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Artigo do pastor luterano Valdir Steurnagel referente à comissão de Cristo a Seu povo.

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  • A grande comisso: vamos v-la de novo!

    Valdir Steuernagel

    Doutor em missiologia, Valdir Steuernagel foi presidente da Viso Mundial e da Fraterni-dade Teolgica Latino-Ameri-cana. E pastor Luterano. 2007 Misiopedia de esta edi-cin. Tomado de A misso da Igreja

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    D i z e m p o r a que h multides em nosso prprio pas e dentro da nossa rea imediata de ao que so to ig-norantes do Evangelho quanto os aborgenes do Pac-fico Sul. Portanto, dizem, ns temos trabalho suficiente em casa, sem precisarmos ir a outros pases. Que h em nossa prpria ter-ra milhares que esto o mais distante possvel de Deus, eu admito. Tambm um fato que esta realidade deveria nos desafiar a sermos dez vezes mais diligentes no nosso trabalho, procurando divulgar o conhecimento de Deus entre eles. Mas dizer que, por causa disto, todas as tentativas de divulgar o Evangelho em outras terras deviam ser abandonadas carece de provas.

    A igreja em evangelizao tarefa de cada gerao

    Quando William Carey (1761-1834) apresentou a um grupo de pas-tores, na Inglaterra do sculo XVIII, as suas idias acerca da misso da igreja, disseram-lhe: Jovem, sente-se. Quando Deus quiser con-verter os pagos, ele o far sem a sua ajuda ou a minha.

    Mas William Carey no era de ficar sentado. A viso que cres-cia dentro dele acerca da tarefa evangelizadora no lhe permitia sos-segar. Quando em 1792 ele publicou o seu (hoje) clssico panfleto titulado Um estudo acerca das obrigaes dos cristos quanto ao uso de meios para converter os pagos, alguns ouvidos comearam a se sensibilizar. Como conseqncia, foi fundada a pequena e tmi-da Sociedade Missionria Batista, com o objetivo de evangelizar o mundo. Carey, que era sapateiro e pastor, foi um dos primeiros frutos de sua prpria viso missionria, e por quarenta anos ininterruptos viveu como missionrio na ndia, onde faleceu. A marca da vocao prtica e do discurso missionrio de Carey foi muito alm de seu es-pao geogrfico de atuao transcultural, e no sem mrito que ele veio a ser chamado de Pai das Misses Modernas. O impacto de sua vida ainda hoje uma fonte de inspirao para muitas pessoas; o seu lema continua a desafiar novas geraes de obreiros transcul-turais: Espere grandes coisas de Deus; arrisque grandes coisas para Deus.

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    A historiadora Ruth Tucker sintetiza o impacto missionrio e mis-siolgico de Carey da seguinte forma:

    Carey morreu em 1834, no sem antes deixar a sua marca na ndia e nas misses de todos os tempos. Sua influncia naquele pas ultrapassou seus empreendimentos lingsticos impressio-nantes, suas instituies educacionais e os seguidores cristos

    que pastoreava. Ele causou tambm notvel impacto sobre pr-ticas indianas nocivas atravs de sua luta contra a queima de

    vivas e o infanticdio. Mesmo assim, em outros aspectos, procu-rou deixar a cultura local intacta. Carey era avanado para o

    seu tempo quanto metodologia missionria. Ele mostrava um respeito reverente pela cultura hindu e jamais tentou importar

    substitutos ocidentais, como procuraram fazer tantos mission-rios que vieram depois dele. Seu objetivo era fundar uma igreja

    nativa atravs de pregadores locais, fornecendo as Escrituras na lngua do povo, e foi a essa finalidade que dedicou sua vida.

    Uma das grandes contribuies de Carey foi tentar acordar a Igre-ja de seus dias para a necessidade da evangelizao mundial. J antes dele, principalmente atravs dos irmos morvios, o Protestantismo havia ensaiado alguns passos na dana missionria, mas estava muito longe de ocupar todo o espao desse salo de baile que promove a vida. A prpria Reforma no havia abraado como sua a tarefa missionria da Igreja e at aos dias de Carey ainda no se vivia sob o signo de uma compreenso da misso que envidasse esforos missionrios alm dos muros da cristandade j estabelecida. O prprio Carey lutou contra este conceito no seu j mencionado panfleto, aps lamentar que a tarefa de levar o Evangelho at aos confins da terra no havia sido abraada com zelo nos ltimos anos:

    At parece que muitos pensam que a [grande] comisso foi sufi-cientemente posta em prtica atravs dos apstolos e outros, [a tal ponto] que ns j temos o suficiente para fazer na busca da salvao dos nossos compatriotas; e que, se Deus quiser salvar os pagos, ele ir, de um jeito ou de outro, traz-los para o Evan-gelho ou levar o Evangelho at eles.

    Outra resistncia obra missionria, segundo Carey, o argu-mento de que devido ao ministrio excepcional e peculiaridade e uni-cidade do mandato ministerial dos apstolos no automtico concluir que o mandato da evangelizao mundial seja extensivo s geraes fu-turas. Porm, se o mandato para a evangelizao mundial fosse dirigido somente aos apstolos, argumenta Carey, ento o mesmo deveria dizer-se da ordenana quanto ao batismo, o que obviamente no o caso. Segundo Carey, preciso insistir na evangelizao e usar as portas que se abrem para o cumprimento desse mandato: A misericrdia, a atitude humanitria, e, sobretudo, o cristianismo, nos convocam, em alto e bom som, a fazermos todo o esforo possvel para apresentar o Evangelho [aos pagos].

    A luta de Carey para fazer com que a igreja do seu tempo acor-

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    dasse para a sua tarefa evangelizadora em mbito universal mantm sua atualidade: a) a prpria igreja precisa, sempre, ser desafiada para a tarefa da evangelizao; b) a Grande Comisso no caduca e a tarefa missionria nunca termina, precisando ser abraadas de maneira nova por cada gera-o; c) as grandes instituies religiosas tm uma tendncia inata de voltar-se para dentro de seu prprio universo e de suas necessidades, perdendo de vista o carter da universalidade imanente sua prpria vocao eclesiol-gica; d) o despertar missionrio surge, vez aps vez, como uma iniciativa da periferia dos centros decisrios, ou, como dizia Gustavo Warneck, dos silenciosos da terra at poderamos dizer, dos sapateiros da vida...

    por tudo isto que queremos convidar o leitor para um novo dilogo com a Grande Comisso dada por Jesus sua Igrejaporque de perene relevncia, seja para os dias de Carey, seja para os nossos dias.

    Mateus 8.16-0: preciso ler de novo!

    Um amigo meu, j falecido, compartilhou sua experincia com um jovem de origem petencostal que veio bater porta de sua casa e que, em resposta pergunta por um versculo bblico, lhe respondeu com a Grande Comis-so segundo o Evangelho de Marcos, onde sinais e milagres so parte inte-grante do mandato da evangelizao. Era uma resposta adequada para um pentencostal, mas na boca de um evanglico histrico seria prazerosamen-te substituda pela Grande Comisso segundo o Evangelho de Mateus.

    A Grande Comisso segundo o Evangelho de Mateus tem-se tornado uma espcie de palavra de ordem de importantes segmentos do movimento evangelical moderno. Esta acaba sendo, por vezes, uma leitura bastante se-letiva da Grande Comisso, na qual se abraa com mais carinho o versculo 19 especialmente o assim chamado Ide e Fazei discpulos do que os outros versculos dessa mesma comisso:

    Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda autoridade me foi dada no cu e na terra. Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Esprito San-to, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias at consumao dos scu-los (Mt. 28:18-20).

    A Grande Comisso no apenas no deve ser dissecada segundo prioridades que no lhe sejam prprias, como, ainda, no um texto soli-trio que possa ser trabalhado revelia dos demais. O texto ganha em rele-vncia quando lido e interpretado no contexto dos versculos que lhe fazem companhia e quando interpretado no contexto da totalidade do Evangelho de Mateus. David Bosch dizia que preciso ler a percope conclusiva de Mateus luz de todo o seu Evangelho:

    Os ltimos versos de Mateus 28 constituem, de fato, sob vrios as-pectos, um resumo do Evangelho. Vrios dos temas que tm um papel im-portante atravs de todo o Evangelho so reiterados pela ltima vez: a co-munidade dos discpulos, a Galilia, a montanha, a dvida dos discpulos e a sua adorao a Jesus. Mais especificamente, a percope final poderia

    Os ltimos ver-sos de Mateus 28

    constituem, de fato, sob vrios

    aspectos, um resumo do Evan-

    gelho.

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    ser considerada como um paralelo histria da tentao de Jesus (Mt. 4:1-11), que antecedeu o seu ministrio pblico. Estas duas passagens antitticas moldam todo o ministrio de Jesus e apontam, respectiva-mente, para uma interpretao falsa e uma interpretao correta da misso do Filho de Deus.

    O final do Evangelho de Mateus, que cresce na sua compreenso da tarefa missionria da casa de Israel para todas as naes rico na sua integrao da experincia ministerial do Jesus histrico com a ordem missionria do Jesus ressuscitado. Era na Galilia (por excelncia, o lugar do ministrio e da aceitao de Jesus) que os mes-mos discpulos com exceo de Judas Iscariotes deviam encontrar aquele que de forma simples continuava sendo chamado apenas de Je-sus. Seria no monte (em Mateus, lugar de revelao) que tal encontro se materializaria. E, no por ltimo, os discpulos vieram a este encontro oscilando entre a dvida e a adorao, o que no era a primeira vez.

    Segundo Bosch, a palavra adorar (prostrar-se) ocorre treze ve-zes no Evangelho de Mateus e apenas duas vezes em Marcos e Lucas. Ademais, indica uma relao de submisso e adorao a Deus somente, conforme expressa por Jesus na sua resposta ao tentador em Mateus 4:10: Ento Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satans, porque est escrito: Ao Senhor teu Deus adorars, e s a ele dars culto. Tanto em Mateus 14:33 como em Mateus 28:17, quando os discpulos adoram o Mestre, o texto adquire um colorido litrgico que expressa a unidade entre Deus e Jesus, o qual passa a ser, igualmente, objeto de adorao. quase estranho, no entanto, que a palavra adorao venha acompanhada da palavra dvida, que, como tal, aparece apenas em Mateus. Adorao e dvida, que j apareceram lado a lado na dramtica experincia de Mateus 14:22ss, quando Jesus andou sobre o mar, caracterizam o en-contro derradeiro e definitivo entre Jesus e os discpulos: E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram (v. 17). Ao colocar adora-o e dvida lado a lado, este texto ganha uma dimenso profundamen-te humana e realista.

    O grupo de discpulos que vai ao encontro do Jesus ressuscitado uma pequena comunidade humana, cheia de conflitos e dvidas. E desta forma como uma comunidade que simultaneamente adora e duvida que os discpulos so recebidos por Jesus. A obedincia no necessariamente elimina a dvida e nem a dvida dispensa a obedin-cia. , ainda, a essa comunidade de discpulos que encomendada a Grande Comisso.

    Se, por um lado, essa comisso conferida como um mandato de confiana, o Evangelho claro ao afirmar que Jesus quem detm toda a autoridade, no cu e na terra. A autoridade ampla e irrestrita de Jesus a base sobre qual est edificada a Grande Comisso. A afir-mao desta autoridade de Jesus no emerge da desconfiana, mas de uma palavra de conforto e esperana: se este Jesus, que acaba de vencer a morte, detm toda a autoridade sobre cus e terra, ento possvel arriscar a obedincia. A comisso um convite para uma experincia, agora em carter universal, integral e escatolgico.

    Ao colocar ado-rao e dvida lado a lado, este texto ganha uma dimenso profundamente humana e rea-lista.

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    A Grande Comisso um mandato ao discipulado universal que, selado pelo batismo, tem uma base trinitria. No temos espao suficiente, no contexto desta anlise, para abordar a questo do batismo e sua relao com a evangelizao e a base trinitria da misso. preciso dizer, no en-tanto, que a evangelizao deve produzir igreja (relao fundamental entre evangelizao e formao de comunidade) e deve estar a servio do Deus Trino, que criador, redentor e consumador (relao profunda entre cria-o, redeno e consumao).

    Temos de reconhecer que, por vezes, a nossa evangelizao tem-se concentrado demasiadamente no indivduo, numa dimenso vertical de sal-vao, no estando devidamente atrelada formao de uma comunidade ao servio do Deus Trino. A descoberta de que a evangelizao, a comuni-dade dos batizados e o seu servio aos propsitos do Deus Trino esto in-ter-relacionados tem enriquecido a nossa caminhada evangelizadora nestas ltimas dcadas.

    Qual poder-se-ia perguntar o segredo ou a nfase maior des-ta Grande Comisso, verdadeiro centro nervoso de todo o Evangelho de Mateus? Em primeiro lugar, deve-se atentar para o portanto que constri uma ponte entre os versos 18 e 19. Isto significa que a misso universal derivada da autoridade universal de Jesus. A Grande Comisso est atrela-da e emoldurada pela declarao da autoridade de Jesus e pela promessa da sua presena no seio da Igreja at consumao do sculo (v. 20). H, tambm, um sentido de totalidade que no apenas marca a autoridade de Jesus, mas tambm se estende tarefa evangelizadora. Observe-se que a palavra todo aparece quatro vezes: Toda autoridade, todas as naes, todas as coisas que vos tenho ordenado e estou convosco todos os dias. No pouca coisa que se promete, mas tambm no pouca coisa que se exige daqueles a quem se diz Ide, portanto.

    Este ide tem recebido uma nfase acentuada entre setores do evan-gelicalismo nas ltimas dcadas, como ttulo e tema de muitos livros. O que devemos perguntar, no entanto, se possvel isolar o ide do seu contexto e construir sobre ele, por exemplo, uma teoria de evangelizao com uma forte nfase na locomoo geogrfica. Concordo com Bosch em que o verbo central da Grande Comisso, fazei discpulos (no modo im-perativo, no original grego), qualificado pelas expresses ide, bati-zando e ensinando (os quais, no original, so particpios contnuos). Assim, o ide no uma ordem separada que tenha sentido em si mesma, mas d um matiz de urgncia, continuidade e determinao ao imperativo do discipulado, que visa trazer pessoas a Jesus, o Senhor, onde quer que elas estejam. Se esta percepo for correta, batizar e ensinar no so passos dissociados do processo do discipulado, mas, sim, parte integral dele, cons-tituindo, todos esses elementos juntos, a totalidade do envio missionrio ao mundo. Logo, qualquer segmentao entre evangelizao, discipulado e servio perde o sentido, porque a tarefa de fazer discpulos abarca todas as dimenses da f e dura a vida toda, num estado permanente de relaciona-mento de dependncia e aprendizado de Jesus e com a comunidade de f.

    Convm ressaltar, ainda, a tarefa de ensinar que, conforme Mateus, significa guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. Em vrios se-

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    tores da igreja universal tem-se enfatizado o velho slogan de que a nos-sa tarefa levar o Evangelho todo ao mundo todo e pessoa toda. Creio que a crescente igreja evanglica na Amrica Latina deveria cer-rar fileira com este slogan, enfatizando que a nossa evangelizao deve estar a servio de um Evangelho que afeta a pessoa em todas as reas da sua vida. Isto significa que a propagao do Evangelho tem um forte colorido coletivo; individual, mas tem uma inerente dimenso social; uma mensagem de conforto, mas demanda um claro compromisso tico; desencadeia uma espiritualidade teraputica, mas conduz a um inequvoco pacto com a justia; produz igreja, mas uma igreja que deve estar concretamente enraizada na comunidade global dos seres huma-nos e na busca por uma vida justa e digna para todos. Quanto mais estivermos ao servio deste Evangelho integral que afeta todas as reas da vida, tanto mais estaremos ao servio do Deus Trino. E esta ser adorao verdadeira que, como o sacrifcio de Abel, ser acolhida pelos cus.

    No podemos abandonar o texto da Grande Comisso sem ouvir de novo seu final: E eis que estou convosco todos os dias at a consu-mao do sculo. A esperana da presena contnua do Senhor ressus-citado constitui uma forte motivao para a nossa obedincia tarefa da evangelizao mundial. A evangelizao se faz na conscincia de ser-mos abraados por Jesus, com os nossos olhos postos na consumao. Se bem que a volta de Cristo no seja a motivao maior ou central para a evangelizao, ela tem uma conotao escatolgica. A evangelizao, o discipulado e o servio so marcas inequvocas de uma igreja que aguarda a volta do seu Senhor.

    Esta caminhada rpida por entre os meandros da Grande Comis-so nos convoca a uma experincia renovada com a obedincia evan-gelizadora, na conscincia da presena confortadora e imperativa de Jesus. O resultado desta conscincia no apenas uma evangelizao a qualquer preo, mas uma evangelizao com sensibilidade pastoral, es-copo transcultural e alcance integral. Ou seja, uma evangelizao que leva a srio o ensino e o compromisso com todo o conselho de Deus. A evangelizao, a comunidade da f e o compromisso com o Deus Trino esto intimamente relacionados. Este raciocnio tem uma slida base bblica e deveria colocar uma p de cal sobre qualquer tentativa de se reduzir o Evangelho a uma dimenso verticalista e intimista e/ou sobre uma eventual ausncia da necessidade imperativa de uma evangeliza-o a servio do Reino de Deus.

    Mateus 8:16-0 em dilogo com Joo 0:1 e Lucas :18-19A redescoberta da centralidade de Lucas 4:18-19 no ministrio de Jesus e suas conseqncias para a missiologia contempornea tem sido um fenmeno de grande relevncia para a vida eclesial na Amrica Latina, nestas ltimas dcadas. O texto de Lucas, o assim chamado programa de Nazar, tem sua relevncia derivada no apenas por expressar o cumprimento de uma expectativa messinica alimentada por geraes

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    no seio do povo de Israel, mas tambm pela forma como esta expectativa messinica foi cumprida em Jesus e pelos parmetros que ele estabeleceu para a nossa prtica missionria.

    Com a leitura programtica de Isaas 61:1-2, Jesus assume clara-mente a tradio veterotestamentria que enxergava a expectativa messi-nica sob a tica do servo sofredor. Jesus encarna esta expectativa e, de forma coerente, sistemtica e cotidiana, concretiza-a no decorrer do seu ministrio. Essa sua messianidade, reveladoramente escondida na sua vida e ministrio de servo, tornou-se alegria para uns e desespero para outros. Entre as muitas facetas espelhadas neste ministrio sobressaem aquelas que carregam a marca maior da dor, do sofrimento e da necessidade:

    O Esprito do Senhor est sobre mim, pelo que me ungiu para evan-gelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertao aos ca-tivos e restaurao da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitvel do Senhor (Lc. 4:18-19).

    O irromper do ano aceitvel do Senhor ocorre na concretizao dos sinais do reino semeados pelo prprio Jesus: esperana para os perdi-dos, abrao para as crianas, aceitao para os marginados, libertao para os oprimidos, cura para os enfermos, dignidade para as mulheres, alcance aos gentios (as etnias do mundo inteiro). O Reino tornou-se realidade pre-sente e palpvel na vida e ministrio de Jesus; os seus receptores no eram os tradicionais intrpretes da tradio e da intuio religiosa, mas, sim, o demoniado que foi liberto, Zaqueu que experimentou a salvao, o coxo que agarrou sua cama e saiu saltitando feliz, o centurio estrangeiro que reconheceu a autoridade universal de Jesus. O Reino ganhou as ruas, ex-plodiu as tradies, despediu vazios os ricos e convidou para a celebrao da vida aqueles que pareciam condenados a amargar o infindvel crculo da morte. O Reino a vida e a vida caracteriza o Reino; tudo isto somente possvel por causa de Jesus e em nome de Jesus.

    Jesus colocou esta vivncia e compreenso do ministrio como mo-delo para a igreja no exerccio da sua misso. Esta inter-relao modelar entre a misso de Jesus e a misso da igreja a nota particular e distintiva da Grande Comisso segundo o Evangelho de Joo. Isto evidente tanto na verso expressa antes da ressurreio, tanto no contexto da orao sa-cerdotal (Jo. 17:18), quanto depois dela: Assim como o Pai me enviou, eu tambm vos envio (Jo. 22:21). John Stott argumenta que a Grande Comisso segundo Joo a sua verso fundamental, ainda que a mais ignorada, por ser a mais custosa ou a mais difcil. Stott incisivo no seu argumento:

    De forma deliberada e precisa [Jesus] colocou a sua misso como modelo para a nossa quando disse: Assim como o Pai me enviou, assim tambm eu vos envio. Conseqentemente, deduzimos a nossa compreenso da misso da igreja da nossa compreenso da misso do Filho. Por qu? Como o Pai enviou ao Filho?

    Ao estabelecer uma clara ponte entre a misso de Jesus e a misso da igreja hoje, Stott prioriza o servio. Como j demonstramos em outro lugar, o servio uma decorrncia inevitvel da encarnao que leva a igreja ao

    Esta inter-relao modelar entre a

    misso de Jesus e a misso da igreja

    a nota particu-lar e distintiva da Grande Comisso

    segundo o Evange-lho de Joo.

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    caminho dos mais pobres e necessitados, como Jesus o fez, inclusive programaticamente, a partir de Lucas 4:18-19. Stott traa a inter-relao entre a evangelizao e a ao social da seguinte forma:

    Tratei de demonstrar que a forma joanina da [Grande Comis-so], segundo a qual a misso da igreja deve modelar-se na [misso] do filho, traz implcita a idia de que somos enviados ao mundo para servir e que o servio humilde que prestaremos abranger, assim como se deu com Cristo, tanto palavras como obras, preocupao pela pessoa e pela enfermidade tanto do corpo como da alma; em outras palavras, [implicar] tanto a atividade evangelizadora como a [atividade] social.

    Se lermos a Grande Comisso de Mateus em conjunto com a de Joo entenderemos e nos apropriaremos de Lucas 4:8-19 sob uma nova perspectiva. Mateus, Lucas e Joo so todos irmos e esto a ser-vio de uma mesma causa: seguir, no esprito e na perspectiva da mis-so, as pegadas do mestre da Galilia.

    Concluso

    A Grande Comisso nos convida e desafia para a evangelizao de for-ma individual e comunitria. Ademais, essa evangelizao tem um ca-rter universal e descortina, aos olhos da igreja, um mundo cujas ml-tiplas fronteiras devem ser trabalhadas com a palavra e a vivncia do Evangelho. Ao colocarmos essa evangelizao na sua base trinitria, ganharemos em solidez bblica e estaremos no rumo de uma prtica missionria que consegue posicionar-se num mundo criado por Deus e carente de justia.

    A evangelizao desemboca no discipulado e este, na evangeli-zao. O discipulado no opcional; um processo fundamental para qualquer vivncia crist que pretenda ser fiel ao Senhor que envia e que queira crescer no aprendizado de guardar todas as coisas que vos tenho ordenado (Mt. 28:20). Ademais, o discipulado visa edificao comunitria e no consiste apenas num programa de mera capacitao crist individual.

    preciso no esquecer a presena do batismo na Grande Co-misso. Com ele se mantm a nota eclesiolgica em harmonia com a melodia do discipulado. Ou seja, se o discipulado edifica a comunida-de, o batismo sela a integrao do indivduo no seio da comunidade de f, a igreja de Jesus Cristo. E, no por ltimo, deve-se destacar que a Grande Comisso inteira encontra sua razo de ser no ressuscitado, cuja presena constante a fonte da vida e da esperana que alimentam a caminhada da obedincia at consumao do sculo (Mt. 28:20).