AGROECOLOGIA COMO ESTRATÉGIA PARA O ENSINO DE · da Agroecologia, onde os produtores rurais...

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AGROECOLOGIA COMO ESTRATÉGIA PARA O ENSINO DE

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Alcione Marta Guralh¹

Ana Carolina de Deus Bueno Krawczyk²

Resumo

A inclusão do estudo da Agroecologia nos conteúdos abordados em Ciências Biológicas no Ensino Fundamental foi importante para que os alunos pudessem aplicar os conhecimentos em seu cotidiano em busca de uma vida mais saudável e melhores condições ambientais. Através dos conceitos da Agroecologia, abordados a partir de noções de Ecologia e comparativos entre as técnicas de manejo utilizadas na agricultura convencional e agroecológica, os alunos foram sensibilizados para a problemática ambiental causada pelas práticas agrícolas predominantes, e praticaram o cultivo orgânico em pequena escala experimentando a viabilidade de sua implementação em pequenas propriedades, aliando melhoria ambiental e maior qualidade alimentar.

Palavras-chave: Ecologia; Agroecologia; Agrotóxicos; Meio ambiente; Agricultura.

____________________________

¹ Professora de Ciências Biológicas da Rede Estadual do Paraná. E’mail de contato:

[email protected]

² Orientadora PDE da FAFIUV - Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras

de União da Vitória

Introdução

Analisando a proposta curricular de Ciências Biológicas do Ensino

Fundamental de vários estabelecimentos de ensino constatamos que a Agroecologia

faz parte do rol de conteúdos estudados.

A Agroecologia pode ser inserida no estudo da Ecologia, que aborda três eixos

de interesse: organismo individual, população e comunidade. Ocupa-se também do

estudo de ambientes construídos pelo homem, como lavouras e florestas plantadas,

bem como áreas degradadas e conseqüências da influência humana sobre a

natureza.

A inclusão do estudo da Agroecologia nos conteúdos de Ciências Biológicas é

um contraponto às consequências degradantes da atividade agrícola para o

ambiente, que preocupam não somente ambientalistas e estudiosos, mas

autoridades e população em geral. O uso de técnicas incorretas e o excesso de

produtos químicos ocasionam impactos negativos tanto no meio ambiente quanto na

saúde humana.

As atividades agrícolas convencionais praticadas de maneira intensiva ou

baseadas em técnicas incorretas provocam grandes problemas ambientais, poluindo

o solo e a água, destruindo a vegetação natural e contribuindo para as mudanças

climáticas (BEGON, 2007).

A crescente utilização de herbicidas e inseticidas para o combate a espécies

indesejadas, conforme Schlindwein (2005), produz resíduos altamente tóxicos que

contaminam o solo e a água, podendo ser incorporados nas cadeias alimentares.

Outro grande impacto indesejável das atividades agrícolas é consequência da

remoção da vegetação natural e da utilização de queimadas, que além de ocasionar

a erosão do solo e assoreamento dos rios, contribui para a intensificação do

aquecimento global, aumento anormal da temperatura da atmosfera terrestre que

provoca dramáticas mudanças climáticas e ameaça a vida no planeta.

Neste sentido a Agroecologia surge para promover o desenvolvimento rural

sustentável a partir de modelos alternativos, utilizando como pressupostos o

conhecimento local e os impactos que as atividades já produziram no ambiente

(GUZMÁN, 2001).

Com a proposta de cultivar o solo de modo menos impactante e de maneira

sustentável, a Agroecologia representa um modo inovador para produzir alimentos

sendo que sua abordagem constitui uma importante ferramenta para trabalhar a

educação ambiental e demonstrar aos alunos da educação básica que estes

conceitos podem ser utilizados na prática para melhorar as condições ambientais

locais e reduzir a ingestão de alimentos contendo resíduos de produtos químicos

tóxicos.

A Agroecologia, conforme Guzmán (2001), oferece um campo de

conhecimentos que proporciona as bases científicas para apoiar o processo de

transição do modelo de agricultura convencional para estilos de agriculturas de base

ecológica ou sustentáveis, assim como a superação do modelo convencional de

desenvolvimento em busca de processos de desenvolvimento rural sustentável.

Altieri (2004) afirma que só uma compreensão mais profunda da ecologia

humana dos sistemas agrícolas pode levar a uma agricultura realmente sustentável,

considerando a emergência da agroecologia como nova e dinâmica ciência

representa um enorme salto na direção certa.

Agroecologia, no seu sentido mais comum, é a ciência que ajuda a articular

diferentes conhecimentos científicos e saberes populares para a busca de mais

sustentabilidade na agricultura. (CAPORAL, 2002) O desenvolvimento sustentável busca utilizar recursos naturais para atender

as necessidades humanas de forma a não prejudicar as comunidades biológicas e

considerar ainda as necessidades das futuras gerações. Se forem bem gerenciados,

os recursos naturais dos quais dependemos favorecerão um maior número de

pessoas por um período de tempo maior.

Segundo Costa Neto (2006) a noção de sustentabilidade não se encontra

naturalmente associada à questão agroecológica e passa a ser pensada em termos

agrícolas quando o debate sobre a crise ambiental é vinculado ao espaço rural. É

amplamente conhecido o comprometimento da biodiversidade ocasionado pela

remoção das florestas e realização de queimadas, bem como a intoxicação do solo,

da água e dos seres vivos, inclusive o ser humano, pela utilização abusiva de

defensivos agrícolas.

Considerando o modo de produção agrícola praticado no município, nos

propusemos a incluir o estudo da Agroecologia entre os conceitos ecológicos

abordados nos conteúdos da disciplina de Ciências Biológicas, na Fase II do Ensino

Fundamental da Educação de Jovens e Adultos. Dessa forma apresentamos aos

estudantes jovens e adultos os problemas causados pelas técnicas predominantes

de produção de alimentos, estabelecendo comparativos com a realidade agrícola do

município, demonstrando o cultivo agroecológico como alternativa acessível para

uma vida mais saudável e um ambiente mais equilibrado.

Metodologia

Encaminhamento inicial

Como estratégia para verificação do conhecimento prévio dos alunos foi

aplicado um pré-teste composto de questões sobre o processo de produção dos

alimentos de sua alimentação, efeitos do uso de agrotóxicos para a saúde e para o

ambiente e cultivo de hortas orgânicas nos domicílios. A análise dos dados coletados

permitiu planejar a abordagem conceitual necessária para as etapas seguintes.

Aulas teóricas

Inicialmente foi realizada uma aula expositiva e dialogada aos alunos sobre

conteúdos organizados relacionados aos conceitos que envolvem a ecologia de

ecossistemas. A exposição do conteúdo teve o objetivo de promover a participação

dos alunos frente às discussões a respeito das questões ambientais e as

consequências da ingerência humana sobre os recursos naturais.

A exposição inicial da aula foi ordenada em sequências de slides, que tiveram

como temáticas principais: i)Produção de alimentos; ii)Poluição ambiental; iii)Uso de

pesticidas agrícolas e seus efeitos ao ambiente e ao homem; iv) Aquecimento

Global; v) Sustentabilidade; vi) Conservação do ambiente.

Além da exposição ordenada de slides, foram utilizados como recursos

didáticos vídeos, confecção coletiva de painel explicativo e aula expositiva

dialogada. Após as explicações conceituais iniciais, os alunos foram reunidos em

equipes de até quatro integrantes para aprofundamento da discussão. Foram

distribuídos os temas e questionamentos acerca dos mesmos para cada equipe, que

após as considerações em grupo, fizeram a apresentação oral das anotações feitas.

Para a confecção do painel explicativo, foram utilizadas as idéias

apresentadas oralmente pelos grupos, registradas em papel kraft com marcador

permanente e afixadas em forma de mural. O painel explicativo foi utilizado na aula

seguinte como estratégia para recuperação das informações e motivador para

continuidade do conteúdo.

Visitas de campo

Foram realizadas visitas a propriedades que utilizam a agricultura

convencional, demonstrando as implicações desta prática para o ambiente,

momentos em que os alunos fizeram registros escritos e fotográficos dos problemas

ambientais encontrados para posterior sistematização. Para estabelecer

comparativos foram feitas excursões a propriedades que praticam os fundamentos

da Agroecologia, onde os produtores rurais explicaram e demonstraram suas ações.

Visitamos a propriedade do Sr. Anísio da Rosa na comunidade do Rondon III.

O proprietário e sua família nos receberam no pátio em frente da casa para uma

roda de chimarrão e pinhão cozido. O agricultor explicou inicialmente sua caminhada

desde a ocupação do lote até os dias atuais. A família pratica a agricultura ecológica,

com apoio técnico do Movimento dos Agricultores Sem-Terra e realizam cultivos

diversificados, preservando áreas de floresta nativa.

Nesta vista os alunos conheceram técnicas de produção própria de sementes

e utilização exclusiva de adubo orgânico obtido do esterco de ovelhas, produzido na

propriedade, para fertilização do solo. O agricultor participa de um grupo de

experimentadores de sementes crioulas da comunidade, em parceria com a

Universidade Estadual de Londrina- UEL. Na propriedade são cultivados: feijão,

milho, abóbora, melancia, batata-doce, cebola, alho, verduras, plantas medicinais,

frutas e erva-mate. Também criam galinhas, vacas e ovelhas para o consumo próprio

e desenvolvem a experiência do manejo sustentável da floresta, consorciando

plantas nativas, árvores frutíferas e erva-mate.

O agricultor explicou aos alunos como aplica o conceito de sucessão

ecológica através do qual produz na agrofloresta sem prejudicar suas funções

ambientais. Segundo o produtor, o consórcio de frutíferas e plantas nativas afasta as

pragas e doenças e proporciona maior estabilidade diante das condições climáticas.

Com a diversificação Sr. Anísio afirma que suas despesas reduziram e a família

conseguiu melhorar sua renda.

Em contato com o meio rural, nas visitas de campo foi possível observar em

algumas propriedades os efeitos do manejo inadequado do solo, como áreas

erodidas, ocupação de áreas de preservação permanente, técnicas baseadas no

uso de pesticidas e herbicidas, poluição e assoreamento de rios e córregos. Todas

as situações observadas serviram como disparadores para a discussão feita em sala

de aula, estabelecendo comparativos entre as diversas técnicas de manejo agrícola

observadas.

Foto 01: Visita de campo. (Arquivo pessoal)

Após as visitas a campo, utilizamos uma apresentação de slides sobre

agroecologia para fazer um comparativo com as técnicas agrícolas convencionais, a

partir das imagens obtidas nas propriedades visitadas em que tais conceitos foram

implementados, para possibilitar melhor fixação e sistematização das ideias. As

saídas a campo constituíram uma parte da implementação do projeto bastante

significativa para a incorporação de novos conceitos.

Palestra

Para proferir uma palestra sobre Agroecologia, recebemos em nossa escola o

técnico em Agroecologia Gelson dos Anjos, representante da Associação Regional

de Cooperação Agrícola do Contestado – ARCAC, que tem como pressuposto o

estímulo a agroecologia em assentamentos do MST- Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra.

O palestrante iniciou apresentando-se e falando sobre o seu trabalho junto

aos pequenos agricultores do município, depois fez um retrospecto da agricultura ao

longo da história, desde o seu surgimento até a Revolução Verde e os dias atuais.

Depois explicou o que significa Agroecologia, que segundo ele é uma filosofia de

vida para o homem do campo, pois transcende o aspecto do cultivo e passa a

nortear o modo de se relacionar com todos os seres e consigo mesmo. Mostrou

também imagens de práticas de agricultura sustentável e agroecológica que

implementa nas pequenas propriedades como proteção de nascentes, construção

de biofossas, cultivo em mandalas, adubação verde, construção em super adobe

(bioconstrução).

Por fim o palestrante expôs um vídeo sobre os perigos do excesso de

agrotóxicos e destinou os minutos finais a responder perguntas dos participantes.

Foto 02: Momento da palestra. (Arquivo pessoal)

Atividade prática 1

Depois das noções teóricas, partimos para a parte experimental de cultivo

agroecológico em pequena escala: Os alunos cultivaram um canteiro de verduras

aplicando as técnicas agroecológicas estudadas e acompanharam o

desenvolvimento das plantas através de observação e produção de relatórios.

Após o preparo do solo, acrescentamos composto orgânico obtido de material

vegetal em decomposição misturado com esterco animal em canteiros de 1 m x 10

m. Plantamos mudas de alface, brócolis, escarola e salsinha. Semeamos dois

canteiros de rabanete e cenoura. Foram feitas regas diárias e semanalmente os

canteiros eram inspecionados para observar o crescimento das plantas,

aparecimento de ervas invasoras e insetos.

Os alunos foram orientados a utilizar somente técnicas agroecológicas no

manejo dos canteiros, desde o preparo do solo até a manutenção das plantas.

As verduras produzidas no canteiro foram consumidas na alimentação

escolar.

Foto 03: Preparo do solo. ( Arquivo pessoal)

Foto 04: Plantio. (Arquivo pessoal)

Atividade prática 2

Para estimular a implantação de hortas urbanas com a utilização de espaços

alternativos, os alunos confeccionaram canteiros suspensos em pallets de madeira,

utilizando para o plantio embalagens tipo longa vida, latas e garrafas plásticas.

Previamente foi realizada a pintura para impermeabilização da madeira, e a

preparação dos contenedores para as plantas, feitos a partir de embalagens

reutilizadas da merenda escolar. As garrafas, latas e caixinhas longa vida foram

preparadas, furadas e fixadas aos pallets já pintados, com o auxílio pregos e

parafusos.

O solo foi preparado misturando substrato vegetal a húmus de minhoca, na

proporção 6 partes de substrato para 1 parte de húmus, em um recipiente grande. O

solo preparado foi colocado nos vasos já fixados ao pallet, que posteriormente foi

pendurado no muro do estacionamento da escola com arame galvanizado. O

resultado final pode ser observado na imagem a seguir.

Foto 05: Alunas preparando os vasos. (Arquivo pessoal)

Foto 06: Manutenção da horta. (Arquivo pessoal)

Foto 07: Canteiros suspensos no muro do estacionamento da escola. (Arquivo pessoal)

Para realizar esta atividade os alunos trouxeram mudas de ervas aromáticas

e medicinais, que foram plantadas em vasos confeccionados a partir de embalagens

de metal, plástico e longa vida recicláveis. Complementando a atividade foi realizada

pesquisa bibliográfica para identificação das plantas cultivadas. O resultado da

pesquisa serviu para a elaboração de cartazes para confecção de painel explicativo

sobre ervas aromáticas e suas propriedades.

Organização de material para divulgação

De posse das observações e registros da atividade foi elaborado pelos

alunos, com orientação da professora, um encarte de divulgação e incentivo à

implementação prática dos conceitos de agroecologia em pequenas propriedades. A

atividade oportuniza a verificação dos conhecimentos adquiridos pelos alunos no

decorrer das aulas. O material, que descreve o preparo do solo, explicando como

fazer o plantio e cuidados com a horta, foi distribuído aos demais alunos da escola

para divulgação da experiência e incentivo a multiplicação das hortas orgânicas. O

modelo do encarte pode ser observado a seguir.

Imagem 01 – Frente do encarte produzido para divulgação da prática agroecológica.

Imagem 02 – Verso do encarte produzido para divulgação da prática agroecológica.

Considerações finais

A inclusão do conceito de Agroecologia nos conteúdos abordados no currículo

de Ciências Biológicas da Educação de Jovens e Adultos – Ensino Fundamental –

FASE II, proporcionou fundamentos para a problematização sobre a forma de

produção agrícola praticada na região além de proporcionar aos alunos vivenciarem

na prática os conceitos ecológicos estudados em sala de aula, bem como os

princípios da agricultura verde.

Com o cultivo orgânico experimental foi possível obter hortaliças e ervas

aromáticas que foram utilizadas na alimentação escolar a fim de promover a

alimentação saudável.

A implementação deste trabalho possibilitou demonstrar como é possível, de

maneira fácil e acessível, obter alimentos livres de agrotóxicos e assegurar a

qualidade da alimentação familiar, tanto em espaços rurais como urbanos.

Referências

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4. ed. Porto Alegre : Editora da UFRGS, 2004. 117 p.

BEGON, Michael; TOWNSEND, R Colin e HARPER, Jonh L. Ecologia: de

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