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AGROALIMENTARIA Vol. 21, Nº 40; enero-junio 2015 123 Niederle, Paulo André 2 Recibido: 14-11-2013 Revisado: 08-01-2014 Aceptado: 18-02-2014 1 Este artigo sintetiza os principais resultados da tese de doutoramento defendida pelo autor junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/ UFRRJ). O autor agradece ao CNPq e a CAPES pelo financiamento da pesquisa e a UMR Innovation (CIRAD, INRA, SupAgro) e Université Lyon II pelo apoio à realização da pesquisa de campo na França. 2 Doutor em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ, Brasil). Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Campus do Vale, Porto Alegre, RS - Brasil. CEP 91509900. Telefone: +51-33086956; e- mail: [email protected] INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA VINHOS NO BRASIL E NA FRANÇA: OS NOVOS COMPROMISSOS VALORATIVOS FRENTE AO MERCADO GLOBAL 1 RESUMO RESUMEN A nova geografia do mundo dos vinhos impulsiona movimentos de crítica que interrogam posições e hierarquias historicamente consolidadas. No centro desses movimentos encontra-se um processo desigual de apropriação dos dispositivos de Indicação Geográfica (IG) nos novos países produtores, mas também a reformulação dos mesmos no «velho mundo vitivinícola». O artigo analisa os compromissos valorativos que sustentam as novas posições dos territórios vitivinícolas no mercado global. Provenientes de pesquisa conduzida entre 2009 e 2011 no Brasil (Serra Gaúcha) e na França (Languedoc e Beaujolais), envolvendo observação direta e entrevistas com produtores, comerciantes e gestores públicos, os resultados revelam como, apesar de histórias agrárias distintas, esses territórios convivem com um desafio similar de reconstrução dos dispositivos de valorização pela origem. Em ambos os contextos é notório o potencial das IGs na valorização dos ativos territoriais que distinguem o produto. Não obstante, é igualmente manifesto um processo de apropriação setorial desse dispositivo de qualificação por meio do qual ele passa a catalisar inovações exógenas consideradas indispensáveis para os produtores enfrentarem o novo contexto do mercado internacional, colocando em risco a tipicidade do produto ligada ao seu terroir. Palavras-chaves: sociologia econômica, indicações geográficas, mercado, qualidade, vinho La nueva geografía del mundo del vino origina movimientos de crítica que interrogan las posiciones y jerarquías históricamente consolidadas. En el centro de estos movimientos está un proceso desigual de apropiación de los dispositivos de Indicación Geográfica (IG) en los nuevos países productores, sino también la reformación de esos dispositivos en el «viejo mundo». Este artículo analiza los compromisos valorativos que apoyan las nuevas posiciones de las regiones vinícolas en el mercado global. Desde una investigación realizada entre 2009 y 2011 en Brasil (Serra Gaúcha) y Francia (Languedoc y Beaujolais), que implicó observación directa y entrevistas con productores, comerciantes y gestores públicos, los resultados manifiestan cómo, a pesar de historias agrarias diferentes, estos territorios relevan un problema similar de reconstrucción de los dispositivos de calificación de los productos alimentarios por su origen. En ambos contextos, es claro el potencial de las IG en la valoración de los activos de los territorios que distinguen el producto. Sin embargo, el trabajo también revela un proceso de apropiación sectorial de este dispositivo a través del cual no solo se pasa a catalizar innovaciones exógenas consideradas indispensables para los productores frente al nuevo contexto de mercado internacional, sino que pone en peligro la tipicidad del producto vinculada a su terroir. Palabras clave: indicaciones geográficas, mercado, vino, calidad, sociología económica

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Vol. 21, Nº 40; enero-junio 2015 123

Niederle, Paulo André2

Recibido: 14-11-2013 Revisado: 08-01-2014 Aceptado: 18-02-2014

1 Este artigo sintetiza os principais resultados da tese de doutoramento defendida pelo autor junto aoPrograma de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). O autor agradece ao CNPq e a CAPES pelo financiamento da pesquisa e a UMR Innovation(CIRAD, INRA, SupAgro) e Université Lyon II pelo apoio à realização da pesquisa de campo na França.2 Doutor em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ, Brasil). Professor do Departamento de Sociologia daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço: Universidade Federal do Rio Grandedo Sul - Campus do Vale, Porto Alegre, RS - Brasil. CEP 91509900. Telefone: +51-33086956; e-mail: [email protected]

INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS PARA VINHOSNO BRASIL E NA FRANÇA: OS NOVOS

COMPROMISSOS VALORATIVOS FRENTE AOMERCADO GLOBAL1

RESUMO

RESUMEN

A nova geografia do mundo dos vinhos impulsiona movimentos de crítica que interrogam posições ehierarquias historicamente consolidadas. No centro desses movimentos encontra-se um processo desigualde apropriação dos dispositivos de Indicação Geográfica (IG) nos novos países produtores, mas também areformulação dos mesmos no «velho mundo vitivinícola». O artigo analisa os compromissos valorativosque sustentam as novas posições dos territórios vitivinícolas no mercado global. Provenientes de pesquisaconduzida entre 2009 e 2011 no Brasil (Serra Gaúcha) e na França (Languedoc e Beaujolais), envolvendoobservação direta e entrevistas com produtores, comerciantes e gestores públicos, os resultados revelamcomo, apesar de histórias agrárias distintas, esses territórios convivem com um desafio similar dereconstrução dos dispositivos de valorização pela origem. Em ambos os contextos é notório o potencialdas IGs na valorização dos ativos territoriais que distinguem o produto. Não obstante, é igualmentemanifesto um processo de apropriação setorial desse dispositivo de qualificação por meio do qual ele passaa catalisar inovações exógenas consideradas indispensáveis para os produtores enfrentarem o novo contextodo mercado internacional, colocando em risco a tipicidade do produto ligada ao seu terroir.Palavras-chaves: sociologia econômica, indicações geográficas, mercado, qualidade, vinho

La nueva geografía del mundo del vino origina movimientos de crítica que  interrogan las posiciones yjerarquías históricamente consolidadas. En el centro de estos movimientos está un proceso desigual deapropiación de los dispositivos de Indicación Geográfica (IG) en los nuevos países productores, sinotambién la reformación de esos dispositivos en el «viejo mundo». Este artículo analiza loscompromisos valorativos que apoyan las nuevas posiciones de las regiones vinícolas en el mercado global.Desde una investigación realizada entre 2009 y 2011 en Brasil (Serra Gaúcha) y Francia(Languedoc y Beaujolais), que implicó observación directa y entrevistas con productores, comerciantes ygestores públicos, los resultados manifiestan cómo, a pesar de historias agrarias diferentes, estos territoriosrelevan un problema similar de reconstrucción de los dispositivos de calificación de los productosalimentarios por su origen. En ambos contextos, es claro el potencial de las IG en la valoración de losactivos de los territorios que distinguen el producto. Sin embargo, el trabajo también revela un procesode apropiación sectorial de este dispositivo a través del cual no solo se pasa a catalizar innovacionesexógenas consideradas indispensables para los productores frente al nuevo contexto de mercadointernacional, sino que pone en peligro la tipicidad del producto vinculada a su terroir.Palabras clave: indicaciones geográficas, mercado, vino, calidad, sociología económica

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RÉSUMÉ

ABSTRACTThe new geography of the wine world boost critical movements that question positions and hierarchieshistorically consolidated. In the center of these movements there is an uneven process of appropriation ofthe Geographical Indications (GI) in the new producing countries, but also its reformulation in the oldworld of wine. The paper analyzes the qualitative commitments that support the new positions of the wineregions in the global market. From recent research conducted between 2009 and 2011 in Brazil (Serra Gaúcha)and France (Languedoc and Beaujolais), involving direct observation and interviews with producers, tradersand policy makers, the results reveal how, in spite of different agrarian histories, these regions are facing asimilar challenge to reconstruct the product quality linked to the origin. In both contexts it is manifest thepotential of GIs to qualify the territorial assets that distinguish the product. Nevertheless, it is alsoevident a process of sectorial appropriation of the GI through which this mechanism is used to catalyzeexogenous innovations considered indispensable for producers in the face of the new global market context,but that endanger the typicality of the product linked to the terroir.Key words: Economic sociology, geographical indications, quality, wine market

La nouvelle géographie du monde du vin déclenche des critiques qu’interrogent des positions et des hiérarchieshistoriquement consolidées. Ces mouvements de critique révèlent un processus inégal d’appropriation desdispositifs d’Indication Géographique (IG) par les nouveaux pays producteurs, mais aussi la métamorphosede ces dispositifs dans le contexte de l’ « ancien monde » du vin. L’article analyse les compromis quisoutiennent les nouvelles positions des régions viticoles dans le marché mondial. À partir de recherchesréalisées entre 2009 et 2011 au Brésil (Serra Gaúcha) et en France (Languedoc et Beaujolais), impliquantl’observation directe et des entretiens avec des producteurs, des négociants et des agents de l’état, lesrésultats indiquent que, malgré des histoires agraires différentes, ces territoires sont en face d’un défisimilaire de reconstruction des dispositifs de valorisation des produits alimentaires par l’origine. Dans lesdeux pays, le potentiel des IG en termes de valorisation de ressources territoriales qui distinguent le produitn’est plus à démontrer. Néanmoins, émerge un processus d’appropriation sectorielle à travers lequel les IGdeviennent un catalyseur d’innovations exogènes. Ces innovations, considérées indispensables pour que lesproducteurs puissent faire face à la nouvelle conjoncture du marché mondial, tendent pourtant à mettre endanger la typicité du produit liée à son terroir.Mots-clé : Indication géographique, marché, sociologie économique, qualité, vin

1. INTRODUÇÃOAs Indicações Geográficas constituem uma dasexpressões mais eloqüentes da consolidação deuma economia de qualidades no setoragroalimentar, isto é, de uma nova configuraçãoinstitucional que tem desafiado as ciências sociaisa produzir ferramentas analíticas paracompreender o funcionamento dos mercados eo comportamento dos atores econômicos(Callon, Méadel & Rabéharisoa, 2002). O mer-cado vitivinícola é exemplo paradigmático destanova configuração, onde diferenciação esegmentação passaram a constituir os esteiosfundamentais da criação de valor (Porter, 2009).Mais do que em qualquer outro segmentoeconômico, é na produção e consumo de vinhosque as IGs se revelam absolutamenteindispensáveis. Compreender a dinâmica deste

mercado, principalmente considerando-se amagnitude do processo de globalização que omesmo presenciou na última década, torna im-perativa a análise do desenvolvimento recentedeste instrumento de propriedade intelectual(Niederle & Gelain, 2013).

Originalmente concebidas como mecanis-mos jurídicos para coibir fraudes e adulterações,notadamente no que concerne ao uso indevidode falsa procedência, atualmente as IGsincorporam um componente evidente dediferenciação qualitativa. Além de reconhecer aorigem específica dos produtos, elas operamcomo dispositivos que visam comunicar aos con-sumidores diferentes princípios qualitativos. Oapelo à origem continua sendo o fio condutordos projetos, mas ele entrelaça-se com outrospara formar um complexo nó de atributos

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qualitativos, envolvendo não apenas caracterís-ticas inerentes ao produto, mas também umconjunto de elementos intangíveis, todosinstitucionalizados em normas, selos eregulamentos de produção que orientam aspráticas dos atores sociais.

Expressões conceituais de um modelo pós-fordista de produção e consumo alimentar, asIGs também ensejam uma revalorização detradições, costumes, práticas e outros bensimateriais associados a uma identidade territo-rial específica. Neste sentido, compõem umaestratégia de qualificação que enfatiza oenraizamento dos produtos nos territórios ondesão produzidos. Ao qualificar ativos intangíveisque são de difícil transposição para outrosterritórios, elas são inclusive percebidas comocatalisadoras de processos de desenvolvimentolocal. Não obstante, esse dispositivo não emergenecessariamente em oposição às dinâmicashegemônicas no sistema agroalimentar em ter-mos de globalização, padronização eoligopolização dos mercados (Bowen, 2012).

No mundo dos vinhos as IGs revelaram aexpressão máxima de um estilo de produçãoassentado na valorização dos territórios e emmétodos tradicionais de viticultura e vinificação.Elas constituíram um contraponto fundamen-tal a um modelo industrial que procurava supe-rar os limites impostos pela natureza, traduzindoa uniformização das técnicas e cultivares emvinhos padronizados, cujas qualidades sensoriaisdeveriam atender à crescente uniformização dosgostos (Lotty, 2010). Este conflito continuasendo evocado na literatura e, de modo geral, érepresentado por uma dicotomia básica queexpõe, de um lado, «vinhos de terroir» prove-nientes do velho mundo vitivinícola e, de outro,«vinhos varietais» oriundos do novo mundo.Contudo, as transformações recentes do mer-cado global redefiniram toda a arquitetura domondovino, transfigurando a vida das regiõesvitivinícolas e produzindo metamorfosesconsideráveis nas relações econômicas e napaisagem social e natural (Niederle, 2012).

Estas transformações levaram muitosanalistas a um diagnóstico de crise, cujos fatorescausais associam-se a um movimentoheterogêneo de globalização dos circuitos detroca e transnacionalização dos principais con-glomerados produtivos, acompanhado de um

processo mais ou menos intenso definanceirização (Torres, 2005; Coelho &Couderc, 2006; Zen, 2010). Não obstante, acrise também pode ser interpretada a partir daemergência de novas convenções qualitativas quedesafiam as classificações e hierarquias até entãoestabelecidas (Boltanski & Chiapello, 1999). Oscontornos da nova estrutura do mercado aindanão estão completamente definidos, mas já épossível notar uma crescente imbricação entremodelos produtivos que, até recentemente,configuravam «mundos hostis» (Zelizer, 1994).Os compromissos gestados na tentativa desuperação da crise demonstram que aestabilização de um novo arranjo organizacionale institucional deverá superar o dualismo atéentão prevalecente entre novo e velho mundovitivinícola.

Neste contexto, as IGs ganham um sentidomais amplo e controverso. Elas não são apenasum instrumento de protecionismo utilizado pelaUnião Européia para salvaguardar o mercadocomunitário da invasão dos vinhos varietais dospaíses do novo mundo (Josling, 2006).Crescentemente incorporadas aos sistemas ju-rídicos destes mesmos países, a apropriação dasIGs e sua readequação a novos contextosprodutivos revela uma mudança substancial nomodo como este instrumento é empregado. Maisdo que reconhecer e proteger o saber-fazerassociado a formas tradicionais de produção, osprojetos de IG estão construindoconhecimentos, identificando terroirs,redefinindo práticas produtivas e catalisando aemergência de novas estruturas organizacionais.A IG torna-se uma ferramenta dedesenvolvimento, organização dos produtores,agregação de valor e, inclusive, de redefinição daidentidade e tipicidade dos produtos.

Cabe notar, todavia, que essastransformações não se processam apenas emvirtude da incorporação das IGs nos sistemasjurídicos dos países do novo mundo. Mudançassignificativas também estão em curso nos paísesmais tradicionais, onde as IGs efetivamenteemergiram como instrumentos de qualificaçãoe distinção. As recentes reformas nos sistemasde qualidade e a constituição de um quadroinstitucional comum para as IGs no âmbitoeuropeu revelam uma reformatação deste ins-trumento que, em certa medida, se processa emresposta às mudanças no mercado global.

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A partir de resultados de pesquisa3 conduzidaem três regiões vitivinícolas (Serra Gaúcha, noBrasil; Languedoc e Beaujolais, na França), esteartigo argumenta a existência de um processocontraditório e articulado de institucionalizaçãodas IGs. Ao mesmo tempo em que este instru-mento destaca o vínculo do vinho com o terroire o patrimônio local (ecológico e cultural), eleincita transformações mais ou menos radicaisdos métodos de viticultura e vinificação, dasrelações de produção e da própria paisagem, le-vando os atores a movimentar-se intermitente-mente entre tradição e inovação. Neste caso,reconhecer os aspectos dinâmicos do terroir edas tradições é uma condição indispensável parapensar a evolução dos projetos. Por outro lado,é fundamental que as inovações nãocomprometam a identidade do território e atipicidade do produto ligada à sua origem. É preci-so que o produto continue «fazendo sentido»para as pessoas, sendo reconhecido pelacomunidade como expressão de sua cultura(Bérard & Marchenay, 2008). Nem sempre astransformações se processam deste modo. Soba pressão de um mercado cada vez mais contin-gente e competitivo, as mudanças podemameaçar a tipicidade do produto, de modo que aproliferação de normas e regras de produçãopode vir associada à padronização dos processosprodutivos e homogeneização do produto(Delfosse, 2007).

Para além desta introdução, o artigo estáorganizado em mais cinco seções. A próximaseção analisa as principais transformações nomercado vitivinícola mundial, situando as opor-tunidades e pressões que se impõem às regiõesprodutoras integradas às cadeias globais de va-lor. A seção subseqüente discute odesenvolvimento das IGs na principal regiãoprodutora de vinhos no Brasil, a Serra Gaúcha.Em seguida, são analisadas as mudanças dos sis-temas de reconhecimento e qualificação pelaorigem em curso em duas importantes regiõesvitivinícolas francesas, Beaujolais e Languedoc.Para acabar, as considerações finais apresentamas principais conclusões do estudo.

3 Entre 2009 e 2011 foram realizadas 47 entrevistascom diversos agentes da cadeia produtiva e gestoresterritoriais nas três regiões estudadas. Além disso,os procedimentos envolveram técnicas deobservação e pesquisa documental. Para odetalhamento da metodologia sugere-se consultarNiederle (2011, pp. 27-34).

2. O «NOVO ESPÍRITO» DO MUNDODOS VINHOSO contexto atual do mercado vitivinícola sugereuma transformação radical que ocorre não ape-nas em virtude do reposicionamento dos atoreslíderes na cadeia de valor, mas principalmente,pelo surgimento de novas convenções dequalidade. A emergência destas convenções de-fine os contornos iniciais de um «novo espírito»(Boltanski & Chiapello, 1999) para o mundo dosvinhos e desafia suas instituições basilares, colo-cando em xeque valores e classificações que seestabeleceram ao longo de décadas. Por sua vez,a estabilização do mercado passa por umentendimento comum de que a única alternati-va para manter-se competitivo é a «qualificaçãoda produção». Para tanto, produtores investemem múltiplas estratégias de diferenciação, dentreas quais as indicações geográficas emergem comouma alternativa proeminente para certosterritórios.

Na última década uma percepção de crisegeneralizou-se no mercado vinícola. Em todolugar, a crise constituiu uma explicação genéricae insuficiente para uma confluência detransformações conjunturais e estruturais queintegram a superprodução de vinho, a queda doconsumo nos países tradicionais, a emergênciade novas regiões produtoras e a concentraçãodas vendas pelo grande varejo (OIV, 2012). Naorigem deste movimento, há umquestionamento do conjunto de regras, normase convenções que, historicamente, definiramuma hierarquia entre produtores, vinhedos,regiões e países. O denominador comum destasmudanças encontra-se no movimento deglobalização, percebido ele mesmo como aemergência de uma nova estrutura institucionalque desafia as fronteiras geográficas e semânticasque sustentaram diferentes modelos deprodução e consumo (Eymard-Duvernay,Favereau, Orléan, Salais & Thévenot, 2006).Mais do que uma desestabilização econômicageneralizada, a crise traduziu-se maiscorretamente na emergência de uma novaestrutura de mercado, isto é, de novasinstituições, organizações e estratégias compe-titivas4.

4 Em relação à estrutura setorial cabe destacar umprocesso de desconcentração geográfica da produçãoe do consumo, com a redução da importância re-lativados países mais tradicionais. Há pelo menos duas

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Juntamente com essa nova estruturapresenciou-se um processo de hibridização en-tre modelos de produção outrora antagônicos(sistemas de produção, mecanismos dequalificação, circuitos de comércio). Odesenvolvimento de novas regiões produtoras,com grandes empresas agindo segundo uma ló-gica industrial, colocou em cheque o modelopatrimonialista de produção e classificação dosvinhos, fundado na inscrição em territórios dis-tintivos (Niederle, 2011; Touzard, 2008). Noentanto, vários países que haviam rejeitado asIGs começaram a desenvolver de maneira acele-rada uma abordagem qualitativa que busca re-construir o vínculo entre o produto e sua origem.A propagação deste instrumento tornou-se re-veladora de dinâmicas contraditórias, onde apadronização de técnicas produtivas e hábitosde consumo são contestados pela revalorizaçãoda diversidade sociocultural e ecológica dosterritórios (Bérard & Marchenay, 2004).

Na França, principal e mais reputadoprodutor mundial de vinhos, o sistema tradicio-nal de classificação pelas regiões vitivinícolas foifortemente questionado por novas formas dequalificação, as quais prezam mais pela variedadeda uva e técnicas de produção do que peloenraizamento do produto em um território par-ticular. A supremacia dos grandes châteaux deBordeaux e da Bourgogne foi colocada à provado desenvolvimento acelerado de novas regiõesonde, até a década de 1980, a predominânciados vinhos de mesa, de antemão reputados comode baixa qualidade, não lhes permitia fazer fren-te ao conceito já consolidado pelos vinhosd’Appellation d’Origine Contrôlée. Ao mesmotempo, os produtores franceses viram-se diantede contingências derivadas da crescente invasãodas gôndolas dos supermercados por vinhos pro-venientes do novo mundo. O resultado foi aintrodução de reformas nos sistemas deprodução, certificação e controle, como aquelasprocessadas a partir de 2006 no Instituto Na-cional da Origem e da Qualidade (INAO).

décadas, França, Espanha, Itália e Portugal vêmcedendo espaço para países emergentes. Entre 1995e 2010, a Europa redu-ziu sua participação naprodução mundial de 78% para 66%. Hoje, EstadosUnidos, Ar-gentina, China, Austrália, Chile e Áfricado Sul estão entre os doze maiores produtoresmundiais de vinho.

No Brasil, o discurso da crise destacou –sobretudo – os efeitos da política monetária efiscal que, em um contexto de liberalizaçãoeconômica, impossibilitou a concorrência dosvinhos nacionais com aqueles provenientes deoutros países; em especial, os produtos chilenose argentinos que ocupam mais da metade domercado nacional de vinhos finos. Ao mesmotempo, a crise acirrou o conflito entre os doisgrandes modelos de produção característicos dosetor vitivinícola brasileiro. De um lado, um seg-mento de vinhos de mesa ainda amplamentedominante, mas que também foi seriamentecombalido, menos pela concorrência do vinhoimportado, do que pelo aumento do consumode bebidas alcoólicas mistas como sangrias ecoquetéis. De outro, um setor de vinhos finosque encontra dificuldades para ampliar aparticipação no mercado interno face à própriapreferência do consumidor brasileiro por outrasbebidas como cerveja e aguardente (IBRAVIN,2001).

Na medida em que se torna mais evidente aincapacidade de superar os novosconstrangimentos impostos pelo mercadoglobalizado, no Brasil e alhures o discurso da crisetorna-se «fora de moda», sobretudo quando seinsiste em equipará-la a outras situações simila-res do passado, o que frequentemente deriva noadjetivo de «cíclica». Um novo entendimentotem sido produzido acerca de umareconfiguração sem precedentes no mundo dovinho, cuja forma final ainda não é totalmentemanifesta. As incertezas que cercam este perío-do têm levado ao acirramento das críticas aosmodelos preestabelecidos, conjugada ànecessidade de estabilização de uma novaestrutura institucional (Fligstein, 2001). Portoda parte, o que se percebe são países, regiões eprodutores buscando redefinir as maneiras deproduzir, criando verdadeiros assemblages denormas, padrões e regras de produção.

Um dos principais resultados produzidos apartir dos compromissos emergentes é um con-junto de planos setoriais firmados em diversospaíses emergentes: Wine Vision nos EstadosUnidos, Vision 2020 na África do Sul, Strategy2025 na Austrália, Visão 2025 no Brasil. Estesprogramas de reestruturação foram constituídosneste contexto de mudanças da cadeia global devalor e expressam diagnósticos e prospecçõessimilares, sugerindo que a criação de vantagens

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competitivas dependerá da capacidade de cadaregião encontrar nos seus recursos específi-cos os diferenciais qualitativos que possamconferir uma espécie de «lucro monopolístico»– associando a definição schumpeteriana àespecificidade da origem. A qualidade é colo-cada no centro das novas estratégias e, comela, os diferentes mecanismos dediferenciação e segmentação. Ao mesmotempo, a (re) estruturação das IGs passa aconstituir uma resposta à perda decompetitividade das empresas e territórios.

De maneiras distintas, estas transformaçõesreproduzem-se nos países mais tradicionais. Ocaso mais vastamente referido na literatura éaquele do Languedoc. Outrora consideradoexpressão de um «mau terroir» vitícola e carac-terizado pela produção de vinhos de mesa, hojea região produz vinhos que concorrem com osmais renomados vinhos franceses (Touzard,1995). Desde a década de 1990, empreendedoresde outros países e regiões passaram a investir noLanguedoc em vinhedos com produção altamen-te tecnificada. Inicialmente, os vinhosproduzidos não foram reconhecidos pelos con-sumidores franceses, mas obtiveram sucesso nospaíses anglo-saxões, conquistando renome inter-nacional. A citação pelas mais importantes re-vistas e enólogos trouxe à tona umquestionamento em relação à rigidez e ao forteenquadramento institucional do modelo francês,que prima pela qualidade do vinho atrelada aoseu terroir (Garcia-Parpet, 2004). O conflitoentre os dois sistemas suscitou disputas entre oINAO e os produtores acerca da necessidadede novos parâmetros de classificação, levando àpaulatina incorporação de convençõesindustriais: métodos de condução da videira, usode insumos, irrigação, vinhos varietais, etc.

Atualmente, a característica marcante nãoapenas desta região, mas em todo o mundo dovinho, é coexistência entre os modelos. «Essaprodução mais padronizada coexiste com outramais preocupada em constituir-se a partir daespecificidade do terroir, de adegas particulares,mas também de grupos que, movidos por umaconcorrência crescente dos produtores de paí-ses do novo mundo, investem numa produçãomais distintiva» (Garcia-Parpet, 2004, p. 141).Muitas regiões têm encontrado estilos deprodução que conciliam a elaboração de vinhosvarietais com a delimitação de terroirs específi-cos. Como se vera à frente, no Languedoc essa

dinâmica é particularmente evidente nosvinhos com Indicação Geográfica Protegida(IGP). O mesmo também ocorre na SerraGaúcha e no Beaujolais, onde os produtorestêm buscado harmonizar inovações caracte-rísticas dos vinhos tecnológicos e estratégiasde diferenciação pela origem. Como se vera àfrente, embora essas regiões apresentemtrajetórias singulares, ambas encontram-seem face de crises cujos determinantes derivamda reestruturação do mercado global e, paraalém disso, comungam um anseio de construirum novo espaço no mundo dos vinhos, para oque a reestruturação dos sistemas de IGassume um papel central.

3. SERRA GAÚCHA: ESTRATÉGIASTERRITORIAIS NO NOVO CONTEXTODE ABERTURA COMERCIALA Serra Gaúcha é a principal região vitivinícolabrasileira. A produção vitícola baseia-se na amplaparticipação da agricultura familiar, representa-da por aproximadamente 12 mil pequenaspropriedades rurais que cultivam 31 mil hectaresde vinhedos. A produção vinícola deve-se à cer-ca de 600 produtores entre grandes empresas,cooperativas e cantinas familiares queindustrializam anualmente cerca de 350 milhõesde litros (Niederle, 2011).

Desde sua origem, a vitivinicultura regionalesteve assentada na produção de vinhos de mesa,o qual, sendo produzido a partir de variedadesde uvas americanas e híbridas nos porões dascasas dos agricultores, sob condições sanitáriasinconformes às exigências legais, sempre foi con-siderado como de «baixa qualidade». Já na déca-da de 1920, com o surgimento de uma categoriade negociantes, foram implantadas as primeirascantinas comerciais, responsáveis por umprocesso qualificação do produto e ampliaçãodo mercado para outras regiões. Na décadaseguinte, os circuitos de comércio atingiram ocentro do país, dando um novo impulso àcapitalização das cantinas e à formação de umsetor industrial (Jalfin, 1991). Contudo, apenasa partir dos anos 1960 a indústria presenciouum processo abrupto de transformaçõessociotécnicas, relacionado com o interesse dogoverno brasileiro em financiar a emergência deum moderno complexo agroindustrialvitivinícola. Este se formou a partir de contra-tos entre empresas brasileiras e estrangeiras, emespecial importadoras que emface das

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dificuldades estabelecidas pelo programa desubstituição de importações, decidiram investirdiretamente no setor industrial brasileiro.

Na década seguinte, a entrada de empresasmultinacionais como Chandon, De Lantier,Martini & Rossi e Forestier alterou o cenário doponto de vista dos atores líderes do mercado,levando ao enfraquecimento das vinícolasnacionais, sobretudo das cooperativas quevivenciaram grave crise neste período. Este mo-mento também marca uma inflexão fundamen-tal no que diz respeito ao inicio da estruturaçãode uma cadeia produtiva de vinhos finos. Noentanto, embora as inovações na vinificaçãotenham se dado de modo relativamente rápido ebem sucedido, no âmbito da produção vitícolaas mudanças foram pouco animadoras(Camargo, Protas & Mello, 2002). Mesmo comum processo gradual de reconversão de vinhedospara cultivares de Vitis vinifera, os padrões dequalidade ainda estavam longe de tornar oproduto brasileiro reconhecido no mundo dosvinhos.

Durante na década de 1980, a maior partedas indústrias locais sobreviveu em virtude dofechamento do mercado brasileiro àsimportações. Contudo, as barreiras à importaçãooriginaram uma situação particularmente nefas-ta à modernização do setor, uma vez que aindústria nacional conviveu com uma demandagrande e relativamente estável de vinhos de baixaqualidade e não se defrontava com concorrênciaque tornasse imperativos os processos deinovação e qualificação da produção (Protas,2008).

Esta situação alterou-se a partir da décadade 1990, com a perda de espaço no mercadointerno em virtude do novo contexto deintegração regional no âmbito do Mercosul, oque obrigou os produtores brasileiros a concorrercom produtos mais competitivos em qualidadee preço (Lapolli, 1995). Ao mesmo tempo, aperda de competitividade revelou-se noredirecionamento dos investimentos para outrospaíses. O fechamento de algumas empresasreduziu bruscamente a demanda de uvas.Aquelas que permaneceram ativas viram-sediante de uma enorme oferta de uvas e uma de-manda decrescente por vinhos nacionais. Aconseqüência imediata foi a redução dos preçospagos pela uva aos agricultores, colocando-osfrente a um contexto de forte vulnerabilidadesocial.

A resposta mais evidente a esta conjunturafoi a entrada em cena, também a partir da déca-da de 1990, de um conjunto de cantinas depequeno porte. Agricultores mais capitalizadosarticularam uma rede de vinícolas familiaresindependentes dos circuitos de produção ecomercialização controlados pelas grandes re-des varejistas. Estas cantinas apostaram emprodutos com diferenciais de qualidade e valoragregado, voltando-se para mercados específi-cos, sobretudo, através da venda direta aos con-sumidores. O principal impulso para estesempreendimentos foi o rápido crescimento doenoturismo na região.

As cantinas familiares demonstraram umacapacidade renovada de inovação e inserçãoeconômica. Setorialmente, as principaismudanças envolveram a crescente integraçãovertical com vistas a obter maior controle sobrea matéria-prima e diminuição de custos detransação. Com maior domínio sobre qualidadee escala, a integração constituiu uma dasprincipais vantagens competitivas destesempreendimentos vis-à-vis cooperativas eindústrias de maior porte, as quais têmdificuldades de verticalizar a produção em virtudedas condições topográficas e da estruturafundiária da região, que impedem a mecanizaçãocompleta da produção. Todavia, este processonovamente excluiu a maior parte dos viticultores,criando forte assimetria na distribuição dosganhos (Flores, 2007).

No plano territorial, o surgimento dasvinícolas familiares – atuando coletivamente apartir de suas associações – permitiu aconstituição de um novo ambiente institucional,o qual revela o inicio de uma fase dedesenvolvimento com fortes característicasendógenas. A constituição de uma rede de ato-res cuja proximidade espacial facilitou acirculação de informações e conhecimentosessenciais à inovação, tornou-se um fator deter-minante na reconfiguração das relaçõessocioeconômicas e políticas no território. O rit-mo das mudanças foi tão intenso que, em me-nos de duas décadas, atores sem expressão nocenário político local passaram a configurar umanova elite econômica e política (Flores, 2007)5.

5 O caso mais amplamente referido para mostrar apujança destes novos atores e as transformaçõesengendradas na dinâmica local é o da Vinícola Miolo.Fundada em 1989, a cantina iniciou suas atividades

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como fornecedora de vinho de mesa à granel paraengarrafadores de outros Estados. Em 1994,começou o engarrafamento do vinho com a marcada família e, desde então, a partir de um plano deparcerias com empresários nacionais e internacionais,a empresa expandiu-se até tornar-se líder de produção(Sato, 2004).

Aqui, é necessário retornar ao tema da aber-tura do mercado brasileiro aos vinhos importa-dos. Embora inicialmente as vinícolas familiarestenham encontrado espaço para crescer apos-tando em mercados diretos e no enoturismo,estas se defrontaram com enormes dificuldadespara expandir sua atuação para circuitos maisextensos. Neste período, o grande varejo foi in-vadido pelos vinhos importados que, entre 2002e 2011, viram sua fatia de mercado de vinhosfinos passar de 48% para 80%. Além da abertu-ra de mercado, os vinhos importadosbeneficiaram-se da valorização cambial do Reale do aumento do poder aquisitivo da populaçãobrasileira.

Desta situação derivou um entendimento deque a única alternativa duradoura para osprodutores brasileiros saírem de sua posiçãodesfavorável na cadeia de valor seria oinvestimento em inovações que possibilitassema produção de vinhos de qualidade com custoscompetitivos. As empresas nacionais lançaram-se em diferentes estratégias que, de modo geral,seguiram dois caminhos não excludentes. Emuma via seguiu-se para a implantação de vinhedosem novas regiões produtoras como a CampanhaGaúcha e o Vale do Rio São Francisco, buscandovinhos com qualidades diferenciadas e a reduçãodos custos pela ampliação da escala de produção,mecanização e qualidade sanitária dos solos. Emoutra, apostou-se na valorização de atributosterritoriais específicos, nomeadamente atravésda associação do produto com aspectos naturaise socioculturais de identidade e tradição. É nestesentido que começam a ser estruturados osprojetos de IG.

A proposição inicial das IGs partiu daEmbrapa Uva e Vinho. Em busca de alternativaspara retomar a competitividade no mercado, asvinícolas apostaram em um conceito propostopela principal empresa pública de pesquisaagropecuária (Tonietto, 2005). Assim, aEmbrapa passou a coordenar e articular em tor-no de si um amplo conjunto de atores eorganizações, constituindo uma espécie de «pon-

te» através da qual circulam recursos einformações elementares para a constituição dosprojetos: angaria recursos para odesenvolvimento dos estudos técnicos; articulatécnicos e especialistas para realizálos; integraas associações de produtores em torno de umprojeto comum de valorização e regionalizaçãoda produção, e intermedia contatos entre ato-res locais e organizações setoriais em nível na-cional e internacional (Niederle & Vitrolles,2010).

O primeiro projeto começou a ser discutidoa partir da constituição da Associação deProdutores do Vale dos Vinhedos(APROVALE) em 1995, a qual obteve oreconhecimento de sua Indicação deProcedência6 em 2002. Desde então, uma sériede projetos começaram a ser estruturados. Em2013, para além do «Vale dos Vinhedos» (agorareconhecido como Denominação de Origem,DO), também já estavam devidamente regis-tradas as IPs «Monte Belo», «Altos Montes» e«Pinto Bandeira», todas na Serra Gaúcha, alémdos «Vales da Uva Goethe», no Estado de SantaCatarina.

Para analisar o que está em jogo nainstitucionalização das IGs no Brasil serianecessária uma incursão detalhada sobre diver-sos aspectos referentes à construção dosprojetos. Não é possível fazer isso dentro doespaço reservado a esta seção (ver Niederle &Gelain, 2013). Portanto, o ponto de partida parapropor uma interpretação da dinâmica das IGsna vitivinicultura brasileira privilegiará um even-to que nos parece emblemático dastransformações em curso no territóriodiretamente associadas às reconfigurações domercado vinícola mundial, qual seja, a escolhadas cultivares de uva que expressam as caracte-rísticas do terroir local.

6 Segundo a legislação brasileira em vigor, existemduas categorias de IG, cada qual correspondendo aum instrumento jurídico específico. A Indicação deProcedência refere-se a um nome geográfico tornadoreconhecido pela produção, extração ou fabricaçãode determinado produto, ou pela prestação de dadoserviço, independentemente de outras características.Logo, ela diz respeito à reputação ou notoriedade.Por sua vez, a Denominação de Origem designa umnome geográfico de uma região ou território no qualum produto ou serviço é peculiar em virtude dequalidades diferenciais que se devam exclusiva ouessencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores

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naturais e humanos. Neste caso, o acento recai sobrecaracterísticas qualitativas (Lei Nº 9.279/1996). Comvariações conceituais que não serão exploradas nestemomento, essas duas categorias também sãoencontradas em outros contextos. Na França, as IGvitícolas são compostas por duas categorias:Appellations d’Origine Contrôlée (AOC) e Vins dePays. Doravante, no quadro da harmonizaçãoeuropéia, elas tornam-se, respectivamente,Denominação de Origem Protegida (DOP) eIndicação Geográfica Protegida (IGP).

Uma das definições mais importantes àconstituição de uma IG para vinhos diz respeitoàs cultivares autorizadas. Cada IG define umconjunto mais ou menos restritivo de cultivaresque podem ser utilizadas nos vinhos que almejamo uso do nome. Essa é uma forma de buscaridentidade e tipicidade para os produtos. Em tese,a escolha atua como uma institucionalização dopassado, referendando o trabalho coletivo dosviticultores ao longo de um processo históricode experimentação, melhoramento e adaptaçãodas cultivares. No entanto, esta definição apa-rentemente simples consiste em um processocomplexo e contraditório que envolve uma amplanegociação onde o apelo à tradição é apenas umaentre várias outras justificativas em jogo(Niederle & Vitrolles, 2010).

No Brasil, foram os produtores do Vale dosVinhedos os primeiros a se deparar com estaquestão: como «privilegiar» determinadascultivares dentre algumas dezenas produzidas naregião? Uma lista excessivamente restritainevitavelmente cometeria em problemas parao desenvolvimento do projeto, haja vista apossibilidade de excluir muitos vitivinicultores.Considerando-se que se tratava de um projetoinédito no país e, portanto, cercado dedesconfianças, qualquer medida que resultassena exclusão de muitos produtores colocaria emrisco sua consolidação. Assim, adotou-se umapostura incomum entre as IGs mais reconhecidasem todo mundo: foram aprovadas nada menosque 21 cultivares de Vitis vinífera para o conjun-to dos vinhos tintos e brancos autorizados. Arigor, o regulamento apenas reconheceu ascultivares então presentes na área delimitada, àexceção de algumas poucas que estavam sendocultivadas em caráter experimental por vinícolasbuscando produtos inovadores. No entanto, se,por um lado, isto ampliou a participação; poroutro, criou dificuldades no que se refere à bus-ca de identidade e tipicidade para os vinhos locais.

Desde o princípio sabia-se que esta era umamedida apenas condizente com as condiçõesnecessárias para criar e manter a IP, queinvariavelmente seria alterada no decorrer dotempo. Os pesquisadores envolvidos com oprojeto já tinham clareza que o «avanço» rumoa uma DO obrigaria uma definição maisrestritiva, à exemplo do que ocorre nas principaisregiões vitivinícolas do mundo. Assim, o períodoentre o reconhecimento da IP e a criação doRegulamento de Uso para a DO serviu paraavaliar quais cultivares possuem potencial paraexpressar o terroir local7. De acordo com a nor-mativa do projeto de DO (ainda em análise peloINPI), os vinhos tintos podem ser compostosunicamente pelas cultivares Merlot, CabernetSauvignon, Cabernet Franc e Tannat. No casode assemblages, a Merlot deve compor no míni-mo 60% do volume total. Já para os vinhos tin-tos varietais, este percentual sobre para 85%.

Ao tornar a cultivar Merlot representantedos vinhos tintos locais, esta definição normati-va criou uma série de controvérsias. O únicoconsenso previamente estabelecido referia-se àproibição das variedades americanas e híbridas.Assim, vetou-se de antemão qualquerpossibilidade de reivindicação da relaçãoidentitária da vitivinicultura local com a cultivarIsabel – presente em cerca de 85% da área culti-vada (Desplobins, 2005). Sem esse tipo dedefinição preliminar, o apelo à tradiçãodificilmente poderia ser utilizado como um ar-gumento defensável para justificar as escolhasem curso. Na medida em que a negociaçãorestringiu-se às cultivares viníferas, a tradiçãoremonta a uma construção recente, reinventadaatravés do próprio processo de modernizaçãoque foi o responsável pela disseminação dascultivares viníferas a partir da década de 1970.

Outra justificativa absolutamente plausíveldiz respeito à importância de cada cultivar emtermos de produção ou área plantada. De fato,a Merlot sempre se destacou como uma dasprincipais variedades viníferas. Contudo, suaprodução não superava aquela referente àCabernet Sauvignon. Sendo assim, para algunsprodutores que consideram a definição precipi-tada em vista do recente desenvolvimento das

7 Para uma análise de como o sistema brasileiro deIGs atua com uma perspectiva «evolucionista» que,na prática dos atores, pressupõe estágios diferenciadosentre IP e DO, ver Niederle (2011).

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IGs na região, isto significa «colocar no papeluma coisa que a terra não diz». Mas, que devepassar a dizer muito em breve! Embora a DOainda não tenha sido reconhecida, ela já possuirepercussão no crescimento da área plantadacom Merlot, a qual deve se tornar a principal uvavinífera na região. Mais do que reconhecer umsistema socioprodutivo historicamenteconstituído (e estático), a IG possui um papelperformativo deste sistema.

Frente ao impasse estabelecido, a «ciência»foi demandada como uma espécie de árbitro doconflito. Pelo menos essa era a impressão quesempre se procurou transmitir, quando, naverdade, ela possuiu um papel muito maisperformativo do que mediador (Callon, 1998).Para a maior parte dos técnicos envolvidos como projeto nunca houve dúvidas que os critériosdefinidores das cultivares derivariam das pesqui-sas agronômicas e enológicas. Com efeito,esperava-se que estudos sobre potencialenológico e adaptação edafoclimática de cadacultivar constituiriam as justificativas necessáriase suficientes para legitimar as escolhas. O que severificou, todavia, foi a ótima capacidade deadaptação de outras cultivares além da Merlot,em especial a Cabernet franc. Alguns produtoreschegaram mesmo a reivindicar esta última como«ícone do vinho gaúcho» (Jornal Bon Vivant, abr.2008). Porém, além de possuir pequeno volumede produção, a mesma é pouco reconhecida en-tre os consumidores, o que incorreria em pro-blemas comerciais.

Neste caso, bastaria comparar as cultivaresMerlot e Cabernet Sauvignon em relação ao po-tencial enológico. No entanto, também nestecaso não há elementos para uma decisão inequí-voca. Um produtor entrevistado sustenta que aCabernet Sauvignon parece produzir o «vinhoque melhor expressa o potencial do nosso terroir,mas que é muito difícil de produzir porque de-pende de anos bons»; o que de certa maneira secomprova na medida em que se observam algunsdos chamados «vinhos ícones» das principaisempresas locais. No entanto, também énecessário considerar o maior apelo comercialdeste vinho em razão da própria simbologia cria-da em torno do seu nome mundialmenteconhecido.

De outro modo, a cultivar Merlot foi consi-derada mais adaptada ao solo argiloso da regiãoe às condições climáticas, o que possibilitaria umproduto mais uniforme do ponto de vista

organoléptico. Em outras palavras, a partir daMerlot é possível elaborar, de um ano para outro,vinhos com atributos sensoriais similares, umelemento concorrencial importante frente aconsumidores que demandam produtos comcaracterísticas previamente conhecidas. Aconseqüência mais direta é que a referência àtipicidade ligada ao terroir torna-se mais fluídafrente à necessidade de criar um padrão de«identidade enológica».

Finalmente, a estes argumentos associa-seainda uma justificação mercadológica susten-tando que a cultivar Merlot possui potencial paratornar-se uma espécie de cultivar emblemáticado vinho brasileiro, algo difícil de ocorrer com aCabernet Sauvignon, símbolo do processo demundialização em curso no mercado vinícola.Este tipo de argumento se espelha fundamen-talmente nas experiências comerciais bemsucedidas do Chile com a cultivar Carmenère,da Argentina com a Malbec e do Uruguai com aTannat.

O fato é que a escolha está redefinindo apaisagem vitivinícola, os vinhos e as estratégiasdas empresas. Na vinícola Miolo, isso é reveladopelas mudanças no vinho ícone da empresa. Cul-tivado em um pequeno lote onde os patriarcasda família instalaram-se durante o período decolonização, o Miolo Lote 43 procura adaptar-se ao conceito de cru que expressa um forte vín-culo com o terroir. O interessante a notar,contudo, é que este vinho vem passando por umatransformação gradual: até recentemente, a cul-tivar Cabernet Sauvignon compunha mais de trêsquartos do mesmo, hoje a Merlot já entra em50% do corte. A expectativa é que nas próximassafras ela alcance mais de 60%, adequando ovinho às normas da futura DO Vale dosVinhedos.

O foco em uma variedade específica permi-te aos produtores inserirem-secompetitivamente em um mercado que privile-gia os vinhos varietais. Existem dois diferenciaisbásicos nesta escolha. Primeiro, os consumido-res são atraídos por não precisar vagar entre cen-tenas de nomes «confusos» sobre as quais, emsua maior parte, jamais ouviram falar. Os vinhosvarietais no Brasil há a praticidade de optar en-tre uma dezena de variedades. O segundo dife-rencial é que estes vinhos tendem a manter maiorregularidade gustativa de uma colheita paraoutra. Como será visto à frente, o próprio siste-ma europeu rendeu-se parcialmente a esta lógi-

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ca com a regulamentação dos vinhos IGP.O que acontece no Vale dos Vinhedos não é

fundamentalmente diferente do que ocorrealhures. As últimas três décadas marcaram ainstitucionalização de um modelo vitivinícolafundado em uma quantidade reduzida decepagens, o que está associado a umapadronização dos conhecimentos e práticasprodutivas. Os consumidores foram conduzidosa reconhecer um número restrito de cultivaresautomaticamente identificadas a vinhos dequalidade, independentemente de sua inscriçãoem um terroir particular. Isto ocasionoutransformações profundas nos vinhedosbrasileiros e franceses (Bailly, 2000). NoLanguedoc, por exemplo, isto quase levou aodesaparecimento da Carignan em prol doGrenache e do Syrah (Touzard & Laporte, 1998).

4. BEAUJOLAIS: A RECONSTRUÇÃO DAIMAGEM DO TERRITÓRIOA AOC Beaujolais foi reconhecida em 1937 ecompreende uma superfície de 18 mil hectaresde vinhedos, responsável por uma produção anualde 75 milhões de litros. Esta denominação re-gional configura a base de um sistema piramidalque é composto, logo acima, por uma AOCsubregional (Beaujolais Villages); e, na parte su-perior, um conjunto de dez AOCs concernentesa comunas. Este conjunto de terroirs localiza-dos compõe os chamados crus do Beaujolais, emreferência ao sistema de diferenciação qualitativaestabelecido na Bourgogne no século XIX(Chauvin, 2006).

Se o Beaujolais é hoje uma das regiões vinícolasmais conhecidas no mundo, isto não se deveprimeiramente ao topo desta pirâmide, ou seja,a esta dezena de IGs «mais qualitativas». Antes,isso é o resultado de um inacreditável fenômenode mercado chamado Beaujolais nouveau, umvinho jovem, leve e frutado que primeiro setornou moda na França, para depois alçar vôopelo mundo. Um vinho que carrega consigo umaimagem festiva e, em certa medida, desconecta-da dos fenômenos de «distinção» quecaracterizam os mais reputados terroirs france-ses (Hinnewinkel, 2004). Na verdade, umaimagem desconectada do próprio território. Osucesso de marketing deste vinho foi tamanhoque sua relação com o terroir deixou de sernecessária e reivindicada. De modo geral, ele nãocarrega uma referência à paisagem, às pessoas

ou à uva característica da região. No limite, aprópria referência ao nome Beaujolais se esvai:simplesmente, «le nouveau est arrivé».

Mas como surgiu este fenômeno?Historicamente, os viticultores e negociantes doBeaujolais comercializavam muito precocementesuas colheitas, de modo que a fermentação dosvinhos finalizava-se durante o transporte até oslocais de consumo. Reconhecendo essapeculiaridade, a história do Beaujolais Nouveauinicia em 1951 com a autorização de suacomercialização antes da data legal concernenteaos demais vinhos, qual seja, 15 de dezembro.Desde então, a safra de Beaujolais nouveau chegaao mercado sempre na terceira quinta-feira denovembro, o que deu origem a uma datacomemorativa específica e exacerbou umaimagem de produto festivo.

Durante décadas esta imagem contribuiupara alavancar o crescimento da produção. Osvolumes comercializados de vinho nouveaucresceram exponencialmente entre 1970 e 1980(de 10 para 50 milhões de litros), ano no qualmais da metade da produção das AOCsBeaujolais e Beaujolais-Villages era comerciali-zada como nouveau. Mas este sucesso não foiconseguido sem implicações. Primeiro gerou umatrajetória de especialização e, em termos depaisagem, de monocultivo da videira, o quecolaborou para uma forte vulnerabilidadeeconômica dos produtores em virtude das crisesque se seguiram. Na década de 1970, a demandamundial crescente levou os viticultores aengajarem-se em uma produção frenética, co-locando em risco a qualidade e especificidade doproduto. De um vinho jovem e leve, o Beaujolaisnouveau passou a ser identificado como «vinhoruim», consolidando uma imagem de vinho deconsumo corrente e indiferenciado (Niederle &Gilbert, 2011; Garrier, 2002).

De certo modo, as vendas em ascensão e opreço sobrevalorizado em relação a outras AOCgenéricas criaram uma situação similar àquelaencontrada no setor vitivinícola brasileiro du-rante a década de 1980; sobretudo no que tangeà inexistência de investimentos significativos namodernização dos vinhedos e das estruturas decomercialização, perpetuando desde esta épocauma forte dependência aos intermediários. Aomesmo tempo, esta situação contribuiu paradefinir um determinado itinerário sociotécnico.A produção de vinho nouveau obedece a nor

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mas específicas de vinificação, consideradasnecessárias para manter sua tipicidade. Um as-pecto contraditório na medida em que a imagemdo vinho se desconectava do território, mas suaprodução ainda encontrava-se longe de um mo-delo de vitivinicultura industrial: à título deexemplo, a colheita continuava sendo manual aopasso que a mecanização avançava em todo opaís.

O crescimento do Beaujolais nouveau foiverificado até meados da década de 1990. A par-tir de então, as vendas demonstram forteretração. No mercado interno, entre 1998 e2005 (acompanhando a queda generalizada doconsumo de vinhos na França), a venda donouveau no grande varejo despencou de 10 para7,4 milhões de litros. A rigor, a crise já seanunciava em 1998, ano em que umasuperprodução de vinhos obrigou a associaçãodos produtores a criar uma estrutura chamadaBeaujolais 2000 para retirar vinho do mercado.Atuando como uma espécie de negociante, estaestrutura comprou 11 milhões de litros queforam estocados ou destilados. O mesmoocorreu alguns anos mais tarde com o BeaujolaisQualité, quando 10 milhões de litros foram des-tinados à produção de vinagre. E a crise nãoafetou apenas o mercado do vinho nouveau.Todo o vinhedo sentiu seus efeitos (Garrier,2002). Enquanto na década de 1990 produzia-se cerca de 140 milhões de litros, contabilizandotodas as AOCs, em 2008 foram 75 milhões delitros.

Frente à crise construiu-se um entendimentoentre os profissionais do setor vitivinícola localque o futuro do vinhedo deveria passar por umarevalorização do produto reconectando-o aoterritório. Desde esta perspectiva, advogava-sea necessidade de reconstruir a reputação doBeaujolais colocando em evidência o território eseus atributos qualitativos. Isso está em curso apartir de uma série de inovações organizacionaisque privilegia a produção dos crus. Trata-se deuma tentativa de construir novos circuitos decomércio e redes de produção e consumo(Delfosse & Bernard, 2007). Uma dasestratégias inscritas no Plano EstratégicoVitivinícola Regional e encorajadas pelas políti-cas regionais e departamentais, diz respeito aoincremento da venda direta, a qual permitereinserir o produto no contexto do território efirmar laços mais estreitos entre produtores econsumidores. Confluindo com a estratégia da

Serra Gaúcha, encontram-se no Beaujolais sig-nificativos investimentos no enoturismo e, a par-tir dele, na valorização do conjunto de amenida-des conferidas pelo território, especialmentepaisagem e gastronomia.

Os desafios são consideráveis. Atualmente acomercialização se realiza à granel em mais de80% do volume, via uma centena de negocian-tes, mas concentrada em dez principais quecontrolam 70% do volume negociado neste tipode transação (Niederle, 2011). A venda diretaainda é pequena nas AOCs Beaujolais eBeaujolais Villages (cerca de 7%), mas crescenteentre os principais crus: na AOC Morgon, umadas mais reputadas, ela chega a 35% do volume.Seja como for, trata-se de um desafio estratégi-co para responder à imagem a-territorial criadapelo fenômeno nouveau (Niederle & Gilbert,2010).

Outro problema a ser considerado é o fatoque este tipo de investimento caminha deencontro a uma prática que se institucionalizouentre muitos produtores de crus, qual seja, aassociação entre o vinho local e a Bourgogne,uma das AOCs mais renomadas no mercadomundial. Uma prática compreensível na medidaem que o Beaujolais construiu sua imagemancorada em um produto de massa que, mesmoalcançando preços acima de outras AOCs ge-néricas, jamais competiria com denominaçõesmais reputadas. Assim, os produtores tentaramdesvincular-se desta imagem. Algumas empre-sas abdicaram completamente do vínculo com oBeaujolais, colocando em risco os investimentospara modificar a imagem do território e doproduto; outras hesitam entre diferentes víncu-los territoriais, afirmando uma imagem híbrida:«Morgon, o fruto de um Beaujolais, o charme deum Bourgogne».

De todo modo, talvez exista um desafio aindamais significativo, o qual diz respeito às própriascaracterísticas do processo de qualificação emcurso no território. O Beaujolais é um dos rarosvinhedos franceses que mantém uma tradiçãode monocepagem que caracteriza fortementeuma identidade ao produto: seus vinhos sãooriundos apenas da cultivar Gamay que, ao longodas gerações, tornou-se um dos fundamentosmais expressivos do terroir local. Entretanto, arestrição também produz reações de viticultoresque se consideram excessivamente constrangidospelas normas em vigor. Muitos acreditam que ainclusão de novas cultivares possibilitaria maior

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margem de manobra para competir no merca-do. Em 2000, o organismo responsável por geriras AOCs Beaujolais e Beaujolais Villages propôsa inclusão de três novas cepagens como acessóriasà principal. De modo geral, o objetivo dasinclusões era encontrar cultivarescomplementares que permitiriam a elaboraçãode vinhos tintos com mais coloração e estruturae, assim, mais aptos ao envelhecimento. Comisso, aproxima-se cada vez mais o vinho leve,jovem e frutado característico da região, de umproduto condizente com a demanda do merca-do mundial.

Outra especificidade dos vinhedos deBeaujolais é a forte densidade de videiras, o dobrodaquela encontrada em outras regiões vinícolasfrancesas. Esta densidade é uma tradição local,garantia de uma qualidade diferenciada das uvase fator importante à tipicidade aos vinhos. Noentanto, a mesma também revela-se umadesvantagem econômica: a carga de trabalho porhectare, expressa notadamente na poda ecolheita manual, gera um custo de produção maiselevado em relação aos outros vinhedos france-ses e estrangeiros, para preços similares de ven-da do vinho. Assim, face ao contexto de criseque repercutiu sobre o vinhedo, foramincentivadas modificações nas práticas de culti-vo para tornar a produção mais competitiva.Desde o início da década de 2000, experimentosforam conduzidos para verificar os impactos dealterações na densidade sobre a tipicidade dosvinhos. As análises sensoriais não revelaramdiferenças expressivas, o que levou os represen-tantes setoriais a demandar ao INAO amodificação dos decretos. Em 2007 estamudança foi preconizada pelo próprio plano es-tratégico vitivinícola do Beaujolais e, atualmente,após a modificação dos decretos, as densidadesmínimas estão reduzidas.

A questão fundamental é como reduzir adensidade sem comprometer a tipicidade dosvinhos do Beaujolais, posto que a ampliação doespaçamento entre as plantas pode incorrer noaumento da produção e, portanto, «redução daqualidade». Para compensar isto, foramestabelecidas normas específicas que obrigam osprodutores a alterar o sistema de poda, aumen-tando a altura das plantas, mantendo mais áreavegetativa (ramos e folhas) e, deste modo,reduzindo a produtividade. Em outros casos,para vinhedos já implantados, foi preconizada aretirada de uma fileira a cada seis ou três, de

8 A arrachage foi incentivada pelo Estado que buscareduzir o volume de produção. Planejada paraeliminar os vinhedos de «baixa qualidade», esta políticamostrou-se bastante errática uma vez que não houve controle sobre as áreas retiradas. Segundogestores entrevistados, desde o começo do Plano deRemoção foram perdidos cerca de três mil hectaresvitícolas no Beaujolais, reduzindo a área de cultivode 22 para 19 mil hectares. Com isso, «o vinhedomais escarpado da França» vem sendo redefinido poruma política de modernização. Muitas vezes, asparcelas escolhidas à execução do Plano são aquelasque se encontram em áreas de encosta. Apesar deserem tecnicamente preferenciais ao cultivo da vinha,essas áreas são percebidas como economicamenteinviáveis em razão dos altos custos de produção jáque impedem a mecanização.

acordo com o vigor do vinhedo. Assim, se, porum lado, esta reestruturação não pareceimpactar a tipicidade enológica dos vinhos; poroutro, revela conseqüências diretas na paisagemvitícola local, outro elemento destacado doterroir. Uma nova paisagem é formada com aremoção total ou parcial de vinhedos, desfigu-rando a imagem e a apreciação subjetiva doshabitantes locais e turistas8.

A mudança na paisagem é agravada pelastransformações no modo de condução dosvinhedos. A substituição do sistema tradicionalem gobelet (taça) por formas mais modernas éjustificada como uma medida necessária paraincrementar a qualidade das uvas e permitir amecanização dos tratos culturais. A conduçãoem gobelet define uma disposição irregular dosramos que impede a passagem de máquinas.Assim, um componente expressivo da paisageme do saber-fazer dos agricultores locais é desa-fiado por um sistema de condução (espaldeira)que se tornou tão ou mais disseminado pelomundo que a cultivar Cabernet Sauvignon.

Cabe notar que, no Brasil, modificações nomodo de condução da videira, igualmente res-paldadas por um discurso qualitativo, tambémtêm redefinido as paisagens. A produçãovitivinícola nacional foi construída a partir dosistema de condução em latada (ou pérgola), omesmo utilizado na Itália pelos agricultoresimigrantes que colonizaram a Serra Gaúcha.Oferecendo um grande volume de uvas porhectare, este sistema revelou-se próprio àsexigências de renda das pequenas exploraçõesfamiliares, as quais dispunham de mão-de-obrasuficiente para o intenso trabalho manual que é

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demandado. Adaptado às variedades híbridasresistentes ao clima úmido, este sistema deprodução demonstrou-se, contudo, poucoapropriado quando foram introduzidas ascultivares viníferas. Assim, o mesmo é substituídopor novos modos de condução que permitemmelhor exposição solar e ventilação do vinhedo,condições «necessárias à produção de uvas dequalidade».

5. O LANGUEDOC E A ORGANIZAÇÃODO SISTEMA DE INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS PROTEGIDASO Languedoc é uma das regiões que expressamde modo mais eloquente as transformações domercado vitivinícola e do sistema francês deindicações geográficas. Afinal, trata-se da prin-cipal «varietal wine region» (Pays d’Oc IGP,2009) no interior de um país que sempre prezoupelos vinhos de terroir (Touzard, 2010;Chiffoleau, 2009). Sem o intuito de retomar aanálise do conjunto de mudanças pelas quaispassou «o maior vinhedo do mundo» (Fanet,2009)9, nesta seção serão interpretados algunseventos particulares com vistas a descreverprocessos relevantes de reorganização do siste-ma de IGs. Três questões serão enfatizadas: acrise do mercado e sua expressão territorial; aconstrução da AOC Languedoc no seio de umprocesso de reorganização hierárquica e; o lugardos Vins de Pays dentro do sistema de signos dequalidade associados à origem.

No começo do século XX, a região doLanguedoc especializou-se na produção em largaescala de vinhos de mesa. Na época, estaprodução respondia a uma demanda crescentepor vinhos de consumo corrente em face de umaprodução que ainda se recuperava dos ataquesde filoxera (Daktulosphaira vitifoliae oPhylloxera vastatrix) que dizimaram mais dametade dos vinhedos franceses no final do séculoXIX. Entre crises e choques os mais diversos,este modelo vitícola reproduziu-se de modo do-

9 O Languedoc conta com 246 mil hectares e umaprodução anual de 1,3 bilhões de litros(FranceAgriMer, 2009). Note-se que a área total deprodução de vinhos na França é de 804 mil hectares,para uma produção total em volume de 4,29 bilhõesde litros, compreendidos todos os tipos de vinhos,o que faz da região esponsável por cerca de 30% daárea e da produção nacional.

minante na região até a década de 1980. A partirde então, a retomada da produção em outrasregiões, consubstanciada por um processo abrup-to de modernização técnica, fez aumentarrapidamente a produção de vinhos «maisqualitativos». Imediatamente, os produtoreslocais perceberam que seria necessário alterar omodelo de produção, criando as condições paracompetir na nova estrutura do mercado.

A revolução qualitativa da produção vitícolado Languedoc começou por transformações nosegmento cooperativo, um ator tradicional noterritório e com um grau de importância naestruturação da cadeia produtiva que,provavelmente, não se reproduz em nenhumaoutra grande região vitícola do mundo. Em 1997,existiam mais de 400 cooperativas vinícolas naregião, agrupando 90% dos viticultores e maisde 70% do volume de vinhos (Chiffoleau, 1998).Atualmente, o número de cooperativas foireduzido para 290, mas o segmento ainda con-trola 65% da produção de todos os vinhos co-mercializados. Ademais, diferentemente deoutras regiões francesas e do próprio casobrasileiro, no Languedoc as cooperativas sempretiveram um peso considerável na produção dosvinhos AOC. Dependendo do departamento emquestão, de 60% a 90% destes vinhos são pro-venientes das cooperativas, ao passo que, no paíscomo um todo, este segmento responde pormenos de 40% dos vinhos AOC(FranceAgriMer, 2009).

Nas duas últimas décadas a regiãopresenciou um processo de reconversão semprecedentes na história do mundo vitivinícola,em grande parte financiado pelo Estado. A«grande transformação» do segmentovitivinícola envolveu a formação de umcompromisso entre viticultores, cooperativas eEstado para reestruturar profundamente osvinhedos regionais. Além de recursos diretos paraa mudança dos sistemas produtivos, o Estadoesteve na base do fortalecimento de um arranjotecnológico que alçou definitivamente a regiãoao centro das redes internacionais de pesquisaassociadas ao setor vitivinícola (Touzard, 2010).Ao mesmo tempo, a região recebeu a atençãode investidores internacionais, grandes conglo-merados que compraram terras e contribuírampara alavancar a reputação do território no mun-do dos vinhos. Empresas que capitalizaram odesenvolvimento de uma nova trajetóriaancorada no modelo dos vinhos varietais. De-

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clarando guerra ao sistema francês dehierarquização qualitativa pela origem, estesprodutores buscaram imprimir uma novaimagem à região: desenhavam-se os contornosde uma «nova Califórnia» (Garcia-Parpet, 2007,p. 200).

Frente à crise do modelo francês, muitas crí-ticas à rigidez institucional do sistema deappellations d’origine começaram a encontraradeptos também entre os produtores locais. Noentanto, os impérios do setor vinícola tiveramde conviver com a resistência de pequenosprodutores que, primeiro, relutaram em vendersuas terras e, em seguida, engajaram-se naconstrução de novas estratégias dedesenvolvimento: circuitos curtos, mercadosdiretos, produção orgânica..., colocando emevidência uma representação emergente de«mediterraneidade». Gradativamente, oterritório também foi desfazendo sua imagemindustrial de «usina de vinho» (Garcia-Parpet,2007) para apropriar-se de uma perspectiva pa-trimonial: cultura, paisagem e vinho integradosem um novo sítio simbólico de pertencimento, omediterrâneo.

O desenvolvimento de novos modelos deprodução resultou em um questionamento aosistema de qualificação, tornando mais presen-tes justificativas econômicas e técnicas queemergiram junto ao novo contexto do mercado.Contudo, ao invés da superação das indicaçõesgeográficas, elas foram redesenhadas de modo adinamizar transformações técnicas eorganizacionais que se faziam necessárias àcriação de vantagens competitivas. Por um lado,os produtores utilizaram os decretos referentesaos regulamentos para acelerar o processo dereconversão técnica dos vinhedos e dos méto-dos de vinificação. Por outro, buscaram preser-var o vínculo com a origem e reconstruir a relaçãocom o terroir.

Em relação ao restante da França, odesenvolvimento das AOCs no Languedoc é umfenômeno relativamente recente, que data doperíodo em que as transformações do vinhedomostravam-se irretorquíveis frente à queda nademanda por vinhos de mesa (Pech, 1975). Nocomeço da década de 1970, apenas alguns nomese produtos particulares e localizados detinhameste tipo de distinção (espumantes de Limoux,vinhos doces naturais do Roussillon, Fitou,Clairette du Languedoc). A classificação emAOC dos grandes vinhedos regionais ocorre em

1977 (Côtes du Roussillon) e 1985 (Couteauxdu Languedoc). Atualmente, existe uma cente-na de nomes sob o signo de IGs na região, sejaenquanto Appellation d’Origine Contrôlée, sejacomo Vin de Pays.

Compreendendo 168 comunas, a mais vastadentre todas as AOCs regionais chamava-se, atérecentemente, Coteaux du Languedoc. Em maiode 2007 esta AOC foi substituída pela AOCLanguedoc, a qual ampliou ainda mais sua áreade abrangência, compreendendo grande partedo litoral mediterrâneo. A criação desta AOCregional responde a uma necessidade encontra-da de reorganização da hierarquia das IGs noterritório. A mesma tornou-se a base dapirâmide qualitativa, composta ainda pordenominações sub-regionais e, no topo, um con-junto localizado de denominações comunais.

Embora fosse a segunda denominação emtermos de volume de produção (Corbières sendoa primeira), a AOC Coteaux du Languedocpossuía, paradoxalmente ao seu estatuto deAOC regional, as condições de produção maisrestritas de toda a região, o que criava desordemna pirâmide e confusão para os consumidores(Fanet, 2009; Chiffoleau, Laporte & Touzard,2006). Após anos de debate, os atores locaisentenderam que era preciso criar umadenominação genérica mais ampla, quepermitisse a inserção de maior número deprodutores, flexibilizando algumas normas deprodução e ampliando a área. Isso não poderiaser feito a partir da própria AOC Coteaux duLanguedoc posto que o arrefecimento das nor-mas seria uma decisão extremamente custosa àimagem e reputação do produto. A solução en-contrada foi construção de uma nova AOC,agrupando sob um mesmo guarda-chuva o con-junto das denominações locais.

A partir disto construiu-se um entendimentode que a nova AOC deveria chamar-seLanguedoc, aproveitando-se da reputação que aregião construiu ao longo das três últimas déca-das. Isto gerou um impasse em relação aosprodutores do Roussillon, região de cultura catalãque é anexada administrativamente aoLanguedoc, mas que possui suas própriasdenominações de origem e uma organização re-lativamente autônoma do setor vitivinícola. Osprodutores catalães não concordaram em per-manecer marginalizados face ao agrupamentoque estava ocorrendo no Languedoc emanifestaram o interesse em participar da nova

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AOC. Com isso, ela acabou tornando-se a maiordenominação de origem na França, cobrindointeiramente os departamentos do Hérault,Aude e Pirineus Orientais, além de uma partedo Gard, englobando cerca de 450 comunas.

A primeira questão que se impõe aqui dizrespeito ao critério de delimitação da área destaque é, provavelmente, a última AOC regionalfrancesa a ser reconhecida. Não se trata de umaárea uniforme do ponto de vista do terroir. Noque se refere aos elementos naturais epaisagísticos, ela engloba desde os Pirineus até aGarrigue, passando por todo o litoralmediterrâneo. São características de solo, climae vegetação as mais diversas. Do mesmo modo,diferentes formas de enraizamento socioculturaldo produto são encontradas nas áreas demontanha, mais fortemente arraigadas a umuniverso camponês e agrário, e no litoralmediterrâneo, onde prevalece um vínculo terri-torial mais fluído « um território cuja delimitaçãovai além do sentido conferido pela terra: «seuterroir é o mar», define o slogan da AOC Picpoulde Pinet10.

O que permitiu aos produtores catalãesacolher o signo occitão foi um compromisso téc-nico-econômico firmado a partir da necessidadede reorganizar a hierarquia do sistema e incre-mentar a competitividade dos produtores nomercado. Em termos de notoriedade, a criaçãoda AOC regional responde mais a umanecessidade de organização do sistema do queao reconhecimento de uma denominação dereputação consolidada. Do mesmo modo, suasfronteiras são fruto de uma construção socialque não delimita um território homogêneo, masincorpora uma diversidade de produtores uni-dos por uma necessidade de construir um novoespaço de mercado (Touzard, 2008).

Este mesmo tipo de perspectiva é encontra-do no processo de reorganização dos Vins dePays, o qual foi impulsionado pelas mudançasdecorrentes da harmonização dos sistemas deIG no nível europeu. Desde 2006, o regulamento

10 Esta AOC possui outra especificidade importante.Sua denominação é decorrência de uma cepatradicional cuja produção é concentrada na comunade Pinet, o «piquepoul». Como a legislação francesaimpedia que uma cultivar fosse utilizada para identificaruma denominação de origem, os produtoresalteraram seu nome de modo subliminar: o Piquepoultornou-se Picpoul (de Pinet).

comunitário define que todos os Vins de Payssão passíveis de reconhecimento enquantoIndicações Geográficas Protegidas (IGPs), umconceito que, até então, era inexistente ao setorvitivinícola francês. Com isso, produtores decerca de 140 Vins de Pays estão adequando-seàs novas exigências de rotulagem, as quaisprevêem a substituição gradativa desta expressãoaté que o reconhecimento das IGPs esteja sufi-cientemente consolidado entre os consumido-res.

A região do Languedoc concentra mais de70% de toda produção francesa de Vin de Pays.Em 2008, foram comercializados 743 milhõesde litros sob esta designação, o que representametade da produção regional e o dobro daprodução vinícola brasileira (FranceAgriMer,2009). A importância que este tipo de IGadquiriu na região está diretamente associada àtrajetória vitícola referida acima: primeiro, àpresença dominante dos vinhos de mesa até adécada de 1980; em seguida, à pressãoeconômica pelo desenvolvimento dos vinhosvarietais. Freqüentemente considerados comoum nível intermediário entre os vins de table e osvinhos AOC, os Vins de Pays foram uma alter-nativa de qualificação para muitos produtoresque se inseriram em um processo de qualificação,buscando uma solução à queda do consumo devinhos comuns, mas que não atendiam àscondições demandadas para aceder ao status deAOC.

Historicamente, estas designaçõespermaneceram sob outro tipo deenquadramento regulamentar, fora do âmbitodo INAO. O reconhecimento e controle dosVins de Pays estava sob a responsabilidade doOffice National Interprofessionnel des Fruits,des Legumes, des Vins et de l’Horticulture, queem 2009 foi agrupado a outros quatro órgãossetoriais para dar origem a FranceAgriMer,entidade governamental encarregada daregulação de diferentes cadeias agroalimentares.Porém, em outubro do mesmo ano as atribuiçõesreferentes aos vinhos IGP foram transferidasao INAO, de modo que os Vins de payspassaram a ser formalmente atrelados à entidadeque se ocupa do conjunto de signos distintivosde qualidade e origem e que, é importanteressaltar, privilegia um enfoque mais territoriala estes signos, pelo menos se comparada àatuação de FranceAgriMer.

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Sob responsabilidade de uma entidadesetorial, os Vins de pays eram considerados«vinhos de mesa personalizados por umaprocedência geográfica» (FranceAgriMer,2010). As exigências de reconhecimentoconcerniam basicamente à delimitação de umaárea precisa (região, departamento ou zonaespecífica no seu interior) e a critérios deprodução fixados por decretos: rendimentomáximo, grau de álcool, cultivares autorizadas,normas analíticas, além de métodos específicosde controle. Atualmente, sob o domínio doINAO, este signo passa conviver em um quadroregulamentar que abarca um amplo leque deprodutos agroalimentares. Ao mesmo tempo, areorganização do sistema enquanto IGP colocaos produtos em um universo mais próximo dosvinhos AOC, gerando questionamentos sobre acoexistência destes signos para consumidores quenão estão habituados a encontrá-los de tal modo.

Dentre os principais problemas está oimpacto que será causado no próprio sistema deIGs na medida em que os vinhos IGP sãoautorizados a referir nos rótulos o nome dacultivar da uva (uma prática vedada aos vinhosAOC, que sempre se constituíram como aexpressão máxima do modelo de vinhos deterroir, cuja tipicidade não deveria ser o resultadoda cultivar utilizada, mas de um conjunto defatores naturais associados ao saber-fazer dosvinhateiros). Alguns especialistas entrevistadosconsideram que a démarche dos vinhos varietaisque as IGPs apresentam pode pressionar osprodutores de AOCs genéricas que nãoencontram espaço no mercado a recorrer a estesistema, o que contribuiria para reorganizar apirâmide em sua parte inferior. Isso é reforçadopor uma situação atual que revela, por um lado,um volume de vinhos AOC superior àquelereferente aos Vins de pays; e, por outro, ainexistência de uma hierarquia clara de preçoentre ambas as categorias.

O alvo prioritário dos produtores de vinhosIGP não é, todavia, o mercado francês.Atualmente, 60% do volume de vinhos sob osigno da IGP «Pays d’Oc» é destinado àexportação, notadamente para países anglo-saxãos: Alemanha, Reino Unido, Holanda,Estados Unidos e Bélgica, sendo os cinco maiorescompradores. Trata-se da primeira IG francesaem termos de volume de exportação, superandoAOCs tradicionais como Bordeaux, Bourgognee mesmo Languedoc (InterOc, 2009). Ao inte-

grar no mesmo rótulo a reputação francesa naprodução de vinhos, o conceito emergente deIGP e uma perspectiva que privilegia os vinhosvarietais, os produtores esperam ampliar seusespaços na cadeia de valor, competindo emcondições similares de regulamentação,qualidade e preço com as IGs do novo mundo.

Não obstante, estas pretensões são desafia-das por um novo processo de reestruturação quedesta vez emerge com a criação de uma categoriade «vinhos sem indicação geográfica»,estabelecida por FranceAgriMer em resposta àregulamentação definida na OMC. Desdeoutubro de 2009 os produtores franceses podemdemandar a menção da cultivar e do millésimenos rótulos das garrafas de vinhos sem IG. Comisso, estes produtos passam a competir com osvinhos IGP sem a necessidade de respeitar o con-junto restritivo de normas que concerne a estacategoria: os rendimentos são livres, as práticasenológicas abertas a tudo o que não é proibidopela comissão européia e os procedimentos decontrole simplificados (e, portanto, menos one-rosos). Em 2009, primeiro ano após a novaregulamentação, o volume de vinhos sem IGcomercializado foi de 5,1 milhões de litros. Umano depois, alcançou 27 milhões de litros (Ivaldi,2010). Com preços comparáveis aos vinhos IGP,esta categoria de produtos emerge causandoinquietação sobre o futuro do mercado, do sis-tema de IGs e da reputação do modelo francês.A mensagem é clara: trata-se da entrada defini-tiva do país no modelo dos vinhos varietais.

Após tornar o sistema de indicações geográ-ficas responsável por cerca de 80% de todovolume de vinhos produzidos no país (INAO,2010), os produtores franceses começam a dar«marcha ré». O desenvolvimento dos vinhos semIG expressa um desafio de re-institucionalizaçãodos signos de diferenciação qualitativa para queeles sejam, de fato, um instrumento dediferenciação. Nos próximos anos deve haveruma movimentação ascendente e descendentena pirâmide até que uma nova divisão hierárquicase estabilize. Alguns vinhos de AOCs menosrenomadas que não encontram espaço paracompetir no mercado poderão passar à condiçãode IGP, beneficiando-se da menção da cultivar ede um regulamento menos restritivo. Por suavez, ao mesmo tempo em que vinhos IGPascenderão ao status de AOC, outrosencontrarão seu espaço no segmento de vinhosvarietais sem IG, os quais se diferenciarão dos

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vinhos de mesa. Como mostra Touzard (2008),mais do que uma reação à dinâmica de oferta edemanda, este processo revela a construçãoeconômica e política de diferentes mecanismosde classificação no mercado vinícola.

6. CONSIDERAÇÕES FINAISO modo como as IGs são apropriadas evinculam-se à dinâmica dos territórios e dascadeias produtivas depende do formato especí-fico que esse mecanismo assume após um amploprocesso de negociação sobre seus aspectos nor-mativos e operacionais. Em cada IG é construídoum compromisso cujos valores sustentam elegitimam a construção das normas e itineráriossociotécnicos. Nas três regiões aqui analisadas,pode-se notar que muitos dos compromissosinstituídos privilegiam valores mercantis e téc-nicos, com um forte apelo setorial. Face à novaconjuntura do mercado global, agregação de va-lor, desenvolvimento tecnológico e performan-ce produtiva são justificações inseparáveis dosprincípios qualitativos que legitimam asmudanças em curso.

No entanto, estes compromissos sãoquestionados pela emergência de justificativaspatrimoniais que colocam em evidência outrosvalores. A partir das críticas, novos compromissossurgem incorporando diferentes princípiosqualitativos, colocando em evidência os atribu-tos do território. Valores domésticos e cívicosassociados à valorização do patrimônio cultural,saber-fazer, paisagem, gastronomia, ambienteetc. ganham maior relevância e passam aestruturar, juntamente com valores mercantis etécnicos, compromissos qualitativos maisamplos e complexos.

Este processo trás à tona uma dinâmicaintricada de crítica, mudança e re-institucionalização das IGs. Em alguns casos, aestabilidade do dispositivo é assegurada pelaapropriação das críticas, atores e objetos queestavam fora do projeto, sem que isso alteresubstancialmente os compromissos que lhesustentam; ou seja, a definição de qualidade acor-dada entre os diferentes atores. Mas nem sempreeste tipo de movimento é possível, de modo queserá encontrada com alguma freqüência umadinâmica de exclusão associada à reestruturaçãodesse mecanismo de qualificação.

A evolução das IGs tem estado claramenteassociada a um processo de inovações técnicas,institucionais e organizacionais que a tornam um

instrumento específico de melhoria de eficiênciaprodutiva, investimento em reputação eagregação de valor, capaz de tornar osprodutores competitivos na nova estrutura dacadeia de valor. Isto não significa um simplesajuste dos sistemas locais de produção a ummodelo global de vitivinicultura, muito emboraeste tipo de uniformização também seja umaface deste processo.

Construir vantagens competitivas duráveisdepende da capacidade dos atores econômicosencontrarem espaços específicos de mercado, oque é cada vez mais evidente pela segmentaçãodas cadeias de commodities e pelo próprio apeloque as IGs vêm obtendo. Por um lado, busca-seadequar a vitivinicultura local a um conjunto detécnicas relativamente uniformes quepadronizam os processos de produção e oproduto final, o vinho. Por outro, exploram-seatributos territoriais específicos que permitemao produto diferenciar-se dos demais. Algumasvezes, estes atributos são responsáveis por acen-tuar características organolépticas e sensoriais,conferindo identidade enológica aos vinhos. Emoutros casos, a diferenciação advém basicamentedo saber-fazer dos produtores ou da notoriedadedo território como centro de produção. Em con-textos particulares ambos os atributos associam-se e conferem à bebida o estatuto característicodos vinhos de terroir, isto é, o resultado daconfluência de fatores naturais e humanos.

Assim, nas três regiões aqui analisadas foidemonstrado que a incorporação de determina-das inovações técnicas relativas ao modo decondução dos vinhedos, mecanização evinificação, pode colocar em risco a tipicidadedo produto no que concerne à sua relação com aorigem. Mas existem reações a este processo eos produtores fazem investimentos parareconectar o produto ao território, renegociandoos compromissos que haviam sido constituídosem torno de um determinado padrão dequalidade.

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AGROALIMENTARIA

Vol. 21, Nº 40; enero-junio 2015 143

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