a todos, gerando empregosde qualidade e distribuindo renda.

A agenda de reformas é de longo alcance e nãoserá cumprida de uma vez, dadas as caracterís-ticas do arranjo entre as instituições e os agenteseconômicos e sociais. Não é à toa que as reformaspedem constantemente novas reformas, pois sãofeitas passo a passo, muitas vezes aumentando onosso índice de ansiedade. Não há outra formade estruturar o debate nacional. O tempo, nessecaso, está do lado da democracia. Tempo paraamadurecer a discussão, para permitir o desenhode novas instituições. Isso requer líderes genuí-nos, diálogo e pactuação. O tempo social assimconcebido é da essência da democracia.

Desafios nasce comprometida com a cons-trução de um novo pacto de governança que pe-de um padrão renovado de relacionamento entreo setor público e o privado, a busca de um am-biente de cooperação capaz de encontrar o con-vívio virtuoso entre o Estado e os mercados, osistema produtivo e a regulação pública, o in-vestimento, o risco e o respeito à sociedade. Hádécadas que a história do Brasil não registra umacombinação tão favorável de inflação controlada,contas públicas ordenadas e contas externassuperavitárias. Assegurar e aprofundar essasconquistas de modo a viabilizar um salto estraté-gico no investimento certamente tornará maispróximo o desenvolvimento sustentável que to-dos buscamos. Pensar esse futuro implica elabo-rar e implementar políticas de desenvolvimentoindustrial e tecnológico. Significa dar vida a umverdadeiro mutirão para induzir a inovação, demodo a aumentar o investimento privado.

O Brasil assentou os trilhos, não cedendo àspressões tão intensas quanto ligeiras para aban-donar sua rota de responsabilidade. Desafiosbuscará alertar contra os sortilégios e as aven-turas. Milagres, aos milagreiros. À administra-ção pública de qualidade, a coragem e a ousadiade ser responsável por um País de quase 200 mi-lhões de brasileiros.

Glauco Arbix é presidente do Ipea

De olhos e mãos no futuro

“A arte do bem

governar o Brasil

só adquire real sentido

se estiver orientada

para a geração

de empregos e para

a diminuição

da desigualdade

e da miséria”.

Luiz

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Saldo do comércio exteriorbate recordes(em US$ bilhões)

16 Desafios • agosto de 2004

A agenda de mudanças que pode levar o Brasil a um ciclo virtuoso

de crescimento envolve a busca de consensos sobre o papel da das

instituições e do governo

ECONOMIA

s últimas semanas trouxeramboas notícias na frente econô-mica. Nunca se exportou tantoe o saldo comercial acumulado

em 12 meses chegou a 30 bilhões de dó-lares em junho, o melhor resultado dahistória. Pelo segundo mês seguido, caiuo desemprego na região metropolitanade São Paulo. O saldo do comércio exte-rior bate recordes históricos. São dadosobjetivos, mas ainda não asseguram umciclo prolongado de crescimento.

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . * , d e B r a s í l i a

para o desenvolvimento sustentávelIdéias

O xis da questão, agora, é como ga-rantir que essa sensação inicial de bemestar se espalhe de forma duradoura portoda a sociedade, irrigando o emprego e arenda, o consumo, a poupança e o inves-timento. O momento é propício para le-var à frente este debate, pois três fatoreschaves para o crescimento econômico es-tão em conjunção: as contas externas doPaís, positivas; as contas internas, arru-madas, e a inflação sob controle.

Em junho, o Boletim de Conjuntura

do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) já apontava uma melho-ria dos indicadores macroeconômicos,mas advertia: para acelerar as taxas decrescimento do Produto Interno Bruto “épreciso aumentar a taxa de crescimentopotencial da economia através da imple-mentação de um amplo conjunto depolíticas para assegurar um horizonte delongo prazo de decisões de investimen-to”. Em seguida propunha uma agendade mudanças. Ela inclui a ampliação da

A

13

16.2 15.4 15.2

13.2

17.518.8

20.319.1

16.2

19.918.6

16

19

Fonte: Ipeadata/Seade/DIEESE. Região Metropolitana de São Paulo

10.58

15.2413.30

10.47

-3.47-5.60-6.75-6.58

-1.20 -0.70

2.65

13.12

24.83

29.45

Saldo em doze meses (exportações menos importações) Acumulado nos doze meses anteriores* junho de 2004Fonte:Ipeadata/Banco Central

1991 92 93 94 95 96 97 98 99 2000 01 02 03 04*

A taxa de desemprego está em quedaVeja os índices registrados no mês de junho de cada ano

1991 92 93 94 95 96 97 98 99 2000 01 02 03 04

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Desaf ios • agosto de 2004 17

reforma da Previdência, a continuidadeda reforma tributária, o início da reformatrabalhista, e a definição dos marcos re-gulatórios nos setores de infra-estrutura.

Os pontos levantados no Boletim, quecircula há 17 anos e tem grande repu-tação como publicação analítica, con-fiável e tecnicamente sólida, estão em sin-tonia com o que disseram, em junho, osministros Guido Mantega, do Plane-jamento, e Antonio Palocci, da Fazenda,em apresentações a investidores e execu-tivos em Nova York, num evento paraatração de investimentos que contoucom a presença do presidente da Re-pública. A mensagem lá apresentadaapontava os três fundamentos de umprocesso de reformas estruturais voltadaspara garantir o crescimento econômico,o aumento do emprego e a redução dapobreza e da desigualdade, quais sejam: aredução do custo de capital, o fortaleci-mento do ambiente de negócios e a pro-teção social efetiva.

Na lista das mudanças mais imediatasa serem implementadas constavam ostemas presentes na pauta do CongressoNacional, que avançaram durante oesforço concentrado de junho e julho,mas que não foram concluídos: os proje-

tos de lei de Inovação, de ParceriasPúblico Privadas (PPP), de Reforma doJudiciário, de Falências e a recém aprova-da Reforma do Setor Imobiliário. Umaforte articulação política dos parla-mentares, tanto de situação quanto deoposição, poderá permitir a continui-dade dessa pauta no segundo semestre,mesmo em ano de eleições municipais(ler a seção Giro na página 7). Muita nego-ciação será necessária, mas a resistência aesse conjunto de mudanças será menordo que a enfrentada na Reforma daPrevidência, quando milhares de fun-cionários públicos tomaram a Esplanadados Ministérios em Brasília para protes-tar contra a proposta do governo.

Esses pontos são muito importantespara se avançar na definição de um novoambiente econômico e institucional,possibilitando mais estabilidade e maiorconfiança nos contratos. Trata-se daschamadas reformas microeconômicas,como alguns dentro e fora do governoclassificam. No estudo Uma agenda pós-liberal de desenvolvimento para o Brasil,Armando Castelar, economista do Ipea,aborda esse tema, ressaltando a impor-tância da liderança, não ligada a pessoas,mas a um processo.

A indústria aceleraA utilização da capacidade instalada éa maior desde outubro de 1997

84%83%

80%

82.8%

80.9%

79%

80.4%

84.2%

Fonte: Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação (FGV)

out.1

997

jul.98

jul.99

jul.20

00

jul.01

jul.02

jul.03

jul.04

O risco Brasil no exterior atinge menor valor desde 1997Spread cobrado nos C. Bonds nos mêses de julho

Fonte: Ipeadata/ValorEconômico. Diferença (spread), em pontos bases, da taxa de venda do principal título da dívida externa brasileira (C-Bonds) emrelação aos títulos do Tesouro dos EUA. Quanto menor o valor maior a confiança dos investidores externos no Brasil

95 96 97 98 99 00 01 02 03 04

Taxa de investimentoA taxa é baixa e não garante o crescimento acelerado (em relação ao PIB)

91

92

93

94

95

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97

98

99

00

01

02

03

mar/04

ideal

1035

733

393

638

1023

723

995

1995

807616

Fonte: Ipeadata.

17,8 %

18,5 %

19,6 %

21,6 %

18,4 %

18,7 %

18.3 %

18,4 %

18,2 %

18,5 %

18.0 %

18,1 %

18.2 %

19,3 %

23,5 %

Taxa de investimento apreços correntes,obtida a partir da relação entre a Formação Brutade Capital Fixo e oProduto interno brutotrimestral nominal (IBGE).

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18 Desafios • agosto de 2004

É muito mais fácil fazer reformas institucionais num ambiente de estabilidade e crescimento

Criar um novo ambiente econômico einstitucional é essencial para assegurar ocrescimento sustentável, a taxas altas osuficiente para investir em programas deinclusão social e redução da pobreza.Alcançar esse equilíbrio exige talento ededicação muito além da economia noseu sentido mais estrito. Liderança e con-senso nacional da necessidade de umaagenda de reforma que sustente o desen-volvimento são essenciais. Sacrifíciotambém será necessário, pois a conta nãoserá neutra. Haverá, como é do jogo,perdedores e ganhadores.

É mais fácil fazer reformas institucio-nais num ambiente de crescimentoeconômico do que de estagnação, comolembra o economista Dani Rodrik, pro-fessor de Política Econômica Interna-cional da Escola John F. Kennedy deGoverno, da Universidade Harvard, nos

Estados Unidos. Rodrik, um estudiosodos ciclos de desenvolvimento de diver-sos países nos últimos 60 anos, apresentaa seguinte conclusão em seu estudoGrowth Strategies (Estratégias de Cresci-mento): a chave para o crescimento delongo prazo e a prosperidade é desen-volver instituições que mantenham odinamismo produtivo e criem resistênciaaos choques externos. Ele chama aatenção para a necessidade desse ciclo dereformas ser “flexível”, para escolher bemas opções da agenda e saber quando usá-las. Também lembra ser essencial buscarsoluções criativas que ganhem sólidaadesão dos participantes e arbitrem oritmo das reformas.

Castelar concorda com Rodrik em re-lação à oportunidade dessas reformas.Para ele, “o melhor momento para con-sertar o telhado é quando não está cho-

vendo”. Mas alerta que o processo demudanças institucionais no Brasil estámuito lento e pode estar perdendo o rit-mo. Seu estudo avalia os ciclos de cresci-mento econômico brasileiros desde 1930e constata a perda de dinamismo depoisde 1981. “Falta ao país investir o sufi-ciente para aumentar o ritmo produtivonecessário para viabilizar uma expansãoacelerada do Produto Interno Bruto(PIB)”, diz ele, acreditando que novasreformas contribuirão para tal expansão.

Longo prazo Castelar propõe um olharmais distante, para um ciclo futuro de 20anos, em que o aumento médio da popu-lação deve ficar em 1,1% ao ano e em queocorra um crescimento médio anual de3,9% do PIB per capita. Em suas contas,tal combinação implicaria num aumentoreal médio do PIB de 5% anuais. O Brasil

Plenário do Senado: pauta repleta de reformas aguardando votação

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1.1

Desaf ios • agosto de 2004 19

econômico do que promovê-las em um cenário de estagnação

já teve taxas de crescimento maiores,embora por curtos períodos seguidos derecessões. Mas o que Castelar desenha éum ciclo de crescimento sustentável, delongo prazo, apoiado em reformas insti-tucionais. A concretização desse cenárioexigirá um aumento da poupança nacio-nal, que teria de atingir a média anual de23,5% do PIB entre 2003 e 2022 (a preçosconstantes de 1980), 2,4 pontos por-centuais acima da média de 1981/1993(ver a tabela abaixo)

Para alcançar esse crescimento mui-tas reformas são necessárias, a começarpela redução do custo do investimentopara acelerar as decisões de investir (lerGargalo do Crédito na página 26). Serápreciso ainda, segundo o trabalho deCastelar, intensificar o progresso tecno-lógico, aumentar o fluxo de comércioexterior, expandir a infra-estrutura, re-duzir as desigualdades, reorientar osgastos sociais para os efetivamente po-bres e fortalecer as instituições. Umaagenda deste tipo ainda não é consensona sociedade brasileira e o economistaMarcos Lisboa, Secretário de PolíticaEconômica do Ministério da Fazenda,explica por quê:“Nos últimos 30 anos asquestões macroeconômicas dominaramo debate no Brasil, relegando para se-gundo plano a discussão sobre mudan-ças institucionais”.

Ajustes institucionais Hiperinflação,frustradas tentativas de estabilização,divida externa, crise cambial e desequi-líbrios fiscais marcaram a históriabrasileira nos últimos 30 anos. Agora,sustenta Lisboa, a maior parte dessesproblemas ficou para trás e a tarefa defazer ajustes institucionais tem de serencarada como prioritária, como é nor-mal nos países mais desenvolvidos.“Mesmo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, com toda a estabilidade dasregras, os marcos regulatórios são altera-dos de tempos em tempos, pois as rela-ções econômicas mudam mais depressado que as instituições”. No nosso caso,

será preciso aprimorar o sistema judi-ciário, transformar as relações trabalhistase fazer a reforma tributária, diz Lisboa.

Reformas microeconômicas e de insti-tuições “ajudam, mas o que define mesmoé a ação do governo”, diz o deputado (PP-SP) e ex-ministro da Fazenda DelfimNetto. Para ele, o atual crescimentoeconômico será sustentável na medidaem que o governo entender que ele, comsua ação, é um fator decisivo para induzira atividade econômica. “Veja a agroin-dústria, cujo desenvolvimento é sustenta-do pela ação do governo, no crédito, nostributos e na tecnologia”, diz. Em seu esti-lo inconfundível e irreverente, o ex-mi-

nistro diz que Deus deu ao presidenteLula três anos de carência, nos quaispoderemos crescer a uma taxa de até 6%ao ano, sem problemas de energia. “Aschuvas encheram os reservatórios e nãoteremos problemas neste particular”.Com a Lei das PPP, diz Delfim, vamos tertodas as condições de completar os proje-tos que estão parados e avançar na res-olução dos problemas de infra-estrutura.Nessa tecla também bate o ministroGuido Mantega, para quem a PPP é indis-pensável para o crescimento econômico.

A bola, na opinião de Delfim, tem deser colocada no chão. “O mercado podeser eficiente e mesmo assim não fun-cionar, por falta de operador.” Ele diz queos economistas usam uma função deprodução “misteriosa”. Em outras pala-vras, não adianta tentar resolver os fa-tores de crescimento no papel.“Os fatoresde produção podem estar alinhados, masa economia só cresce se o espírito animaldo empresário for despertado.”

Cabe ao governo gerar confiança eabrir uma janela para o futuro de cresci-mento continuado. Não apenas comreformas microeconômicas, mas com

Evolução da taxa de investimento(como porcentagem do PIB)

Nacional Estrangeiro

Fonte: Ipeadata.Taxa de investimento a preços correntes, obtida a partir da relação entre a Formação Bruta de Capital Fixo e o Produto internobruto trimestral nominal (IBGE).

1951/1963 1964/1980 1981/1993 1994/2002 mar.04

14.4

1.11.3

3.42.4

18.8

21.1

17.7

19.3

Delfim Netto: governo é indutor do crescimento

Dida

Sam

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20 Desafios • agosto de 2004

Uma maior conf iança dos agentes econômicos na política de desenvolvimento de longo prazo

uma ação decidida em termos de políticaindustrial e de inovação tecnológica.

Delfim, como tantos economistas eempresários, quer a queda da taxa dejuros – condição para o aumento dosinvestimentos no país. O governo discuteformas de acelerar a desoneração doinvestimento produtivo e alongar apoupança interna. O secretário Lisboa,entretanto, realça que o governo temresponsabilidades fiscais a cumprir. “Oequilíbrio fiscal tem de ser de longoprazo, pois ao gerar confiança nesseprocesso será possível alongar a dívidapública, reduzir o custo de financiamen-to do Tesouro, liberando recursos parainvestimentos públicos e permitindouma redução das taxas de juros no mer-cado, com impacto positivo sobre a ativi-dade econômica”.

A confiança dos agentes econômicosnuma política de longo prazo pode gerarum ciclo virtuoso, na opinião de outroeconomista do Ipea, Fábio Giambiagi. Elelembra que em processos de transiçãopolítica, a exemplo do que ocorreu após aposse do Presidente Lula, numa primeirafase o investidor sempre teme um calote,mesmo com a melhora do superávit pri-Investidores e empresários em Nova York, em junho, em seminário sobre a economia brasileira

Fonte: Armando Castelar/Anatel/GEIPOT/NOS

1951/1963 1964/1980 1981/1993 1994/2002

-0.3%

4.1% 3.8%

Crescimento anual da infra-estrutura em setores selecionados

Ferrovias

Geração de eletricidade

Rodovias pavimentadas

Telefonia

-1.6%

1.0%

23.9%

16%

4.9%

1.5%

6.8%

11.2%

6.9%

22.9%

-0.5%

9.8%

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Desaf ios • agosto de 2004 21

pode gerar um ciclo virtuoso, com queda dos juros e novos investimentos

mário. Num segundo momento, o merca-do passa a acreditar que o ajuste fiscal ésério e as taxas de juros caem. Estabelecidaa confiança, com uma perspectiva delongo prazo, os juros prosseguem em tra-jetória de queda, aumenta a receita fiscal ecai a dívida pública em relação ao PIB.

Transparência Lisboa concorda com estaavaliação, pois na medida em que se con-solida a confiança nas regras, na con-tinuidade do aprimoramento institu-cional e no compromisso do governocom o ajuste fiscal de longo prazo, seusbenefícios ficam transparentes e “a con-tinuidade desse processo passa a ser umacobrança e um patrimônio da sociedade,que reconhece o seu valor, pelo acréscimode qualidade de vida que propiciou”.

Mas no imediato, é preciso acelerar aeficiência da economia. “A aprovação daLei das Falências, que passou no Senado evolta para a Câmara, é muito importante,pois o atual sistema leva à destruição dopatrimônio de empresas. Também implica

crédito mais caro para empresas saudáveis,o que não é admissível numa sociedadeque tem recursos limitados”, adverte Lis-boa. Para ele, a Lei de Inovação é funda-mental para incentivar o aumento da pro-dutividade, pois vai criar um ambientepropício para que as empresas invistammais em pesquisa e desenvolvimento.Com isso,espera,haverá maior proteção àspatentes e processos de registro mais sim-ples. A Confederação Nacional de Indús-tria (CNI) coloca o incentivo à inovaçãocomo um ponto importante de sua agendade crescimento (ler o quadro na página 22).

Projetos Na mesma direção, o projeto delei que regulamenta as Parcerias PúblicoPrivadas, ao estimular as empresas pri-vadas a assumirem concessões de obraspúblicas, dentro de uma regulação bemdefinida, permitirá a expansão do investi-mento em infra-estrutura. A questão écompatibilizar esta nova lei com a deResponsabilidade Fiscal, como previa oprojeto encaminhado pelo governo ao

Congresso. Alterado na Câmara, ele seencontra agora no Senado, sob questio-namento da oposição neste ponto. Suaaprovação, de qualquer forma, é indis-pensável para ampliar o investimento eminfra-estrutura, pois atualmente o gover-no federal tem disponíveis apenas 0,5%do PIB para este tipo de investimento,dadas as restrições fiscais.

Enfim, lembra o estudo de Castelar,“melhorar a infra-estrutura é essencialpara ter competitividade, incentivar ou-tros investimentos e permitir o cresci-mento do PIB”. É um enorme desafio queexigirá investimentos de porte. Segundoo economista, será preciso investir 2,5%do PIB anualmente durante duas décadaspara garantir uma expansão anual de 8%em média da capacidade de geração deenergia e construção de rodovias pavi-mentadas, taxas compatíveis com o queocorreu no período 1951/1980. E o setorprivado não entra em empreendimentosdeste porte se não houver “um claro com-promisso governamental com um modelo

Manifestação contra a reforma da Previdência em Brasília, em 2003: resistência a mudanças deve ser menor nos próximos projetos

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22 Desafios • agosto de 2004

regulatório transparente e consistentepara a infra-estrutura”, segundo o estudode Castelar.

O Orçamento da União de 2005 desti-na apenas 10 bilhões de reais para a infra-estrutura, quando seria necessário pelomenos o dobro, segundo a estimativa daAssociação Brasileira da Infra-Estruturae Indústria (ABDIB). Mas a cautela émesmo recomendável, pois o ajuste fiscalainda não é uma página virada.

Apesar dos avanços dos últimos anos,os gastos correntes da União ainda nãoestão sob controle: devem atingir 17% doPIB neste ano, acima dos 14% do PIBregistrados em 1995. Uma das maioresfontes de pressão sobre os gastos cor-rentes são as despesas com pagamento deaposentadorias, pensões e benefícios daPrevidência, para trabalhadores do setor

Para recompor a relevância da atuação pública é necessária uma intervenção criativa do Estado

“O País precisar retornar a uma trajetó-ria de crescimento sustentável. Crescer exigeinvestimento, que por sua vez depende da ca-pacidade de poupança. O aumento da poupan-ça doméstica pode ser viabilizado com as re-formas estruturais como a da previdência e atributária. Sem elas fica muito difícil gerarinternamente os recursos necessários ao au-mento do investimento e, portanto, fazer oPaís crescer mais rapidamente. É, pois, im-prescindível demonstrarmos nossa capaci-dade de promover as reformas e as mudançasfundamentais para o crescimento sustentá-vel”, esta é a proposta da Confederação Na-cional da Indústria (CNI).

Para a entidade, a competitividade noBrasil é prejudicada pela carga tributáriasobre a produção, o custo do financiamento, ea oneração excessiva da folha de salários.Para a CNI “é essencial recuperar a capaci-

dade de crescer de forma sustentada. No do-cumento Uma agenda pró-crescimento para2004, divulgado em abril deste ano, temiaque o crescimento que já se vislumbrava para2004, fosse interrompido pela falta de outrasreformas e advertia que a interrupção daqueda das taxas de juros (Selic) e a incertezaquanto aos marcos regulatórios podiam atra-palhar. O documento alinha uma série de pro-postas:

Na área tributária, reclama da elevaçãoda carga de impostos com as novas regraspara o PIS/Cofins e reivindica a desoneraçãoimediata do Imposto sobre Produtos Industria-lizados nos investimentos em bens de capital.

Propõe a redução da carga tributáriasobre intermediação financeira, para reduzira taxa de juros dos empréstimos e estimulara oferta, bem como medidas para estimular acompetitividade no setor financeiro.

A inovação tecnológica é colocada comoelemento essencial para sustentar o cresci-mento, o que implica em abater o Imposto deRenda e diferir o Imposto sobre Produtos In-dustrializados (IPI) para investimentos emPesquisa&Desenvolvimento, bem como linhasde financiamento para a inovação.

Empresas de menor porte devem poderparticipar dos investimentos de infra-estrutu-ra, através da criação de um projeto simplifi-cado de parcerias público-privadas.

Sugere uma nova lei para as pequenas emédicas empresas, com criação de regrasespecíficas e temporárias que permitamdesonerar a folha de pagamentos e estimulara formalização de suas atividades.

Finalmente, propõe novas regras, massimplificadas, de regulamentação ambientale um nova política de desenvolvimentoregional.

A agenda dos industriaisConfederação Nacional da Indústria propõe um roteiro para sustentar o crescimento

privado e servidores do Governo Federal,que evoluiu de 2,8% do PIB no período1988/1990 para estimados 9,7% do PIB,este ano, segundo o estudo Diagnósticoda Previdência Social: o que foi feito e o quefalta fazer, elaborado por Giambiagi,Kaizô Beltrão e Vagner Ardeo, do Ipea.

Em 1995, o pagamento dos benefíciospelo Instituto Nacional do Seguro Social(INSS) absorvia o equivalente a 5% doPIB, representando 28,4% dos gastos dogoverno federal; em 2004, deverá chegara 7,5% do PIB e 34,4% dos gastos. Já asdespesas com inativos do governo federaldevem cair de 2,3% do PIB em 1995 para2,2% em 2004, graças aos efeitos daReforma da Previdência aprovada em2003. O peso dos benefícios pagos peloINSS sobe sempre que há um aumentoreal do salário mínimo, tornando inviá-

vel fazer qualquer política de transferên-cia de renda com o mínimo.

Para ajudar a recompor a integridadee a relevância da atuação pública é pre-ciso uma intervenção criativa do Estado.E a democracia é o principal suporte navia de se alcançar e sustentar instituiçõesde alta qualidade.

Equilibrar todas essas variáveis e osinteresses envolvidos numa agenda decrescimento estratégico é um grandedesafio, principalmente num país comoo Brasil, que perdeu o hábito de pensar olongo prazo. A mobilização da socieda-de é essencial para que a empreitada sejabem sucedida. Não se trata de tarefasimples, mas certamente o trabalhovalerá a pena.

* Colaborou Edmundo M. Oliveira

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24 Desafios • agosto de 2004

L u i z G o n z a g a B e l l u z z oARTIGO

documento da Unctad, Relatório deComércio e Desenvolvimento, de 2003,classificou os países em desenvolvi-mento em quatro grupos: 1) os de

industrialização madura, como a Coréia eTaiwan, que já atingiram um grau elevado deindustrialização, produtividade e renda percapita, mas apresentam uma taxa declinante decrescimento industrial; 2) os de industrializa-ção rápida, como a China e talvez a Índia, que –mediante políticas que favorecem elevadastaxas de investimento doméstico e graduaçãotecnológica – apresentam crescente partici-pação das manufaturas no produto, noemprego e nas exportações; 3) os de industria-lização de enclave, como o México, que, a des-peito de aumentar sua participação na expor-tação de manufaturados, têm desempenho po-bre em termos de investimento, de valor agre-gado e de produtividade; e 4) finalmente, osem vias de desindustrialização, grupo queinclui a maioria dos países da América Latina.Estão nessa turma os que alcançaram certograu de avanço industrial, “mas não foramcapazes de sustentar um processo dinâmico demudança estrutural mediante a rápida acumu-lação de capital e crescimento do PIB”. Essespaíses, num ambiente de liberalização finan-ceira e comercial, apresentam participaçõesdeclinantes do emprego e da produção manu-fatureiras e sofrem uma degradação da sua po-sição tecnológica.

Os economistas Michael Dooley, DavidFolkerts-Landau e Peter Garber descobriram –um tanto tardiamente – que a “globalizaçãoamericana” dos anos 80 e 90 engendrou doistipos de regiões: as trade account regions, cujainserção internacional se faz pelo comércio epela atração do investimento direto destinadoaos setores afetados pelo comércio interna-cional (tradeables); e as capital account regions,que buscaram sua integração mediante a aber-tura da conta de capitais.

No primeiro grupo estão os países da Ásia,que apresentam superávits comerciais eleva-dos e rápida acumulação de reservas em moe-

da forte; no segundo, militam os países daAmérica Latina, como o Brasil, sempre pres-sionados por relações arriscadas entre o servi-ço da dívida externa e as exportações, apre-sentando freqüentemente proporções inade-quadas entre reservas e dívida externa de cur-to prazo.

A estratégia asiática encontrou campo fértilna ampliação do déficit em transações correntesdos Estados Unidos: primeiro a indústria ma-nufatureira e mais recentemente o setor de ser-viços dos Estados Unidos empreenderam ainternacionalização de sua “estrutura de cus-tos”. Assim, o investimento produtivo “global”concentrou-se nas áreas de crescimento rápido,onde ocorria a combinação mais vantajosaentre a incorporação do progresso tecnológicoe a oferta elástica de fatores de produção.

A integração pelo comércio e pela atraçãodo investimento direto – associada a uma po-lítica de proteção de uma taxa de câmbio realcompetitiva, mediante intervenções e con-troles sobre a conta de capital – constituiu-seem um fator crucial para o sucesso do modeloasiático de crescimento acelerado e graduaçãotecnológica.

Num mundo em que são fortes as assimetriasde poder econômico e financeiro entre as nações,tais práticas neomercantilistas permitem aadoção de políticas monetárias mais frouxas, istoé, taxas de juros mais baixas que favorecem aexpansão do crédito. Isso porque a acumulaçãode reservas elevadas garante o atendimento dademanda por liquidez em moeda forte e assegu-ra a estabilidade da taxa de câmbio.

A razão maior do fracasso das políticas ado-tadas no Brasil nos anos 90 foi a crassa incom-preensão – vamos ser generosos – das armadi-lhas implícitas na abertura financeira. Daí nas-ceu uma economia sem instrumentos de go-vernança, sem liberdade de utilizar instrumen-tos fiscais e monetários compatíveis com ocrescimento e incapaz de engendrar estratégiasde longo prazo.

Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor da Unicamp.

Razões do sucesso do modelo asiático

“A integração pelo

comércio, a atração

do investimento direto

e taxa de câmbio

real competitiva

são fatores cruciais

para o sucesso do

modelo asiático de

crescimento acelerado”

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e o Brasil tem um sistema financeiro moderno, efi-ciente, um dos mais informatizados do planeta,como se explica que o crédito bancário seja escassoe tão caro no País? Essa é uma questão complexa e

fundamental, já que o crédito é um dos fatores determinantesdo crescimento econômico. O tema é motivo de análise deArmando Castelar Pinheiro, economista do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea) no Rio de Janeiro e autordo estudo “Uma agenda pós-liberal de desenvolvimento para oBrasil”. “A redução do custo do investimento é essencial paraaumentar o ritmo de acumulação do capital e acelerar ocrescimento econômico”, diz. Ele propõe um conjunto demudanças essenciais para garantir um crescimento econômi-co sustentável.

Os dados do Banco Mundial revelam a limitada oferta decrédito no Brasil, se comparado com outros países que osten-tam saudáveis taxas de crescimento econômico (veja gráfico na

página 29). Em 2002 o volume de crédito ao setor privado re-presentava 35% do PIB brasileiro, segundo o Banco Mundial.No Japão, a taxa era de 175% do PIB. No Chile, de 68% do PIB.

Não bastasse a oferta restrita, os juros cobrados pelos em-préstimos concedidos no país estão entre os mais altos doplaneta. A taxa básica de juro real (descontada a inflação)

26 Desafios • agosto de 2004

SISTEMA FINANCEIRO

O gargalo docrédito

P o r S é r g i o S i s t e r * , d e S ã o P a u l o

O Brasil tem bancos modernos, mas que

emprestam pouco e a um custo muito alto.

Essa realidade precisa mudar para que o

país possa crescer de forma sustentável

S

Pessoa Jurídica (Em bilhões de reais)Capital de giro 34,3Adiantamento às exportações 29,4Conta garantida 24,3Repasses externos 17,2Financiamento de importações 9,2Desconto de duplicatas 8,5Outros 29,1Total 152,0

Pessoa Física (Em bilhões de reais)Crédito pessoal 36,7Aquisição de bens - veículos 33,7Cheque especial 10,4Cartão de crédito 7,0Aquisição de bens - outros 5,6Financiamento imobiliário 1,1Outros 5,4Total 99,9

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A distribuiçãodo crédito no Brasil

Recursos livres 251,9

BNDES 88,1

Rural 48,0

Habitação 23,6

Outros 20,0

Operações de Leasing 10,6

Total 442,2

Operações de Crédito (em bilhões de reais)

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Desaf ios • agosto de 2004 27

gira em torno dos 9,5% ao ano. Só perde para a Turquia, ondeo custo do dinheiro está na casa dos 11,6% anuais. Na China,país cuja economia é campeã em crescimento, a taxa real énegativa em 0,7%. “O sistema financeiro brasileiro oferecebaixo volume de crédito como proporção do Produto Inter-no Bruto e cobra taxas recordes de intermediação financeira,o spread”, afirma Castelar.

Spread é a diferença entre o que os bancos cobram pelosempréstimos e o custo de captação do dinheiro. O spread co-brado pelos bancos brasileiros é da ordem de 38% e está entreos mais altos do mundo, segundo os cálculos de Erivelto Ro-drigues, presidente da Austin Rating, empresa especializadaem análise de risco de crédito. Em seu trabalho, Castelar cons-tata que a modernização do sistema financeiro brasileiro, aentrada de bancos estrangeiros no mercado nacional, a priva-tização de bancos públicos e a melhoria do controle oficialnão foram suficientes para alterar esse quadro de crédito caroe escasso. Os bancos existentes no Brasil são modernos, têmgestão sofisticada, tecnologia de ponta, mas só emprestam pa-ra quem tem condições de pagar em curto prazo e de arcarcom juros altíssimos.

É muito fácil constatar que o sistema financeiro brasileironão é exatamente um craque de empréstimos. Em junho, o

saldo das operações de crédito do País, segundo o BancoCentral, era de 442 bilhões de reais, o equivalente a 26,1% doPIB. A mais importante fonte de recursos para investimentosnão-habitacionais de longo prazo de maturação é o BancoNacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),que garante 20% do bolo total de crédito (veja dados na figu-

ra da página ao lado). O banco oferece o dinheiro mais baratodo mercado. O custo de seus empréstimos varia entre 16% e17% ao ano. Mesmo assim, a taxa é bastante superior àrentabilidade sobre o patrimônio que as 500 maiores empre-sas brasileiras registraram em 2002: 13%.

Alternativas de crédito Fora do BNDES restam poucas alterna-tivas de crédito de longo prazo. Uma delas são os repasses derecursos do exterior, que têm um custo da ordem de 20% ao ano,mais a desvalorização cambial, mas são acessíveis apenas a umseleto grupo de empresas.Em junho,esse tipo de operação movi-mentou 17,2 bilhões de reais, ou 11% do crédito bancário comrecursos livres para empresas (veja dados na figura ao lado).

A oferta de crédito concentra-se no curto prazo e os jurossão ainda mais salgados. Linhas de curta duração como contasgarantidas, financiamentos de capital de giro e descontos detítulos, movimentaram 67 bilhões de reais em junho, ou 44%

Jato 190 da Embraer: a indústria brasileira produz e exporta muito, mas poderia estar ainda melhor se houvesse crédito farto

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28 Desafios • agosto de 2004

Quem precisa mais paga mais caro. É alei da oferta e da procura. No Brasil, gente po-bre não tem acesso aos bancos e quando pre-cisa financiar a compra de um bem em geralvê-se forçado a recorrer às financeiras, aocrédito direto das lojas, ou mesmo a um agio-ta. E as taxas de juros são escandalosas.

Para essa população existem duas alter-nativas. Uma delas é o recurso às cooperati-vas de crédito. Em 2003, as 1.454 cooperati-vas emprestaram 5,5 bilhões de reais a seusassociados – um crescimento de 26,2% emrelação ao ano anterior. A outra, uma novida-de no Brasil, é o microcrédito – empréstimoa juro baixo oferecido pelas instituições fi-nanceiras àqueles que ganham até três sa-lários mínimos e não têm conta corrente ban-cária. Segundo o IBGE essa gente soma 30milhões de brasileiros.

O Bradesco oferece crédito popular emparceira com os Correios, pelo Banco Postal.A Caixa Econômica Federal tem sua linhaCaixa Amigo e o Banco do Brasil lançou oBanco Popular do Brasil (BPB) em fevereiro.Até 30 de junho, o BPB operou em fase detestes, abrindo 30 pontos nos chamados cor-respondentes bancários, como lojas de rou-pas, de material de construção, mercearias e padarias, localizadas nos bairros maispobres de São Paulo, Brasília e Recife.

Para aumentar o movimento nessa área,o Banco Central exigiu que os bancos in-formem em detalhe, a partir de agosto, quan-to do volume total de seus empréstimos se-gue para o microcrédito.A regra definida emjunho de 2003 determina que 2% dosdepósitos a vista dos bancos sejam destina-dos ao microcrédito, o que garantiria 1,3 bi-

lhão de reais para esses empréstimos decaráter social.

Embora ainda sejam poucos os bancosa trabalhar com o microcrédito, a operaçãodá sinais de sucesso. O Banco Popular doBrasil já contabilizava a abertura de 3 milcontas correntes no final de julho, por meiode 243 correspondentes. A meta é chegar aum milhão de clientes e 45 mil pontos deatuação até o final do ano. A linha de crédi-to varia de 50 a 600 reais, com prazo de até12 meses. Os juros são de 2% ao mês. Aestratégia para atingir os clientes também éinovadora. Um carro de som faz propagandana frente do Lojão do Brás, correspondentedo BPB na capital paulista. Já em Tagua-tinga, cidade satélite de Brasília, no DistritoFederal, a divulgação fica a cargo de pes-soas com cartazes “sanduíche”.

O Banco Popular do Brasil, BPB, operação de microcrédito do Banco do Brasil, já abriu três mil contas correntes

Alternativa para os sem-bancoP o r M a r c e l l o A n t u n e s , d e B r a s í l i a

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Desaf ios • agosto de 2004 29

Os bancos brasileiros têm sistema de gestão comparável aos de instituições de países desenvolvidos

dos empréstimos com recursos livres para empresas. As taxasvariam de 34% a 67% ao ano.

A área em que existe maior competição entre os bancos eoferta farta é o crédito pessoal para pessoas físicas, que mo-vimentou 36,7 bilhões de reais em junho. Esse tipo de ope-ração é o que mais cresce, justamente por garantir maiorrentabilidade para os bancos, que cobram uma taxa médiade 72%. “As pessoas só querem saber se a prestação cabe emsua renda familiar”, diz Antonio Borges Matias, da ABMConsulting, empresa de gestão de riscos financeiros. Agora,começa surgir uma alternativa para as pessoas mais pobres,sem conta bancária, fazer compras, sem pagar as altíssimastaxas de juros do crédito direto ao consumidor. Bancos mon-tam estruturas para oferecer o chamado microcrédito e ascooperativas de crédito crescem, especialmente nas cidadesmenores (leia quadro na página 28).

A eficiéncia do sistema financeiro A ironia da história é que ape-sar de tão fortes, modernos e lucrativos, os bancos brasileiros sãoconsiderados ineficientes quando se trata de crédito. Devido àfalta de escala, é muito grande o peso de seus custos administra-tivos e de pessoal diante da carteira de empréstimos. Esses custosficam acima de 20% nos quatro maiores bancos brasileiros,quando a média nos bancos de primeira linha nos países desen-volvidos é da ordem de 5%. Os bancos brasileiros são muito efi-cientes nas áreas de onde extraem a maior rentabilidade, como agestão de recursos de terceiros ou a captação de recursos. Na áreade crédito deixam a desejar.

O Brasil nem sempre foi assim, como lembra Paulo SérgioCavalheiro, diretor de fiscalização do Banco Central. “Há 30anos o forte dos bancos era a carteira de crédito, não existiaopen market, e assim surgiram os grandes bancos nacionais.Hoje os bancos brasileiros são modernos e seu sistema degestão pode ser comparado aos das melhores instituições dospaíses desenvolvidos.” Mas essa modernidade não se reflete naoferta de crédito, que é muito inferior a de outros países.

O coro de protestos, quase uma unanimidade nacional,culpa os bancos privados pela escassez de crédito e pelos jurosaltos e se apóia numa evidência: as instituições que operam noBrasil acumularam lucros que variam de 17% a 23% de seupatrimônio líquido nos últimos dez anos, um resultado queofusca o de seus pares dos países desenvolvidos. Uma análisemais acurada do problema, no entanto, mostra que a respostanão é assim tão simples. Outras personagens também concor-rem para formar o quadro negativo do crédito no Brasil. Umadelas é o governo.

Nas últimas décadas o Estado brasileiro, quebrado, precisouaumentar muito seu endividamento para fazer frente a suasdespesas. Em junho último a dívida pública representava 56%do PIB (veja gráfico na página 31). Para conseguir financiar e

Bancos brasileiros emprestam menos

Japão 175,3

EUA 140,6

Alemanha 118,9

Coréia 115,6

Austrália 89,8

Itália 82,3

Chile 68,1

Brasil 35,5

Polônia 28,8

Argentina 15,3

México 12,6

Crédito ao setor privado como porcentagem do PIB, em 2002

Fonte: Banco Mundial.

Cypriano, presidente do Bradesco, que tem parceria com os Correios

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30 Desafios • agosto de 2004

rolar essa dívida, o Tesouro Nacional vende títulos federaispagando juros de 16% ao ano, que é o piso das taxas cobradaspelos bancos privados e oficiais. “O governo é o principal to-mador de recursos no Brasil. É ele que retém a maior parte docrédito disponível”, afirma Gabriel Jorge Ferreira, presidente daConfederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) eex-presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).“O governo absorve grande parte das poupanças com uma taxade remuneração muito alta”, concorda Castelar, do Ipea. “Seustítulos competem com muita vantagem sobre as outras moda-lidades de investimento.”

Márcio Cypriano, atual presidente da Febraban e diretor-presidente do Bradesco, lembra que o grosso dos títulos públi-cos não fica com os bancos, mas com as pessoas físicas e empre-sas que aplicam seus recursos em fundos de investimento.“Temos recursos para emprestar, basta que as empresas apre-sentem projetos bons e viáveis, que tenham um plano de negó-cios consistente”, diz Cypriano. No caso das pequenas e médiasempresas, ele reconhece que será preciso um conjunto regu-latório mais eficiente de garantia aos credores.

A máquina pública Os impostos também têm um efeito perver-so sobre o próprio custo dos empréstimos. Há um aparato queinclui várias cobranças de CPMF, Imposto de Renda na Fonte,IOF e PIS/Cofins. O economista-chefe da Febraban, RobertoLuis Troster, acha que os compulsórios que incidem sobre osdepósitos à vista, sobre as aplicações obrigatórias na agricultura

O sistema f inanceiro brasi le iro oferece baixo volume de crédito como proporção do

e sobre os títulos públicos, num total de 131 bilhões de reais emmarço, representariam “tributos implícitos”.

Mudar esse cenário não é tarefa simples. Enquanto a va-riável macroeconômica não muda, o trabalho de Castelarpropõe uma série de providências para que o custo de inter-mediação financeira seja reduzido. É preciso diminuir ainadimplência dos empréstimos tomados no sistema finan-ceiro. Para tanto, é necessário garantir aos credores melhoresinformações sobre os devedores. Também serão necessárias“reformas legais e jurídicas que facilitem a execução de garan-tias em caso de inadimplência”, propõe o trabalho do Ipea.Isso para dar mais segurança aos agentes financeiros. É pre-ciso também “adotar uma política mais ativa de promoção daconcorrência no setor financeiro”. Finalmente, numa terceirafrente, será preciso reduzir a carga de impostos que pesa sobrea intermediação financeira.

Da maneira como as coisas estão, o dinheiro disponível nopaís, em vez de ser investido no setor produtivo, gerando em-pregos e mais riqueza para todos, é gasto no financiamento damáquina administrativa do Estado, cujo poder multiplicador éinfinitamente inferior. Em fevereiro, de um total de 543 bilhõesde reais aplicados em fundos de investimentos, 60%, ou 327 bi-lhões de reais, estavam investidos em títulos públicos federais.Apenas 42 bilhões de reais, ou 7,7%, foram destinados a açõesde empresas negociadas nas bolsas de valores. A rentabilidade ea segurança dos títulos públicos também atrai outro tipo deinvestidor, os fundos de pensão, que têm enorme poder de fogo.

O cipoal de leis existente no Brasil e ainterpretação que os juizes dão à legislaçãocriam entraves para que os bancos ampliem aoferta de empréstimos. Segundo, Gabriel JorgeFerreira, presidente da Confederação Nacionaldas Instituições Financeiras (CNF) e ex-presi-dente da Federação Brasileira de Bancos(Febraban), é muito comum, por exemplo, o de-vedor de um empréstimo bancário questionar osvalores a serem pagos com base nas teorias doCódigo de Defesa do Consumidor (CDC). “Obanco não pode ficar com um descasamentoentre o seu ativo e seu o passivo porque o juiz

considerou que aquela taxa de juros, acordadano contrato, não vale mais”, sustenta.

Um caso exemplar ocorreu com o financia-mento de veículos através de leasing.Até 1999,muitos bancos financiaram a compra de carrosoferecendo a correção pela taxa cambial. Asinstituições tomavam recursos no exterior parafazer os financiamentos, corrigidos pelo dólar,e, por captarem a juros internacionais, empres-tavam a taxas bem mais baixas. Mas com agrande desvalorização do real perante o dólar,em 1999, os valores financiados subirammuito. E boa parte dos consumidores con-

Juízes protegem os devedores

P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a

Gabriel Jorge Ferreira, presidente da

Confederação Nacional das Instituições Financeiras

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Desaf ios • agosto de 2004 31

Produto Interno Bruto e cobra taxas recordes de intermediação f inanceira

seguiu, na Justiça, se livrar do pagamento dasprestações corrigidas pelo dólar e aplicar umindexador nacional. O argumento que con-venceu os juízes foi a “teoria da imprevisibili-dade”, prevista no CDC.

A Constituição Federal também traz princí-pios que favorecem decisões em que o juiz sepreocupa mais com a situação social do deve-dor do que com o cumprimento dos contratos. Éo caso de decisões relativas aos empréstimosbancários com desconto mensal das parcelasna folha de pagamento do trabalhador. Essetipo de empréstimo foi criado em 1999 para osservidores públicos e, no final do ano passado,a Lei nº 10.820 estendeu a sua validade tam-bém para os funcionários de empresas pri-vadas, por meio de acertos com os sindicatos.Por causa da baixa inadimplência, o sistemapermite que as taxas de juros sejam bem

menores do que as praticadas em outros tiposde crédito. O problema é que já existemdecisões considerando ilegais os contratosdesse tipo.

Em dezembro do ano passado o Tribunalde Justiça do Distrito Federal considerou queo desconto em folha desrespeita o artigo 5º daConstituição Federal, que diz que ninguém po-de ser desprovido de seus bens sem o devidoprocesso legal, e também o artigo 7º, segundoo qual as verbas salariais não podem serpenhoradas. O julgamento favoreceu umaservidora do Governo do Distrito Federal. Seuargumento: o dinheiro fazia falta para a manu-tenção de sua família.

O Rio Grande do Sul é campeão em sen-tenças judiciais que favorecem os devedores.Segundo levantamento feito pela Febraban em15 instituições financeiras que operam no

Estado gaúcho, ocorreram 6.888 ações revi-sionais de crédito no ano passado – o que re-presenta 33% do total de ações registradas noBrasil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul tem acolhido a tese da limitação das taxasde juros em 12% ao ano, apesar de já existiremdecisões contrárias do Supremo Tribunal Fe-deral e do Superior Tribunal de Justiça.

Para o advogado de direito comercial FábioUlhoa Coelho, de São Paulo,“o juiz não se sentecompromissado com o desenvolvimento econô-mico, que depende do respeito ao direito de pro-priedade e aos contratos”. Muitos desses pro-blemas poderão ser superados com a apro-vação da súmula vinculante prevista na Reformado Judiciário, que está em fase final de apro-vação no Senado. Mas enquanto isso não ocorreas instituições financeiras mantêm a torneirado crédito arrochada.

No final de 2003, 62% dos ativos dos dez maiores fundos depensão estavam aplicados em títulos públicos e 29% em partic-ipações empresariais.

A dívida pública e a cunha fiscal não explicam sozinhas,segundo Castelar, toda a complexidade da baixa oferta decrédito de longo prazo no Brasil e do alto custo do dinheiro.“Osbancos vão continuar restringindo o crédito pelo temor do ris-co de inadimplência”, adverte Castelar. O calote é o fantasmaque assombra os banqueiros. Os dados do Banco Central apon-tam para uma inadimplência média de 7,7% em abril, paraoperações com recursos livres, abaixo dos 8,8% registrados nomesmo mês de 2003.

Ações de cobrança A aprovação da Lei de Falências ajudará areverter este quadro, mas há outras razões para o temor dosbanqueiros (leia quadro na página 30). A principal delas está nosistema judiciário. As leis e a Justiça dificultam a recuperaçãodos bens e valores em caso de inadimplência. Pelo atual Códigode Processo Civil, qualquer ação de cobrança depende de um“processo de conhecimento”, em que o juiz vai decidir se a dívi-da realmente existe e qual o seu valor. Só depois disso o credorentra com o processo de cobrança, que pode envolver leilãopúblico. Considerando a morosidade dos trâmites judiciários eas possibilidades de ações protelatórias, José Barreto, especia-lista em direito bancário e comercial do escritório de advocaciaLevy & Salomão, calcula que se pode esperar oito anos paraconseguir que um mau pagador salde sua dívida.

Dívida pública cresce

92

(em % do PIB)

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56

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32 Desafios • agosto de 2004

O crédito ao setor imobiliário é extrema-mente escasso no Brasil, embora seja funda-mental para estimular a construção civil e, emconseqüência, gerar empregos. Em junho des-te ano, os financiamentos para a habitação so-maram 23,6 bilhões de reais, ou 5,3% do totalde créditos, o que corresponde a 1,5% do Pro-duto Interno Bruto (PIB). Nos Estados Unidos ovolume de financiamentos para o setor imobi-liário é muito maior. Atinge 50% do PIB. Parachegar perto do modelo norte-americano oBrasil terá de resolver problemas estruturais,como a baixa renda da população e as altastaxas de juros vigentes na economia.

Existe outro fator que inibe o mercado decrédito imobiliário: a falta de garantias reaisem casos de inadimplência do devedor, quedeixa os bancos receosos de liberar em-préstimos. O Congresso Nacional deu o pri-meiro passo para remover este empecilho, aoaprovar, no início de julho, o Projeto de Lei nº 3065. A nova legislação, que aguarda san-ção do presidente da República, resolve um dosmaiores entraves do setor: a falta de garantiassobre o cumprimento dos contratos de finan-ciamento. “Trata-se de um marco importantepara a história do crédito imobiliário, já que vaigerar maior segurança nos negócios”, co-

memora Carlos Eduardo Fleury, superinten-dente da Associação Brasileira das Entidadesde Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

A nova legislação traz mais garantias aosfinanciadores porque consolida o mecanismojurídico da alienação fiduciária. Por esse sis-tema, bastante usado no financiamento deautomóveis, o bem financiado permanece naposse do financiador até o final do pagamen-to. Se alguma prestação deixar de ser paga, ofinanciador pode retomá-lo imediatamente,por meio de um processo de busca e apreen-

são. Sem isso é preciso batalhar na Justiçapor até oito anos para reaver o imóvel dado emgarantia por um empréstimo não pago.

Outra mudança é a criação do chamado“patrimônio de afetação”, pelo qual cadaempreendimento deverá ter uma contabilidadeseparada.Assim, caso a empresa tenha dificul-dades financeiras ou venha a falir, não poderáusar os recursos depositados pelos mutuáriospara quitar suas dívidas. A medida traz maissegurança tanto para o consumidor, que nãocorrerá mais risco de viver situações como ados mutuários da falida Encol, como para osbancos, que financiam a construtora.

A expectativa da Abecip é de que o crédi-to ao setor aumente. Segundo o presidente daassociação, Décio Tenerello, como os depósi-tos em caderneta poupança, principal fonte derecursos para o financiamento imobiliário,vêm minguando, espera-se que a nova leiestimule o crescimento de um mercado se-cundário de títulos. “Estamos buscando umsistema novo, que se financie com a negocia-ção de hipotecas ou recebíveis imobiliários”,diz. Os organismos de defesa do consumidor,entretanto, estão alertas. Deverão proporalguns ajustes no projeto para evitar que asnovidades prejudiquem o cidadão comum.

Maior segurança nos empréstimos imobiliáriosP o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a

Atualmente existe no Brasil um tipo de garantia que fun-ciona e tem reflexos sobre as taxas de juros: é a alienaçãofiduciária, usada principalmente nos financiamentos de veícu-los. Por esse sistema, o bem fica em nome do credor até a li-quidação total da dívida, e ele pode reavê-lo em caso deinadimplência.A alienação também existe para imóveis, mas sóagora começa a ser regulamentada (leia quadro abaixo), por issoo financiamento de construção de imóveis representa apenas5,5% do total de empréstimos concedidos.

Outras reformas estão em andamento.A nova lei de falênciasaumenta as chances de sobrevivência das empresas em dificul-dades. Na fila de credores, os bancos ficarão logo atrás dos tra-balhadores. Serão pagos antes dos órgãos de governo. OMinistério da Justiça já propôs uma alteração no processo de

reconhecimento e cobrança de dívidas. E a Reforma do Judi-ciário, com a súmula vinculante, poderá inibir decisões deinstâncias mais baixas da magistratura, quase sempre favoráveisaos devedores.

Removidos os entraves jurídicos, resta a questão macro-econômica. Somente uma queda expressiva da dívida pública,por um programa contínuo de ajuste fiscal, permitirá reduzir asnecessidades de financiamento do setor público e as taxas dejuros. A agenda de reformas é complexa, mas abre espaço parao desenvolvimento econômico sustentável.

*Com Clarissa Furtado e Marcello Antunes, de Brasília

Acesse o artigo Uma agenda pós-liberal de desenvolvimento para o Brasil em www.ipea.gov.br empublicações/textos para discussão, n• 989 de outubro de 2003.

A redução da dívida pública permitirá a queda das taxas de juros

Marcelo Ximenez/AE

O presidente da Abecip, Décio Tenerello

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A taxa de pobreza na zona rural caiu 9,8 pontos porcentuais

em dez anos, graças ao pagamento da aposentadoria

34 Desafios • agosto de 2004

SOCIEDADE

o município de Nova Olinda, sertão do Cariri, Ceará,o casal Pedro Fernandes da Silva, 74 anos, e MariaFélix, 70 anos, prepara-se para erguer uma casinha aolado daquela onde mora, num terreno doado pela

prefeitura. O dinheiro para o material virá da aposentadoriaque recebem. Nada mal para quem vive numa região pobre epassou a vida de enxada na mão.A milhares de quilômetros da-li, em São José do Cerrito, oeste de Santa Catarina, vive o casalde agricultores Adão Camargo, 62 anos, e Maria Neuza, 61anos. Uma parte da aposentadoria que recebem é investida emsua propriedade na qual ainda trabalham. O dinheiro daPrevidência faz uma diferença enorme na vida dos dois casais,cujos casos são uma amostra da grande transformação que vemocorrendo no campo, em todo o Brasil.

A chave da mudança é a aposentadoria rural, estabelecida pe-la Constituição de 1988 e regulamentada por lei em 1991.A par-tir desse ano os homens com 60 anos e as mulheres aos 55 pas-saram a ter direito a receber um salário mínimo, mesmo semterem contribuído para a Previdência.A novidade configurou um

A pobreza diminui no

interior

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P o r P a u l o J u l i o C l e m e n t * , d e S ã o J o s é d o C e r r i t o ( S C ) e N o v a O l i n d a ( C E )

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Desaf ios • agosto de 2004 35

maciço programa de transferência de renda, embora tenha con-tribuído para o aumento de déficit do sistema previdenciário.

O impacto sobre a redução da pobreza foi expressivo, comorevela uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) e divulgada em janeiro: a taxa de pobreza na árearural caiu 9,8 pontos percentuais em dez anos, pois 59% dos tra-balhadores viviam abaixo da linha de pobreza em 1992 e em 2001esse porcentual caiu para 49,2%.No caso dos considerados extre-mamente pobres o porcentual caiu de 33% para 25,3%. A linhade pobreza no meio rural varia de região para região. Em média,quem tinha renda familiar per capita menor do que 102 reais emsetembro de 2001 era considerado pobre e quem tinha rendamensal inferior a 51 reais era tido como extremamente pobre.

No mesmo compasso, registrou-se um salto na qualidade devida das pessoas. O estudo, denominado Pobreza Rural e o Tra-balho Agrícola no Brasil ao Longo da Década de 90, foi feito pelospesquisadores Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho eSamuel Franco, do Ipea do Rio de Janeiro. Na avaliação de

Barros, o dinheiro da Previdência Social é responsável por cercada metade da elevação da renda per capita dos habitantes docampo. “Para padrões internacionais, uma queda de um pontopercentual por ano na taxa de pobreza é um resultado extraor-dinário”, diz Barros. Na América Latina, apenas Brasil e Panamáconseguiram resultados semelhantes.

A vida da população rural mudou com o dinheiro da Pre-vidência. Além de ajudar na subsistência, essa renda está fluin-do para outras áreas da economia, como o comércio, a cons-trução civil e a própria agricultura. Segundo o Ministério daPrevidência, a mudança estabelecida pela Constituição de 1988significou uma injeção de 1,06 bilhão de reais no campo emabril de 2004. Atualmente beneficia 4,4 milhões de pessoas(42% a mais do que em 1992). Parece pouco dinheiro quandose olha para os números da economia brasileira, mas em áreasde grande pobreza, em comunidades afastadas dos grandescentros industriais, o efeito é sensível. No período pesquisadopelo Ipea o Coeficiente de Gini (que mede a desigualdade numa

O catarinense Camargo e a família: investimento com que sobra da aposentadoria

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36 Desafios • agosto de 2004

O dinheiro da aposentadoria anima o comércio e os serviços – e em muitos casos as lavouras

escala em que zero é a igualdade perfeita e um é a desigualdadeabsoluta) caiu pouco, de 0,55 para 0,54 na área rural. E isso nãoé tudo. Nesse período, a renda domiciliar mensal per capita nazona rural subiu de 114 reais para 144 reais. Desse aumento, 15reais vieram da Previdência. Os números da miséria no campoainda são muito altos, sem dúvida, mas a pesquisa mostra que apobreza se reduz a um ritmo rápido. “Se partimos do pres-suposto de que a Previdência deve combater a pobreza rural, ascoisas estão bem razoáveis”, avalia Barros.

Melhoria no IDH Para além das estatísticas, o que se pode obser-var é o efeito da aposentadoria rural em comunidades pequenas,em que a economia depende fundamentalmente da produção docampo. O dinheiro gera consumo para o comércio e os serviços –e reativa as lavouras. O que se pode esperar é uma reanimaçãoque beneficie a todos, inclusive a quem não recebe aposentadoria.

No caso da cidade de São José do Cerrito, em Santa Catarina,os aposentados rurais são 2.630, na conta do Sindicato dosTrabalhadores Rurais – cerca de 25% da população total. Arenda do município depende, hoje, basicamente dessas pessoas.“Elas fazem girar cerca de 700 mil reais por mês, o que significaduas vezes o total da arrecadação da cidade”, diz o prefeito JoséMaria Branco. Em comparação, o Bolsa Família, do Ministériodo Desenvolvimento Social, proporciona apenas 25 mil reaispor mês para 361 famílias do município.

Em Cerrito, só 1.800 pessoas moram na área urbana. Háapenas 30 lojas, que empregam 100 pessoas. A cidade está na281ª posição entre os municípios de Santa Catarina , de acordo

com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 20% doshabitantes não dispõem de luz elétrica e a rede telefônica nãosuporta mais de 20 ligações simultâneas. A população estápraticamente isolada das cidades vizinhas.A BR 282 que a liga aLajes, um município próspero, é um trajeto de alto risco. São 14quilômetros de terra e de pedra. A estrada para a cidade de Var-gem, com 70 quilômetros, é um outro pesadelo. Nela vê-se umaplaca que alerta o motorista para os perigos da viagem.

Cerrito já foi maior. Tinha 18.000 habitantes há 20 anos. Masos jovens foram embora, num processo tão conhecido pelosbrasileiros nas últimas décadas. No entanto, se muitos proble-mas permanecem, alguma coisa mudou no município nos últi-mos anos. Um exemplo: na farmácia de dona Bernardina Apa-recida Muniz, que estava perto de fechar, a busca por medica-mentos aumentou. São principalmente remédios para clientesda terceira idade. Desde que os agricultores começaram a rece-ber a aposentadoria, os negócios têm prosperado e novas lojasforam abertas. “Foram sete lojas nos últimos dez anos”, dizCarlos Alberto Muniz Machado, presidente do Clube de Di-rigentes Lojistas local. Um exemplo é Fernando Heller, empre-sário de 40 anos que nasceu na cidade e estudou Administraçãode Empresas em Florianópolis. Agora está de volta. Tem umaloja de eletrodomésticos.“Vendo, em média, dez televisores pormês”, conta. Há um crescente engajamento da população ematividades não agrícolas e declínio da pobreza no campo.

É em Cerrito que o agricultor Adão Camargo, aposentado hádois anos, mostra sinais de prosperidade. Ele já investiu dois milreais em sua casa de três cômodos e na casa onde moram a filha

NovaOlinda (CE)

População

12.077

Aposentados

1.254

IDHM 1991

0,519

IDHM 2000

0,637

IDHM variação

22,7%

Font

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Cerrito (SC)

População

10.393

Aposentados

2.630

IDHM 1991

0,633

IDHM 2000

0,731

IDHM variação

15,5%

Font

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Desaf ios • agosto de 2004 37

Inclusão crescente

1991 - 3.113.000 *2004 - 4.431.000

Em 13 anos, o total de aposentados cresce 42%

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social. *Abril de 2004

O casal Silva: projeto de construção de uma nova casa

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e a neta. Camargo cria galinhas e porcos, e planta feijão, milho efumo. Atrás da casa há uma antena parabólica.

Djanira de Souza, 56 anos, aposentada, moradora na comu-nidade de Santo Antônio do Pinhal, em Santa Catarina, impro-visou uma modesta fábrica de queijo em sua propriedade. Fazoito quilos por dia e vende aos moradores da cidade. “Dá parafazer mais de 200 reais por mês”, garante.

Em Nova Olinda, no Ceará, região bem longe de Santa Ca-tarina e com características tão diferentes, o agricultor PedroFernandes da Silva quer aumentar o espaço onde vive, uma ca-sa de dois cômodos que divide com a mulher, o filho e a mãe.Em sua casa atual, a sala é decorada com retratos do padreCícero. A família dorme em redes e a mobília é escassa. Com aaposentadoria, Pedro projeta um empreendimento. Vai cons-truir uma nova casa. O comércio de Nova Olinda também ga-nhou. Segundo Maria do Socorro Sampaio, dona de umavenda na cidade, é a receita, vinda dos aposentados de NovaOlinda e de outras cinco cidades próximas que dá vida a seunegócio. Ela só lamenta o fato de o pagamento dos benefíciosestar concentrado nos cinco primeiros dias úteis de cada mês:“Depois dos dias de pagamento ninguém compra”, diz.

Por onde se anda, no interior pobre e rural do Brasil, pode-se captar reflexos do que a aposentadoria para o trabalhador ru-ral está provocando. À primeira vista podem ser até mesmo

efeitos modestos, mas deve-se levar em conta que a lei foi muda-da em 1991 e o prazo é muito curto para que se coloque emmarcha um processo econômico de maior porte. O certo é quea nova lei está puxando muita gente para fora da miséria. EmTriunfo, um paupérrimo distrito de Nova Olinda, há poucomais de uma década Francisco Rodrigues de Souza, de 69 anos,e sua mulher, Francisca Celestino Costa, de 68, estariam desti-nados a uma velhice sofrida. Continuam pobres, é verdade, masvivem com alguma dignidade. Com a aposentadoria e o que co-lhem da terra, compraram duas casas para acomodar a famíliade nove pessoas. Francisco e Francisca nunca tiveram (e nemtêm) terra para plantar. Usam a terra dos outros. A diferença éque, antes, também não tinham casa.Viviam em assentamentos.

O uso do dinheiro da aposentadoria varia de região para re-gião. Segundo Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea em

38 Desafios • agosto de 2004

Nos últimos 20 anos o Brasil vem experimentando melhorias de escala e de qualidade na agricultura

A pobreza no campo diminuiu

Pobres Extremamente pobres Coef iciente de Gini

1992 59% 33% 0,55%

2001 49,2% 25,3% 0,54%

Fonte: Ipea

Djanira de Souza: queijo para reforçar o orçamentoMaria do Socorro, dona de mercearia em Nova Olinda: freguesia maior

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e na pecuária. E a remuneração cresceu, graças ao aumento da qualif icação dos trabalhadores

Brasília, 71,2% das famílias do Nordeste dependem única eexclusivamente do dinheiro vindo da Previdência, enquanto noSul a porcentagem cai para 41,5%. “No Sul há a alternativa doinvestimento na propriedade, que gera novas receitas”, explicaDelgado. Ao lado de José Celso Cardoso, Delgado pesquisouprofundamente a situação da previdência rural e seu históricodesde a implantação do primeiro sistema de aposentadoriarural, criado em 1972. Do trabalho saiu o livro A Universali-zação de Direitos Sociais no Brasil, que contou com textos deoutros pesquisadores e foi atualizado recentemente com dadosdeste início de século. O estudo se fixou nas regiões Nordeste eSul, mas segundo Delgado dá um panorama claro da situaçãodos aposentados rurais.

A situação no campo não está mudando apenas em funçãoda nova lei previdenciária. Nos últimos 20 anos o Brasil vem ex-perimentando melhorias de escala e de qualidade na agriculturae na pecuária. O trabalho do Ipea sobre pobreza rural mostraque houve redução dos postos de trabalho agrícolas e da massasalarial de 1992 a 2001. Apesar disso, a remuneração cresceu,graças ao aumento da qualificação dos trabalhadores, reflexo damodernização produtiva no campo. Mas o estudo é taxativo:“Oprincipal fator que explica a redução da pobreza ocorrida nadécada de 90 é o aumento da renda de transferências e de outrasfontes não vinculadas ao trabalho”.

Apesar de mexer com a vida de quase cinco milhões de bra-sileiros, de ter sido aprovada na Constituição de 1988, e de estarfuncionando efetivamente desde 1992, a aposentadoria aindatem caráter de excepcionalidade, porque os segurados só têmdireito ao benefício se comprovarem ter trabalhado em ativi-dades rurais por pelo menos 15 anos.

O governo deu prazo até 2006 para que a questão sejaresolvida. O projeto está na Comissão de Seguridade Social eFamília da Câmara. O deputado Doutor Rosinha (PT-PR), rela-tor do projeto, diz que a solução acontecerá rapidamente: “Atéoutubro teremos uma proposta formatada e tentaremos fazercom que seja votada em regime de urgência ainda esse ano naCâmara. Assim teremos a votação no Senado em 2005 e estare-mos dentro do prazo estabelecido pelo governo”.

A tendência, revelada na votação da Reforma da Previdên-cia no ano passado, é de estabelecimento de um único regime,válido para todos os trabalhadores, que terão de contribuirpara receber benefícios. Mas o exemplo da aposentadoria ru-ral, considerada como um programa de transferência de ren-da, que tem um sistema capaz de cadastrar, controlar e fazer odinheiro pingar no bolso dos aposentados, nos mais diversosrincões do Brasil, mostra que programas como o BolsaFamília, quando estruturados, têm o poder de mudar o mapada pobreza no país. d

Heller: de volta à cidade natal para vender eletrodomésticos

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40 Desafios • agosto de 2004

R i c a r d o P a e s d e B a r r o sARTIGO

urante a década de 1990 a agriculturabrasileira passou por profundas trans-formações. Houve queda nos preçosdos produtos e dos insumos agrícolas

relativamente aos demais preços da economia,além de um crescimento acentuado na produti-vidade e na produção. Estes efeitos, apesar de te-rem aumentado em muito o bem-estar dos con-sumidores, que se viram podendo comprar ali-mentos mais baratos, não foram tão favoráveispara os trabalhadores agrícolas.

Isso porque a despeito de um crescimento de38% na produção agrícola ao longo da década,o nível de ocupação no setor declinou significa-tivamente, tanto em termos relativos como absolutos. Entre 1992 e 2001, o número de pos-tos de trabalho agrícolas ocupados declinou em15%, com uma redução de cerca de 2,7 milhõesno número de postos.

O surpreendente é que, a despeito desta que-da na ocupação agrícola, o rendimento mensalmédio desses trabalhadores aumentou em 11%,passando de 144 reais em 1992 para 159 reaisem 2001. Contudo, a massa de remuneraçõesagrícolas declinou em 6%, passando de quase32 bilhões de reais por ano para cerca de 30 bi-lhões reais por ano.

Ao mesmo tempo em que se transforma-vam a agricultura e o mercado de trabalho nocampo brasileiro, a pobreza entre os trabalha-dores agrícolas experimentou uma estrondosaredução de 8 pontos percentuais (caiu 9,8pontos percentuais para os trabalhadores emgeral da área rural).

A princípio se poderia imaginar que a que-da na pobreza entre trabalhadores agrícolas de-veu-se a tais transformações, sobretudo porquehouve melhora na remuneração média dessegrupo. Entretanto, procuraremos argumentarque esse não foi o caso.

A melhora de remuneração dos trabalhado-res agrícolas pode ter resultado de mudanças nacomposição da força de trabalho ou dos postosdisponíveis ou ainda de uma maior integraçãodos mercados agrícola e não-agrícola. Os resul-tados obtidos apontam as transformações nas

características pessoais dos trabalhadores, so-bretudo o aumento de escolaridade, como oúnico responsável. Trata-se, portanto, muitomais de uma vitória da expansão educacionalpor que passou a população brasileira ao longoda última década do que propriamente das con-dições do mercado de trabalho.

Tais mudanças ocorridas na distribuiçãodos rendimentos agrícolas, por sua vez, foramresponsáveis por 20% do crescimento na rendaper capita dos trabalhadores agrícolas ocorri-do ao longo da década e também por 20% daqueda na pobreza e na extrema pobreza destegrupo. A seguir, investigamos que outros fato-res poderiam explicar os restantes 80% decrescimento na renda média e de queda na po-breza e extrema pobreza.

O aumento nas rendas de pensões e aposen-tadorias públicas foi, disparado, o fator commaior contribuição. Este fator sozinho explicametade do aumento da renda familiar per capi-ta, quase 60% da redução na pobreza e 70% daredução na extrema pobreza.

Em segundo lugar, está a redução na razãode dependência demográfica das famílias detrabalhadores agrícolas, fator este que contribuicom cerca de 20% do aumento da renda fami-liar per capita e da redução da pobreza.

Portanto, a queda na pobreza de trabalhado-res agrícolas na década de 90 não esteve relacio-nada às promissoras transformações por quepassou nossa agricultura, mas ocorreu graças àexpansão dos benefícios da aposentadoria ru-ral. Também contribuíram, ainda que de formacoadjuvante, as transformações demográficas eo aumento de escolaridade dos trabalhadores.

Ricardo Paes de Barros é pesquisador do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada

Modernização agrícola e pobreza

“O aumento nas

rendas de pensões e

aposentadorias públicas

explica metade do

aumento da renda

familiar per capita,

quase 60% da redução

na pobreza e 70%

da redução na extrema

pobreza no campo”.

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p o r W a l t e r C l e m e n t e , d o R i o d e J a n e i r oEDUCAÇÃO

Fábio Moreira, de 17 anos, venceu a Olimpíada de Matemática em 1998 e prepara tese de mestrado

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inteligênciaGarimpo de

A Sociedade Brasileira de Matemática organiza, desde 1979, a

Olimpíada Brasileira de Matemática, uma competição que revela

futuros cientistas e que até 2005 deverá envolver 47 mil escolas

do ensino fundamental. Esse é um movimento importante que

deve ser ampliado para que o Brasil se estabeleça como um pólo

exportador de software

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34 milhões de brasileiros estudam no ensino fundamental, mas apenas 150 mil participam da Olimpíada

tenas galvaniza a expectativa, com promessas demuitas medalhas para os atletas verde-amarelos.Pouca gente, porém, conhece uma outra competição,em que a vitória não é medida por centésimos de

segundo, mas que é muito importante para o progresso cientí-fico e tecnológico brasileiro. No ano passado, 150 mil estudan-tes de 3,5 mil escolas das principais cidades participaram daOlimpíada Brasileira de Matemática (OBM), segundo SuelyDruck, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática(SBM), organizadora desses jogos há 25 anos.A competição foicriada para promover o estudo da matemática, treinar profes-sores e descobrir talentos precoces para as ciências. E acerta namosca. Fábio Dias Moreira, por exemplo, ganhou medalha deouro em 1997, aos nove anos, e foi aceito como membro daSBM em maio, com16 anos.

As Olimpíadas de Matemática existem no Leste Europeudesde 1954, chegaram ao Brasil em 1979, mas só a partir de1995 ganharam a estrutura de um projeto nacional, com recur-sos do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), num trabalhoconjunto da SBM com o Instituto Nacional de Matemática Purae Aplicada (Impa), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia(MCT) que funciona no Rio de Janeiro. A OBM nasceu ecresceu no Brasil à margem do sistema oficial de ensino. Se asescolas públicas participassem das provas, o número de ins-critos poderia atingir pelo menos 5 milhões de jovens, segundoa previsão de Druck, pois existem 34 milhões de alunos no ensi-no fundamental e metade dos estudantes abandona os estudosantes que se possa fazer alguma avaliação de seu talento. AArgentina, com uma população de 36 milhões de pessoas, mo-biliza um milhão de estudantes em sua versão do certame.

Olímpíada na inclusão social Mas esse quadro está mudando.Em agosto, 70 mil alunos das escolas públicas de 233 cidades doPiauí entrarão num torneio de matemática, organizado pelaSBM e Secretaria Estadual da Educação, com patrocínio daSecretaria de Inclusão Social do MCT, informa César Camacho,presidente do Impa. “A partir de 2005 teremos um programanacional para testar as habilidades em matemática dos alunosde escolas públicas”, comemora Camacho. Em maio, dirigentesda SBM levaram a proposta ao ministro da Educação TarsoGenro, mas o projeto não avançou neste ministério e acaboutendo abrigo no MCT e foi avalizado pelo Presidente Lula, queno dia 12 de julho recebeu os dirigentes da SBM.

“Será uma olimpíada de inclusão social e pretendemos atin-gir 2,5 milhões de estudantes em 2005, da 5ª a 8ª séries”, dizDruck, presidente da SBM. Os alunos de 47 mil escolas públi-cas, em todo o País, serão selecionados para receber bolsas deestudo e acompanhamento escolar, por meio de uma olimpíadanacional, um sistema de incentivo ao estudo de matemática eseleção de talentos, desenvolvido pelo MCT, por meio do Impa

e da SBM, com a chancela do Presidente Lula. A Olimpíada dasEscolas Públicas quer atingir todos os alunos do ensino funda-mental em quatro anos. O projeto ainda está sendo concluídopelo MCT e terá duas etapas. A primeira será elementar e terácomo objetivo divulgar as vantagens do aprendizado da ma-temática. A segunda selecionará 1,5 mil alunos que terão bolsade estudo por um ano, além de acompanhamento especial.“Vamos selecionar jovens talentos não apenas para a matemáti-ca, mas para as ciências”, diz Druck.

Com a ausência das escolas públicas na Olimpíada de mate-mática o Brasil estava desperdiçando talentos científicos em po-tencial. O matemático Jacob Palis Jr., vice-presidente da Aca-demia Brasileira de Ciências (ABC), pesquisador do Impa e umdos idealizadores da OBM, recomenda investimento imediatoem ensino e infra–estrutura. Além disso, defende a idéia de quea Olimpíada de Matemática é útil no processo de construção deum corpo de cientistas e pesquisadores de primeira linha.

Duas disciplinas são consideradas fundamentais na cons-trução da competência para a vida profissional de qualquer ci-dadão: a língua materna, o português, no nosso caso, e a ma-temática. Ao contrário da disseminação dos conhecimentos da

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Brasileira de Matemática. Em 2005 a situação pode melhorar: 47 mil escolas deverão participar

O presidente Lula, o ministro da Ciência e Tecnologia e o Secretário de Comunicação recebem dirigentes da SBM e dois talentos revelados na Olimpíada de Matemática

Mudar para competirFortalecer o ensino de matemática é es-

sencial para fazer do Brasil um pólo exportadorde software. Esta é a constatação do trabalho AMatemática e o Desenvolvimento do Software,de autoria de César Camacho e Luiz Velho, doImpa, e Jonas Gomes, do Banco Opportunity. Oestudo foi encomendado pelo Núcleo deEstudos Estratégicos, ligado à Secretaria daComunicação da Presidência da República.

Segundo o estudo, a Índia leva vantagemsobre o Brasil na hora de atrair investimentos enegócios para o setor de software porque seusistema de ensino de matemática é superior.“O sucesso da Índia decorre da abundância demão-de-obra qualificada, resultado do ensinode qualidade na área de ciências.”O desenvol-vimento de software, aponta o estudo,“deman-

da disciplina, organização e um conhecimentosólido da arte da programação”.

A capacidade de inovar é outra condiçãopara que a indústria brasileira ganhe competi-tividade. O desenvolvimento de aplicativos ino-vadores é de grande importância para a com-petitividade industrial, o que exige pesquisasmatemáticas de alto nível.

O trabalho faz uma série de propostas paramelhorar a qualidade do ensino no Brasil. Entreelas estão a criação de um Centro Matemáticode Aplicações Industriais, a realização periódi-ca de congressos internacionais, o aumento donúmero de bolsas de pesquisa e a criação decursos de graduação em matemática computa-cional. As propostas foram apresentadas aoministro da Educação.

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Cesar Camacho do Impa

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Fortalecer o ensino de matemática é essencial para o Brasil virar um pólo exportador de

língua, a matemática só ganhou alguma relevância nos meiosacadêmicos brasileiros no início dos anos 70, quando chegaramao país os primeiros doutores que deram vida aos cursos depós-graduação. “O estudo da matemática começou tarde noBrasil e nunca foi bem cuidado pelas autoridades brasileiras”,diz Druck. Sem uma sólida base matemática, será difícil para oBrasil virar um exportador de programas de computador, umadas metas da política industrial do governo federal.

O Brasil tem grande potencial na área de software, mas pre-cisa investir de forma mais maciça e focada no ensino de ma-temática, tanto para crianças como para universitários. Isso valedinheiro, pois atrai investimentos. Na Índia a formação acadê-mica em matemática e outras ciências exatas é bastante sólida eexigente. A constatação dessa realidade atrai o investimento deempresas norte-americanas de desenvolvimento de software.

O Brasil poderá seguir a trilha da Índia. No entanto, comoexplica Camacho, do Impa, para atrair investimentos será pre-ciso fortalecer todos os níveis de ensino, formar pessoal compe-tente no ensino médio, na universidade e em pós-graduação. Is-so aumentará a produtividade científica e tecnológica. “É re-comendável criar um centro matemático de aplicações indus-triais de alto nível”, diz Camacho. O objetivo dessa entidadeseria a promoção da competitividade e da inovação industrial.(Veja quadro na página anterior)

Competições ao estilo da Olimpíada de Matemática facilitama detecção de talentos no sistema escolar. Uma vez descobertos epreparados, eles podem contribuir para o desenvolvimentocientífico e tecnológico do País. Não é à toa que 85 países dis-putam, desde o final da década de 1950, os jogos matemáticoscriados pela Olimpíada Internacional de Matemática (IMO).

Bolsas no exterior O modelo aplicado pela OBM divide os par-ticipantes em quatro níveis: da 5ª à 6ª série, da 7ª à 8ª série, deensino médio e universitários. São realizadas três etapas prin-cipais de avaliação. Os melhores estudantes acabam fazendoparte de um grupo que participa de disputas internacionais.Paralelamente à Olimpíada da SBM, realizada todos os anos en-tre junho e setembro, existem outros 17 jogos regionais, apoia-dos pela entidade e executados por estados e municípios. A or-ganização da Olimpíada da SBM envolve diretamente 108 pro-fessores de matemática, 18 deles dedicados à secretaria na-cional, no Rio de Janeiro.

O Impa e a SBM têm acolhido e orientado os jovens talen-tos matemáticos. Das 50 estrelas mais jovens da matemáticabrasileira, dez foram garimpadas pela OBM. Os alunos demaior destaque muitas vezes chegam a ganhar fama mundial.Alguns já receberam bolsas de pesquisa do Instituto deTecnologia de Massachusetts (MIT), de Boston, nos EstadosUnidos. “Eles não são talentos específicos da matemática epodem ser bem treinados para outras ciências, como as

engenharias e para a economia”, garante Palis.Entre os vencedores das OBM que passaram pelo Impa está

Larissa Cavalcante Lima, do Ceará, de apenas 17 anos e é aprimeira mulher do Brasil a ganhar medalha de prata na IMO,em 2003 no Japão. Hoje estuda no MIT. Alguns dos laureadosnasceram em famílias de poucas posses. É o caso de TiagoCosta Leite Santos, de 16 anos, que cresceu na periferia da ca-pital paulista e levou medalha de prata na última Olimpíadado Cone Sul. Ou de André Neves, de Santo André, na GrandeSão Paulo, destaque em uma competição realizada na Índia,em 1996. Por sair-se tão bem nas olimpíadas, André Neves foiconvidado para ser pesquisador na área de finanças noInstituto Tecnológico de Tóquio, com direito a bolsa de estu-dos. Hoje ele trabalha na IBM.

A cada avaliação, novos destaques aparecem no cenário damatemática. O Impa e a SBM têm conseguido mantê-los em ca-sulos especiais, com bolsas e ambiente de estudo amplo o sufi-ciente para que suas curiosidades possam ser saciadas. O cario-ca Moreira entrou recentemente para essa turma. Ele convivecom os pesquisadores do Impa e freqüenta os cursos oferecidospela casa desde os dez anos de idade. Ganhou sua primeiramedalha de ouro da OBM quando estudava no Colégio PedroII, de São Cristóvão, ainda no ensino fundamental. Em 1998, os

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software. A Índia atraiu investimentos para o setor pela qualidade do seu ensino de matemática

melhores colégios do Rio de Janeiro disputaram a sua matrícu-la, com bolsa de estudo integral. Desde então ele participou de22 olimpíadas nacionais e internacionais e ganhou 21 meda-lhas, 16 delas de ouro. No ano passado, Moreira concluiu ocurso médio e passou a preparar sua tese de mestrado em com-putação gráfica. Por esse trabalho ele recebe uma bolsa doConselho Nacional de Pesquisas (CNPq), de 850 reais por mês.E, além de tudo isso, o rapaz ainda dá aulas de matemática numcurso pré-vestibular, para satisfazer sua ânsia de ensinar.

Há outros casos interessantes, que demonstram a importân-

cia de buscar talentos para aproveitá-los melhor. Alex CorrêaAbreu, de 17 anos, é de Niterói, no Rio de Janeiro. Conseguiuuma vaga no colégio Militar da Tijuca depois de uma batalhaferrenha travada pela mãe. Participou pela primeira vez de umaOlimpíada de Matemática em 1998, quando cursava a sexta sé-rie do primeiro grau. Naquela época, nem se classificou parauma segunda fase. Tentou novamente no ano seguinte, e tam-bém não ganhou nada. Aí resolveu estudar. Entre 2000 e 2003entrou para o batalhão dos melhores jovens matemáticos doPaís. Ganhou três medalhas de ouro, duas de prata e duas de

Jovens descobertos na Olimpíada Brasileira de Matemática freqüentam aulas no Instituto Nacional de Matemática Pura e Avançada

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Cai o desempenho na avaliação dos estudantes brasileiros (médias nacionais em português e matemática no Saeb*)

Matemática 4ª série ensino fundamental 190.6 190.8 181 176.3 177.18ª série ensino fundamental 253.2 250 246.4 243.4 2453ª série ensino médio 281.9 288.7 280.3 276.7 278.7

Língua Portuguesa 4ª série ensino fundamental 188.3 186.5 170.7 165.1 169.48ª série ensino fundamental 256.1 250 232.9 235.2 2323ª série ensino médio 290 283.9 266.6 262.3 266.7

1995 1997 1999 2001 2003

Fonte: Mec/Inep. *Saeb - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. A escala de desempenho varia de 0 a 500 pontos

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Projeto Numeratizar, aplicado nas escolas públicas cearenses, é um exemplo para o País

bronze. Ele cursa matemática na Universidade Federal do Riode Janeiro e faz mestrado em matemática pura no Impa.

Além da OBM, a Sociedade Brasileira de Matemática desen-volveu outro projeto para melhorar a qualidade do ensino dematemática. É a Universidade-Escola, que leva alunos de gradu-ação e pós-graduação para escolas darede pública em regiões do interior doBrasil, num sistema parecido com o Pro-jeto Rondon, da década de 1960. Existeoutra iniciativa pioneira e bem-sucedidado estado do Ceará, o projeto Numera-tizar (veja quadro abaixo).

O Brasil ainda enfrenta muitos pro-blemas em seu sistema educacional. Noensino fundamental, apenas 2,8% dosalunos revelam conhecimentos satisfa-tórios de matemática. No final do ensinomédio, esse porcentual chega a 7%. Asinformações são do Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica (Saeb),que, em 2003, avaliou 300 mil alunos de4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da3ª série do ensino médio. A média na-cional em matemática, na 4ª série, foi de 177,1 em 500 pontos.O nível considerado satisfatório pelo Ministério da Educação éde 200 pontos (veja tabela na página anterior).

O cenário no nível universitário não é diferente. Amatemática tem obtido as médias mais baixas entre as áreasavaliadas, todos os anos, pelo Exame Nacional de Cursos, oProvão. A maioria dos professores formados não domina o

conteúdo que deveria ensinar. “Apenas 11,2% das provas dis-cursivas de licenciatura em matemática realizadas em 2001demonstraram conhecimento suficiente”, diz Druck. “Isso éespecialmente significativo porque as provas de licenciaturatêm 70% do conteúdo do ensino fundamental e médio”. Pior:

faltam professores em quase todas as re-giões, num total que beira os 90 mil,segundo estimativa da SBM.

A partir de entrevistas com profes-sores das cinco regiões nacionais, reali-zadas nos últimos dois anos, Camachoapresenta um duro diagnóstico: o con-teúdo da matemática ensinada nas esco-las está debilitado. Boa parte dos livrosdidáticos utilizados é incompleta ou in-correta. Para ele, a educação vai mal,entre outros motivos, porque privilegia aaprovação quase automática, sem exa-mes que possam afastar os estudantes dosistema.“É interessante verificar que pes-soas educadas se posicionam contra acompetição nas escolas, mas torcem paraum time de futebol”, diz Camacho.“Elas

admitem a competição esportiva, mas são contra a avaliaçãodo aprendizado.”

Competições como a Olimpíada de Matemática podem aju-dar a garimpar talentos. Será muito positivo se os certames semultiplicarem pelo País. Mas, para criar bases sólidas para oprogresso científico e tecnológico, será necessário promoverprofunda reforma do sistema de ensino brasileiro.

Aposta Certeira

O Ceará tomou a dianteira entre os Esta-dos brasileiros para fortalecer o ensino dematemática nas escolas estaduais. O programaLinguagem das Letras e dos Números (Nume-ratizar), da Universidade do Ceará (UFC) e dassecretarias de Ciência e Tecnologia e Educa-ção, foi projetado para corrigir as deficiênciasda educação no Estado. No ano passado, o Nu-meratizar realizou um teste de conhecimentoespecial, uma olimpíada estadual que envolveu110 mil alunos. Os testes tinham o objetivo deampliar os conhecimentos dos alunos, além deidentificar os melhores nas escolas públicas.

Os professores interessados puderam partici-par de estudos dirigidos, na universidade.

João Lucas Barbosa, coordenador do pro-jeto Numeratizar e dos cursos de doutorado emmatemática da Universidade Federal do Ceará,é um entusiasta da olimpíada.“Devemos iden-tificar uma nova leva de talentos a cada ano,aos quais concederemos 12 meses de bolsa.”O governo cearense oferece 72 reais mensaispara 353 alunos selecionados no ano passado.

O programa conjunto das secretarias degoverno com as universidades e o Ministériode Ciência e Tecnologia, pelo CNPq, permite a

reciclagem profissional de mais de quatro milprofessores de matemática, dentro das univer-sidades, com supervisão da SBM e do Impa. Asescolas públicas também serão premiadaspelo projeto Numeratizar, com impressoras,copiadoras e fax. Esse esforço conjugado jámostra resultados. Num dos exames vestibu-lares mais concorridos do País, o do InstitutoTecnológico da Aeronáutica (ITA), de São Josédos Campos, 338 candidatos vieram do Cearáe 30 foram aprovados, enquanto o Estado deSão Paulo inscreveu 3.515 candidatos e 41conseguiram aprovação.

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M a r i o S e r g i o S a l e r n oARTIGO

s empresas mais dinâmicas, ou seja,aquelas que auferem os maiores rendi-mentos, são as que, por algum motivo,diferenciam-se dos concorrentes. Essa

diferenciação pode se dar de várias maneiras:uma nova forma de distribuição, a criação de umamarca forte, a sugestão de uma nova utilizaçãopara um velho produto, o desenvolvimento deum produto novo que crie uma nova necessidade– como o CD criou em relação ao disco de vinil(LP, aquele da vitrola...) e mesmo aos disquetesde computador – o registro de uma patente, eassim por diante. Com isso a empresa pode se so-bressair. Durante o tempo em que apresenta umbem ou serviço diferenciado, está numa situaçãode “monopólio de fato”, podendo obter preçosmaiores (“preços-prêmio”, no jargão).

Pode-se dizer que todas essas formas dediferenciação são inovações. Inovação, assim,antes de ser um conceito tecnológico, é um con-ceito econômico. Quando houve tentativa depatentear o nome “cupuaçu” (fruta brasileira), ogrupo estrangeiro que estava por trás da solici-tação buscava auferir rendimento desse “mono-pólio”, não tendo inventado nada – o cupuaçucontinua o mesmo de sempre.

De toda forma, o imaginário popular associainovação com genialidade, e genialidade comindividualidade. No imaginário, a inovação seriafruto de uma idéia genial de alguém, atuandoisoladamente, como na imagem de Arquimedesgritando “eureka!” ou de alguns personagens dehistórias em quadrinhos. No mundo contem-porâneo a coisa não é bem assim. Inovação éfruto de muito trabalho, trabalho em equipe, depessoal capacitado e de organizações. Requerpersistência e investimento.

Um novo princípio ativo de um medica-mento pode levar anos entre sua descoberta esua comercialização, haja vista a necessidade deinúmeros testes e adequações a normas; ummotor multicombustível (gasolina, álcool, gás)exige muito tempo de desenvolvimento parasua calibragem, análise de corrosão, testes di-versos, nos quais trabalham um sem número depessoas, e assim por diante.

Mas por que toda essa conversa, o que a ino-vação tem a ver com a vida das pessoas, com odesenvolvimento? O Brasil acaba de lançar aPolítica Industrial, Tecnológica e de ComércioExterior, com forte base na inovação tecnológi-ca, visando induzir a mudança do patamar daindústria com a incorporação de funções atéaqui não priorizadas, como a de pesquisa edesenvolvimento, concepção e projeto de pro-duto, desenvolvimento de marcas, interna-cionalização etc.

O Ipea está terminando uma pesquisa com oobjetivo de verificar se as empresas que concor-rem por diferenciação, obtendo preço-prêmio,pagam salários-prêmio. Numa primeira análise,tais empresas pagam salários cerca de 50% maiselevados do que a média das empresas que nãoconcorrem por diferenciação – e isso desconta-do o efeito de faturamento, pessoal, setor etc.Ou seja, parece ser bom para a economia emgeral e para os salários em particular aumentaro número de empresas que inovam, que difer-enciam produto, que obtém preço-prêmio.Uma série de outros trabalhos mostra que asempresas mais dinâmicas, as que inovam, as quese internacionalizam com base na inovação,empregam trabalhadores com maior escolari-dade que as demais.

A escolaridade básica e o estímulo ao desen-volvimento de habilidades em ciências básicas –como é o caso da Olimpíada Brasileira deMatemática – têm relação direta com a capaci-dade de uma firma inovar. A matemática é fun-damental para o desenvolvimento do raciocínioabstrato, assim como a física é fundamentalpara o desenvolvimento do raciocínio sobreeventos, ambos básicos para o desenvolvimentotecnológico. Sem raciocínio abstrato desen-volvido, como interpretar e inserir-se na revo-lução da nanotecnologia e na revolução datransgenia? Sem estar inserido nessas revolu-ções, como se destacar no panorama das naçõesdesenvolvidas no futuro?

Mario Sergio Salerno é diretor de Estudos Setoriais do Ipea

e Professor Associado da Escola Politécnica da USP

Inovar requer capacitação e trabalho

“As empresas

mais dinâmicas,

as que inovam, as que

se internacionalizam

com base na inovação,

empregam

trabalhadores com

maior escolaridade

que as demais”

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SOCIEDADE

contra o ventoCaminhando

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Como na canção de Caetano Veloso, os jovens brasileiros enfrentam

momentos difíceis. Pesquisa do Ipea mostra que 48% dos desempregados

têm entre 15 e 24 anos. Sociedade e governo buscam soluções para

a crise dos jovens

lguns dos piores indicadores sociais do Brasil atingemos jovens, uma camada da população cujo signo deve-ria ser o da a esperança e o da alegria. Um estudo feitopor uma equipe do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea) mostra que 3,9 milhões de brasileiros entre 15e 24 anos estavam desempregados em 2002. Eles representavam48% da população acima de 10 anos que estava sem emprego,de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostras porDomicílio (Pnad). O trabalho também revela, com base emdados do Ministério da Saúde em 2000, que 40% dos óbitospor homicídios no Brasil ocorreram nessa faixa etária. Por isso4% dos homens jovens não completam o 25° aniversário.

O quadro aparece com detalhes no trabalho “Caminhospara a vida adulta: as múltiplas trajetórias dos jovens brasilei-ros”, coordenado por Ana Amélia Camarano, pesquisadora doIpea e professora do mestrado em Estudos Populacionais daEscola Nacional de Ciência e Estatística (Ence). O problema decolocação dos jovens no mercado de trabalho sempre existiu,com maior ou menor intensidade, mas a crise econômica dosúltimos anos agravou a situação.

Desemprego, pobreza e violência estão associados à tra-jetória dos jovens brasileiros há muito tempo. Para enfrentar oproblema é preciso, em primeiro lugar, reconhecer a crise.“Priorizar os jovens, como objeto de análise em particular, éuma marca recente nos estudos de população”, afirma Ca-marano, que coordenou o trabalho do qual participaram tam-bém Maria Teresa Pasinato, Juliana Leitão, Solange Kanso eJordana Fonseca, do Ipea do Rio de Janeiro.

O estudo não se restringe aos aspectos negativos da vida dosjovens brasileiros. Mostra alguns fatos positivos, como o au-

Amento da escolarização e a redução da proporção de jovens queapenas trabalham. Mas é expressivo o crescimento da pro-porção dos jovens que não estudam, nem trabalham: 9,3% doshomens estavam nessa situação em 1982. Em 2002, a porcenta-gem saltou para 12,2%. Em contrapartida, a proporção de mu-lheres que não estudam, nem trabalham caiu de 38,5% do totalem 1982 para 27,5% em 2002, como reflexo da maior partici-pação feminina no mercado de trabalho.

Em 2002, existiam 33,4 milhões de jovens entre 15 e 24 anos,segundo o levantamento da Pnad, dos quais 4,3 milhões demoças e moços, não estudam, nem trabalham, nem procuramemprego. É um contingente respeitável e um dos aspectos maispreocupantes da crise dos jovens.

Reconhecer esse problema só foi possível porque nos últi-mos 15 anos aumentou a percepção da necessidade de políticaspúblicas específicas para a juventude. O primeiro passo, reco-nhece o estudo do Ipea, foi a promulgação do Estatuto daCriança e do Adolescente, em 1990.“Mas ainda não existe umapolítica clara para os jovens, ao contrário do que acontece comas crianças e idosos”, pondera Camarano.

Esse é um desafio a ser enfrentado pelo governo e pela socie-dade. O governo federal ensaia os primeiros passos na direçãode uma política de Estado para a juventude. Em fevereiro foicriado o Grupo Interministerial de Juventude, coordenado pelaSecretaria-Geral da Presidência da República, com participa-ção de 19 ministérios e secretarias. O grupo trabalha paraotimizar ações governamentais e definir prioridades. Seu movi-mento inicial foi o mapeamento dos programas e ações exis-tentes no governo federal e a discussão de suas premissas, comoinforma Luiz Roberto de Souza Cury, subsecretário de

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Articulação Especial da Secretária-Geral da Presidência. O Ipeaparticipa do grupo e auxiliou no diagnóstico da situação dosjovens. Estudo coordenado pela Diretoria de Estudos Sociaisda instituição constatou a existência de 143 projetos do gover-no federal envolvendo alguma iniciativa para a juventude,embora apenas 20 deles fossem específicos para a faixa etáriade 15 a 24 anos.

A proposta do Grupo de Trabalho é escolher uma ação quesirva de carro-chefe da política para a juventude, sem descon-siderar os programas existentes. De acordo com o ministro LuizDulci, Secretário-Geral da Presidência da República, o progra-

ma incluirá incentivos para que jovens voltem à escola, capaci-tação profissional e fornecimento de bolsas em dinheiro para osincluídos no programa, com a contrapartida de trabalho comu-nitário (leia a entrevista na página 58 ).

A linha geral da proposta que está sendo alinhavada é adiaro ingresso dos jovens no mercado de trabalho e reforçar a for-mação escolar e profissional. Cury explica que os jovens ficarãoenvolvidos durante doze meses nesse programa. Quem quiservoltar a estudar terá acesso a uma espécie de supletivo (classesaceleradas), com um conteúdo planejado sob medida e comdireito ao diploma de conclusão, pois não tem sentido colocarjovens de 20 anos, que deixaram de estudar, em classes comidade média de 14 anos. Convênios com as escolas profissionaisdo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e doServiço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), e comorganizações não-governamentais, garantirão capacitaçãoprofissional adaptada às necessidades regionais. A meta éenvolver um milhão de jovens já em 2005, começando pelascapitais e cidades com mais de 300 mil habitantes, por meio deconvênios com as administrações municipais, informa Dulci.

Haverá um órgão de coordenação das ações ministeriais pa-ra a juventude, mas não se pretende criar mais um ministério.Anna Maria Medeiros Peliano, diretora de Estudos Sociais doIpea, lembra que “em países como a Espanha, por exemplo, vá-rios ministérios atuam paralelamente na questão do jovem. Épreciso que as ações sejam correlatas e complementares”.

Diversas soluções foram encontradas ao redor do mundopara os problemas da juventude, pondera Maristela Baioni,analista de programa da unidade de políticas setoriais doPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)

Apenas trabalham

Apenas estudam

Estudam e trabalham

Não estudam, trabalham, ou procuram emprego

Não estudam e procuram emprego

Estudam e procuram emprego

35% 21% 19% 14% 6% 5%

O que fazem os jovens brasileiros

A ocupação dos 34 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos

12% 27,5%

Homens

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Desaf ios • agosto de 2004 53

Mulheres

As garotas estão em desvantagem

O percentual de jovens comidade entre 15 e 24 anos desocupados,que não estudam nem trabalham,é muito maior entre as mulheres

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54 Desafios • agosto de 2004

Em países como a Espanha vários ministérios trabalham para melhorar a vida dos jovens.

O carioca Edgard Moreira começou a vida profissional com um estágio

no Brasil. A rigor, não há receitas prontas.“Há países que cria-ram um ministério específico para tratar da juventude, mas asexperiências indicam que ações distribuídas entre ministériossão mais eficientes do que as experiências centralizadas, como ada Itália”, explica Baioni.

Primeiro emprego O governo federal reavaliou suas ações paraenfrentar a crise dos jovens. O Programa Nacional do PrimeiroEmprego, que nasceu no calor da campanha eleitoral presiden-cial em 2002, não será eliminado, mas deixará de ser o carro-chefe. Ele foi modificado em maio, passando a abranger tam-bém jovens de 16 a 24 anos que completaram o ensino médio.Ocorre que as exigências fiscais e burocráticas do PrimeiroEmprego afugentam as micro e pequenas empresas, que pode-riam ser as maiores empregadoras de jovens sem experiênciaprofissional.

As empresas de comércio e serviços contratam, com maisfacilidade, jovens com pouca escolaridade. Sérgio Bandeira,funcionário da Secretaria de Trabalho do Estado do Rio deJaneiro e chefe da agência central do Sistema Nacional deEmprego (Sine) no Rio de Janeiro, tem muita esperança na par-ticipação das lojas de alimentação, das mercearias e do pequenocomércio. “Eles contratam jovens sem experiência”, diz. “OPrimeiro Emprego tem tudo para pegar. Não tira o trabalho dequem está empregado e mantém o jovem na escola. O problemaé que grande parte dessas empresas tem impostos atrasados.”

O desemprego

cai ao longo da vida

Taxa de emprego por idade e sexo em 2002

MulheresHomensFont

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Desaf ios • agosto de 2004 55

Para que as iniciativas surtam efeito é preciso que as ações sejam complementares

Os jovens compõem a absoluta maioria entre os que formam as filas em busca de emprego

Muitos jovens não encontram emprego porque as empresasexigem experiência e preferem não investir em formação inter-na, com medo de desperdiçar recursos, considerando a elevadarotatividade no emprego. Não é por outra razão que a taxa dedesemprego diminui com o aumento da idade, como mostrou aPnad de 2002 (veja o gráfico na página ao lado).

O estágio é peça fundamental nessa engrenagem que faz apassagem do período escolar para a vida adulta de um profis-sional. Faz enorme diferença quando se procura a primeiraoportunidade no mercado, ao colocar ao alcance das mãos docalouro ferramentas básicas para o exercício de instrumentoscomo o computador, o aparelho de fax ou a copiadora.

Edgard do Sacramento Moreira trabalha há ano e meionuma loja de departamentos em Del Castilho, no Rio deJaneiro. Entrou para a empresa graças a um estágio promovidopelo Senac do Rio de Janeiro. O salário de Moreira está compro-metido com o sustento da mãe, de três irmãs e de dois sobri-nhos. E, quando sobra um pouco, ele guarda para realizar seussonhos futuros.

Moreira, aos 21 anos, prepara-se para fazer administraçãode empresas. Ele faz parte de um grupo diferenciado de jovens,que estudam e conseguem ingressar no mercado de trabalho.

Esperança e projetos ele tem. Mas realizar o que deseja não énada fácil.

Programas de capacitação e inclusão Outra iniciativa paraapoiar a entrada do jovem no mundo do trabalho é o programaCapacitação Solidária, que oferece cursos e estágios em novegrandes regiões metropolitanas do País. Dirigido pela sociólo-ga Ruth Cardoso, foi criado em 1996 e já deu treinamento para129 mil jovens de 16 a 21 anos, por meio de quatro mil cursosde 313 diferentes habilidades geradoras de renda. O financia-mento das ações vem de empresas, governos, organismos na-cionais e estrangeiros.

O Capacitação Solidária trabalha com entidades nas regiõesmais pobres. “Elas conhecem os moradores e suas necessida-des”, explica Ruth Cardoso. Foram incluídos na área de ensinocursos específicos como o de cabeleireiro em estilo africano, noRio de Janeiro, e o de reparador de jangadas, em Recife. Doisanos após a conclusão dos cursos, que duram seis meses, todosos alunos são avaliados. Em média, de 20% a 25% deles con-seguem aplicar seus conhecimentos em atividades rentáveis.

Também merece atenção o Portal do Futuro, programa deinclusão social para jovens de baixa renda do Centro de Edu-

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56 Desafios • agosto de 2004

Radiografia do universo juvenil • Pesquisa do Instituto Cidadania mostra

A mais abrangente pesquisa sobre a ju-ventude brasileira foi elaborada pelo InstitutoCidadania (IC), organização não-governamen-tal sediada em São Paulo. Foram realizadasem novembro e dezembro do ano passado, en-trevistas com 3.501 jovens em todo o país. Oobjetivo era fazer um retrato da população jo-vem brasileira que contribuísse para a formu-lação de políticas públicas para este segmen-to da população, explica Paulo Vannuchi, coor-denador-executivo do IC, organização criadaem 1991 para apoiar Luiz Inácio Lula da Silva.“Nossa primeira iniciativa foi elaborar o docu-mento Política Nacional de Segurança Alimen-

tar, que deu luz à Campanha de Combate à Fo-me, liderada pelo Betinho” lembra Vannuchi,com propostas para superar a enorme dívidasocial do País.

O Projeto Juventude nasceu com o mesmoobjetivo, mas Vannuchi acha que a tarefa serámais fácil, porque o governo Lula e o Con-gresso já admitem que há um problema com apopulação mais jovem.“Queremos influir paraque seja construída uma política de estado,com um horizonte de 20 anos, e que ela tenhacontinuidade mesmo com as mudanças de go-verno”, revela Vannuchi. O documento sobre oProjeto Juventude foi entregue ao Presidente

da República em 16 de junho e agora os diri-gentes do projeto estão visitando os governa-dores, para sensibilizá-los em relação à questãodos jovens, que somam 33 milhões, ou cerca de20% da população urbana (Censo de 2000).

O Projeto Juventude revela que entre osjovens pobres o desemprego é significativa-mente maior (26,2%) do que entre os mais ri-cos (11,6%). Entre os jovens ricos há predo-minância do trabalho assalariado (77,1%) e,dentro desse universo, quase dois terços (49%)possuem carteira assinada. Entre os jovensprovenientes de famílias pobres, apenas 41,4%têm trabalho assalariado e, desses, a grande

cação para o Trabalho e Cidadania do Senac do Rio de Janeiro.Tarcísio de Carvalho, de 18 anos, procurou o Portal do Futuropara fazer um estágio. Filho de um frentista de posto de gasoli-na em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, encontrouemprego como auxiliar de escritório numa escola em Duque de Caxias, também na Baixada, e escolheu sua carreira:“Vou ser psicólogo”.

O Portal do Futuro atua em Irajá, no subúrbio carioca, e hácinco anos prepara jovens de baixa renda para o mundo do tra-balho.“Meninos e meninas saem daqui com um plano de vida”,diz Mônica Volpato, gerente do projeto.

O Senac Rio procura mostrar que existem alternativas aoemprego formal, apresentando opções como o empreende-dorismo. “Queremos formar alguém capaz de trabalhar poruma renda mensal, com ou sem carteira de trabalho”, dizVolpato. Inteiramente gratuito, o programa já atendeu cerca dequatro mil jovens e conseguiu colocar a metade deles no merca-do de trabalho.

A preocupação das entidades envolvidas com jovens ca-rentes muitas vezes ultrapassa a preparação profissional.Tanto no projeto Capacitação como no Portal, os alunos re-cebem noções de cidadania, com o objetivo de desenvolver aauto-estima e a capacidade de integração e interação dentrode seu grupo.“O simples fato de tirar documentos, como car-teira de identidade e CPF, para abrir uma conta bancária ondevão receber o dinheiro da bolsa, já modifica a forma como elesse enxergam na sociedade. Muitos incentivam os pais a faze-rem os documentos. Essa é a semente que deixamos”, assegu-ra Cardoso.

Iniciativas da sociedade para inserir os jovens no mundo do

trabalho são vitais, mas também é preciso criar novos arranjosinstitucionais e políticas públicas para a juventude. OCongresso Nacional, em Brasília, não está alheio ao problema.Avança na Câmara dos Deputados o trabalho da ComissãoEspecial de Políticas Públicas para a Juventude, do deputadoReginaldo Oliveira Lopes (PT-MG), que organizou em junho aConferência Nacional de Políticas Públicas Para os Jovens. E jáexiste a proposta de criação de uma comissão permanente paraa juventude na Câmara.

Demografia Da parte da sociedade civil organizada, a iniciativamais abrangente nessa área foi tomada pelo Instituto Cidadania(IC) de São Paulo, que entregou ao Presidente da República, nodia 16 de junho, o Projeto Juventude (leia o quadro abaixo).Propõe a criação de uma política pública com um horizonte de20 anos.

Segundo Regina Novaes, socióloga do Instituto Superior deEstudos da Religião (Iser) do Rio de Janeiro, especialista emjuventude que tem participado ativamente do processo de con-solidação de uma política definitiva para esta faixa etária e foiuma das coordenadoras do Projeto Juventude do IC, só assimserá possível evitar que os jovens sejam usados como massa demanobra da direita ou da esquerda, como aconteceu na históriarecente,“sem terem aparecido como sujeito do Direito”.

É urgente consolidar soluções para enfrentar a crise dosjovens. De acordo com André Urani, diretor-executivo doInstituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), o Paíspode estar vivendo um momento de gravidade máxima.“Emtermos absolutos, mais jovens entrarão no mercado nodecorrer dessa década, embora a proporção de jovens na

Durante essa década o número de jovens com idade na qual se decide a carreira chegará ao pico

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Desaf ios • agosto de 2004 57

a alarmante realidade dos jovens pobres

maioria (74,3%) não tem carteira assinada.Gênero e raça também são fatores que in-

terferem na trajetória dos jovens. As moçasganham menos do que os rapazes quando ocu-pam os mesmos postos de trabalho. E a “boaaparência”, exigida para certos empregos, ex-clui os mais pobres.

Há ainda um outro critério de diferencia-ção: o local de moradia. Para os que vivem nasgrandes cidades, o estigma de certas áreasurbanas pobres e violentas expõe os jovens àcorrupção dos traficantes e da polícia. Ao pre-conceito e discriminação de classe, de gêneroe de cor adiciona-se o preconceito e a “dis-

criminação por endereço”. Na inserção nomercado de trabalho o endereço, muitas vezes,torna-se um critério de seleção. O local demoradia interfere também no acesso a equi-pamentos urbanos, na busca de grupos dereferência, na maior ou menor probabilidadede se ligar a atividades ilícitas, na perspecti-va da morte precoce.

A pesquisa do IC mostra que 42% dosjovens brasileiros cursaram o ensino funda-mental, 52% chegaram ao ensino médio e só6% concluíram o curso superior.

Em termos religiosos, 65% são católicos,mas o grupo dos evangélicos é o que mais

cresceu: passou de 19% em 1999 para 24%em 2003. Nada menos do que 22% dos jovenspesquisados têm filhos e em 60% dos casos agravidez não foi planejada.

As dificuldades econômicas podem seruma das razões para 43% dos entrevistadosterem declarado que não pretendem sair dacasa dos pais ou responsáveis. Na hora deapontar suas maiores preocupações, 55% dosjovens cravaram a violência como campeã, se-guida de perto pelo emprego (52%) e pelasdrogas (24%). É um cenário rico em detalhes,que pode orientar as ações do governo e dasociedade.

população total tenda a diminuir.”No estudo da população o planejamento tem de ser feito de

olho no retrovisor. A taxa média de fecundidade da mulherbrasileira era de 3,5 filhos em 1980 e agora é de 2,2 filhos.Assim, a pressão demográfica vem do passado e coloca milhõesde jovens na expectativa de ingressar no mercado de trabalho,sem que existam vagas suficientes.

Na busca de respostas a esse problema, diversas áreas do Ipeaestão trabalhando num projeto que virá a público na metade de2005. “Durante essa década o número de jovens que atingirá a

idade na qual se decide a carreira chegará ao pico”, explicaPaulo Tafner, diretor-adjunto do Ipea no Rio de Janeiro. “Se ademanda por empregos não for atendida, o Estado terá de criarpolíticas compensatórias que pressionarão os gastos públicos ecustarão mais caro do que soluções para melhorar a educaçãodos jovens e garantir sua formação profissional”, alerta Tafner.No fim das contas, vale a antiga receita: é melhor prevenir doque remediar.

* Com Andréa Wolffenbuttel, em São Paulo, e Paulo Júlio Clement, em Brasília.

Mônica Volpato e os jovens do Portal do Futuro, programa de inclusão social do Centro Educação para o Trabalho e Cidadania do Senac do Rio de Janeiro.

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58 Desafios • agosto de 2004

Estado deve garantir a retomadasustentada do desenvolvimento,o que já está acontecendo. É ocrescimento sustentado da eco-

nomia que permite realizar políticas pú-blicas voltadas não apenas para os jovens,mas para o enfrentamento dos proble-mas sociais como um todo. No casoespecífico dos problemas apontados porum estudo do Ipea, fica evidente a neces-sidade de políticas capazes de garantirmaior nível de escolaridade para osjovens e também dar-lhes mais qualifi-cação profissional, ampliando seu acessoao mercado de trabalho. O governo fe-deral tem bons programas para a juven-tude, mas é preciso integrá-los. Isolada-mente eles não traduzem uma políticanacional como existe em outros países. Aexperiência internacional demonstra queos jovens têm características muito es-pecíficas, que demandam do Estado umapolítica própria – e essa política já estáem fase de elaboração. O ministro LuizDulci, da Secretaria-Geral da Presidênciada República, falou a Desafios do De-senvolvimento sobre o que está sendofeito nessa área.

Desafios - Qual foi o resultado do mapeamen-

to dos programas federais voltados para a ju-

ventude, realizado pelo Grupo Interministerial,

O ministro Luiz Dulci adianta algumas medidas que estão sendo

preparadas pelo Grupo Interministerial da Juventude

O

encarregado de estabelecer as diretrizes de

uma política específ ica para os jovens?

Dulci - Ações existem, várias muitoboas, mas elas estão dispersas, semintegração. Nada menos que 19 mi-nistérios desenvolvem hoje 143 ações,distribuídas em 49 programas que, dealguma forma, incidem sobre a juven-tude. Dessas, 20 são ações voltadasexclusivamente para a populaçãojovem e têm 260 milhões de reais re-servados no Orçamento de 2004. Pormelhor que seja o objetivo desses pro-gramas e ações, no entanto, eles nãodialogam entre si, há superposição deesforços, irracionalidade. Uma verda-deira política nacional pressupõe acoordenação das ações e, principal-mente, o estabelecimento de canais departicipação da juventude na defini-ção das políticas públicas.

Desafios - O sr. acha necessário criar um mi-

nistério para cuidar da questão dos jovens?

Dulci - Não. Para coordenar e inte-grar programas é necessário ter umaestrutura administrativa enxuta deavaliação e acompanhamento dasações. Não um novo ministério. Osbons programas existentes já estãosendo executados nos ministérios eseria inútil tirá-los de onde estão, nasestruturas adequadas na Saúde, naEducação, na Cultura, nos Esportesetc. A estrutura enxuta de que faloserá a referência, na administraçãopública, da política nacional de ju-ventude, não um ministério ou algoequivalente.

Desafios - Qual o cronograma para a implan-

tação de um projeto para a juventude? Quando

as linhas gerais serão apresentadas ao presi-

dente e ao público?

Dulci - O Grupo Interministerial daJuventude foi criado no final de feve-

reiro. Em maio o presidente recebeu ascontribuições de 19 ministérios parao projeto que está sendo coordenadopela secretaria-geral. Também reco-lhemos valiosas contribuições do Le-gislativo, por meio da Comissão deJuventude da Câmara dos Deputados,e da sociedade civil. O Instituto Ci-dadania e mais 40 entidades da so-ciedade civil elaboraram um estudocriterioso sobre a situação do jovemno Brasil, o chamado Projeto Juven-tude. Além de um diagnóstico,indicaram propostas que estamosanalisando. Brevemente apresentare-mos resultados ao presidente. Vamospropor a criação de uma estruturaenxuta para integrar e coordenar aspolíticas públicas, a criação do Con-selho Nacional da Juventude e a exe-cução de um grande programa nacio-nal voltado para a juventude nosgrandes centros urbanos. Esse pro-grama terá três eixos principais: a am-pliação da escolaridade, a qualificaçãoprofissional e a ação comunitária.

Desaf ios - Que t ipo de parcer ia o governo

pretende constru i r na execução desse novo

programa?

Dulci - Parcerias com a sociedade civile com outras instâncias da adminis-tração pública. O programa que va-mos propor para os jovens das gran-des cidades tem de ser executado emconjunto com as prefeituras paraalcançar resultados efetivos. Permitiráenfrentar dois dos maiores problemasda população na faixa dos 15 aos 24anos: a conclusão do ensino fun-damental e do ensino médio e a for-mação profissional. Faremos isso emgrande escala, aliando estudo e qua-lificação a atividades sociais, para queo jovem possa exercer a cidadania emsua comunidade.

Escola e trabalho para os jovens

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Desaf ios • agosto de 2004 59

A n a A m é l i a C a m a r a n o ARTIGO

ossa pesquisa analisa algumas formasde transição para a vida adulta, consi-derando as dimensões da escola, dotrabalho e da família dos jovens brasi-

leiros. Baseia-se nos dados das PesquisasNacionais por Amostra de Domicílios (Pnad)de 1982 e 2002. O pressuposto é que esse pro-cesso não é mais marcado pela linearidade domodelo tradicional, não sendo mais possívelprever as idades em que as etapas ocorrem,como foi no passado. Isto traz conseqüênciaspara a formulação de políticas públicas.

A literatura aponta para duas perspectivasque têm sido adotadas na análise da transiçãopara a vida adulta. A primeira refere-se ao trân-sito da escola para o trabalho. A segunda as-sume um caráter mais amplo e considera todo oprocesso de emancipação do jovem.A transiçãopara a vida adulta não é vista apenas como apassagem da escola para o trabalho, mas comoparte de um processo complexo que envolve aformação escolar, a inserção profissional efamiliar. Entender a passagem para a vida adul-ta requer a análise da emergência de novos esti-los de vida e dos variados modos de entrar nafase adulta. Partindo destas perspectivas, bus-cou-se explorar as múltiplas formas de tran-sição para a vida adulta considerando os jovensque se tornaram independentes saindo da casados pais e os que nela permanecem.

Dentre as modalidades em que as transiçõesse processaram, observou-se a prevalência domodelo tradicional. Ou seja, os que a fizeramtornaram-se chefes de família, com ou sem côn-juges, deixaram a escola e ingressaram no mer-cado de trabalho. Novas modalidades parecemestar emergindo. Elas caracterizam-se pela con-tinuidade dos estudos e por novos padrões dearranjos familiares, como os de mulheres chefesde família com filhos.

Observou-se que o aumento da escolariza-ção e a difícil inserção no mercado de trabalho

contribuem para o adiamento da saída da casados pais. Do total de jovens, cerca de 75% aí seencontram. Levanta-se uma hipótese de que atransição para a vida adulta pode estar ocorren-do mesmo na casa dos pais, o que se denominatransição parcial. Nesse grupo encontram-se osjovens que deixaram a escola, ingressaram nomercado de trabalho, mas moram com os pais.

Outra hipótese considerada é a de que a “in-dependência” econômica pode não ser con-dição única para a transição para a vida adulta.Os jovens mais velhos que não saíram de casaestão em melhores condições socioeconômicasque os jovens chefes mais novos. Eles têm maiorescolaridade, bem como maior renda, o que lhespossibilita contribuir com aproximadamente36% da renda do domicílio de seus pais. Residircom os pais pode indicar uma relação dedependência em duas direções: dos filhos comos pais e também dos pais com os filhos. Nesseúltimo caso a dependência pode ser tanto fi-nanceira quanto de apoio emocional e afetivo.

Os resultados enfatizam a multiplicidade desituações em que as transições para a vida adul-ta podem ocorrer. Sugere-se que os processossão marcados por trajetórias não lineares dasfases da vida, podendo, por exemplo, os filhosvirem antes do casamento, o casamento antesda inserção no mercado de trabalho e assimpor diante. Na mesma direção, considera-se queessa transição pode ocorrer em novos arranjosfamiliares que não passem pela saída da casados pais.

As etapas do processo de transição carregamainda possibilidades de reversão. Assim, ojovem de hoje pode ter maior disponibilidadepara situações que suscitem movimentos deidas e vindas entre a casa paterna e a suaprópria.

Ana Amélia Camarano é pesquisadora do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea), no Rio de Janeiro

Os caminhos dos jovensem direção à vida adulta

“Entender a

passagem para

a vida adulta requer

a análise da

emergência de

novos estilos de vida

e dos variados modos

de entrar na

fase adulta”

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60 Desafios • agosto de 2004

Relatório anual do Pnud apresenta o mult icultural ismo como fator

de prevenção de conf l itos sociais. A l iberdade cultural também é

fundamental para assegurar o desenvolv imento humano

SOCIEDADE

magine um mundo onde todas as culturas fossem livres,respeitadas e valorizadas. E que essas culturas não se limi-tassem apenas a formas artísticas de expressão, mas a umcontexto mais abrangente, composto por crenças, cos-

tumes e ideologias.A edição de 2004 do Relatório do Desenvol-vimento Humano, elaborado pelo Programa das Nações Uni-das para o Desenvolvimento (Pnud), busca os caminhos parase alcançar esse cenário, bastante ideal na teoria mas difícil deser atingido na prática – o que é facilmente comprovável com aobservação das manchetes de jornais de todo o mundo, espe-lhos das tensões sociais geradas pela falta de aceitação das pecu-liaridades culturais de diferentes grupos.

A diversidade cultural é uma característica positiva e a suanegação é um dos mais poderosos combustíveis da geração deconflitos sociais, aponta José Carlos Libânio, coordenador deAvaliação de Políticas e Desenvolvimento Local do Pnud noBrasil. “Isso acontece não apenas entre países, mas também in-ternamente, por exemplo, quando se busca uma identidade na-cional em detrimento das múltiplas possibilidades locais deexpressão”, explica Jacques Dádesky, economista e antropólogo,professor da Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.

Pelas estimativas das Nações Unidas, existem atualmente900 milhões de indivíduos que sofrem algum tipo de exclusãocultural, ou também a chamada exclusão por modo de vida. Acada sete pessoas, uma enfrenta problemas com pelo menosuma de suas várias identidades culturais. E vale lembrar quecada ser humano pode pertencer a diversas variantes nessecampo, ou seja, professar uma religião, ser homem ou mulher,torcer por um time, gostar de um tipo de música, apoiar um

Iguaisnas diferençasp o r M a y s a P r o v e d e l l o , d e B r a s í l i a

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Alunos da Escola Estadual Santa Helena abastecida por

energia solar, no interior da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso

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Desaf ios • agosto de 2004 61

partido político, ser heterossexual ou homossexual. Partindo-seda hipótese de que os excluídos em algum momento se cansame partem para reclamar seus direitos, podemos entender o bar-ril de pólvora em que se transformou o planeta.

Por essas e outras o Pnud dedica seu relatório anual ao as-sunto. Desenvolvimento Humano não é apenas ter acesso abens de consumo, educação e saúde. Na definição de AmartyaSen, Prêmio Nobel de Economia e um dos criadores do Índicede Desenvolvimento Humano (IDH), esse é um paradigma quedeve ser visto “como um processo de expansão das liberdadesreais desfrutadas pelas pessoas”.

“Existem vários tipos de exclusão, não apenas a econômica;o racismo, a falta de igualdade entre mulheres e homens, asquestões religiosas, o esquecimento dos valores das minorias,podem ser até mais excludentes do que a falta de recursos finan-ceiros”avalia Maria Aparecida Silva Bento, diretora da organiza-ção não-governamental Centro de Estudos das Relações doTrabalho e Desigualdade (CEERT) de São Paulo.

A principal variável da equação proposta pelo PNUD é o

multiculturalismo. Bastante debatido nos últimos anos, ele podeser entendido, em linhas gerais, como a coexistência de culturasem pé de igualdade.“É mais do que um mero pluralismo cultu-ral é uma convivência em condições de isonomia”, esclareceDádesky. “Se as demandas relativas às liberdades de identidadenão forem administradas ou se acabarem negligenciadas, podemse tornar uma fonte de instabilidade”, alerta o relatório.

É como se a composição social do mundo atual estivesse àbeira de uma ruptura, alimentada pelas constantes migrações eseus efeitos sobre as populações, pela hegemonia ocidental e dospaíses desenvolvidos sobre as outras regiões e, ainda, pela faltade políticas voltadas para acomodar tais situações. Além domulticulturalismo, a proposta do documento tem como base ofortalecimento da democracia e os direitos humanos.

O desafio de encontrar as melhores formas para garantir umasociedade multiétnica com elevado nível de igualdade tem di-mensões gigantescas. Mas, de acordo com o documento daONU, os países precisam encontrar caminhos para formar umaidentidade nacional que acomode e atenda aos anseios de diver-

PNUD

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sidade. É o tipo de idéia que fica bem no papel, mas é difícil deimplementar. Isso devido a uma espécie de crença instituciona-lizada, um mito, de que sociedades com identidades culturaisdistintas fortalecidas acabam tendo seus Estados enfraqueci-dos. Para contornar o problema, estabelece-se um modelo deadministração nacionalista que suplanta hábitos, religiões ecostumes de minorias.

O relatório recomenda algumas providências para que se es-tabeleça um ambiente de convivência pacífica. As cinco princi-pais são as seguintes: incentivo à participação política, mecanis-mos de acesso às oportunidades socioeconômicas, cuidados comos idiomas e dialetos, chances de utilização dos instrumentos dejustiça e liberdade religiosa. “É preciso ainda, no caso das des-vantagens latentes, promover políticas compensatórias que aca-bem levando, com o tempo, um grupo de excluídos por razõesculturais às mesmas condições do restante da população”, expli-ca Diva Moreira, analista de Programas do Pnud no Brasil.“Taisações acabam sendo de fundamental importância tanto para aqualidade de vida como para garantir as condições de gover-nabilidade do Estado”, afirma Libânio.“Quando se iniciam con-flitos decorrentes de falta de liberdade toda a população acaba

pagando, como ocorre no caso de uma guerra interna ou exter-na”, diz. Quando o cenário se configura dessa forma, é hora degovernos lançarem mão das ações afirmativas, que no Brasil sãomais conhecidas pela reserva de cotas para minorias, emborapossam existir em outros formatos.

O Brasil já avançou muito em alguns sentidos, como naConstituição e em algumas leis específicas de garantia de direitosespeciais de minorias como os indígenas,as mulheres e as pessoascom deficiências. A maior falha está localizada na questão racial.“O racismo praticado no Brasil é um dos mais perigosos por nãoser explícito e, da forma como estamos hoje, pode comprometera consolidação democrática no Brasil”, declara Nathalie Beghin,pesquisadora do Ipea em Brasília. Tal afirmação baseia-se nosnúmeros assustadores quanto às condições de vida dos afro-descendentes no País, que são claramente discriminados. “Nãoestamos falando somente do racismo da sociedade, mas do piordeles, aquele praticado pela ausência de interesse do Estado paradiminuir tal situação, conhecido como discriminação institu-cional”, pontua Beghin.

A população brasileira de afro-descendentes era de 76,2 mi-lhões segundo o Censo de 2000, o que correspondia a 45% dototal e fazia do país a segunda maior nação negra do mundo,atrás apenas da Nigéria. O número de negros vivendo abaixo dalinha da pobreza aumentou entre 1992 e 2001, ao contrário doque ocorre com a população branca (veja o quadro ao lado). Noque se refere à juventude (entre 15 e 24 anos), 73% do total de1,2 milhão de analfabetos são negros ou pardos, segundo cálcu-los feitos pelo Ipea a partir da Pnad.

O problema é ainda mais grave. De acordo com o Ministérioda Saúde, enquanto as taxas de assassinatos entre adolescentesbrancos é de 61,7%, entre adolescentes negros chega a 67,3%. Eum estudo da Fundação Sistema Educacional de Análise deDados (Seade), de São Paulo, sobre o universo de condenadospor roubos e furtos naquele estado, mostra que a penalização dehomens e mulheres brancos é significativamente menor do quea de mulheres e homens afro-brasileiros. É com estatísticasdessa natureza que o movimento negro busca desconstruir omito da democracia racial brasileira.

Só recentemente esse problema vem sendo observado commaior cuidado. No final da década de 1990 foram tomadas asprimeiras iniciativas para permear as políticas públicas commedidas de combate ao preconceito e à discriminação, conju-gadas a iniciativas compensatórias e que buscam promover aredução das desigualdades.“O Estado vem assumindo pouco apouco, com mais vigor, a função de promover a igualdade”,explica Beghin.

Na área da educação, foi aprovada em janeiro de 2003 uma leique determina o ensino da história da África e de cultura afri-cana no currículo escolar. O Ministério da Educação está orga-nizando fóruns estaduais com o objetivo de discutir e encontrar

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Segundo a Organização das Nações Unidas os países precisam encontrar caminhos para

O resultado da pesquisa

do IDH em 2004De um total de 175 países e 2 territórios, o Brasil ocupou

a 72ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Hu-mano (IDH) em 2004, permanecendo na elite dos países comíndices medianos.Tal colocação não pode ser comparada como 65º lugar alcançado no relatório de 2003, uma vez que abase de dados utilizada no ítem analfabetismo não é a mesmado documento anterior. Ao contrário dos dados fornecidos aoPNUD em 2003, obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD) de 2001, para a última edição foram usadosos dados do Censo 2000, que projetava uma taxa de alfa-betismo menor. Se na metodologia de cálculo para 2004 fos-sem utilizados os dados da PNAD de 2002, o Brasil ocuparia o68º lugar, caindo 3 posições em relação ao período anterior.

Ao longo dos anos 90, o IDH recuou em 20 países. O blocomais afetado é o dos países da região sub-saariana da África,que tem 13 nações entre as que registraram queda no índice.A expectativa de vida caiu para 40 anos ou menos em oitopaíses da região (Angola, República Centro-Africana, Lesoto,Moçambique, Serra Leoa, Suazilândia e Zimbábue). O principalmotivo desse desempenho negativo é a pandemia de Aids queassola a região. Em Botswana e na Suazilândia pelo menosuma em cada três pessoas de 15 a 49 anos está infectada.

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formar uma identidade nacional que acomode e atenda aos anseios de diversidade

caminhos para implantar a norma. Também estão sendo realiza-dos debates acerca do material didático a ser utilizado nessas dis-ciplinas e da forma de capacitação de professores. Algumas uni-versidades federais, como a Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ) e a Universidade de Brasília (UNB) iniciaramações afirmativas, com reserva de vagas para estudantes negros.

Há mais novidades nessa área. Em março de 2003 foi criada aSecretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial(Seppir), ligada à Presidência da República, com a intenção defazer com que todas as políticas públicas federais englobempreocupações com o combate ao racismo.“É um trabalho difícil,estamos ainda no começo”, diz a ministra Matilda Ribeiro, res-ponsável pela pasta.As prioridades da secretaria são a promoçãode ações afirmativas, a melhoria das condições de vida das

comunidades quilombolas e a inclusão das especificidades dasaúde da população negra no Plano Nacional de Saúde.

“O problema é que estamos ficando muito tempo nas dis-cussões, precisamos partir logo para a prática”, critica Bento. ParaEdson Lopes Cardoso, um dos principais líderes do movimentonegro no País e mestre em Comunicação, quaisquer tentativas depolíticas deixam de ser válidas enquanto não for aprovado noCongresso Nacional o Estatuto do Negro, pronto para ser votadoem plenário desde o final de 2002 e atualmente em fase de reavali-ação a pedido do governo.

Os pontos mais polêmicos do projeto estão ligados à criaçãode um fundo com recursos federais para a implantação de medi-das de ação afirmativa e à definição do público beneficiado – seseria composto apenas por negros ou se envolveria outras mino-rias.“Já temos legislações para as pessoas com deficiência, para oidoso, para o meio ambiente e a criança, mas quando se trata dasituação dos afro-descendentes o assunto deixa de ser priori-dade”, resume Cardoso.

“Combater a discriminação é um ato de alta dificuldadeporque o fato de ela existir não significa necessariamente queaquele que discrimina tenha algo contra o discriminado. Elepode apenas temer perder sua posição na sociedade”, avaliaBento. “Não basta que se atestem direitos iguais a todos oscidadãos. É preciso tratar os menos favorecidos de forma espe-cial, diferente”, resume Libânio.

Para ler o Relatório de Desenvolvimento Humano – 2004 visite o endereço www.pnud.org.br.

O número de pobres aumenta

entre os negros e cai entre os brancos

População brasileira 57.227.088 55.429.500 -3,1%

População branca 22.049.546 19.667.301 10,8%

População negra 35.056.644 34.545.970 1,4%

1992 2001 Variação

Fonte: Pnad/IBGE. Atualmente, vive abaixo da linha de pobreza quem tem renda familiar

per capita inferior a 125 reais mensais, na média brasileira

Moreira e Libânio, do Pnud: estudos sobre desigualdade e racismo

PNUD

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MELHORES PRÁTICAS

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florestap o r M a r c e l l o A n t u n e s , d e M a m i r a u á

Vida melhor na

em no interior do Amazonas, nomundo da água e da selva, existeum centro de pesquisas que viroureferência mundial. É o Instituto

de Desenvolvimento Sustentável Mami-rauá. Ali, um grupo de 60 pesquisadores,em estreito convívio com seis mil habi-tantes de 72 comunidades, criou um nú-cleo de excelência em manejo de recursosnaturais que serve como modelo deexploração sustentável para países comoTanzânia, Peru, Argentina, Colômbia eGuiana Francesa. No ano passado, aUnesco reconheceu Mamirauá como sí-tio do Patrimônio Natural da Humani-dade. São demonstrações bastante positi-vas. “O Brasil está muito adiantado nessaárea”, diz Helder Queiroz, biólogo espe-cializado em mamíferos, que é diretortécnico científico do Instituto.

Mamirauá é a maior área de florestainundada e preservada do planeta. Seuterritório, de 11 mil quilômetros quadra-dos, fica submerso entre os meses de de-zembro e julho. Depois, a vazante é abrup-ta. Em 45 dias o nível das águas diminui

12 metros, ou seja, uma média de 25 cen-tímetros por dia. Então surgem cerca detrês mil lagos coalhados de peixes. A na-tureza é extremamente generosa em Ma-mirauá, mas até pouco tempo atrás apopulação da região vivia na pobreza. Oque os pesquisadores conseguiram cons-truir nos últimos anos é um exemplo doque se pode fazer em outras áreas do Bra-sil e do mundo para melhorar as con-dições de vida da população sem, noentanto, deteriorar o meio ambiente. Namaior reserva alagada do mundo, alia-sea conservação da natureza ao desenvolvi-mento humano.

Grande parte dos resultados deve-seao fato de que o projeto integrou a comu-nidade da região não só como mão-de-obra: também aproveitou seus conheci-mentos. Foram os moradores, por exem-plo, que ensinaram os cientistas a calcularo tamanho (e em conseqüência a idade)do pirarucu, além da quantidade de pei-xes existente em determinada lagoa. Co-mo? Simplesmente observando.

O pirarucu, que já fez parte da lista das

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Em Mamirauá, no interior do Amazonas, cientistas envolvem

a comunidade, fazem pesquisas sobre manejo sustentável dos

recursos naturais e viram referência internacional

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Mamirauá é a maior área de f loresta inundada e preservada do planeta. Seu território, de

espécies sob risco de extinção, precisa su-bir à tona para respirar em intervalos detempo regulares. É o maior peixe de águadoce do mundo e chega a pesar 200 qui-los. Com um pouco de paciência é possí-vel planejar a pesca de forma a retirarapenas os peixes de bom porte que jáprocriaram. “Os pescadores conseguematé identificar o sexo dos peixes”, dizEvandro César Tavares, engenheiro depesca formado pela Universidade Federaldo Amazonas que acompanha o projetode manejo em Mamirauá.

A atenção dada à sabedoria popularfez com que as pessoas se sentissem va-lorizadas. Suas vidas melhoraram nãosó por isso. O Instituto emprega cerca de100 trabalhadores da região, o quesignifica mais renda. Também se pre-ocupou em corrigir algumas práticas dodia-a-dia que colocavam em risco a saú-de da população local. Depois da cons-tatação de que a água era utilizada demaneira descuidada, e que essa era umadas causas da mortalidade infantil, foicriado um sistema de coleta e filtragemde água. O resultado: em 1999 morriamo equivalente a 86 crianças por milnascidas vivas. Em 2003 a taxa caiu para23 por mil.

Outros indicadores demonstram quehouve um salto qualitativo na vida dosenvolvidos com o projeto. As mulheres,que tinham em média oito filhos, hojetêm três. A alimentação, à base de man-dioca, arroz, feijão e peixe, começa a sediversificar. Há hortas comunitárias, 208famílias participam do programa deagricultura familiar e outras tantas játomaram empréstimo do Programa doMicrocrédito para iniciar a criação de ga-linhas para consumo e comercialização.Os técnicos e cientistas que trabalhamem Mamirauá oferecem aos interessadoscursos de capacitação para a criação deaves, produção de ração, preparo de mu-das e produção de farinha.

O código florestal brasileiro de 1965definiu que as florestas da Amazônia sópoderiam ser utilizadas por meio de A Pousada Uacari f ica numa curva do rio. Tem acomodações confortáveis e integradas ao

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11 mil quilômetros quadrados, f ica submerso entre os meses de dezembro e julho

meio ambiente. Suas suítes utilizam energia solar e a ventilação é natural. Emprega gente do lugar para o atendimento a mil turistas por ano

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Paraíso de

PreservaçãoAs reservas de Mamirauá e

Amanã, administradas pelo Institutode Desenvolvimento Sustentável deMamirauá, ocupam uma área de 34

mil quilômetros quadrados naregião do médio Solimões. Em

Mamirauá vivem seis mil pessoase em Amanã a população é de doismil habitantes. A área é principal-

mente de várzeas, regiões que sãoinundadas pelos rios durante

vários meses do ano, mas tambémtem terra firme e igapós.

A porta de entrada da reservade Mamirauá fica na cidade deTefé, uma das mais antigas do

Estado do Amazonas, fundada em1686. Dista 663 quilômetros de

Manaus por via fluvial.

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Mamirauá e Amanã, ao lado do Parque Nacional do Jaú, formam o maior corredor ecológico do planeta

planos de manejo, um conjunto de técni-cas empregadas para explorar racional-mente os recursos naturais de forma aassegurar a produção contínua, ao longodos anos.

Foi para executar essa empreitada – omanejo equilibrado da área de reserva –que o Ministério da Ciência e Tecnologiafirmou um contrato de gestão com o Ins-tituto de Desenvolvimento SustentávelMamirauá (IDSM). O Instituto foi quali-ficado como Organização Social em 7 dejulho de 1999, por decreto presidencial, epassou a administrar as reservas dedesenvolvimento sustentável Mamirauá eAmanã, que ocupam uma área de 34 milquilômetros quadrados na região do mé-dio Solimões, no coração da Amazônia.Ao lado das reservas encontra-se o Par-que Nacional do Jaú. O conjunto forma omaior corredor ecológico do planeta. Éuma região magnífica, de natureza exu-berante, um tesouro que pode ser apro-veitado para o benefício das pessoas edeve ser conservado.

Resultados com poucos recursos

Além do financiamento que obtémcom o governo, o projeto capta recursosde empresas e organizações internacio-nais. Seu patrimônio contabiliza 27 casasflutuantes, 45 lanchas voadeiras, quatrobarcos com motores de centro, inúmerascanoas e quatro carros na sede, que ficaem Tefé, distante cerca de 600 quilôme-tros de Manaus. Em 2004 o Ministério daCiência e Tecnologia (MCT) repassará2,8 milhões de reais para o Instituto. DaFundação Gordon Moore (WorldlifeConservation Society), norte-americana,virá 1,2 milhão de reais. E a Esso Petróleodo Brasil investirá 200 mil reais em proje-tos de educação ambiental. O estatuto deorganização social dá flexibilidade aoIDSM para buscar financiadores priva-dos, ao mesmo em que assina anual-mente um contrato com o MCT, definin-do suas obrigações, para conseguir osrecursos públicos.

O dinheiro é aplicado em várias Os moradores ensinaram os cientistas a calcular o tamanho, a idade e a quantidade de peixes

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frentes. Há o projeto de manejo da pesca,que inclui o planejamento da extração depirarucu das lagoas que se formam depoisda época das cheias. Em cinco anos onúmero de pescadores que aderiram aosistema multiplicou seis vezes. Pesca-semais e o preço subiu. As espécies tambémse beneficiaram. A população de piraru-cus cresceu 64% nesse período, porqueacabou a pesca predatória e somente ospescadores das comunidades têm auto-

rização para pescar.Outra face do trabalho do Instituto é o

manejo florestal comunitário. Entre 1993e 1995 os pesquisadores fizeram moni-toramentos anuais das característicasbiológicas das espécies, dos locais de ex-tração, da origem dos cortadores das ár-vores e dos compradores, dos preços edos sistemas de pagamento. Atualmente,13 comunidades definem, juntamentecom os cientistas, as espécies de árvoresque serão extraídas da floresta. Em cadauma delas a área foi dividida em 25 espa-ços, explorados um a cada ano. Dessaforma garante-se um ciclo de renovaçãode 25 anos e os próprios moradores im-pedem o corte ilegal.

Há uma terceira frente de atuação. É oEcoturismo. A Pousada Uacari, de pro-priedade do Instituto, tem instalações flu-tuantes. Está localizada no maior bloco defloresta conservada da Amazônia, comacomodações confortáveis e integradas aomeio ambiente. Suas suítes utilizam ener-gia solar e a ventilação é natural. Ficanuma curva do rio, o que facilita a obser-vação da fauna – um conforto raro noambiente amazônico. Emprega gente dolugar para o atendimento a mil turistaspor ano – o limite máximo de visitantesestabelecido pelos administradores. E jáfoi tema de um documentário feito pelaemissora de TV inglesa BBC. No ano pas-sado distribuiu às comunidades envolvi-das um lucro de 36 mil reais.

A proposta do pessoal que administrao projeto é utilizar mão-de-obra local,mas também garantir que as pessoas nãoabandonem suas atividades de origem,tornando-se excessivamente dependentesdo turismo para sua sobrevivência. Dessaforma, o trabalho é feito num sistema derodízio. Edileuza da Silva, de 32 anos, porexemplo, trabalha como cozinheira naPousada de terça a sábado. Nos outrosdias, dedica-se a cuidar dos filhos e de suaplantação de mandioca. Também presidea Associação das Mulheres de Vila Alen-car, que fica na reserva de Mamirauá.

Quem trabalha na pousada gosta do

que faz. Olavita Vieira Brasil, governanta,cultiva até uma amizade inusitada en-quanto cumpre o expediente. É a babá ofi-cial de Leo, um jacaré com mais de trêsmetros de comprimento que responde aseu chamado todos os dias, no horáriodas refeições. O bicho tem se refasteladocom os aperitivos servidos por Olavita.Tanto que ela já está repensando sua roti-na. “O Leo está ficando preguiçoso”, diz.Nem é preciso dizer que os turistas ado-ram a Pousada Uacari.

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Atualmente, 13 comunidades def inem com os cientistas as espécies de árvores que serão extraídas

Safra de bonsresultados econômicossem agredir a natureza

Pesca – O manejo, que envolvia em2000 apenas 47 pescadores, em 2004 épraticado por 277 pescadores. Nesseperíodo, o volume de peixe que o Ibamaautoriza a retirar das águas aumentoude 3,5 toneladas para 72,5 toneladas.Como o preço do pescado subiu, o lucromédio obtido por cada pescador quaseque dobrou. E, com tudo isso, ainda eli-minou-se o risco de extinção do piraru-cu.A população do peixe aumentou 64%nos últimos cinco anos.

Extração de madeira – Treze comu-nidades participam do sistema de mane-jo que estabelece a rotatividade daexploração da floresta e garante umciclo de renovação da mata de 25 anos.Toda a madeira extraída da área é certi-ficada pelo Ibama.

Agricultura – 208 famílias recebemorientação para o desenvolvimento deprojetos de agricultura familiar. Quemcultivava apenas a mandioca hoje plan-ta também melancia, banana, milho, fei-jão, amendoim e verduras.

Ecoturismo – Até mil visitantes por anogarantem uma renda anual de 36 milreais para a comunidade.

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da f loresta. Garante-se um ciclo de renovação de 25 anos e os moradores impedem o corte ilegal

Os habitantes da região trabalham na reserva, mas são estimulados a não abandonar suas atividades tradicionais, como a produção de farinha de mandioca

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72 Desafios • agosto de 2004

O trabalho do Instituto de Mamirauá serve como modelo de referência de manejo sustentável da

Edileuza Silva, que trabalha na pousada Uacari: “Nossa vida melhorou muito com o projeto do Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá”

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f loresta para países como a Tanzânia, o Peru, a Argentina, a Colômbia e a Guiana Francesa

O tratamento da água e outras providências sanitárias reduziram a mortalidade infantil

Outras frentes envolvem a atividadedos cientistas e pesquisadores do Institu-to. O Programa Qualidade de Vida écoordenado por Edila Arnaud FerreiraMoura, socióloga da Universidade Fede-ral do Pará e está estruturado em cincolinhas de ação: educação ambiental, edu-cação para a ciência, saúde comunitária,tecnologia e comunicação. Além de ex-plorar de maneira sustentável os recursosnaturais, a comunidade produz artesana-to, que é vendido na Pousada.

Tudo isso nasceu em 1983 quando oparaense Márcio José Ayres, biólogo eprofessor da Universidade de Brasília, foipara a reserva desenvolver uma tese dedoutorado sobre o macaco uacari branco,endêmico na região. Ele ficou por lá. Ocomeço foi difícil, um barco, doado pelopai de Ayres, servia como moradia e con-dução. Solicitou ao governo do Estado doAmazonas, em 1985, a criação de uma

área de proteção para o uacari, que estavaameaçado de extinção, e conseguiu o quequeria. Com o tempo, vários pesqui-sadores associaram-se ao projeto. Emmaio de 1999 foi criado o Instituto com oobjetivo de dar continuidade aos traba-lhos de implementação que já vinhamsendo realizados pelo Projeto Mamirauá.

Ayres faleceu no ano passado, vítimade câncer. Seu trabalho, embora poucoconhecido dos brasileiros de maneira ge-ral, alcançou o reconhecimento inter-nacional.

No Brasil, o projeto do IDSM tam-bém já conseguiu algum aplauso.Recebeu o prêmio Frederico Menezes, daEmbrapa, e o prêmio Superecologia, daEditora Abril. Recentemente, seu projetode Ecoturismo foi definido como o me-lhor destino de viagem pelo Conde NestEcotourism Travel Award e recebeu oprêmio Turismo Sustentável da Smith-sonian Magazine.

Experiências como a do Instituto deDesenvolvimento Sustentável de Ma-mirauá demonstram que o Brasil templenas condições de explorar a Ama-zônia, melhorando a qualidade de vidada população local, preservando a bele-za e a riqueza naturais para as geraçõesfuturas.

Fala a população

“Nossa vida melhorou muito com oprojeto.Trabalho com carteira assinada,cuido das associação das mulheres e dogrupo de artesanato. Como vem muitoestrangeiro conhecer a reserva,o instituto já mandou até professora de inglês para cá.”

Edileuza Martins da Silva, Presidente da Associação dasMulheres de Vila Alencar e funcionária da Pousada Uacari

“Perdi a conta de quantas árvoreseu já derrubei. Namuí para fazer tábua e viga. Jacaraúba para viga. Samaúmapara compensado. Hoje sigo oregulamento da reserva e ensino outrosmoradores. Além de trabalhar na Pousadae ter salário, participo do programa deagricultura e planto mandioca, melancia,milho e abóbora, o que ajuda a melhorarmeu salário no fim do mês.”

Francisco Armino, ex-cortador de madeira, que hoje ézelador da Pousada Uacari.

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Em Cuiabá, Mato Grosso

Viva o Povo Brasileiro!

CIRCUITO

p o r M ô n i c a

T e i x e i r a

Brasil que inova

Orgulho é ser nacional

Tecnologia, capital e empregosnacionais: os diretores da profissio-nal Pelenova alegram-se ao ressal-tar a particularidade da empresa recém-nascida. O nome remete ao efeito principal da tecnologia quedesenvolveram – uma membranaque, aplicada sobre feridas crôni-cas,promove a regeneração do teci-do. A biomembrana, patenteada em60 países, constitui-se basicamentede proteínas assentadas sobre látex.Ela cura porque faz proliferar novosvasos sangüíneos. A Pelenova jálançou o Biocure, destinado a feri-das de pessoas diabéticas ou sub-metidas à imobilidade. A empresainova também na comercialização:vai vender o produto diretamente

aos hospitais. Em julho tinha 100clientes. No mercado internacional,uma pomada e uma outra membranaconcorrem com o Biocure. O preçode 12 gramas da pomada é 500dólares, enquanto que uma caixacom 20 biomembranas do Biocurecusta 28,50 reais. O preço, como sevê, é acessível ao bolso nacional –um compromisso que a empresa as-sumiu desde a criação. A Pelenovajá se prepara para lançar mais doisprodutos em 2005. A empresa éuma sociedade anônima de capitalfechado. Entre os acionistas, estãoOzires Silva (diretor presidente) eUbilar Oliveira, empresário do MatoGrosso do Sul que fez o primeiroinvestimento.

O senhor todo orgulhoso ao ladodo Presidente mostra que a idéia deinovar ganhou o País. Eri Araújo, daTornearia Joeri, recebeu de Lula oPrêmio Finep para pequenas em-presas inovadoras do Centro-Oeste.Nordestino, 50 anos, nenhum diplo-ma, já depositou dois pedidos depatente no INPI: de um empilhador

de hambúrger, construído para aunidade local da Sadia; e de umcarregador de algodão, a ser usadona colheita. Eri investe em P&D: vi-sita o campo para entender o pro-blema, concebe e confecciona pro-tótipos. Espera receber a primeiraajuda oficial este ano, da Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado.

Apoio à inovação

CNPq chamaempresas...

Grupo de pesquisa só pode con-correr junto com empresa: essa éa inovação nas regras do editaldo CNPq para nanotecnologia. Aidéia do MCT e da agência éapoiar “projetos de pesquisaaplicada”desenvolvidos emcooperação. Os nanoprodutos ounanoprocessos com mais chancede receber até 300 mil reais deapoio serão aqueles queenvolvam sensores, biotecnolo-gia, magnetismo e materiaisnanoestruturados. As empresasdevem contribuir com a contra-partida mínima obrigatória de15% do valor do projeto. O prazose esgota dia 31 de agosto.Resultados, dia 8 de outubro.

... e Finepchama Estados

O Amazonas saiu na frente:cumpriu em maio as exigênciasdo Programa de Apoio à Pesquisana Empresa (Pappe), da Finep,que repassa recursos do FundoVerde Amarelo para inovação seo Estado oferecer contrapartida.Bahia, Mato Grosso do Sul, MatoGrosso, Rio Grande do Sul,Sergipe e Goiás também já assi-naram convênios, num total de7,5 milhões de reais. Para operíodo de 2004 a 2005 há 87milhões de reais previstos para oPappe. A exigência de que oEstado apresentasse certidãonegativa de débito com a Uniãovinha sendo empecilho para queas Fundações de Amparo rece-bessem recursos. A Finep já acei-ta que apenas a Fundação apre-sente a certidão negativa – oque levará à assinatura imediata,entre outros, dos convênios como Paraná e com Santa Catarina.

74 Desafios • agosto de 2004

Para inovar mais

Na estruturaÉ tarefa complexa levar peque-

nas e médias empresas a investirem inovação. Para chegarem a is-so, precisam antes superar defi-ciências em finanças, gestão, pro-dução, distribuição –ou seja, emtoda sua estrutura. A constataçãoestá na pesquisa “Como Ala-vancar a Inovação Tecnológicanas Empresas”, realizada pelaAnpei, a Associação Nacional dasEmpresas Inovadoras. Como nuncaenfrentam de forma sistêmicaessa questão estrutural, as políti-cas públicas para pequenas emédias sempre falham. O estudoda Anpei – coordenado pelos eco-nomistas Mauro Arruda e RobertoVermuln – sugere que, sem medi-das indutoras de mudança radicalnos fundamentos dessas empre-sas, não haverá investimento parainovar. Ao final, o trabalho (quetambém aborda as grandes empre-sas) recomenda soluções inovado-ras. Procure em www.anpei.org.br.

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Desaf ios • agosto de 2004 75

No laboratório USP

Caminho novo na pesquisa sobre o câncer

Deu na Nature

Menos foi mais

Sobre genomas e seu papel navida, reprodução e morte das célu-las, há mais mistérios do que acobertura triunfalista das mídiasdeixa entrever. Um dos territóriosmisteriosos cerca a pergunta so-bre quais funções podem desem-penhar certos pedaços dos genesremovidos pela maquinaria celular.A remoção acontece durante ointrincado caminho que vai do DNA(matéria-prima dos genes), até aformação das proteínas, verda-deiras rainhas da vida das células.

Financiados pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado deSão Paulo, Sérgio Verjovski-Almei-da e seu grupo de pesquisa do Ins-tituto de Química da USP acabamde botar um tijolinho na descons-trução do mistério. O grupo usamicroarrays como ferramenta deanálise – chips de vidro sobre oqual um robô dispõe materialgenético. No curso de sua investi-gação, Sérgio decidiu montarmicroarrays justamente com aque-les trechos postos de lado.

Estudando material coletado emcélulas de tumores de próstata, seugrupo encontrou uma correlaçãosignificativa entre o grau de ma-lignidade desses tumores e a ativi-dade dos trechos desprezados –mas não desprezíveis, como sesabe agora. Pela primeira vez ficoudemonstrada a relação entre eles eo câncer, doença hoje vista essen-cialmente como derivada de de-feitos genéticos celulares.

Os trechos cuja função o grupoda USP estudou são chamados, nalinguagem técnica, de não-codifi-cantes e antisense – palavra ingle-sa que indica a particularidade deserem lidos pela máquina bioquí-mica no sentido contrário ao habi-tual. Uma patente para a proteçãodo método está sendo depositada, ehá uma empresa interessada emexplorá-lo comercialmente, dado oseu potencial de informar sobre aevolução da doença. O artigo foipublicado na revista Oncology,disponível no endereçowww.nature.com/onc.

Há mais no artigo sobre o im-pacto científico das nações do que o fato de 31 países (entre eles oBrasil) produzirem 97,5% da ciênciado mundo. O autor, David King, doEscritório de Ciência e Tecnologiabritânico, ressalta a força científicada Inglaterra –”segundo em númerode citações, perdendo apenas paraos Estados Unidos”– e atribui esseresultado, curiosamente, aos cortesno investimento governamental emC&T de 1980 a 1995. A escassez,afirma, fez os pesquisadores pro-curarem a indústria. A partir de1995, o governo voltou a investir,mais decisivamente. Até 2015, dizKing, a Grã-Bretanha pretendeaplicar 2,5% do PIB em ciência einovação.

Se você é bom aluno e querentrar no MIT, atenção: ócioconta ponto na seleção.A ino-vação vem do espanto da pró-reitora de admissões, MarileeJones. Ela perguntou a seusestudantes com o que sonha-vam acordados. Descobriuque os alunos não sonhamacordados, porque vivem so-brecarregados de obriga-ções. Por isso, abriu espaçopara os candidatos dizerem aque se dedicam por gosto. Naturma que ingressa em se-tembro, calcula Jones, entre1.665 calouros, 50 conquis-taram a vaga por aquilo quefazem –ou deixam de fazer–por puro prazer.

Bons sonhos

No laboratório IBM

Miragem atômica

O microscópio de tunelamentopermite “ver” átomos, e abre tam-bém a possibilidade de dispor áto-mos em posições determinadas. Aimagem abaixo registra o que acon-tece quando pesquisadores “dese-nham”uma elipse, colocando 36átomos de cobalto (os picos amare-los) sobre um substrato de cobre.Seoutro átomo, de cobalto magnético,é conduzido até o foco da elipse àdireita –o pico lilás,mais alto–, qualo resultado? Os átomos da elipse e

do foco interagem, como se no ou-tro foco da elipse houvesse um 38ºátomo... que não está lá! Mesmoassim, o microscópio o registra soba forma do ponto lilás à esquerda.Explicação? Tem a ver com a natu-reza ondulatória da matéria. Nome?Miragem quântica. Para que serve?Para conhecer os mistérios do mun-do. Essa miragem apareceu noslaboratórios da IBM – que investeem nanociências para criar novosprodutos, um deles já no mercado.

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76 Desafios • agosto de 2004

ESTANTE

Reformas no Brasil: Balanço e AgendaAutores: Fabio Giambiagi, José GuilhermeReis e André UraniEditora Nova Fronteira, 560 p., R$ 59

Reformandoo Brasil

Globalização para todos os gostos

Em defesa da globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobresAutor: Jagdish BhagwatiEditora Elsevier-Campus, 368 p., R$ 69,90

Este é um livro escrito por pessoasque acham que o Brasil é um país ex-traordinário, mas complexo de enten-der e difícil de governar, como se lê naorelha, assinada pelo ex-ministroPedro Malan. São 26 autores que refle-tem sobre o muito feito e o muito quehá por fazer para que o Brasil encontreo caminho do crescimento sustenta-do. Mas não se trata apenas de umacoletânea de opiniões, são avaliaçõesconcretas e propostas de soluções. Umbom exemplo está no capítulo 10, deautoria do organizador Fabio Giambi-agi, no qual é sugerida a criação de umpiso para o superávit primário no va-lor 2% do PIB. Ele argumenta que esselimite sinalizará que o ajuste fiscal éduradouro e dará às autoridades uminstrumento formal para resistir àspressões por mais gastos. Não seria àtoa que o livro tem o prefácio de nin-guém menos que o ex-presidente Fer-nando Henrique Cardoso.

O economista indiano Jagdish Bhag-wati da Columbia University pergunta, nofrontispício dessa obra, se o mundo preci-sa de mais um livro sobre a globalização. Apergunta é pertinente, pois, desde a popu-larização desse conceito no início dos anos90, rios, talvez oceanos de tinta já foramvertidos em prol ou contra a globalização.O movimento antiglobalizador – que se vêcomo altermundialista, sem jamais ter ex-plicado de que seria feito esse “outro mun-do” – deve seu sucesso ao fenômeno quevitupera em encontros movidos mais atranspiração do que a inspiração.

O propósito de Bhagwati é outro: nematacar, nem elogiar, mas explicar comofunciona esse processo em todos os seusaspectos e ver o que fazer para aperfeiçoá-lo. Os maiores beneficiários são, obvia-mente, as multinacionais, mas os pobresdos países emergentes também vêem suaprosperidade aumentar, como o provammilhões de chineses e indianos. Os an-tiglobalizadores agitam temores, mas nãodão provas concretas de que ela produzapobreza, concentração de renda ou des-truição das culturas nacionais.

A primeira parte do livro é justamentededicada à compreensão do movimentocontrário à globalização, constatando, noentanto, que ela é benéfica não só doponto de vista econômico, mas tambémsocial. Na segunda parte, o autor analisa asimplicações sociais, examinando a distri-buição da riqueza pelo comércio e traba-lho (com redução da exploração de crian-ças), a promoção das mulheres, da culturae da democracia. Mostra que os benefíciosdos investimentos diretos são muito supe-riores aos problemas.

A terceira parte aborda os aspectos “in-

cômodos” da globalização: movimentosde capitais de curto prazo e fluxos de pes-soas. Bhagwati não apóia a liberalização fi-nanceira e critica o “complexo Wall Street-Tesouro” (que engloba instituições, comoo FMI e o Banco Mundial). Ele comprova,com satisfação, que a ultraliberal The Eco-nomist acabou rendendo-se às suas teses.Aquarta parte quer fazer a globalização fun-cionar melhor e aqui também Bhagwati sedistancia dos antiglobalizadores, pois pre-coniza o gerenciamento adequado pelosorganismos multilaterais que eles querementerrar. O autor discorda, portanto, deque a globalização necessite de uma facehumana: isso ela já tem, mas pode-se sem-pre melhorá-la. Em conclusão, Bhagwatirecomenda um pouco menos de paixão eum pouco mais de razão aos críticos daglobalização.

Paulo Roberto de Almeida

([email protected]; www.pralmeida.org)

livros e publicações

Estanteok 8/3/04 23:01 Page 76

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Origens e itinerário do desenvolvimento brasileiro

Desenvolvimento no Brasil e na América Latina:uma perspectiva históricaAutor: Albert Fishlow Editora Paz e Terra, 340 p., R$ 40

A caracterização de brasilianista tem si-do comumente aplicada, no Brasil, aos es-tudiosos norte-americanos das áreas de ci-ências sociais, do contrário um economis-ta como Albert Fishlow já teria há muitomerecido o título de brasilianista emérito,junto com Werner Baer. Poucos economis-tas teóricos e aplicados detêm um currícu-lo tão vasto e tão diversificado sobre o Bra-sil e a América Latina quanto esse antigoaluno do historiador econômico Alexan-der Gerschenkron, com quem ele certa-mente aprendeu algumas lições a respeitodas “vantagens do atraso”.

Autor ou co-autor de mais de 14 livrose de centenas de artigos e ensaios – deze-nas deles sobre o Brasil –, Fishlow é extre-mamente conhecido nos círculos de estu-diosos da economia brasileira, mas não ti-nha ainda sido contemplado com umacompilação de seus trabalhos sobre nosso

país e a região. A lacuna acaba de ser fe-chada graças à feliz iniciativa de EdmarBacha, que selecionou os melhores escri-tos das últimas três décadas, e podemoscomprovar que Fishlow pode ser tranqüi-lamente equiparado aos grandes comoRaul Prebisch, Celso Furtado ou AlbertHirshmann.

Diretor de tese de muitas das melhorescabeças da economia aplicada brasileira e formador das primeiras equipes que se dedicaram ao planejamento econômico,Fishlow não pode ser considerado nem um“estruturalista” nem um “neoliberal”. Ele éum profissional completo e pragmático.Reconhece o papel do Estado no desenvol-vimento brasileiro, mas aponta as insufi-ciências sociais do processo. Sustenta teo-ricamente seus argumentos, mas tambémos dota de provas empíricas e sabe colocarnosso itinerário em perspectiva histórica e

também em visão comparada com os paí-ses asiáticos. Impossível não experimentarum crescimento do PIB intelectual com aleitura deste livro de tão grandes externali-dades positivas. [P.R.A.]

Desaf ios • agosto de 2004 77

Livre comércio não é fórmula mágica

Como colocar o comércio global a serviçoda populaçãoKamal Malhotra (Coordenador)Edição: Ipea/Pnud/Enap, 479 p., R$ 45

Neste livro analisa-se o comércio glo-bal à luz de seus efeitos sobre o desenvolvi-mento humano. Segundo os autores, a li-beralização comercial não assegura auto-maticamente esse desenvolvimento. Ascondições sociais e institucionais, tantointernas como externas, desempenhampapel importante na determinação dasvantagens que um país ou grupo de pessoas poderão obter da globalização do comércio.

De acordo com sua avaliação do impac-to da liberalização comercial sobre os paí-ses em desenvolvimento, a experiência dosque tiveram sucesso na integração no co-mércio globalizado oferece duas lições im-portantes. Primeira, a integração econô-mica é resultado do crescimento e do de-senvolvimento bem-sucedidos, e não umpré-requisito para eles. A segunda lição é ade que as inovações institucionais internas

são parte integrante das estratégias de de-senvolvimento que dão certo.

A discussão apresentada pode ser re-sumida em quatro princípios básicos: ocomércio é um meio para alcançar umfim, e não um fim em si mesmo; as regrascomerciais devem levar em conta a diver-sidade das normas e das instituições na-cionais; os países devem ter o direito deproteger suas instituições e prioridades dedesenvolvimento; e nenhum país tem odireito de impor suas preferências institu-cionais aos outros.

A edição em português é resultado deuma parceria entre o Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), o Programadas Nações Unidas para o Desenvolvimen-to (Pnud) e a Escola Nacional de Adminis-tração Pública (Enap), com apoio do Es-critório da Fundação Ford no Brasil e doInternacional Institute of Education, de

Londres. O lançamento será no dia 6 de se-tembro na sede da Enap, em Brasília.

A edição foi coordenada por KamalMalhotra, com a participação de NilüferÇagatay, Dani Rodrik e da equipe doThird World Network.

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INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

78 Desafios • agosto de 2004

Uma faca de dois gumesDepois das pressões sofridas durante o

processo de reajuste do salário mínimo, o go-verno acabou autorizando a vinculação doaumento do mínimo, em 2005, à taxa de cresci-mento do PIB. Essa decisão junta duas variáveiscom comportamentos muito diversos. Enquanto osalário mínimo persegue apenas a manuntençãode seu poder de compra, o PIB dá saltos e mer-gulhos reais dependendo dos bons ou maus ven-

tos da economia. O gráfico abaixo mostra o queteria acontecido ao mínimo caso seu crescimen-to tivesse sido vinculado ao do PIB em dife-rentes épocas. Se a vincluação tivesse ocorridohá 30 ou 20 anos, a menor remuneração na-cional seria hoje bem mais alta, porém, se a de-cisão tivesse sido tomada há dez anos, o valordo mínimo seria inferior ao atual, por conta dofraco desempenho do PIB na última década.

Projeções Ipea

Salário mínimo e PIB

DADOS BÁSICOSPIB trimestral 387.72 R$ bilhões 2004 T1Variação a.a 2.66%PIB 1.514.92 R$ bilhões 2003Variação a.a -0.22%PIB per capita 2.782 R$ 2003Variação a,a -1.49%IDH 0.775 72ª pos 2002

INDÚSTRIAProdução (2002=100) 107,00 % maioVar mês anterior 2.69 %Var mesmo mês ano ant 9.86 %

COMÉRCIO VAREJISTAVendas (2003=100) 108.56 % maioVar mês anterior 4.44 %Var mesmo mês ano ant 5.33 %Vendas Indústria (1992=100) 210.22 % maioVar mês anterior 1.61 %Var mesmo mês ano ant 17.94 %

COMÉRCIO EXTERIORExportacões 8,92 US$ bi julhoImportacões 5,51 US$ bi julhoSaldo 3,48 US$ bi julhoSaldo acum no ano 18,53 US$ bi jan a julho

RENDAMédia real 898,75 R$ maioVar mês anterior 1,80% %Var mesmo mês ano anterior 0,20% %

INVESTIMENTOSEstrangeiros Diretos 737,20 US$ milhões junhoAcumul 12 meses 10,687,50 US$ milhões

DÍVIDA PÚBLICATotal 948,24 R$ bilhões junho%PIB 56.0 % junhoGov Fed e Bco Central 596,27 R$ bilhões junho%PIB 35.2 % junhoEstados e Municípios 337,05 R$ bilhões junho%PIB 19.9 % junhoEstatais 14,92 R$ bilhões junho%PIB 0.9 % junho

DÍVIDA EXTERNALíq Setor Público 176,61 R$ bilhões junho%PIB 10.4 % junho

BALANÇO DE PAGAMENTOSSaldo em transações corr 2.085 US$ milhões junhoVar mesmo mês ano ant 433,0 %

Valor do salário mínimo vinculado ao PIB

700

600

500

400

300

200

100

0

1974

1977

1980

1983

1986

1989

1992

1995

1998

2001

2004

Rea

is d

e ju

nho

de 2

003

Valor real

Se vinculado em 74

Se vinculadoem 84

Se vinculadoem 94

360350340330320310300290280270

2003 2003 2003 2003 2004 2004 2004 2004T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4

Projeção do Comportamento dos Índices de Preços

% B

ase

1993

=100

3.7

3.5

3.3

3.1

2.9

2.7

2.5

3.492

3.986 2.935

2.900 2.896

3.0453.121

3.153

2003 2003 2003 2003 2004 2004 2004 2004T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4

Projeção da Cotação do Dólar Venda - Média

R$

/US

$

20.5

20

19.5

19

18.5

18

17.5

17

16.5

20,0

18,7

2003 2003 2003 2003 2004 2004 2004 2004T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4

Projeção da Taxa de Investimentos Preços Correntes

% P

IB

18,1

17,2

18,2

19,2

109876543210

2003 2003 2003 2003 2004 2004 2004 2004

T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4

Projeção do Saldo da Balança Comercial

US

$ F

OB

bilh

ões

6.9

8.9

6.87.2

IGP-DI

IPA-DI

Projeção

Real

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), calcula uma série de indicadores,entre eles projeções do comportamento de temas macroeconômicos. Os gráficos abaixo apresentam asprojeções para preços, cotação do dólar, taxa de investimentos e balança comercial.

703.15

453.64

260.00

228.84

Font

e:Ip

eada

ta/IB

GE/P

nud/

CNI/B

anco

Cen

tral/S

ecex

Projeções calculadas a partir da taxa realde crescimento do PIB aplicada a valoresdo salário mínimo deflacionados pelo INPCFonte: Ipeadata

19,819,6

indicadores1 8/3/04 23:04 Page 78

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Desaf ios • agosto de 2004 79

Brasil e Argentina

Principais produtos comercializados

Brasil e Argentina - jan a jun 2004

Exportações ParticipaçãoAutomóveis 15.43%Tratores e colheitadeiras 6.19%Motores e chassis para veículos 4.55%Minério 4.42%Compostos químicos 3.53%Aparelhos para telecomunicações 3.44%Componentes para veículos 2.31%Semimanufaturados de ferro 1.16%Pneus novos 0.98%Refrigeradores 0.73%

Importações ParticipaçãoDerivados de petróleo 15.98%Trigo 15.13%Compostos químicos 7.86%Automóveis 6.97%Componentes para veículos 4.93%Malte 1.38%Herbicidas 0.96%Alho 0.83%Couros e peles 0.82%Batatas 0.79%Fonte: Secretaria do Comércio Exterior (SECEX); Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Saldo da Balança Comercial Brasil-Argentina

1500

1000

500

0

-500

-1000

-1500

-2000

-2500

1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

US

$ F

OB

milh

ões

Intercâmbio comercial Brasil/Argentina

9.000

8.000

7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0

US

$ F

OB

milh

ões

Exportação

Importações BrasileirasPrincipais Países Vendedores - 1999 a 2004

França 4%

Itália 4%

Coréia 2%

Japão 5%

China 3%

Alemanha 9% Argentina 11%

EUA 22%

Inglaterra 2%

Exportações BrasileirasPrincipais Países Compradores - 1999 a 2004

Belgica-Lux 3%

Itália 3%México 3%

Japão 4%

China 4%

Alemanha 4%

Holanda 5% Argentina 8%

EUA 24%

Inglaterra 3%

Um casamento sempre em crise

Importação

Principais conflitos comerciais Brasil-Argentina

1995Automóveis

1997Alimentos, remédiose têxteis

1999Frango, leite,calçados e aço

2000Automóveis

2001Bens de capitale carnes

2003Têxteis

2004Eletrodomésticos,suínos,têxteis e automóveis

511645

8.023

6.769

Um olhar sobre a história recente do rela-cionamento entre Brasil e Argentina mostra umasucessão de crises cujas fontes ficam claras aose estudar os números do comércio. A primeiraconstatação é que o Brasil compra mais do quevende. Nos últimos dez anos, a balança pendeusempre para o lado argentino, exceto em 2004,até agora. Mas ao abrir os containeres do co-mércio exterior, descobre-se uma diferença fun-damental.Na lista das mercadorias exportadas,asprimeiras dez categorias são de produtos indus-

trializados, enquanto na lista dos importados,cinco entre as dez primeiras categorias são deprodutos básicos. Ou seja, esse comércio ajuda aazeitar a roda do desenvolvimento brasileiro en-quanto enferruja a dos argentinos. Apesar dasdivergências, o comércio entre os dois paísescresceu muito nos últimos vinte anos, ficando noano passado num patamar entre quatro e cincovezes os níveis de 1984. Tudo indica que, comocostuma acontecer, o casamento em crise vaibem obrigado, e não se desmanchará.

Fonte: Secretaria do Comércio Exterior; Min. do Desenv, Ind e Com Ext

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Fonte: Secretaria do Comércio Exterior; Min. do Desenv, Ind e Com Ext

indicadores1 8/3/04 23:05 Page 79

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80 Desafios • agosto de 2004

Perfil sócio-econômico

IDH2002

Vara.a

PIB %Part mundial

PIB%var

% Taxadesemprego

% Taxainflação

PIB US$per capita*

PIB US$per capita PPC

PIBUS$ bilhões

2003

BRICBrasil -0,2 497,85 1,38 2.869,55 8.015,24 14,8 9,4 0,777Rússia 7,3 434,22 1,20 3.029,66 9.000,60 13,7 13,4 0,766Índia 7,4 575,31 1,59 538,41 2.704,41 3,8 n/d 0,590China 9,1 1.409,86 3,90 1.087,24 4.899,86 1,2 4 0,721MERCOSUL E CHILEArgentina 8,7 129,74 0,36 3.389,11 11.012,67 13,4 19,6 0,849Paraguai 2,3 5,78 0,02 980,62 4.220,99 14,2 8,2 0,751 =Uruguai 2,5 11,20 0,03 3.314,15 11.513,43 19,4 15,3 0,834Chile 3,3 72,05 0,20 4.556,63 9.992,05 2,8 7,8 0,831NAFTAEUA 3,1 10.985,45 30,38 37.756,11 36.519,65 2,3 5,8 0,937México 1,3 626,08 1,73 6.111,75 9.069,59 4,5 1,9 0,800Canadá 1,7 866,92 2,40 27.442,09 30.935,84 2,7 7,7 0,937UNIÃO EUROPÉIAAlemanha -0,1 2.408,59 6,66 29.201,04 27.351,10 1,1 8,7 0,921França 0,2 1.754,26 4,85 28.535,83 26.345,23 2,2 8,9 0,925Itália 0,3 1.470,93 4,07 25.589,27 26.750,59 2,8 9 0,916Reino Unido 2,3 1.798,57 4,97 30.155,53 26.929,30 1,4 5,1 0,930ORIENTEJapão 2,7 4.301,82 11,90 33.719,74 27.574,16 -0,2 5,4 0,932MUNDO 3,9 36.163,37 100,00 987,61 3,7

Comércio mundial

US$ milhões Valorde Exportações

US$ milhões BalançaComercial Saldo

% VarImportação a.a.

% Var Exportação a.a.

US$ milhões Valor de Importação

Part %Comércio mundial

2003

BRICBrasil 22.418,8 0,82 73.084,0 21,08 50.665,2 2,14 Rússia 52.722,9 1,43 81.654,1 23,26 134.377,0 25,46 China 24.837,0 5,63 437.899,0 34,49 413.062,0 39,94 Índia (14.725,4) 0,84 55.981,5 13,53 70.706,9 25,11MERCOSUL E CHILEArgentina 15.536,6 0,29 29.349,9 14,16 13.813,3 53,66 Paraguai n/d n/d n/d n/d n/d n/d Uruguai n/d n/d n/d n/d n/d n/d Chile 1.633,4 0,27 19.412,6 12,89 21.046,0 15,78NAFTAEUA (581.605,0) 13,44 723.805,0 4,32 1.305.410,0 8,56 Canadá 27.718,0 3,43 272.739,0 8,06 245.021,0 7,70 México (13.107,0) 2,28 165.396,0 2,93 178.503,0 1,07UNIÃO EUROPÉIAAlemanha 146.752,0 8,94 748.465,0 22,18 601.713,0 22,32 França (4.888,0) 4,87 365.684,0 17,22 370.572,0 18,98 Itália 1.200,0 3,83 290.200,0 14,00 289.000,0 17,00 Reino Unido (76.527,0) 4,53 304.185,0 10,09 380.712,0 13,50 ORIENTEJapão 88.887,0 5,66 471.817,0 13,22 382.930,0 13,56MUNDO 100,00 7.445.690 16,03 7.657.780 16,63

Font

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